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Copyright © 2019 by Editora Letramento

Copyright © 2017, 2018 by Reni Eddo-Lodge


Copyright da tradução ©2019 by Elisa Elwine
Publicado pela primeira vez por Bloomsbury Publishing, Londres, Inglaterra

Diretor Editorial | Gustavo Abreu


Diretor Administrativo | Júnior Gaudereto
Diretor Financeiro | Cláudio Macedo
Logística | Vinícius Santiago
Assistente Editorial | Giulia Staar e Laura Brand
Tradução | Elisa Elwine
Preparação e Revisão | Lorena Camilo
Adaptação de Capa | Luís Otávio Ferreira
Projeto Gráfico e Diagramação | Gustavo Zeferino

Todos os direitos reservados.


Não é permitida a reprodução desta obra sem aprovação do Grupo Editorial
Letramento.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com


ISBD

E21p Eddo-Lodge, Reni

Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre


raça / Reni Eddo-Lodge ; traduzido por Elisa Elwine. - Belo
Horizonte : Letramento, 2019.
214 p. ; 15,5cm x 22,5cm.
Tradução de: Why I’m No Longer Talking to White People About
Race
Inclui bibliografia e índice.
ISBN: 978-65-86025-06-4

1. Racismo. 2. Raça. I. Elwine, Elisa. II. Título.

CDD 305.8
CDU
2019-1281
323.14

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

Índice para catálogo sistemático:


1. Racismo 305.8
2. Racismo 323.14

Belo Horizonte - MG
Rua Magnólia, 1086
Bairro Caiçara
CEP 30770-020
Fone 31 3327-5771
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casadodireito.com
Para T&T
APRESENTAÇÃO

PREFÁCIO

1 HISTÓRIAS

2 O SISTEMA

3 O QUE É PRIVILÉGIO BRANCO?

4 MEDO DE UM PLANETA NEGRO

5 A QUESTÃO DO FEMINISMO

6 RAÇA E CLASSE

7 NÃO HÁ JUSTIÇA, HÁ APENAS NÓS

POSFÁCIO

BIBLIOGRAFIA

AGRADECIMENTOS

NOTAS
APRESENTAÇÃO

No Brasil, nos últimos dez anos, tivemos um avanço significativo


em relação ao debate sobre questões étnico-raciais. Seja por
autoras e autores que se popularizaram, blogs, programas de TV ou
pelas redes sociais. Conceitos e discussões que antes estavam
restritos às universidades chegaram ao grande público, gerando
conversas importantes para o rompimento de uma ideia alimentada
por décadas: o mito da democracia racial.
Mito este que nos fazia crer que raça não deveria ser vista como
um fator determinante às interações do indivíduo, já que fomos
profundamente afetados pelo processo de miscigenação, e com isso
teríamos solucionado o racismo. Racismo esse que era um
fenômeno que acontecia nos Estados Unidos, já que lá houve uma
segregação institucionalizada.
Entretanto, apesar dos avanços e da conscientização de milhares
de pessoas negras, ainda hoje, quando falamos sobre raça,
naturalmente entendemos que o sujeito a ser observado e o que
deve falar sobre o assunto, necessariamente é o que está inserido
no que chamamos de minorias étnicas, traduzindo: todos aqueles
que não são considerados brancos.
Mas, neste momento, quero destacar uma das diversas perguntas
que encontrei no Por que eu não converso mais com pessoas
brancas sobre raça: o poder da branquidade como raça deve ser
julgado? Esses e outros questionamentos e definições trazidos pela
autora Reni Eddo-Lodge me fizeram entender que essa é uma
leitura necessária para tirar um grupo da zona de conforto, e levar
outro ao descanso da falta de obrigação. Mas não é só isso, nas
páginas a seguir também encontramos conversas relevantes sobre
comodidade da branquitude, o racismo no movimento feminista, a
intersecção entre raça e classe, a experiência de filhas e filhos
negros de casais inter-raciais ou adotados por pessoas brancas e
muitos outros debates atuais e necessários para que avancemos.
Isso tudo com uma linguagem de fácil entendimento, inclusive para
pessoas que nunca tiveram contato com a temática.
Você pode estar na dúvida se uma autora britânica, que
teoricamente vive uma realidade totalmente diferente da brasileira,
teria o que acrescentar aos debates que temos aqui. Mas, te
garanto que, como pessoa negra ou como pessoa branca, através
dessa leitura você perceberá que essa realidade, na verdade, tem
muitas semelhanças, já que por aqui, assim como por lá, o poder da
branquitude é estrutural e estruturante, assim como o poder
segregador do racismo.
Nós não estamos numa era pós-racial e esta publicação confronta
firmemente essa ideia. Não é porque vemos mais pessoas negras
nas diversas mídias ou nas universidade que podemos pensar que o
debate sobre raça e racismo estão esgotados. Tampouco porque
estamos na era da troca, onde muitas pessoas de diferentes etnias
passam a não ver problema em se relacionar. Os grupos de
extrema-direita e seu crescente número de adeptos estão aí nos
alertando sobre um novo levante da aceitação da ideia de
supremacia racial. E qual é o papel das pessoas brancas que se
dizem progressistas nesse atual cenário? Como bem citado por
Renni a fala do ativista político Martin Luther King na Letter From the
Birmingham Jail: “[…] a aceitação indiferente é mais desconcertante
do que a rejeição total.” É necessário se movimentar. Diante disso,
esse livro passa a ser uma obra fundamental para que pessoas
brancas que se dizem antirracistas saiam do seu local de culpa pela
sua branquitude e pelos seus privilégios, para uma posição de luta
real.
Se você ainda está em dúvida se vale a pena dar continuidade a
essa leitura, acredite em mim, ela pode te fazer refletir sobre
questões e te trazer conceitos que ainda não tinham sido
apresentados, já que, apesar da minha familiaridade com a
temática, a minha leitura foi repleta de destaques e demarcações ao
longo do texto, além do despertar de novas ideias e reflexões.
Esse também é um bom livro para ser dado de presente, já que a
Reni Eddo-Lodge nos fez o grande favor de conversar com pessoas
brancas sobre racismo, para que assim outras pessoas negras, já
cansadas de debates muitas vezes desgastantes, pudessem
simplesmente seguir sem a necessidade de falar mais uma vez
sobre racismo com pessoas brancas. E também para que pessoas
brancas, que se comprometem na causa antirracista, possam ler e
presentear seus pares.
Se você é uma pessoa branca que vive perguntando por aí qual é
seu papel na luta contra o racismo, esse livro é para você. Se você
é uma pessoa branca que jamais pensou sobre a sua brancura,
esse livro também é para você. Agora, se você é uma pessoa negra
que já não aguenta mais debates, esse livro também é para você,
porque ele vai te trazer a sensação de que alguém finalmente falou
o que você sempre quis gritar aos quatros ventos.
Desejo uma desconfortável, mas agradável, leitura para todas e
todos vocês.

Gabi de Pretas
Graduada em Comunicação Social pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) e criadora do canal DePretas por Gabi
Oliveira, considerado um dos canais mais relevantes em relação às
discussões étnico-raciais no Brasil.
PREFÁCIO

Em fevereiro de 2014 publiquei um post no meu blog. Dei o título


de “Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre
raça”.
O post dizia:
Não estou mais entrando em discussões sobre raça com pessoas
brancas. Não todas as pessoas brancas, apenas a vasta maioria que
recusa a aceitar a legitimidade do racismo estrutural e seus sintomas.
Não consigo mais me envolver com o abismo de uma desconexão
emocional que as pessoas brancas exibem quando uma pessoa de
cor* fala sobre sua experiência. Você consegue ver os olhos dessas
pessoas fecharem e endurecerem. É como se melaço fosse despejado
em seus ouvidos, bloqueando seus canais auditivos. É como se eles
não pudessem mais nos ouvir.
Essa desconexão emocional é a conclusão de uma vida absorta do fato
de que sua cor de pele é normal e todas as outras fogem ao padrão.
Na melhor das hipóteses, pessoas brancas foram ensinadas a não
mencionar que pessoas de cor são “diferentes”, no caso de isso nos
ofender. Elas realmente acreditam que as experiências de suas vidas,
resultadas na cor de suas peles, podem e devem ser universais.
Eu simplesmente não consigo me envolver com a perplexidade e a
maneira defensiva enquanto elas tentam lidar com o fato de que nem
todos experimentam o mundo da mesma forma que elas. Pessoas
brancas nunca tiveram que pensar sobre o que significa, em termos de
poder, ser branco, então todas as vezes em que são vagamente
relembradas desse fato, interpretam isso como uma afronta. Seus
olhos se enchem de tédio ou arregalam de indignação. Suas bocas
começam a se contorcer à medida que vão ficando defensivas. Suas
gargantas se abrem enquanto elas tentam interromper, ansiosas para
falar em cima de você sem realmente escutar, porque elas precisam
informar que você entendeu tudo errado.
A jornada para entender o racismo estrutural ainda exige que as
pessoas de cor priorizem os sentimentos brancos. Mesmo que eles
consigam te ouvir, eles não estão realmente escutando. É como se
alguma coisa acontecesse com as palavras assim que elas saem de
nossas bocas e chegam aos ouvidos. As palavras atingem uma
barreira de negação e não passam desse ponto.
Essa é a desconexão emocional. Não é muito surpreendente, porque
eles nunca entenderam o que significa acolher uma pessoa de cor
como uma igual, com pensamentos e sentimentos que são tão válidos
quanto os seus. Assistindo The Color of Fear,* de Lee Mun Wah, vi
pessoas de cor se debulhando em lágrimas enquanto tentavam
convencer um homem branco e provocador de que suas palavras
estavam reforçando e perpetuando um padrão branco e racista. O
tempo todo ele olhava de forma alheia, completamente confuso diante
dessa dor, na melhor das hipóteses, banazilando-a, e, na pior,
ridicularizando-a.
Já escrevi sobre essa negação branca ser a política de raça
onipresente que opera sobre sua invisibilidade inerente. Então não
posso mais conversar com pessoas brancas sobre raça por causa das
consequentes negações, estranhas piruetas e acrobacias mentais que
elas demonstram quando esse assunto é posto em pauta. Quem
realmente gostaria de ser alertado sobre um sistema estrutural que o
beneficia às custas de outros?
Eu não consigo mais ter essa conversa, porque estamos chegando a
ela de lugares completamente diferentes. Eu não posso ter uma
conversa com as pessoas sobre detalhes de um problema se elas
sequer reconhecem que o problema existe. Pior ainda é a pessoa
branca que pode estar disposta a considerar a possibilidade do racismo
dito, mas que pensa que entramos nessa conversa como iguais. Nós
não entramos.
Sem mencionar que entrar em uma conversa com pessoas brancas
provocadoras é uma tarefa, francamente, perigosa para mim. À medida
que as hostilidades aumentam e a provocação cresce, tenho que
seguir com muito cuidado, porque se eu demonstrar frustração, raiva
ou exasperação por sua recusa em entender, elas vão recorrer aos
estereótipos racistas sobre pessoas negras e raivosas que são uma
ameaça a elas e à sua segurança. É bem provável que elas me pintem
como uma valentona ou uma abusadora. Também é provável que seus
amigos brancos se juntem a elas, reescrevam a história e transformem
mentiras em verdades. Tentar conversar com elas e navegar pelo seu
racismo não vale a pena.
Em meio a toda conversa sobre “pessoas brancas que são gentis” se
sentindo silenciadas por conversas sobre raça, existe uma espécie de
ironia e evidente falta de compreensão ou empatia por nós que fomos
visivelmente marcados como diferentes durante toda nossa vida e que
vivemos com as consequências disso. É realmente uma vida inteira de
autocensura que as pessoas de cor têm que viver. As opções são: falar
sua verdade e encarar a represália, ou morder sua língua e progredir
na vida. Deve ser uma vida estranha, sempre tendo permissão para
falar e se sentindo indignado quando você finalmente é convidado a
ouvir. Decorre do direito dos brancos de nunca serem questionados,
suponho.
Eu não posso mais continuar a me exaurir emocionalmente tentando
passar essa mensagem, ao mesmo tempo em que me deparo com
uma linha bem precária que tenta não implicar qualquer pessoa branca,
em seu papel de perpetuador de um racismo estrutural, com receio de
ser assassinada.
Então eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça. Eu não
tenho o imenso poder de mudar a forma como o mundo funciona, mas
posso estabelecer limites. Posso suspender o direito que elas sentem
em relação a mim e vou começar parando a conversa. A balança tende
demais a favor delas. Suas intenções muitas vezes não são de ouvir e
aprender, mas exercer seu poder, provar que estou errada, me drenar
emocionalmente e reequilibrar o status quo. Eu não converso mais com
pessoas brancas sobre raça a não ser que eu realmente precise. Se
tiver alguma matéria ou aparição em conferência que significa que
alguém pode ouvir o que estou dizendo e se sentir menos solitária,
então eu participarei. Mas não lido mais com pessoas que não querem
ouvir, que desejam ridicularizar e que, francamente, não merecem.
Depois que eu cliquei em “publicar”, o post ganhou vida própria.
Anos depois, eu ainda conheci novas pessoas, em diferentes países
e diferentes situações, que me contaram que leram o texto. Em
2014, enquanto o post era compartilhado em toda a internet, eu me
preparei para a habitual onda de comentários racistas. Mas a
resposta foi nitidamente diferente, tão diferente que me
surpreendeu.
Houve uma clara divisão racial na forma como o post foi recebido.
Recebi várias mensagens de pessoas negras e pardas.* Foram
tantos “obrigado” e vários “você falou sobre minhas experiências”.
Houve relatos de lágrimas e um pequeno debate sobre como
abordar o problema, com educação sendo classificada como uma
solução para preencher a lacuna da comunicação. Ler essas
mensagens foi um alívio. Eu entendia como era difícil colocar esse
sentimento de frustração em palavras, então quando pessoas
entraram em contato e me agradeceram por explicar uma coisa que
elas sempre tiveram dificuldade, fiquei feliz que o post foi útil a elas.
Eu sabia que se eu estava me sentindo menos sozinha, então elas
também estavam.
O que eu não estava esperando foi a avalanche de emoções
vindas de pessoas brancas que sentiram que, ao decidir parar de
conversar com pessoas brancas sobre raça, eu estava tirando algo
do mundo e que isso era uma tragédia absoluta. “De partir o
coração” parecia a melhor expressão para descrever esse
sentimento.
“Sinto muito mesmo que você tenha sido levada a se sentir dessa
forma”, uma pessoa comentou. “Como uma pessoa branca, estou
dolorosamente envergonhada pelo privilégio sistêmico que negamos
e gozamos diariamente. E tão vergonhoso que eu nem havia
percebido até dez anos atrás.”
Outro comentarista implorou: “Não pare de conversar com
pessoas brancas, sua voz é precisa e importante e existem
maneiras de fazê-la passar.” Outro, dessa vez uma pessoa negra,
dizia: “Seria uma tarefa dolorosa persuadir as pessoas, mas nós não
devemos parar.” E um último e definitivo comentário dizia
simplesmente: “Por favor não desista das pessoas brancas.”
Apesar de essas respostas serem sistêmicas, elas eram
evidências da mesma lacuna de comunicação que eu havia escrito a
respeito no post do blog. Elas pareciam uma falta de compreensão a
respeito de para quem esse texto foi escrito. Ele nunca foi escrito
com a intenção de propagar culpa nas pessoas brancas, ou de
provocar qualquer tipo de epifania. Eu não sabia, naquela época,
que eu havia inadvertidamente escrito uma carta de término para a
branquitude. E eu não esperava que os leitores brancos fossem
fazer na internet o equivalente a ficar do lado de fora do meu quarto,
com uma caixa de som e um buquê de flores, confessando suas
falhas e erros, me implorando para não deixá-los. Tudo isso pareceu
estranho e ligeiramente desconfortável para mim. Porque, ao
escrever aquele post, como se estivesse dizendo que bastava para
mim; não foi um pedido de ajuda ou um clamor pela compreensão e
compaixão das pessoas brancas. Não foi um convite para os
brancos se entregarem à autoflagelação. Eu parei de falar sobre
raça com pessoas brancas porque eu não acredito que desistir é um
sinal de fraqueza. Às vezes é sobre autopreservação.
Eu transformei “Por que eu não converso mais com pessoas
brancas sobre raça” em um livro – paradoxalmente – para continuar
a conversa. Desde que eu estabeleci meu limite, tenho feito pouco
além de falar sobre raça – em festivais de música e estúdios de TV,
para pupilos de escolas secundaristas e conferências de partidos
políticos – e a demanda por essa conversa não mostra sinais de
enfraquecimento. As pessoas querem falar sobre isso. Esse livro é
produto de cinco anos de agitação, frustração, explicações
exaustivas, e longos parágrafos em comentários no Facebook. É
sobre não apenas o lado explícito, mas sobre o lado escorregadio
do racismo – os detalhes que são difíceis de definir, e os detalhes
que te fazem duvidar de você mesmo. A Grã-Bretanha ainda está
profundamente desconfortável com raça e diferença.
Desde que eu escrevi aquele post em 2014, as coisas mudaram
bastante para mim. Agora eu passo a maior parte do tempo
conversando com pessoas brancas sobre raça. O mercado editorial
é muito branco, então não existiria uma maneira de publicar esse
livro sem conversar com pelo menos algumas pessoas brancas
sobre raça. E durante a minha pesquisa eu precisei conversar com
brancos que eu nunca pensei que algum dia trocaria palavras,
incluindo o ex-líder do Partido Nacional Britânico, Nick Griffin. Sei
que muitas pessoas acreditam que ele não deveria ter uma
plataforma onde seus pontos de vidas pudessem ser transmitidos de
forma incontestável, e agonizei com a entrevista na página 109. Não
sou a primeira pessoa com uma plataforma a dar tempo para Nick
Griffin, mas espero que eu tenha usado suas palavras com
responsabilidade.

Uma palavra rápida sobre definições. Neste livro, a frase “pessoas


de cor” é usada para definir qualquer um com uma raça que não
seja branca. Eu a usei porque é uma definição infinitamente melhor
do que “não-branca” – uma expressão que sugere a falta de alguma
coisa e algum tipo de deficiência. Eu uso a palavra “negra” neste
livro para descrever pessoas de herança africana e caribenha,
incluindo pessoas mestiças. Cito muitas pesquisas, então você vai,
ocasionalmente, ler a frase “etnia negra e minoritária” (ou ENM).
Não é um termo que eu goste porque evoca pensamentos de
monitoramento clínico de diversidade, mas no interesse de
interpretar a pesquisa com a maior precisão possível, optei por
segui-la.

Escrevo – e leio – para assegurar para mim mesma que outras


pessoas sentiram o que estou sentindo também, que não sou só eu,
que isso é real, válido e verdadeiro. Sou ciente da raça apenas
porque fui rigorosamente marcada como diferente pelo mundo que
conheço desde que me lembro. Embora eu analise a branquitude
invisível e reflita frequentemente sobre sua natureza excludente,
observo como uma outsider. Entendo que esse não é o caso para a
maior parte das pessoas brancas, que passam pelo mundo
alegremente alheias de sua própria raça até que sua dominância
seja posta em xeque. Quando pessoas brancas pegam uma revista,
navegam na internet, leem um jornal ou zapeiam na TV, nunca é
raro ou estranho ver pessoas que se parecem com elas mesmas em
posições de poder ou exalando autoridade. Na cultura, em
particular, as afirmações positivas de branquitude são tão difundidas
que a pessoa branca comum sequer as nota. Em vez disso, essas
afirmações são tranquilamente consumidas. Ser branco é ser
humano, ser branco é universal. Eu só sei disso porque não sou.
Escrevi este livro para articular essa sensação de ter sua voz e
confiança tiradas de você na arrogância do status quo. Este livro foi
escrito para contrariar a falta de conhecimento histórico e do pano
de fundo político que você precisa para ancorar sua oposição ao
racismo. Espero que você o use como uma ferramenta.
Nunca vou me impedir de falar sobre raça. Cada voz levantada
contra o racismo afasta seu poder. Nós não podemos nos permitir
ficar em silêncio. Este livro é uma tentativa de falar.

* N.T.: O termo “pessoa de cor” foi traduzido de forma literal do inglês


para preservar a escrita da autora e o sentido inicial. Ao usar essa
expressão, a autora se refere a todas as pessoas não-brancas.
* Esse documentário de 1994 sobre raça foi apoiado pela Oprah na
época em que foi lançado. É um filme poderoso.
* N.T.: “Black and brown people”, no original.
1
HISTÓRIAS

Foi só a partir do meu segundo ano na universidade que comecei


a pensar na história dos negros na Grã-Bretanha. Eu tinha entre
dezenove e vinte anos e tinha acabado de fazer uma nova amiga.
Estávamos estudando o mesmo curso e passávamos a maior parte
do tempo juntas mais pela proximidade e o medo da solidão do que
por interesses em comum. Ao escolhermos uma das nossas
próximas matérias, optamos por um módulo sobre o tráfico
transatlântico de escravos. Nenhuma de nós sabia bem o que
esperar. Eu só havia tido contato com a história dos negros por meio
de exibições educacionais centradas na América e em planos de
aula no ensino primário e secundário. Com um foco enorme em
Rosa Parks, nas rotas clandestinas de Harriet Tubman* e Martin
Luther King Jr., os nomes mais conhecidos do movimento
americano pela busca dos direitos sempre pareceram importantes
para mim, mas também era milhões de quilômetros distantes da
minha vida como uma jovem menina negra, crescendo no norte de
Londres.
Entretanto, esse curto módulo da universidade mudou
completamente a minha perspectiva. Ele trouxe a história da
colonização britânica e do tráfico de escravos incrivelmente para
perto de casa. Durante o curso, descobri que era possível pular em
um trem e visitar um antigo porto de escravos em três horas. E foi
exatamente o que fiz enquanto viajava para Liverpool, que tinha o
maior porto de escravos do Reino Unido. Um milhão e meio de
africanos passaram pelo porto da cidade. O Albert Dock abriu quatro
décadas depois que o último navio de escravos, o Kitty’s Amelia,
zarpou da cidade, mas foi o mais próximo que cheguei de encarar o
mar e imaginar a cumplicidade da Grã-Bretanha no comércio de
escravos. De pé na beira do cais, senti desespero. Passando pelos
edifícios mais antigos da cidade, me senti mal. Onde quer que eu
olhasse, conseguia ver o legado da escravidão.
Na universidade as coisas estavam começando a se encaixar
para mim. Durante uma orientação, lembro-me claramente de um
debate onde questionavam se o racismo era simplesmente uma
discriminação ou uma discriminação baseada no poder. Pensar no
poder me fez perceber que o racismo era muito mais do que
preconceito pessoal. Era sobre estar na posição de afetar
negativamente as chances de vida de outras pessoas. Minha visão
começou a mudar drasticamente. Minha amiga, por outro lado, ficou
apenas em algumas aulas antes de largar a disciplina. “Não é para
mim”, ela disse.
Suas palavras não caíram bem comigo. Agora entendo o porquê.
Eu me ressentia do fato de que ela parecia sentir que essa parte da
história britânica não era de forma alguma relevante para ela. Ela
era indiferente aos fatos. Talvez, para ela, os dados não
parecessem reais, urgentes ou pertinentes para sua forma de viver
a vida agora. Não sei o que ela pensou, porque eu não tinha os
recursos para levantar essa questão com ela na época. Mas agora
sei o que me ressentia nela. Porque eu sentia que sua branquitude
a permitia demonstrar desinteresse na violenta história da Grã-
Bretanha, fechar os olhos e dar as costas. Para mim, isso não
parecia uma informação que você poderia escolher não aprender.

Com o rápido avanço da tecnologia transformando a forma como


vivemos – saltos e limites sendo dados em apenas décadas, em vez
de séculos – o passado nunca foi tão distante. Nesse contexto, é
fácil ver a escravidão como algo terrível que aconteceu em um
passado bem distante. É fácil se convencer de que o passado não
tem influência na maneira como vivemos hoje. Mas o Ato de
Abolição da Escravidão foi apresentado ao Império Britânico em
1833, há menos de 200 anos. Dado que os britânicos começaram a
negociar escravos africanos em 1562, a escravidão como instituição
britânica existiu por muito mais tempo do que atualmente foi abolida
– mais de 270 anos. Gerações e gerações de vidas negras foram
roubadas, famílias foram destruídas, comunidades foram separadas.
Centenas de pessoas nasceram na escravidão e morreram sendo
escravas, nunca entendendo o que poderia significar ser livre. Vidas
inteiras sustentando a brutalidade e violência constantes, vivendo
em um medo sem fim. Geração após geração de riqueza branca
sendo acumulada dos lucros da escravidão, sendo agravada e
infiltrando-se no cerne da sociedade britânica.
A escravidão era um comércio internacional. Europeus brancos,
incluindo os britânicos, negociavam com as elites africanas,
trocando produtos e bens para o povo africano, o que alguns
negociantes brancos de escravos chamavam de “gado negro”. Ao
longo do período do tráfico de escravos, estima-se que 11 milhões
de pessoas negras africanas foram transportadas pelo Oceano
Atlântico para trabalharem sem remuneração em plantações de
açúcar e algodão, nas Américas e nas Índias.
Os registros mantidos não eram diferentes das contas de um
negócio moderno, documentando lucros e perdas, e mantendo listas
detalhadas de negros comprados e vendidos. Esse estoque humano
– esse “gado negro”, era a commodity ideal. Escravos eram
mercadorias lucrativas. Os sistemas reprodutivos das mulheres
negras foram industrializados. Crianças nascidas escravas eram
propriedade padrão dos donos de escravos e isso representava
trabalho ilimitado, sem custo adicional. Essa reprodução foi muito
facilitada pela rotina de estupro a qual as escravas africanas eram
sujeitadas pelos proprietários brancos de escravos.
Lucros e perdas também significavam documentar as mortes do
“gado negro”, porque isso era ruim para os negócios. Os vastos
navios negreiros que transportavam os africanos através do
Atlântico eram severamente apertados. A jornada poderia demorar
até três meses. O espaço ao redor de cada escravo era semelhante
ao de um caixão, condenando-os a viver entre sujeira e fluidos
corporais. Os mortos e moribundos eram jogados ao mar por
motivos de fluxo de caixa: poderia ser recolhido um dinheiro do
seguro para os escravos que morressem no mar.
A imagem do navio negreiro Brooks, publicada pela primeira vez
em 1788 pelo abolicionista William Elford, retratava as condições
habituais.1 Ela mostra um navio negreiro bem carregado: corpos
eram alinhados um a um, horizontalmente, em quatro fileiras (com
três fileiras extras na parte de trás do navio), mostrando a eficiência
insensível usada para transportar uma carga de pessoas africanas.
O Brooks era propriedade de um comerciante de Liverpool chamado
Joseph Brooks.
Contudo, a escravidão não estava acontecendo apenas em
Liverpool. Bristol também tinha um porto de escravos, assim como
Lancaster, Exeter, Plymouth, Bridport, Chester, Poulton-le-Fylde, em
Lancasshire, e, claro, Londres.2 Embora os africanos escravizados
transitassem regularmente pelas costas britânicas, as plantações
em que trabalhavam não eram no Reino Unido, mas nas colônias
britânicas. A maioria estava no Caribe, então, ao contrário da
situação na América, a maioria dos britânicos via o dinheiro sem o
sangue. Alguns britânicos possuíam plantações que funcionavam
quase inteiramente com trabalho escravo. Outros compravam
apenas um punhado de escravos de plantação, com a intenção de
obter um retorno sobre seus investimentos. Muitos escoceses foram
trabalhar como feitores de escravos na Jamaica, e alguns trouxeram
seus escravos com eles quando voltaram para a Grã-Bretanha.
Escravos, assim como qualquer outra propriedade particular,
poderiam ser herdados, e muitos britânicos viveram
confortavelmente do trabalho de pessoas negras escravizadas, sem
se envolverem diretamente na transação.
A Sociedade para Efetuar a Abolição do Comércio de Escravos,
fundada em Londres em 1787, foi ideia do funcionário público
Granville Sharp e do militante Thomas Clarkson. Sharp e Clarkson
formaram a sociedade com dez outros homens, a maioria era
Quakers.* Eles fizeram campanha por 47 anos, ganhando amplo
apoio e atraindo líderes de alto nível, como membros do Parlamento
– sendo o mais famoso o abolicionista William Wilberforce. A
pressão pública da campanha funcionou e uma lei do Parlamento
declarou a escravidão abolida do Império Britânico em 1833.
Todavia, os beneficiários da compensação pela dissolução de uma
indústria lucrativa e significativa não foram aqueles que haviam sido
escravizados. Em vez disso, foram os 46 mil cidadãos britânicos e
proprietários de escravos que receberam cheques por suas perdas
financeiras3. Essa compensação unilateral parecia ser a conclusão
lógica para um país que havia negociado com carne humana.
Apesar da abolição, uma lei do Parlamento não iria mudar a
percepção, da noite para o dia, dos africanos escravizados, de
quase animal para humano. Menos de 200 anos depois, esse dano
ainda está para ser desfeito.
Depois da universidade, eu estava com sede de mais
informações. Eu queria saber sobre os negros na Grã-Bretanha e
pós-escravidão. No entanto, essas informações não eram facilmente
acessíveis. Essa era a história disponível apenas para as pessoas
que realmente se importavam, apenas “alcançada” por meio de uma
grande quantidade de estudo independente. Então procurei
ativamente e comecei a investigar o Mês da História Negra.
A existência do Mês da História Negra no Reino Unido é
relativamente recente. Foi apenas em 1987 que as autoridades
locais, em Londres, começaram a organizar eventos para celebrar
as contribuições negras para o Reino Unido. Linda Bellos nasceu
em Londres de um pai nigeriano e uma mãe branca britânica e foi
sob sua liderança que um Mês da História Negra Britânica passou a
existir. Na época, ela era líder do Conselho de Lambeth, no sul de
Londres, e presidente da Unidade de Política Estratégica de
Londres – parte do agora extinto Grande Conselho de Londres. A
ideia do Mês da História Negra foi pensada por Ansel Wong, chefe
da divisão de igualdade racial da Unidade de Políticas Estratégicas.
“Eu disse sim, vamos fazer”, ela me explicou em sua casa em
Norwich.
“Pensei que o Mês da História Negra era uma ótima ideia. O que
eu não iria fazer, era torná-lo como o americano, porque nós temos
uma história diferente… Existem tantas pessoas que não têm ideia –
e estou falando de pessoas brancas – nenhuma ideia sobre a
história do racismo. Eles não sabem por que estamos neste país.”
Ansel organizou o primeiro Mês da História Negra e Linda foi a
anfitriã do evento. Foi uma celebração em toda a cidade de Londres.
A decisão de mantê-lo em outubro foi em grande parte logística, os
Estados Unidos realizam seu mês da história negra em fevereiro
desde que começou, em 1970. “Nossa convidada de honra foi Sally
Mugabe”, explicou Linda. “Não havia tempo o suficiente para
convidá-la. Se tivéssemos feito duas semanas [depois], não
teríamos as pessoas de que precisávamos.”
“Nós éramos mais inclusivos”, acrescentou ela. “O negro foi
definido em seus termos políticos. Africano e asiático.* Nós só
organizamos por dois anos, porque Thatcher estava cortando todos
os nossos orçamentos. Teria sido um prazer”.
Depois de dois anos do esgotamento do financiamento central e
liderança da Unidade de Política Estratégica de Londres, o Mês da
História Negra continuou na Grã-Bretanha, ainda que
esporadicamente. Ele consiste de exposições de trabalhos de
artistas da diáspora** africana, eventos de painéis que debatem raça
e celebrações culturais mais amenas, como desfiles de moda e
festivais gastronômicos. Falando com Linda, parecia que ela era
cética em relação aos valores das atividades atuais do Mês da
História Negra. Quando perguntei por que ela queria o Mês da
História Negra na Grã-Bretanha, ela disse que era para “Celebrar a
contribuição dos negros no Reino Unido. Não era sobre cabelo…
era mês da história, não mês da cultura. Houve uma história, uma
história que eu tinha conhecimento, da experiência do meu pai.”
A história da negritude na Grã-Bretanha foi fragmentada. Por um
tempo embaraçosamente longo, eu nem havia percebido que os
negros tinham sido escravos no Reino Unido. Havia uma sabedoria
herdada de que todos os negros e pardos do Reino Unido eram
imigrantes recentes. Não se discute sobre a história do colonialismo,
ou de porquê as pessoas da África e da Ásia vieram se estabelecer
na Grã-Bretanha. Eu conhecia vagamente a Geração Windrush, os
492 caribenhos que viajaram para a Inglaterra de barco em 1948.
Isso porque eles eram os parentes mais velhos de pessoas que
conheci na escola. Não houve nenhuma apresentação de “presença
negra na Grã-Bretanha” que não incluísse a Windrush. Porém, a
maior parte do meu conhecimento da história negra era a partir da
história americana. Essa foi uma educação inadequada em um país
onde crescentes gerações de negros e pardos continuam se
considerando britânicos – inclusive eu. Me foi negado um contexto,
uma capacidade de entender a mim mesma. Eu precisava saber por
que, quando as pessoas balançavam a bandeira e gritavam
“queremos nosso país de volta”, parecia que o grito estava voltado
para pessoas como eu. Que história eu havia herdado que me fez
uma alienígena no meu lugar de nascimento?
Em 1º de novembro de 2008, em um evento que marcou o 50º
aniversário do Instituto de Relações Raciais, o diretor do instituto
Ambalavaner Sivanandan falou para a sua audiência: “Estamos aqui
porque você estava lá”. Desde então essa frase foi absorvida pelo
vocabulário negro britânico. Querendo saber mais sobre o que isso
significava, pesquisei mais a fundo, procurando evidências. A
primeira resposta que encontrei foi a guerra.
O envolvimento da Grã-Bretanha na Primeira Guerra Mundial não
se limitou apenas aos cidadãos britânicos. Graças à radical
construção de seu império, pessoas de países que não eram
europeus – colonização à parte –, se viram na expectativa de morrer
pelo Rei e pelo país. Quando, em 2013, o British Council perguntou
às pessoas sobre suas percepções sobre a Primeira Guerra
Mundial, eles descobriram que a maioria dos britânicos não tinha
uma compreensão do impacto internacional, apesar do apelido de
“Guerra Mundial”. “Por causa do alcance dos impérios”, diz o
relatório do conselho, “soldados e trabalhadores foram recrutados
no mundo todo.”4 Nos sete países* que o British Cuncil pesquisou
sobre a Primeira Guerra Mundial, a grande maioria dos
entrevistados achava que tanto a Europa ocidental quanto a oriental
estavam envolvidas. Em comparação, uma média de apenas 17%
achava que a Ásia estava envolvida e apenas 11% dos
entrevistados identificaram o envolvimento da África.
Pode ser que esse equívoco sobre quem lutou pela Grã-Bretanha
durante a Primeira Guerra Mundial tenha levado a uma quase
eliminação das contribuições dos negros e pardos. Essa é uma
eliminação que não poderia estar mais longe da verdade. Mais de 1
milhão de soldados indianos – ou sipaios (soldados indianos que
servem a Grã-Bretanha) – lutaram pelo Reino Unido na Primeira
Guerra Mundial5. A Grã-Bretanha prometera a esses soldados que
seu país estaria livre do domínio colonial se eles lutassem. Os
sipaios viajaram para a Inglaterra com a crença de que eles não
apenas lutariam, mas que, ao fazê-lo, estariam contribuindo para a
eventual libertação de seu país.
Sua jornada para a Europa foi implacável. Eles viajaram de navio,
sem a roupa apropriada para a mudança do clima. Muitos sipaios
sofreram com um frio glacial que nunca haviam experimentado
antes, com alguns morrendo devido à exposição. E mesmo durante
a guerra, os sipaios não receberam o tratamento que esperavam.
Mesmo o sipaio com o posto mais alto estava abaixo do soldado
britânico branco de menor escalão na hierarquia militar. Se ferido,
um sipaio seria tratado no segregado Pavilhão de Brighton e no
Hospital Dome para as tropas indianas. O hospital era cercado de
arame farpado para desencorajar os sipaios feridos de se misturem
com os locais. Cerca de 74 mil sipaios morreram lutando na guerra,
mas a Grã-Bretanha recusou-se a cumprir sua promessa de libertar
a Índia do domínio colonial.
Um número muito menor de soldados viajou das Índias Ocidentais
para lutar pela Grã-Bretanha.6 O Memorial Gates Trust, uma
instituição de caridade criada para homenagear os soldados
indianos, africanos e caribenhos que morreram pela Grã-Bretanha
durante as duas guerras mundiais, estima o número em 15.600.
Esses soldados eram conhecidos como o Regimento Britânico das
Índias Ocidentais (RBIO). No Caribe, o exército britânico recrutou de
áreas pobres e, assim como na Índia, havia um sentimento entre
alguns dos candidatos ao recrutamento de que sua participação na
guerra levaria a reformas políticas em casa. No entanto, essa
opinião não era generalizada e havia um número significativo de
caribenhos que se opuseram ao combate das Índias Ocidentais,
chamando-a de “guerra dos homens brancos”. Apesar da resistência
de alguns, milhares de habitantes das Índias Ocidentais
abandonaram seus empregos para viajar para a Europa.
Mais uma vez, a longa viagem de barco foi implacável. A Grã-
Bretanha precisava da mão-de-obra extra, mas o governo falhou em
fornecer às Índias Ocidentais as roupas adequadas para sobreviver
à jornada, assim como aconteceu com os sipaios. Em 1916, o SS
Verdala, viajando das Índias Ocidentais para oeste de Sussex, teve
que fazer um desvio para Halifax, no leste do Canadá. Centenas de
recrutas das Índias Ocidentais sofreram queimaduras por
congelamento, com alguns morrendo por exposição ao clima
rigoroso e frio.
Quando chegou, a maioria do Regimento Britânico das Índias
Ocidentais não lutou, inicialmente, ao lado dos soldados britânicos
brancos no campo de batalha. Em vez disso, eles foram relegados a
posições de apoio, se encarregando de trabalhos em prol dos
soldados brancos. Seus deveres incluíam tarefas árduas, como
cavar trincheiras, construir estradas e transportar soldados feridos
em macas. Quando os regimentos ingleses (formados por pessoas
brancas) foram enfraquecendo em batalha, os soldados das Índias
Ocidentais receberam permissão para lutar. Quase 200 homens
morreram lutando ao final da guerra.
Em 1918, o ressentimento entre os soldados das Índias
Ocidentais era generalizado. Enquanto o regimento estava
estacionado em Taranto, na Itália, alguns homens receberam
notícias de que os soldados brancos britânicos haviam ganhado um
aumento salarial do qual os das Índias Ocidentais haviam sido
excluídos. Indignados com o tratamento, os soldados entraram em
greve, reunindo assinaturas para que uma petição fosse enviada ao
secretário de Estado, o que rapidamente evoluiu para uma rebelião
coletiva. Durante o motim de Taranto, um dos grevistas foi morto a
tiros por um oficial negro sem patente e uma bomba foi disparada. A
rebelião foi rapidamente suprimida e 60 suspeitos rebeldes do
Regimento das Índias Ocidentais Britânicas foram julgados por seu
envolvimento em um motim. Alguns foram presos e um dos homens
foi sentenciado a morte por fuzilamento.
Os soldados maltratados das Índias Ocidentais voltaram para
casa e a repressão ao motim em Taranto contribuiu para uma
pressão por um movimento de autodeterminação negra no Caribe.
Contudo, também existiram soldados negros que escolheram ficar
na Grã-Bretanha depois da guerra. Quando as batalhas chegaram
ao fim e os soldados foram desmobilizados, os ex-soldados negros
que moravam na Grã-Bretanha começaram a ser perseguidos.
Manifestações parecem sempre começar no verão. Em 6 de junho
de 1919, sete meses depois do fim da Primeira Guerra Mundial,
rumores começaram a circular em Newport, ao sul do País de
Gales. Foi alegado que uma mulher branca havia sido
menosprezada por um homem negro. Enquanto um número
crescente de pessoas brancas iradas e agitadas compartilhava as
notícias entre si, uma multidão reuniu-se e depois se dirigiu às
casas de homens negros na área. Alguns dos homens revidaram
com armas gerando brigas e confrontos. O que, nos dias seguintes,
levou um caribenho a esfaquear um homem branco.
Apenas cinco dias depois, em 11 de junho, o South Wales Echo,
um tabloide diário, reportou: “Um veículo contendo alguns homens
de cor e mulheres brancas estava passando pela East Canal Wharf.
Isso atraiu uma multidão.”7 Cardiff, outro porto da cidade, tinha sido
contagiado por um sentimento antinegros. Ao ver os homens negros
e as mulheres brancas juntos, uma multidão frenética começou a
atirar pedras no veículo. Não se sabe ao certo se alguém dentro do
veículo foi ferido. Dias depois, em um violento protesto à audácia
das relações inter-raciais, outra raivosa multidão de pessoas
brancas se deparou com uma mulher branca que era conhecida por
ter se casado com um africano. Eles a despiram e a deixaram nua.
Na cidade portuária de Liverpool, um semelhante ódio racial
estava começando a ganhar força. O emprego durante o Pós-guerra
era escasso e mais de 100 trabalhadores negros de fábricas, de
repente e rapidamente, perderam seus empregos após
trabalhadores brancos se recusarem a trabalhar junto aos negros.
Em 4 de junho de 1919, um caribenho foi esfaqueado no rosto por
dois brancos depois de uma discussão por causa de um cigarro.
Seguiram-se inúmeras brigas, com a polícia saqueando casas onde
ela sabia que viviam negros. O frenesi resultou em um dos mais
horríveis crimes de ódio racial da história britânica. Charles Wootton,
um marinheiro de 24 anos, foi abordado por uma multidão branca
enfurecida e jogado na King’s Dock. Enquanto ele nadava,
desesperadamente tentando sair da água, foi atingido por tijolos até
que se afogou. Algum tempo depois, seu corpo sem vida foi retirado
da doca. Foi um linchamento público. Os dias que seguiram o
assassinato de Charles Wootton mostraram multidões brancas
dominando as ruas de Liverpool enquanto atacavam qualquer negro
que vissem no caminho.8
Esses atos de ódio racial cruel não passaram despercebidos pelo
governo britânico. Preocupado com os níveis de agitação em todo o
país, o Estado respondeu da única maneira que sabia: com uma
campanha de repatriamento. Como resultado, 600 negros foram
enviados “de volta de onde vieram” em setembro de 1919.9
Apesar de seus melhores esforços para fingir o contrário, a Grã-
Bretanha está longe de ser uma cultura única. Olhando para fora
quando é mais adequado, a história nos mostra que esse país criou
um império global do qual poderia tirar mão de obra com facilidade.
Mas ele não estava pronto para as repercussões e
responsabilidades que acompanharam sua colonização de países e
culturas. Foram os negros e pardos que sofreram as consequências.

Entretanto, algumas dessas pessoas reagiram. Nascido em


Kingston, Jamaica, em 1882, o doutor Harold Moody não foi um dos
jovens caribenhos que lutaram pela Grã-Bretanha na Primeira
Guerra Mundial. Em vez disso, ele chegou a Bristol, em 1904, com
22 anos, focado no avanço de sua educação. Ele se empenhava
para se tornar médico e passara o tempo trabalhando na bem-
sucedida farmácia de seu pai, em Kingston, para economizar
dinheiro para seus estudos. Com a Jamaica ainda sob o domínio
britânico, sua mudança para a Inglaterra não foi uma surpresa.
Entre os jamaicanos, a Grã-Bretanha era vista como “país-mãe”.
Depois que chegou, ele embarcou em um trem expresso para a
estação de Paddington, em Londres, e ficou em um hostel
conhecido como Associação de Jovens Cristãos (AJC), até que
encontrou um lugar permanente para viver. Foi durante esses
primeiros dias em solo britânico que ele aprendeu que o “país-mãe”
não seria tão hospitaleiro quanto ele foi levado a acreditar. Ele lutou
para conseguir alugar e foi afastado de uma série de potenciais
alojamentos antes de conseguir um lugar em Canonbury, no norte
de Londres.
Uma vez estabelecido, Harold começou o treinamento médico.
Ele se formou em 1912 e passou a procurar emprego. Ele se
candidatou a um cargo no King’s College Hospital, mas seus
potenciais empregadores não queriam contratar um homem negro.10
Ele tentou novamente, se inscrevendo para uma posição no sul de
Londres, com o Conselho de Guardiões de Camberwell. A diretoria
era parte da Poor Law Parish de Camberwell, uma organização local
do governo que supervisionava o bem-estar dos moradores mais
idosos e vulneráveis da região com uma clínica, além de gerenciar
abrigos e workhouses.* Ele também foi recusado nesse emprego,
mas não sem antes escutar que “Os pobres não aceitariam que um
negro os atendesse.”11 Determinado a servir a comunidade, Harold
respondeu a essas derrotas ao começar a oferecer atendimentos
particulares.
Um ano depois de se qualificar, a clínica do Dr. Moody abriu na
111 King’s Road, em Peckham, na região sudeste de Londres.
Apesar de ter sofrido atos de discriminação racial, foi o seu
cristianismo, mais do que sua política, que levou Dr. Moody ao
ativismo. Para ele, o racismo era uma questão religiosa. Ele era
participativo na comunidade cristã como um todo. Seu respeitável
trabalho de classe média o colocou como um farol para os negros
nas décadas de 1920 e 1930, na Grã-Bretanha. Ele trabalhou em
prol da comunidade, rapidamente se tornando um homem
conhecido por ajudar quem estivesse precisando. Essa
popularidade o levou a formar a League of Coloured Peoples**, em
1931.
A League era tanto uma missão cristã quanto uma organização de
campanhas. Seus objetivos, publicados em seu jornal trimestral, The
Keys, eram:
• Promover e proteger os interesses sociais, educacionais,
econômicos e políticos de seus membros;
• gerar interesse dos membros no bem-estar dos povos de cor
em todas as partes do mundo;
• melhorar as relações entre raças;
• cooperar e se filiar a organizações simpáticas às pessoas de
cor12.
Publicado pela primeira vez em 1933, The Keys serviu como
braço escrito da League, fazendo campanha contra o racismo na
contratação, habitação e na sociedade em geral. Em 1937, o The
Keys publicou uma severa troca de palavras com o Hospital de
Manchester sobre o impedimento de contratar enfermeiras negras.
A carta questiona uma frase do chefe de enfermagem do hospital
que havia escrito abertamente: “Nunca aceitamos enfermeiras
negras aqui. A questão foi levantada uma vez pelo Comitê de
Enfermagem e foi decidida uma regra definitiva de que ninguém de
linhagem negroide poderia ser considerado para o treinamento.” Dr.
Moody, então presidente da League, escreveu para o conselho do
hospital, só para descobrir que não havia regra como essa em vigor.
“Não existe”, dizia a resposta de N. Cobboth, presidente do
conselho, “nenhuma regra contra a admissão de mulheres negras
para treinamento como enfermeiras na Manchester Royal Infirmary,
e a diretoria gostaria de deixar claro que cada inscrição será
individualmente considerada pelo seu mérito.”13
O trabalho de Dr. Moody com a League of Coloured Peoples foi,
possivelmente, a primeira campanha antirracista da Grã-Bretanha,
no século XX, e esse trabalho teria, no futuro, implicações
importantes para as relações de raça no país.

Durante o tempo em que o Dr. Harold Moody vivia em Londres e


estava fazendo um trabalho pioneiro para pessoas negras, um
aspecto de sua vida pessoal – seu relacionamento com uma mulher
branca e seus filhos mestiços* ** foi um motivo de discussão na
sociedade britânica na época. Relações entre raças eram
controversas no começo do século XX e, no noroeste da Inglaterra,
essas relações eram consideradas perturbadoras o suficiente para
justificar pesquisas acadêmicas. No final da década de 1920, a
Universidade de Liverpool foi solidificando seu departamento de
Ciências Sociais, liderado pela antropóloga Rachel M. Fleming. Sua
pesquisa foi sobre o que ela chamou de “crianças híbridas” –
aquelas na qual os pais são negros e as mães são brancas.* Com
Liverpool sendo uma cidade portuária, muitos marinheiros negros
encontraram residências permanentes ali. Acadêmicos estimam que
a população negra de Liverpool era de 5 mil na época. Indo contra
as manifestações fomentadas pela raça e o linchamento de Charles
Wootton, as relações entre raças existiam, mas eram vistas por
muitos como um problema social que precisava ser erradicado.
Foi nesse contexto que Rachel Fleming ganhou o apoio das
autoridades de Liverpool para pesquisar as crianças “miseráveis” da
cidade – mas, leia-se: crianças mestiças. Ela fundou a Liverpool
Association for the Welfare of Half-Caste Children em 1927. Muriel
Fletcher, formada pela University of Liverpool, trabalhando como
oficial de liberdade condicional, foi encarregada de escrever o
primeiro relatório da associação. Esse trabalho significava que, por
meio dos serviços de assistência social, ela tinha contato com
algumas das famílias mais pobres da cidade, e foi através dessa
visão distorcida para com algumas das famílias inter-raciais mais
pobres, que ela conduziu sua pesquisa.
O relatório sobre a Investigação do problema da cor em Liverpool
e outros portos foi publicado em junho de 1930. Concluiu, com
escassa evidência, que as doenças venéreas eram duas vezes mais
prováveis de serem encontradas em marinheiros negros do que em
marinheiros brancos, e que crianças fruto de diferentes etnias – ou
para usar a linguagem do relatório, “mestiças” – eram mais
propensas a ficar doentes por causa disso. “As crianças pareciam
ficar resfriadas frequentemente, além de muitas também serem
raquíticas, e vários casos foram relatados em que havia um histórico
familiar ruim para a tuberculose”, escreveu Fletcher. Talvez
refletindo atitudes populares na época, Fletcher considerou meninas
e mulheres mestiças tingidas por sua raça, escrevendo: “Apenas
dois casos foram encontrados em Liverpool com mestiças que se
casaram com homens brancos e, em um desses casos, a família da
garota forçou o homem a se casar.”14 Em seu relatório, Muriel
Fletcher organizou as mulheres brancas que escolheram relacionar-
se com homens negros em quatro categorias: as mentalmente
fracas, as prostitutas, as jovens e imprudentes, e as que se sentiam
forçadas ao casamento por causa de filhos ilegítimos.
As crianças que foram pesquisadas no estudo tiveram seus olhos
examinados e seus narizes medidos, com suas características
faciais categorizadas como “negróide” ou “inglesa”. Comentando o
fato de que jovens adultos mestiços tinham dificuldade para
encontrar emprego, Fletcher escreveu: “Mães de um tipo melhor
lamentavam o fato de terem trazido essas crianças ao mundo,
prejudicadas por sua cor.” Ecoando o imensamente popular
movimento eugenista da época, parece que Muriel Fletcher achava
que a mistura de raça – ou, como os eugenistas a chamavam,
miscigenação – era tão abominável que os filhos de relações
mestiças tinham “pouco futuro”.
Popular no início do século XX, o movimento eugenista britânico
acreditava que a classe social era determinada por fatores
biológicos, como inteligência, saúde e os vagos critérios de “valores
morais”. Os eugenistas argumentavam que aqueles com qualidades
desejáveis deveriam ser encorajados a se reproduzir, enquanto os
que não o possuíam deveriam ser desencorajados. O racismo era
inerente aqui: a branquitude era para ser aspirada, enquanto
qualquer indício de herança negra era considerado um tipo de
contaminação, levando a uma linha dura contra as relações inter-
raciais e as pessoas mestiças. Apesar do apoio de nomes influentes
como John Maynard Keynes e George Bernard Shaw, não havia
legislação aprovada na Grã-Bretanha para cimentar a eugenia no
funcionamento do Estado – por exemplo, esterilização forçada –, e
um projeto de lei de 1931 que defendia essa proposta não foi
aprovado.
Na publicação, o relatório de Muriel Fletcher sobre A investigação
sobre o problema da cor em Liverpool e outros portos teve um
impacto nacional, com um representante da Sociedade Anti-
escravidão chamando-o de um “documento extraordinariamente
capaz” contendo “os mais impressionantes e autoritários detalhes”.
Em um estudo recente sobre o relatório, o acadêmico Mark Christian
argumentou que ele teve um efeito negativo duradouro sobre os
negros de Liverpool e cimentou o uso do termo “meio-casta”15.

As consequências de outra guerra mundial trouxeram novas


demandas de mão de obra, e o Reino Unido incentivou a imigração
mais uma vez. Quando o SS Empire Windrush partiu do Caribe para
a Inglaterra, transportava 490 homens caribenhos e duas mulheres
caribenhas, todos preparados para a tarefa de restaurar uma Grã-
Bretanha pós-guerra.16 O Windrush ancorou em Tilbury, em
Thurrock, Essex, em 22 de junho de 1948. Naquele mesmo ano, o
governo introduziu a Lei de Nacionalidade Britânica – uma lei que
efetivamente dava aos cidadãos da Commonwealth* os mesmos
direitos de residir como súditos britânicos.
A população negra do país continuou a crescer. Entre 1951 e
1961, a população britânica nascida no Caribe cresceu de 15 mil
para 172 mil,17 com a maioria dessas pessoas da Jamaica (um
aumento na população de 6 mil para 100 mil).18
Em 1958, a população negra de Nottingham era de 2.500. Mas
uma década de legislação explicitamente dando as boas-vindas aos
cidadãos da Commonwealth à Grã-Bretanha não mudou o
comportamento do lugar. Trechos de um jornal local relatam uma
“escala de cor” nos bares de Nottingham, com homens negros tendo
que ficar em pé, ao lado, até que pessoas brancas tivessem sido
servidas. O ressentimento dos brancos em relação aos moradores
negros da cidade era abundante, e o ressentimento dos negros pelo
ressentimento branco fervia. Em 23 de agosto de 1958, uma
discussão em um bar entre uma mulher branca e um homem negro
saiu do controle. Relatos sobre o que provocou os seguintes
eventos são imprecisos. O que sabemos é o seguinte: mais tarde
naquele dia, mil pessoas haviam se amontoado na St Ann’s Well
Road, prontas para manifestar. Lâminas, facas e garrafas foram
usadas como armas e oito pessoas foram hospitalizadas.
O que ocorreu em Nottingham também estava acontecendo em
outras partes do país. Em 20 de agosto, em Notting Hill, a oeste de
Londres, um grupo de teddy boys – homens brancos e amantes de
rock and roll que usavam sapatos e terninhos – foram às ruas com o
único objetivo de atacar negros. Eles se chamavam de “caçadores
de crioulos”. Naquela noite, sua onda violenta colocou cinco homens
negros no hospital.19
Naquela época, Notting Hill era uma área pobre e superlotada de
Londres, com o desespero por habitações sendo explorado pelo
notório “senhorio de favelas”, Peter Rachman. A reputação de
Rachman era tão ruim que seu nome se tornou sinônimo de mau
tratamento a inquilinos. O Chambers 21st Century Dictionary define
rachmanismo como “exploração ou extorsão de inquilinos que vivem
em condições de favela por um senhorio”.20 Foram os negros as
vítimas do problema das propriedades pequenas e dilapidadas de
Rachman e seus aluguéis extorsionários. Eles mal tinham escolha.
Relatos orais dos que viveram naqueles dias relatam placas que
diziam “sem negros, sem cachorros, sem irlandeses” nas janelas de
propriedades mais respeitáveis.21 Isso só exacerbou as relações
raciais dos pobres na capital.
Nove dias depois da caça aos negros dos teddy boys de Notting
Hill, e um casal inter-racial – um homem negro e uma mulher branca
suíça – estavam discutindo do lado de fora da estação de metrô
Latimer Road. Era um feriado bancário de agosto. Com muitos fora
do trabalho, a discussão atraiu uma multidão de homens brancos,
que saltaram para defender a mulher, talvez acreditando que ela
estava sob ataque. Percebendo o ataque, alguns negros se
envolveram para apoiar o marido dela. Eles começaram a lutar entre
si.
Mais tarde, entrevistas com manifestantes brancos sugerem que
havia um rumor de que um homem negro tinha estuprado uma
mulher branca.22 Esta luta fora de uma estação rapidamente se
transformou em 200 pessoas brancas vagando pelas ruas gritando
insultos racistas. Enquanto o confronto se intensificava, alguns
manifestantes brancos ameaçaram a polícia por impedi-los de
atacar pessoas negras. Os tumultos se estenderam por três dias
inteiros. Suásticas foram pintadas nas portas de famílias negras.
Negros revidaram com armas e coquetéis molotov improvisados.
Aqueles negros que foram parados na rua pela polícia, durante a
violência, enfatizaram sua necessidade de se defender. Nenhuma
fatalidade foi registrada, mas mais de 100 pessoas – a maioria
branca – foram presas.
Em 2002, documentos divulgados prematuramente pelo governo
revelaram que os detetives da polícia tiveram sucesso em
convencer o então Ministro dos Assuntos Internos, Rab Butler, de
que os confrontos em Nothing Hill não eram sobre raça, mas
simplesmente o trabalho de hooligans.* “Apesar de que havia,
certamente, algum sentimento ruim entre residentes brancos e de
cor nesta área”, escreveu o sargento detetive M. Walters, “é muito
claro que grande parte do problema foi causado por rufiões, tanto
brancos quanto negros, que aproveitaram a oportunidade para se
entregar ao vandalismo.” Nenhuma menção aos “caçadores de
crioulos”, os teddy boys, foi feita.23
Depois de Nottingham e Notting Hill, as relações raciais na
Inglaterra estavam se deteriorando rapidamente. Estava ficando
claro para os negros pós-Windrush na Grã-Bretanha que eles não
poderiam viver tranquilamente, trabalhar, pagar impostos e se
encaixar. Que, em vez disso, seriam punidos por sua própria
existência no Reino Unido. O trabalho de negros e pardos foi
essencial para o sucesso da Grã-Bretanha nas duas guerras
mundiais, mas os negros enfrentariam extrema rejeição nas
décadas seguintes. Ao longo da década de 1950, o governo relutou
em reconhecer que o país tinha um problema com o racismo. Mas
existia um movimento. Em 1960, o parlamentar trabalhista Archibald
Fenner Brockway tentou, repetidamente, apresentar uma lei de
discriminação racial com o objetivo de proibir “a discriminação em
detrimento de qualquer pessoa com base em cor, raça e religião no
Reino Unido”.24 Em cada uma das nove vezes que ele apresentou a
proposta, foi derrotado.25 Do outro lado da balança, em 1959,
Oswald Mosley, fundador da União Britânica de Fascistas, achou
por bem voltar à política parlamentar depois de deixar o cargo em
1930. Ele ficou em um eleitorado perto de Notting Hill e defendeu a
repatriação de imigrantes, perdendo com uma quota de 8,1% dos
votos.
Apenas pouco menos de uma década depois dos confrontos em
Nottingham e Notting Hill, o Estado tentou propor uma solução para
o problema do racismo na Grã-Bretanha. Entrando em vigor em 31
de maio de 1962, a Commonwealth Immigrants Act restringiu
drasticamente os direitos de imigração aos cidadãos britânicos da
Commonwealth. Até a escolha de palavras foi diferente. A Lei de
Nacionalidade Britânica de 1948 usou a palavra “cidadãos” para se
referir àqueles vindos dos países da Commonwealth; em 1962, eles
foram descritos como “imigrantes”, acrescentando uma nova
camada de estrangeirismo às pessoas que tinham desfrutado do
direito de residir apenas quatorze anos antes. Com uma nova
ênfase em trabalhadores qualificados, a Lei de Imigrantes da
Commonwealth afirmou que aqueles que desejariam se mudar para
a Grã-Bretanha agora precisavam de uma autorização de trabalho
para ficarem no país.26 A lógica por trás disso prevalece até hoje.
Então, em 1965, a primeira legislação britânica de relações raciais
foi concedida pelo parlamento. A Lei de Relações Raciais foi uma
escolha estranha para o governo britânico, que havia feito uma
declaração tão forte contra a livre circulação de seus cidadãos da
Commonwealth apenas três anos antes. A lei afirmava que a
discriminação racial explícita não era mais legal em lugares públicos
– embora não se aplicasse a lojas ou residências particulares. Na
época, a BBC reportou que os atos específicos de discriminação
incluíam “recusar-se a servir uma pessoa, atraso excessivo no
atendimento a alguém ou cobrança abusiva.”27 Um Conselho de
Relações Raciais foi criado como parte da lei.28 Sua finalidade era
receber denúncias e monitorar incidentes racistas – uma decisão
nada ruim quando o censo de 1961 estimou a população geral em
52.700 milhões.29 Não havia como saber o número exato de
pessoas não-brancas que moravam na Grã-Bretanha, uma vez que
o censo não incluiu uma questão sobre raça até 1991. Quase
nenhuma reclamação foi feita ao Conselho e as que foram feitas
foram quase inúteis. Não existia autoridade para punir aqueles
contra os quais as queixas eram feitas. Em vez disso, seu papel era
de mediação entre o reclamante e a organização ou a pessoa que
estava sendo acusada.
A primeira lei de relações raciais da Grã-Bretanha era tépida. Ela
não atacou a endêmica discriminação de moradia, e tinha ressalvas
suficientes para dar espaço àqueles que tinham a intenção de
manter os negros no Reino Unido como cidadãos de segunda
classe. Um antídoto inadequado para décadas de violência e
assédio, o Conselho de Relações Raciais parecia existir apenas por
razões de postura. A maioria dos negros e asiáticos na Grã-
Bretanha nem sabia que o Conselho existia. As fraquezas da Lei de
1965 eram óbvias. Os esforços para intimidar o racismo vieram do
mesmo Estado que sancionou o racismo décadas atrás, com a
repatriação que impulsionou as manifestações racistas – o mesmo
Estado que pegou e se livrou de corpos negros e pardos à sua
própria conveniência.
A lei foi reforçada três anos depois, proibindo a negação de
moradia, emprego ou serviços públicos em razão da raça. No
entanto, os serviços do governo estavam isentos de desafios legais.
Na época, a BBC informou: “A nova Lei de Relações Raciais
pretende contrabalançar a Lei de Imigração, cumprindo, assim, a
promessa do governo de ser “justo, mas resistente” para com os
imigrantes.30

No dia 7 de março de 1965, afro-americanos foram espancados


durante uma marcha pelos direitos civis liderada por Martin Luther
King Jr. Eles exigiam seu direito constitucional de votar. Dois anos
antes daquele dia agora icônico, no oeste da Inglaterra, o jamaicano
Guy Bailey, de 19 anos, foi a uma entrevista de emprego na Bristol
Omnibus Company, o serviço de ônibus da cidade. Paul
Stephenson, um jovem trabalhador local, arranjou a entrevista para
Guy, primeiro garantindo que havia empregos disponíveis, e que ele
tinha as qualificações necessárias para o trabalho. Mas quando Guy
apareceu na entrevista, descobriu que havia sido cancelada.
Recontando sua entrevista para a BBC,31 35 anos depois, Guy
recordou o exato momento em que foi rejeitado pela recepcionista:
“Ela disse ao gerente ‘sua entrevista de duas horas está aqui. Mas
ele é negro.’ E o gerente disse: ‘Diga a ele que não temos vagas
aqui, todas as vagas estão ocupadas’.”
Guy ter sido rejeitado não era uma surpresa para a comunidade
negra de Bristol, com mais de 3.000 pessoas, tendo a maioria saído
do Caribe e se estabelecido na Grã-Bretanha depois da Segunda
Guerra Mundial. Para eles, o racismo no serviço de ônibus era uma
suspeita de longa data, muitos fizeram entrevistas na Bristol
Omnibus Company apenas para serem rejeitados. Todos que
trabalhavam na empresa de ônibus eram brancos.
Entretanto, a entrevista de Guy Bailey não foi uma coincidência.
Ela foi arranjada por um pequeno grupo de jovens: Roy Hackett,
Owen Henry, Audley Evans e Prince Brown. O grupo se intitulou de
Conselho de Desenvolvimento das Índias Ocidentais. Eles pediram
a Paul Stephenson que trabalhasse com eles em seu plano e ele
concordou. Paul já conhecia Guy, que era aluno da escola noturna
onde ele lecionava. Guy era um candidato promissor. Ele tinha uma
boa aparência, já estava empregado, estudando meio período e era
ativo em uma organização de jovens cristãos.
Assim que Guy foi recusado na entrevista, o grupo organizou uma
coletiva de imprensa. Repórteres locais lotaram o apartamento de
Paul para ouvir exatamente o que havia acontecido. Uma sessão de
fotos foi organizada, com Owen ecoando Rosa Parks sentada na
parte de trás de um ônibus. Com imprensa local e nacional cobrindo
o caso, o gerente geral do serviço de ônibus, Ian Patey, passou a
ser pressionado. Quando o Bristol Evening Post o intimou, ele disse:
“Você não vai conseguir fazer um homem branco em Londres
admitir isso, mas quantos deles vão se juntar a um serviço em que
eles podem se encontrar trabalhando sob um supervisor de cor?”32
Paul e o Conselho de Desenvolvimento das Índias Ocidentais
ganharam o apoio de estudantes locais, viram discursos em favor de
sua causa por parte de políticos e ganharam editoriais simpáticos na
imprensa local. Mas Paul também foi repetidamente ignorado pela
empresa de ônibus e pelo Sindicato de Transportes e Trabalhadores
Gerais (STTG). Embora muitas vezes divididos por disputas
trabalhistas, tanto a administração quanto o sindicato se viram
unidos pelo racismo. Eles tinham um acordo, do tipo que se
prestava bem à discriminação: a empresa de ônibus não contratava
ninguém que não fosse aprovado pela divisão local do STTG.
Embora os comentários de Ian Patey estivessem registrados, a
Bristol Omnibus Company desviava a responsabilidade, passando-a
para o sindicato. O racismo havia infectado a solidariedade dos
trabalhadores, com um representante do sindicato, na época,
insistindo que mais trabalhadores negros tirariam empregos para
possíveis empregados brancos, e que empregá-los significaria
redução de horas para os atuais trabalhadores.
Enquanto a campanha continuava, Paul era duramente criticado.
Ron Nethercott, secretário da regional sudoeste do sindicato,
escreveu um artigo em um jornal nacional chamando Paul de
“desonesto” e “irresponsável”. Para seus críticos, foi seu ativismo a
raiz do problema, não a escala de cor. Algumas dessas declarações
levaram a um caso de difamação, que Paul ganhou. Enquanto isso,
todos os residentes da cidade vindos das Índias Ocidentais
boicotavam o serviço de ônibus. Um líder da luta disse ao jornal
local: “Embora seja difícil dizer, muitos brancos estão nos apoiando.”
O movimento atraiu o suporte de Sir Learie Constantine, Alto
Comissário de Trinidad. Mais de 100 estudantes universitários
marcharam em apoio, todos boicotando o serviço de ônibus ou
caminhando e pedalando para se locomover pela cidade.
Um dia antes de Martin Luther King Jr. falar para uma plateia de
250 mil pessoas que ele tinha um sonho, uma reunião de 500
funcionários de ônibus se reuniu e concordou em descontinuar a
escala de cor não oficial da Bristol Omnibus Company. No dia
seguinte, o gerente geral, Ian Patey, comprometeu-se acabar com
isso de vez. Falando em uma conferência de imprensa, ele anunciou
que “o único critério será a adequação da pessoa para o trabalho”.
Contudo, é importante notar que, até o momento, a Bristol Omnibus,
agora fundida com outras empresas e eventualmente renomeada
First Somerset & Avon, nunca se desculpou por suas ações. Nem a
sucursal de Bristol do Sindicato dos Transportes e dos
Trabalhadores Gerais, desde que se fundiu com a Unite the Union.
Em 2013, Laurence Faircloth, secretário da regional sudoeste da
Unite, ofereceu a Guy Bailey seu “sincero arrependimento” em nome
do sindicato.
A primeira vez que eu soube do boicote aos ônibus em Bristol, foi
quando eu era uma graduanda em 2013, enquanto estava
trabalhando na think tank* sobre igualdade racial, a Runnymede
Trust. Uma pequena equipe composta por alguns de nós viajou para
Bristol para lançar uma campanha. Além de uma barraquinha ao
estilo “venha falar sobre racismo”, nós também realizamos eventos
noturnos ao redor do centro da cidade. Um desses eventos foi com
Paul Stephenson que, até então, estava com quase oitenta anos. Lá
em cima, no espaço para eventos da livraria Foyles, Paul, sua voz
enfraquecida pela idade, o ativismo e a justa ira, comandaram a
atenção de todo o lugar. Senti como se estivesse ouvindo a história.

Mais ou menos na mesma época em que os moradores de Bristol


se organizavam contra a escala de cor, o nacionalismo branco na
Grã-Bretanha ganhava terreno. A Frente Nacional, um partido
apenas de brancos, anti-imigração e de extrema direita, estava
alimentando a raiva e o ressentimento entre os britânicos. Formada
em 1967, a Frente Nacional tem ligações estreitas com movimentos
supremacistas brancos em todo o mundo. No auge de seu
crescimento, na década de 1970, os membros do partido se
enfeitaram com bandeiras do Reino Unido e com a cruz de São
Jorge, como se sentissem que sua política representava o símbolo
do britanismo. Pouco mais de uma década após sua formação, a
Frente Nacional ficou com mais de 300 pessoas nas eleições gerais
de 1979 e conquistou quase 200 mil votos. Apesar da crescente
popularidade da política nacionalista branca na Grã-Bretanha
durante a década de 1970, eram negros e asiáticos aqueles
considerados como membros voláteis da sociedade. Os membros
da Frente Nacional acabaram perdendo força na década de 1980,
mas o sentimento do partido encontrou morada em outras formas de
ativismo.

Nos anos 70, os policiais usavam com frequência uma seção da


então arcaica Lei de Vagner de 1824. A seção em questão deu à
polícia o poder de parar, procurar e prender qualquer um que ela
suspeitava que poderia cometer um crime. Essa lei passou a ser
conhecida como “leis-sus” – tirada da redação da Lei que descreveu
uma “pessoa suspeita”. Como a polícia não mantinha estatísticas
sobre as pessoas que estavam sendo abordadas sob a lei, é difícil
saber quantas foram perturbadas pelo crime de não parecerem
respeitáveis.33 Anedotalmente, defensores antirracistas insistiam
que os negros estavam sendo alvos, injustamente, da “lei-sus”. A
percepção de quem parece ou não suspeito – particularmente em
uma atmosfera política que, apenas dez anos antes, negava
emprego e moradia aos negros – era, sem dúvidas, com base na
raça.
As “leis-sus” asseguravam uma relação tensa entre negros e
policiais. Isso foi intensificado por pânico público em relação a
assaltos e assaltantes. Em 1972, um violento e fatal roubo de rua
em Handsworth, Birmingham, levou a uma cobertura quase
constante por parte da imprensa no ano seguinte. Mugging, uma
das expressões que significa roubo, em inglês, é um termo
importado dos Estados Unidos, de declarações policiais e cobertura
de imprensa em cidades com grande concentração de negros. O
medo desses roubos também foi importado.
Roubos de rua sempre existiram na Grã-Bretanha, mas a
importação da palavra mugging trouxe a implicação de que os
autores eram majoritariamente negros e que esse roubo era um
crime exclusivamente negro. Jornais relatavam que era uma nova
tendência. O medo de assaltar era mais do que o medo do crime e
da violência; era sobre o nervosismo daqueles que estavam com
medo das lutas da libertação negra dos anos 60, e medo intenso em
torno de raça, reparações e vingança.
Houve pelo menos um incidente documentado de policiais
prendendo garotos negros pelo crime de parecerem criminosos. No
dia 16 de março de 1972, na Oval, estação de trem no sul de
Londres, um grupo de policiais brancos, à paisana, perseguiu quatro
jovens negros – que, coincidentemente, eram membros de uma
organização negra radical – no transporte público, mais tarde
testemunhando no tribunal que “estava claro que eles pretendiam
roubar os bolsos dos passageiros”. Mas as únicas testemunhas da
acusação foram os próprios policiais, e os jovens indiciados não
tinham nenhuma propriedade roubada com eles.34 Os quatro foram
condenados a dois anos cada um, mas liberados um ano mais cedo
sob apelação. Cada um deles continuou alegando sua inocência.
Enquanto a polícia estava ocupada prendendo pessoas negras
por parecerem suspeitas, a Frente Nacional estava capitalizando o
sentimento anti-negro nacional. Em 1975, eles organizaram uma
marcha contra os assaltos negros, liderada pela East End, uma
histórica região de Londres. Um ano depois, eles descobriram outra
causa de poder dos brancos para apoiar. O motorista de ônibus da
Leamington Spa, Robert Relf, tornou-se notícia nacional, em 1976,
quando colocou uma placa fora de sua casa que dizia “à venda
apenas para uma família inglesa”. Uma versão anterior da placa era
ainda mais extrema: “para evitar animosidade em todos os sentidos,
sem pessoas de cor”. A placa violou a Lei de Relações Raciais e foi
pedido que ele a retirasse. Ele se recusou e foi preso por desacato
ao tribunal. Relf prontamente começou uma greve de fome. A mídia
sensacionalista usou sua prisão como munição para argumentar
contra o que eles chamavam de “politicamente correto”. Enquanto
isso, para a Frente Nacional, suas ações foram as de um mártir.
Eles lançaram uma campanha em apoio a ele e organizaram
protestos que levantavam a bandeira de “Relf livre”.

Ideias de negritude e criminalidade estavam se tornando


inerentemente interligadas. Em 1984, três anos após as “leis-sus”
terem sido desmanteladas, o ato de parar e revistar foi introduzido.
As iniciativas pareciam pouco diferentes. Enquanto as “leis-sus”
permitiam que a polícia prendesse qualquer um que achasse que
estava “vadiando” com a intenção de cometer um crime, as novas
leis diziam que a polícia precisava ter uma crença razoável de que
um crime já havia acontecido antes de parar e revistar um
suspeito.35 Enquanto o pensamento policial sempre foi a de que tais
táticas previnem a criminalidade, os negros sempre foram alvos de
forma desproporcional para parar e revistar – uma pesquisa de 2015
mostrou partes do país onde pessoas negras tinham dezessete
vezes mais chance de serem paradas e revistadas do que pessoas
brancas.36 Essas eram – e ainda são – as “leis-sus”, apenas com
um nome diferente.
Entre 1980 e 1982, com o país em recuperação, o desemprego
para homens negros e asiáticos aumentou cerca de 20% – em
comparação com um aumento de apenas 2% para homens
brancos.37 Apesar de negros e asiáticos estarem se tornando um
elemento firme na paisagem urbana britânica, algumas
comunidades brancas ainda estavam desconfortáveis com suas
presenças. Havia um sentimento entre elas de que jovens negros
desempregados escolheram não trabalhar, e em vez disso, optaram
por vidas socialmente agravadas. Em um radiodocumentário
transmitido pela BRMB Radio Birmingham, em 1982, PC Dick
Board, um policial trabalhando na cidade deixou claro seus
sentimentos a respeito de jovens negros desempregados: “Vamos
ser justos”, ele disse. “Estamos falando de um certo tipo de gente
agora. Nós tivemos todos esses motivos nos anos vinte e trinta e
nós nunca tivemos isso. Nós nunca tivemos essas crescentes taxas
de criminalidade e o que hoje conhecemos como a expressão
americana mugging, que é o roubo com violência. Nós temos um
tipo diferente de pessoa, que, por quaisquer meios necessários, vai
conseguir o que quer, às custas dos outros, mesmo dos seus
semelhantes. Esse é o ponto. Não interessa esse negócio de
desemprego, nós temos uma situação aqui e agora que está sendo
usada deliberadamente e não há dúvida sobre isso, eles não
poderiam se importar menos com o fato de terem ou não um
emprego, na verdade eles estão mais felizes sem um.” Ele
continuou: “Tudo isso é besteira sobre eles estarem procurando
emprego e ‘não consigo um emprego’ e tudo mais… Muitos deles
usam sua cor como vantagem contra nós… eles usam isso e usam
muito bem. Há pessoas o suficiente nesse país preparadas para
ouvir e fechar os olhos para o que esses indivíduos fazem.”38
Quando o PC Dick Board falou sobre “o que essas pessoas
fazem”, acho que ele estava se referindo ao crime. Juntamente com
o desemprego alimentado pela recessão, aumentaram os temores
de crimes em cidades do interior, que estigmatizaram áreas inteiras
onde negros e pardos viviam.
O verão de 1987 teve mais tumultos em todo o país – em Brixton,
em 10 de abril, em Toxteth, Liverpool, em 3 de julho, Handsworth,
Birmingham, em 10 de julho, e Chapeltown, Leeds, no mesmo mês.
As condições sociais de cada região eram bastante parecidas.
Pobres. Negras. Tanto em Brixton quanto em Toxteth, o
comportamento policial era um fator contribuinte. Brixton, o primeiro
tumulto do ano, foi deflagrado pela Operação Swamp, da polícia
metropolitana, em que eles realizaram mais de mil paradas para
revista em apenas seis dias.39 Quando policiais pararam para ajudar
um menino negro ferido, uma multidão se aproximou e a situação se
intensificou.40 Em Toxteth, a polícia perseguiu um motociclista
negro, acreditando que sua moto era roubada. Ele caiu e a polícia
tentou prendê-lo, apenas para ser confrontada por uma multidão
furiosa. Mais uma vez, a situação se intensificou. Os tumultos,
aparentemente, eram contagiantes.

Como a história é escrita pelos vencedores, evidências de


assédio policial contra pessoas de cor no início dos anos 80 são
difíceis de encontrar. Mas o Newham Monitoring Project contrariou
essa tendência. A organização foi formada em 1980 após o
adolescente asiático Akhtar Ali Baig ser assassinado por uma
gangue de skinheads brancos enquanto voltava da faculdade para
casa. O julgamento que se seguiu teve um juiz comentando que o
assassinato foi “motivado por ódio racial”41. Frustradas pela falta de
implementação de leis contra o racismo, as pessoas da comunidade
se juntaram para oferecer apoio logístico contra o assédio movido
pelo racismo, formando o Newham Monitoring Project. A
organização de base, grass-roots,* fez campanha contra a violência
racista – incluindo a violência promulgada pela polícia – até 2015,
quando foi forçada a se desligar devido à falta de verba.
Uma parte do trabalho do Newham Monitoring Project se mostrou
em seus relatórios anuais e o de 1983 dá um vislumbre do que era
ser negro no leste de Londres naquela época. Durante aquele ano,
o projeto recebeu 73 relatórios de assédio policial. Dos que foram
assediados pela polícia e posteriormente presos, 47 foram liberados
sem acusações. Aqueles que foram indiciados pela polícia foram
liberados mais tarde. Estudos de caso no relatório revelam um
retrato de famílias negras sob cerco. “A casa do Sr. N e sua família
foi revistada 4, 5 vezes só este ano,” diz o relatório. “Toda vez que
os policiais traziam mandados, eram relacionados a objetos
roubados. Todas as vezes eles não encontraram nenhuma evidência
e, portanto, preferiram não fazer acusações… a família espera sua
casa ser invadida a qualquer momento. Eles vivem com um medo
constante da próxima visita da polícia.”42
Houve também o caso de Osei Owusu, de 45 anos, que, após a
polícia aparecer na sua casa pedindo que ele soprasse o bafômetro,
recusou. Minutos depois, enquanto ele estava no banheiro de sua
casa, de dez a doze policiais arrombaram sua porta e invadiram sua
casa. Ele foi, então, arrastado nu para fora do banho, agredido por
cassetetes e levado para a delegacia de Forest Gate. Uma vez na
delegacia, ele soprou o bafômetro. Os três testes deram negativo.
Em um incidente, policiais visaram toda uma família. “John Power
estava andando para casa depois de ter ido a um clube de jovens”,
registrou o projeto. Enquanto ele andava, um carro da polícia parou
ao lado dele, na calçada. O policial no carro gritou: “Oi, venha aqui
seu bastardo negro.” John continuou andando. Então, temendo que
algo pudesse acontecer, começou a correr para casa. Os policiais o
seguiram até em casa, chegaram à porta da frente, abriram-na e
puxaram John para fora, então começaram a espancá-lo. Quando
seu pai interveio, “os policiais começaram a espancá-lo também.”
Quando a irmã de John viu o que estava acontecendo e gritou de
medo, “um policial mandou que ela se calasse e depois a empurrou
e bateu nela. Os três foram, então, colocados em diferentes viaturas
e levados para a delegacia East Ham. Eles foram acusados de
obstrução e várias denúncias por assediar policiais.”
Ao mesmo tempo em que acontecia essa intensa brutalidade
policial, também havia um movimento que buscava restaurar a
confiança perdida entre pessoas de cor e a polícia. Tomando a
dianteira dos Estados Unidos, a polícia começou a promulgar uma
nova estratégia. O policiamento comunitário colocou os policiais em
contato com as pessoas nas áreas locais para que os moradores
pudessem conhecê-los. O falecido chefe de polícia John Alderson
argumentou, no início de 1980, que a polícia deveria ter um
envolvimento mais humano nos locais policiados43. Mas esse tipo
de abordagem da comunidade não funcionou em benefício dos
negros. O relatório de 1983 do Nehman Monitoring Project destacou
isso com o caso em que um inocente estudante negro foi detido pela
polícia. Shayn Robertson, estudante de 11 anos de uma escola
secundária, deu a um policial que estava investigando roubos, os
nomes e endereços de todas as crianças negras que frequentavam
aquela escola. Quando o oficial de polícia mencionou que um dos
suspeitos tinha dois dentes da frente protuberantes, um funcionário
da escola informou que Shaun tinha ido ao dentista nesse mesmo
dia. Foi assim que ele se tornou um suspeito.
O Comitê de Relações Comunitárias de Camden descreveu a
dupla natureza da polícia em seu relatório anual de 1984,
escrevendo: “É uma estratégia dupla da polícia. A brutalidade, o
racismo e a negação das liberdades civis tem como objetivo, em seu
cerne, serem escondidas da visão do público. Em contrapartida a
isso, o ‘policiamento comunitário’, ‘vigília do bairro’, ‘a polícia/o
comitê de consulta da comunidade’, ‘o oficial intermediário da
comunidade’ – todos fazem parte de um exercício de relações
públicas para nos convencer de que a polícia tem um interesse
genuíno no bem-estar da comunidade.”44
Relatos orais de pessoas negras que viveram durante aquele
tempo tendem a manter um raciocínio em comum – o de que a
polícia não os protegia. As manifestações de 1981 viram um
renovado interesse na coesão social tanto da autoridade local
quanto do governo nacional. Um inquérito encomendado pelo
governo foi realizado por Lord Scarman para investigar as causas
das manifestações de Brixton. O relatório foi publicado no final
daquele ano. Ele recomendava que a polícia se esforçasse mais
para recrutar novos agentes de minorias étnicas. Entretanto,
concluiu-se que o racismo institucional não era o problema – e, em
vez disso, apontou a “desvantagem racial” como um mal social
urgente.
Como resposta às recomendações do relatório, o Hendom Police
College montou sua primeira unidade multicultural. Em 1982, John
Fernandes era um professor negro de Sociologia na agora extinta
Kilburn Polytechnic. Ser um empregado do Brent Council significava
que John e alguns de seus colegas professores foram
temporariamente transferidos para a faculdade policial local para
ensinar. “A faculdade policial pensou, oh meu Deus, se ele está
vindo, é melhor começarmos a fazer algo para mostrar que estamos
lidando com esse problema”, John me contou ao telefone de sua
casa no campo.
A Hendon Police College queria que John e seus colegas
desenvolvessem um curso sobre multiculturalismo para ensinar aos
policiais em treinamento. Treinar para ser um cadete era um
esquema de estágio para jovens que, muitas vezes, levava a
empregos em tempo integral na força policial. John foi eleito por
seus colegas para liderar a unidade multicultural da faculdade de
polícia. Todavia, ele imediatamente se deparou com alguns
problemas. O primeiro alerta vermelho foi que a faculdade queria
colocar uma ênfase no multiculturalismo ao invés do antirracismo.
“Eu não estava muito feliz. Como um sociólogo negro”, ele explicou,
“eu queria uma abordagem antirracista, porque o problema não é
um problema negro. Não é minha cultura, não é minha religião o
problema. É o racismo das instituições brancas.”
Para provar que sua perspectiva antirracista seria mais útil, ele
precisou pesquisar um pouco. “Se eu estava montando um curso,
como parte de minha submissão ao curso eu tinha que fornecer
evidências”, John disse. “Eu não poderia simplesmente fazer uma
declaração e dizer que queria fazer um curso antirracista ao invés
de um curso multicultural.” Ele precisava demonstrar que já existia
um preconceito com base na raça nos novos recrutas da faculdade.
“Como parte da minha pesquisa, eu poderia ter descoberto que
nenhum dos cadetes tinha um viés racista, talvez apenas uns dois,
então isso não seria um problema, aí eu daria o curso multicultural.”
Sua pesquisa o fez pedir aos cadetes em treinamento na
faculdade de polícia que escrevesse um artigo anônimo sobre o
assunto “negros na Grã-Bretanha”. As respostas foram chocantes.
“Negros na Grã-Bretanha são uma praga”, dizia um.45 “Eles vêm
de um país de banana qualquer onde eles viviam em cabanas e
trabalhavam nos campos para cultivar arroz e bananas, cocos e
tabacos, e passam a morar em ilhas já superpopulosas… Eles são,
por natureza, não-inteligentes e não podem ser educados o
suficiente para viver em uma sociedade civilizada do mundo
ocidental.”
“As condições e instalações de moradia e habitação poderiam ser
melhoradas para eles, mas não vale a pena se eles vão abusar
disso”, dizia outro texto.
“Eu acho que todos os negros são pesos e deveriam ser expulsos
da sociedade. No geral, a maioria dos negros são desempregados,
como rastafáris, que andam por aí com grandes bonés, patins e
caixas de som, fumando maconha e tirando dinheiro do Estado.”
“As pessoas negras na Grã-Bretanha alegam que são britânicos,
mas com a ajuda das palavras, eu vivi na Grã-Bretanha a minha
vida inteira, e minha mãe também. Isso é apenas um monte de
besteira na minha cabeça porque as pessoas brancas que vivem,
vamos dizer, em Moçambique, não são consideradas parte do país.
Um policial que prende uma pessoa negra, pode ser chamado de
racista. Se todos os negros fossem deportados de volta para a
África ou seja lá de onde vieram, existiria menos desemprego e,
portanto, dinheiro para o governo usar para criar empregos.”
“Quando eu os vi, pensei: Deus todo-poderoso”, disse John. “Era
por isso que eu tinha que ter certeza de que seria um curso
antirracista. Para que eu pudesse explicar para eles, não os culpar
por ter essas opiniões. Você explica a eles como é que todos
pensam dessa forma.” Tendo adquirido essa prova, ele não levou os
textos direto para a faculdade policial, ele escreveu uma ementa
para o curso, e a enviou à diretoria acadêmica da Kilburn
Polytechnic. Quando ele conseguiu a permissão que precisava,
levou a ementa para a Hendon Police College. “Eles não estavam
dispostos a me deixar adotar a postura antirracista”, ele disse. A
faculdade também pediu que ele entregasse os artigos racistas dos
quais seu curso havia sido baseado. “Eles então argumentaram que
eu deveria entregar os textos a eles porque os estudantes os
escreveram nos papéis que eram propriedade da polícia.” John
optou por não entregar os textos.
Diante da situação, ele decidiu parar de ensinar na academia de
polícia. “Era impossível ficar lá”, ele me disse. “Como eu poderia,
como um acadêmico negro… Eu estaria conspirando se ficasse lá e
desse o curso multicultural. Então eu tive que sair, estando meu
trabalho em jogo ou não. De forma consciente, como sou negro e
tomo a abordagem antirracista, eu tinha que sair. Não havia como
eu ficar lá.”
Enxergando as atitudes da faculdade como indicativo de um
problema maior, ele se tornou um denunciante. A imprensa ficou
sabendo do que estava se transformando em um escândalo.
Eastern Eye, um documentário de TV em série, transmitido pela
London Weekend Television (agora ITV London), transmitiu um
programa de 30 minutos focado no que John havia descoberto. No
programa, um sênior da Police College respondeu ao escândalo
dizendo: “Se eu tivesse a menor suspeita de que um dos jovens
cadetes tivesse sérios preconceitos em vez de preconceitos
expressados de forma rasa como esses, então eu não o
recomendaria que ele fosse um policial.”46
Perguntei a John o que aconteceu com aqueles cadetes em
treinamento. “Não havia nomes, esses textos eram anônimos”, ele
disse. “Embora eu saberia informar quem eles são, não daria seus
nomes. É profissionalismo.” É impossível saber se os autores dos
textos foram ou não empregados pela força policial, ou se
começaram carreiras em outras profissões. O que sabemos é que
John Fernandes revelou atitudes arcaicas que podem ter
influenciado o policiamento na época. Seu curso antirracista era
extremamente necessário.
Enquanto possíveis futuros políticos negros viam o que estava
acontecendo nas comunidades de onde vieram, eles começaram a
pressionar por uma representação negra melhor. Apesar de uma
liderança bem branca, naquela época, o partido trabalhista se
tornara o lar político para os negros e pardos do país. O partido não
precisou trabalhar muito para ganhar o apoio dos negros, era sobre
necessidade ao invés de uma ampla gama de opções. Apenas vinte
anos antes, o deputado conservador Peter Griffiths foi eleito para
representar o eleitorado de Midlands, em Smethwick, ajudado pelo
slogan “se você quer um crioulo* como vizinho, vote no Partido
Trabalhista.”
Leo Dickson e Marc Wadsworth estabeleceram as Seções Negras
do Partido Trabalhista em Vauxhall, no sul de Londres, em 1983. Foi
um movimento dentro do partido com o objetivo de defender a
representação negra no partido (usado em um sentido político, o
“negro” significava todos que não eram brancos). Uma eleição geral
ocorreu no mesmo ano e uma baixa participação de eleitores negros
fez o Partido Trabalhista admitir que precisava fazer mais para atraí-
los. Um panfleto do Partido Trabalhista de Vauxhall, publicado em
1984, revela o pensamento por trás da formação das seções e o
ardente debate que as seções desencadearam entre os membros
do Partido Trabalhista nos primeiros dias de sua criação. No
panfleto, Leo e Marc escreveram: “Nosso eleitorado abrange uma
região central da cidade (Brixton), onde hoje as manifestações de
racismo na Grã-Bretanha são onipresentes.”47 Não era
surpreendente que o impulso para a representação negra no partido
de esquerda da Grã-Bretanha veio do sul de Londres – uma área do
país que, naquele momento, estava em sua terceira década de
estabelecimento de imigrantes africanos e caribenhos.
No momento em que o panfleto do Partido Trabalhista de Vauxhall
havia sido publicado, havia um debate na imprensa nacional sobre a
legitimidade das Seções Negras do Partido Trabalhista. Para ganhar
espaço no partido, assim como o acesso a outros membros negros,
os organizadores da seção foram ao comitê executivo do partido
para discutir o caso. Por sua vez, o comitê executivo encarregou-se
de notificar os membros do Partido Trabalhista de todas as raças de
uma reunião de uma “bancada negra”. Leo e Marc foram, então,
colocados na desconfortável posição de ter que discutir o caso da
representatividade negra em algumas das filiais locais do partido.
Eles foram recebidos com grande oposição branca.
Quando a imprensa se apossou de debates partidários sobre a
logística de tudo, foi relatada como uma linha de corrida. Em
correspondência à filial de Vauxhall em julho de 1984, Neil Kinnock,
então líder do Partido Trabalhista, expressou apoio geral para
acabar com a discriminação racial no partido, mas chamou a criação
das Seções Negras “racialmente segregacionistas”.
A Conferência do Partido Trabalhista de 1984 foi significativa. Os
membros votavam se as Seções Negras seriam formalmente
estabelecidas na constituição do partido. Propondo a moção, o
falecido deputado Bernie Grant – até então um vereador no distrito
londrino de Haringey – disse: “Nosso problema é que os negros não
são uma prioridade no movimento trabalhista e sindical no
momento. Seções Negras estão aqui para garantir que eles se
tornem uma prioridade… Estamos preocupados porque nos
disseram que nossos líderes são contra as seções. Um camarada
disse que as Seções Negras se transformarão em guetos negros.”48
Escrevendo uma matéria sobre a conferência na Race Today, o
ativista Darcus Howe falou de um esforço organizado para destruir
as Seções Negras. “O argumento era simples”, ele escreveu. “As
Seções Negras dividem a classe trabalhadora.”49 A moção para
formalizar as Seções Negras não passou, mas sua organização
levou à eleição dos primeiros membros negros do Parlamento da
Grã-Bretanha em 1987 – Diane Abbott, Paul Boateng e Bernie
Grant.

No início de uma manhã de setembro, em 1985, policiais


arrombaram a porta da frente da família Groce em Brixton, no sul de
Londres. A casa em que invadiram era o lar de Cherry Groce, de 37
anos, e de cinco de seus seis filhos. A família ouviu batidas e gritos.
Cherry deixou seu filho Lee, de 11 anos, em seu quarto para
descobrir o que estava acontecendo. Quando ela foi investigar, ela
foi baleada no peito por um policial. Em uma declaração posterior,
Cherry disse que, enquanto estava deitada no chão, sangrando, os
policiais continuaram gritando com ela, perguntando onde estava
seu filho mais velho.50 O testemunho de seu filho confirma isso.
Falando ao Channel 4 News, em 2014, Lee, mais velho, lembrou
aquelas primeiras horas que mudaram sua vida. “Eu a vi no chão.
Deitada no chão. E eu vi esse policial de pé com uma arma. Ele
estava basicamente apontando a arma para ele, com suas pernas
afastadas, e gritando: ‘Onde está Michael Groce? Onde está
Michael Groce?’ Eu estava de pé na cama e gritava: ‘O que você fez
com a minha mãe?’ O policial apontou a arma para mim e disse:
‘Cale a boca!’”51 Michael Groce, com 21 anos na época, foi suspeito
de estar envolvido com um assalto à mão armada. Ele não morava
com Cherry quando o ataque aconteceu.
Cherry foi transferida para o Hospital St Thomas na mesma
manhã.52 Enquanto isso, moradores locais ficaram sabendo da
notícia do tiroteio de Cherry e multidões começaram a se reunir nas
ruas de Brixton. Para dispersar essas multidões, a polícia respondeu
se uniformizando com roupas de choque. Os confrontos entre a
comunidade e a polícia levaram a dois dias de tumultos.53 Houve
roubos e saques. Dezenas de pessoas sofreram ferimentos e um
fotojornalista tentando registrar a manifestação foi morto.
Em 1985, a propriedade Broadwater Farm, em Tottenham, era
fortemente policiada. Mas depois do que aconteceu em Brixton,
todos os policiais foram obrigados a sair.54 Em 5 de outubro, quase
uma semana depois das manifestações de Brixton, Floyd Jarrett foi
parado pela polícia enquanto dirigia. Seu imposto fiscal havia
expirado. Por causa de uma pequena discrepância entre a placa do
carro e o tacógrafo ele foi preso por suspeita de roubo do carro. Na
delegacia de polícia de Tottenham, o sargente detetive Randall, de
folga, sugeriu a seus colegas de trabalho que a casa de Floyd fosse
revistada por quaisquer outros bens roubados. As chaves da casa
da mãe de Floyd foram tomadas sem seu conhecimento e quatro
policiais entraram por conta própria na casa. Um desses oficiais era
o sargento detetive Randall.
Dentro da casa eles encontraram a mãe de Floyd, Cynthia, sua
filha, Patricia, e sua netinha. Mais tarde, naquele ano, Patricia
forneceria evidências para uma investigação sobre a morte de sua
mãe, na qual ela disse: “Eu vi Randall colocando seu braço
esquerdo no ombro de minha mãe e parte de seu corpo a empurrou
e ela caiu com o braço esquerdo para fora, quebrando a pequena
mesa.” Randall disse que não fez nenhum contato com a mãe. A
investigação, com base em um relatório do legista, decidiu que o
empurrão do DC Randall não foi deliberado, mas que isso fez com
que Cynthia Jarrett caísse. De qualquer maneira, ela desmaiou.
Cynthia foi levada para o North Middlesex Hospital, mas morreu de
um ataque cardíaco naquela noite. O mesmo inquérito ao qual
Patricia forneceu evidências, deu um veredito de morte acidental.
No dia seguinte, uma multidão se reuniu do lado de fora da
Delegacia de Polícia de Tottenham, pedindo a responsabilidade pela
morte de Cynthia. De acordo com um relato do ativista e
organizador da comunidade, Stafford Scott,55 o sargento detetive
Randall, o mesmo policial que estava, comprovadamente, presente
em todos os ponto-chave do dia anterior, apareceu na janela da
delegacia. Culpando Randall, os manifestantes começaram a atirar
coisas nele. No caos que se seguiu, mais de 200 policiais ficaram
feridos. Um policial, Blakelock, foi morto por manifestantes.
Um inquérito posterior sobre os acontecimentos daquela noite
comentou: “Vamos lembrar o que a evidência do inquérito e do
Tribunal de Magistrados revelou: 1) Que os oficiais que primeiro
pararam Floyd Jarrett fizeram verificações de computador em seu
carro, aparentemente por nenhuma outra razão além de que ele era
um jovem negro. 2) Que eles o prenderam e o levaram sob custódia
sob a suspeita de que seu carro era roubado e que tinha pouca
base razoável para tal. 3) Que eles o acusaram de agressão, o que
se provou falso.”56 A alegação subsequente do oficial de que a
família Jarrett gritou com eles e se tornou abusiva enquanto
procuravam a casa também era falsa.
Em Brixton, o ferimento de bala de Cherry Groce a deixou
paralisada da cintura para baixo. Seus filhos se tornaram seus
cuidadores em tempo integral. Vinte e seis anos depois, aos 73, ela
morreu de insuficiência renal. Seus médicos confirmaram que sua
morte estava diretamente ligada ao ferimento pela arma de fogo.
Um inquérito de 2014 colocou a responsabilidade de sua morte
diretamente na polícia, descobrindo que eles falharam em planejar
adequadamente a batida na casa dos Groces, incluindo verificar
adequadamente quem morava lá.57 Naquele mesmo ano, Sir
Bernard Hogan-Howe, chefe da Metropolitan Police, pediu
desculpas à família.
Trinta anos após as manifestações de 1985, a causa da
desprezível negligência para com as comunidades negras nas
grandes cidades da Grã-Bretanha foi exposta para todos verem.
Arquivos da 10 Downing Street* liberados para o Arquivo Nacional,
revelaram que o membro do parlamento, Oliver Letwin, então
consultor da Primeira Ministra Margaret Thatcher, optou por não
aceitar propostas de ministros de gabinete que estavam ansiosos
para implementar esquemas de ação positiva nas cidades do interior
e reformar propriedades degradadas e negligenciadas. Letwin, ainda
membro do parlamento no momento em que escrevo, recusou
essas iniciativas. “Revoltas, criminalidade e desintegração social
são causadas unicamente por personagens e atitudes individuais”,
escreveu ele a Thatcher, ao lado do conselheiro de cidades do
interior, Hartley Booth. “Enquanto persistirem más atitudes morais”,
disseram, “todos os esforços para melhorar as cidades do interior
vão falhar. Os novos empreendedores de David Young vão se
estabelecer no comércio de drogas e discoteca.”58
Vasculhando a literatura sobre confrontos entre negros e policiais,
notei outro choque de perspectiva. Enquanto algumas pessoas
chamam o que aconteceu em Tottenham e Brixton um tumulto,
outros chamam de revolta – uma rebelião de pessoas
desconhecidas. Eu acho que há verdade em ambas as
perspectivas, e que a extremidade de um tumulto só reflete a
extremidade das condições de vida dos manifestantes. A linguagem
é importante – e o termo “tumulto racial”, sem dúvida duplica as
ideias que ligam a negritude à criminalidade, ao mesmo tempo em
que negligencia a razão pela qual os negros estavam reagindo. As
condições não parecem ter mudado. Quando os tumultos de
Londres, em agosto de 2011, espelharam, quase que de forma
exata, o que aconteceu em Brixton, em 1985, fiquei imaginando
quantas vezes a história terá que se repetir antes de escolhermos
resolver os problemas mais profundos.
Relembro essas histórias não para revirar, obsessivamente, o
passado, mas simplesmente para conhecê-lo. Talvez eu esteja
traindo minha ignorância, mas até eu cavar ativamente as histórias
negras britânicas, eu não as conhecia. Eu já havia escutado que os
negros na Grã-Bretanha sempre tiveram uma relação difícil com a
polícia, porém, eu não perguntava por que era esse o caso. Fez
mais sentido para mim quando entendi que pessoas inocentes
morreram, que casas foram invadidas com evidências escassas
para revistá-las, que adolescentes e jovens adultos foram revistados
em um ritual de humilhação. Agora faz sentido para mim como a
animosidade podia ser fomentada nesse ambiente, e porque
algumas pessoas insistiam no fato de que a polícia era a maior
gangue nas ruas.
Mas eu não acho que minha ignorância era uma coisa individual.
Que eu tive que ir à procura de momentos importantes na história
negra britânica me sugere que fui mantida ignorante. Enquanto a
história negra britânica está faminta de oxigênio, a luta dos EUA
contra o racismo é globalizada de tal forma que se torna a luta
contra o racismo na qual devemos procurar inspiração – ofuscando
tanto a história dos negros britânicos que nos convencemos de que
a Grã-Bretanha nunca teve um problema com a raça.
Precisamos parar de mentir para nós mesmos e precisamos parar
de mentir uns para os outros. Supor que não existiram movimentos
pelos direitos civis no Reino Unido não é apenas falso, como é um
desserviço à nossa história negra, deixando buracos onde a história
do progresso deveria estar. A Grã-Bretanha negra merece um
contexto. Falando à Radio Times, o ator David Oyelowo destacou a
falta de filmes históricos britânicos sobre os negros, dizendo:
“Fazemos dramas de época [na Grã-Bretanha], mas quase nunca
há pessoas negras neles, mesmo que estejamos nessas costas há
centenas de anos. Lembro-me de levar um drama histórico com
uma figura negra no centro para um executivo britânico com
autoridade para aprovar a ideia, e o que eles disseram foi que, se
não era Jane Austen ou Dickens, o público não entenderia. E eu
pensei: Ok, você está impedindo as pessoas de terem um contexto
para o país em que vivem e está me marginalizando. Não posso
viver com isso. Então eu preciso sair.”59 Diante de um esquecimento
coletivo, precisamos lutar para lembrar.
Eu sei que há muito mais história sobre as pessoas de cor na
Grã-Bretanha, se você estiver disposto a se esforçar para encontrá-
la. Depois que a Grã-Bretanha votou para deixar a União Europeia
em junho de 2016, nos disseram que os crimes de ódio aumentaram
drasticamente em número, e que o racismo estava aumentando
mais uma vez na Grã-Bretanha. Mas olhar para a nossa história
mostra que o racismo não surge do nada, e sim está embutido na
sociedade britânica. Está no cerne de como o estado está
configurado. Não é externo. Está no sistema.

* N.T.: A autora se refere à Underground Railroad, uma rota clandestina


percorrida pelos escravos norte-americanos em busca de liberdade.
* N.T.: Quaker é uma terminação dada a um grupo religioso originário do
movimento protestante britânico. Os Quakers são conhecidos por
defenderem o pacifismo, a solidariedade e a filantropia.
* Popularizado nos anos 80, o conceito de negritude política era usado
por ativistas antirracistas para descrever qualquer um que não fosse
branco, em prol da solidariedade.
** N.T.: Diáspora se refere a um deslocamento ou dispersão, geralmente
forçada, de grupos de pessoas. Nesse caso, a diáspora africana se
refere ao fenômeno da imigração forçada de parte da população da
África, levada para países que faziam uso da mão de obra escrava.
* Egito, França, Alemanha, Índia, Rússia, Turquia, Reino Unido.
* N.T.: As workhouses britânicas eram lugares onde pessoas pobres
poderiam viver e trabalhar.
** N.T.: “Liga dos Povos de Cor”, em tradução literal.
* N.T.: Nesse trecho, a autora usa o termo “mixed- race children”,
traduzido de forma literal para preservar a escrita de Reni Eddo-Lodge.
** Até a Segunda Guerra Mundial, o dr. Moody havia se casado com uma
mulher branca, Olive Tranter. Eles tiveram seis filhos, e seu filho,
Charles Arundel “Joe” Moody, não tinha idade suficiente para lutar, mas
queria fazê-lo. Mas quando ele foi se inscrever, ele foi informado por
um oficial do exército branco que não era possível, porque ele não era
de “descendência europeia pura”. Indignado, o dr. Moody usou o The
Keys para fazer campanha e se aliou a outras organizações negras
para obter o máximo de influência. Seu lobby no Escritório Colonial –
um departamento do governo que lidava exclusivamente com assuntos
do Império – à derrubada da decisão em outubro de 1939. Joe era o
segundo oficial comissionado negro a servir no exército britânico.
* Haviam pouquíssimas mulheres negras nas cidades portuárias por
conta da natureza de gênero do trabalho militar e nos navios.
* N.T.: A Commonwealth of Nations, também conhecida como
Comunidade das Nações, é uma associação voluntária que inclui 53
países independentes e com estados soberanos iguais. Ela surgiu com
o objetivo de criar relações de apoio entre os países, em busca da
preservação da democracia, busca pela paz mundial, incentivo ao
desenvolvimento, compromisso com os direitos humanos, dentre
outros.
* N.T.: Os hooligans ficaram conhecidos como torcedores fanáticos de
clubes de futebol ingleses. Atualmente são muito associados à
violência nos esportes, principalmente no futebol. Por causa disso,
surgiu o termo hooliganismo, usado para referir-se a comportamentos
violentos e destrutivos.
* N.T.: think tanks são instituições que se dedicam a discutir e difundir
informações a respeito de alguns temas específicos, com o objetivo de
estimular mudanças na sociedade e na política.
* N.T.: Grass-roots é uma denominação dada a um movimento social
formado por pessoas comuns, à parte da política tradicional.
Geralmente é formado por grupos locais que buscam uma hierarquia
mais horizontalizada.
N.T.: Estava escrito no slogan original: “[...] if you want a nigger for a
* neighbour, vote Labour.”
* N.T.: A 10 Downing Street é o escritório do primeiro-ministro do Reino
Unido, é também sua residência oficial.
2
O SISTEMA

Na noite de 22 de abril de 1993, Stephen Lawrence, de 18 anos,


deixou a casa do tio em Plumstead, no sudeste de Londres, com
seu amigo Duwayne Brooks. Enquanto Stephen e Duwayne
esperavam em um ponto de ônibus, Stephen começou a atravessar
a rua para ver se o ônibus estava chegando. Stephen não chegou
ao outro lado. Um inquérito posterior descobriu que ele foi
confrontado por uma gangue de jovens brancos, mais ou menos da
sua idade, que o cercaram ao se aproximarem. Stephen foi atacado
e esfaqueado repetidamente. Duwayne fugiu e Stephen o seguiu,
correndo mais de cem metros antes de desmaiar devido à perda de
sangue. Ele sangrou, na estrada, até a morte.
Um dia depois da morte de Stephen Lawrence, uma carta listando
os nomes das pessoas que acabaram sendo os principais suspeitos
do caso foi deixada em uma cabine telefônica perto do ponto de
ônibus. Nos meses seguintes, essa carta resultou em vigilância e
prisões. Duas pessoas foram indiciadas. Mas no final de julho de
1993, todas as acusações contra eles haviam sido retiradas, com a
Polícia Metropolitana alegando que as evidências de Duwayne, a
única testemunha do crime, não eram confiáveis o suficiente. Um
inquérito começou mais tarde naquele ano. Foi interrompido depois
que o advogado que representava a família trouxe novas evidências
para a mesa. Um ano depois, o Ministério Público da Coroa optou
por não processar nenhum dos suspeitos, dizendo novamente que
não havia provas suficientes para fazê-lo.
Os pais de Stephen lançaram um processo privado contra três
dos suspeitos. Enquanto isso, a vigilância policial via os mesmos
homens suspeitos de assassinar Stephen Lawrence usando
linguagem violenta e racista. Em abril de 1996, a acusação privada
iniciada por sua família havia fracassado. Desta vez, o juiz decidiu
que as provas do amigo de Stephen, Duwayne Brooks, não eram
válidas.
Em 1997, a decisão do inquérito iniciada em 1993 foi anunciada.
Embora cada um dos cinco suspeitos tenha se recusado a
responder às perguntas, um veredito sobre um assassinato ilegal
em um “ataque racista não provocado” foi proferido. Mais tarde
naquele ano, a polícia de Kent investigou a conduta policial após
uma queixa oficial dos pais de Stephen Lawrence à Autoridade de
Reclamações da Polícia. O resultado, nove meses depois,
encontraria “fraquezas, omissões e oportunidades perdidas” na lida
da polícia para com a investigação da morte de Stephen Lawrence.
Bob Ayling, vice-chefe da polícia de Kent, falou com o programa
Newsnight da BBC, dois anos depois, chamando a investigação da
polícia sobre a morte de Stephen de “seriamente falha”. Outra
testemunha importante foi apresentada, revelou Ayling, mas ela foi
recebida por um oficial de baixo escalão da polícia, e seu
depoimento fora rejeitado. Três telefonemas foram feitos à polícia
por uma mulher que parecia ser próxima de um dos suspeitos, mas
suas declarações não foram adequadamente apuradas.
Agora, é do conhecimento público que o processo de condenar os
assassinos de Stephen era equivalente a uma charada. Entretanto,
em 1997, o público ainda acreditava que a polícia poderia resolver
esse crime. Em julho daquele ano, o então Ministro do Interior, Jack
Straw, anunciou que haveria um inquérito judicial sobre a morte de
Stephen Lawrence e uma seguinte investigação policial. Era para
ser presidido por um juiz da Suprema Corte chamado Sir William
Macpherson.
Insatisfeitos com a forma com a qual a polícia estava lidando com
o caso e com sua busca, aparentemente, sem fim por justiça, a
família de Stephen Lawrence pediu, em 1998, que o então
Comissário da Polícia Metropolitana, Sir Paul Condon, renunciasse.
Ele respondeu não renunciando, mas com um pedido de desculpas.
“Eu lamento profundamente que não tenhamos levado os
assassinos racistas de Stephen à justiça e hoje eu gostaria de me
desculpar pessoalmente com o Sr. e a Sra. Lawrence pelo nosso
fracasso”, disse ele ao inquérito, ao fornecer provas. “Ouvimos o
que as pessoas vêm dizendo e eu aceito que uma preocupação
central é a de que a Polícia Metropolitana seja racista. Reconheço
que não fizemos o suficiente para combater o crime e o assédio.”
Apesar dessa confissão, Sir Paul optou por não ceder a nenhuma
sugestão de que a Polícia Metropolitana fosse institucionalmente
racista. Falando à imprensa na época, Doreen, a mãe de Stephen e
a principal personagem da campanha da família Lawrence por
justiça, disse: “Sir Paul tem belas palavras. Ainda não recebi a
resposta sobre por que os assassinos de Stephen ainda estão
livres.”60
Em uma declaração posterior, os Lawrence disseram: “Talvez
precisemos de outro inquérito público sobre a corrupção policial
para o comissário aceitar que esses meninos foram protegidos de
alguma forma. Se não fosse por esse inquérito, o Comissário
continuaria dizendo que os policiais fizeram tudo o que podiam para
levar o assassino do nosso filho à justiça.”61
O relatório do inquérito público de Sir William Macpherson foi
publicado em fevereiro de 1999. Concluiu-se que a investigação
sobre a morte de Stephen Lawrence “foi prejudicada por uma
combinação de incompetência profissional, racismo institucional e
fracasso de liderança por altos funcionários.” Esse racismo
institucional, explicou o relatório, é “o fracasso coletivo de uma
organização em fornecer um serviço adequado e profissional às
pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Pode ser
visto ou detectado em processos, atitudes e comportamentos que
resultam em discriminação por preconceito inconsciente, ignorância,
falta de pensamento e estereotipagem racistas que prejudicam as
minorias étnicas.”62 Mais importante, o relatório descreveu o
racismo institucional como uma forma de comportamento coletivo,
uma cultura de trabalho apoiada por um status quo estrutural e um
consenso – frequentemente desculpado e ignorado pelas
autoridades. Entre suas muitas recomendações, o relatório sugeriu
que a força policial aumentasse sua representatividade negra e que
todos os oficiais fossem treinados em conscientização sobre
racismo e diversidade cultural.
Em 2004, e depois de outra revisão, o Crown Prosecution Service
anunciou que não havia provas suficientes para processar qualquer
um dos suspeitos de assassinar Stephen Lawrence. Em 2005, uma
mudança na lei proibiu uma suspensão de mais de 800 anos da
dupla penalidade, o que significa que já não era ilegal julgar os
suspeitos duas vezes pelo mesmo crime. Uma revisão das
evidências forenses levou a um novo julgamento dos suspeitos de
assassinato de Stephen Lawrence.
Em 4 de janeiro de 2012, dezenove anos após a morte de
Stephen, dois dos cinco suspeitos foram considerados culpados e
condenados por seu assassinato. Na época em que Gary Dobson e
David Norris mataram Stephen, eles eram adolescentes. Quando
Dobson e Norris foram presos, eles já eram homens adultos, com
seus trinta e poucos anos. Enquanto a vida de Stephen Lawrence foi
congelada aos dezoito anos, a deles continuou, sem impedimentos,
em parte com a ajuda da polícia.
Ambos os homens receberam sentenças de prisão perpétua. Ao
passar a sentença, o juiz Mr Treacy descreveu o crime como um
“assassinato que marcou a consciência da nação”. Foi um dia
monumental para a Grã-Bretanha, que estava que estava por muito
tempo atrasado. Muitos se perguntavam como a polícia fracassara
tão catastroficamente e por que a justiça demorou tanto.
Eu tinha três anos quando Stephen Lawrence morreu e 22 anos
quando dois de seus assassinos foram condenados e presos. A luta
por justiça de Doreen Lawrence se estendeu por toda a minha
infância. Os relatos do caso Stephen Lawrence foram alguns dos
únicos noticiários da TV que me lembro de absorver quando criança.
Um ataque racista cruel, um menino negro esfaqueado e sangrando
até a morte, uma mãe desesperada por justiça. Sua morte me
assombrou. Comecei a perder a fé no sistema.
Eu costumava ter um sentimento, uma sensação vaga de
segurança, no fundo da minha mente de que, se eu voltasse para
casa um dia e encontrasse meus pertences saqueados e minhas
coisas desaparecidas, eu poderia chamar a polícia e eles me
ajudariam. Mas se o caso de Stephen Lawrence me ensinou alguma
coisa, é que há ocasiões em que não se pode confiar na polícia para
agir de maneira justa.

Por muito tempo a barreira do racismo foi estabelecida pela


atividade facilmente condenável dos extremistas brancos e do
nacionalismo branco. Os extremistas brancos são sempre
condenados pelos três grandes partidos políticos. O sentimento
reacionário de orgulho branco, tantas vezes posto em oposição ao
progresso social, nunca foi realmente embora. Ele se manifesta no
vai e vem de grupos como a Frente Nacional, o Partido Nacional
Britânico e a Liga de Defesa Inglesa. Suas atividades políticas,
sejam elas invadir as ruas movimentadas da cidade em capuzes e
balaclavas, ou vestir-se e fingir respeito em suas conferências
políticas, têm consequências na vida real para as pessoas que não
são brancas e britânicas.
Se todo o racismo fosse tão fácil de detectar, apreender e
denunciar como o extremismo branco é, a tarefa do antirracista seria
simples. As pessoas acham que, se um ataque racista não ocorreu,
ou a palavra “crioulo” não foi pronunciada, uma ação não pode ser
racista. Se um negro não tiver sido cuspido na rua, ou um político
branco extremista não tiver lamentado a falta de emprego britânico
para trabalhadores britânicos, não é racista (e se um político de
terno tivesse dito isso, então o racismo em sua fala seria discutido,
porque não é racista querer proteger o seu país!). Depois, há um
ponto óbvio – se o extremismo branco é realmente o limite em que
nós definimos todo o racismo, por que e como o racismo se
desenvolve em setores dos quais os responsáveis não se alinham
com a política extremista branca? O problema deve ser mais
profundo.
Dizemos a nós mesmos que pessoas boas não podem ser
racistas. Parece que pensamos que o verdadeiro racismo só existe
nos corações das pessoas más. Dizemos a nós mesmos que o
racismo é sobre valores morais, quando, em vez disso, é sobre a
estratégia de sobrevivência do poder sistêmico. Quando setores da
população votam nos representantes e nos esforços políticos que
explicitamente usam o racismo como uma ferramenta de campanha,
dizemos a nós mesmos que grandes seções do eleitorado
simplesmente não podem ser racistas, pois isso os transformaria em
monstros sem coração. Entretanto, isso não é sobre pessoas boas e
más.
A natureza encoberta do racismo estrutural é difícil de ser
considerada. Ela escapa de suas mãos com facilidade, como um
brinquedo de cobra d’água. Você não consegue identificá-la tão
facilmente quanto uma bandeira de São Jorge ou uma barriga
exposta em uma marcha da Liga de Defesa Inglesa. É muito mais
respeitável do que isso.
Eu aprecio que a palavra estrutural possa parecer e soar abstrata.
Estrutural. Afinal, o que isso quer dizer? Eu escolho usar a palavra
estrutural em vez de institucional porque acho que ela é construída
em espaços muito mais amplos do que nossas instituições mais
tradicionais. Pensar no quadro geral te ajuda a ver as estruturas. O
racismo estrutural são dezenas, centenas ou milhares de pessoas
com os mesmos vieses que se juntam para formar uma organização
e agir de acordo. O racismo estrutural é uma cultura de local de
trabalho impenetrável e branca criada por essas pessoas, onde
qualquer pessoa que não se enquadre na cultura deve se adaptar
ou enfrentar o fracasso. Estrutural é muitas vezes a única maneira
de capturar o que passa despercebido – as sobrancelhas
silenciosamente levantadas, os preconceitos implícitos, julgamentos
precipitados feitos em percepções de competência. No mesmo ano
em que decidi não conversar mais com pessoas brancas sobre raça,
a pesquisa British Social Attitudes mostrou um aumento significativo
no número de pessoas que estavam felizes em admitir seu próprio
racismo.63 O aumento mais acentuado naqueles que admitiam era,
de acordo com um relatório do The Guardian, “homens brancos,
profissionais, com idades entre 35 e 64 anos, altamente qualificados
e que ganhavam muito dinheiro.”64 É assim que o racismo estrutural
se parece. Não é apenas sobre o preconceito pessoal, mas sobre os
efeitos coletivos do viés. É o tipo de racismo que tem o poder de
impactar drasticamente as chances de vida das pessoas. É muito
provável que homens brancos altamente qualificados e bem
remunerados sejam patrões, chefes, CEOs, professores-chefes ou
vice-reitores em universidades. Eles são quase certamente pessoas
em posições que influenciam a vida de outras. Eles são quase
certamente o tipo de pessoas que estabelecem culturas
organizacionais. É improvável que eles se gabem de suas políticas
com colegas ou conhecidos por causa do estigma social de estarem
associados a visões racistas. Porém, o racismo deles é encoberto.
Não se manifesta ao cuspir em estranhos na rua. Em vez disso, está
em um sorriso amarelo ao explicar a uma alma infeliz que ela não
conseguiu o emprego. Ele se manifesta no movimento de um pulso
que joga um currículo no lixo porque o candidato tem um nome que
soa estrangeiro.
A imagem nacional é sombria. Pesquisas de várias fontes
diferentes mostram como o racismo é costurado no tecido de nosso
mundo. Isso exige uma redefinição coletiva do que significa ser
racista, como o racismo se manifesta e o que devemos fazer para
acabar com ele.
Parece que os negros enfrentam uma desvantagem a cada passo
significativo em suas vidas. Digamos que um menino negro comece
seu primeiro dia na escola, a primeira instituição britânica pela qual
passará independente de seus pais. Mãe e pai estão cheios de
esperança para o que ele pode se tornar – um artista, um médico, o
próximo primeiro-ministro – e é aí que ele se prepara para alcançar
os objetivos desejados. Mas talvez seus pais devessem moderar em
suas excitações, porque as evidências sugerem que as
probabilidades estão contra ele. De acordo com o Departamento de
Educação, um estudante negro na Inglaterra tem cerca de três
vezes mais chances de ser permanentemente excluído em
comparação com toda a população escolar.65 Contudo, digamos que
nosso menino negro (e sempre é um menino – há pouca ou
nenhuma pesquisa nesta área focada nas chances de vida das
meninas negras) evite ser excluído e vá longe o suficiente em sua
jornada escolar para fazer os exames. Ele não estará explicitamente
ciente das barreiras invisíveis colocadas em seu caminho, mas elas
existirão. Aos onze anos, idade na qual se prepara para fazer suas
provas, a pesquisa indica que ele será sistematicamente marcado
por seus próprios professores – um fenômeno que é remediado
quando os examinadores que não ensinam em sua escola marcam
os papéis das provas.66 Será o anonimato que garantirá a ele as
notas que merece.
Vamos ser otimistas e insistir que nossa imaginária criança negra
entre em uma boa escola secundária, estude um assunto que ama e
fique determinada a ir para a universidade. Evidências sugerem que
sua sorte pode mudar drasticamente, já que uma proporção maior
de estudantes negros, em vez de brancos, progridem para o ensino
superior depois do ensino fundamental ou faculdade. Mas, seguindo
as linhas divisórias de raça, o acesso às universidades de prestígio
da Grã-Bretanha é desigual, com estudantes negros menos
propensos a serem aceitos em uma universidade de alto escalão e
de pesquisa intensiva do Russell Group,* do que seus concorrentes
brancos.67
Talvez o jovem negro – agora se transformando em adulto –
consiga as notas que precisa e seja aceita em uma boa
universidade, apesar das chances estarem contra ela. Três anos
depois, ele estará atualizando furiosamente a página de resultados
de sua universidade, aguardando ansiosamente a classificação que
será sua passagem para o trabalho de pós-graduação. Ele torce por
uma média de 60 a 70%, no mínimo, mas cruza os dedos para
conseguir acima disso, porque todos os anúncios de trabalho até
então mencionam, explicitamente, que graduandos com uma média
de menos de 60% nem precisam perder tempo se inscrevendo.
Apesar de não querer jogar um balde de água fria sobre seus
sonhos, a perspectiva não é boa. Entre 2012 e 2013, a maior
proporção de estudantes do Reino Unido a receberem uma média
menor que 50% ou o diploma comum – foi entre os estudantes
negros, com a menor proporção sendo de estudantes brancos.68
Dado que as crianças negras são mais propensas a ingressarem no
ensino superior do que as brancas, é ingenuidade sugerir que essa
lacuna se deve à falta de inteligência, talento ou aspiração. Vale a
pena observar a clara falta de rostos negros e pardos que ensinam
na universidade para ver o que pode contribuir para esse fracasso
sistemático. Em 2016, foi revelado pela Agência de Estatística do
Ensino Superior que quase 70% dos professores que ensinam nas
universidades britânicas são homens brancos.69 É uma indicação
terrível do que as universidades pensam sobre com o que a
inteligência se parece.
Porque ele existe nesse livro apenas para provar um ponto,
podemos imaginar que o jovem negro consegue sair inteiro da
educação, com um bom diploma de uma boa universidade, e seu
olhar direcionado para conseguir um bom emprego, como todos os
graduados determinados. Embora ele não saiba, fora da educação,
as drásticas disparidades raciais continuam. Ele pode olhar para as
crianças brancas com quem estudou na universidade e vê-las
transitar sem esforço de estudantes loucos por bebida alcoólica para
o status de jovens profissionais. Cheio de esperança, nosso jovem
negro continuará enviando currículos, porque acredita na
meritocracia. Não há diferença entre ele e seus pares brancos, ele
pensa. Eles se sentaram nas mesmas palestras e leram os mesmos
livros, mas seus potenciais empregadores podem não ver dessa
maneira. Em 2009, pesquisadores trabalhando em nome do
Departamento de Trabalho e Pensões enviaram candidaturas com
educação, habilidades e histórico de trabalho semelhantes a vários
empregadores em potencial. A única diferença distintiva nas
aplicações eram nomes – eles ou soavam britânicos e brancos, ou
não. Os pesquisadores descobriram que os candidatos com nomes
que soavam brancos eram chamados para entrevistas com muito
mais frequência do que aqueles com nomes africanos ou
asiáticos.70 “Altos níveis de discriminação baseada em nomes foram
encontrados em favor dos candidatos brancos”, comentou o
relatório.
Então, nosso jovem negro poderia se encontrar desempregado e
sem expectativas por muito tempo. Pesquisas em 2012 descobriram
que a austeridade estava atingindo particularmente os jovens
negros, com seus dados demográficos mostrando um forte aumento
no desemprego, antes mesmo da recessão de 2008. Incríveis 45%
das mulheres negras de 16a 24 anos estavam desempregadas em
2012, em comparação com apenas 27% em 2002.71 Mais
amplamente, as minorias étnicas na Inglaterra e no País de Gales
têm lidado historicamente com taxas mais baixas de violência, e
taxas mais baixas de emprego e taxas mais altas de desemprego
em comparação com pessoas brancas.72 Olhando para vinte anos
de dados do censo entre 1991 e 2011, você verá que os homens
negros tiveram altas taxas de desemprego – mais do que o dobro de
suas contrapartes brancas. A mesma desvantagem é ecoada em
mulheres caribenhas negras e mulheres negras africanas em
comparação com mulheres brancas.
No entanto, há mais na vida do que conseguir uma boa educação
e um trabalho decente. Produtividade sozinha não faz um ser
humano de valor. E sobre a vida pessoal e social do nosso jovem
negro? A caminho de encontrar amigos, ir à escola ou ao trabalho,
ele pode ser parado e revistado pela polícia. De fato, ele quase
certamente terá algum contato com a polícia. Um relatório britânico
de 2013 revelou que os negros têm duas vezes mais chances de
serem acusados de porte de drogas, apesar das taxas mais baixas
de uso de drogas. Os negros também são mais propensos a receber
uma resposta policial mais dura (sendo cinco vezes mais propensos
a serem acusados do que advertidos) por posse de drogas.73 Isso
provavelmente não será uma surpresa, e ele estará acostumado
com a sensação de uma presença policial autoritária em sua vida.
Ele certamente terá visto seus irmãos, tios e amigos mais velhos
rotineiramente batidos pela polícia. De fato, o policiamento
implacável da comunidade negra na Grã-Bretanha significa que os
negros estão super-representados no Banco de Dados Nacional de
Inteligência Criminal. Embora não haja dados oficiais recentes, um
relatório de 2009 da Comissão de Igualdade e Direitos Humanos
estimou que aproximadamente 30% de todos os negros que moram
na Grã-Bretanha estão no Banco de Dados Nacional de DNA, em
comparação com 10% dos homens brancos e 10% de homens
asiáticos. Eles também estimaram que os homens negros têm cerca
de quatro vezes mais chances do que os homens brancos de terem
seus perfis de DNA armazenados no banco de dados da polícia.
Isso levou a comissão a comentar “[…] estamos preocupados que a
alta proporção de homens negros registrados no banco de dados
(estimada em pelo menos um em cada três homens negros) esteja
criando uma impressão de que uma única raça representa uma
‘barreira alienígena’ de criminalidade.”74
Devemos esperar que, mais tarde em sua vida, nosso homem
negro não seja prejudicado por problemas de saúde, sejam físicos
ou mentais. Um relatório da NHS England de 2003 confirmou que
“há uma uniformidade de descobertas que mostram que pessoas de
origens africanas e afro-caribenhas correm mais risco do que
qualquer outro grupo étnico na Inglaterra de serem admitidas em
hospitais psiquiátricos sob os poderes compulsórios da Lei de
Saúde Mental – isso sendo seccionado contra sua vontade.”75 No
mesmo ano, um inquérito sobre a morte de David Bennett, um
homem negro que morreu em uma unidade psiquiátrica,
acrescentou que “[negros] tendem a receber doses mais altas de
medicação antipsicótica do que pessoas brancas com problemas de
saúde semelhantes. Eles são geralmente considerados pela equipe
de saúde mental como mais agressivos, mais alarmantes, mais
perigosos e mais difíceis de tratar. Em vez de serem devolvidos à
comunidade, eles são mais propensos a permanecer como
pacientes de longa data.”76 Enquanto nosso homem negro
imaginário envelhece, é menos provável que ele receba um
diagnóstico de demência do que os brancos. Se acontecer, ele
receberá em um estágio posterior a uma pessoa branca britânica.77
As chances de vida do nosso homem negro são prejudicadas e
distorcidas em todas as fases. Não há nada de notável,
individualmente racista, sobre as pessoas que trabalham em todas
as instituições com as quais ele interage. Algumas dessas pessoas,
inclusive, serão negras. Mas não importa qual a sua raça. Eles
fazem parte e estão em uma sociedade que é estruturalmente
racista, e por isso não é surpreendente quando esses preconceitos
inconscientes se infiltram no trabalho que eles fazem quando
interagem com o público em geral. Com um preconceito tão
arraigado em muitos níveis da sociedade, nosso homem negro pode
fazer o melhor possível, mas ele está essencialmente jogando um
jogo manipulado. Ele pode ter ouvido de seus pais e colegas que, se
ele trabalhar duro o suficiente, pode superar qualquer coisa. Mas as
evidências mostram que isso não é verdade, e que aqueles que
conseguem e que são exceção, estão tendo sucesso em um
ambiente que é estabelecido para falharem. Alguns até dirão a eles
que, se forem bem-sucedidos o suficiente para entrar no radar de
um esquema de ação afirmativa, então é mais tokenismo* do que
talento.
As estatísticas são devastadoras, mas elas não são o resultado
de uma falta de excelência, talento, educação, trabalho duro ou
criatividade. Existem outras forças mais sinistras em jogo aqui.

Há várias evidências que sugerem que suas chances de vida são


obstruídas e desaceleradas se você nasce negro na Grã-Bretanha.
Apesar disso, muitos insistem que qualquer tentativa de nivelar o
tabuleiro é um tratamento especial, e que devemos nos concentrar
na igualdade de oportunidades, sem perceber que nivelar o jogo
está permitindo a igualdade de oportunidades. Isso está longe de
ser novidade. Mais de uma década atrás, Neil Davenport escreveu
no Spiked Online que “a ação afirmativa reforça, em vez de superar,
as noções de igualdade de habilidades raciais.”78 Em vez de ser
vista como uma solução para um problema sistêmico, a
discriminação positiva é frequentemente apontada como um dos
principais aceleradores da “correção política” desenfreada, e as
cotas são alguns dos métodos mais contestados que buscam
eliminar a homogeneidade nos ambientes de trabalhos nos últimos
anos. O método funciona mais ou menos assim: as pessoas mais
velhas em uma organização percebem que seu local de trabalho
não reflete a realidade do mundo em que vivem (seja por pressão
interna ou externa), por isso implementam táticas de recrutamento
para corrigir o equilíbrio. Cotas têm sido sugeridas como uma
estratégia em muitos setores – da política, ao esporte, ao teatro – e
elas sempre recebem reações negativas.
Em 2002, a National Football League introduziu medidas para
lidar com a falta de gerentes negros no esporte. Nomeado em
homenagem ao presidente do comitê de diversidade da NFL, Dan
Rooney, a regra de Rooney funcionava por meio de um método
bastante moderado com abertura de oportunidades para pessoas de
cor. Quando uma posição de técnico ou uma posição operacional
ficava disponível, as equipes eram obrigadas a entrevistar pelo
menos uma pessoa negra ou pertencente a uma minoria étnica para
o trabalho. Essa era apenas uma exigência da lista de opções. As
equipes não tinham obrigação de contratar essa pessoa. A regra
não era uma cota. Nem foi uma lista de finalistas totalmente negra,
nem um alvo percentual rígido. Em vez disso, foi uma tentativa
incrivelmente mansa de suavemente reequilibrar a balança. A regra
Rooney foi implementada um ano depois de ter sido introduzida.
Uma década após a implementação da regra, evidências mostram
que estava funcionando. Nesses dez anos, doze novos treinadores
negros haviam sido contratados nos Estados Unidos, e dezessete
equipes haviam sido lideradas por um treinador negro ou latino,
alguns até em rápida sucessão. O consenso geral era de que os
chefes do esporte começaram a ver candidatos que eles não teriam
considerado anteriormente.
Na época do décimo aniversário da regra, seu sucesso nos EUA
levou à ideia de ser lançada no futebol britânico. Para alguns
chefões do futebol, isso foi considerado uma boa maneira de acabar
com a feia história do racismo explícito do esporte, uma forma de
curar as feridas de barulhos de macaco e bananas jogadas em
atletas negros em campo nos anos anteriores. Em seguida, o
presidente da Federação de Futebol, Greg Dyke, concordou com a
ideia, confirmando à BBC, em 2014, que o conselho consultivo de
inclusão da FF estava considerando uma versão da regra. No
futebol britânico, a partir de 2015, os números relacionados à raça
foram lamentáveis. Apesar da representação geral de minorias
étnicas e negras de 25% em ambas as ligas, havia apenas um
técnico negro na Premier League e apenas seis gerentes negros na
Football League. Não havia gerentes negros nas quatro principais
divisões da Escócia, e apenas um negro na Wales’ Elite League.79
Apesar de sua natureza totalmente inofensiva, a ideia de
implementar a regra Rooney no futebol britânico sacudiu a nação. O
presidente do Blackpool FC, Karl Oyston, chamou isso de
“tokenismo” e “um insulto absoluto” para as pessoas no esporte.80 O
gerente do Carlisle United, Keith Curle, chamou-o basicamente de
um exercício de checklist.81 Richard Scudamore, executivo-chefe da
Premier League, apresentou planos para desenvolver um grupo de
treinadores negros e chamou a regra Rooney de desnecessária.82
Do jeito que foi falado, você pensaria que os planos da FA não
estavam sugerindo ter uma pessoa de cor em uma lista de
entrevistas, mas, em vez disso, estavam pedindo aos chefes de
equipe que entrassem em seu supermercado local e oferecessem
seus empregos de mais alto nível para o primeiro negro aleatório
que vissem no corredor de vegetais. Em 2016, a English Football
League optou por apresentar propostas para implementar a regra
Rooney de forma obrigatória. A Premier League optou por não
considerar a ideia mesmo de maneira voluntária.83
Mais ou menos na mesma época da conversa sobre as regras
Rooney, na Grã-Bretanha, um debate similar estava acontecendo no
setor de negócios. O secretário de negócios Vince Cable apresentou
planos para diversificar os conselhos de negócios, anunciando uma
meta de 20% de diretores negros e de minorias étnicas no FTSE100
em apenas cinco anos. Pesquisas no mesmo ano descobriram que
mais da metade das empresas do FTSE100 não tinham uma única
pessoa de cor no nível do conselho.84 Com a conversa sobre as
salas de reuniões antes concentradas apenas em uma versão muito
branca de gênero, a intervenção da Cable foi renovadora. Contudo,
novamente, houve um retrocesso contra a ideia, com o diretor geral
do Institude of Directors, Simon Walker, dizendo ao Telegraph: “As
empresas procuram nomear membros do conselho com base na
competência. Elas podem nem sempre tomar boas decisões, mas
há poucos sinais de preconceito racial sistemático no topo dos
negócios britânicos.”85
Em 2015, um debate sobre a possibilidade de cotas para garantir
um número maior de mulheres e juízes de cor levou o juiz sênior,
Lord Justice Leveson, a anunciar em uma sala de aula que a ideia
era totalmente degradante. “A criação de um princípio de nomeação
não por mérito, mas para alcançar um equilíbrio de gênero ou etnia”,
disse ele à plateia, “levará, inevitavelmente, à inferência de que
essas nomeações não se baseiam mais apenas no mérito.”86
Mesmo tendo sido fundada em 1875, a Suprema Corte só recebeu
sua primeira juíza negra, Dame Linda Dobbs, em 2004. Ela nasceu
em Serra Leoa, recebeu educação legal na Grã-Bretanha e foi
chamada para o tribunal em 1981. Em entrevista em vídeo ao First
100 Years, ela detalhou algumas das discriminações que enfrentou,
dizendo: “Era difícil se queixar das coisas naqueles dias. Não havia
procedimentos. Nada disso foi registrado, então tentar provar que
você foi discriminada era muito difícil.”87 Dame Linda Dobbs
aposentou-se da Suprema Corte em 2013. Em 2015, apenas 7%
dos juízes e dos tribunais eram negros ou de origem étnica
minoritária.
Quando se trata das mulheres, a falta de incentivo à
representação requer o maior número possível de cotas. Um
relatório de 2015 da London School of Economics pediu cotas de
gênero em todas as posições sênior pública e privada. Quando uma
pesquisa no mesmo ano mostrou que menos de 20% dos gerentes
seniores da cidade de Londres eram mulheres, e as mulheres do
setor financeiro começaram a pedir cotas para lidar com a super-
representatividade dos homens.88 E, quando pesquisadas em 2013,
mais da metade das mulheres que trabalhavam na construção –
muitas das quais trabalhavam em empresas onde as mulheres eram
apenas 10% da força de trabalho – apoiaram a ideia de cotas.89
Entretanto, quando se trata de raça, a linguagem usada para
aumentar a conscientização sobre questões semelhantes é muito
menos definitiva. Em vez de falar de cotas – onde o progresso pode
ser medido em números – as soluções apresentadas são vagas. O
chefe do Departamento de Padrões em Educação, Serviços para
Crianças e Habilidades sugeriu discriminação positiva no
recrutamento de professores em 2015, enfatizando que a mistura
étnica de professores deve refletir os alunos a quem eles ensinam.90
Quando ele era chefe da Greater Manchester Police, Sir Peter Fahy
pediu uma mudança na legislação de igualdade, de modo que os
policiais pudessem usar discriminação positiva ao contratar policiais
negros, mas ele fez questão de deixar claro que não era sobre
“alvos”.91 Parece que a raiz do problema da sub-representatividade
de raça e gênero é essencialmente a mesma, mas as soluções
propostas para cada uma são radicalmente diferentes. Quando não
há alvos difíceis* por trás de programas de discriminação positiva,
as iniciativas correm o risco de parecer que estão fazendo algo sem
realmente alcançar muita coisa.
Iniciativas de discriminação positiva sofrem com oposições de
maneira frequente e veemente. As descrições do trabalho que trata
da sobre-representatividade da branquitude inevitavelmente a
reduzem ao tokenismo, nada mais é do que um insulto às boas
pessoas trabalhadoras que conseguem seus cargos de alto escalão
apenas por mérito. Sempre que faço um circuito de eventos, a
meritocracia e as cotas tendem a ser um problema recorrente na
mente do público. As principais perguntas são: é justo? As cotas
significam que as mulheres e as pessoas de cor estão recebendo
tratamento especial, recebendo um empurrão que as outras
pessoas não podem ter? Certamente deveríamos julgar candidatos
apenas por mérito? O pressuposto subjacente a toda oposição à
discriminação positiva é que ela não é justa.
A insistência está no mérito, insinuando que qualquer atual
liderança branca majoritária em qualquer área chegou ali por meio
de trabalho duro e sem ajuda externa, como se a branquitude não
fosse um empurrão por si só, como se não implicasse em uma
familiaridade que quebra o gelo de qualquer candidato com seu
entrevistador. Quando cada um dos setores que mencionei
anteriormente tem uma representação racial tão medonha, você
estaria se enganando se realmente achasse que o excesso
homogêneo de homens brancos de meia-idade atualmente
entupindo os altos escalões da maioria das profissões chegou lá
apenas por meio do talento. Nós não vivemos em uma meritocracia,
e fingir que o simples trabalho árduo levará todos ao sucesso é um
exercício de ignorância intencional.
Opondo-se à discriminação positiva, baseando-se em apreensões
sobre como conseguir a melhor pessoa para o trabalho,
inadvertidamente revela com o que você acha que o talento se
parece, e o tipo de pessoa na qual você acha que o talento reside.
Porque, se o sistema atual funcionasse corretamente, e se as
práticas de contratação recrutassem e promovessem com sucesso
as pessoas certas para os empregos certos em todas as
circunstâncias, duvido seriamente que tantas posições de liderança
fossem ocupadas por homens brancos de meia-idade. Aqueles que
insistem em justiça não reconhecem que a situação atual está longe
de ser justa. Quando pressionados pela falta de representação,
alguns gostam de mencionar a demografia racial na Grã-Bretanha,
dizendo que, porque a minoria da população não é branca, apenas
essa porcentagem e esse percentual devem ser representados nas
organizações. Essa abordagem matemática é o verdadeiro
tokenismo. É uma obsessão por ter corpos na sala, ao invés de
recrutar as pessoas certas que irão trabalhar no interesse dos
marginalizados. Representatividade nem sempre significa que o
representante irá trabalhar em favor daqueles que precisam de
representação.
Em prol da honestidade, devo revelar que houve um tempo em
que pensei que os esforços para aumentar a representatividade dos
negros eram suspeitos. Não entendi porque havia necessidade
disso. Nunca pude entender por que, enquanto crescia, minha mãe
também tinha me instruído a trabalhar duas vezes mais do que
minhas contrapartes brancas. Até onde eu sabia, éramos iguais.
Então, quando ela me enviou um formulário de inscrição para um
esquema de diversidade em um jornal nacional quando eu estava
na universidade, senti raiva, indignação e vergonha. No começo eu
resisti a me candidatar, dizendo a ela: “Se eu vou competir contra
meus colegas brancos, farei isso em um campo de jogo nivelado.”
Depois de um pouco de bajulação da parte dela, me inscrevi, passei
para a parte da entrevista e, eventualmente, consegui o estágio.
Algumas coisas ficaram evidentes, desde o início, quando
trabalhei lá. Na fase da entrevista, eu era um dos poucos candidatos
que não estavam estudando ou graduando de Oxbridge. Então,
durante o estágio, rapidamente entendi por que isso era necessário
em primeiro lugar. Para mim, na época, os programas de estágio
que procuravam especificamente participantes negros e de minorias
étnicas pareciam fundamentalmente injustos, mas assim que passei
pela porta, os rostos negros que trabalhavam lá estavam mais
propensos a fazer o serviço de bufê ou a limpeza do que definir a
pauta de notícias. Além disso, naquela época, era raro que os
estágios fossem formalizados. Até pouco tempo, os estágios na
mídia aconteciam por meio de boca a boca e nepotismo,
dependendo de alguém que conhecia alguém que conhecia alguém.
Se você não tinha alguém na sua família, grupo de amigos ou rede
estendida que estava no meio, ou se você não estava preparado
para trabalhar de graça, você era cortado. Trabalhei a nível de chão
de fábrica por meses para que eu pudesse trabalhar de graça por
três semanas, e minha família morava em Londres, então minhas
despesas eram mínimas.
Foi nesse momento que tive de aceitar, com relutância, que os
empurrões a favor da discriminação positiva não consistiam em
tornar todo o lugar negro às custas dos brancos, mas, em vez disso,
consistia em simplesmente refletir a sociedade à qual uma
organização serve.
O racismo estrutural nunca é um caso de pessoas de cor
inocentes, puras e perseguidas versus pessoas brancas mal-
intencionadas e maléficas. Ao contrário, é sobre como o
relacionamento da Grã-Bretanha com a raça infecta e distorce a
igualdade de oportunidades. Acho que nos aplacamos com a falácia
da meritocracia ao insistir que simplesmente não vemos raça. Isso
nos faz sentir que somos progressivos. Mas essa afirmação de não
ver raça equivale à assimilação compulsória. Minha negritude foi
politizada contra a minha vontade, mas eu não quero que ela seja
ignorada intencionalmente em um esforço de introduzir algum tipo
de falsa e precária harmonia. E, embora muitos se tranquilizem com
a mentira da neutralidade de cor, as já mencionadas diferenças
drásticas nas chances de vida ao longo das linhas raciais mostram
que, embora possa estar sendo pregado por nossas instituições,
isso não está sendo praticado.
Quando vivemos na era da neutralidade racial e nos enganamos
com a mentira da meritocracia, alguns terão que ficar em silêncio
para que os outros prosperem. Em 2014, entrevistei a acadêmica
negra feminista Kimberlé Crenshaw, ela elaborou a política da
neutralidade racial. “É essa a ideia de que, para eliminar a raça, é
preciso eliminar todo o discurso, incluindo os esforços para
reconhecer estruturas e hierarquias raciais e abordá-los”, ela disse.
É esse pensamento cosmopolita, século XXI, “não tentando carregar
os fardos do passado e as pessoas também não deveriam.” Junto
com eles estão pessoas que se consideram esquerdistas,
progressistas e muito críticas, que de certa forma se juntam aos
liberais pós-raciais e conservadores cegos para dizer: “se realmente
queremos ir além da raça, temos que parar de falar de raça.”
A neutralidade racial é uma análise infantil e atrofiada do racismo.
Começa e termina em “discriminar uma pessoa por causa da cor da
sua pele é ruim”, sem levar em conta as maneiras pelas quais o
poder estrutural se manifesta nessas trocas. Com uma análise tão
imatura, essa definição de racismo é frequentemente usada para
silenciar pessoas de cor que tentam articular o racismo que
enfrentamos. Quando as pessoas de cor apontam isso, elas são
acusadas de serem racistas contra pessoas brancas, e o desvio da
responsabilidade continua. A neutralidade de cor não aceita a
legitimidade do racismo estrutural ou uma história de dominância
racial branca.
Dizer a nós mesmos, repetidamente, – e, pior ainda, dizer aos
nossos filhos – que somos todos iguais é uma mentira mal
direcionada, mesmo que bem-intencionada. Podemos apenas
reconhecer a evidente e antiga segregação racial. Entretanto,
entregar-se ao mito de que somos todos iguais nega o legado
econômico, político e social de uma sociedade britânica que,
historicamente, foi organizada por raça. A realidade é que, em
termos materiais, estamos longe de sermos iguais. E isso é
violentamente injusto. É uma construção social que foi criada para
continuar a injustiça e o domínio racial. E a diferença que as
pessoas de cor percebem, vagamente, desde o nascimento, não é
benigna. É repleta de racismo, estereótipos racistas e, para as
mulheres, racializada de forma misógina.
As crianças brancas são ensinadas a não “ver” a raça, enquanto
as crianças de cor são ensinadas – muitas vezes sem explicação –
de que a maioria de nós precisa trabalhar duas vezes mais do que
as nossas contrapartes brancas se quisermos ter sucesso. Existe
uma disparidade aqui. A neutralidade racial não chega à raiz do
racismo. Enquanto isso, é quase impossível para as crianças de cor
educarem-se à parte de estereótipos racistas, mas se acumularmos
riqueza individual suficiente, podemos fingir que não somos mais
afetados por ele.
Não ver raça pouco faz para desconstruir estruturas racistas ou
melhorar materialmente as condições às quais as pessoas de cor
estão sujeitas diariamente. Para desmantelar estruturas injustas e
racistas, precisamos ver raça. Precisamos ver quem se beneficia de
sua raça, quem é desproporcionalmente impactado por estereótipos
negativos sobre sua raça e a quem o poder e o privilégio são
concedidos – merecidos ou não – por causa de sua raça, sua classe
e seu gênero. Ver raça é essencial para mudar o sistema.
* N.T.: O Russell Group representa 24 universidades de ponta em
pesquisas no Reino Unido. O grupo recebe a maior parte dos recursos
destinados à pesquisa na Grã-Bretanha.
* N.T.: Tokenismo é uma expressão inglesa que se refere à prática de
fazer um esforço simbólico com o objetivo de ser inclusivo para
membros de minorias. Seria uma forma de aparentar igualdade racial
ou sexual.
* N.T.: Traduzido de forma literal de hard target. Segundo o princípio de
soft e hard-target, um alvo difícil é uma pessoa que, por causa de suas
ações e/ou medidas de proteção, consegue minimizar os riscos aos
quais está sujeita, ao contrário de um alvo fácil.
3
O QUE É PRIVILÉGIO BRANCO?

Quando eu tinha quatro anos, perguntei para a minha mãe


quando eu ficaria branca, porque todas as pessoas boas da TV
eram, mas todos os vilões eram negros e pardos. Eu me
considerava uma boa pessoa, então pensei que ficaria branca
eventualmente. Minha mãe ainda se lembra do olhar desanimado
em meu rosto quando ela me deu a má notícia.
O neutro é branco. O padrão é branco. Porque nós nascemos em
um roteiro já escrito que nos diz o que esperar de estranhos devido
à sua cor de pele, sotaques e status social, toda a humanidade é
codificada como branca. A negritude, no entanto, é considerada a
“outra” e, portanto, de se suspeitar. Aqueles que são codificados
como uma ameaça em nossa representação coletiva da
humanidade não são brancos. Essas mensagens eram tão
poderosas que eu, de quatro anos, já as havia reconhecido,
assistindo à televisão, percebendo que todos os personagens que
se pareciam comigo eram criminosos, na pior das hipóteses, e, na
melhor das hipóteses, comparsas ousados.

Como posso definir privilégio branco? É tão difícil descrever uma


ausência. E privilégio branco é a ausência das consequências
negativas do racismo. Uma ausência de discriminação estrutural,
uma ausência da sua raça sendo vista como um problema em
primeiro lugar, uma ausência de “menos chances de sucesso por
causa da minha raça”. É uma ausência de olhares engraçados
direcionados a você porque acredita-se que você esteja no lugar
errado; uma ausência de expectativas culturais; uma ausência da
violência promulgada em seus antepassados por causa da cor de
suas peles; uma ausência de uma vida inteira de marginalização
sutil e divisória – exclusão da narrativa de ser humano. Descrever e
definir essa ausência significa, até certo ponto, perturbar o centro da
branquitude e lembrar às pessoas brancas que sua experiência não
é a norma para o resto de nós. É, obviamente, muito mais fácil
identificar quando você não tem, e observo, como uma estranha, a
insularidade da branquitude. Cobicei a branquitude uma vez, mas eu
sabia, no fundo da minha mente, que me enganar com a
assimilação só me faria uma imitação de algo que eu nunca seria.
Você pode ficar surpreso em saber que foi um homem branco que
definiu, pela primeira vez, o privilégio branco. Theodore W. Allen
nasceu em Indianapolis, Indiana, em 1919. Quando adulto, era ativo
no movimento sindical. Profundamente afetado pelo movimento
americano de direitos civis na década de 1960, sua leitura de
escritores negros como W. E. B. Du Bois levou-o a começar a
explorar o que ele chamou de “privilégio da pele branca”. A sua era
uma perspectiva anticapitalista sobre a raça no movimento
trabalhista. Em 1967, divagando na frase muito usada do movimento
de direitos civis “um prejuízo para um é um prejuízo para todos”, ele
escreveu “[…] o prejuízo causado ao trabalhador negro tem sua
contrapartida no privilégio do trabalhador branco. Esperar que o
trabalhador branco ajude a acabar com o prejuízo para o negro é
pedir a ele que se oponha a seus próprios interesses.”92
Para alguns, a palavra “privilégio”, no contexto da branquitude,
invoca imagens de uma vida habituada ao luxo, aproveitando os
mimos dos super ricos. Quando falo de privilégio branco, não quero
dizer que as pessoas brancas tenham uma vida fácil, que nunca
tenham lutado ou que nunca tenham vivido na pobreza. Mas o
privilégio branco é o fato de que, se você é branco, sua raça quase
certamente afetará positivamente a sua trajetória de vida de alguma
forma. E você provavelmente nem vai perceber.
O privilégio branco é uma das razões pelas quais parei de
conversar com pessoas brancas sobre raça. Tentar convencer
inflexíveis rostos incrédulos nunca me atraiu. A ideia de privilégio
branco força as pessoas brancas que não são ativamente racistas a
confrontar sua própria cumplicidade na existência contínua do
racismo. O privilégio branco é lento e continuamente complacente. É
previsível em um mundo no qual a drástica desigualdade racial é
respondida com um encolher de ombros, considerada apenas a
norma padrão.
O que podemos fazer é examinar todas as formas como o sistema
nos beneficia injustamente. Alguns anos atrás, confrontada com
uma viagem frequente de quatro horas, de ida e volta, descobri que
a única maneira de manter os custos baixos e ainda fazer isso
funcionar, era pegar o trem na metade do caminho e pedalar o resto
da jornada. Uma verdade incômoda me ocorreu enquanto eu
carregava minha bicicleta para cima e para baixo nos corredores
das escadas nas estações de trem da cidade: a maioria dos
transportes públicos nos quais eu estava viajando não era
facilmente acessível. Sem rampas, sem elevadores. Praticamente
impossível para pais acessarem com carrinhos de bebê, ou pessoas
usando cadeiras de roda, ou pessoas com problemas de
mobilidade. Antes de ter minhas próprias rodinhas para carregar, eu
nunca havia percebido o problema. Eu era alheia ao fato de que a
falta de acessibilidade estava afetando centenas de pessoas. E foi
só quando o problema se aproximou de mim que comecei a ficar
enfurecida por ele.
Preciso ser honesta comigo mesma. Quando escrevo como
alguém de fora, também sou uma insider de muitas maneiras. Me
formei na universidade, fisicamente apta, e falo e escrevo de forma
bem semelhante àqueles que crítico. Ando e falo como eles, e parte
disso é o motivo de eu ser levada a sério. Enquanto escrevo sobre
quebrar perspectivas e interromper a falsa objetividade, tenho que
lembrar que existem fatores na minha vida que reforçam minha voz
acima da dos outros.

O racismo é muitas vezes confundido com o preconceito e às


vezes é usado de forma intercambiável. É outra peneira usada
contra os antirracistas, que têm de ouvir aqueles que desejam minar
o movimento e manifestar indignação com a discriminação contra os
brancos porque são brancos. Alguns negros têm um ódio ardente
contra pessoas brancas, eles dirão, e isso é inaceitável. Isso é
“racismo reverso”, eles insistem. O preconceito é real em
comunidades de cor. Anos atrás, comprando um almoço de comida
caribenha, fui recebida por um dono sorridente atrás do balcão, que
esperou até que seus clientes brancos saíssem antes de confiar em
mim que ele guardava os melhores cortes de carne para “pessoas
como nós”. Sim, esse homem foi preconceituoso. Sim, meu almoço
estava delicioso. Não, o dono do café não poderia afetar as chances
de vida de seus clientes brancos com seus sentimentos contra eles.
Tudo o que ele poderia afetar de alguma maneira era o almoço
deles.
Existe uma diferença entre racismo e preconceito. Existe uma
definição não-atribuída de racismo que o define como preconceito
mais poder. Os desfavorecidos pelo racismo podem certamente ser
cruéis, vingativos e preconceituosos. Todo mundo tem a capacidade
de ser desagradável com outras pessoas, de julgá-las antes de
conhecê-las. Entretanto, simplesmente não há pessoas negras o
suficiente em posições de poder para promulgar o racismo contra
pessoas brancas no tipo de grande escala que atualmente opera
contra pessoas negras. Os negros estão super-representados nos
lugares e espaços onde o preconceito poderia realmente ter efeito?
A resposta é quase sempre não.
Há alguns anos, me vi em uma conversa sobre racismo com a
namorada branca e francesa de um amigo. Conversei com ela de
forma honesta sobre minhas experiências. Estava indo bem e ela
estava me contando sobre os problemas que ela enfrentava como a
mais nova e a única mulher em seu ambiente de trabalho, muitas
vezes tendo que trabalhar duas vezes mais para provar que era
competente para seus empregadores. Estávamos nos dando bem e
descobrimos que tínhamos bastante em comum. Contei sobre a
experiência de ter sido preterida por um trabalho para o qual havia
sido entrevistada e descobrir, por meio de amigos em comum, que a
posição tinha ficado com uma mulher branca da minha idade com
experiência quase idêntica à minha. Eu havia sentido o tapa do
racismo estrutural, o tipo de coisa que você apenas ouve nas
estatísticas sobre desemprego negro, mas nunca de pessoas
afetadas por ele.
Então ela disse: “Você não sabe se foi racismo. Como você sabe
que não foi por outra coisa?”. Ela me contou sobre sua raiva e medo
após ter sido acusada de racismo por um argelino. Ela falou sobre a
raiva que sentiu, que as pessoas podem usar acusações de racismo
para impedir que os brancos conversassem, que talvez o homem
deveria ter considerado que as pessoas não gostavam dele porque
ele não se comportava muito bem. Ela disse que se sentiu
intimidada porque ele era um homem, e que achava que ele poderia
ser agressivo.
Eu era ingênua. Nós havíamos nos dado bem de antemão, então
eu tinha boa fé em sua humanidade, achei que ela poderia aceitar
as condições estruturais que permitiram que uma situação como
essa acontecesse. Então, tentei incentivá-la a considerar a suspeita
e a raiva de uma pessoa que sofreu racismo por toda a vida. Pensei
que poderia persuadi-la a pensar fora de si mesma e questionar o
contexto mais amplo, mas a cada frase que ela dizia soava como
cada palavra que eu já ouvi de pessoas defendendo a branquitude.
É como se todos aprendessem as palavras do mesmo discurso.
Então, considerei as implicações sociais do resultado lógico de
nossa troca, em que o consenso seria de que estava errada, porque
é assim que o status quo branco se mantém. Se eu tivesse discutido
com ela, me arriscaria a não ser mais bem-vinda naquela
determinada casa, porque eu teria “criado um clima”. Eu seria
considerada uma “racista reversa”, uma encrenqueira irritada e
irracional, talvez até um simpatizante da violência. Esse tipo de
exclusão social não parecia valer a pena. Então eu não disse nada.
O privilégio branco se manifesta em todos e em ninguém. Todos
são cúmplices, mas ninguém quer assumir a responsabilidade.
Desafiá-lo pode ter implicações sociais reais. Por ser uma hidra de
muitas cabeças, é preciso ter cuidado com as pessoas brancas em
quem você confia quando se trata de discutir raça e racismo. Você
não tem o privilégio de abordar conversas sobre racismo com a
suposição de que os outros participantes estarão no mesmo plano
que você. Levantar o tema do racismo em uma conversa é como
apertar um botão. Não importa se é uma pessoa que você acabou
de conhecer ou uma pessoa com quem você sempre se sentiu
seguro e confortável. Você nunca tem certeza de quando uma
conversa sobre raça e racismo se tornará uma onde você tenha
medo de sua segurança física ou posição social.
O privilégio branco é uma manta de poder manipuladora e
sufocante que envolve tudo o que conhecemos, como um dia de
neve. É brutal e opressivo, intimidando você a não se manifestar por
medo de perder seus entes queridos, ou emprego, ou apartamento.
Ele te assusta até você silenciar a si mesmo: você não tem o
privilégio de falar honestamente sobre seus sentimentos sem avaliar
extensivamente as consequências. Passei tanto tempo mordendo
minha língua com tanta força que ela poderia cair.
E, claro, desafiar isso pode ter implicações na sua qualidade de
vida. Você pode perder ofertas de emprego porque falou aberta e
honestamente, on-line, sobre suas experiências e percepção do
racismo. Sendo entrevistada para um trabalho administrativo, alguns
anos atrás, fui confrontada por um potencial colega sobre algo que
eu havia tuitado sobre raça. Considerando que era uma posição tão
baixa, eu não achava que tal intervenção fosse necessária. O
privilégio branco é inteligentemente desonesto e estrangulador,
porque é dono das empresas que o recrutam, possui as indústrias
que você quer entrar, de modo que se você precisa de dinheiro para
viver, você é forçado a satisfazer suas necessidades (eu privei meu
perfil no Twitter depois daquele incidente e não permiti que qualquer
conversa fosse além de banalidades em todos os outros trabalhos).
Ele ele faz com que seja mais fácil você abaixar a guarda com
pessoas brancas, com a certeza de que será levado a sério, mas,
ao mesmo tempo, não ficará surpreso quando uma conversa
destacar sua diferença em relação a seus colegas brancos. O
privilégio branco é a situação perversa de sentir-se mais à vontade
com os extremistas abertamente racistas e de extrema direita,
porque pelo menos você sabe em que pé está com eles; os limites
são claros.
As coisas previsíveis são bem mais fáceis. Você aprende a
esperar por isso, mas você nunca irá aceitar. Você aprende a ser
cuidadosa com suas batalhas porque, de outro modo, as pessoas
considerariam que você fica raivosa por nenhuma razão. Uma
encrenqueira, que não vale a pena levar a sério, uma mulher negra
obcecada por raça.

Em janeiro de 2012 – apenas dois dias depois de dois dos


assassinos de Stephen Lawrence terem sido condenados à prisão
perpétua –, uma quase tempestade no Twitter estava circulando em
torno de uma das poucas mulheres negras do parlamento britânico.
Em uma conversa no Twitter, Diane Abbott, membra do parlamento
por Hackney North e Stoke Newington, estava trocando ideias sobre
a cobertura da mídia em torno do veredito com o jornalista Bim
Adewunmi. Levou apenas um tuite para desencadear
inadvertidamente um dos maiores furores em relação ao racismo
contra pessoas brancas na história recente do Reino Unido.
Escrevendo no The Guardian, Bim explicou a situação.93 “No
decorrer dos eventos tuitamos sobre tudo que estava em torno do
julgamento, condenação e sentença de Gary Dobson e David Norris
pelo assassinato de Stephen Lawrence, eu escrevi: ‘Eu gostaria que
todo mundo parasse de dizer ‘a comunidade negra’. Falei mais em
seguida. ‘Esclarecendo meu tuite da ‘comunidade negra’: odeio o
pensamento geralmente preguiçoso por trás do uso do termo. O
mesmo vale para os ‘líderes negros da comunidade’. Isso levou a
uma resposta da minha parlamentar local, Diane Abbott, na qual ela
disse: ‘Eu entendo o ponto cultural que você está levantando. Mas
você está jogando uma pauta de ‘dividir e conquistar’.” Isso se
estendeu por alguns tuites até que Abbott postou um que causou
um furor: “Pessoas brancas amam brincar de ‘dividir e dominar’. Nós
não devemos jogar o jogo delas.
#táticastãovelhasquantoocolonialismo.”*
Nesse momento, o mundo veio abaixo. As pautas de notícias
mudaram drasticamente. Os editoriais de jornais, os programas de
rádio e os repórteres de TV não discutiam mais sobre Stephen
Lawrence, as nuances do racismo institucional ou as realidades e
medos de se tornar negro no Reino Unido. Agora a notícia era sobre
o racismo contra os brancos. O racismo é uma via de mão dupla, os
críticos do Abbott insistiram. Escrevendo no Daily Telegraph, o
jornalista Toby Young publicou: “imagine o alvoroço se um
parlamentar conservador e branco igualmente proeminente dissesse
algo semelhante sobre pessoas negras no Twitter?”94. Mesmo os
aliados do Partido Trabalhista de Diane, enquanto a defendiam, não
puderam deixar de descrever seu tom de voz como “robusto e
combativo”95, como se o problema fosse o tom do seu tuite, em vez
da injustiça que ela estava enfrentando. E, enquanto os
conservadores brancos britânicos insistiam que isso era “racismo
reverso”, tão imperdoável quanto assassinar um adolescente negro
desarmado, os britânicos brancos e liberais estavam terrivelmente
preocupados com a possibilidade de que as duríssimas palavras de
Abbott desfizessem todo o seu trabalho duro, insistindo que
acrescentar a palavra “alguns” em o seu tuite poderia ter suavizado
o impacto disso.
Algumas pessoas brancas, todas as pessoas brancas, ou
nenhuma – no final, não teria feito nenhuma diferença. O objetivo
desses comentaristas – quer eles saibam ou não – não era ter uma
discussão honesta sobre o racismo na Grã-Bretanha. Era para
obscurecer, descarrilar e evitar ardentemente a questão mais ampla.
Quando se trata de olhar para os números nas fortalezas de
influência do Reino Unido – aqueles que moldam a política nacional
e definem as pautas políticas – as conclusões a ser tiradas são
claras. Os números oficiais da Câmara dos Comuns mostram que
94% dos deputados são brancos.96 A diferença visível de Diane
Abbott, uma das poucas mulheres negras no Parlamento, que disse
algo muito fora do domínio da afabilidade branca, é claramente
óbvia. Ela pagou o preço por equilibrar a balança.
O fato da pauta de notícias ter mudado tão repentinamente, no
entanto, não se referia aos horrores imaginados sobre o racismo
contra brancos. Essa queda múltipla de um dos mais proeminentes
membros do parlamento da Grã-Bretanha foi muito mais cínica. Era
sobre o que os acadêmicos Alana Lentin e Gavin Titley chamam de
“vitimização branca”97: um esforço dos poderes de desviar as
conversas sobre os efeitos do racismo estrutural para proteger a
branquitude das críticas rigorosas e necessárias. O julgamento de
Stephen Lawrence foi talvez o mais próximo que a Grã-Bretanha
chegou de uma conversa nacional sobre a natureza insidiosa do
racismo estrutural, e como ele se manifesta como uma mentalidade
coletiva – em parte através da malícia, em parte por descuido e
ignorância – para ajudar alguns, enquanto atrapalha outros. Mas ao
começar um debate que se concentrava apenas no racismo contra
os brancos, essa conversa nacional foi rapidamente interrompida.
Não havia mais potencial para nós, como nação, examinarmos o
impacto do legado do racismo britânico. Em vez disso, fomos
lembrados por muitas pessoas bem importantes de que o racismo é
uma via de mão dupla. Ao arrancar a possibilidade de uma conversa
já muito atrasada, o distorcido debate resultante revelou uma
obsessão em interromper a discussão sobre raça na Grã-Bretanha.
O efeito era tão antigo quanto o colonialismo.
Apontar como o país exerceu a divisão e a dominância como
estratégias políticas é, então, considerado um ataque ao próprio
tecido da sensibilidade britânica. A reação contra Diane Abbott não
foi para defender um grupo de pessoas que são constantemente
difamadas na mídia que consumimos todos os dias. Em vez disso,
essa linha de racismo reverso era sobre a imprensa britânica
encurtar os limites em torno do que era do seu interesse proteger –
a branquitude como um poder falsamente neutro e objetivo. A
branquitude na imprensa havia se posicionado, por muito tempo,
como a autonomeada autora e arbitrária relatora dos problemas
raciais, na qual ponderava porque essas comunidades negras e
pardas eram tão propensas à violência e à pobreza, sem um pingo
de autoconsciência.
Em 2012, a condenação de dois dos assassinos de Stephen
Lawrence poderia ter provocado uma conversa nacional sobre raça.
Poderíamos ter conversado sobre o fracasso da polícia em relação
à família de Stephen enquanto eles lutavam pela justiça (em 2016,
os resultados de uma investigação da Comissão Independente de
Reclamações Policiais descobriram que, enquanto a polícia estava
atrapalhando a investigação, um funcionário disfarçado espionava a
família Lawrence).98 Poderíamos ter nos perguntado de forma
honesta, como país, se seria aceitável levar duas décadas para
condenar apenas dois membros da gangue que assassinou um
adolescente inocente. Poderíamos ter nos perguntado se estávamos
envergonhados por isso. Talvez pudéssemos ter falado sobre o fato
de o racismo ter sido apenas uma prioridade política por menos de
meio século. Poderíamos ter tido uma conversa sobre
manifestações e raça, sobre responsabilidade, sobre como seguir
em frente depois do mais famoso caso envolvendo raça da Grã-
Bretanha. Poderíamos ter conversado sobre como começar a
eliminar o racismo. Poderíamos ter começado a perguntar um ao
outro sobre a melhor maneira de curar. Poderia ter sido
fundamental. Em vez disso, a conversa que tivemos foi sobre o
racismo contra os brancos.
O racismo não é uma via de mão dupla. Existem formas únicas de
discriminação que são apoiadas por direito, afirmação e, o mais
importante, apoiadas por um poder estrutural forte o suficiente para
assustá-lo a ponto de cumprir as exigências do status quo. Nós
temos que reconhecer isso.

Em teoria, ninguém tem problemas com o antirracismo. Na


prática, assim que as pessoas começam a fazer coisas antirracistas,
não há fim para a série de comentaristas que estão convencidos de
que os antirracistas estão errados. Acontece até entre pessoas que
se consideram progressistas.
No Worker Weekly, em 2014, o escritor socialista Charlie
Winstanley escreveu sobre seu total desprezo por uma discussão
sobre raça ocorrida em seu grupo ativista. “Como tal”, escreveu ele,
“os grupos oprimidos estão no centro de toda discussão, apoiados
pelo peso moral inquestionável de sua experiência subjetiva de vida,
reforçados por uma estrutura inexplicável de etiqueta, que eles
podem usar para controlar totalmente o fluxo do discurso.”
Ele continuou: “O efeito total é criar um ambiente no qual a
discussão livre de ideias seja impossível. Grupos e indivíduos
oprimidos operam como uma forma de sacerdócio inatacável,
baseando sua legitimidade na doutrina do pecado original. Para
ampliar a analogia, as discussões se tornam confessionais, nas
quais os participantes são encorajados a se autoflagelarem e se
prostrarem diante da ordem sagrada de autoconsciência. A
vergonha e a auto depreciação são encorajadas a manter grupos
não oprimidos em seu lugar e subverter a pirâmide social da
opressão, com grupos oprimidos no topo.”99
Incomodados com conversas sobre privilégios brancos que
estavam acontecendo na época, escritores de esquerda chegaram à
conclusão de que as pessoas afetadas pelo racismo eram realmente
as mais privilegiadas, porque falar sobre os efeitos do racismo de
alguma forma deixava a moral deles elevada. Esse escritor de
esquerda estava mais irritado com as reações das pessoas ao
racismo do que o próprio racismo. Este foi o início de uma reação
contra as conversas sobre o privilégio branco.
Se uma pessoa que vive sob o peso do racismo quisesse discutir
os problemas com pessoas com a mesma opinião, eles poderiam
formar um grupo para esse propósito. Eles podem optar por chamar
esse grupo de um espaço seguro. O conceito de um espaço seguro
não é muito estranho. Quando se trata de raça, pode ser em
qualquer lugar que você se sinta seguro o suficiente para discutir
suas frustrações sobre a branquitude do mundo sem medo de ser
condenado ao ostracismo. Poderia ser um momento específico em
sua sala de estar com um parente, durante o almoço com um colega
próximo ou em um espaço especialmente convocado para ativistas.
Mas no meio de uma reação contra toda e qualquer organização
antirracista, a frase “espaço seguro” tornou-se outro alvo para a ira
dos brancos privilegiados.
“Espaços seguros são uma consequência direto da ascensão da
política de identidade”, escreveu Ian Dunt no The Guardian. “À
medida que a discussão essencialmente econômica entre direita e
esquerda cessou, foi substituída por uma guerra cultural na qual
gênero, sexualidade e raça estavam no centro da discussão.”
“Este é o trabalho de idiotas liberais privilegiados, endinheirados,
super educados, mimados e de classe média”, acrescentou a
escritora feminista Julie Bindel no mesmo artigo.100
Muitas vezes, pessoas brancas entraram em contato comigo,
usando as palavras do líder dos direitos civis Martin Luther King Jr.,
tentando me provar que meu trabalho está equivocado, que estou
fazendo errado. Em e-mails e tuites, sou informada de que Martin
Luther King Jr. queria um mundo em que as pessoas fossem
julgadas não pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. A
intenção dessas mensagens sugere que esses simpatizantes
acreditam que, no contexto atual, essas palavras são mais
adequadas para mostrar que as pessoas brancas não devem ser
julgadas com base na cor de suas peles. Que o poder da
branquitude como raça não deve ser julgado. O que aqueles que
entram em contato comigo não parecem perceber é que, publicado
na edição de junho de 1963 da Liberation Magazine e escrito em
uma cela de prisão em Birmingham, Alabama, Martin Luther King Jr.
também refletiu:
“Primeiro, devo confessar que, nos últimos anos, tenho sido
gravemente desapontado com os moderados brancos. Cheguei
quase à lamentável conclusão de que o grande obstáculo dos
negros no caminho da liberdade não é o Conselheiro do Cidadão
Branco ou o Ku Klux Klanner, mas o moderado branco que se
dedica mais à ‘ordem’ do que à justiça; que prefere uma paz
negativa, que é a ausência de tensão, à uma paz positiva que é a
presença da justiça; que constantemente diz: ‘Eu concordo com
você no objetivo que você procura, mas não posso concordar com
seus métodos diretos’; que, paternalisticamente, sente que pode
definir o tempo de liberdade de outro homem; que vive pelo mito do
tempo e que constantemente aconselha o negro a esperar até uma
‘estação mais conveniente’.”
“A compreensão superficial das pessoas de boa vontade é mais
frustrante do que a incompreensão absoluta das pessoas de má
vontade. A aceitação indiferente é muito mais desconcertante do
que a rejeição total.”101

Em fevereiro de 2014, a revista política The Economist publicou


um animado editorial sobre o surgimento da relação entre raças na
Grã-Bretanha. Usando dados do censo, a peça analisou
detalhadamente as tendências em todo o Reino Unido pertencentes
a crianças mestiças. As pessoas mestiças eram o grupo étnico que
mais crescia na Grã-Bretanha desde 2001, escreveu a revista, com
6% das crianças com idade inferior a cinco anos identificadas como
mestiças, um número maior do que qualquer outro grupo negro e
étnico minoritário no país. “Para os jovens”, concluiu o artigo,
“acostumados a ter pessoas de todas as origens no meio deles, a
raça já é muito menos importante do que para seus pais. Em uma
ou duas gerações a mais na roda, isso pode não ter importância
nenhuma.”102
Agora, nas maiores cidades da Grã-Bretanha, amizades e
relacionamentos entre raças são mais rotineiros que polêmicos.
Porém, uma Inglaterra cada vez mais mestiça torna as relações
raciais mais complicadas, não menos. Embora hoje em dia as
pessoas tenham muito menos medo de viver e amar umas às
outras, os problemas do racismo não vão desaparecer. Apesar de
toda a alegria e aprendizado de viver lado a lado, crianças mestiças
não vão acabar com o racismo por meio de sua mera existência. O
privilégio branco nunca é mais gritante do que em nossos
relacionamentos íntimos, nossas amizades íntimas e nossas
famílias.
A consciência racial não é contagiosa, nem é herdada. O aumento
de famílias mestiças traz as difíceis conversas sobre raça,
branquitude e privilégio para (literalmente) ainda mais perto de casa.
A injustiça não pode mais ser ignorada silenciosamente, desligando
as notícias ou fechando a porta da frente.
Conversar com Jessica, que é mestiça, é esclarecedor.
Conversamos por muito tempo sobre privilégio branco e família, e
sobre a natureza confusa, às vezes profundamente dolorosa, de
falar sobre raça com os mais próximos e queridos. Por causa da
natureza sensível da nossa conversa – e o fato de que ela ainda
precisa manter esses relacionamentos – eu mudei o nome dela para
os propósitos desse livro.
“Estas são conversas difíceis de se ter. É bem cru”, diz ela.
“Principalmente porque eu cresci em torno da minha família branca.
O lado negro da minha família foi afetado pela violência doméstica,
o que afetou o envolvimento desse lado da minha família. Durante a
maior parte dos meus 30 anos, até os 28 anos, eu simplesmente
não falava sobre raça com minha família branca. Minha mãe é
branca e meu pai é negro, e na verdade tanto minha mãe quanto
meu pai me criaram de uma maneira meio cega para com as raças.”
Ao contrário de mim, Jessica não pode simplesmente parar de
falar com pessoas brancas sobre raça. Ela não tem a opção de
dessensibilizar-se a partir dessas discussões, porque sua mãe e
metade de sua extensa família é branca.
“À medida que fui crescendo e entendo raça um pouco mais como
uma mulher mestiça – me identifico como negra – não estou
preparada para as coisas como uma mulher mestiça no mundo”,
explica Jessica. “É desconfortável porque acho que eles
simplesmente evitaram. [Quando eu era mais jovem] eles fingiam
que não era um problema. Quando conversava com minha mãe
sobre isso, ela dizia que nunca pensou que era uma questão,
porque eu nunca parecia ter problemas enquanto crescia. Nunca
houve incidentes racistas. E eu falava, bem, sim, mas o racismo é
mais do que um incidente isolado. É sobre o mundo em que você
vive e o modo como vivencia seu ambiente.
Durante toda a minha infância e durante toda a minha vida adulta,
tive a sensação de ser diferente e um pouco estranha. Eu nunca
consegui entender porque me sentia deslocada. Agora que estou
mais velha e entendo as coisas, acho que era por causa da raça.
Sendo a única criança negra da minha turma, vivendo em uma
cidade branca, sendo cercada por uma família branca.”
Perguntei à Jessica sobre algumas das conversas difíceis que ela
tem tido. “Recentemente”, ela respondeu, “meu tio e meu primo
estão sendo bem… Bem, eles têm sido muito racistas.
Compartilhando coisas no Facebook, compartilhando coisas sobre o
movimento Britain First,* compartilhando coisas sobre ‘banir a
burca’. Eu tenho tentado conversar com eles sobre por que isso é
racista e por que isso é prejudicial para mim também, e não estou
chegando a lugar nenhum. Eles me veem falando sobre raça como
se eu fosse um problema, como se eu fosse uma encrenqueira. Isso
me fez me distanciar da minha família branca nos últimos dois anos.
Realmente não os vejo mais. Não consegui lidar com eles sem
entender onde quero chegar.”
Mais tarde, ela confidencia: “À medida que me tornei mais
consciente em termos de raça e onde estou no mundo, eles se
tornaram mais distantes. Sei que eles estão desconfortáveis comigo,
e minha irmã também sente isso. Quanto mais eu me torno eu
mesma, menos confortável eles se sentem ao meu redor. É muito
triste, porque costumávamos ser uma família muito próxima, mas
agora evito reuniões de família.”
Uma família extensa pode ser evitada, mas o que dizer de um dos
relacionamentos mais próximos na vida de uma pessoa – o que
dizer sobre o relacionamento dela com a mãe? “Ela fica um pouco
na defensiva”, diz Jessica. “Ela me disse: ‘Sinto que você está
esquecendo que é branca também.’ E eu fiquei, tipo: ‘Sim, mãe,
mas quando eu ando na rua, as pessoas veem uma mulher negra.’
Eu me sinto como uma mulher negra. Nosso relacionamento é
difícil, porque eu a amo, e eu quero que ela me aceite, mas também
ela fala coisas que são racistas… Isso é muito doloroso. Minha mãe,
ela está completamente cega por sua branquitude a maior parte do
tempo… Ela só pensa: ‘Eu não acredito que alguém possa ser tão
tendencioso’. Ela não consegue imaginar o preconceito institucional.
Então você tem que começar com o básico. Eu não posso fazer isso
com toda a minha família, sabe?”.
Um dos comentários da mãe de Jessica era sobre seu pai
jamaicano, e isso esbarrou em estereótipos raciais. “Eu me lembro
quando ela fez um comentário sobre homens negros e o tamanho
de seus pênis, e como isso era verdade, por causa do meu pai. Eu
fiquei tipo, mamãe, você não sabe o quão fodido é [dizer] isso.”
“Eu sinto muito amor pela minha mãe”, Jessica diz com certeza.
“Nós temos um relacionamento muito próximo, falamos uma com a
outra o tempo todo. Mas ela me deixa com raiva quando não
entende as coisas. Ela está dando pequenos passos, mas no
passado tive que protegê-la da minha raiva. Estou dividida. Posso
falar minha verdade para minha mãe? Mesmo depois de dizer
alguma coisa, sinto que não consigo ficar com raiva dela. Mas
então, semanas depois, sinto vontade de ligar para ela e começar
uma discussão sobre alguma coisa para tirar minha raiva. Tenho
que direcionar a raiva para outra coisa.
Eu tive muita raiva. Minha família simplesmente não considerou
minhas necessidades como uma criança mestiça. Minha mãe e meu
pai, quando se casaram, era um problema, porque os
relacionamentos inter-raciais ainda eram controversos, eu acho.
Quando se casaram, cerca de 35 anos atrás, perderam amigos.
Então, por que eles não pensaram: ‘Bem, o que essa criança
mestiça vai experimentar?’. Eles nunca fizeram nada para atender
às minhas necessidades culturais, coisas como fazer meu cabelo,
coisas como comida jamaicana, você sabe, todas essas coisas que
acho que são essenciais para crescer e saber de onde você é.”
Jessica me diz que ela está atualmente em aconselhamento e
tem procurado grupos locais compostos por pessoas mestiças que
tiveram experiências semelhantes. “Eu tenho esses sentimentos
sobre minha identidade e acabei enterrando-os bem fundo, e acho
que eles afetaram meu bem-estar mental. Eu tenho alguns amigos
com mães brancas que sofrem também. Mães [brancas] que estão
usando a palavra com N* e dizendo que está tudo bem porque seus
filhos são negros. Agora, quando vejo um casal inter-racial, me sinto
desconfortável, embora esteja em um relacionamento inter-racial.
Quando vejo um pai branco com um mestiço, penso: ‘Esse filho vai
ter o que precisa?’. Porque não tive o que eu precisava. Acho que,
para pessoas brancas que estão em relacionamentos inter-raciais,
ou que têm filhos mestiços, ou que adotam transracialmente, a única
maneira de isso funcionar é se eles realmente se comprometerem
em ser antirracistas. Ser humilde e aprender que eles são racistas,
mesmo quando pensam que não são.”
De seu parceiro, ela diz: “Ele sabe o que eu passei. Queremos
filhos juntos e ele é o tipo de pessoa branca que fará isso
desaprendendo e desfazendo. Eu só tenho algumas pessoas
brancas em minha vida assim e eu não poderia estar em um
relacionamento com uma pessoa branca que não fosse assim. A
conversa sobre raça neste país é muito limitada, assim como a
conversa sobre pessoas mestiças. Há pessoas pensando que você
é metade-metade, que você só pode ficar preso entre dois mundos.
Eu costumava me preocupar em não ser negra o suficiente, mas
estou começando a sentir que faço parte da diversidade da
negritude. Há mais de uma maneira de ser negro.”
A relação de Jessica e sua mãe é sutil, ao mesmo tempo
profundamente amorosa e profundamente dolorosa. Dialoga com
uma série de complexidades sobre o racismo – revelando uma
verdade que é frequentemente deixada de fora na cobertura
desajeitada da mídia – que não é promulgada por monstros
maliciosos movidos por má vontade, mas que isso acontece por
meio da branquitude. Em vez de relações inter-raciais provarem que
a sociedade está acima da raça, elas provam que as ações das
pessoas geralmente se movem mais rápido do que o progresso
social.
Faz sentido que os casais inter-raciais não queiram se
sobrecarregar com o peso deprimente da história racial ao planejar
suas vidas juntos, mas uma abordagem que fecha os olhos para a
questão da cor dificulta a vida das crianças que não merecem esse
descuido. Parece que, da mesma forma que casais de longo prazo
podem discutir casamento, dinheiro e filhos, casais de diferentes
heranças devem discutir sobre raça – o que isso significa para eles,
como isso afeta atualmente suas vidas e como isso pode afetar a
vida de seus futuros filhos.
Entre os confetes de “acabar com o racismo” espalhados em
famílias mestiças está o olhar desconfiado de corpos ocupados que
não entendem muito bem a configuração. Nossa demografia está
mudando mais rápido do que nossas atitudes e isso está causando
confusão. Curiosamente, ouvi de filhos crescidos em outras famílias
mestiças que me disseram que, quando crianças, foram paradas e
interrogadas na rua quando saíam com os pais, e sofreram insultos
e ofensas quando a família viajava em grupo, sendo “família arco-
íris” o mais comportado.
E há muito pouca conversa sobre o privilégio branco na adoção
transracial – quando as crianças de cor são adotadas por famílias
brancas. Em 2010, o jornalista Joseph Harker escreveu: “Meu
próprio pai nigeriano abandonou minha mãe irlandesa antes de eu
nascer. Três anos depois ela se casou com um inglês local, que
mais tarde me adotou, e eu fiquei com o nome dele. Nunca me
faltou amor, apoio e encorajamento. Mas quando a questão da raça
colidia, regularmente, com a minha vida, eu estava pouco
preparado. Achei difícil lidar com as provocações do recreio e da
sala de aula e, à medida que envelhecia, a desconexão com a
minha herança africana tornou-se mais um problema. Eu conversei
com muitos negros de educação similar e eles frequentemente
falam das mesmas experiências.”103
Suas palavras atingem o cerne da questão. Não há nada que
sugira que uma criança negra com um pai branco, ou que seja
adotada em uma família branca, não seja a receptora de amor e
apoio incomensuráveis. Entretanto, nunca tendo experimentado
isso, os pais podem não estar bem preparados para lidar com o
racismo que seu filho sofrerá.
Em 2012, no derradeiro ato de neutralidade racial, o ex-primeiro-
ministro David Cameron expôs seus planos para remover a
exigência legal de autoridades locais de considerar a origem racial,
cultural e linguística de uma criança durante o processo de adoção.
O movimento não foi sem boa vontade. Em 2013, o Departamento
de Educação disse à imprensa que crianças negras e de minorias
étnicas são adotadas, em média, um ano depois do que suas
contrapartes brancas. Quanto mais tempo uma criança estiver no
cuidado, mais provável é que ela desenvolva problemas de apego
mais tarde na vida, eles disseram, então encontrar uma boa família
com rapidez é fundamental. “Se há uma família amorosa pronta e
capaz de adotar uma criança”, disse o então secretário de educação
Michael Gove, “questões de etnia não devem ser um empecilho.”104
Foi com um astuto truque linguístico que os políticos insistiram
que considerar a raça de uma criança estava realmente alimentando
o racismo, com as observações de Gove implicando que, o fato de
crianças negras esperarem por muito tempo serem adotadas era por
causa de “barreiras” politicamente corretas que o “multiculturalismo
de Estado” havia posto em prática, e não do racismo sistêmico. Por
que as crianças negras esperam mais tempo para serem adotadas
não é algo facilmente explicado. Mas vivemos em um mundo repleto
de racismo e essas esperas indicam outro golpe nas chances de
vida de uma criança negra.
Enquanto isso, pais brancos que adotam filhos de cor assumem
uma nova responsabilidade de serem conscientes em relação à
raça. Eles embarcam em uma jornada muito nova de
autodescoberta e têm o dever de não mais se comprometer com as
políticas limitantes da neutralidade racial. Eles têm esse dever
porque uma criança negra não pode ser sobrecarregada com a
responsabilidade de enfrentar os preconceitos do mundo por conta
própria. Nem todos os pais brancos dedicam tempo para aprender.
Infelizmente, conheci pais brancos de crianças mestiças que me
enfrentaram com raiva, insistindo que eles “não veem raça” e me
dizendo que o que estou fazendo não ajuda em nada. Claro, eu não
exijo que eles concordem com cada ponto que falo, mas eu acho
que é importante que eles reconheçam que ainda estamos vivendo
em uma sociedade racista, e só assim é que eles podem aconselhar
seus filhos com alguma facilidade. Não por causa deles, mas pelo
bem de seus filhos. Eu realmente acredito que é o mínimo que eles
podem fazer. Por outro lado, também conheci pais brancos de
crianças mestiças que expressam uma verdadeira vontade de
entender o que seu filho vai enfrentar. Estes são esforços para
preencher uma lacuna de informação que os brancos normalmente
não precisam fazer. Fingir que tudo está bem não ajuda ninguém.

Apesar do título desse livro, eu sabia que não poderia escrever


sobre raça sem conversar com pelo menos uma pessoa branca que
pensa em raça tanto quanto eu. Jennifer Krase é americana, mas
vive no Reino Unido há sete anos. Ela é uma imigrante branca na
Grã-Bretanha, o que a torna uma pessoa de fora e de dentro: uma
pessoa de fora porque seu país tem sua própria cultura e seu
próprio racismo bem documentado, porque sua branquitude
americana a posiciona como uma “expatriada” em vez de uma
“imigrante”. Ela é, de forma revigorante, autoconsciente sobre tudo
isso. “Acho que as pessoas brancas ficam na defensiva quando
você as chama de brancas”, ela me diz pelo Skype, “porque
internalizaram uma mensagem de que é grosseiro apontar a raça de
outra pessoa e é um território perigoso porque você pode ser
racista, inadvertidamente, porque eles poderiam se ofender com
essa menção de raça. Há uma lógica indireta realmente bizarra que
não toca em nenhum dos problemas subjacentes.”
Perguntei sobre suas primeiras concepções de racismo enquanto
ela caminhava pelo mundo como uma criança branca. Sendo
branca, Jenny provavelmente teria ido para uma escola onde ela
estava entre outras crianças brancas. E embora as crianças sempre
encontrem algo para fazer bullying umas com as outras, sendo
branca, Jenny não teria experimentado racismo no parquinho.
“Originalmente”, ela diz, “achei que você não deveria usar
determinadas palavras. Fechar os olhos para a cor foi algo que
definitivamente nos foi ensinado na escola.”
“Ao crescer, eu teria dito a você que o racismo é sobre insultar
outras pessoas. Ou que o racismo era sobre leis de segregação. Ou
que o racismo era uma via de mão dupla, que qualquer um pode ser
racista. Eu provavelmente teria dito que palavras como a palavra
com ‘N’ eram piores do que alguém chamar o outro de cracker* por
exemplo, mas eu teria dito que cracker ainda é racista. Agora, isso
parece ridículo para mim, mas essa foi a minha compreensão muito
simplista. Esse racismo era individual e eu não via como algo
sistêmico.”
Jenny cresceu na cidade de Fort Worth, no estado do Texas. Eu
perguntei sobre quando ela se tornou perceptivelmente consciente
em relação à raça em sua vida. “A raça era algo que eu sempre
estava ciente, mas não em relação a mim mesma”, disse ela. “Eu
pensava que raça era algo que se aplicava à outras pessoas. Outras
pessoas que não eram brancas, basicamente.” O Texas, ela diz,
“sempre foi um ambiente racialmente carregado… sempre existiram
divisões raciais entre aqueles que falam inglês e os que não falam,
latinos. Fort Worth é uma cidade muito dividida, não apenas em
termos geográficos, mas também de resultados de vida para as
pessoas.”
Tudo sobre sua educação pesadamente monoracial era
confortavelmente calculado, explicou Jenny. “Eu vivi uma existência
realmente deliberadamente protegida em muitas frentes. Não
apenas vivendo, acho que deliberadamente, em torno de outras
pessoas e comunidades brancas – minha escola que frequentei era
majoritariamente branca – também era uma escola de classe média.
Os bairros em volta da escola eram bem ricos na época. Havia
todos esses fatores diferentes que me levaram a estar em um
ambiente muito específico. Eu não acho que nada disso foi
acidental. Meus pais compram uma casa – você olha para as
vizinhanças e olha para as escolas, e toma decisões com base em
seus próprios critérios, alguns dos quais podem ser abertamente
racistas ou classistas. ‘Eu quero que meu filho frequente uma boa
escola’. O que significa uma boa escola?”
Dada a sua formação, fiquei imaginando como sua postura em
relação à raça poderia mudar tão drasticamente de até então para
agora. Na minha experiência, uma pessoa branca que teve uma
educação quase toda branca traz consigo uma insularidade, bem
como um impulso para defender a branquitude quando criticada. Em
que momento da sua vida ela percebeu que era branca? “[Eu tive
um palestrante cuja] aula foi inacreditavelmente desafiadora para
mim, porque ele falou sobre raça. Ele falou sobre raça, ele falou
sobre o imperialismo… Essa foi a minha primeira exposição, não
apenas aos fatos, mas também aos pontos de vista históricos
politicamente desafiadores. Na época eu estava bem resistente a
tudo isso. Pensando no que eu disse, agora, simplesmente me
arrepio. Mas aquilo realmente plantou as sementes da mudança
para mim.”
A princípio ela estava na defensiva. “Acho que o que me fez sentir
na defensiva é que fiquei envergonhada de que houvesse uma
chance de alguém saber algo que eu não sabia. Em algum nível,
talvez eu pudesse sentir que aceitar o que aquela pessoa estava
dizendo abriria uma lata de minhocas. Foi uma combinação de
constrangimento e pânico. Não consigo apontar exatamente o que
eu estava tentando proteger ou defender. Acho que foi uma
indignação.
“Perdi muito a sensibilidade de ouvir que estou errada. Isso é um
ganho enorme, em um nível pessoal. Não perdi meu privilégio
branco. Não diminuiu porque de repente eu entendo o que é.”
Eu estava curiosa para saber como a política antirracista de Jenny
afetou o resto de sua vida. “Discuto [o racismo] com a família, com
amigos, em um contexto de trabalho, embora essas discussões
possam ser realmente difíceis”, diz ela. “Nos últimos três ou quatro
anos, definitivamente tive algumas falhas em relação a isso, onde
ou escolhi a discussão errada para ter ou perdi a chance de ter uma
discussão que era essencial.”
“Estou tentando fazer mais coisas no meu dia a dia que não estão
em espaços ativistas, para trazer à tona problemas no momento em
que são relevantes. Porque não sei o que as outras pessoas na sala
estão pensando, mas eu estou pensando sobre isso e ninguém mais
está falando sobre, cabe a mim dizer alguma coisa. Ser responsável
por isso, realmente só para mim mesma. Fazer coisas quando não
há ninguém para ver, porque não é realmente sobre alguém
testemunhar ou me dar tapinhas nas costas.”
É incomum que Jenny esteja disposta a fazer o trabalho pesado
de desmantelar o racismo. Francamente, é incomum porque ela é
branca. Tantos brancos pensam que o racismo não é problema
deles. Mas o privilégio branco é fundamental para o racismo.
Quando escrevo sobre pessoas brancas neste livro, não quero dizer
todas as pessoas brancas individualmente. Quero dizer branquitude
como uma ideologia política. Uma escola de pensamento que
favorece a branquitude à custa daqueles que não são brancos. Para
mim, é como yin e yang. O legado do racismo não existe sem
propósito. Isso traz consigo não apenas uma incapacitação para os
afetados, mas um empoderamento para aqueles que não são. Isso
é privilégio branco. O racismo reforça as chances de vida das
pessoas brancas. Ela proporciona um poder imerecido; é projetado
para manter uma dominância silenciosa. Por que as pessoas
brancas não acham que têm uma identidade racial?”.

* N.T.: Tradução literal da hashtag original #tacticasoldascolonialism.


* N.T.: O Britain First é um movimento político e patriota, formado por ex-
membros do Partido Nacional Britânico, e conhecido como fascista por
defender causas da extrema-direita no Reino Unido.
* N.T.: Ao dizer “a palavra com N” ela quer dizer “nigger”, considerado
como um termo pejorativo referente aos negros e um insulto racial
quando dito principalmente por pessoas brancas.
* N.T.: Cracker é um termo pejorativo direcionado a pessoas brancas,
usado principalmente para ofender brancos pobres das zonas rurais do
sul dos Estados Unidos.
4
MEDO DE UM PLANETA NEGRO

Em 1968, o falecido político conservador Enoch Powell disse a


uma plateia extasiada em um discurso sobre os males da imigração:
“Neste país, daqui a quinze ou vinte anos, o homem negro será
quem terá a mão do chicote sobre o homem branco.”105
Inadvertidamente, ele revelou seu próprio reconhecimento tácito das
relações racistas de poder no país naquela época e, embora ele não
tenha dito explicitamente (porque sabia de que lado estava), Powell
claramente achava que uma transferência de poder nas relações
raciais levaria brancos britânicos a enfrentarem os maus-tratos e
barreiras sistêmicas que os negros estavam trabalhando para
superar. Há uma razão pela qual ele disse “chicote” ao invés de usar
o fraseado menos simbólico “vantagem”. O chicote evoca imagens
de espancamentos, miséria e trabalho forçado, de subjugação e
domínio total – da escravidão. O discurso de Enoch Powell tem sido
consistentemente marcado como um dos mais racistas da história
britânica, mas sua linguagem era apenas tão racialmente carregada
quanto a relação da Grã-Bretanha com a negritude tem sido
historicamente. A única maneira pela qual ele poderia imaginar o
poder sendo mantido na Grã-Bretanha era subjugando um povo,
porque foi assim que a Grã-Bretanha assegurou e manteve seu
poder no passado.
A projeção de um sempre crescente dia do juízo final negro é o
que chamo de “medo de um planeta negro”. É um medo que o
“outro” alienado assuma. Os temores de Enoch Powell de um roteiro
invertido têm sobrevivido na retórica política moderna sobre a
imigração. Quando, no período que antecedeu as eleições gerais de
2015, o Partido Trabalhista liberou o merchandising oficial, que
incluía uma caneca que dizia “controle sobre a imigração”, eles
deram suporte a esse medo. Alguns insistem que estamos morando
em uma pequena ilha e é hora de fechar as portas. Há uma
preocupação de que a essência cada vez mais evidente do
“britanismo” esteja sendo lentamente corroída por imigrantes cujo
único interesse não é fugir da guerra ou da pobreza, mas destruir o
tecido social do país.
O medo assume muitas formas. Ouvimos isso na forma de
“preocupação com a imigração”, promovida pelos partidos políticos
nas recentes eleições gerais. Nós ouvimos isso na forma de
“preservar nossa identidade nacional”. No centro do medo está a
crença de que qualquer coisa que não represente a homogeneidade
branca existe apenas para apagá-la. Esse multiculturalismo é o
começo de uma ladeira rumo à destruição da civilização ocidental.
Parecia um tanto paranoico quando Nigel Farage,* do UKIP,**
expressou um nervosismo ao ouvir passageiros falarem línguas
diferentes no vagão de seu trem. Em um discurso de 2014, ele
disse: “O fato é que, em dezenas de cidades e cidades comerciais,
esse país, em pouco tempo, se tornou irreconhecível. Seja o
impacto nas escolas e hospitais locais, seja em muitas partes da
Inglaterra onde você não ouve mais o inglês. Esse não é o tipo de
comunidade que queremos deixar para nossos filhos e netos.”106
Décadas após o discurso de Enoch Powell e o medo de um
planeta negro não diminuiu de maneira alguma. A palavra
multiculturalismo tornou-se a representação de uma tonelada de
ansiedades britânicas sobre imigração, raça, diferença, crime e
perigo. Agora é uma palavra suja, uma palavra sinônima para
medos de pessoas negras, pardas e estrangeiras que representam
um perigo para britânicos brancos. Se você é um imigrante –
mesmo se você é de segunda ou terceira geração – isso é pessoal.
Você é multicultural. As pessoas que estão com medo do
multiculturalismo estão com medo de você. E, no espírito da
negritude política no estilo da década de 1980, as “preocupações
com a imigração” são menos sobre quem é negro e mais sobre
quem não é britânico e branco.
Na campanha para o referendo sobre a participação da Grã-
Bretanha na União Europeia, a campanha Vote Leave escreveu que
“houve 475.000 nascidos vivos de mães de outros países da UE
entre 2005 e 2014, o equivalente a uma cidade do tamanho de
Manchester para a população.”107 Isso foi encoberto em uma
conversa sobre o “excesso” de imigrantes colocados no Serviço
Nacional de Saúde, mas eu já ouvi essa discussão antes. Nos EUA,
a frase “bebê-âncora” é usada no sentido pejorativo para recriminar
os filhos de imigrantes nascidos nos EUA. Sugere uma tomada de
poder. A Grã-Bretanha não é inocente desse tipo de conversa
punitiva. Em 2016, um hospital começou a considerar a verificação
de passaporte para pacientes não emergenciais – incluindo
gestantes – antes de receberem tratamento.108 Em outras leituras
de campanha antes do referendo, cartazes do UKIP diziam:
“Queremos nosso país de volta: vote para sair.”109 A última vez que
ouvi o slogan “queremos nosso país de volta” estava na cidade em
que fiz faculdade, quando um grupo de extrema-direita, a English
Defence League estava fazendo um protesto sobre o que chamaram
de “islamificação” da Grã-Bretanha. Agora, outra forma da frase –
“pegando nosso país de volta” – é usada como um slogan pela
Britan First. Uma pesquisa da IPSOS Mori, publicada dias antes do
referendo da UE, confirmou que a imigração era a principal questão
para candidatos a votos da campanha.110 O que antes era restrito,
se tornou mainstream.
Isso não é novidade. Há muito tempo, grupos políticos de
extrema-direita roubaram as lutas anticoloniais dos povos nativos da
América e da Austrália para criar uma história sobre os ingleses
brancos indígenas, sitiados pela imigração. Na mesma época em
que a English Defence League marchava pela minha cidade
universitária, um grupo de meus amigos lotou meu quarto para
assistir Nick Griffin, ex-líder do Partido Nacional Britânico, no BBC
Question Time. Eu assisti descrente quando ele disse: “Ninguém
aqui se atreveria a ir para a Nova Zelândia e dizer para um maori: ‘o
que você quer dizer com indígena?’. Você não ousaria ir à América
do Norte e falar para um índio americano ‘o que você quer dizer com
indígena? Somos todos iguais’.” Ele continuou: “Os povos indígenas
dessas ilhas, os ingleses, os escoceses, os irlandeses e os
galeses… são as pessoas que estiveram aqui esmagadoramente
nos últimos 17.000 anos. Nós somos os aborígenes aqui. O simples
fato é que a maioria dos britânicos é descendente de pessoas que
vivem aqui desde tempos imemoriais. É extraordinariamente racista,
é genuinamente racista, quando você tenta negar o inglês. Vocês
nem mesmo nos deixaram ter nosso nome no formulário do censo.
Isso é racismo. E é por isso que as pessoas estão votando no
Partido Nacional Britânico.”
Parecia que, para Nick Griffin, a diferença acomodatícia era
semelhante a eliminar a branquitude britânica. O conforto do
privilégio branco o cega para o fato de que ele é parte da maioria e
que ele já é servido. Em seu monólogo no Question Time, Griffin
apelou para o senso britânico de justiça ao conjurar imagens de
uma minoria branca sob ataque, perdendo o controle de sua
herança e cultura. Ainda mais insultuosamente, ele usou as lutas de
negros e pardos que foram colonizados, estuprados e espancados
por brancos britânicos para preservar a cultura branca britânica.
Por causa das leis de difamação britânicas, você pode ter sérios
problemas se publicar algo que critique duramente alguém sem lhes
dar o direito de responder na mesma publicação. Acho que um livro
detalhando o racismo britânico seria negligente em ignorar a vasta
influência que Nick Griffin e o Partido Nacional Britânico tiveram em
como falamos sobre raça hoje. Então me vi na posição de tentar
entrar em contato com Nick Griffin, um homem que, durante toda a
minha vida, atacou abertamente a ideia de que pessoas como eu
fossem verdadeiramente britânicas, e que representava um partido
que mantinha políticas declarando que minha família mestiça é uma
abominação.
Tendo estado na mesma posição alguns anos antes de mim, um
editor com quem trabalho me deu seu endereço. Escrevi uma carta
ao Sr. Griffin. Ele respondeu no dia seguinte, concordando em falar
comigo. Sugeri que nos encontrássemos nos escritórios da minha
editora. Ele recusou, dizendo que quase nunca vai a Londres, uma
vez que é “em grande parte um país estrangeiro”. Nós concordamos
em falar ao telefone no dia seguinte.
Fiquei muito preocupada durante todo esse processo, mas optei
por usar meu próprio número de celular para ligar para ele, em um
esforço para ser o mais aberta e honesta possível. Eu precisava da
entrevista, afinal de contas, e agir de forma suspeita ou reter
informações não ajudaria. Mas eu entreguei meu número de
telefone pessoal a um dos líderes de extrema direita britânicos mais
infames nos últimos 50 anos. Se ele assim o desejasse, ele poderia
tornar minha vida um inferno com alguns botões. Ele poderia optar
por postar meu número na internet. Sabia que era algo que ele tinha
feito antes – postando o endereço de um casal gay em 2012.111
Minha única segurança era que nós dois tínhamos algo sobre o
outro – eu tinha seu número e endereço de e-mail. Então assumi o
risco. Nossa conversa foi tão surreal que publico aqui na íntegra.

Reni Eddo-Lodge: Em 2009, você disse algo do tipo que os


britânicos brancos são uma minoria étnica na Grã-Bretanha.
Você ainda acha isso?
Nick Griffin: Não são. Serão.
R.E.: Por que você acha que os brancos se tornarão uma
minoria étnica na Grã-Bretanha?
N.G.: É simplesmente um fato demográfico. Se você quiser procurar,
eu escolheria o professor Coleman, da Universidade de Oxford. Ele
é provavelmente o principal demógrafo da Grã-Bretanha. Usando
números do governo, não meus números, ele disse, há alguns anos,
que nós seríamos uma minoria em nosso próprio país no final do
século, no mais tardar. Isso foi seguindo tendências da época, mas
é claro, as tendências atuais pioraram. Então simplesmente não há
dúvidas sobre isso. Não apenas a Grã-Bretanha, mas toda a Europa
Ocidental.
R.E.: Mas atualmente na Grã-Bretanha, 81,9% da população é
britânica branca, você não acha isso um pouco exagerado?
N.G.: Não, é assim que os dados demográficos funcionam. A
população britânica é muito grande em comparação com as outras,
você está certa. Mas se você olhar para as diferenças de idade
entre as populações, e a população britânica é significativamente
composta de duas ondas de baby boomers que, nos próximos vinte
anos, vão morrer a uma taxa incrível… Isso vai aumentar.
Considerando que o perfil de idade de um número de populações de
imigrantes é muito mais jovem, eles terão mais filhos. Você não está
discutindo comigo, você precisa discutir com o professor Coleman.
Ele é um dos principais demógrafos do mundo e você e eu não
somos. O que ele diz é verdade. Não há dúvidas sobre isso.
R.E.: Por que você acha que as projeções dele são más
notícias?
N.G.: Eu considero isso uma questão racista. Porque nenhuma
pessoa branca ousaria ir à Nigéria, digamos, se a Nigéria estivesse
sendo inundada por chineses, e dissesse: “Por que você acha que é
uma má ideia que a Nigéria deixe de ser a Nigéria?”. É evidente que
todos os povos do mundo têm o direito de permanecer o povo
dominante, cultural e etnicamente, em sua própria pátria. Quem diz
o contrário, só porque somos europeus, é racista.
R.E.: Entendo. Então sou racista.
N.G.: Não, não, não estou dizendo que você é racista. É em dizer
isso, com essa perspectiva. [Se você está feliz em] ter menos
direitos do que nigerianos, então você é racista. Se você fica
absolutamente feliz pelos nigerianos se tornarem chineses, então
você não é racista, você é simplesmente louca.
R.E.: Isso foi há muitos anos, então por favor esclareça isso
para mim, [mas] é verdade que o PNB tinha uma política ou
tinha um tipo de declaração em seu site, dizendo ser contra
relações inter-raciais?
N.G.: Sim.
R.E.: Essa é uma ideia que você compartilha?
N.G.: Eu acho que é lamentável quando as pessoas são eliminadas
por uma grande quantidade de integração racial. Muhammad Ali
disse exatamente a mesma coisa. Eu acho que ou a natureza ou
Deus fez as pessoas separadas, únicas e maravilhosas, todas elas,
então é uma vergonha se todos nós somos simplesmente nos
obliterássemos em uma massa indistinguível em todo o mundo. É
uma pena. Dito isto, não cabe ao estado nenhum determinar quem
se apaixona por quem.
R.E.: Então você acha que a população branca britânica está
sob ataque da imigração e das relações inter-raciais?
N.G.: Penso que a identidade de todos os povos da Europa está
ameaçada pela imigração em massa, integração e relações inter-
raciais, que na verdade não acontecem só porque é uma coisa
natural, mas porque são constantemente promovidas por todas as
partes da mídia de massa como uma coisa boa. É uma política
deliberada, é muito muito claro. Se você voltar a Coudenhove-
Kalergi, o homem que fundou a União Europeia, ele dizia
abertamente, em 1926, que a ideia [era] obliterar as nações da
Europa em termos constitucionais, mas também os povos que as
criaram. Por meio da imigração em massa e assimilação de massa.
Assimilação socialmente projetada, é isso que está acontecendo.
Estamos sob ataque. Não por imigrantes, mas por uma elite que
quer usar as imigrações para destruir as nações da Europa.
R.E.: Tenho certeza de que era política do governo britânico,
particularmente no período pós-guerra, de realmente trazer
pessoas da Commonwealth por razões trabalhistas. Você não
acha um pouco dissimulado sugerir que essas pessoas que às
vezes foram perguntadas, e às vezes governadas pela Grã-
Bretanha… se elas vêm pegar uma fatia do bolo, por que isso é
injusto?
N.G.: Está errado por causa do efeito que tem na Grã-Bretanha. Eu
não estou culpando os imigrantes. Você tem toda a razão, se o
governo os apoia, se altos funcionários públicos incentivaram as
pessoas. São as pessoas que controlam os meios de comunicação
de massa, as grandes corporações, as grandes empresas que
querem mão de obra barata, para minar o poder do trabalho
sindicalizado organizado. Eles são os culpados, não os imigrantes.
R.E.: Por que você aponta a mídia de massa quando muitos dos
nossos meios de comunicação na Grã-Bretanha – quero dizer, é
de propriedade de algumas pessoas, você está certo quanto a
isso – mas temos uma grande quantidade de mídia
sensacionalista que é explicitamente anti-imigração.
N.G.: Nós fazemos de fato. É explicitamente anti-imigração. Mas, de
um modo geral, concorda alegremente com as implicações
genocidas da imigração em massa. Então, certamente não é uma
mídia nacionalista. E em termos da mídia que realmente influencia
como as pessoas pensam e o que fazem, não há comparação entre
a mídia impressa e o que as pessoas veem. É o poder dos filmes de
Hollywood, é o poder do noticiário da televisão, particularmente o
poder das novelas. Estas são as coisas que são particularmente
eficazes em mudar a forma como as pessoas veem o mundo e o
que fazem. Um jornal, no entanto, relata as notícias, está impresso.
Não tem nada como o poder de transmissão da mídia. É o fato de
que essa mídia, comandada por um punhado de pessoas e dirigida
por um grupo de interesse muito pequeno, que todos querem a
mesma coisa, eles são os que realmente têm o efeito. Esqueça o
Daily Mail, são as novelas que decidem como as pessoas trabalham
em suas cabeças.
R.E.: Quando você diz que todos querem a mesma coisa, o que
você acha que eles querem? Porque eu trabalho na mídia e ela
é bem branca – o jornalismo britânico é algo em torno de 96%
branco. Essas redações e lugares não são particularmente
multiculturais.
N.G.: Não, não, não, eles não são, mas fazem parte da hipocrisia da
elite liberal. Eles querem que a classe trabalhadora comum desfrute
da tremenda diversidade e benefícios da imigração em massa que a
acompanha. Mas eles não querem isso para eles mesmos, não é?
Eles não querem isso para seus filhos. Os Rupert Murdochs deste
mundo querem poder e querem riqueza, e não querem que ninguém
desafie isso. Toda a corporação, 1% ao redor do mundo, sabe que
está saqueando nossos serviços públicos, os recursos. Costumava
acontecer que o colonialismo e os saques fossem feitos pelo
Ocidente no Terceiro Mundo. O saque é agora das corporações de
todos nós, e eles estão bem conscientes de que, mais cedo ou mais
tarde, qualquer soberano, qualquer povo europeu que ainda tenha
sua identidade intacta, eles podem dizer que já tivemos o suficiente
do saque, estamos pegando tudo de volta. Então, a única maneira
de garantir que o saque seja permanente é se livrar dos povos que,
de outra forma, diriam que estamos tendo uma revolução.
R.E.: Você acha que pela Grã-Bretanha acomodar a diferença,
pessoas de diferentes raças e culturas, isso é semelhante a
eliminar a britânica branca?
N.G.: Em pequeno número, não. Mas esse é o objetivo e é o
resultado inevitável de grandes números, sim.
R.E.: Meus pais são de um [antigo] país da Commonwealth e
tenho um passaporte britânico. Nasci e cresci aqui. Quando
você diz essas coisas, pode identificar a elite como se
estivesse espalhando uma pauta, mas isso tende a fazer com
que alguém como eu se sinta bem indesejado. Há muitos,
muitos imigrantes de segunda geração que se sentem bastante
britânicos.
N.G.: Você é bem jovem, eu recomendo que você dê o fora deste
país e vá ter filhos em algum lugar decente, provavelmente em
algum lugar conectado com sua própria herança, porque a Grã-
Bretanha está, para ser grosseiro, totalmente fodida.

Nick Griffin é um exemplo extremo, mas ele ecoa os mesmos


medos que são evidentes nos resmungos de baixo nível e
ressentimentos de alguns britânicos que estão resistentes a
mudanças. Eles gastam seu tempo ansiando por uma nostálgica
Grã-Bretanha que nunca existiu.
O medo de um planeta negro sustenta que as pessoas de cor
estão competindo injustamente por recursos preciosos, racionados e
escassos, e que ter mais pessoas de cor nessas posições de poder
pode instigar uma drástica inclinação da balança. Para alguns, toda
vez que uma nova casa de curry é aberta, todo polski sklep que
abre, e toda vez que a Sainsbury expande seu corredor de comida
étnica, é um símbolo de que os brancos britânicos estão
caminhando cegamente para um novo status de minoria. Alguns
começam a boicotar a carne halal alegando crueldade, como se
existisse variados níveis de morte animal aceitável que eles
apoiariam em prol de comer seus hambúrgueres. O medo de um
planeta negro é um medo da perda.

Outra encarnação do medo revela um profundo desconforto com


a conversa e os protestos antirracistas. Revestida da estrutura
perniciosa da “liberdade de expressão”, ela se materializa quando
uma pessoa com valores antirracistas exprime sua repugnância por
algo racista. Ela será então informada de que sua pura objeção a
isso realmente inibe a liberdade de discurso.
No final de 2015, houve a ascensão de um movimento britânico:
Rhodes Must Fall. Inspirados por protestos semelhantes de
estudantes na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul,
estudantes da Universidade de Oxford focaram seus esforços em
retirar uma estátua do empresário colonial Cecil Rhodes no campus
da universidade. Além de fundar a mineradora De Beers
Consolidated Mines (eventualmente fornecedora de diamantes De
Beers), Cecil Rhodes desempenhou um papel fundamental na
expansão do Império Britânico na África do Sul, baseada na crença
de que os britânicos eram “a melhor raça do mundo”. Seu projeto
colonial deslocou os africanos de suas terras. O país que hoje
conhecemos como Zimbábue já foi chamado Rodésia, em
homenagem a Rhodes. Os cidadãos do país tentaram resistir ao
domínio britânico e pagaram com suas vidas. Para muitos, Rhodes
foi o pai do apartheid sul-africano. Quando ele morava na Grã-
Bretanha, ele frequentou o Oriel College de Oxford, e uma estátua
dele está lá até hoje. Foi em 2015 que os estudantes da
universidade deixaram claro que queriam que a estátua fosse
retirada.
Um debate nacional sobre se a estátua deveria cair se seguiu. Os
estudantes negros que se manifestaram foram acusados de serem
antidemocráticos. “Cecil Rhodes era um racista”, dizia uma
manchete, “mas você não pode apagá-lo da história.” Essa foi uma
conclusão estranha a ser tirada, porque fazer campanha para
derrubar uma estátua não é o mesmo que deletar o nome de Cecil
Rhodes dos livros de história. A campanha Rhodes Must Fall não
queria que Rhodes fosse apagado da história. Em vez disso, eles
estavam questionando se ele deveria ser tão abertamente
celebrado. Os oponentes da campanha – que incluíam Lord Patten,
o chanceler da Universidade de Oxford – disseram que, ao exercer
seu direito democrático de protestar, os estudantes estavam na
verdade interferindo na liberdade de expressão. Ao fazer um
barulho, interrompendo o cotidiano e apontando o problema, eles se
tornaram o problema. De alguma forma, não era crível que Lorde
Patten simplesmente quisesse um debate livre e justo e uma troca
saudável de ideias em seu campus. Parecia que ele só queria o
silêncio, o tipo de paz forçada que fervia de ressentimento, do tipo
que requer que alguns sofram para que outros se sintam
confortáveis.
Insistir que os defensores de Rhodes Must Fall estavam
restringindo a discussão era simplesmente uma mentira. O trabalho
do movimento trouxe aspectos pouco conhecidos sobre o
envolvimento colonial britânico na África para o horário nobre,
expondo fatos a plateias que quase certamente não teriam
aprendido sobre isso no currículo nacional. O que os estudantes
manifestantes conseguiram foi o oposto de calar o debate. O fato de
a campanha ter sido deturpada revelou a manipulação antinegra
passivo-agressiva à qual tantas conversas britânicas sobre raça são
culpadas de cooperar.
Essa luta de “liberdade de expressão” dificilmente pode ser
chamada de debate. Em vez disso, é unilateral, com o lado
poderoso constantemente distorcendo os termos de engajamento.
Apoiar a oposição do discurso e protesto antirracista como uma
nobre luta pela liberdade de expressão é sobre proteger as pessoas
brancas de serem criticadas. Parece haver uma crença entre alguns
brancos de que ser acusado de racismo é muito pior do que o
próprio racismo. Se os detratores de Rhodes Must Fall realmente
acreditassem na liberdade de expressão, eles teriam deixado o
debate acontecer sem lançar mão de falsas acusações de que os
negros os impediam de falar livremente. Eles teriam se engajado
com as ideias apresentadas, em vez de usar truques
intelectualmente desonestos com o objetivo de dar voltas ao invés
de levar os manifestantes a sério. Acho que há um medo entre
muitos brancos de que aceitar a difícil história de raça da Grã-
Bretanha significa, de alguma forma, admitir a derrota.
Rhodes Must Fall era um exemplo em pequena escala do que é a
injustiça racial na Grã-Bretanha. Parece normal. É prosaico. É
inquestionável. É apenas uma parte da paisagem, você pode acabar
passando por ela todos os dias. Para as pessoas que se opõem ao
antirracismo com base na liberdade de expressão, a oposição a
disparidades raciais grosseiras é uma questão de “ofensa”, em vez
das condições materiais altamente desiguais que as pessoas
afetadas por ela carregam como fardo. Estar em uma posição em
que suas vidas são tão confortáveis que eles realmente não têm
nada material para se opor, os falsos defensores do “discurso livre”
gastam todo seu tempo livre injuriando contra a “cultura ofensiva”.
Quando focam em ofensas, ao invés de sua própria cumplicidade
em um sistema drasticamente injusto, eles transferem, com
sucesso, a responsabilidade de consertar o sistema dos
beneficiados por ele para aqueles mais inclinados a perder por
causa dele. Combater o racismo passa de conversas sobre justiça
para conversas sobre sensibilidade. Aqueles que são repetidamente
atingidos pelas tendências do racismo de impedir suas chances de
vida são aconselhados a endurecer e a ficarem mais fortes.
A liberdade de expressão é base fundamental para uma
democracia livre e justa. Mas vamos ser honestos e ter coragem de
descobrir quem fala, onde e por quê. O verdadeiro teste dos
perímetros de liberdade de expressão deste país será encontrado
se ou quando uma pessoa puder discutir livremente o racismo sem
estar sujeita a tentativas intelectualmente desonestas para minar
seus argumentos. Se a liberdade de expressão, como muitos
insistem, inclui estar preparado para ouvir opiniões das quais você
não gosta, então vamos expandir os parâmetros do que
consideramos um debate aceitável. Não quero dizer novas versões
do preconceito antigo. Quero dizer que, se tivermos que ouvir esse
tipo de intolerância, então vamos ter o ponto de vista igual e oposto.
Se Katie Hopkins, com a ajuda do jornal The Sun, publica uma
coluna descrevendo refugiados desesperados tentando viajar para a
Grã-Bretanha como baratas,112 então precisamos de um
comentarista cultural que defenda a verdadeira compaixão e as
fronteiras abertas totalmente. Não o tipo de liberalismo onipotente
que discute as contribuições culturais e econômicas dos imigrantes
para esse país como se fossem recursos a serem sugados, mas
alguém que fale a favor dos migrantes e abra fronteiras com a
mesma força de vontade com que Hopkins os despreza.
Já é hora de as críticas ao racismo estarem sujeitas à mesma
defesa apaixonada pela liberdade de expressão que as próprias
declarações racistas. Liberdade de expressão significa o encontro
de opiniões sobre raça. Liberdade de expressão não significa o
direito de dizer o que você quer sem refutação, e a fala e as ideias
racistas precisam ser saudavelmente desafiadas na esfera pública.
O medo branco tenta impedir que essa conversa aconteça.
O medo de um planeta negro existe não apenas no mundo real,
mas também na ficção. Depois que eu, com quatro anos de idade,
aceitei o fato de que eu nunca ficaria branca, encontrei refúgio em
fictícias personagens brancas inglesas e americanas com as quais
eu podia me identificar. Por muito tempo, esses heroicos
personagens fictícios, amados por tantas pessoas, têm sido
assumidos como brancos, porque a branquitude é vista como
universal. É no cinema, na televisão e nos livros que vemos as
manifestações mais potentes do branco como a suposição padrão.
Um personagem não pode simplesmente ser negro sem um aviso
prévio para um assumido público branco. Personagens negros como
protagonistas são considerados como não-identificáveis (com
exceção de um punhado de estrelas hollywoodianas notáveis).
Quando o casting para filmes e para a TV dá um passo fora da
branquitude, fãs repetidamente revelam seu lado obscuro,
expressando sua irritação, desgosto e decepção. O medo de
personagens negros é o medo de um planeta negro.
Quando a Sony Pictures sofreu o grande e-mail hackeado de
2014, a correspondência da presidente Amy Pascal revelou que ela
gostava da ideia do ator negro Idris Elba como o próximo James
Bond. Um ano depois, e artisticamente coincidindo com promoções
para seu último livro, o autor Anthony Horowitz acabou se
desculpando por dizer que Idris Elba era “de rua” demais para
interpretar o icônico personagem britânico. Na internet, acontecia
um debate sobre se um Bond negro poderia ser legítimo. O fato de
haver tanto tumulto em relação a James Bond, o epítome do
britânico cortês e lisonjeiro, possivelmente sendo manchado apenas
por um toque de negritude, provou novamente os limites do que
significa ser britânico. Quando os jornais cobriram a especulação
“Idris Elba como Bond”, os comentários quase quebraram a Internet.
“Eu nunca mais assistiria a um filme do Bond”, reclamou um leitor do
Daily Mail. Do que eles tinham tanto medo? Essa intensidade de
sentimento sobre histórias clássicas sendo arruinadas não existia
quando o romance de Charles Dickens, Oliver Twist, foi
transformado em um filme no qual o personagem principal foi
escalado à imagem de um gato de desenho animado.
Quando o sétimo filme de Guerra nas Estrelas teve o ator
britânico John Boyega como um stormtrooper, uma nova liga de
pessoas iradas foi às mídias sociais para pedir um boicote ao filme,
chamando-o de propaganda antibranca. Isso porque dois dos heróis
do filme eram negros e os vilões do filme eram todos brancos. Os
cantos mais extremos da Internet ecoaram Nick Griffins ao insistir
que essa decisão de escolha era parte de um projeto cultural mais
amplo para instigar um genocídio branco. O medo era intenso – e
estava ligado a mais amplos medos nacionalistas brancos sobre
pessoas brancas se tornando uma minoria racial no mundo
ocidental.
No período que antecedeu o Natal de 2015, a Internet foi
polarizada pela perspectiva de uma Hermione Granger negra. O
elenco principal havia acabado de ser anunciado para Harry Potter
and the Cursed Child,* uma peça baseada nos livros que se passava
dezenove anos após o fim do sétimo livro. Hermione Granger era
para ser interpretada por Noma Dumezweni, uma atriz negra da
herança sul-africana. Ao ouvir a notícia, alguns ficaram em êxtase,
mas outros ficaram indignados. Alguns fãs se fixaram em uma frase
de Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban – “o rosto branco de
Hermione estava saindo de trás de uma árvore”** – como prova de
que qualquer desvio de uma atriz branca era um sacrilégio.
Quando eu era criança, era uma fã totalmente engajada de Harry
Potter, ficando do lado de fora das livrarias à meia-noite para
conseguir o último lançamento e lendo rapidamente os livros uma
vez que eu colocava minhas mãos neles para que eu pudesse saber
o desfecho antes de qualquer um dos meus amigos. A raça de
Hermione não importava tanto para mim, mas quando o Newsround
da CBBC anunciou que estavam abertas as audições para o elenco
principal, eu, de onze anos, peguei meu exemplar de O prisioneiro
de Azkaban e li todas as partes de Hermione enquanto andava pelo
quintal. Acabei não enviando nenhuma informação minha para o
programa, porque sabia que se o livro não dissesse explicitamente
que ela era negra, então ela provavelmente não era. Não haveria
razão para tentar a audição para o papel.
Foi encorajador, então, ver J.K. Rowling sair em apoio a uma
Hermione negra, rejeitando os literalistas furiosos e tuitando que,
quando se tratava do personagem, “a pele branca nunca foi
especificada”. Mas quando você está acostumado com o branco
sendo o padrão, o preto não é preto, a menos que seja claramente
indicado como tal. Como uma fã adulta de Harry Potter, comecei a
pensar em Hermione Granger, com sua campanha de libertação dos
elfos domésticos, como uma liberal branca bem-intencionada, mas
culpada, assumindo uma causa de justiça social com gosto sem
nunca realmente consultar as visões e sentimentos das pessoas
pelas quais ela lutava. Fora do mundo mágico, Hermione estaria
trabalhando em uma ONG ou em uma instituição de caridade, ou
passando, lentamente, pela burocracia das Nações Unidas. Com
sua forte bússola moral, ela seria educada e dura sobre os direitos
dos animais ou sobre o aquecimento global.
Longe de destruir nossas obras de ficção mais amadas,
abandonar as premissas da branquitude de nossos personagens
infindavelmente expande todos os universos fictícios, seja o mundo
bruxo ou a galáxia de Guerra nas Estrelas. Como a vlogger
Rosianna Halse Rojas aponta,113 ler Hermione de Harry Potter como
negra é uma experiência totalmente diferente. Ele traz à luz a
linguagem incrivelmente racializada da pureza do sangue usada no
mundo mágico, de sangue-ruim e sangue-puro. Essa é uma
terminologia que poderia ter sido facilmente tirada diretamente da
Alemanha nazista ou da África do Sul do apartheid. Os pais de
Hermione eram trouxas, afinal de contas, e é assim que estados e
cientistas classificaram raças e alimentaram o racismo – como se
algumas heranças fossem contagiosas e se espalhassem por
linhagem e sangue. Hermione, negra ou mestiça, suportando
insultos cuspidos de “sangue-ruim” de seus colegas, afastada de
seus pais, dita que é especial e parte de uma raça completamente
diferente, pode estar muito interessada em assimilar, em ser aceita.
Não é de se admirar que ela tenha tentado tanto. Não é de admirar
que ela tenha feito o dever de casa de seus amigos e tenha sido a
primeira a levantar a mão na aula. Ela era a minoria-modelo. Uma
Hermione negra ou mestiça movimentando-se para libertar elfos
domésticos, depois de seis ou sete anos sofrendo insultos raciais,
pode não ter coragem de desafiar seus colegas, e em vez disso
poderia ter se agarrado a algo que ela sentia que realmente poderia
mudar.
Alguns fãs de Harry Potter sofrerem para imaginar uma Hermione
negra significava que eles não podiam imaginar garotinhas negras
como “sabe-tudo”, inteligentes e lógicas, com corações de ouro. É
uma pena que eles não pudessem imaginar pais negros de classe
média calmos e despretensiosos que trabalham como dentistas. É
triste que a negritude, em suas cabeças, esteja presa em um roteiro
sempre repetitivo, com parâmetros rigorosos de como uma pessoa
deveria ser. A imaginação dos detratores de uma Hermione negra
pode se estender à possibilidade de uma plataforma secreta na
estação de King’s Cross, que só pode ser acessada através de uma
parede de tijolos, mas não pode se estender a um protagonista
negro.
Dizem-nos que um cast com atores e atrizes negros escolhidos
como personagens centrais em obras de ficção é irrealista. Dizem-
nos que eles são historicamente imprecisos ou que estão longe
demais para a imaginação. Contudo, na verdade, trata-se de uma
parte agressiva da sociedade que se recusa a pensar fora de si, que
acredita que tudo deve atender a ela e que o resto de nós deve se
adaptar aos seus caprichos e desejos. E isso não é nada além de
insultante quando ouvido pelo negro amante de ficção que, se
quiser desfrutar de seu gênero favorito, não tem escolha senão
simpatizar com um personagem que não se parece nada com ele.
Essa linha de pensamento demonstra uma dificuldade real de
identificar a humanidade negra de qualquer maneira concebível.
Para eles, somos uma massa inconfundível, um rebanho simplista e
animalesco. Mas aqueles de nós que não são brancos foram
obrigados a ter que se identificar com a vida dos protagonistas
brancos desde o início dos filmes. O medo de um planeta negro
destrói a boa ficção e demonstra como o racismo atrapalha a
empatia humana. Ver personagens não-brancos renegados ao papel
de ajudante ou simbólico tem sido rotineiro há tanto tempo que, para
alguns, tentar relacionar-se com a pele negra em um personagem
principal é um conceito completamente estranho. Fomos
posicionados como o “outro”, apenas tomando o centro das
atenções para retratar a subjugação ou fornecer alívio cômico. As
pessoas brancas estão tão acostumadas a ver um reflexo de si
mesmas em todas as representações da humanidade, em todos os
momentos, que só percebem quando isso é tirado delas.
O medo de um planeta negro se manifesta em uma cooptação da
linguagem da libertação para descrever o ressentimento branco, a
raiva e o descontentamento. Fala-se em justiça, sem reconhecer o
que já é injusto. Ele se manifesta em uma compreensão rígida e
superficial da liberdade de expressão (geralmente entendida como a
fronteira final na luta para ser tão abertamente intolerante quanto
possível, sem repercussões). O medo de um planeta negro é o
subproduto da mudança social e demográfica e exige
responsabilidade do Estado. Há um velho ditado sobre a homofobia
do heterossexual sendo baseada em um medo que homens gays
vão tratá-lo da mesma forma que ele trata as mulheres. Isso não é
diferente.
E o medo é completamente infundado. O poder e a riqueza nesse
país ainda são concentrados em poucas e bem brancas mãos, e o
poder nunca se vai sem lutar. Sua expectativa de vida ainda é
drasticamente influenciada por sua raça e classe. A mudança
demográfica pode encabeçar algumas vitórias representacionais no
topo, mas estamos longe de qualquer supremacia negra ao estilo de
Noughts & Crosses.* Independente disso, esse não é o tipo de
mundo que antirracistas estão imaginando quando clamam por
justiça. Sempre foi sobre a redistribuição do poder e não sobre a
inversão dele.
O paradoxo, é claro, é que aqueles que se opõem ao antirracismo
têm trabalhado bastante o duplo vínculo.** É um pouco a situação do
gato de Schrödinger.*** Se, como dizem, o racismo não existe, e os
negros não têm nada a reclamar, por que eles têm tanto medo que
os brancos se tornem a nova minoria? Suponho que todos nós
teremos que esperar em suspenso até 2066 – o ano projetado para
quando os brancos serão uma minoria demográfica na Grã-
Bretanha – para descobrir.
* Tentei contatar, repetidamente, o Sr. Farage para pedir que ele
expressasse sua opinião mais amplamente sobre esse assunto, mas
um de seus assessores me disse que ele não estava interessado em
falar comigo.
** N.T.: O UK Independence Party, também conhecido como O Partido de
Independência do Reino Unido, é um partido eurocético e de direita do
Reino Unido.
* N.T.: O título brasileiro é Harry Potter e a criança amaldiçoada,
publicado pela primeira vez em outubro de 2016 pela editora Rocco.
** N.T.: Tradução literal do trecho: “Hermione’s white face was sticking out
from behind a tree.”
* Noughts & Crosses de Malorie Blackman é uma série do gênero jovem-
adulto fictícia e distópica onde um futuro alternativo mostra a África
tendo vantagens poderosas em relação à Europa.
** N.T.: O duplo vínculo é um dilema da comunicação onde o indivíduo
recebe duas ou mais mensagens conflitantes, em que uma nega a
outra.
*** N.T.: O gato de Schrödinger é uma experiência imaginária na qual um
gato pode estar vivo ou morto ao mesmo tempo. O gato seria colocado
em uma caixa, em meio a um experimento científico. Em suma, de
acordo com o raciocínio de Erwin Schrödinger, físico que concebeu
essa hipótese, existiriam duas realidades simultâneas até que a caixa
fosse aberta.
5
A QUESTÃO DO FEMINISMO

Em outubro de 2012, sentei-me em uma fria biblioteca


universitária e escrevi, furiosamente, um post no blog sobre raça e
feminismo. Eu deveria estar revisando, mas estava tão irritada que
mal podia ficar parada. O programa de televisão de Lena Dunham,
Girls, havia estreado naquele ano, e foi aclamado pela crítica. Foi
amplamente considerado como um reflexo preciso da vida das
jovens mulheres. Todas as personagens trabalhavam com
empregos mal pagos e esperavam suas vidas começarem. Eles
brigavam entre si e lutavam com inveja, mesquinhez e problemas de
imagem corporal. Essas eram características que reconheci entre
meus pares e eu. A maioria de nós estava trabalhando
incansavelmente, nos equilibrando entre estágios não remunerados
e empregos em bares ou lojas, na esperança de que colheríamos as
mesmas recompensas pelo trabalho árduo que a geração anterior a
nossa. Nós torcíamos por um trabalho de segunda a sexta e uma
moradia segura. Pensamos que, se trabalhássemos o suficiente,
nos livraríamos daquele sentimento de pânico que se instala quando
você não sabe exatamente de onde virá o aluguel do próximo mês.
Os cenários em Girls eram extremamente familiares. Entretanto, o
programa, ambientado na cidade de Nova York, era totalmente
branco. Por causa disso, foi difícil levar os comentaristas a sério
quando eles insistiram que era o programa de televisão mais
feminista em décadas.
Como resultado do programa, um dos debates mais importantes
nos últimos anos sobre o problema racial do feminismo começou a
fermentar. Alguns afirmaram que não seria nada além de tokenístico
para Dunham escrever personagens negros em seu programa de
TV apenas por causa disso. Outros disseram que era absurdo
montar um programa de televisão com um elenco todo branco em
uma das cidades com maior diversidade racial na América. Para
mim, era óbvio. Também não era realmente sobre um programa de
TV, embora o programa fosse sintomático de um problema
generalizado. “Quando as feministas podem ver o problema com
painéis exclusivamente masculinos, mas não conseguem enxergar o
problema com programas de televisão totalmente brancos, vale a
pena questionar para quem elas estão realmente lutando.”
Refletindo melhor, a representação e inclusão de rostos negros
não era realmente sobre o que mexia comigo. Não era sobre ser
visto ou ser incluído. Eu estava acostumada a não ver reflexões
positivas dos negros na cultura popular. Um programa de televisão
totalmente branco não era novidade para mim. O que mais me
incomodou foi a facilidade com que os brancos defendiam seus
espaços e esferas totalmente brancas. Deles era uma bolha
impenetrável, e seu feminismo estava perfeitamente dentro dela.
Não só isso, mas as feministas que insistiam que estavam se
movimentando por um mundo melhor para todas as mulheres não
davam a mínima para os negros e, por extensão, não davam a
mínima para as mulheres de cor. A igualdade de gênero deve ser
abordada, mas a raça pode definhar no canto.
O mesmo tipo de cenário aconteceu repetidamente nos dois anos
seguintes. Apenas um ano depois, a estrela pop Lily Allen lançou
seu primeiro videoclipe, Hard Out Here, depois de um longo hiato da
indústria da música. A fórmula da linha de raça resultante era
semelhante ao furor em torno das garotas. Uma mulher branca,
jovem e bem-sucedida havia revelado um trabalho público que foi
imediatamente elogiado como cru, relacionável e completamente
feminista – o hino definitivo para mulheres jovens em todos os
lugares. Neste caso, porém, não foi a falta de pessoas negras que
provocou irritação. Os corpos negros estavam presentes, mas as
dançarinas negras de Lily Allen estavam seminuas, dançando em
uma paródia de vídeos de hip-hop misóginos enquanto ela cantava
sobre tetos de vidro, objetivando e fortemente sugerindo que
garotas inteligentes não precisavam se despir para ter sucesso.
Depois de um tempo, tornou-se sábio parar de prestar atenção
em qualquer coisa marcada como vagamente feminista na mídia
popular, pois isso acabaria sendo decepcionante. O que continuei
fazendo foi escrever.

Na véspera de Ano Novo de 2013, fui convidada por um produtor


da BBC para aparecer na Woman’s Hour da Radio 4. Foi um pedido
bastante inocente – discutir o ano no feminismo ao lado de Laura
Bates, do Everyday Sexism Project, e Caroline Criado-Perez, que
naquele ano fez campanha para ter figuras históricas femininas nas
cédulas britânicas. Quando me sentei no estúdio, percebi que era o
único rosto negro na sala. Esse foi o primeiro alerta. Juntei-me a
Laura e ao apresentador de rádio. Caroline estava telefonando. O
programa começou. Eu estava nervosa. Expliquei que realmente
não me considerava uma ativista, mas que durante o ano estive
escrevendo sobre o racismo no movimento feminista – minhas
frustrações com uma perspectiva obstinadamente centrada nas
“líderes” do movimento – e descobri que muitas mulheres que não
eram brancas estavam se sentindo exatamente da mesma maneira.
“Uma maré mudou em termos dessas questões no feminismo”, eu
disse. “Elas não podem mais ser ignoradas.”114
Então o fardo caiu em mim para explicar por que o feminismo
estava tão dividido e por que o feminismo precisava de uma análise
racial em primeiro lugar. Me perguntaram: “O que está no fundo das
divisões e por que a frase ‘veja seu privilégio’ se tornou tão
popular?”. Esse foi o segundo alerta. Esse enquadramento sugeriu
que o racismo não era uma preocupação para meus colegas
brancos. Tendo trabalhado com Laura Bates no passado, eu sabia
que não era esse o caso. Apesar do meu desconforto, expus meu
caso para a necessidade de uma análise racial no feminismo. Mas
meu ponto foi rapidamente descoberto por Caroline Criado-Perez,
que disse que as pessoas usaram uma perspectiva antirracista
como uma razão para assediá-la e intimidá-la na internet.
O contexto do comentário dela era muito perturbador. No início
daquele ano, a campanha de Caroline para inserir mulheres nas
cédulas atraiu manchetes nacionais. A cobertura da imprensa atraiu
um sentimento misógino e o que começou como uma vitória
rapidamente se tornou um dos casos britânicos mais notáveis de
assédio on-line. Quando o Bank of England anunciou planos para
colocar uma imagem da autora Jane Austen na nota de dez libras, a
campanha viu isso como um sucesso. Contudo, por causa do
assédio que se seguiu como resultado do trabalho da campanha,
Caroline recebeu ameaças de morte. Ela recebeu mensagens que
lhe disseram que bombas haviam sido colocadas do lado de fora de
sua casa, recebia mensagens constantes de anônimos cruéis que a
encorajavam a cometer suicídio. Eventualmente, duas pessoas se
declararam culpadas de enviar a ela alguns dos tuites mais cruéis.
Elas foram condenados a doze e oito semanas de prisão,
respectivamente, sob a Lei de Comunicações Maliciosas.
Naquele programa do Woman’s Hour de véspera de Ano Novo, o
comentário de Caroline, cujo objetivo era desacreditar os usuários
on-line, pareceu querer equacionar meu trabalho e política com
essas mensagens violentas e abusivas. Me senti implicada no
assédio contra ela. No estúdio da BBC, coube a mim explicar as
terríveis experiências de Caroline, colocando-me na posição de
defender os argumentos (que eu não compartilhei) de pessoas que
eu nem conhecia. Eu estava completamente sem palavras.
Esse é o preço da representatividade. A branquitude excessiva do
feminismo – em um programa de rádio que teria sido todo composto
por brancos se não fosse a minha presença – não era considerada
um problema. Eu queria discutir como o feminismo não era uma
exceção ao privilégio branco, mas ao invés disso, me vi na outra
ponta.
Houve uma tempestade na internet a respeito da entrevista
imediatamente depois que saímos do ar. Algumas pessoas ficaram
tão chocadas com essa afirmação quanto eu. Outros estavam
convencidos de que eu era uma mentirosa e uma valentona que
vinha travando uma guerra on-line contra Caroline – não é verdade
– e que, ao recusar sua intervenção, eu estava fazendo papel de
vítima. A princípio eu não queria, mas depois de algum incentivo por
parte de amigos, algumas horas depois, escrevi um post
esclarecendo o que estava acontecendo.
Pense na última vez em que você ouviu uma descrição
abrangente da natureza do racismo estrutural nos principais meios
de comunicação, escrevi. Essas questões simplesmente não
recebem o mesmo tempo que o feminismo tem na imprensa do
Reino Unido. Pense bem na última vez em que você ouviu uma
pessoa de cor desafiar a retórica virulentamente racista em torno da
imigração neste país, ou apenas declarar o fato de que o racismo
estrutural prevalece porque os brancos são tratados mais
favoravelmente na sociedade em que vivemos. Foi dada a
oportunidade deu fazer isso ao vivo, na rádio nacional. Eu levei a
sério.
Depois de um esforço conjunto de muitas mulheres brancas para
retratar o pensamento feminista negro como destrutivo e divisor,
estou ciente de que aceitar esses pedidos de mídia é uma faca de
dois gumes. Foi Audre Lorde quem disse: “Se eu não me definisse
por mim mesma, eu seria esmagada nas fantasias de outras
pessoas por mim e comida viva”. Embora às vezes pareça que
estou entrando em uma armadilha, estou muito ciente de que, se eu
não aceitar essas oportunidades, o feminismo negro será
descaracterizado e deturpado pelas prioridades das feministas
brancas que participam da conversa… Estou cansada desse
impasse tribal. Quis dizer o que disse no programa: a única maneira
de promover qualquer solidariedade compartilhada é aprender com
as lutas de cada um e reconhecer os vários privilégios e
desvantagens com os quais todos nós temos ao entrar no
movimento.
Caroline se desculpou no início da noite, escrevendo no Twitter:
“Eu só queria me desculpar se pareceu que eu estivesse sugerindo
que o abuso é algo do qual você fez parte. Eu não quis dizer isso,
mas posso ver que, dado que eu respondi ao seu comentário, pode
ter parecido assim. Não queria sugerir que me senti abusada por
você – não me senti, porque é claro que você não abusou de mim.
Eu só queria aproveitar a oportunidade para falar sobre os abusos
que sofri e o quão prejudicial acho que são, porque acho que
precisam parar. Mas talvez pudesse ter escolhido um momento
melhor para dizer isso. Então me desculpe por isso.”
Apesar de suas desculpas, o dia ficou pior.
A ex-parlamentar conservadora e autodidata feminista de direita,
Louise Mensch, viu-se pronta para apoiar Caroline. Ela começou a
tuitar para mim. “Reni estava errada e Caroline estava errada em
ceder ao seu bullying. Eu não teria.” Eu disse a ela que ela estava
causando um alvoroço. Ela respondeu: “Eu espero que eu esteja
causando um alvoroço contra sua atitude francamente vergonhosa e
não estou mentindo. Você está intimidando, tentando silenciar.”115
Porque o crime de ousar sugerir que o racismo ainda é um
problema na Grã-Bretanha, fui marcada por um ex-membro do
parlamento. Simplesmente usar minha voz era o equivalente a ser
uma valentona vergonhosa. Antigos estereótipos racistas estavam
sendo ressuscitados, e me vi recebendo-os. Eu era um problema
social, uma força disruptiva, um exemplo trágico de uma
comunidade problemática.
Anos mais tarde, enquanto escrevia esse livro, entrei em contato
com Caroline Criado-Perez, na esperança de obter sua perspectiva
sobre o desastre da Woman’s Hour. Ela não queria falar comigo
sobre isso.

Embora eu escreva sobre minhas experiências com tanto


desprezo, o feminismo foi meu primeiro amor. Foi o que me deu
uma estrutura para começar a entender o mundo. Meu pensamento
feminista deu origem ao meu pensamento antirracista, servindo
como uma ferramenta que me ajudou a forjar um senso de
autoestima. Encontrá-lo com dezenove anos foi um timing perfeito,
me equipando com as habilidades necessárias para navegar na
idade adulta, defender-me e desenvolver meus próprios valores.
Encontrei o feminismo alguns anos antes da geração do Twitter e
do Tumblr realmente decolar. Aconteceu de uma maneira bastante
antiquada. Como estudante de literatura inglesa, recebi uma pilha
de livros para ler sobre um módulo sobre teoria crítica, o que me
levou ao Segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Por mais
improvável que fosse a situação, o livro falava comigo, e me vi
concordando furiosamente com a existencialista francesa, há muito
falecida. Quando ela escreveu: “Ser feminina é mostrar-se fraca,
fútil, passiva e dócil… qualquer autoafirmação tirará sua feminilidade
e sua sedução”, soou como se ela estivesse descrevendo toda a
minha existência.
Entretanto, não consegui encontrar ninguém ao meu redor que
concordasse. Criticar a misoginia em Taming of the Shrew, de
Shakespeare, em um seminário universitário provocou
desaprovação de meus colegas, com a maioria de minhas colegas
de classe concluindo que “era assim que era na época”. Então
procurei o feminismo em outro lugar, gastando meu dinheiro de
empréstimo estudantil em viagens para conferências feministas e
eventos que aconteciam em todo o país. Durante esses anos,
conheci milhares de mulheres inspiradoras e apaixonadas, algumas
que são minhas boas amigas até hoje. Estar em eventos feministas
foi um alívio; estar em um espaço onde as pessoas simplesmente
entendiam – a raiva compartilhada, a frustração, a vontade ardente
de fazer algo, qualquer coisa, mudar o mundo bagunçado em que
vivemos. Essa paixão me levou a minúsculos salões de igreja em
pequenas vilas no noroeste da Inglaterra, amontoada em um círculo,
cercada por mulheres da idade da minha mãe, em trens para
Londres, para reuniões gigantescas cheias até a os cantos com
centenas de mulheres – jovens e velhas, algumas novas no
movimento e algumas que estavam engajadas no ativismo por mais
tempo do que eu estava viva.
Mas algo não estava certo. O feminismo estava me ajudando a
me tornar uma mulher mais crítica e confiante e, por sua vez, estava
me ajudando a aceitar minha negritude – uma parte de mim que eu
sempre soube estar envolta em estigma. Cresci com amigos
brancos que me asseguraram que “não me viam como negra”, e que
“não era como outros negros”. Até então, eu me entendia como
alguém que era “bonita para uma garota negra”, como alguém que
“falava bem apesar de vir de onde veio”. Eu não conseguia entender
por que essas distinções foram feitas, mas eu tinha a sensação de
que isso tinha a ver com classe, educação – e racismo latente. Os
círculos feministas nos quais eu me envolvi eram quase todos
brancos. Essa branquitude não era um problema se você não
falasse sobre raça, mas se o fizesse, ela se revelaria como uma
força excludente.
Muitas mulheres brancas em espaços feministas não conseguiam
entender por que as mulheres de cor precisavam ou queriam um
lugar diferente para se encontrar, de modo que encontravam formas
de minar sutilmente a autodeterminação daquelas que optaram por
se organizar separadamente. Em uma reunião feminista, havia
folhas de inscrição em papel para cada sessão de abertura,
projetada para manter o controle sobre o número de pessoas que
frequentam cada uma delas. Na folha para as feministas negras,
alguém tirou seu tempo para vandalizá-la com sua ignorância,
simplesmente escrevendo: “Por quê?”. Em outro evento, uma amiga
organizou uma pauta chamada “a cor da beleza”. Com uma grande
pilha de revistas de moda e beleza empilhadas na frente dela, era
uma premissa bem simples, destinada a desconstruir os padrões de
beleza eurocêntricos. Era algo ao nível de maternal, na verdade –
“quais são as semelhanças e diferenças nessas fotos?”. Outras no
meu grupo apontaram a magreza dos modelos, eu, a única negra no
meu grupo disse: “Elas são todas brancas.” “E todos têm cabelos
compridos”, acrescentaram ansiosas as mulheres brancas.
Esforçada, expliquei: “Sim, mas você pode deixar seu cabelo curto
crescer se quiser. Eu não posso mudar a cor da minha pele para me
encaixar neste padrão de beleza.” Ainda não tenho certeza se ela
entendeu o que eu estava dizendo.
E foi assim, pisando em ovos e na branquitude nos espaços
feministas. Esse não era um lugar para discutir o racismo, elas
insistiram. Existem outros lugares onde você pode ir para isso. Mas
isso não foi uma escolha que eu poderia fazer. Minha negritude era
tanto uma parte de mim quanto minha feminilidade e eu não
conseguia separá-las.
Nos meus tempos de militância, entrei em um pequeno grupo
chamado Feministas Negras, onde eu podia falar a minha verdade
em um coletivo de mulheres que dividiam ideias sem medo da
repressão social. Esse era um espaço apenas para mulheres de cor.
Nós nos encontrávamos uma vez por mês para desabafar e apoiar
umas às outras. Era um espaço que eu precisava
desesperadamente.
Reunir-se com feministas negras todos os meses não era
diferente do método old-school de criação de consciência da
militância feminista. A criação de consciência foi usada pela primeira
vez pela New York Radical Women em meados da década de 1960,
que, por sua vez, tomou a tática dos direitos civis dos Estados
Unidos. No Feministas Negras nós falamos sobre o que quer que
estivesse acontecendo em nossas vidas. Quando nos conhecemos,
começamos a aprender umas com as outras e comecei a perceber
que outras mulheres estavam passando pelas mesmas coisas que
eu. Juntas, perguntamos o porquê. Nós pegamos o que
pensávamos ser incidentes isolados e os vinculamos em um
contexto mais amplo de raça e gênero.
Conheci minha amiga, escritora e professora, Lola Okolosie,
naquele espaço. “Não tenho certeza se naquelas primeiras reuniões
as pessoas estavam dizendo ‘isso é racismo estrutural’”, ela disse
quando nos encontramos para refletir sobre o propósito do grupo.
“Acho que fora de reuniões todos os meses, e todas as coisas que
fizemos no meio, a análise começou a chegar, e nós fomos rápidas
para começar a usar esse termo.
Eu só lembro das pessoas descrevendo o que era, e depois todo
mundo na sala dizendo ‘sim, isso aconteceu comigo, não é
irritante?’. Pessoas traziam isso de muitos níveis diferentes.
Algumas eram muito acadêmicas e algumas não leram nenhum
texto chave sobre feminismo. O conhecimento das pessoas era
muito variado. Mas estávamos todas descrevendo as mesmas
mágoas, as mesmas frustrações e os mesmos momentos de raiva
induzida. Isso, para mim, era simplesmente absolutamente
poderoso. Isso não era visto como drama, não era visto como ler as
coisas em profundidade, era apenas: é, as pessoas entendem”.
Nós discutíamos por que era tão importante nos encontrarmos
sem feministas que eram brancas. “Aquele olhar faz muito para
silenciá-la”, disse Lola. “Mesmo que você seja muito confiante e
bem expressiva, você ainda guarda muito. Porque, como um ser
humano normal, você não gosta de confronto. E há algo em apenas
falar a verdade do que significa ser uma mulher negra no Reino
Unido que seria ridículo, como uma pessoa branca, não entender
isso como implicando você.”
No Feministas Negras, usamos a palavra interseccionalidade para
falar sobre o cruzamento de duas discriminações distintas – racismo
e sexismo – o que acontece com as pessoas que são negras e
mulheres. Para a acadêmica feminista negra, Dra. Kimberlé
Crenshaw, foram seus estudos em Direito que a levaram a cunhar o
termo, agora popular. Quando nos encontramos na embaixada dos
EUA em Londres, ela me disse: “Esse trabalho começou quando
percebi que as mulheres afro-americanas não eram… reconhecidas
como tendo experimentado discriminação que refletia tanto sua raça
quanto seu gênero. Os tribunais diriam que se você não vivencia o
racismo da mesma forma que um homem [negro], ou o sexismo da
mesma forma que uma mulher branca, então você não foi
discriminada. Eu vi isso como um problema de igualdade e
diferença. Havia alegações de ser visto como diferente demais para
ser acomodado pela lei. Isso levou à interseccionalidade, olhando
para as formas em que raça e gênero se cruzam para criar barreiras
e obstáculos à igualdade.”
Essa foi uma palavra para descrever o fenômeno anteriormente
indefinido, embora ativistas feministas negras, eruditos e teóricos
tivessem escrito e falado sobre a mesma coisa anos antes de a Dra.
Crenshaw dar um nome. Em 1851, a abolicionista negra e ativista
dos direitos das mulheres, Sojourner Truth, discursou na Convenção
dos Direitos das Mulheres de Ohio.
Ela disse: “Acho que entre os negros do Sul e as mulheres do
Norte, todos falando sobre direitos, os homens brancos estarão em
apuros em breve. Mas o que isso tudo aqui está dizendo? Aquele
homem ali diz que as mulheres precisam ser ajudadas a subir em
carruagens, erguidas sobre valas e ter o melhor lugar aonde forem.
Ninguém me ajuda a subir em carruagens, nem a passar em poças
de lama, ou me dá o melhor lugar! E eu sou não mulher? Olha para
mim! Olhe para o meu braço! Eu arei, plantei e juntei em celeiros, e
nenhum homem poderia estar à minha frente. Então eles falam
sobre essa coisa na cabeça, como chamam isso? (‘Intelecto’,
sussurrou alguém perto.) Isso mesmo, querida. O que isso tem a ver
com direitos das mulheres ou direitos dos negros? Se meu copo não
tem mais que um quarto e o seu tem um litro, você não seria
malvado em não deixar que eu ficasse com a minha meia medida
cheia?”116. O discurso foi publicado doze anos depois no National
Anti-Slavery Standard.
Um século depois, em 1984, a feminista negra, ativista e poeta
Audre Lorde escreveu em Sister Outsider: Essays and Speeches:
“As mulheres de hoje ainda estão sendo convocadas a atravessar a
lacuna da ignorância masculina e educar os homens quanto à nossa
existência e nossa necessidades. Essa é uma ferramenta antiga e
primária de todos os opressores para manter os oprimidos ocupados
com as preocupações do mestre. Agora ouvimos dizer que é tarefa
das mulheres de cor educar as mulheres brancas – diante de uma
tremenda resistência – em relação à nossa existência, nossas
diferenças, nossos papéis relativos à nossa sobrevivência conjunta.
Isto é um desvio de energias e uma repetição trágica do
pensamento patriarcal racista.”
Em 1979, em seu ensaio “Anger in Isolation: a Black Feminist’s
Search for Sisterhood” da coletânea de ensaios But Some of Us are
Brave, Michele Wallace escreveu: “Nós existimos como mulheres
que são negras e que são feministas, cada parte presa no momento,
trabalhando separadamente porque ainda não existe um ambiente
nessa sociedade remotamente compatível com a nossa luta –
porque estando no fundo, teríamos que fazer o que ninguém fez:
teríamos que lutar contra o mundo.”
Em seguida, bell hooks se apresentou em 1981, escrevendo em
Ain’t I a Woman: Black Women and Feminism: “O processo começa
com a aceitação da mulher individual de que… as mulheres, sem
exceção, são socializadas para serem racistas, classistas e
sexistas, em graus variados, e nos rotular de feministas não muda o
fato de que devemos conscientemente trabalhar para nos livrar do
legado da socialização negativa. É óbvio que muitas mulheres se
apropriaram do feminismo para servir a seus próprios fins,
especialmente aquelas mulheres brancas que estiveram na
vanguarda do movimento; mas, em vez de me resignar a essa
apropriação, escolho reapropriar o termo ‘feminismo’, para me
concentrar no fato de que ser ‘feminista’, em qualquer sentido
autêntico do termo, é querer, para todas as pessoas, mulher e
homem, a libertação do machismo, padrões de gênero, dominação e
opressão.”
E em uma palestra de Direito dada à Universidade Birkbeck, em
Londres, no final de 2013, Angela Davis expandiu a história de como
as mulheres negras têm articulado suas experiências ao longo dos
anos. Em 1969, ela explicou, a ativista americana em Direitos Civis,
Frances Beale, e escreveu um panfleto intitulado Double Jeopardy:
To Be Black and Female. Mais tarde, a Aliança das Mulheres do
Terceiro Mundo criou um jornal intitulado Triple Jeopardy. Para eles,
a luta não foi apenas contra o racismo e o sexismo, mas também
contra o imperialismo. O livro de Elizabeth Spelman, Inessential
Woman, de 1988, desafiou os métodos de adicionar opressões um
ano antes de a Dra. Kimberlé Crenshaw cunhar o termo
“interseccionalidade”.
Os Estados Unidos, com seu sistema rodoviário parecido com
uma grade, repleto de retângulos e quadrados perfeitos, eram o
lugar certo para o nascimento dessa metáfora. Toda pessoa
conhece um lugar onde todas as estradas se encontram. Um lugar
onde não há mais uma estrada distinta, mas sim um local muito
particular, um espaço que mescla todas as estradas que levam a
ela. As mulheres negras, nessas teorias, eram a prova de que as
estradas não corriam paralelas, mas, em vez disso, cruzavam-se
umas às outras com frequência. E o trabalho das escritoras
supracitadas ilustra bem quanta riqueza e profundidade pode ser
encontrada ao examinar esses cruzamentos, em vez de negar que
eles existam ou esquecê-los completamente. Por muito tempo, as
mulheres negras foram as esquecidas e tiveram que criar
estratégias para serem lembradas. Na análise de quem caiu nas
lacunas em lutas concorrentes por direitos para as mulheres e
direitos para os negros, sempre pareciam ser mulheres negras que
pegaram a ideia.
Quando as feministas negras começaram a pressionar por uma
análise interseccional no feminismo britânico, a resposta
generalizada das feministas que eram brancas não era de apoio.
Em vez disso, começaram a argumentar que a palavra
“interseccional” era um jargão total – muito difícil para qualquer um
sem um grau de compreensão – e, portanto, inútil.
“Se você não tem a mesma bagagem ou afinidade com a
academia, interseccionalidade é uma palavra que diz que isso não é
para você”, escreveu Sarah Ditum em seu blog pessoal em 2012.117
Na New Statesman, Holly Baxter e Rhiannon Lucy Cosslett
escreveram: “Isso significa que questões de raça, classe, religião,
sexualidade, política e privilégio muitas vezes acabam fraturando o
diálogo feminista, causando desacordos mais regularmente entre
aqueles armados com mestrado em Estudos de Gênero e um
grande vocabulário para combinar, e aqueles não têm […]. Entrando
em certas composições de estado e discutindo as nuances da
interseccionalidade não vai ser muito útil se algumas das
adolescentes na plateia estiverem grávidas, ou com fome, ou em
risco de sofrer abuso (o que elas vão fazer? Proteger ou se
alimentar de teoria? As mulheres não podem se manter apenas de
Greer).* […] Quase parece que algumas mulheres esclarecidas
querem manter o feminismo para si, ocultá-lo na teoria esotérica e
escondê-lo debaixo de seus colchões, seguro e quente sob o
edredom de pato.”118
À medida que o debate se intensificava nas mídias sociais, as
feministas que não obedeciam a essa linha eram rotineiramente
demonizadas pela imprensa. Os golpes foram mantidos evasivos o
suficiente para que nenhuma mulher em particular fosse nomeada e,
assim, havia poucas respostas publicadas por parte de quem fora
criticada. Sadie Smith escreveu na New Statesman: “O Online
Wimmin Mob* se ofende em toda parte, mas particularmente com
outras mulheres que não estão em seu pequeno clube de Meninas
Malvadas, que tem sua própria linguagem, regras e procedimentos
disciplinares excessivamente estilizados e impenetráveis.”119
A aversão feminista branca pela interseccionalidade rapidamente
evoluiu para um ódio à ideia de privilégio branco – talvez porque
reconhecer o racismo estrutural teria que significar reconhecer sua
própria branquitude. Elas foram apoiadas por seus homens. Tom
Midlane escreveu na New Statesman: “Enquanto a ideia obviamente
nasceu de intenções honrosas, acredito que todo o discurso em
torno do privilégio é inerentemente destrutivo – na melhor das
hipóteses, uma distração colossal e, na pior, um meio de
transformar todos nós em guardiões morais autodesignados a
policiar agressivamente até a fala e o comportamento dos
companheiros de viagem. Por que isso importa, você pergunta? A
resposta é simples: é importante porque a checagem de privilégios
infectou completamente o pensamento progressista.”120
Você notará uma tendência aqui. Entre 2012 e 2014, as mais
espirituosas derrubadas de mulheres negras falando sobre raça,
racismo e interseccionalidade foram sempre publicadas através da
New Statesman, a principal revista política de centro-esquerda da
Grã-Bretanha. Devido à grande frequência dessas derrubadas,
comecei a me perguntar se havia uma linha editorial. Houve fracos
esforços por parte da New Statesman em publicar refutações dos
defensores da interseccionalidade, mas eram as duras críticas que
pareciam definir a pauta da revista sobre o assunto.
Alguns anos depois, os argumentos apresentados pela primeira
vez por feministas brancas e blogueiras de esquerda em 2012 e
2013 ecoaram por plataformas de publicações que decididamente
não eram de esquerda. O site de extrema direita, Breitbart London,
definiu a interseccionalidade como “uma estratégia de debate:
quando você está perdendo uma discussão sobre o feminismo,
chame seu oponente de racista ou, ainda mais condenadamente,
capitalista”, e defina o privilégio como “o que feministas brancas de
classe média têm e suas vítimas não.”121 Em outra remoção ao
estilo de dicionário de progressistas, o Spectator escreveu: “‘Eu’ é
para identificação política. Sempre se defina por suas características
naturais e não por seu caráter, realizações ou crenças. Você é
primeiro e acima de tudo homem, mulher, outro, hétero, gay, preto
ou branco e deve se referir a si mesmo como tal. Martin Luther King
deveria ter checado seu privilégio quando teve aquele sonho
absurdo de um mundo onde as pessoas ‘não seriam julgadas pela
cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter’. Isso é fácil para
um homem hétero de classe média dizer, Marty. ‘Eu’ também é para
interseccionalidade, a prole teatral da política de identidade, onde
você deve constantemente se perguntar como suas várias
identidades pessoais se cruzam (ou algo assim).”122 Sobre o
mesmo assunto, outro escritor da mesma revista escreveu: “Do jeito
que teorias são, essa não é totalmente maluca. O problema é que
isso se tornou uma moda entre pessoas que não leem livros ou
artigos, mas apenas tuites e comentários na internet e, portanto, não
sabem do que estão falando. Então, você acaba com um tipo de
super trunfo minoritário e uma espécie de crença contagiante e
infecciosa de que quanto mais desfavorável é uma pessoa, mais
sábio, mais gentil e mais virtuoso ela deve ser. E é estúpido.”123
Com base nessas respostas, parecia que as intervenções das
mulheres negras no feminismo britânico branco não eram
absolutamente bem-vindas. A reação foi idêntica à maneira como os
homens mais sexistas tratam o feminismo. No meio desse debate
acalorado sobre a interseccionalidade no feminismo britânico, quatro
meses após minha desastrosa conversa na Woman’s Hour da BBC,
a Dra. Kimberlé Crenshaw foi convidada para o mesmo programa
para explicar por que o feminismo não pode mais ignorar a raça. Ela
foi perguntada “o quão útil é quando… mulheres negras estão
pedindo mulheres brancas e abastadas para verificar o seu
privilégio?”. Citando alguns dos críticos mais duros do feminismo
negro, o entrevistador continuou: “está encerrando o debate e está
diminuindo empatia.”
“Isso sempre será um problema em qualquer tipo de movimento
que alegue que todos na categoria estão sofrendo discriminação da
mesma forma quando, na verdade, com frequência, esse não é o
caso”, respondeu Crenshaw. Mas o estrago foi feito. A expressão de
uma frase transformada em meme reduziu o feminismo negro a
nada mais do que uma força disruptiva, perturbando o doce,
educado e palatável feminismo branco. O feminismo britânico era
caracterizado como um movimento onde tudo era pacífico até que
as pessoas negras raivosas apareceram. As caracterizações das
feministas brancas em relação às feministas negras como
agressoras disruptivas não eram tão diferentes dos estereótipos
mais amplos das comunidades negras perpetuadas pela imprensa.
As mulheres de cor foram colocadas como imigrantes do feminismo,
indesejadas, mas toleradas – um problema social relutantemente
lidável. É surpreendente que nenhuma proeminente feminista
branca tenha chegado ao ponto de, em sua hipérbole, fazer um
discurso apaixonado, ao estilo de Enoch Powell, algo como “neste
país, dentro de quinze ou vinte anos, a mulher negra terá a mão do
chicote sobre a mulher branca.” Considerando a violência verbal
com a qual elas receberam uma análise racial no feminismo, essa
parecia ser a conclusão lógica de seus argumentos.
É importante ver o retrocesso do feminismo branco em relação à
interseccionalidade não isoladamente, mas sim no contexto histórico
do establishment de repressão sobre a luta negra. Todos os sinais
estavam lá: o esforço de se unir ao receber críticas, emparelhado
com uma campanha de desinformação, mentiras e descrédito.
Quando Louise Mensch escreveu seus tuites raivosos sobre mim, as
mulheres que ela sentia que estava apoiando eram velhas de casa
da esquerda – escritoras regulares de publicações de tendência
esquerdista como o The Guardian e a New Statesman. Elas foram
apoiadas por escritores e figuras brancas e bem conhecidas de uma
série de diferentes convicções políticas. Entretanto, naquele ponto,
suas pequenas diferenças políticas não importavam. O consenso
branco no feminismo exigia a defesa e elas precisavam se unir para
fazê-lo. Meu falar sobre o racismo no feminismo, para elas, era
semelhante a um ataque violento à sua própria ideia de si mesmas.
É assim que o racismo se perpetua em todos os espaços,
feministas ou não. Minha situação era muito pública. Mas, naquela
época, eu tinha a sensação de que cenários semelhantes estavam
ocorrendo em todo o país – nos locais de trabalho, nos círculos
sociais, nas famílias; e o resultado em todo lugar era uma pessoa de
cor sem rede de apoio, duvidando de si mesma.

No feminismo britânico, questionar se uma mulher poderia ter


políticas feministas e fazer coisas tradicionalmente femininas foi um
sentimento que intrigou as revistas femininas nos anos 90 e início
dos anos 2000. “Você pode ser feminista e usar salto alto?”,
perguntaram as revistas. “Você pode ser feminista e usar
maquiagem? Você pode ser feminista e fazer suas unhas?”. Essas
foram as perguntas mais fáceis, dando origem a mais
condescendente característica da revista. As perguntas “você pode
ser feminista e” foram todas baseadas em estereótipos cansados de
ativismo feminista da imprensa patriarcal dos anos 1970, retratando
as feministas como mulheres iradas que usavam macacões que
tentavam esmagar os homens sob os pés vestidos de Dr. Marten.
Nesse estereótipo da feminista imaginária e assustadora que
nenhuma mulher iria querer ser, sua aparência era a antítese de
todos os padrões de beleza.
Era um lixo completo, claro. Se os últimos cinco anos nos
ensinaram alguma coisa, é que o feminismo é uma igreja ampla que
tem menos a ver com a manutenção de sua aparência e mais a ver
com a manutenção de sua política. Em vez de perguntar sobre
saltos altos e batom, as questões urgentes que sempre precisamos
perguntar são: você pode ser feminista e ser pró-vida? Você pode
ser feminista e ser intencionalmente ignorante em relação ao
racismo?
Temas feministas parecem estar sempre presentes na televisão e
no cinema no momento. Essa é uma melhoria acentuada da mídia
que veio antes disso. O feminismo está prosperando no jornalismo e
na música, e está em todas as mídias sociais, sem sinais de
diminuir. As pessoas que estão se chamando de feministas estão
ficando cada vez mais jovens, devido em parte às suas pop stars e
atrizes favoritas desmistificando o termo. Cada vez que uma
celebridade faz sua reivindicação sobre o feminismo, um pouco do
estigma em torno da palavra é quebrado.
Com marcos políticos nacionais como a legalização do casamento
entre pessoas do mesmo sexo, todos estão ansiosos para parecer
que aprovam o progresso. Entretanto, entre as feministas, existem
alguns pontos de vista ideológicos – racismo, direitos reprodutivos,
conservadorismo – que continuam a causar linhas de falhas
imutáveis no movimento. Muitas vezes, o ponto de vista ideológico
de uma feminista branca não vê o racismo como um problema,
muito menos uma prioridade. A reação contra a interseccionalidade
foi o feminismo branco em ação.
Quando a frase “feminismo branco”, usada como termo pejorativo,
ganhou circulação no léxico feminista, sua popularidade fez algumas
feministas que são brancas ficarem um tanto quanto agitadas.
Porém, essa reação violenta contra a frase – para o que, mais
frequentemente, é uma crítica rigorosa das consequências do
racismo estrutural – nasceu, sem dúvida, de uma necessidade
legítima de defender a branquitude, em vez de qualquer anseio de
refletir sobre o significado do termo “feminismo branco”. O que
significa para sua política feminista ser estrangulada, bloqueada e
prejudicada pela branquitude?
Se o feminismo pode entender o patriarcado, é importante
questionar por que tantas feministas lutam para entender a
branquitude como uma estrutura política da mesma maneira.
Semelhante ao fato de serem tendenciosas para com os homens,
nossas estruturas políticas mais reconhecidas são dominadas por
brancos. Nesse espaço de branquitude esmagadora, há sempre
uma ampla gama de opiniões a serem encontradas. Grande parte
da política é apenas homens brancos de meia-idade passando a
bola um para o outro. De vez em quando, uma mulher branca de
meia-idade é trazida a bordo em um esforço para diversificar. A
única coisa que une essas diferentes perspectivas políticas é a sua
recusa de desafiar um consenso branco.
O feminismo branco é uma política que se envolve com mitos
como “eu não vejo raça”. É uma política que insiste que falar de raça
alimenta o racismo – com isso negando às pessoas de cor as
palavras para articular nossa existência. É uma política que espera
que as pessoas de cor se associem silenciosamente a estruturas
institucionalmente racistas sem causar confusão. É uma política em
que pessoas de cor nunca definem a pauta. Em vez disso, elas são
relegadas a reagir constantemente às coisas e tentar,
freneticamente, alcançar os outros. Um consenso político feminista
dominado por brancos permite que as pessoas de cor tenham um
lugar à mesa, se estivermos dispostos a aceitar o tokenismo, mas
será reprimida se eles tentarem criar responsabilidade por tal
consenso – muito menos qualquer mudança estrutural.
A branquitude se posiciona como a norma. Recusa-se a
reconhecer-se pelo que é. Sua assim chamada “objetividade” e
“razão” é sua ferramenta mais potente e insidiosa para manter o
poder. O feminismo branco pode ser conceituado como a ala
feminista do referido consenso político. É um conjunto de valores e
crenças feministas branco-centrados que algumas mulheres gostam
de comprar. Outros fatores, como indicadores de classe,
desempenham um papel enorme nisso.
O feminismo branco em si não é particularmente ameaçador.
Torna-se um problema quando suas ideias dominam –
representadas como universais, para serem aplicadas a todas as
mulheres. É um problema porque consideramos a humanidade
através do prisma da branquitude. É inevitável que o feminismo não
ficasse imune a isso. Consequentemente, o feminismo branco
reforça sua posição quando aqueles que o desafiam são
considerados causadores de problemas. Quando escrevo sobre o
feminismo branco, não estou reduzindo as mulheres brancas à cor
de sua pele. A branquitude é uma posição política, e desafiá-la em
espaços feministas não é um olho por olho porque o preconceito
precisa de poder para ser eficaz.
A política da branquitude transcende a cor da pele de qualquer
pessoa. É uma força de ocupação na mente. É uma ideologia
política preocupada em manter o poder através da dominação e da
exclusão. Qualquer um pode comprá-la, assim como qualquer um
pode desafiá-la. As mulheres brancas parecem tomar a frase
“feminismo branco” muito para o pessoal, mas tem, ao mesmo
tempo, tudo e nada a ver com elas. Não é sobre mulheres,
feministas, brancas. É sobre as mulheres defendendo a política
feminista à medida que elas compram a política da branquitude que,
em sua essência, é excludente, discriminatória e estruturalmente
racista.
Para aquelas que se identificam como feministas, mas nunca
questionaram o que significa ser branca, é provável que a frase
feminismo branco se aplique. Aquelas que percebem cada crítica da
política dominada por brancos como um ataque a eles como uma
pessoa branca provavelmente fazem parte do problema. Quando as
feministas brancas ignoram a raça, elas inicialmente não estão
vindo de um lugar de malícia – embora a oposição delas possa
muito rapidamente evoluir ao ponto de espumar quando suas
políticas são desafiadas. Em vez disso, aprendi que elas vêm de um
lugar muito parecido com o meu. Nós todos crescemos em um
mundo dominado por brancos. Este é o contexto no qual as
feministas brancas estão trabalhando, beneficiando e reproduzindo
um sistema que elas mal percebem. No entanto, suas habilidades
de análise crítica são muito boas em identificar sistemas exclusivos,
como gênero, dos quais elas não se beneficiam. Elas soltam com
facilidade a retórica apaixonada contra o patriarcado, sentindo a
ponta afiada da injustiça projetando-se em suas costelas no
trabalho, sob a forma de pagamento desigual, e socialmente,
arremessada contra elas na rua, na forma do assédio. E elas dizem,
com razão: “estou cansada de viver neste mundo construído para as
necessidades dos homens! Sinto que, na melhor das hipóteses,
posso lutar contra isso, na pior das hipóteses, tenho que aprender a
lidar com isso.” No entanto, elas são incrivelmente defensivas
quando a mesma análise de raça é nivelada por sua branquitude.
Seria engraçado se a coisa toda não fosse tão repreensível.
Quando elas falam sobre igualdade de direitos e representação,
as feministas brancas realmente querem dizer isso. Elas podem ser
espirituosas, inteligentes, eloquentes e perspicazes em questões
como direitos reprodutivos, assédio nas ruas, violência sexual,
padrões de beleza, imagem corporal e representação de mulheres
na mídia. Essas são questões com as quais muitas mulheres podem
entrar em ressonância e se relacionar. Tendem a ser mulheres
brancas que se veem representando o feminismo na imprensa,
falando sobre isso na televisão ou no rádio, se entusiasmando com
isso em revistas.
Ajuda que as mulheres brancas defendendo a política feminista
na esfera pública sejam convencionalmente atraentes com uma
peculiaridade que as torne relacionáveis com a mulher comum. Eles
têm coxas maiores ou falhas nos dentes. Eles têm corpos que estão
longe do padrão de supermodelo que abrange as mulheres que
estão voltadas para a esfera pública. Isso é um alívio, nós gritamos.
Essas mulheres parecem com a gente. Essas mulheres são reais.
Essas mulheres são mulheres de mulheres. Essas mulheres não
têm medo de dizer o que pensam. Em uma era de seguidores no
Twitter e de inscritos do YouTube, também se trata de branding
pessoal e carreiras em ascensão. Então, clicamos, gostamos e
seguimos.

Ser feminista com uma análise racial significa ver claramente


como a raça e o gênero estão interligados quando se trata de
desigualdades. Olhando para a política de raça neste país, posso
ver como um direito em relação aos corpos das mulheres brancas
britânicas se desenvolve no que está sendo dito. 2066 é o ano em
que os brancos supostamente se tornarão uma minoria na Grã-
Bretanha. O professor de Oxford, David Coleman, é o homem que
estimou essa data. Em 2016, ele escreveu em um artigo do Daily
Mail – escrito em torno da questão do Brexit: “mulheres nascidas no
exterior contribuíram com 27% de todos os nascidos vivos em 2014,
e 33% dos nascimentos tiveram pelo menos um pai imigrante – uma
figura que mais do que dobrou desde os anos 90.”124 O artigo foi
intitulado RIP This Britain: With Academic Objective.* O professor de
Oxford e especialista em população, David Coleman, diz que os
bretões brancos poderiam ser minoria na década de 2060 – ou
antes.
Acho que é fácil ver como aqueles que defendem a política
nacionalista branca podem pegar esses números e se agarrar a eles
e insistir que o ano de 2066 marcará o dia do juízo final britânico.
Parece que há um etnacionalismo sutil nessa discussão, quase
digno de O conto da aia. Parece ser uma misoginia racializada que
se preocupa com úteros e exorta mulheres brancas britânicas a
foderem por seu país, enquanto acusam mulheres que não são
brancas britânicas de procriar descontroladamente e desestabilizar
a essência da Grã-Bretanha.
Apesar dessa narrativa contagiosa, há grupos da sociedade
britânica que afirmam que a misoginia é, de alguma forma, a reserva
de estrangeiros. Nunca, em um milhão de anos, achei que ouviria o
ex-primeiro ministro David Cameron apontar os males de uma
sociedade patriarcal. Quando, em 2012 e 2013, grupos de mulheres
britânicas, como a Fawcett Society e o Women’s Budget Group,
fizeram as dolorosas contas para argumentar que a pauta de
austeridade do governo estava atingindo as mulheres mais
duramente, David Cameron e seu partido mal responderam. Foi
interessante, então, que quando Cameron finalmente pronunciou as
palavras “sociedade patriarcal” quase três anos depois, foi para
estabelecer planos do governo de uma política de ultimato que
exigia que as mulheres muçulmanas que viviam no Reino Unido
com um visto de cônjuge aprendessem inglês ou encarassem a
deportação.
“Olha, não estou culpando as pessoas que não falam inglês”,
disse ele ao programa Today, da BBC Radio 4. “Algumas dessas
pessoas vieram para nosso país [de] sociedades meio patriarcais,
onde talvez os homens não quisessem que elas aprendessem
inglês, não quiseram que elas se integrassem.” Ele continuou: “O
que encontramos em alguns dos trabalhos que fizemos é… reunião
dos governadores das escolas em que os homens sentam-se na
reunião e as mulheres têm que se sentar do lado de fora, [e]
mulheres que não têm permissão para sair de casa sem um parente
do sexo masculino. Isso está acontecendo em nosso país e não é
aceitável. Devemos ser muito orgulhosos dos nossos valores, do
nosso liberalismo, da nossa tolerância, da nossa ideia de que
queremos construir uma genuína democracia de oportunidades…
onde há segregação que detém as pessoas não está em sintonia
com os valores britânicos e precisa ir embora.”125
Falando em rádio nacional, Cameron deixou claro que, junto com
o financiamento dedicado para mulheres muçulmanas no que ele
chamou de “comunidades isoladas” para aprender inglês, os planos
também viriam com testes compulsórios de idioma para essas
mulheres dentro de dois anos após estarem na Grã-Bretanha. Por
mais surreal que tenha sido ouvir David Cameron desafiando uma
sociedade patriarcal, não é de surpreender que sua ideia de
patriarcado tenha sido descrita em oposição direta ao nosso próprio
avanço, assim chamado, igualitário e meritocrático, senso britânico.
Quando nós dizemos a nos mesmos que a misoginia é
simplesmente uma importação do exterior, estamos dizendo que
isso não é um problema aqui. David Cameron provavelmente não
deveria ser rápido demais ao insinuar que a extrema misoginia é
uma importação estrangeira para as Ilhas Britânicas. Quando o
Office of National Statistics mostra que, em média, sete mulheres
por mês na Inglaterra e no País de Gales são assassinadas por um
parceiro atual ou antigo126 e 85.000 mulheres são estupradas na
Inglaterra e no País de Gales todos os anos,127 sabemos que esse
não é o caso simplesmente. A misoginia não é um problema que
pode ser resolvido com fronteiras fechadas, nem um curso intensivo
de Pronúncia Recebida.* Existe na psique do que significa ser um
homem em todos os países.
Apesar dessa verdade, foi a ideia de que o multiculturalismo traz
consigo um sexismo corrosivo e misoginia que foi promovida após
as agressões sexuais em massa ocorridas na véspera de Ano Novo
de 2015, em Colônia, na Alemanha. O mesmo ângulo surgiu quando
um anel de exploração sexual infantil dirigido por homens asiáticos
foi descoberto em Rotherham, no sul de Yorkshire, em 2013. Em
2012 e 2013, a expressão “sex-gang asiática” ocupou o que parecia
ser um milhão de manchetes. A extrema direita adora esse ângulo
das sex-gangs asiáticas. Para eles, as mulheres são suas
propriedades, as mulheres são “nossas”. Mas a realidade é que, se
todo homem asiático deixasse o país, a exploração sexual infantil
nas Ilhas Britânicas não desapareceria.
Há um aspecto de raça nesses incidentes que não pode ser
ignorado, e reconhecer isso não invalida qualquer condenação de
aparência, abuso e misoginia. Na maior parte do tempo, ser uma
feminista negra te coloca entre a cruz e a espada, desafiando o
racismo que você vê direcionado a pessoas negras e pardas, e
também desafiando o patriarcado ao seu redor. E enquanto o
interminável cabo de guerra do debate político exige explícitos
acertos e erros, esse tópico requer nuances desesperadamente.
O que é inegável é que os ideais de beleza ocidentais e a
objetificação ocidental dos corpos femininos se concentram
fortemente na branquitude e na juventude. Corpos femininos
brancos são comoditizados aos olhos do público o tempo todo. Se o
corpo negro e pardo é incluído nesses fóruns, ele é frequentemente
considerado uma novidade – talvez descrito como “ébano”,
“chocolate” ou “caramelo”, algumas vezes abordado como um tabu.
Em meio à campanha No More Page 3,* havia o ponto pouco falado
que mulheres negras raramente existiam na No More Page 3,
presumivelmente porque alguns meios de comunicação não
acreditavam que as mulheres negras e pardas fossem bonitas o
suficiente para se incomodar em objetificá-las. Há, é claro, exceções
a essa regra, muitas vezes em entretenimento e mídia em que o
controle criativo é projetado para satisfazer as necessidades dos
homens negros e pardos.
Vejamos como os corpos racializados se encontram dentro de
uma compreensão do sexo e do abuso sexual em um mundo
embriagado por uma branquitude esmagadora. Os ideais racistas de
beleza encorajam uma cultura em que certos tipos de corpos
femininos são considerados publicamente disponíveis. Depois que
dois homens paquistaneses foram presos em 2011 por estuprar e
abusar sexualmente de jovens garotas brancas, pareceu que Jack
Straw, ex-membro do Parlamento de Blackburn, interpretou a
linguagem do agressor quando disse que garotas brancas eram
vistas como “carne fácil” para os estupradores asiáticos. Falando no
BBC Newsnight, ele disse: “esses jovens estão em uma sociedade
ocidental, em qualquer caso, eles agem como qualquer outro jovem,
eles estão efervescendo e estourando com testosterona, eles
querem alguma válvula de escape para isso, mas garotas de
herança paquistanesas estão fora dos limites e espera-se que se
casem com uma garota paquistanesa do Paquistão, tipicamente.”128
Existiram retaliações em relação aos seus comentários por parte de
outros políticos, mas as objeções começaram e terminaram com
indignação de que Straw estava estereotipando toda uma
comunidade.
O que faltou foi como Jack Straw não só fez eco aos agressores,
como também não conseguiu desafiar sua linguagem. Primeiro ele
cedeu à desculpa de que “garotos serão garotos”, como se a
efervescência da testosterona fosse um precursor para violar o
corpo de outro ser humano. Nunca é, mas essa crença generalizada
desculpa o abuso e a coerção como simples curiosidade juvenil.
Seu segundo erro foi bastante simples: as mulheres não são carne
para serem consumidas. As mulheres não são objetos, passivas e
dóceis e abertas e esperando. Há algo tão insidioso sobre essa
linguagem de comida e carne, que sugere que os homens devem
comer tanta carne e foder tantas mulheres quanto possível, a fim de
serem o mais viril possível. Em nossas relações de gênero, a
“carne” retira das mulheres uma autonomia corporal básica,
afirmando que estamos sempre apenas no cardápio e nunca à
mesa.
Isso, além de uma sensação de piedade pública em torno do
hijab, o niqab, e corpos negros e pardos cobertos em particular, faz
uma combinação tóxica. A expectativa de modéstia é tão limitadora
e crítica quanto a compulsória relacionada aos corpos de biquíni.
Ambas focam obsessivamente na aparência da mulher e como,
coberto ou exposto, seu corpo determina seu valor, como se seu
corpo pertencesse a um olhar masculino antes de pertencer a ela.
Há sempre fatores externos influenciando a maneira como as
mulheres se vestem, mas a decisão final deve ser dela. Todo o
tempo, no caso dos abusos acima mencionados, as vozes de
pobres mulheres e meninas brancas; e as vozes de mulheres
negras e pardas e meninas são negadas qualquer autonomia. Isso
não é simplesmente uma questão de patriarcado; é uma
manifestação da dicotomia da virgem/puta que se estende pelos
códigos postais, países e culturas.
Não podemos efetivamente destruir esse tipo de exploração sem
atacar mensagens culturais difundidas, em casa e fora, que dizem
aos homens que os corpos das mulheres estão sempre prontos para
serem tomados. Enquanto as mulheres forem apalpadas nos
transportes públicos, alvos de masturbações nas ruas, e enquanto
os corpos femininos encararem olhares mortos e lábios preenchidos
em milhões de anúncios de produtos tão banais quanto suplementos
para exercícios e casacos com capuz, teremos um problema de
misoginia.
Ao desafiar histórias racistas e islamofóbicas sobre abuso sexual,
também precisamos desafiar o patriarcado onde o encontramos. Um
não pode ser feito efetivamente sem o outro. Atualmente, a
conversa sobre a misoginia que atingiu os níveis mais altos do
governo sustentou a ideia de que é uma importação estrangeira.
Isso é falso e é feito para cobrir nossos olhos. As ativistas feministas
seriam tolas de se aliarem às forças políticas que só falam em
defesa das mulheres quando há muçulmanos para atacar.
Assim, sabemos que, por mais que o assunto precise de nuances,
grupos de homens brancos que estupram e abusam de crianças e
bebês são denunciados pela imprensa, mas seus crimes não são
apontados como indicativos do problema inerente aos homens da
mesma maneira que acontece com que os homens de crimes de cor
são mantidos como evidência da selvageria de sua raça. Quando
uma gangue organizada de sete homens brancos foi considerada
culpada de estuprar e abusar de crianças (ou conspirar para) em
abril de 2015, a extrema direita não cooptou a história como prova
de que deveríamos deportar todos os homens do país. Os sete
homens que estavam espalhados pelo Reino Unido se
comunicavam de forma on-line e transmitiam os abusos uns aos
outros usando a tecnologia de chamadas em conferência. Todo o
tempo, eles estavam se inserindo em suas comunidades separadas
e cuidando dos pais das crianças que estavam caçando. Um deles
até fez amizade com uma mulher grávida com o objetivo de abusar
de seu bebê ainda nem nascido. De acordo com a reportagem da
BBC sobre os casos, oficiais da National Crime Agency
classificaram os crimes como mais “vis e depravados” que eles já
viram. Os crimes desses homens brancos não foram vinculados às
suas raças nas manchetes que se seguiram.
Nós, como nação, odiamos pedófilos. Nós os difamamos porque
são pedófilos. Mas, crucialmente, nós os vemos como anomalias.
Nós não pensamos que as ações deles são por causa do desvio dos
homens brancos. Quando homens brancos visam bebês, crianças e
adolescentes para gratificação sexual, não pedimos uma reflexão
profunda sobre essas ações da comunidade masculina branca.
Isso não se trata de homens bons ou ruins – noções binárias com
as quais nos sentimos confortáveis o suficiente para guardar em
caixas arrumadas – mas sobre a cultura do estupro. Deveríamos
nos perguntar por que, quando crianças e mulheres falam sobre ser
estupradas ou abusadas sexualmente, há sempre pessoas ao seu
redor que se desdobram para tentar encontrar maneiras de sugerir
que ela incitou ou convidou. Devemos questionar o preconceito de
classe que permitiu que as vítimas brancas e pobres fossem
ignoradas pelas autoridades, de uma maneira que seria menos
provável que acontecesse com uma garota branca de classe média
criada em Islington. A classe atribui um valor à sua vida
correspondente aos olhos dos gatekeepers. O tabu em discutir
esses crimes não é sobre raça, é sobre homens. Homens
predadores. Toda mulher que já foi adolescente pode contar uma
história sobre um encontro com um homem predatório, homens que
cheiram a juventude e a vulnerabilidade e procuram apenas
dominar.
Longe de encerrar o debate, incorporar os desafios do racismo é
absolutamente essencial para um movimento feminista que não
deixa ninguém para trás. Não tenho certeza se as nossas versões
mais populares do feminismo, atualmente, são capazes de tal tarefa.

Temo que, embora o feminismo branco seja palatável para os que


estão no poder, quando ele vencer, as coisas parecerão as mesmas.
A injustiça vai prosperar, mas existirão mais mulheres encarregadas
disso. O feminismo não é sobre igualdade e, certamente, não é
sobre deslizar silenciosamente para um mundo de trabalho criado
por e para os homens. O feminismo, no seu melhor, é um
movimento que trabalha para libertar todas as pessoas que foram
marginalizadas econômica, social e culturalmente por um sistema
ideológico que foi projetado para que elas fracassem. Isso significa
pessoas com deficiência, negros, trans, mulheres e pessoas não-
binárias, pessoas LGB e pessoas da classe trabalhadora. A ideia de
fazer campanha pela igualdade deve ser complicada se quisermos
desvendar a situação em que estamos. O feminismo terá vencido
quando acabarmos com a pobreza. Ele terá vencido quando não for
mais esperado que as mulheres tenham dois empregos (o trabalho
emocional e de cuidado para com suas famílias, bem como seus
trabalhos do dia a dia) por padrão.
A bagunça que estamos vivendo é deliberada. Se foi criada por
pessoas, pode ser desmantelado por pessoas, e pode ser
reconstruída de uma forma que sirva a todos, ao invés de ser um
egoísta, que concentra poucos. Além das exigências óbvias – o fim
da violência sexual, o fim do hiato salarial – o feminismo deve estar
consciente da classe e ciente da cultura limitante da binariedade de
gênero. É necessário que ele reconheça que as pessoas com
deficiência não são inerentemente defeituosas, mas sim que as
pessoas sem deficiência falharam na criação de um mundo físico
que serve a todos. O feminismo precisa exigir moradias acessíveis,
decentes e seguras e uma renda básica universal. Ele deve exigir
pagamento para mães em tempo integral e creches gratuitas para
mães que trabalham fora. Deve reconhecer que vivemos em um
mundo em que as mulheres são constantemente instigadas a serem
cobiçadas, mas punem as profissionais do sexo por usarem essa
situação para ganhar a vida. O feminismo precisa reconhecer
completamente que a sexualidade é fluida, e precisamos sonhar
com um mundo onde as pessoas não sejam violentamente
policiadas por transgredirem os rígidos papéis sociais de gênero. O
feminismo precisa reivindicar um mundo no qual a história racista é
reconhecida e explicada, na qual as reparações são distribuídas,
nas quais a raça é completamente desconstruída.
Eu entendo que essas demandas são utópicas e irreais. Mas acho
que o feminismo tem que ser absolutamente utópico e irrealista,
longe de qualquer semelhança do mundo em que vivemos agora.
Temos que esperar e imaginar algo antes de nos movimentar, em
vez de desistir, citando a realidade, e aceitar o modo como as coisas
são. Afinal, os ideais utópicos são tão ideológicos quanto os
fundamentos políticos do mundo em que vivemos atualmente.
Acima de tudo, o feminismo é um constante trabalho em construção.
Nós todos ainda estamos aprendendo.
Sempre amei a prontidão do feminismo em rasgar violentamente
a carne da misoginia, em erguer o queixo desafiadoramente e
apavorar homens medíocres. Mas precisa ser o pacote completo,
para levar em conta todos os aspectos do que a escritora bell hooks
chamou de “patriarcado capitalista da supremacia branca”. O
feminismo não funciona bem como uma análise educada, somente
de gênero, que é pura e incontestável o suficiente para ser aceita
em ambientes corporativos. Ele falhou quando funciona como um
movimento involuntariamente exclusivo que não tem consciência
suficiente para reconhecer onde seus participantes se beneficiam do
sistema atual. No ponto em que o feminismo se tornou um
movimento placidamente branco que afirma trabalhar em nome de
todas as mulheres, mas não questiona sua própria branquitude
esmagadora, nós realmente precisamos pensar em começar de
novo.
As demandas por igualdade precisam ser tão complicadas quanto
as desigualdades que tentam resolver. A questão é: com quem
queremos ser iguais? Homens, como mulheres, não são
homogêneos. O chanceler do Exchequer leva uma vida muito
diferente ao carteiro que empurra as cartas pela minha porta todos
os dias. Ele teve acesso a oportunidades muito diferentes em sua
vida do que sua contrapartida governamental. Ele provavelmente
não nasceu na riqueza, e seus pais provavelmente não poderiam
arrumar o dinheiro para colocá-lo em uma escola particular de elite
que lhe daria o direito de classe alta pelo resto de sua vida. Os
homens habitam diferentes espaços. Alguns enfrentam o racismo.
Alguns enfrentam a homofobia. Mesmo se nós, como feministas,
decidirmos colocar de lado as diferenças entre os homens, a
igualdade exige paridade com pessoas que sempre tiveram uma
parcela desproporcionalmente grande de recursos?
Está claro que a igualdade não é suficiente. Pedir um pedaço de
poder desproporcional é um pedido muito educado. Eu não quero
ser incluída. Em vez disso, quero questionar quem criou o padrão
em primeiro lugar. Depois de uma vida inteira incorporando a
diferença, não desejo ser igual. Quero desconstruir o poder
estrutural de um sistema que me marcou como diferente. Não quero
ser assimilada no status quo. Quero ser liberta de todas as
suposições negativas que as minhas características trazem. O ônus
não está em mim para mudar. Ao contrário, está no mundo ao meu
redor.
A igualdade é boa como uma demanda transitória, mas é
desonesto não reconhecê-la pelo que é – o caminho mais fácil. Há
uma diferença entre dizer “queremos ser incluídas” e dizer
“queremos reconstruir seu sistema exclusivo”. A primeira é mais
prontamente aceita no mainstream.

Existe um grande estigma ligado ao fato de se manifestar e ser


uma mulher, quanto mais se manifestar, sendo mulher e sendo
negra. Quando, em 2013, a modelo Naomi Campbell emprestou sua
voz para uma campanha dedicada a obter mais modelos de cor nas
passarelas da Fashion Week (a estatística na época era que 82%
das modelos da Fashion Week eram brancas), ela foi confrontada
por um repórter do Canal 4 que lhe disse: “você tem uma reputação,
certa ou errada, de ser uma pessoa bastante nervosa.”129
A mulher negra raivosa não pode ser racionalizada. Ela
argumenta de volta. Ela não é dócil, doce ou agradável, como as
expectativas da feminilidade branca. Sua raiva a torna feia e
indesejável. É por essa razão que ela nunca encontrará um marido
e, se o fizer, irá emasculá-lo. A emasculação como conceito é
aquela que requer a manutenção rígida dos papéis sexistas de
gênero. O estereótipo da agressividade da mulher negra empunha a
misoginia como uma vara para agredir as mulheres negras na
cabeça. Que mulheres negras raivosas parecem emascular homens
é sexista porque faz suposições sobre as características dos
homens que inevitavelmente limitam o escopo de sua humanidade.
Para acreditar na emasculação, você tem que acreditar que a
masculinidade é sobre poder, força e domínio. Esses traços
supostamente deveriam ser grandes nos homens, mas são muito
pouco atraentes nas mulheres. Especialmente nas negras raivosas.
As mulheres em geral não devem ficar com raiva. Espera-se que as
mulheres sorriam, que a gente engula nossos sentimentos e que
sejamos altruístas. Ser autoritária é feio, e, claro, a pior coisa que
uma mulher poderia ser é feia. Como mulheres negras, nossa
negritude já nos situa mais ao fim da escala da feiura. Deus nos livre
de sermos gordas.
A frase “mulher negra raivosa” diz mais sobre masculinidade e
branquitude do que sobre mulheres negras. Ela fala com um status
quo que reconhece seu próprio simultâneo e sufocante domínio e
delicada fragilidade – da realidade de sua crescente irrelevância ao
longo do tempo, e uma necessidade compulsiva de parar essa
mudança iminente.
Eu costumava ter medo de ser percebida como uma negra
raivosa. Mas logo percebi que qualquer quantidade de emoções
autênticas que eu demonstrasse poderia e seria interpretadas como
raivosa. Minha assertividade, paixão e excitação podem ser usadas
contra mim. Não demonstrar raiva não iria me impedir de ser
rotulada como raivosa, então pensei: foda-se. Decidi falar o que
penso. Quanto mais politicamente assertiva eu me tornei, mais
homens gritaram comigo. A artista performática Selina Thompson
me disse que, quando pensa no que significa ser uma negra
raivosa, pensa em honestidade. Não faz sentido ficar quieta porque
você quer ser amada. Muitas vezes, não existirá ninguém lutando ao
seu lado, a não ser você mesma. Foi a poeta feminista negra Audre
Lorde quem disse: “seu silêncio não irá protegê-la”. Quem ganha
quando não falamos? Não nós.

* N.T.: Germaine Greer é uma escritora e acadêmica australiana,


reconhecida como uma das mais renomadas feministas do século XX.
* N.T.: O Online Wimmin Mob é uma expressão que, segundo Sadie
Smith, autora do artigo ao qual a autora do livro cita, se refere ao
movimento on-line de feministas radicais. A palavra “Wimmin” é uma
outra maneira de se escrever “women”, ‘mulheres’, em inglês. Essa
alteração é feita como uma forma de tentar excluir “men”, ‘homens’, em
inglês, da palavra.
* N.T.: A tradução literal seria “Descanse em paz, atual Grã-Bretanha:
com objetividade acadêmica”.
* N.T.: “Pronúncia Recebida” é o nome dado à pronúncia padrão da
língua inglesa no Reino Unido. É o sotaque definido, pelo Concise
Oxford English Dictionary, como o sotaque padrão falado no sul da
Inglaterra.
* N.T.: A campanha No More Page 3 foi feita para convencer os editores
e donos do The Sun a cessarem o conteúdo da Page 3, que era
notoriamente conhecido por mostrar glamurosas modelos de topless.
6
RAÇA E CLASSE

No tempo que passei escrevendo e falando publicamente sobre


raça, me familiarizei com uma questão em particular. “E quanto à
classe?” é uma pergunta que me segue em todos os lugares que
vou. Nela, existe uma implicação de que a classe, não a raça, é a
verdadeira batalha a ser travada na Inglaterra – e que temos que
escolher entre uma ou outra. Rejeito totalmente essa suposição.
Mas vou tentar responder a pergunta. E quanto à classe? E como
isso se relaciona com a raça, se é que se relaciona?
Na Grã-Bretanha a classe é parte integrante de como
entendemos nossa própria posição na sociedade. Desde os tempos
vitorianos, nos limitamos a uma das três categorias – classe
trabalhadora, classe média ou classe alta. Nós entendemos a classe
de maneira marxista, usando o relacionamento de uma pessoa com
os meios de produção como um fator definidor. A regra diz que se
você é pago por hora e aluga sua casa, então você é da classe
trabalhadora, e se você é pago mensalmente e é dono da sua casa,
você é de classe média. Contudo, não temos mais um país cheio de
fábricas, minas e usinas com estruturas rígidas de trabalhadores e
patrões. Cresci em uma geração definida por observar pessoas
mais velhas que eu se beneficiarem por créditos aparentemente
intermináveis, então a demarcação entre ricos e pobres era difícil de
detectar. Quando eu tinha doze anos, o então primeiro-ministro Tony
Blair anunciou que queria ver 50% dos jovens adultos no ensino
superior até o ano de 2010. Ir para a universidade não era mais uma
indicação clara de classe. Na minha geração, seu primeiro emprego
provavelmente seria em um estabelecimento comercial, em bufê ou
em um call center. A linguagem dos trabalhadores de colarinho azul
e de colarinho branco nunca realmente ressoou. Após a recessão
de 2008, essas categorias tornaram-se ainda mais indistintas, já que
a segurança do emprego se tornou mais um sonho do que uma
realidade.
Como somos uma nação que adora pensar em si mesma como
vítima, não surpreende que uma pesquisa de 2016 da British Social
Attitudes tenha apurado que 60% do público britânico se identifica
como classe trabalhadora. A parte mais interessante da pesquisa foi
que 47% daqueles que se consideravam da classe trabalhadora
estavam, na verdade, em cargos gerenciais e profissionais – de
modo algum na classe trabalhadora. Em sua análise dos números, a
pesquisa chamou essa identificação de “classe trabalhadora da
mente”. E, embora não houvesse discriminação dos entrevistados
pela demografia racial, aqueles que se identificaram como
trabalhadores, mas estavam em empregos de classe média, tinham
maior probabilidade de ter políticas anti-imigrantistas.130 Quando as
pessoas me perguntam “e quanto à classe?” quando falo sobre
raça, não posso deixar de pensar se elas não estão realmente
falando sobre dinheiro, mas sim de uma mentalidade específica.
Um dos estudos sobre classe mais bem-sucedidos e vigorosos
nos últimos anos foi o Great British Class Survey, encomendado
pela BBC. Cerca de 160.000 pessoas participaram. Os resultados,
publicados em 2013, revelaram que não havia apenas três classes,
mas sete. As elites são as pessoas mais ricas do país, pontuando
econômica, social e culturalmente. A classe média estabelecida é a
próxima mais rica. Eles amam a cultura. Eles são seguidos pela
classe média técnica, que têm dinheiro, mas não são muito sociais.
Os novos trabalhadores afluentes pontuam meio-termo em renda,
mas alta socialização e cultura. Eles vêm de origens da classe
trabalhadora e têm menos probabilidade de terem ido para a
universidade. A classe trabalhadora tradicional é, em média, o grupo
mais antigo. Trabalhadores de serviços emergentes ficam para trás
em termos de segurança financeira. Por fim, há o precariado – o
grupo mais carente.131
Ao contrário de muitas outras pesquisas de classe, a BBC coletou
informações sobre a raça de seus participantes. Você encontrará a
maioria das pessoas de cor no grupo de trabalhadores de serviços
emergentes, com 21% dele. Também temos duas vezes mais
probabilidade de sermos encontrados no grupo de trabalhadores de
serviços emergentes do que no grupo tradicional da classe
trabalhadora. E, materialmente, somos realmente mais pobres. Eu
digo “nós”, porque de acordo com a calculadora, eu sou uma
trabalhadora de serviços emergentes, junto de 19% da população.
Nós tendemos a ser jovens e vivemos em áreas urbanas. Muitos de
nós não são brancos. Temos alto capital cultural e social, mas quase
nenhum capital econômico. Nossas médias de rendimento são em
torno de £21.000. Isso é mais do que a classe trabalhadora
tradicional, que tende a viver em áreas pós-industriais da Inglaterra.
Eles são muito mais propensos a ter a casa própria e têm mais
dinheiro em poupanças do que o meu grupo. O relatório da Great
British Class Survey concluiu que os trabalhadores de serviços
emergentes – graduados em Artes e Ciências Humanas que
trabalham em bares ou em call centers – são filhos da classe
trabalhadora tradicional. Meu palpite é que eles também são filhos
de imigrantes.
Essa informação sugere que não é tão simples ou tão binário
quanto escolher entre raça e classe quando se pensa em
desigualdades estruturais. Não apenas a hierarquia de classes de
três camadas não existe mais, mas parece que as desigualdades
raciais existentes são compostas e não eliminadas pelas
desigualdades de classe. Ao final do orçamento de verão de 2015,
análises de think tank* de igualdade de raça do instituto Runnymede
Trust descobriram que 4 milhões de negros e minorias étnicas
estariam em pior situação como resultado disso, que essas pessoas
estavam super-representadas em áreas afetadas pelo orçamento e
que a desigualdade racial vai piorar com o tempo por causa disso. A
realidade é que, se você não nasceu branco neste país, você
provavelmente não nasceu na riqueza. Pesquisas da Joseph
Rowntree Foundation mostraram que os negros e as minorias
étnicas são muito mais propensos a viver em pobreza de renda do
que os brancos. Na época de sua pesquisa, a fundação descobriu
que apenas 20% dos britânicos brancos viviam em pobreza de
renda, em uma comparação drástica com 30% dos caribenhos
negros, 45% dos africanos negros, 55% dos paquistaneses e 65%
dos bengaleses. O relatório também descobriu que perturbadores
50% das crianças negras e de minorias étnicas viviam na
pobreza.132
Mas esse relatório de Joseph Rowntree foi publicado em 2007. O
resultado dos dados do censo fornece uma análise mais antiga da
raça e da pobreza na Grã-Bretanha. Publicado em 2014, a análise
do censo de 2011 focada em raça e no mercado de trabalho revelou
que negros entre 16 e 64 anos têm as taxas de desemprego mais
altas do país e que mulheres negras têm mais probabilidade de
estarem desempregadas do que mulheres brancas. Quando se trata
do tipo de trabalho que as pessoas na Grã-Bretanha estão fazendo,
as evidências se correlacionam novamente em relação às linhas de
raça. Homens paquistaneses, negros africanos e bengaleses são os
mais propensos a trabalhar em empregos pouco qualificados (e de
baixa remuneração). De acordo com o censo, os empregos de baixa
qualificação incluem administração, trabalho de assistência, vendas
e atendimento ao cliente e máquinas operacionais. Os asiáticos
estão concentrados em setores como alojamento, alimentação e
varejo, enquanto as mulheres negras e de minorias étnicas estão
concentradas em trabalhos social e de saúde (o que significa que,
quando esses serviços públicos enfrentam cortes no governo, as
mulheres negras os sentem de maneira especialmente dura).
Homens paquistaneses e indianos podem ser encontrados nos
setores de atacado, varejo e mecânica.133 Esses não são
exatamente empregos de classe média.
Estas são as figuras objetivas. Eles sugerem que muitos
consideram sua classe como sendo sua cultura e política de
preferência, em vez de sua relação com ativos e riqueza. Ao
contrário da raça e do racismo, geralmente é aceito na Grã-
Bretanha que sua classe possa afetar positiva ou negativamente a
sua sorte na vida, mas a raça raramente é trazida para a análise.
Em vez disso, quando pensamos em desigualdade, somos
encorajados a pensar em raça e classe como distintas e separadas.
Elas não são.
Nada disso é para dizer que as pessoas brancas não estão
vivendo na pobreza na Grã-Bretanha. Pelo contrário, é para mostrar
que as pessoas da classe trabalhadora neste país não são todas
brancas. Em face de uma suposição em torno de classe que parece
estar ligada apenas à pureza da exclusividade racial britânica,
devemos nos perguntar quem exatamente compõe a classe
trabalhadora.

Nunca a conversa sobre classe e desigualdade foi mais urgente


do que na recente discussão sobre a crise imobiliária de Londres –
na falta de habitação social disponível, no privado e mal regulado
setor de aluguel e na busca cada vez mais fútil da casa própria. Na
capital, a invasão de apartamentos de luxo construídos para
pessoas com renda extraordinariamente alta parece ter começado
no leste e rapidamente começou a se espalhar para o norte. A
construção foi alarmantemente rápida. Passei metade da minha
infância em Tottenham, no nordeste de Londres. Quando volto para
visitar amigos e familiares, vejo a área mudando. Andando por uma
rua de Tottenham em uma noite de outono, notei que o que antes
era uma área de demolição havia evoluído para andaimes
esqueléticos. Os terrenos estavam cercados de revestimento e eles
estavam repletos de imagens aspiracionais. As palavras no
revestimento eram ao mesmo tempo sinistras e convidativas.
A leitura realmente dependia de quem vislumbrava isso na época.
“Aproveite um lado mais urbano de viver no coração do norte de
Londres”, dizia o escrito. Esse foi um convite que não foi dirigido a
pessoas que já viviam em Tottenham, mas a recém-chegados –
talvez compradores de primeira viagem desesperados para entrar
na escada da propriedade com a ajuda do banco Mamãe e Papai,
ou talvez proprietários que compram para alugar cujo único objetivo
era ganhar dinheiro com a crise imobiliária de Londres. A palavra
“urbana” aqui foi codificada, um termo que implica cidades do
interior, pobreza e dilapidação. Urbano aqui, como é frequentemente
usado (particularmente na música), era uma linguagem de código
para “negros moram aqui”. No censo de 2011, 65% dos moradores
de Haringey relataram que não eram brancos britânicos. Suspeitei
do súbito aumento das novas construções de Tottenham,
preocupada que elas pudessem começar a inaugurar uma era de
gentrificação* – com enormes implicações para a classe e a
composição racial da área.
Minhas suspeitas não eram infundadas. Em 2013, o The
Economist informou que no bairro vizinho de Hackney, em Londres,
entre os anos de 2001 e 2011, a população britânica branca de
Stoke Newington aumentou 15% e a de Dalston 26%.134 Alimentada
pela gentrificação, a mudança não foi apenas sobre raça, mas sobre
riqueza, afluência e mobilidade. Foi também sobre classe.
Depois de perceber o primeiro convite da “vida urbana”, vi locais
semelhantes com novas construções surgindo em toda Tottenham.
Em 2015, as barreiras ao redor dos recém-construídos Rivers
Apartments, no final da Tottenham High Road, prometiam aos
transeuntes um “grande desenvolvimento para Tottenham liderado
pelo esporte” – novas casas, uma nova escola e novos empregos.
Fascinada pelas implicações raciais e de classe do boom imobiliário
de Londres, decidi investigar o assunto – e comecei a vasculhar os
documentos públicos disponíveis do Conselho.
No mesmo ano, o Conselho de Haringey planejava construir 1.900
casas em Tottenham até 2018. Isso foi prometido como parte de um
programa de regeneração de £131 milhões, com financiamento
garantido do órgão administrativo mais antigo da cidade, a Greater
London Authority. Em face disso, parecia ser uma contribuição
positiva para atender ao alto nível de demanda por moradias no
bairro de Haringey. Em meados de 2015, sua lista de espera para
moradia tinha mais de 4.500 pessoas. O conselho decidiu que
metade das casas construídas seria acessível, dois terços das quais
teriam aluguel acessível, e um terço seria propriedade
compartilhada. Como resposta à crise imobiliária, não poderia ter
sido mais pontual.
Entretanto, quando olhei mais a fundo nos planos de regeneração
do bairro, encontrei um cenário diferente. Uma intrigante coalizão de
pessoas tinha se alinhado para questionar exatamente quem seriam
os novos moradores de Tottenham, e eles fizeram afirmações
convincentes sobre raça, classe, riqueza e acesso. Um ativista me
disse: “Não nos opomos à regeneração. Esta é uma comunidade e
uma área que precisa de regeneração e investimento para os
residentes existentes.” Sua visão foi repetida por outro ativista de
habitação que disse: “As pessoas gostariam de ver melhorias, mas
que tipo de melhorias e para quem?”.
A questão era se os moradores locais de baixa renda que, com
mais necessidades – que eram em sua maioria negros – se
beneficiariam das novas moradias. O cerne das críticas contra os
planos habitacionais de Haringey cercou a decisão do conselho de
“dar alta prioridade à aquisição de imóveis a preços acessíveis”. A
própria Avaliação do Impacto Sobre a Igualdade (AISI) do conselho
dizia: ‘Há uma possibilidade de que, com o tempo, os residentes
negros em Haringey não se beneficiem dos planos de construir mais
casas no bairro, promovendo a aquisição de imóveis a preços
acessíveis no leste de Haringey. Os lares brancos podem se
beneficiar mais facilmente.” As 250 casas disponíveis com uma
renda social acessível que Haringey planejava construir até o ano
de 2018 representavam apenas 5% do número de pessoas que
esperavam ser hospedadas, concluiu a AISI. Foi condenatório.
Todavia, na época, o Conselho de Haringey argumentou que eles
precisavam vender algumas casas de forma privada porque o
financiamento disponível do governo central não era suficiente para
todo o projeto.
Para entender verdadeiramente o que aconteceu aqui, você
precisa pensar sobre esses planos habitacionais no contexto da
história de raça e classe de Tottenham. Em 2015, o morador médio
de Haringey ganhou cerca de £24.000 por ano. Esse número está
acima da média nacional de £22.044, mas abaixo do salário médio
interno de Londres de £34.473. No entanto, os ganhos médios de
Haringey foram distorcidos pelas vastas desigualdades de renda no
município.
O conselho chama isso de “divisão leste-oeste”. No Tottenham
Hale, ao leste de Haringey, onde a nova habitação foi proposta, a
maior quantidade de residentes trabalha em empregos como vendas
e serviços, limpeza, entrega de mercadorias, coleta de lixo. Isso é
em comparação com 23,9% dos residentes em geral de Haringey
que trabalham em ocupações profissionais. Esta é uma clara divisão
de classe. A posse de casas é alta no oeste rico do bairro – áreas
como Muswell Hill, Crouch End e Highgate – enquanto os
moradores da direção leste do bairro – áreas como Seven Sisters,
White Hart Lane e Tottenham Hale – vivem principalmente em
habitações sociais. Da mesma forma, altos salários podem ser
encontrados no oeste de Haringey, enquanto salários baixos são
encontrados no leste de Haringey. Essas linhas de falha são
compostas por raça, com pessoas brancas desproporcionalmente
representadas na região oeste do município, e os negros
desproporcionalmente representados no leste. Nas alas ocidentais
de Haringey, em Muswell Hill, Crouch End e Highgate, mais de 80%
dos moradores são brancos, em comparação com cerca de 40%
dos moradores das divisões de Northumberland Park e Tottenham
Hale, na região leste de Haringey.
Um relatório da Fundação Runnymede e da Universidade de
Manchester declarou Haringey um dos lugares mais desiguais da
Inglaterra e do País de Gales.135 E de acordo com a avaliação de
impacto de igualdades do conselho sobre sua própria estratégia
habitacional, são mães solteiras no município que têm maior
probabilidade de ficarem desabrigadas. O número de mães solteiras
que se registraram como sem-teto em 2015 estava aumentando.
Era justo concluir que eram mulheres – quase certamente a maioria
negras, quase certamente mães – que estavam sendo empurradas
para situações de vida precárias. Seu conselho respondeu
ignorando suas necessidades em seus planos de habitação.
Em março de 2015, a dissidência nos planos de regeneração do
conselho havia se espalhado pelo governo local. O comitê geral do
Partido Trabalhista de Tottenham, uma organização de membros do
partido local, aprovou, por unanimidade, uma resolução emergencial
notando sua preocupação de que os planos habitacionais do
conselho tivessem colocado sobre os negros o ônus de aumentar
suas rendas para poder pagar pelas novas casas e o que o
conselho deveria fazer para permitir a igualdade de oportunidades e
eliminar a discriminação. A resolução não era a política dos
conselheiros do Partido Trabalhista de Tottenham, mas fez um
trabalho eficaz de mostrar o sentimento de descontentamento geral.
Quando pedi ao Conselho de Haringey uma explicação sobre a
natureza racialmente exclusiva dos planos habitacionais, Alan
Strickland, membro do gabinete de habitação e regeneração do
Conselho de Haringey, disse: “Onde as pessoas estão lutando para
acessar diferentes tipos de casas por causa de suas rendas,
claramente o que tem que ser feito é endereçar suas rendas. Isso
deve vir através de habilidades e empregos e treinamento e
contratação. Por meio do nosso desenvolvimento econômico e
trabalho de emprego, queremos ter absoluta certeza de que
estamos melhorando as chances de vida para que todos possam
acessar essas novas casas.” Parecia uma resposta ambiciosa e
irrealista no contexto de sistemática desvantagem econômica e
racial. Se ainda não tínhamos resolvido o problema em âmbito
nacional, como um conselho conseguiria? No entanto, eles
continuaram com seus planos. Em meados de 2016, uma fonte
próxima ao Conselho de Haringey me disse que eles não tinham
intenção de voltar atrás, apesar da sólida evidência de que os
planos poderiam levar ao deslocamento racial dos negros.
Esse é apenas um bairro em uma cidade, mas é um exemplo
evidente de como, na Inglaterra, raça e classe estão interligadas.
Nesse caso, a construção de moradias fora do alcance das pessoas
da classe trabalhadora significava que estava fora do alcance dos
negros.
Devemos repensar a imagem que evocamos quando pensamos
em uma pessoa da classe trabalhadora. Em vez de um homem
branco de boné chato, é uma mulher negra empurrando um carrinho
de bebê. Vale a pena perguntar exatamente quem ganha com a
sugestão de que as únicas pessoas da classe trabalhadora que
valem nossa compaixão são brancas, ou que são as pessoas
negras e de minorias étnicas que acumulam recursos escassos às
custas das pessoas brancas da classe trabalhadora que estão
perdendo.
Uma frase aparentemente inocente foi naturalizada na política
britânica na última década. A frase “classe trabalhadora branca”
supostamente descreve um grupo de pessoas desfavorecidas e
sub-representadas na Grã-Bretanha. Quando anunciou sua
candidatura para a disputa da liderança do Partido Trabalhista de
2015, a parlamentar do Leicester West, Liz Kendall, deixou explícito
que estava interessada em apoiar as crianças brancas da classe
trabalhadora. Mostrando suas intenções para o cargo de liderança
em uma reunião com jornalistas, ela disse que queria que os
trabalhistas “fizessem o melhor para as crianças, particularmente
nas comunidades brancas de classe trabalhadora.”136 Não foi
apenas discriminação de classe que estava prejudicando essas
crianças, ela parecia sugerir. Era a branquitude delas.
E quando a BBC anunciou planos para aumentar a representação
de pessoas de cor em seus espaços, numa tentativa de lidar com a
sobre-representação da branquitude dentro e fora das telas, o
político conservador Philip Davies se ressentiu com a decisão.
Davies ficou tão indignado que optou por enfrentar Tony Hall,
diretor-geral da BBC. Confrontando o Sr. Hall em uma sessão do
comitê seleto de cultura, mídia e esporte na Câmara dos Comuns,
Davies disse: “Se eu tiver um cidadão branco da classe trabalhadora
que queira essa oportunidade… por que eles deveriam ser privados
porque você definiu essas metas politicamente corretas?”.137 Mais
uma vez, a implicação era de que raça e classe são duas
desvantagens separadas que estão em competição direta uma com
a outra. A expressão classe trabalhadora branca atua na retórica da
extrema direita. Associar a palavra “branco” à frase “classe
trabalhadora” sugere que essas pessoas enfrentam desvantagens
estruturais porque são brancas e não porque são da classe
trabalhadora. Estes são velhos medos de vitimização branca,
regurgitados agora, medos que sugerem que os verdadeiros
receptores do racismo são brancos e que esse racismo reverso
acontece por causa do “tratamento especial” que os negros
recebem. Quando o membro do parlamento, Philip Davis, interveio
contra uma ação afirmativa na BBC, ele pareceu interpretar o
trabalho como um ataque a seus eleitores brancos e da classe
trabalhadora, em vez de um desafio para os gerentes e executivos
brancos e de classe média da BBC.
E assim nos vemos focando no imaginário racismo reverso, em
vez do legítimo preconceito de classe. É extraordinário ver como a
retórica de Nick Griffin sobre uma classe trabalhadora branca em
apuros foi sub-resumida ao mainstream menos de uma década
desde seu clímax político. O privilégio de classe das pessoas de
classe média e alta na Grã-Bretanha não é desafiado quando nos
concentramos no sofrimento das classes trabalhadoras brancas. Em
vez disso, transfere o foco do problema para pessoas negras e
pardas. Os imigrantes. Existe uma mentalidade de escassez. “Há
muitas pessoas que acham que o ritmo da mudança em suas
comunidades tem sido rápido demais e que o governo não proveu
recursos suficientes para responder a essa mudança”, disse a
Baronesa Sayeeda Warsi em um episódio do Question Time da
BBC, em 2009. Na época, ela era ministra da oposição dos
conservadores para a coesão e a ação social da comunidade. “Este
não é um debate de raça”, continuou ela. “Este é um debate sobre
recursos.”
Embora a Baronesa Warsi, um pouco otimista, tenha procurado
mudar os termos do debate, o ressentimento nunca deixou de ser
direcionado aos imigrantes. Esse sentimento de escassez foi
alimentado pela política do governo. Polícias como Right to Buy que
deu aos moradores de casas populares a opção de comprar a
propriedade em que viviam com um grande desconto nos anos 80,
reduziram a quantidade de ações de moradia social da Grã-
Bretanha. Até hoje, conselhos estão lutando para substituir a
propriedade vendida. Informações de rastreamento das vendas
entre 2015 e 2016 para as 12.246 residências do conselho vendidas
a inquilinos na Inglaterra sob a política Right to Buy, apenas 2.055
substituições começaram a ser construídas.138 Isto é uma
consequência da direção do governo, não abrangendo as moradias
superlotadas de imigrantes.
A resposta para acabar com os britânicos que vivem em situação
de pobreza e moradia precária não será encontrada no fim da
imigração. Não existe evidência de que se “todos do meu tipo
voltarem para onde viemos”, a vida ficaria melhor ou mais fácil para
as pessoas brancas pobres. Os mesmos sistemas e práticas que
levam à hierarquia de classes ainda permaneceriam.
Devemos perguntar por que os políticos apenas abordam as
questões de classe e pobreza quando se referem à branquitude.
Quando a raça não é mencionada, as pessoas da classe
trabalhadora não são consideradas merecedoras de políticas
direcionadas. Na verdade, antes de toda essa conversa da classe
trabalhadora, a classe era um tabu político. Quando Margaret
Thatcher disse, em 1987, que a sociedade não existia, ela solidificou
um sentimento nacional de que somente a ambição individual
permitiria que uma pessoa progredisse na vida. Apesar de nós,
como país, estarmos obcecados com a classe, nós nos iludimos, por
um longo tempo, achando que isso não importava.
Entretanto, agora, me preocupo com o fato de que nós também
aceitamos com entusiasmo a pauta da extrema-direita de pessoas
inglesas brancas e trabalhadoras decentes sendo sitiadas por
imigrantes. Um relatório de 2014 da empresa de pesquisa de
mercado Ipsos MORI descobriu que o povo britânico achava que a
população nascida no exterior do país era de 31%, em oposição ao
número real de 13%.139 O mesmo relatório descobriu que quanto
maior sua renda, maior a probabilidade de você pensar que os
imigrantes estão sugando os serviços públicos. As coisas mudaram
de repreender as pessoas da classe trabalhadora por se atreverem
a existir, a estender uma mão de ajuda a elas, contanto que estejam
em oposição àquelas de minoria étnica. Colocar “branca” na frase
“classe trabalhadora” é uma forma de fazer suposições sobre raça,
trabalho e pobreza que compõem o poder de branquitude como
moeda.
Quando se trata de falar sobre raça, diversidade ou até mesmo a
mais leve indiferença liberal de inclusão, as pessoas de classe
média branca, interessadas em si mesmas, parecem encontrar um
interesse renovado no avanço de suas contrapartes brancas da
classe trabalhadora.140 Nas mãos dos “tem-tudo”, a classe e a raça
dos que não têm são contrapostas umas às outras. Esse mito dos
imigrantes clandestinos se arriscando para arrebatar as
oportunidades das pessoas brancas da classe trabalhadora não
poderia estar mais longe da verdade. Um relatório do The
Economist, vasculhando dados do Office of National Statistics,
descobriu que alguns dos mais ricos da Grã-Bretanha se beneficiam
de serviços como transporte público e o Serviço Nacional de Saúde
com uma vantagem significativa em relação aos mais pobres,
provando que aqueles com riqueza já fazem um trabalho muito bom
de sobrecarregar recursos. O mito dos imigrantes clandestinos, no
entanto, trabalha para cumprir uma pauta específica. Esses são os
interesses daqueles que investem na preservação da atual ordem
das coisas.

Esse é um caso clássico (e muito bem-sucedido) de dividir e


conquistar. Parece um clichê falar isso, mas se alguém que se sente
ressentido com seus vizinhos imigrantes tirasse um tempo para
conversar com eles e descobrir um pouco sobre suas vidas, quase
certamente descobriria que essas pessoas não têm tudo entregue a
elas de bandeja, mas, em vez disso, estão vivendo em condições
pobres e enxutas, provavelmente tendo deixado condições ainda
piores de onde quer que tenham se mudado.
Anos antes de este país ter uma presença significativa de negros
e imigrantes, havia uma hierarquia de classes entrincheirada. As
pessoas que mantêm essas divisões de classe não se importavam
com as pessoas que estavam no último nível naquela época e não
se importam agora. Entretanto, os acusadores da imigração
encorajam você a apontar para os vizinhos e a se convencer de que
eles são o problema, em vez de questionar onde a riqueza está
concentrada neste país e exatamente por que os recursos são tão
escassos. E as pessoas que pressionam essa retórica não poderiam
se importar menos, de qualquer forma, contanto que você não
esteja apontando o dedo para elas. Não é certo sugerir que todas as
conquistas pela igualdade racial resultam em perda para as pessoas
brancas da classe trabalhadora. Quando os negros socialmente
móveis conseguem penetrar nas esferas dominadas pelos brancos,
muitas vezes tentam estabelecer disposições (como os esquemas
de diversidade) para trazer os outros com eles. E eles são só mais
visíveis que os brancos. Vejo protestos baseados em classe a
respeito dos esforços de aumentar a representação negra vindo de
pessoas em posições de trazer seus colegas da classe
trabalhadora, se quisessem. Por alguma razão, eles escolhem não
fazer, mas são rápidos em bloquearem outros tipos de progresso.
Assim, apesar de classe e raça estarem inerentemente
conectadas, para pessoas de cor, mudar de classe pode ser uma
perspectiva tentadora. Filhos de imigrantes são frequentemente
assegurados por pais bem-intencionados de que o acesso
educacional à classe média pode absolvê-los do racismo. Nos
dizem para trabalharmos duro, ir a uma boa universidade e
conseguir um bom emprego.
Não podemos censurar nossos pais por quererem que tenhamos
uma vida melhor e melhores chances do que eles. Contudo, depois
que me formei, percebi rapidamente que a mobilidade social não me
salvaria. Minhas suspeitas foram apoiadas pelas estatísticas.
Quando o Trades Union Congress examinou dados do Office for
National Statistics Labour Force Survey, descobriram que os
funcionários negros estavam lidando com uma crescente
disparidade salarial em comparação com seus pares brancos, e que
essa diferença salarial se ampliava com qualificações mais altas. Os
negros com escolaridade até o nível GSCE* recebiam 11% a menos.
Os negros com nível-A registraram uma média de 14% a menos de
remuneração, e os graduados negros com formação universitária
viram uma diferença de, em média, 23% em comparação aos seus
pares brancos.141 Um capelo, toga e um canudo, não servem para
proteger os graduados negros da discriminação.
Os filhos dos imigrantes calmamente se adaptaram às demandas
da neutralidade racial, eliminando qualquer evidência de nossa
cultura e herança, em um esforço para se encaixar. Escutamos
nossos pais socialmente conservadores e nos educamos até os
ossos. Mantivemos nossas reclamações para nós mesmos e
mudamos nossa aparência, nomes, sotaques e roupas para nos
adequarmos ao status quo. Nós mordemos nossas línguas,
exercitamos um julgamento seguro e nos esquivamos de
sentimentos brancos em um esforço para não balançar o barco.
Temos sido tolerantes até ao ponto de nem sequer mencionarmos a
raça para não sermos acusados de usar essa cartada. Esqueça a
fala dos políticos sobre a Grã-Bretanha ser um país tolerante. Ser
constantemente olhado como um alienígena no país em que você
nasceu requer a verdadeira tolerância.
Não acho que qualquer quantidade de privilégio de classe,
dinheiro ou educação possa protegê-lo do racismo. E apesar de não
invejar crianças de círculos pobres recebendo a educação ou
treinamento que desejam e seguindo seus sonhos (na verdade,
encorajo isso ativamente), quero que eles saibam que só isso não
vai acabar com o racismo, porque o ônus de mudar a mente das
pessoas com ternos afiados, cabelo liso e empresas FTSE100 não é
deles.
Mudar de classe exige um mínimo de sucesso e, se você não é
branco, o sucesso é uma faca de dois gumes. Mesmo se você
trabalhar muito e se ver no seu melhor, haverá um debate sobre se
isso aconteceu por causa de sua raça, ou apesar disso. Quando
uma mulher que não era branca – a poeta Sarah Howe – recebeu o
prêmio de £20.000 do TS Eliot por poesia, a revista satírica Private
Eye questionou seu sucesso, escrevendo: “como uma jovem bem-
sucedida e muito ‘apresentável’ com uma herança britânica e
chinesa, Howe pode ser vista como uma embaixadora mais
aceitável para a poesia do que os distintos velhos rabugentos que
ela eliminou.”142 A sugestão não podia ser mais clara: era uma
implicação de que o sucesso dela não passava de um check-list.
Existe uma suspeita que cai no colo das pessoas que não são
brancas, que são bem-sucedidas fora de seus campos designados
(para pessoas negras, esses campos são música e esporte). E se
você é uma mulher jovem, alguns pensarão que você só se tornou
bem-sucedida porque um imaginário superior masculino está
interessado em fazer sexo com você. A razão pela qual você
chegou lá nunca é assumida como resultado de seu trabalho duro,
vontade ou determinação. Não há nada mais ameaçador para
alguns do que a redistribuição do capital cultural.

Problematizar a ideia de que raça e classe são distintamente


separadas, em vez de entrelaçadas, será um trabalho árduo.
Envolve perfurar um milhão de bolhas de pensamento atualmente
dominando as conversas sobre a classe neste país. Isso significa
irritar políticos e comentaristas, e isso significa chamar a história
deles de uma classe trabalhadora branca sitiada por imigrantes
egoístas e ingratos, exatamente pelo que ela é – uma incitação
absurda e odiosa. Dividir e conquistar não serve a nenhum propósito
útil na política de solidariedade de classe, nem funciona
particularmente bem em tirar as pessoas da pobreza. Sabemos que
as políticas destinadas a erradicar as desigualdades de classe
também irão, de alguma forma, desafiar as desigualdades raciais,
porque muitas famílias negras têm baixa renda. Mas não podemos
ser ingênuos o suficiente para acreditar que os que estão no topo
estão interessados em diminuir seu poder em prol de uma
sociedade mais justa. E, embora as pessoas brancas e negras de
minorias étnicas da classe trabalhadora tenham muito em comum,
precisamos lembrar que, embora as experiências sejam muito
semelhantes, elas também são muito diferentes.
Enquanto alguns lidem com o preconceito de classe, outros lidam
com o preconceito de classe racializado. É essa complexidade que
precisa ser explorada com sucesso se quisermos um entendimento
preciso do que significa ser uma classe trabalhadora na Grã-
Bretanha, hoje.

* N.T.: think tank são instituições ou grupos especializados organizados


para estudar um determinado assunto e propor ações com base nos
resultados obtidos.
* N.T.: Gentrificação se refere a um movimento de transformação de
centros urbanos marcado pela saída de pessoas de renda mais baixa e
entrada de pessoas com rendas mais altas, mudando os grupos sociais
que residiam ali.
* GSCE são testes de diversas matérias que os estudantes britânicos
precisam fazer a partir de quinze anos.
7
NÃO HÁ JUSTIÇA, HÁ APENAS NÓS

“Quando você acha que chegaremos a um ponto final?”


Eu estou em uma sixth-form college* no sul de Londres
conversando com um grande grupo de adolescentes sobre o
racismo na Grã-Bretanha. A questão é colocada para mim por uma
garota de dezessete anos. Ela é reforçada por sua professora. Elas
são ambas brancas.
“Não há um ponto final à vista”, respondo. “Você não pode pular
para a resolução sem ter uma conversa difícil e complicada primeiro.
Ainda estamos na parte difícil.”
Depois da minha palestra, um grupo de adolescentes negros se
aglomeram ao meu redor, conversando de forma animada. “Acho
que as pessoas que querem pular para um ponto final são as que
não são realmente afetadas pelos problemas”, diz uma garota.
Estou impressionada com a sua percepção.
Quando Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos,
todos se apressaram em dizer que agora vivíamos em uma
sociedade pós-racial. Todavia, proclamar o sucesso pós-racial era
uma maneira de enterrar qualquer discussão sobre o racismo –
insistir que havíamos realmente avançado rapidamente e tudo
estava bem agora. Que não havia necessidade de reclamar. “Ponto
final” é o novo “pós-racial”. A narrativa mudou muito sutilmente. O
“pós-racial” só reconheceu o racismo do passado e insistiu que o
presente era uma utopia antirracista. O “ponto final” aceita o racismo
do presente, mas não quer insistir muito nisso, em vez disso, espera
que a utopia pós-racista esteja próxima. Ambos são muito relutantes
em falar sobre o racismo.
Eu não queria decepcionar esses estudantes, mas não havia final
feliz no meu discurso. A relação da Grã-Bretanha com a raça e o
racismo não é uma narrativa perfeita com uma resolução que nos
faz sentir bem. Mudança é incremental e o racismo existirá muito
depois de eu morrer, mas se você está comprometido com o
antirracismo, você está envolvido a longo prazo. Vai ser difícil.
Chegar ao ponto final exigirá que você esteja desconfortável.
No meu post original, de 2014, falei sobre uma lacuna de
comunicação que era tão frustrante que me afastou de conversar
com pessoas brancas sobre raça. Ainda acho que há uma lacuna de
comunicação e não tenho certeza se algum dia vamos superá-la.
Mesmo agora, quando converso sobre racismo, a resposta dos
brancos é desviar o foco de sua cumplicidade para uma conversa
sobre o que significa ser negro e sobre “identidade negra”. Eles
podem torcer o que chamam de “política de identidade” – um termo
agora usado pelos poderosos para descrever a resistência dos
estruturalmente desfavorecidos. Contudo, eles não se envolvem
adequadamente na conversa e, em vez disso, reclamam que as
pessoas não podem se dividir em pequenos grupos, e que somos
todos uma raça, “a raça humana”. Discutir racismo não é o mesmo
que discutir “identidade negra”. Discutir o racismo é discutir a
identidade branca. É sobre a ansiedade que as pessoas brancas
sentem. É sobre perguntar por que a branquitude tem essa
necessidade reflexiva de se definir contra monstros imigrantes a fim
de se sentir confortável, segura e protegida. Por que estou dizendo
uma coisa e as pessoas brancas estão ouvindo algo completamente
diferente?

Várias vezes, pessoas brancas me perguntam, muito


sinceramente, o que eu acho que elas deveriam fazer para ajudar a
acabar com o racismo. O trabalho antirracista – a logística, a
estratégia, a organização – precisa ser liderado por aqueles no
cume da injustiça. Entretanto, também acredito que os brancos que
reconhecem o racismo têm um papel extremamente importante.
Essa parte não pode ser feita enquanto sentem culpa
deliberadamente. O apoio branco é como uma assistência financeira
ou administrativa para os grupos que realizam o trabalho vital, ou na
intervenção de quando você é necessário em situações de
espectador. O apoio é como uma defesa branca das causas
antirracistas em todos os espaços brancos. Pessoas brancas, vocês
precisam falar com outras pessoas brancas sobre raça. Sim, vocês
podem ser taxados como radicais, mas têm muito menos a perder.
Conversem com outras pessoas brancas que confiam em você.
Conversem com pessoas brancas nas áreas de sua vida nas quais
você tem influência. Se vocês se sentirem sobrecarregados por seu
privilégio não merecido, tentem usá-lo para algo e usem-no onde for
necessário. Mas não sejam antirracistas em prol de uma audiência.
Ser branco e antirracista em sua vida privada ou profissional, onde
há muito poucos elogios a serem encontrados, é muito mais difícil,
mas, em última análise, mais significativo. Quando o membro do
parlamento Jeremy Corbyn, foi eleito líder do Partido Trabalhista em
2015, incomodou muitos no establishment* político que sentiam que
sua política era extrema demais. Quando anunciou seu primeiro
gabinete paralelo, os comentaristas políticos de repente se viram
preocupados com o fato de que os principais cargos – Secretário
responsável pelos negócios estrangeiros, Chanceler e Secretário de
Estados – foram para homens brancos. O seu Chanceler é um
homem branco. Seu Secretário responsável pelos negócios
estrangeiros é um homem branco. Seu Secretário de Estados é um
homem branco. Bem-vindos à nova política.”143
Esse súbito interesse pela insuportável branquitude da política
parecia absolutamente falso para mim. Esse foi um exemplo de
como a linguagem da libertação pode ser usada para o jogo político.
Quando esses comentaristas políticos descobriram o antirracismo
apenas para se opor a Jeremy Corbyn, não há interesse real em
perturbar o cenário político esmagadoramente branco. Não houve
interesse em desmembrar os padrões de raça e classe que
marginalizam as pessoas de cor nas profissões políticas. Foi
antirracismo por show.
Na internet, a natureza performativa do antirracismo das mídias
sociais não poderia ter sido mais aparente do que no desenrolar dos
ataques terroristas em Paris. Em meados de novembro de 2015,
homens-bomba detonaram seus coletes explosivos em áreas
densamente povoadas de Paris, enquanto homens armados
entraram em dois restaurantes, um bar e o Bataclan Concert Hall,
ferindo centenas e deixando 130 pessoas mortas.
Os ataques de Paris abriram uma torrente de tristeza nas redes
sociais. O Facebook criou uma declaração específica para que seus
usuários em Paris pudessem se identificar como a salvo do perigo.
O derramamento de pesar levou alguns a questionarem não apenas
o Facebook, mas também seus colegas, por que eles lamentavam
por alguns, mas não por outros. As respostas invariavelmente
levaram a fatores como raça, desenvolvimento e localização – para
quem faz e quem não faz uma “relacionável” vítima do terror. E
então algo muito peculiar aconteceu. Enquanto a cobertura contínua
dos ataques de Paris continuava na mídia tradicional, a história de
sete meses de ataques terroristas na Universidade Garissa, no
Quênia, estava sendo compartilhada por todo o Facebook e Twitter.
Dois dias após aos ataques em Paris, o ataque na Universidade
Garissa tornou-se a matéria mais lida no site de notícias da BBC. A
equipe de tendências da organização de notícias relatou: “Cerca de
três quartos dos acessos à história vieram das mídias sociais, e não
da página principal do site de notícias da BBC.” O relatório sobre o
fenômeno continuou: “Cerca de metade dos acessos à história veio
da América do Norte, com outro quarto do Reino Unido. No total, a
história atraiu mais de 10 milhões de page views em dois dias – ou
cerca de quatro vezes mais do que quando o ataque aconteceu em
abril.”144
Aqui, parecia uma tentativa distorcida de solidariedade para com
o povo queniano, desajeitadamente empenhada em defender a
empatia, a raça e a simpatia após os ataques de Paris. Foi dizendo
à equipe de tendências da BBC que, quando o ataque aconteceu
em abril daquele ano, a recepção das mídias sociais foi totalmente
apagada. Ressuscitar essa história a fim de elucidar a tristeza – ou
para culpar os outros que já estavam sofrendo – e provar um ponto,
não passava de um antirracismo superficial e performativo. Sendo
bem honesta, os quenianos precisavam dessa solidariedade e das
ações das redes sociais em abril. Eles não precisavam disso sete
meses depois, em novembro, como um ato de “prova” auto
afirmativa de que as pessoas no Reino Unido e nos Estados Unidos
se importavam profundamente com os países negros e pardos
afetados pelo terrorismo, à luz da cobertura dos ataques em Paris.
Os eventos no Quênia foram usados cinicamente para que as
pessoas no Reino Unido e nos EUA pudessem provar para si
mesmos e para seus amigos que eram socialmente conscientes.
Que eles eram os mocinhos. Que eles acreditavam que vidas
negras importam.
A solidariedade não é nada além de auto satisfatória, se for
apenas performativa. Um alfinete de segurança* preso na sua lapela
após um referendo da União Europeia ter se tornado um
pronunciamento sobre imigração é simbólico, mas não vai impedir
ninguém de ser deportado. Nós realmente precisamos ser honestos
com nós mesmos e reconhecer nossos próprios preconceitos
inerentes, antes de pensarmos em performar o antirracismo para
uma audiência.
O que é perverso sobre nossa atual estrutura racial é que mudá-la
sempre recai sobre os ombros dos que estão embaixo. No entanto,
o racismo é um problema branco. Revela as ansiedades, hipocrisias
e dois pesos da branquitude. É um problema na psique da
branquitude que as pessoas brancas devem assumir a
responsabilidade de resolver. Existe um limite do que é possível
fazer de fora.
Depois que declarei que não queria mais conversar com as
pessoas brancas sobre raça em 2014, notei um aumento súbito de
pessoas, brancas ou não, que queriam me ouvir falar sobre raça.
Todos queriam saber o que eu tinha a dizer, uma vez que eu dissera
que sempre fora desencorajada. Estabelecer meus limites me deu
uma permissão renovada para falar.
Uma coisa é sempre explícita para mim: escrever sobre as
disputas raciais é uma sede desesperada de discussão daqueles
que são afetados pelos problemas. De certa forma, eu posso
entender esse desespero, essa sensação de sede. E por isso
comecei a escrever. Entrei na editoria política porque queria mudar
esse consenso, ampliar os estreitos limites das ideias políticas que
eram consideradas aceitáveis. No entanto, ao longo dos anos,
percebi a necessidade e a futilidade desse trabalho. A tentativa de
desafiar o racismo considerado aceitável na discussão política é
tacitamente tolerada, mas fazer com que os brancos se sintam
desconfortáveis é inadmissível.
Se você acompanha as notícias e atualidades, descobrirá que
todos os dias há uma nova razão para justificar o fato de não
conversar mais com pessoas brancas sobre raça. Há muita injustiça
e há tantas razões para manter seu desespero sobre isso para si
mesmo. Você pode ver, mas não se atreve a falar, por medo de
sanções sociais. Desde que escrevi um post no blog declarando que
eu não queria mais conversar com as pessoas brancas sobre raça,
percebi que não estou sozinha em meu desespero. Percebi que
existem milhares lutando essa batalha todos os dias. As pessoas
que querem desmantelar o racismo não precisam ser persuadidas
ou bajuladas.
Eu sei que, a princípio, falar sobre raça é desconfortável, porque
muitas pessoas brancas estão com raiva e em negação. E eu sei
que depois que as pessoas brancas começam a entender é ainda
mais desconfortável para elas pensarem em como sua branquitude
as ajudou silenciosamente na vida. Uma vida inteira aprendendo a
ter empatia com as histórias dos brancos significa que eu entendo.
Todavia eu não quero culpa branca, tampouco quero ver pessoas
brancas perdendo um tempo precioso se desculpando em vez de,
ativamente, fazer as coisas. Nenhum movimento útil por mudança
jamais surgiu de fervorosa culpa.
Em vez disso, fique com raiva. Raiva é útil. Use-a para o bem.
Apoie aqueles na luta ao invés de gastar muito tempo com pena de
si mesmo. Ao contrário dos brancos, as pessoas de cor não
costumam me pedir conselhos sobre o que eu acho que deveriam
fazer para combater o racismo. Em vez disso, eles me perguntam se
eu tenho boas estratégias para lidar com isso. Não tenho fórmulas
mágicas, mas sou uma grande defensora de estabelecer limites
quando necessário. Cerque-se de pessoas das quais você pode tirar
forças. Se você precisa parar de conversar com pessoas brancas
sobre raça, não se sinta culpado por isso. Descanse e recarregue-
se para que você esteja pronto para fazer seu trabalho antirracista
de maneira eficaz. Eu não quero que ninguém, de qualquer raça,
quando confrontado com a tarefa insuperável de desafiar o racismo,
desmorone em desânimo. Como uma pessoa que lida com a
depressão há uma longa data, sei o quanto isso pode paralisar,
como a sensação de desesperança funciona para esmagar
totalmente a criatividade, a paixão e a motivação. Contudo, essas
são as três coisas que definitivamente precisaremos se quisermos
acabar com essa injustiça. Nós temos que lutar contra o desânimo.
Temos que nos agarrar à esperança.
Em um mundo onde os atos óbvios e descarados são apenas a
ponta do iceberg do racismo, precisamos descrever a montanha
invisível. Agora, o racismo pode ser encontrado na forma como um
debate é estruturado. Agora, o racismo pode ser encontrado em
linguagem codificada. Atacar estruturas racistas, formas, funções e
códigos sem palavras para descrevê-las pode fazer com que você
sinta como se fosse o único que vê o problema. Precisamos ver o
racismo como estrutural para ver seu poder de degradação.
Precisamos ver como ele se infiltra, como um gás nocivo, em tudo.
Em uma conversa sobre o racismo estrutural, uma amiga levantou
um ponto que era ao mesmo tempo óbvio e dolorosamente elusivo.
Estruturas, ela disse, são feitas de pessoas. Quando falamos de
racismo estrutural, estamos falando da intensificação de
preconceitos pessoais, do pensamento de grupo. É abundante.
Entretanto, em vez de considerar a situação atual uma tragédia
absoluta, devemos aproveitá-la como uma oportunidade para
avançar em direção a uma responsabilidade coletiva por uma
sociedade melhor, levando em conta as hierarquias internas e as
interseções ao longo do caminho.
Não precisa ser assim e a solução começa conosco. O alcance
cultural do racismo é tão difundido que devemos assumir o manto
de mudar nossos locais de trabalho e círculos sociais. Muitas vezes,
nessas conversas, alguém vai falar “para ganhar, precisamos de
união”, mas acho que, se esperarmos pela união, estaremos
esperando para sempre. As pessoas sempre vão discordar sobre as
nuances do progresso. Esperar pela unidade é apenas convidar a
inércia.
Então, uma palavra para aqueles que sentem o peso do racismo,
que sentem profundamente os efeitos de como ele sufoca a
gentileza, a generosidade e o potencial. Como isso está retardando
o mundo em que vivemos. Não podemos escapar dos legados do
passado, mas podemos usá-los para moldar nosso futuro. O
falecido Terry Pratchett escreveu uma vez que “não há justiça.
Apenas nós”. Não consigo pensar em nenhuma outra frase que
melhor resuma a tarefa à frente.
Está sobre os seus ombros e os meus, desmantelar o que uma
vez aceitamos como verdade. É nosso dever. Precisa ser feito com
quaisquer recursos que tenhamos à mão. Precisamos mudar as
narrativas. Precisamos mudar as estruturas. Precisamos reivindicar
a totalidade da história britânica. Precisamos deixar claro que o
negro é britânico, que o pardo é britânico e que não estamos indo
embora. Não podemos esperar um herói chegar e melhorar as
coisas. Em vez de sermos forçados a reagir a pautas tendenciosas,
deveríamos rejeitá-las e estabelecer as nossas próprias. Mais
importante ainda, devemos sobreviver nesta bagunça, e fazer isso
da maneira que pudermos.
Se você está enojado com o que vê, e sente o fogo correndo em
suas veias, então depende de você. Você não precisa ser o líder de
um movimento global ou um nome de peso. Pode ser tão em
pequena escala quanto diminuir as relações de poder distorcidas em
seu local de trabalho. Pode ser transmitindo conhecimento e
habilidades para aqueles que não teriam acesso a eles de outra
forma. Pode ser de forma criativa. Pode ser informal. Pode ser o seu
trabalho. Não importa o que seja, contanto que você esteja fazendo
alguma coisa.

* Uma sixth-form college é uma instituição educacional comum aos


sistemas da Grã-Bretanha. Ela representa os últimos anos do ensino
médio, quando os alunos se preparam para as avaliações finais.
* N.T.: O termo establishment se refere à uma ordem ideológica,
econômica e política que constitui uma sociedade ou um Estado.
* N.T.: Nesse caso a autora se refere a um movimento de resistência que
ganhou força após a vitória de Donald Trump nas eleições
presidenciais nos Estados Unidos. Com medo de sofrerem ataques,
membros de minorias, imigrantes, mulheres e membros da comunidade
LGBT passaram a usar um alfinete de segurança nas roupas, como
forma de protesto. O alfinete já foi objeto de resistência na época do
movimento punk.
POSFÁCIO

Esse livro não é nada sem o clima político que o recebeu.


Os eventos de 2016 causaram um estado de choque para
progressistas em todo o mundo ocidental. Começou com a Grã-
Bretanha votando para deixar a União Europeia – um símbolo de
unidade continental – em junho de 2016, e terminou com a eleição
de um oportunista imprevisível e desqualificado, Donald Trump, em
novembro daquele ano. Entre os círculos progressistas, parecia que
passamos o início de 2017 agonizando a respeito de Trump e do
Brexit. Se não estávamos agonizando, estávamos usando esses
ganhos eleitorais como um motivo para organizar uma razão para se
opor. Como esses ganhos políticos aparentemente inesperados
aconteceram na Grã-Bretanha e na América, eles dominaram a
conversa. Entretanto, eles faziam parte de uma tendência política
que abrangia totalmente a Europa – uma guinada para a extrema
direita. Nós deveríamos ter visto isso chegando.
Quase uma década depois da crise financeira global, durante a
qual a grande maioria das pessoas vivia com insegurança financeira
prolongada, emergiu um velho tipo de política. Valores brutais e
punitivos do homem forte estavam de volta à pauta. O
ressurgimento do grupo fascista, violentamente anti-imigrante,
Golden Dawn, na Grécia, um país atingido duramente pelo crash
financeiro, foi prova disso; em 2015, o Golden Dawn tornou-se o
terceiro maior partido político do país, com tentáculos de longo
alcance no judiciário e na força policial. No final de 2015, o anti-
imigração Partido do Povo Suíço ganhou a maior parcela de votos
nas eleições federais. Na Holanda, o Partido da Liberdade, de
extrema-direita, de Geert Wilders, liderou as pesquisas de opinião
em 2016. No mesmo ano, os nacionalistas brancos do Democratas
Suecos, com raízes no neonazismo, se tornaram o terceiro maior
partido político do país. Na eleição presidencial da França, em 2016,
Marine Le Pen e seu partido de extrema-direita, a Frente Nacional,
foram tão bem-sucedidos que chegaram à fase final de uma corrida
de dois candidatos, perdendo com uma participação de 34% dos
votos. A maré imparável dos ganhos eleitorais da extrema-direita
europeia também ocorreu em Chipre, Dinamarca, Áustria, Lovakia,
Alemanha, Itália, Grécia e Hungria. Seus valores arcaicos e
regressivos foram demonstrados no sucesso do Partido Finlandês
da Finlândia, que conquistou o segundo lugar na eleição de 2015.
De acordo com a BBC, o seu manifesto de 2011 sugeriu que as
jovens brancas finlandesas abandonassem a educação para se
concentrarem em conceber a próxima geração de trabalhadores
finlandeses – evitando, assim, qualquer necessidade de trabalho
imigrante.145 Na pequena revolução nacionalista, o lugar da mulher
é descalça e grávida na cozinha.
Esses políticos agarraram a opinião pública em meio à crise
catastrófica dos migrantes, atingindo seu ápice em 2015. Uma
guerra civil cruel na Síria fez quase cinco milhões e meio de
habitantes do país se registrarem no exterior como refugiados,
segundo a Agência de Refugiados da ONU. Entretanto, em toda a
Europa, os governos eram, em grande parte, ambivalentes às suas
necessidades. Alguns ajudaram. A Alemanha recebeu um milhão de
refugiados em 2015. Outros países foram menos benevolentes. Em
vez de estender um braço em compaixão, em 2016, o governo da
Hungria publicou um livreto sugerindo que, ao permitir que os
migrantes se estabelecessem, eles colocariam em risco a cultura e
as tradições do país.146 Angela Merkel foi duramente criticada por
sua compaixão por parte da extrema direita do partido político
Alternative for Germany e a repreensão deles a ela ajudou-os a
subir nas pesquisas.
Parecia que, em todos os lugares, a opinião pública estava se
voltando para a hostilidade. Os muros se ergueram e a atmosfera
ficou densa. Todos os países estavam cheios e todos os países
tinham que cuidar dos seus. O mundo havia se voltado para dentro.
A política tornou-se punitiva, em vez de empática e generosa.
Refugiados estavam morrendo em botes no Mar Mediterrâneo e a
política populista nos dizia não apenas para desviar o olhar, mas
que, de alguma forma, as pessoas que fugiam da guerra e da
pobreza não precisavam da nossa ajuda. Nós estávamos muito
apertados. E quão desesperados eles realmente poderiam estar se
alguns deles tinham celulares?

O racismo sempre esteve na minha mente, mas reconheço que


esse nem sempre tem sido o caso de outras pessoas de cor na Grã-
Bretanha. Isso mudou depois do voto do Brexit. Os cidadãos
britânicos foram orientados a “ir para casa”, enquanto os visitantes
com vistos foram informados por pessoas maldosas e sarcásticas
de que o tempo que passavam ali terminara. Nigel Farage, do
Partido de Independência do Reino Unido, parecia estar
constantemente na televisão, fingindo ser representante do britânico
comum enquanto tomava cerveja em um pub, ou em frente a
banners em ônibus declarando que a Grã-Bretanha havia atingido o
ponto de ruptura por causa da migração. Nos Estados Unidos, o
crescente movimento Black Lives Matter* se tornou global, com a
nova tecnologia dos smartphones lançando uma rígida luz sobre as
duras injustiças infligidas pela lei às comunidades negras, a imagem
borrada postada nas mídias sociais, acendendo a ira justa uma nova
geração de ativistas. Os Estados Unidos mal foram afetados pela
crise dos refugiados, mas isso não impediu que Donald Trump
descrevesse os mexicanos como a “ameaça negra” que eu discuti
no quarto capítulo, usando sua campanha presidencial para pedir a
construção de um muro para mantê-los fora (a citação infame: “Eles
estão trazendo drogas. Eles estão trazendo crime. Eles são
estupradores. E alguns, eu assumo, são pessoas boas”).147
Enquanto isso, o site de extrema-direita, Breitbart, se instalou no
coração do poder global quando Trump nomeou o presidente
executivo Steve Bannon como seu estrategista chefe logo depois
que foi eleito presidente. Nigel Farage se gabou de encontrar-se
com Trump,148 e Marine Le Pen foi vista na Trump Tower.149 Não só
a força política maligna da extrema direita – considerada derrotada
após a Segunda Guerra Mundial – fez um retorno triunfante, como
parecia estar formando alianças.
A coisa toda foi um show de horror. As mesmas ideologias que eu
havia trabalhado no livro estavam acontecendo na vida real. A teoria
do genocídio branco, inerente à ideologia da extrema direita, estava
de volta. Todos os ganhos eleitorais de extrema-direita foram
combinados com o etnonacionalismo e as acusações de que os
migrantes e refugiados eram ameaças à unidade nacional. No
quarto capítulo, escrevi sobre o medo de um planeta negro e a
misoginia inerente do nacionalismo branco – então a extrema direita
da Finlândia chegou ao poder com os olhos no útero das mulheres
brancas. Escrevi sobre multiculturalismo se tornando uma palavra
suja, de alarmismo e vitimização branca – e de repente essas
estratégias políticas eram todas parte de nossa política, envolvendo
nossa conversa cotidiana. Brexit e Trump foram dois golpes
eleitorais à política progressista que imprensaram dois anos de
desespero.
No sexto capítulo, eu havia analisado como um conselho no
nordeste de Londres havia priorizado as necessidades dos
inquilinos de habitação social como um exemplo de como raça e
classe estavam intrinsecamente ligadas. Apenas duas semanas
após a publicação desse livro, eu e o resto do país assistimos, em
desespero e luto, setenta e um moradores da Torre Grenfell serem
incinerados em suas próprias casas. Sobreviventes do fogo
perderam membros da família e tudo o que possuíam. Foi um
estudo de caso repugnante de algumas das pessoas mais
marginalizadas na Grã-Bretanha: pessoas da classe trabalhadora,
famílias imigrantes, aposentados brancos com deficiência,
estrangeiros, crianças em idade escolar, migrantes recentes,
pessoas que fizeram da Inglaterra sua casa por décadas. Demorou
tanto para determinar o número de mortos que o país identificava as
vítimas pelos cartazes improvisados de pessoas desaparecidas
espalhados pelo oeste de Londres. Abismada pelas notícias de 24
horas, eu me perguntava como o governo local podia ter falhado tão
catastroficamente com essas pessoas. Era estranho ter feito uma
análise de raça, classe e habitação social tão perto da tragédia da
Torre Grenfell, para assistir à despriorização de vidas humanas que
identifiquei no livro se desdobrar na televisão, em um prédio alto e
em chamas. Sinto-me culpada, mesmo agora, por fazer links com
ela, uma tragédia abertamente política, que quero ser cautelosa ao
politizar, para não pisar insensivelmente no sofrimento.

Todos os itens acima: este foi o clima em que o livro entrou no


mundo. Meu pensamento sobre raça havia permanecido consistente
por meia década e foi considerado amplamente radical em 2012.
Entretanto, em 2017, a política do mundo ocidental havia mudado
drasticamente. As pessoas estavam procurando por respostas – um
bálsamo para acalmar, ou um antídoto para revidar.
Meu objetivo inicial com esse livro era simples. Eu queria mudar a
conversa nacional sobre raça. No momento em que o livro foi
publicado, as estrelas se alinharam de tal maneira que as pessoas
estavam prontas para isso. Na virada de 2017, fiquei apreensiva
sobre como seria recebido. Decidi, com o incentivo do meu editor,
manter o mesmo título do post original do blog. Era importante para
mim ser totalmente honesta com os leitores sobre esse ponto inicial
de partida de frustração e desespero. Eu sabia que as coisas
estavam prestes a ficar reais quando vi o rascunho da capa do livro.
Greg Heinimann, assistente de design da Bloomsbury, ao ler o post
do blog, traduziu as palavras para uma imagem que não poderia ser
mais adequada. Quando publiquei a capa nas mídias sociais, cerca
de um ano antes da publicação, os compartilhamentos estavam fora
de controle e a expectativa era palpável. Grande parte dessa
resposta foi graças a esse pecado fundamental – julgar um livro pela
capa. No mínimo, diz “isso não foi escrito por uma pessoa branca”.
No máximo, diz ao público branco “isso não é para você”. E, como
um trapo vermelho para um touro, a atenção veio em massa.
Encantou alguns e enfureceu os outros. Entre os elogios estavam os
primeiros sinais de ira dos brancos; alguns me davam aulas sobre
segregação, ou me disseram que Martin Luther King Junior nunca
aprovaria meu trabalho. Outros me alertaram pelo meu preconceito.
Respostas apaixonadas à forma desse livro nunca diminuíram.
Ouvi histórias de livreiros que tiveram o livro em exibição na vitrine e
histórias de leitores que leram meu livro em seu trajeto diário. Em
todos os casos, uma pessoa branca tentou iniciar uma discussão
com eles sobre o que eles estavam lendo ou vendendo. Esse foi o
cenário que uma livreira do leste de Londres me transmitiu depois
que visitei sua loja para assinar alguns livros. Um idoso branco
entrou na loja, viu o livro na vitrine e, tremendo de raiva, começou a
fazer uma cena no balcão, irritado porque “não seria permitido o
contrário”. “Ele estava com tanta raiva, que não consegui falar com
ele”, ela me disse. Então havia o jovem negro que, ao ler o livro em
público, teve que suportar o desagrado de uma mulher branca se
aproximando dele para que ele soubesse que o livro que ele estava
lendo “realmente não ajudava na conversa”. As pessoas brancas da
classe média podem ser particularmente calculadas com o
desconforto delas. Tive muitas pessoas trabalhando em torno do
livro – vendedores de livros, fotógrafos, produtores – me dizendo,
com sinceridade, que meu trabalho é provocativo. “É muito
controverso, não é?”, perguntam repetidas vezes, no espaço de
trinta minutos de conversa. ‘É?’ responderei. “Você leu?”. “Não”,
eles inevitavelmente dizem.
Além da reação do público à capa, fiquei ansiosa para ver se o
conteúdo do livro teria um impacto sobre a discussão britânica sobre
raça. Sempre é assustador apresentar suas ideias para o público,
prontas para serem escolhidas. No entanto, as reações iniciais
foram positivas. Um dia antes do livro ser publicado, um texto de
quatro mil palavras foi impresso no The Guardian. Minha caixa de
entrada se encheu de reações de leitores, do sincero e reflexivo ao
totalmente confuso. Uma pessoa recomendou que eu praticasse
yoga, assegurando-me que uma vez que eu aprendesse a levitar, o
racismo pode não me incomodaria mais. Contudo, além do absurdo
havia uma tendência. Observei pessoas brancas refletindo sobre a
dinâmica de suas próprias vidas e começando a considerar como a
raça a moldara. Observei o livro desalojar uma válvula de pressão
para os leitores de cor, que me disseram que o livro lhes dera a
confiança de desistir de um amigo agressivo ou ter uma conversa
difícil com um chefe.
O primeiro evento do livro aconteceu no centro de Southbank, em
Londres, três meses antes da publicação – uma conversa entre eu e
a jornalista Hannah Pool. Minha garganta se contraiu em ansiedade
enquanto observava a fila para entrar no local descer a escada meia
hora antes de começar. Meus amigos na plateia me disseram depois
que a atmosfera era “elétrica”. Depois de 45 minutos discutindo
minhas frustrações em relação a pessoas brancas centrando seus
sentimentos, abrimos para perguntas. Uma mulher branca levantou
a mão, começou a falar e logo começou a chorar. Eu tinha previsto
isso, tinha ouvido sua voz começar a tremer. Ela se sentiu péssima
por tudo isso, ela disse. Ela considerou a automutilação. Ela não
sabia o que fazer. Rangendo meus dentes, eu a cortei no meio do
monólogo e confiantemente afirmei que mergulhar em desespero
não nos levaria a lugar nenhum. Enquanto eu sentia sobre mim a
pressão de controlar a atmosfera do lugar, percebi que estava
prestes a me tornar responsável pelos sentimentos de muitas
pessoas’.”
Grande parte da turnê desse livro envolveu mexer com os
sentimentos de outras pessoas. Nos eventos do livro houve lágrimas
de felicidade, lágrimas de culpa, risos e raiva. Havia uma tendência
de a frustração da audiência ser direcionada a qualquer casa de
eventos que estivesse me recebendo – raiva legítima pelo fato de
que esta é uma das poucas vezes que essas instituições se
engajaram de forma adequada com o assunto. Haviam crianças e
adolescentes inspiradores na plateia, genuinamente me dando
esperança para o futuro. Houve trolls na vida real na forma de um
homem que compareceu a um evento sozinho, ignorou tudo o que
eu disse e começou a me seguir após o fim dos autógrafos, não
permitindo que eu sentasse calmamente ou comesse paz, lançando
pergunta após pergunta até que meu publicitário disse a ele para ir
embora.
Esse livro chegou em um momento em que muitas pessoas
estavam desesperadas com o rumo político do mundo. Quando
aproveito para reler sobre isso, não posso deixar de me debruçar
sobre o capítulo sobre feminismo. Nele, lembrei-me de um post no
início de 2014 no qual lamentava a falta de qualquer discussão
sobre raça que não estivesse mergulhada na neutralidade racial.
“Pense na última vez em que você ouviu uma discussão abrangente
sobre a natureza do racismo estrutural na grande mídia”, escrevi.
“Essas questões simplesmente não recebem o mesmo tempo que o
feminismo tem na imprensa do Reino Unido.” Minha avaliação não
foi errada. Cobertura no mainstream era pouca e distante entre si. A
Grã-Bretanha é um país que tem um histórico muito pobre de
investir em jornalistas antirracistas e é um país onde os acadêmicos
negros são contados nas dezenas e não nos milhares. Posso contar
com uma mão livros de uma tradição semelhante que foram
publicados na Grã-Bretanha nas últimas três décadas por editoras
com o orçamento para aumentar suas chances de sucesso. Nós
dependíamos fortemente da narrativa americana como uma
ferramenta para nos encontrarmos.
Não consigo acreditar em quanto isso mudou desde então. Houve
um renascimento do pensamento crítico e da cultura negra. Se veio
de empresas com grandes orçamentos ou indivíduos criativos
usando mídias sociais, parece que a perspectiva antirracista crítica
está no topo de uma onda, mantida à tona por uma onda de apoio.
A revista de moda British Vogue – uma instituição em si – nomeou
seu primeiro editor negro. Uma entrevista concedida por Alexandra
Shulman, até então editora da revista, envolveu uma pergunta sobre
por que, sob sua liderança, a revista tinha um problema de
diversidade. Ela respondeu com uma insistência de que era “contra
as cotas” e que sua Vogue simplesmente incluía as pessoas que ela
achava “interessantes”150 – que por acaso eram esmagadoramente
brancas. Ela não tem um fio de cabelo racista em seu corpo, disse,
além de seu neto ter um parente que era um líder dos Direitos Civis,
então a sugestão foi profundamente ofensiva para ela. Na recepção
do público e seus colegas de moda, seus comentários foram
amplamente criticados, com o site de moda Racked chamando a
entrevista de “estudo de caso em privilégio branco”.151 Tenho
certeza de que essa resposta crítica não teria acontecido nem há
cinco anos. Houve o sucesso de Corra!, um filme de terror
americano detalhando as sutilezas do racismo branco, liberal e
fetichista, e havia Lubaina Himid, a primeira mulher negra a ganhar
o Prêmio Turner com obras de arte sobre a escravidão e o legado
do colonialismo. A Tate Modern fez uma exposição ininterrupta de
sucesso sobre arte na era do black power. Quando tanto a primeira-
ministra Theresa May quanto o líder da oposição, Jeremy Corbyn,
gastaram um pouco de seu 2017 falando sobre o comprometimento
em acabar com a desigualdade racial, entendi que o antirracismo
não estava mais à margem – que a opinião pública o estava
transformando em prioridade política. Meu livrinho entrou em listas
de prêmios de prestígio e ganhou um lugar nas listas de “melhores
livros de 2017”. Jo Swinson, membro do parlamento e vice-líder dos
liberais-democratas, postou sobre isso nas redes sociais, indicando-
o de “leitura brilhante”.152 Essa dinâmica da conversa parece nova
para mim. Tenho orgulho de ter contribuído para um sentido
renovado de urgência. Espero que o sucesso desse livro signifique
me tornar parte de uma multidão britânica contemporânea, em vez
de uma voz independente.
Nada disso significa que o racismo evidente ou estrutural acabou.
Donald Trump ainda é o presidente dos Estados Unidos e grupos
nacionalistas brancos de extrema direita em todo o mundo são
encorajados por seu sucesso.153 Eles acham que todo mundo vai
ceder à política do ódio; que eles conseguirão tirar o mundo do resto
de nós. Em termos eleitorais, tem havido pouco recuo dos ganhos
de extrema-direita de 2016. No entanto, acredito que existe uma
diferença entre a ignorância e a malícia – mesmo que a primeira
possa parecer muito (e se transformar) com a segunda. Quando se
trata do meio termo, acho que o lado do progresso antirracista está
ganhando. Me encho de esperança e de uma espécie de vitalidade
política quando ouço as conversas que vêm à tona durante meus
eventos. Toda vez que os faço, vejo o público como um centro de
conhecimento e potencial. Vejo mudança. Vejo talento. Está lá na
multidão, zumbindo na atmosfera. Também aprendo muito com as
pessoas de cor que aparecem, que são especialistas em seus
respectivos campos e assumiram o papel adicional de “antirracista
do lugar” no trabalho. Às vezes, nessas perguntas e respostas, acho
que há pessoas na plateia que são muito mais qualificadas do que
eu para responder a perguntas específicas. Esse é o poder do
coletivo. Chegamos a um ponto de inflexão e fico feliz que meu livro
tenha servido como catalisador. Meu sonho é que as pessoas que
compareçam aos meus eventos aproveitem a oportunidade para se
conhecerem, trocarem informações e formarem suas resistências
locais.
Eu me considero parte de um movimento e acho que se você está
profundamente tocado pelo que leu neste livro, então você também
faz parte desse movimento. Está acontecendo agora mesmo.

* N.T.: O Black Lives Matter, ou “Vidas Negras Importam”, é um


movimento ativista internacional contra a brutalidade policial e as
condições de vida infligidas aos negros nos Estados Unidos. O
movimento ganhou força entre 2014 e 2015 e se transformou em uma
organização que luta pelos direitos dos negros.
BIBLIOGRAFIA

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WALLACE, Michele. Black Macho and the Myth of the Superwoman.
Nova York: Dial Press, 1979.
AGRADECIMENTOS

Obrigado ao Rupert por me dar uma chance, a Alexa von


Hirschberg e Angelique Tran Van Sang por me tornarem uma
escritora melhor. Para todos na Bloomsbury que acreditaram nesse
livro, espero ter deixado vocês orgulhosos.
Para Jessica e Jenny, que revelaram suas almas para mim para
os propósitos desse livro, não posso agradecer o suficiente por
serem tão honestas comigo.
Obrigado ao John Fernandes e outros que foram
indispensavelmente úteis com minha pesquisa.
Obrigado àqueles que me apontaram na direção certa para a
pesquisa ao longo do caminho: Kirsty, Aisling e Yasmin.
CC, seu apoio fez isso acontecer. Você é meu apoio.
NOTAS

1 The Brooks Slave-ship Drawing, Contributed by Bristol Museum, A


History of the World in 100 Objects, BBC & The British Museum.
Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/ahistoryoftheworld/objects/Akxq5WxwQOKAF5S
1ALmKnw>. Acesso em: 17 jul. 2019.
2 Ports of the Transatlantic Slave Trade, papel de conferência dado a
Anthony Tibbles no TextPorts Conference, Liverpool Hope University
College, abr. 2000.
3 Britain’s Forgotten Slave Owners, episódios 1 e 2, David Olusoga e
University College London, primeira trasmissão na BBC2, jul. 2015.
4 Remember the World as Well as the War: Why the Global Reach and
Enduring Legacy of the First World War Still Matter Today’. British
Council, p. 12, 2013.
5 Why the Indian Soldiers of WW1 Were Forgotten’, Shashi Tharoor. BBC
News Magazine, 2 jul 2015. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/magazine-33317368>. Acesso em: 17 jul.
2019.
6 HOWE, Glenford D. A White Man’s War? World War One and the West
Indies. BBC History, 3 out. 2011. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/wwone/west_indies_01.shtml>.
Acesso em: 17 jul. 2019.
7 Riots on the Streets of Cardiff as Poverty Hits, Wales Online, 7 jul.
2009. Disponível em: <https://www.walesonline.co.uk/news/local-
news/riots-streets-cardiff-poverty-hits-2092740>. Acesso em: 17 jul.
2019.
8 The Roots of Racism in City of Many Cultures. Liverpool Echo, 3 ago.
2005. Disponível em: <https://www.liverpoolecho.co.uk/news/liverpool-
news/roots-racism-city-many-cultures-3528503>. Acesso em: 17 jul.
2019.
9 National Archives, Spotlights on History, ‘Demobilisation in Britain,
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<https://www.gov.uk/government/statistics/an-overview-of-sexual-
offending-in-england-and-wales>. Acesso em: 23 jul. 2019.
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show-bethann-hardison-video>. Acesso em: 23 jul. 2019.
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Class? British Social Attitudes 33, Social Class, NatCen Social
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33/social-class.aspx>. Acesso em: 26 jul. 2019.
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/ethnicity/articles/ethnicityandthelabourmarket2011censusenglandandw
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136 Liz Kendall “Will Back White Working- Class Young”. The Guardian, 29
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back-white-working-class-young>. Acesso em: 26 jul. 2019.
137 “BBC Plan to Promote Ethnic Minorities is Racist”, says MP. Telegraph,
15 jul. 2014. Disponível em:
<https://www.telegraph.co.uk/culture/tvandradio/bbc/10969622/BBC-
plan-to-promote-ethnic-minorities-is-racist-says-MP.html>. Acesso em:
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138 Right to Buy Sales: January to March 2016, England. Department for
Communities and Local Government, Housing Statistical Release, 30
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january-to-march-2017>. Acesso em: 26 jul. 2019.
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About Attitudes to Immigration in the UK. Perceptions and Reality, jan.
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<https://www.ipsos.com/sites/default/files/migrations/en-
uk/files/Assets/Docs/Publications/sri-perceptions-and-reality-
immigration-report-summary-2013.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2019.
140 Sharper Elbows: The Well-Off are Grabbing an Ever-larger Share of
Spending. The Economist, 14 nov. 2015. Disponível em:
<https://www.economist.com/britain/2015/11/12/sharper-elbows>.
Acesso em: 26 jul. 2019.
141 Black Workers With Degrees Earn a Quarter Less Than White
Counterparts, Finds TUC. The Tuc, 1 fev. 2016. Disponível em:
<https://www.tuc.org.uk/news/black-workers-degrees-earn-quarter-less-
white-counterparts-finds-tuc>. Acesso em: 26 jul. 2019.
142 Private Eye, 22 jan. 2016. Disponível em: <https://www.private-
eye.co.uk/>. Acesso em: 26 jul. 2019.
143 No Women in Top Jobs? Welcome to the Hypocrisy of the Jeremy
Corbyn Era. Daily Telegraph, 14 set. 2015. Disponível em:
<https://www.telegraph.co.uk/news/politics/Jeremy_Corbyn/11864292/
Welcome-to-the-hypocrisy-of-the-Corbyn-era.html>. Acesso em: 29 jul.
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144 Millions Are Sharing Attack Stories That Aren’t About Paris. BBC
Trending, 16 nov. 2015. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/blogs-trending-34833134>. Acesso em: 29
jul. 2019.
145 SUNDBERG, Jan. Who are the nationalist Finns Party? BBC UK, 11
maio 2015. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-
32627013>. Acesso em: 29 jul. 2019.
146 Expel Hungary from EU for Hostility to Refugees, Says Luxembourg,
Matthew Weaver and Patrick Kingsley. The Guardian, 13 set. 2016.
Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2016/sep/13/expel-
hungary-from-eu-for-hostility-to-refugees-says-luxembourg>. Acesso
em: 29 jul. 2019.
147 REILLY, Katie. Here Are All the Times Donald Trump Insulted Mexico.
Time. 31 ago. 2016. Disponível em: <http://time.com/4473972/donald-
trump-mexico-meeting-insult/>. Acesso em: 29 jul. 2019.
148 DEARDEN, Lizzie. Farage Says UK Can “Do Business” With Trump
After Becoming First British Politician to Meet President-elect.
Independent, 12 nov. 2016. Disponível em:
<http://www.independent.co.uk/news/world/americas/us-
elections/donald-trump-president-us-election-win-nigel-farage-visits-
trump-tower-first-british-politician-new-a7413961.html>. Acesso em: 29
jul. 2019.
149 LAWLER, David; SHERLOCK, Ruth. Marine Le Pen visits Trump Tower
in New York. Telegraph, 12 jan. 2017. Disponível em:
<http://www.telegraph.co.uk/news/2017/01/12/marine-le-pen-visits-
trump-tower-new-york/>. Acesso em: 29 jul. 2019.
150 AITKENHEAD, Decca. Former Vogue Editor Alexandra Shulman: “I
Find the Idea that there was a Posh Cabal Offensive”. The Guardian, 10
nov. 2017. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/media/2017/nov/10/former-vogue-editor-
alexandra-shulman-find-idea-that-there-was-a-posh-cabal-offensive>.
Acesso em: 29 jul. 2019.
151 NITTLE, Nadra. Alexandra Shulman’s Guardian Interview Is a Case
Study on White Privilege. RACKED, 12 nov. 2017. Disponível em:
<https://www.racked.com/2017/11/12/16641058/alexandra-shulman-
guardian-interview-british-vogue-racism>. Acesso em: 29 jul. 2019.
152 INSTAGRAM. Jo Swinson. 4 nov. 2017. Disponível em:
<https://www.instagram.com/p/BbExUv3nwqi/?taken-by=jo_swinson>.
Acesso em: 29 jul. 2019.
153 BILEFSKY, Dan; CASTLE, Stephen. British Far-Right Group Exults
Over Attention From Trump. New York Times, 29 nov. 2017. Disponível
em: <https://www.nytimes.com/2017/11/29/world/europe/britain-first-
trump.html>. Acesso em: 29 jul. 2019.
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Dicionário de Hermenêutica
Streck, Lenio Luiz
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Gestar, parir, amar
Leite, Tayná
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Este livro verbaliza que a maternidade, tão desejada, celebrada e na


qual Tayná mergulhou de forma tão intensa, é no fundo o principal
grilhão que aprisiona as mulheres. É o resultado de anos de
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amor materno, é o elemento que sustenta toda desigualdade de
gênero que se tenta combater, seja nas ruas ou no mercado de
trabalho. Tayná acredita que, enquanto as mulheres não
desmistificarem a ideia desse amor instintivo e o processo de culpa
alimentado por ele, nunca serão verdadeiramente livres. Essa
desconstrução, porém, não pode ser feita de forma irresponsável e
às custas da saúde de mulheres, bebês e crianças em um processo
de não responsabilidade pelas nossas ações e escolhas e, muito
menos, sem trazer os demais responsáveis para a discussão.

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Racismo Linguístico
Nascimento, Gabriel
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"Escrito de forma acessível e didática, este livro será de imenso


interesse não apenas para estudiosos da linguagem, mas todos os
que querem entender melhor a complexidade da desigualdade racial
no Brasil. Com sua análise original da relação entre língua e
racismo, Gabriel Nascimento aborda um tema quase totalmente
ausente da linguística brasileira, se posicionando de forma lúcida e
engajada nos debates de intelectuais negros, muitas vezes
esquecidos, e mostrando suas contribuições para uma visão mais
inclusiva da linguagem dentro da sociedade brasileira. De fato, a
grande novidade da obra de Nascimento é de mostrar tanto as
ausências da linguística tradicional quanto as pistas para uma
renovação dessa área, dando continuidade ao projeto anticolonial
de autores clássicos como Franz Fanon e à crítica decolonial
contemporânea, que está transformando debates acadêmicos e
políticos ao redor do mundo. Assim, este livro se insere numa virada
importante na ciência e sociedade brasileira, que somente agora
está começando a encarar a força estruturante de categorias
raciais." Joel Windle (Monash University, Austrália/Universidade
Federal Fluminense).

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Novo poder
Youssef, Alê
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Este livro pode ser usado como um manual para quem quer também
se aventurar a pensar, com responsabilidade, a complexidade –
incluindo cada vez maiores ambiguidades – do nosso mundo atual.
Não é mais possível fundamentar ativismos em certezas
emancipatórias do passado. É preciso admitir: ninguém entende o
que está acontecendo, ninguém tem nenhuma proposta salvadora,
capaz de gerar consenso absoluto, mesmo dentro de bolhas. E
todos os passos e discursos são perigosos, todos escondem
múltiplas armadilhas. É preciso encarar de frente aquilo que é difícil.
Que fazer? E fazer com quais ferramentas? Alê resume bem o
impasse central de qualquer iniciativa democrática hoje: As
hashtags mobilizadoras, as guerras virtuais, os memes e toda forma
de ativismo atual, majoritariamente ocupam a timeline de grandes
plataformas, geridas por interesses de grandes empresas. Para os
ativistas, parece não existir outra maneira de mobilização on-line
que não seja travar as disputas nesses grandes condomínios
privados, que reúnem grande parte da população.

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Sucesso e sorte
Frank, Robert H.
9788595300255
190 páginas

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Quão importante é a sorte no sucesso econômico? Nenhuma


pergunta divide conservadores e liberais com tanta confiança. Como
os conservadores corretamente observam, pessoas que acumulam
grandes fortunas são quase sempre talentosas e esforçadas, mas
os liberais também estão corretos ao apontar que muitas outras
possuem essas mesmas qualidades e nunca ganharam muito.
Recentemente, cientistas sociais descobriram que a sorte possui um
papel muito maior em desfechos importantes na vida do que as
pessoas imaginam. Em Sucesso e sorte, um dos autores mais
vendidos e colunista de economia do New York Times, Robert
Frank, explora as surpreendentes implicações destas descobertas
para mostrar porquê os ricos subestimam a importância da sorte no
sucesso – e como isso prejudica a todos, até mesmo os ricos. Frank
descreve como, em um mundo cada vez mais dominado pelo
mercado do tudo-ou-nada, oportunidades de sorte e vantagens
triviais iniciais frequentemente refletem em vantagens muito maiores
– e enormes diferenças de renda – com o tempo, como falsas
crenças sobre a sorte persistem, apesar de fortes evidências contra
elas; e como mitos sobre sucesso pessoal e sorte moldam escolhas
pessoais e políticas de forma prejudicial. No entanto, Frank
argumenta, que poderíamos diminuir a inequidade gerada pela sorte
adotando políticas simples e não invasivas que liberariam trilhões de
dólares a cada ano – mais do que o suficiente para reparar nossa
infraestrutura desmoronada, expandir a cobertura de assistência de
saúde, combater o aquecimento global e reduzir a pobreza, tudo
isso sem demandar sacrifícios dolorosos de ninguém. Se isso soa
implausível, você se surpreenderia em descobrir que a solução
necessita de apenas alguns passos nada controversos. Uma leitura
convincente, Sucesso e sorte mostra como um entendimento mais
preciso do papel da sorte na vida pode nos levar a uma economia e
sociedade melhores, mais ricas e mais justas.

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