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A Fenomenologia em Merleau-Ponty e a Neurofenomenologia de Francisco Varela para o

Dar-se conta da consciência.

Este pequeno texto, a título de introdução, carrega a intenção sincera de contribuir com a visão de

‘Corpo e Consciência para a Fenomenologia’ solicitada pelo professor Alejandro que juntamente com a

professora Laura, coordenam esta mesa redonda dos estudantes de psicologia do Uniceub cujo tema é

“Consciência”. E desde já, meu agradecimento pela oportunidade.

Introdução

Momento pontual da enformação de um corpo-campo morfológico em sua apresentação fenomenal.

O encontro com nossa corporeidade, com o corpo como o sinto, e não apenas como o vejo com meus

olhos físicos, surpreende, pois o corpo que comparece sob meu olhar pode se apresentar como um corpo

surreal, com uma anatomia superposta, deslocada, descontínua.

Para a Fenomenologia o adoecimento sempre se inscreve em distúrbios espaço-temporais, por isso,

tanto o tempo como o espaço-corpo, apresentam essas alterações.

Nesse método, o encontro com a enformação do corpo sensível-senciente

é uma linguagem. Os sentidos e as faculdades são dotados de razão e, em geral, expressam em sua

linguagem sintética, um dito do Ser essencial na tentativa de comunicar-se com a mente

consciente.

Aprender a escutar a sensação do corpo-que revela, pela linguagem dos sentidos, o coração
da relação ser-no-mundo - faz da corporeidade o fator central da Fenomenologia.. A sensação,

segundo Merleau-Ponty (1999), é uma estrutura de consciência.

A apercepção se dá, se a buscarmos intencionalmente e nos aproximarmos dela com certos modais de

presença e atenção.

Se algo não toca nossa corporeidade, nossa vida perde a espessura. Informação não gera conhecimento..

Conhecimento, que é informação vivida, para transfomar-se em saber-exige apercepção. Apercepção

significa: eu percebo que percebo o que percebo. E a Fenomenologia como método científico, exige esse

modo qualificado de presença, e nos ensina o como, o modal, para essa qualidade de presença.

Aprender a aprender esse modo de ser no mundo, enraizado nos dados da situação, sem sobrevoá-lo

com nossos conceitos e juízos prévios, permite a qualidade “presente vivo” que se mostra e aparece. Nesse

modal de presença temos conhecimento direto. O óbvio que quer dizer - o que não necessita via de acesso - já é

presente. Preciso aperceber-me do que já é obvio.

Consciência, então, é sempre consciência de algo. Algo suscita minha atenção e, dependendo do modo

como me debruço sobre esse algo, um revelar, um desvelar autóctone – isto é, que nasce da própria terra – sem

estrangeirismos - se mostra e aparece. Essa relação circular é dependente, para seu desvelar-se, de um interesse

em aberto, de um silêncio e de uma curiosidade que interroga o fenômeno do lugar do acompanhamento e

não do lugar do sujeito do suposto saber.

Mas, frequentemente, em situações de terapia onde deveria ter uma pessoa para

acompanhar outra, não há ninguém; apenas um profissional com olhar lógico, ocupado em

inteligir e colocar tudo em suas respectivas gavetas conforme aprendeu a conhecer. Ele

está cheio de projetos de ajuda... Porém, ao encontrar uma pessoa, não podemos ter

projetos sobre ela, pois isso a faz ficar com medo e comprometida com nossos projetos.

Assim, a manifestação autóctone da revelação fica, desde já, comprometida pelas nossas

expectativas.
Jung, que compreendeu a importância desse método, se referia a esse olhar, a essa presença

fenomenológica dizendo: - quando você estiver frente ao paciente coloque tudo o que sabe na gaveta, pois o

encontro, é o encontro do Vivente com o Vivente.

Podemos então dizer que o corpo em sua unidade inter-sensorial, é a casa dos sentidos - tanto externos

como internos, e “a sensação é um sentido especial, uma vez que permeia todos os outros” Abbagnano (1970).

Segundo Merleau-Ponty (l999) - o mundo é carne, e a carne maciça não subsiste sem a carne sutil. Elas

se sustentam mutuamente enquanto viventes. A sensação, sentido extraordinário, se enforma, isto é, toma

forma na carne e traduz a significação vital de cada momento. E mais ainda, o sensível em sua camada

originária, manifesta a ante-predicação do mundo sem que precisemos anteriormente acessar qualquer

pensamento ou conceito. Nas palavras de Merleau-Ponty (1999),

“o sensível em sua unidade, revela a significação vital e ante-predicativa do mundo antes

mesmo de qualquer pensamento ou conceito”. (negrito meu).

Diz ainda: “ O que geralmente chamamos de sentir está baseado em nossos pré-juizos.” Fenomenologia

da Percepção (1999). Aperceber-se então, desse sentir originário, precisa do movimento intencional da

redução fenomenológica, isto é, colocar o que supomos já saber, na gaveta.

Há trinta anos trabalho com o corpo. Com RPG e Osteopatia Articular, que são práticas que contemplam

a complexidade e a globalidade. Mas a carne sutil, do meu corpo-próprio-fenomenal, acessei pela primeira vez,

sem querer, justo naquele momento de desligamento anterior ao sono. Desde então, turbada e perplexa com o

que percebi, debrucei-me intencionalmente sobre o corpo como o sinto, e acabei levando essa experiência para

o Mestrado em Psicologia, em uma dissertação que intitulei “A linguagem Silenciosa dos Sentidos”. Na

fenomenologia de Merleau-Ponty, encontrei o rigor dos modais exigidos pelo método fenomenológico,

exatamente do modo como tinha me observado, ao buscar aperceber-me daquele corpo diferente, depois da

primeira experiência. Esse acontecimento me surpreendeu, pois eu jamais tinha lido sobre fenomenologia como

método científico. Conhecimento direto, imediato, ou conhecimentos silenciosos podem emergir em

determinadas situações... O mundo é misterioso e inabarcável, mas na presença qualificada nos modais da

Fenomenologia, a carne do mundo se revela. Desse lugar, meu corpo é um campo de presença. Não canso de

me surpreender com o que encontro em mim e nos relatos dos pacientes. As respostas são sempre

surpreendentes para ambos e se inscrevem no aumento de vitalidade, na melhora do tônus postural, do tônus
emocional, e claro, no modo como me relaciono com a carne do mundo. Por isso, parece que, a cada vez, mais

compreendo essa frase de Merleau-Ponty que diz:

“Ora, essa carne que se vê e se toca não é toda a carne, nem essa corporeidade

maciça todo o corpo. A reversibilidade que define a carne existe em outros campos,

é mesmo incomparavelmente mais ágil, e capaz de estabelecer entre os corpos

relações que desta vez, além de alargarem, irão definitivamente ultrapassar o

campo do visível.” Merleau-Ponty(1992) p.140 Fenomenologia da Percepção.

Para fenomenologia de Merleau-Ponty o que se move é o corpo fenomenal, e isto é muito fácil de

constatar. Quando o corpo anímico ou sutil, pela morte, se desliga do corpo físico, o corpo físico não mais se

move e nada mais sente.

Recentemente contatei as pesquisas de Francisco Varela. Este respeitado neurobiólogo, infelizmente, já

nos deixou. Mas vocês o encontrarão em trabalhos acadêmicos, livros, e no Youtube. Um neurofenomenólogo

como ele mesmo se intitula. Seu trabalho e o trabalho de Merleau Ponty se encontram plenamente. Em seus

estudos iniciais junto com Maturana sobre autopoiesis - que é a capacidade da matéria viva de se auto-produzir,

e, sobre sua base reversível, buscar seu vetor para auto-ordenação, encontrei uma linguagem ainda mais clara,

para os resultados que se obtém e que são sempre surpreendentes: - o fenômeno, quando acompanhado de

modo concordante, se reverte para uma harmonização. Acompanhar já quer dizer – ir junto, na mesma direção.

A memorável frase de Lao Tsé: “No perfeito não fazer, o mundo se endireita”, é perfeitamente constatável,

quando se acompanha o fenômeno desse modo.

Então... Experimentem.

O conhecimento, a cognição, a consciência, têm a porta de entrada na experiência, e a de saída também.

Nossos corpos fenomenais são depositários de nosso vivido, de nossas experiências. E o conhecimento é como

o mundo, já estava aí antes de nós. Só precisamos acessá-lo e, para fenomenologia de Merleau-Ponty, e também

para Francisco Varela a enformação do corpo é o quê permite a apercepção. Isto por si só, como diz Merleau-

Ponty, já deveria ter mudado as bases de algumas escolas psicológicas e a prática da fisioterapia. E para

Varela, isso deveria ter mudado o nosso modo mesmo, de construir ciência. Segundo Varela em suas pesquisas

sobre percepção das cores, o corpo se enforma antes mesmo, que elas, (as cores), sejam apresentadas.

Segundo Varela, essa é uma das descobertas científicas mais importantes do século XX. Merleau-Ponty, em
seu livro Fenomenologia da Percepção já havia chegado ao mesmo resultado. E ainda mais. A cor enforma,

modela o meu campo-corpo do mesmo modo que enforma outros corpos. Isto mostra que temos universais

sensoriais - que temos um sensório comum.

Esse modo de ser no mundo, no entanto, precisa que superemos muitos dos modos estabelecidos para

ultrapassar nossa herança civilizatória, que privilegiou de modo exagerado o pensar sobre o sentir, e nos

deixou o legado da dualidade e da fragmentação chamando um - de dois. Eu-outro, matéria-espirito, subjetivo-

objetivo e toda a lista dual que conhecemos. Para Merleau-Ponty o espírito está presente quando o sujeito da

percepção está presente.

Se tivéssemos que consultar a biblioteca mental, onde guardamos nossas informações adquiridas e

classificadas, numa situação não habitual, já estaríamos mortos. O homem de Neanderthal não levava mais

que um mili-segundo para decodificar se um grunhido era amigável ou hostil.

Merleau-Ponty e Francisco Varela nos falam então, de uma consciência, de um saber pré-reflexivo

encarnado na experiência que, por um excesso ou uma falta, abrem caminho nos tecidos pelo direito e avesso,

por dentro e por fora, não como dois, mas como um tecido onde... regidos pelo silêncio, pelo indizível, pelo

impensável, pelo invisível, se, nos debruçarmos sobre o fenômeno em corpo presente, em um não-fazer-ativo,

poderão, talvez, manifestar-se como sonoro, como dizível, como visível, como pensável. Aprender a aprender

esse olhar, é nosso desafio. E isso definirá em grande escala qual será o nosso futuro.

Obrigada a todos pela sua atenção.

Elenco abaixo mais algumas imagens de momentos pontuais da enformação de corpos fenomenais ou sutis.
Bibliografia.

ABBAGNANO, N. (1970). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou.


JUNG, C. G. (1995). Memórias Sonhos Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
JUNG, C. G. (1986). A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes.
HEIDEGGER, M. (2002). Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes.
PONTY, M. (2000). O Visível e o Invisível. São Paulo: Editora Perspectiva.
PONTY, M. (1999). Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes.
RODRIGUES, J. C. (1999). O Corpo na História. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
SHAH, O. A. (1990).Conferência: Ouvir o Corpo e Falar ao Ser. Brasil. Tradução feita pela equipe T.H.T. -
Terapeutas Holísticos Tradicionais.
TSÉ, L. (2002). Tao te King. São Paulo: Pensamento.
VARELA, Francisco. You Tube -http://www.youtube.com/watch?v=3-VydyPdhhg
VARELA Francisco. You Tube- http://www.youtube.com/watch?v=7-UEzjFT4eA
VARGAS, Maria Angelina. (2005) A Linguagem Silenciosa dos Sentidos. Dissertação de Mestrado em
Psicologia - Universidade Católica de Brasília.

https://bdtd.ucb.br:8443/jspui/bitstream/123456789/1873/1/Texto%20Completo.pdf

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