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Crônicas Engraçadas

VÓ CAIU NA PISCINA

Noite na casa da serra, a luz apagou. Entra o garoto:


– Pai, vó caiu na piscina.
– Tudo bem, filho.
O garoto insiste:
– Escutou o que eu falei, pai?
– Escutei, e daí? Tudo bem.
– Cê não vai lá?
– Não estou com vontade de cair na piscina.
– Mas ela tá lá...
– Eu sei, você já me contou. Agora deixe seu pai fumar um cigarrinho descansado.
– Tá escuro, pai.
– Assim até é melhor. Eu gosto de fumar no escuro. Daqui a pouco a luz volta. Se
não voltar, dá no mesmo. Pede à sua mãe pra acender a vela na sala. Eu fico aqui
mesmo, sossegado.
– Pai...
– Meu filho, vá dormir. É melhor você deitar logo. Amanhã cedinho a gente volta
pro Rio, e você custa a acordar. Não quero atrasar a descida por sua causa.
– Vó tá com uma vela.
– Pois então? Tudo bem. Depois ela acende.
– Já tá acesa.
– Se está acesa, não tem problema. Quando ela sair da piscina, pega a vela e
volta direitinho pra casa. Não vai errar o caminho, a distância é pequena, você
sabe muito bem que sua avó não precisa de guia.
– Por quê cê não acredita no que eu digo?
– Como não acredito? Acredito sim.
– Cê não tá acreditando.
– Você falou que a sua avó caiu na piscina, eu acreditei e disse: tudo bem. Que é
que você queria que eu dissesse?
– Não, pai, cê não acreditou ni mim.
– Ah, você está me enchendo. Vamos acabar com isso. Eu acreditei. Quantas
vezes você quer que eu diga isso? Ou você acha que estou dizendo que acreditei
mas estou mentindo? Fique sabendo que seu pai não gosta de mentir.
– Não te chamei de mentiroso.
– Não chamou, mas está duvidando de mim. Bem, não vamos discutir por causa de
uma bobagem. Sua avó caiu na piscina, e daí? É um direito dela. Não tem nada de
extraordinário cair na piscina. Eu só não caio porque estou meio resfriado.
– Ô, pai, cê é de morte!
O garoto sai, desolado. Aquele velho não compreende mesmo nada. Daí a pouco
chega a mãe:
– Eduardo, você sabe que dona Marieta caiu na piscina?
– Até você, Fátima? Não chega o Nelsinho vir com essa ladainha?
– Eduardo, está escuro que nem breu, sua mãe tropeçou, escorregou e foi parar
dentro da piscina, ouviu? Está com a vela acesa na mão, pedindo para que tirem
ela de lá, Eduardo! Não pode sair sozinha, está com a roupa encharcada, pesando
muito, e se você não for depressa, ela vai ter uma coisa! Ela morre, Eduardo!
– Como? Por que aquele diabo não me disse isto? Ele falou apenas que ela tinha
caído na piscina, não explicou que ela tinha tropeçado, escorregado e caído!
Saiu correndo, nem esperou a vela, tropeçou, quase que ia parar também dentro
d’água.
– Mamãe, me desculpe! O menino não me disse nada direito. Falou que a senhora
caiu na piscina. Eu pensei que a senhora estava se banhando.
– Está bem, Eduardo – disse dona Marieta, safando-se da água pela mão do filho,
e sempre empunhando a vela que conseguira manter acesa. – Mas de outra vez
você vai prestar mais atenção no sentido dos verbos, ouviu? Nelsinho falou
direito, você é que teve um acesso de burrice, meu filho!

ANDRADE, Carlos Drummond de. Vó caiu na piscina. Rio de Janeiro: Ed. Record,
1996.

NO RESTAURANTE

- Quero lasanha.
Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na
ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não
precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria.
Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu
para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
- Meu bem, venha cá.
- Quero lasanha.
- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
- Não, já escolhi. Lasanha.
Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em
sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
- Vou querer lasanha.
- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
- Gosto, mas quero lasanha.
- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana
de camarão. Tá?
- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
- Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
- Você come camarão e eu como lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
- Quero uma lasanha.
O pai corrigiu:
- Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por
que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto,
pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o
serviço, ela atacou:
- Moço, tem lasanha?
- Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
- O senhor providenciou a fritada?
- Já, sim, doutor.
- De camarões bem grandes?
- Daqueles legais, doutor.
- Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?
- Uma lasanha.
- Traz um suco de laranja pra ela.
Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para
surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos,
não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa
manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
- Estava uma coisa, heim? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. -
Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
- Agora a lasanha, não é, papai?
- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
- Eu e você, tá?
- Meu amor, eu...
- Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha,
bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A
garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com
força total, o poder ultra-jovem.

ANDRADE, Carlos Drummond. Crônicas I - “Para Gostar de Ler 1”. São Paulo:
Editora Ática; 2005. 27º Edição

OS ANTISSOCIAIS I
15 OUTUBRO, 2010 / JULIANO MARTINZ / 7 COMMENTS

– Alô?

– E aí?

– Fala, grande.

– Que tá fazendo?

– Nada. Debaixo das cobertas.

– Hum. Sei.
– E você?

– Na mesma.

– Um saco, hein!

– Pois é. Liguei pra isso.

– Isso o que?

– Ah, sei lá. Tédio dos infernos.

– Pra variar né?

– Vontade acabar com isso tudo.

– Vai se matar?

– Não, anta. Vontade acabar com esse tédio.

– Vá ler um livro.

– Outro?

– É, um saco!

– E como! Já foram três essa semana!

– Putz.
– Tá afim de sair?

– Nem. Pra onde?

– A festa da facul.

– Ah, nem vou. Tô debaixo das cobertas.

– Só sair daí.

– Nem… Só saio daqui amanhã cedo.

– Eu tô afim de ir.

– Você vai?

– Não disse que vou. Disse que estou afim.

– Mas você vai?

– Ah, sei lá.

– Fazer o que lá, cara?

– Fazer o que aqui?


– Vá ler um livro.

– Putz… Você não se incomoda com isso, cara?

– Isso o quê?

– Ficar dias e dias enfiado nesse quarto. Você é um ser humano


ou uma ameba?

– Ó quem fala.

– É disso que estou falando.

– Eu não sou uma ameba.

– Amebas são mais sociáveis, isso sim.

– São?

– Devem ser. São mais populares que nós, pelo menos.

– Se são. Você vai?

– Pensando. Dá medo.

– E eu não sei?

– Vai ter gente estranha pra cacete lá.

– Muita gente, isso sim.

– E estranha.

– E como! Você vai?

– Se você for, eu vou.

– Eu não vou.
– Por que não?

– Nem a pau. Muita gente. Gente estranha.

– A gente se enturma.

– Certeza?

– Bom, acho que não. Mas a gente tenta, pelo menos.

– A gente tentou ano passado, lembra?

– É.

– No que deu?

– Sujeira.

– Nem isso. Não deu foi em nada, isso sim.

– É.

– Os dois largadões lá no meio sem saber o que fazer.

– É.

– Olhando um para a cara do outro. No mesmo lugar durante


duas horas.

– Se ao menos a gente soubesse dançar.

– E quem ia querer dançar com a gente?

– Pior. Fiascaço.

– E como!

– Melhor deixar essa ideia pra lá, né?


– Melhor mesmo.

– Mas, o que eu faço nessa porcaria de sábado?

– Ah, sei lá. Faça o mesmo que eu.

– OK.

Desligou, e foi ler um livro.

Um saco!

AMORES VIRTUAIS
12 SETEMBRO, 2012 / JULIANO MARTINZ / 21 COMMENTS

Amores virtuais e sentimentos


byteanos conjugados
em crônicas humorísticas
Chegou a conclusão de que a única forma de encontrar o seu
príncipe encantado era por meio de sites de relacionamentos,
especializados em unir pessoas com características
semelhantes. Moça tímida, recatada, criada sob o rigor de um
pai severo, nunca fora de sair, fazer amigos, paquerar. Encontrar
um namorado, dentro de casa, assistindo novela das 6, das 7 e
das 8 seria humanamente impossível. Mas chegando perto do
fúnebre abismo dos 30 anos, chegou a conclusão de que
precisava mudar. E a solução seria acreditar em amores
virtuais.
Acessou o site. O primeiro campo a ser preenchido era
“Apelido”. Um apelido, meu Deus! Mas que apelido? O apelido
de criança? Nem pensar. “Miss Pança” estava fora de cogitação.
Assustaria qualquer pretendente. Ela precisava de algo mais
quente, mais sugestivo, mas sem ser extravagante demais. Que
tal “Donzela em Erupção”!? Não era o exemplo perfeito de
criatividade, mas não deixava de ser sincero. Se não fosse
sincera agora, o que dizer depois de iniciar um relacionamento?

Mas na hora de preencher campos como Idade, Altura e Peso,


hesitou. Sinceridade demais desgasta a relação, pensou, como
uma especialista em relações amorosas. Por isso, diminuiu idade
e peso, e aumentou a altura. No campo Cantor (a) Preferido (a),
achou que Xuxa ia passar uma imagem ruim. Melhor Elis
Regina. Homens gostam de mulheres cultas. Livros? Na vida,
ela só tinha lido Dale Carnegie. Por isso, arriscou um
Patrick Sufind – embora ela tentasse se referir a Patrick Süskind
– que fora citado em alguma nota da Cláudia, mês passado. No
campo Sonho, chegou a conclusão de que se colocasse a
verdade (aquela verdade que cultivava ternamente desde seus
12 anos) de que queria casar e ter uma ninhada de 3 ou 4 filhos,
ah, aí sim ninguém se interessaria por ela.
No final das contas, havia mudado tantas características, tantas
referências, tantas especialidades que a “Donzela em Erupção”
poderia ser qualquer pessoa do mundo, menos ela.

Ficou deprimida ao perceber que, se ela agia dessa maneira,


ocultando suas características – encaradas como “defeito” sob
os exigentes olhos de mulher que imagina estar fadada à vida
monástica – e inventando outras qualidades; sim, se ela agia de
tal forma, não seria difícil imaginar que outros agiriam da
mesma maneira. Em outras palavras: se recebesse o e-mail dum
jovem de vinte e poucos anos, atlético, olhos claros, nominado
Poeta Coruscante, deveria entender: coroa desorientado,
barrigudo, consumidor assíduo de espetinho e ovo cozido no Bar
do Joca, e torcedor fanático do Grêmio Maringá.

Pensou melhor. Bem melhor, por sinal. Fechou o navegador sem


salvar seu cadastro, e foi assistir emocionada, a mais uma
eliminatória de A Fazenda

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