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Roteiro Finalizado Grazadeus
Roteiro Finalizado Grazadeus
CENA 4
Os mortos levantam um a um devagar e fazendo reconhecimento do território.
PUDIM DE CACHAÇA: O sino da igreja começou a badalar.
DONA QUITÉRIA: É a missa das sete...
DR. CÍCERO BRANCO: Vamos caminhando, quando estiver dentro da cidade nos
separamos.
Os mortos começam a dar uma volta no na cidade (auditório) e assustando as
pessoas que reagem com desespero a cena. Até chegarem ao coreto (palco). E
ficarem aguardando a chegada dos demais para começar a conversa. (Tocam
doze badaladas)
CENA 5
DRA. LAZARÍNA: O senhor está com taquicardia, coronel! Pelo amor de Deus,
volta para casa.
TIBÉRIO VACARIANO: Fale! (Se dirigindo ao Dr. Cícero Branco que está à frente
dos outros mortos). Seja breve, pois não aguento esse fedor.
DR. MIRABEAU: (Sobe em um banco, mas começa a ser vaiado “Viado, Viado,
Viado”) Delegado, se essas ofensas não acabarem contra minha pessoa mande
evacuar as galerias.
DR. CÍCERO BRANCO: O meu caro colega terminou? Pois então desça do banco,
pois sua postura está tão ridícula quanto seus argumentos. A julgar pelas palavras
do nosso prefeito e do promotor, nossa presença é indesejável. Por outro lado,
nosso desaparecimento foi plenamente aceito por todos. Vossa repulsa e má
vontade com nossos corpos nos dá liberdade para dizer o que realmente
pensamos de você.
DR. CÍCERO BRANCO: Hipócritas! Impostores! Eis o que sois.... Olhando daqui
de cima a vida parece um baile de máscaras. Ninguém usa sua face natural. A
Dra. Lazarina representa o papel de médica humanitária. O nosso Vivaldino
Brazão, ah! Esse faz vista grossa às violências de sua polícia e às próprias
patifarias.
TIBÉRIO VACARIANO: Façam esse louco calar boca! Onde está a polícia! (Caí
em um banco resfolegante).
DR. CÍCERO BRANCO: E quem mais vejo na festa? Ah! A delegada Inocência
Pigarço, essa esconde um uniforme negro de Capitã de Hitler por baixo de sua
roupa de Anjo da Guarda que zela pela ordem do baile! E que baile! Será que a
verdade fede? (Seguido de bravos e aplausos).
A medida que tudo isso vai acontecendo pessoas vão tendo ataques e passando
mal por causa do cheiro ou do sol forte.
DR. CÍCERO BRANCO: Não me venha com essa paródia de Jesus e Pilatos.
Você não sabe o que é a verdade porque vive num mundo de falsidade. (Seguido
de gritos das arvores de “Mentiroso, Mentiroso, Mentiroso”). Mas basta de
metáforas, vamos ao ponto. Eu acuso o Cor. Tibério Vacariano e o Prefeito
Vivaldino Brazão de enriquecimento ilícito.
TIBÉRIO VACARIANO: Morte ao bandido! O meu revolver. Quem ficou com meu
revolver!?
DR. CÍCERO BRANCO: E como eu sei disso? Fazia parte, era um ladrão.
DR. MIRABEAU: Como pode um homem que morreu dia 11 depor dia 13?
Nenhum tribunal no mundo aceita esse depoimento.
DR. CÍCERO BRANCO: Prefeito o senhor não deve ter notado um vaso na sua
mesa; dentro dele tinha um pequeno microfone que gravou nossa conversa. Até
mesmo o mais esperto Tibério que nunca assina documentos caiu nessa ratoeira.
DR. CÍCERO BRANCO: Que serventia tem isso para um cadáver? (Joga o no
chão).
DR. CÍCERO BRANCO: Vou fazer mais uma denúncia, o dinheiro que vinha para
eles era escondido da receita, muitas vezes recebia valores para depositar. Como
não tenho filhos, tudo meu foi diretamente para minha esposa Hoje voltando do
cemitério peguei minha digníssima na cama com um mocinho. E vocês rapazes se
também quiserem o endereço é Rua do Carmo, 124. A faixa de idade de
preferência vai dos 16 aos 24. Mas enfim, tenho aqui os documentos que
comprovam tudo o que falei. (Joga o no chão).
TIBÉRIO VACARIANO: A lei é clara né? Ninguém pode depor depois de morto.
(Enquanto toma os documentos do promotor e rasga em vários pedaços).
DR. CÍCERO BRANCO: Esse gesto do senhor Vacariano só veio confirmar o que
sabemos. Um velho corrupto, ditador e egocêntrico. (Gritos e aplausos).
TIBÉRIO VACARIANO: Delegada onde estão seus homens que não dispersam
esses lacaios de Moscou? (Uma voz sai da plateia “Como vai a Cléo coronel? ”).
O meu revolver! Quero matar esses maconheiros!
DR. CÍCERO BRANCO: Todos sabem que o Coronel é líder do grupo dos
legionários da cruz, cujo lema é Deus, Pátria, Família e Propriedade. Mas o velho
Vacariano não reza há muito tempo, nem vai à missa. E ainda transgride os
mandamentos. Furta dinheiro público e mantém uma mulher ilegítima em outra
casa na cidade.
QUITÉRIA CAMPOLARGO: Tibé, está muito enganado. Não tenho mais nada a
ver com vocês, hoje de manhã quando passei em minha casa tive a maior
desilusão da minha vida. Encontrei minhas filhas e genros discutindo pela partilha
de minhas joias...das joias que pedi que fossem enterradas comigo, joias de muito
valor emocional. E compreendi que por tudo eles iriam brigar, até pelo menor
pedaço de terra. Vi que dão mais valor aos objetos do que a vida. (Seguida de
aplausos e apoios de “Quita! Quita! Quita é a maior...”)
BARCELONA: Não sou nenhum moralista, cada um deve fazer o quer com seu
sexo e seu corpo. Mas se tem uma coisa que não aguento são os fariseus, os
falsos moralistas, que mentem e enganam. E essa cidade está cheia disso. Quem
não sabe que a dona do puteiro, a Venusta fornece as franguinhas para o nosso
honrado Vacariano? (Os jovens começam a gritar).
DR. CÍCERO BRANCO: Basta! Tenho algo sério a tratar.
BARCELONA: Está bem, mas permita que a testemunha mais importante fale.
Tem a palavra a nossa companheira Erotildes.
DR. MIRABEAU: Ninguém está interessado no que está decaída vai dizer.
DR. CÍCERO BRANCO: Queira ou não, você vai ouvir. Venha até aqui, menina!
EROTILDES: Quando cheguei aqui sem nada fui para a cama com o primeiro
homem que me ofereceu dinheiro. E logo já tinha clientes.
EROTILDES: Fui por cinco anos amante do Coronel Vacariano. Ele montou uma
casa para mim, mas quando fiquei velha ele logo me largou e nunca mais me deu
sequer um vintém.
EROTILDES: Logo depois houve uma queda, fazia meu serviço por cinco mil-réis.
Em uma noite fria arrumei uma tísica. Depois só fui para o hospital... não me
lembro o nome.
DRA. LÁZARA: Eu explico! Pelo amor de Deus, me escutem! Sou uma mulher
honrada. Essa criatura já entrou mais morta do que viva no hospital. Coronel
Vacariano o senhor sabe que faço caridade, não faço acepção de classes.
(“Mentira, Mentira, Mentira!” berram os jovens).
DR. CÍCERO BRANCO: Volte para o seu lugar. Pudim, quer falar?
PUDIM DE CACHAÇA: Não vou acusar ninguém. Só quero pedir ao juiz de direito
e ao promotor que não condenem minha mulher, se ela me envenenou é porque
eu que nunca prestei para ela. Chegava em casa tarde e bêbado e ainda batia na
pobre Natalina. (Acompanhado de palmas dos jovens com “Pudim, Pudim”).
DR. CÍCERO BRANCO: Atenção! Chegou a hora de João Paz. (João vem para a
frente dos mortos). Povo de Antares, vejam a operação plástica que a Delegada
Inocência Pigarça e seus carrascos fizeram com Joãozinho.
JOÃO PAZ: Há alguns dias atrás fui preso sobre a falsa acusação de liderar um
grupo de guerrilheiros esquerdistas. Fui levado ao porão da delegacia e
questionado sobre o grupo, por não ter respostas que não existem, fui
violentamente torturado.
BARCELONA: Mentira, todos sabemos que você sempre deu carta branca a sua
delegada.
JOÃO PAZ: “Quem são os outros dez?”, quando eu respondia que não sabia era
brutalmente espancado por vários homens.
DR. CÍCERO BRANCO: Não Terminamos ainda. Esse olho foi quase arrancado
por um golpe de soqueira. De quem João?
MENANDRO OLINDA: Cheguem disso! Estou cansado desse lado nojento do ser
humano. Só quero entrar no sono da morte.
DONA QUITÉRIA: Mal sabes que aqui será melhor que tua eternidade.
CÍCERO BRANCO: Dona Quitéria, agora, mais do que nunca estou convencido de
que somos considerados indesejáveis em Antares. Nossa presença na realidade
só tem trazido desavenças e desuniões.
DONA QUITÉRIA: É muito triste a gente descobrir depois de morta que não é
querida nem respeitada na sua terra natal.
DONA QUITÉRIA: Ora, que os vivos cuidem dos vivos. E enterrem os mortos
quando puderem. Está em votação a proposta de abandonar incondicionalmente
nossas posições sem mais delongas. Quem estiver de acordo levante a mão.
(Todos levantam as mãos).
MENANDRO OLINDA: Cidade sem alma! Cidade cruel! Cidade sem amor! O que
falta é a música! Falta a leitura! Vocês são uma sociedade vazia sem compaixão
que não sabem apreciar a arte! Aprendam a preencher esse vazio sujo dentro de
vocês! São uns porcos que só querem saber de prazeres carnais! São uns
imundos! Eu sinto nojo de todos vocês!
CENA 7
(Na manhã seguinte após os mortos voltarem para seus devidos caixões, aparece
a repórter para cobrir o incidente e acaba indo entrevistar Mendes)
REPÓRTER: Boa tarde, sou repórter do jornal correio da manhã, de Porto Alegre.
Você pode me responder uma pergunta? Afinal, onde estão os mortos?
MENDES: Minha filha, então você, uma moça inteligente e instruída, engoliu essa
potoca de que sete defuntos se levantaram de seus caixões e vieram caminhando
até à praça para conversar com os vivos?
REPÓRTER: Bom, acreditar mesmo nós não acreditamos. Viemos aqui averiguar
o que houve. Porque algo houve, não me diga que não. Foi a senhora quem
telefonou ao nosso diretor, contando o fato...
REPÓRTER: Então tudo isso não passa de uma mentira apenas para promover a
cidade?
MENDES: Sim. Eu sei que fiz você vir aqui a toa mas fique tranquila, eu irei
bancar tudo. Já almoçou? Não? Pois tem um restaurante aqui perto que faz um
churrasco delicioso.
REPÓRTER: Tudo bem, vai indo na frente que eu chego até você daqui a pouco,
irei só resolver um problema. Alo. Sim, o pessoal dessa cidade é louco, perda de
tempo. Mais tarde eu volto aí pra civilização.