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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 1ª VARA

CRIMINAL DE PARANAGUÁ

Ação Penal nº 2013.3245-6

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,


por sua Promotora de Justiça ao final assinada, nos Autos de Ação Penal Pública nº
2013.3245-6, em trâmite na 1ª Vara Criminal da comarca de Paranaguá/PR, em que
figura como réu Wenderson Poleti Moreira, vem, tempestivamente junto a Vossa
Excelência, nos termos do artigo 581, inciso II, do Código de Processo Penal,
interpor Recurso em Sentido Estrito em face da r. decisão de fls. 60-61, cujas
razões seguem em anexo.

Paranaguá, 07 de fevereiro de 2014.

Priscila da Mata Cavalcante


Promotora de Justiça Substituta

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COLENDA CÂMARA CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARANÁ

Apelante: Ministério Público do Estado do Paraná


Apelado: Wenderson Poleti Moreira

RAZÕES RECURSAIS

EMINENTES DESEMBARGADORES

ILUSTRE PROCURADOR DE JUSTIÇA

O Ministério Público do Estado do Paraná,


inconformado com a decisão de fls. 60-61, a qual declinou a competência ao Juizado
Especial Criminal para análise dos presentes autos, tendo em vista o entendimento
de que a conduta descrita na denúncia se amolda à contravenção penal prevista no
artigo 42, inciso III, do Decreto-lei nº 3.688/1941, vem apresentar as suas razões de
apelação.

1. RELATÓRIO
No dia 31 de outubro de 2013, o apelado Wenderson
Poleti Moreira, já qualificado nos autos, foi regularmente denunciado, pela prática do
crime capitulado no artigo 54, caput, c/c o artigo 2º, ambos da Lei nº. 9.605/1998,
tendo em vista que causou poluição potencialmente danosa à saúde humana,

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através da emissão de índices sonoros acima dos limites permitidos em
estabelecimento comercial de sua propriedade denominado ‘Escritório Pub Bar’.
O DD. Juízo a quo proferiu a r. decisão ora recorrida que
declinou a competência ao Juizado Especial Criminal para análise dos presentes
autos, tendo em vista o entendimento de que a conduta descrita na denúncia não se
amolda ao tipo penal previsto no artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/1998, mas sim à
contravenção penal prevista no artigo 42, inciso III, do Decreto-lei nº 3.688/1941 (fls.
60-61).
Vieram os autos ao Ministério Público para o oferecimento
das razões recursais.

2. DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO


Para o conhecimento de qualquer recurso, devem estar
preenchidas as condições de admissibilidade do recurso interposto e os
pressupostos recursais.
Primeiramente, verifica-se que o presente recurso em
sentido estrito preenche as condições de admissibilidade recursal, eis que há
possibilidade jurídica, ou seja, previsão no ordenamento jurídico, sendo certo,
outrossim, que é o recurso cabível, segundo previsão do art. 581, inciso II, do
Código de Processo Penal.
De outra banda, também é o Ministério Público parte
legítima para interpor o presente recurso, pois é parte na relação processual e
interessado em ver a decisão reformada e, também, estão presentes os
pressupostos recursais. A presente irresignação encontra-se dirigida ao órgão
judicial competente. O pressuposto de regularidade formal foi preenchido porque
corretamente interposto o recurso, seguindo os trâmites legais, englobando aí a
tempestividade, eis que dentro do prazo legal, circunstância inerente à regularidade
formal.

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Assim, em vista de preencher todas as condições de
admissibilidade do recurso interposto e também os pressupostos recursais, o
Ministério Público pugna pelo seu conhecimento, e, desde já, pelo seu provimento.

3. DAS RAZÕES RECURSAIS


O DD. Juízo a quo, declinou a competência ao Juizado
Especial Criminal da comarca de Paranaguá para análise e processamento do feito,
sob o fundamento de que o crime previsto no artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/1998
não englobou a poluição sonora e que, via de consequência, a conduta do apelado
amolda-se à contravenção penal prevista no artigo 42, inciso III, do Decreto-lei nº
3.688/1941 (perturbação do sossego alheio).
Com efeito, o argumento acima se apresenta
absolutamente equivocado, conforme as razões apontadas a seguir, e pode criar
perigoso precedente, pois inviabiliza, de modo genérico e abstrato, qualquer
possibilidade de ocorrência de crime de poluição em sua modalidade sonora.
O tipo penal do artigo 54, da Lei nº 9605/98, comina pena
de reclusão de 01 (um) a 04 (quatro) anos e multa, a quem “causar poluição de
qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à
saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora” (grifos nossos).
E nessa poluição de qualquer natureza que possa resultar
danos à saúde humana está abrangida a poluição sonora, pois, como bem ensina
Paulo Affonso Leme Machado:
“o crime abrange ´poluição de qualquer natureza´: a poluição das
águas interiores e do mar; da atmosfera; do solo; através dos resíduos
domésticos, dos resíduos perigosos; a poluição sonora; a poluição
mineral. (...) O ´caput´ do art. 54 visa a resguardar o direito
constitucional à sadia qualidade de vida (art. 225, caput, da CF)”1
(grifos nossos).

1
MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. 11ªed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 680-
682.

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O artigo 3º, inciso III, alínea "a", da Lei Federal n.º
6.938/1981, conceitua POLUIÇÃO como sendo:
"a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que
direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-
estar da população; e como POLUIDOR, toda pessoa física ou
jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental".

A Resolução nº 001, de 08 de março de 1990, do


Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, dispôs que:
“I – A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades
industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de
propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego
público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta
resolução.
II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do
item anterior, os ruídos com níveis superiores aos considerados
aceitáveis pela norma NBR 10.152 – Avaliação do Ruído em
Áreas Habitadas, visando o conforto da comunidade, da Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.” (grifos nossos)

Tecendo comentários sobre o tema ‘Poluição Sonora’,


assevera Luís Paulo Sirvinkas, que:
“poluição sonora é a emissão de sons ou ruídos desagradáveis que,
ultrapassados os níveis legais e de maneira continuada, pode causar,
em determinado espaço de tempo, prejuízo à saúde humana e ao
bem-estar da comunidade”2.

No mesmo prisma, adverte com propriedade Fernando


Célio de Brito Nogueira, que:
“a poluição sonora não pode ser entendida como fenômeno
dissociado das agressões ao meio ambiente. Pelos inconvenientes
que ocasiona, trata-se, sem nenhuma dúvida, de fator de degradação
da qualidade de vida das populações, inclusive por força da
industrialização e das inovações incessantes da vida moderna”3.

Paulo Affonso Leme Machado comenta os efeitos do ruído


aos seres humanos, consoante estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) 4:

2
Manual de Direito Ambiental, Saraiva, 2013, p.775.
3
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR POLUIÇÃO SONORA, CABIMENTO E LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO, Rev. Jurídica nº 239 - SET/1997, p. 21.
4
Direito Ambiental Brasileiro, Editora Malheiros, 1996, p. 482/83.

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"Estudo publicado pela Organização Mundial de Saúde assinala como
efeitos do ruído: perda da audição, interferência com a comunicação,
dor, interferência no sono, efeitos clínicos sobre a saúde, efeitos sobre
a execução de tarefas, incômodo, efeitos não específicos. Como
efeitos do ruído sobre a saúde em geral registram-se sintomas de
grande fadiga, lassidão, fraqueza. O ritmo cardíaco acelera-se e a
pressão arterial aumenta. Quanto ao sistema respiratório, pode-se
registrar dispnéia e impressão de asfixia. No concernente ao aparelho
digestivo, as glândulas encarregadas de fabricar ou de regular os
elementos químicos fundamentais para o equilíbrio humano são
atingidas (como supra-renais, hipófise, etc.). O incômodo ou
perturbação é geralmente relacionado aos efeitos diretamente
exercidos pelo ruído sobre certas atividades, por exemplo:
perturbação da conversação, da concentração mental, do repouso e
dos lazeres." (grifos nossos)

Neste mesmo sentido, Sirvinskas5 comenta:


"Entre 50 e 65 dB, o organismo começa a sofrer impactos do
ruído,dificuldades para relaxar, menor concentração, menor
produtividade no trabalho intelectual. Entre 65 e 70 dB, aumenta o
nível de cortisona no sangue e diminui a resistência imunológica,
induz liberação de endorfina, aumenta a concentração de colesterol
no sangue. Acima de 70 dB, o estresse torna-se degenerativo e abala
a saúde mental, aumentam-se os riscos de infarto, infecções, entre
outras doenças”.

Em conformidade com a doutrina majoritária, a


Jurisprudência há muito estabeleceu o seguinte entendimento:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. POLUIÇÃO SONORA. ART.
54 DA LEI Nº 9.605/98. LEI DE CRIMES AMBIENTAIS SE APLICA
À CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA. EXISTÊNCIA DE PROVA
DE DANO OU DO PERIGO DE DANO À SAÚDE HUMANA. CRIME
FORMAL. INEXIGIBILIDADE DE RESULTADO NATURALÍSTICO
NECESSÁRIO. CARÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO
ART. 395 DO CPP PARA REJEITAR A DENÚNCIA. REFORMA DA
DECISÃO DO JUÍZO A QUO. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-PE -
RECSENSES: 109609420088171130 PE 0020388-
27.2010.8.17.0000, Relator: Antônio Carlos Alves da Silva, Data de
Julgamento: 12/01/2011, 2ª Câmara Criminal)”(grifos nossos).

HABEAS CORPUS. ART. 54, § 2º, INCISO IV, DA LEI N. 9.605/98.


POLUIÇÃO SONORA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-
EVIDENCIADA DE PLANO. ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE
DO DELITO QUE NÃO PODE SER FEITA NA VIA ELEITA.
CONDUTA TÍPICA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA PELA
DENÚNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O trancamento da ação penal

5
Manual de Direito Ambiental, Saraiva, 2013, p.776.

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pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível
quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo
do conjunto fático ou probatório, que há imputação de fato
penalmente atípico, a inexistência de qualquer elemento indiciário
demonstrativo de autoria do delito ou, ainda, a extinção da
punibilidade. 2. O Impetrante alega falta de justa causa para a ação
penal porque a poluição sonora não foi abrangida pela Lei n.º
9.605/98, que trata dos crimes contra o meio ambiente. Entretanto, os
fatos imputados ao Paciente, em tese, encontram adequação típica,
tendo em vista que o réu é acusado causar poluição em níveis tais
que poderiam resultar em danos à saúde humana, nos exatos termos
do dispositivo legal apontado na denúncia. 3. Uma vez que a
poluição sonora não é expressamente excluída do tipo legal,
acolher a tese de atipicidade da conduta, nesses moldes,
ultrapassa os próprios limites do habeas corpus, pois depende,
inexoravelmente, de amplo procedimento probatório e reflexivo,
mormente porque a denúncia, fundamentada em laudo pericial,
deixa claro que a emissão de sons e ruídos acima do nível
permitido trouxe risco de lesões auditivas à várias pessoas. 4.
Ordem denegada. (HC 159.329/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 10/10/2011)” (grifos
nossos).

Ademais, o Programa Nacional de Educação e Controle


da Poluição Sonora, publicado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Renováveis (IBAMA), os principais efeitos negativos da poluição
sonora para a saúde humana são, dentre outros6: distúrbios do sono, estresse,
perda da capacidade auditiva, surdez, dores de cabeça, alergias, distúrbios
digestivos, falta de concentração e aumento do batimento cardíaco.
Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde (OMS),
conforme leciona Paulo Affonso Leme Machado, assinala como efeitos do ruído: 7
perda da audição, interferência com a comunicação, dor, interferência no sono,
efeitos clínicos sobre a saúde, efeitos sobre a execução e tarefas, incômodo e efeitos
não específicos.
Inegável, portanto, que o ruído em geral impacta
negativamente o meio ambiente, prejudicando a saúde humana, a segurança e o
bem-estar da população, criando condições adversas para as atividades sociais e
6
Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/qualidade-ambiental/areas-tematicas/controle-de-
ruidos/programa-silencio/>. Acesso em: 30 ago. 2010 (f. 285/288).
7
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
694-695.

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econômicas, dentre outras, nos termos do art. 3º, incs. III, da Lei nº 6.938/1981 (Lei
de Política Nacional do Meio Ambiente).
Conclui-se, assim, que a poluição sonora detém
inequívoca aptidão e, portanto, potencialidade para causar danos à saúde
humana, ao contrário do que se sustenta na decisão recorrida.
Dessa forma, não deve restar impune a conduta lesiva
ao sossego e saúde física e mental às inúmeras famílias vizinhas ao
empreendimento da apelada, as quais não possuem interesse ou vontade de
participar dos eventos por ela promovidos, ao contrário, necessitam do devido
descanso e sono ininterrupto para o enfrentamento de mais um dia de trabalho.
Isto sem dizer nas pessoas vizinhas que são idosas ou acometidas de doenças
e outras debilidades de saúde e que necessitam de repouso tranquilo para o
seu próprio tratamento.
Importante esclarecer que, para a caracterização da
materialidade do crime de poluição em sua modalidade sonora, faz-se necessária a
existência de prova objetiva de que a emissão de determinado ruído possa (crime de
perigo) causar danos à saúde humana. Ora, a aludida prova objetiva é justamente
consubstanciada pela prova pericial de medição dos decibéis, já que a Resolução do
CONAMA nº 01/90 estabelece quais são os limites tolerados para a saúde humana, a
qual, por sua vez, adota os padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT e pela norma NBR nº 10.152, que diz respeito à avaliação
do ruído em áreas habitadas.
Vejam que os Laudos Técnicos de Poluição Sonora (fls.
16-17 e 3738) atestam que houve prejuízo à saúde, segurança e o bem-estar da
população, pois foram constatadas variações de 82 a 85 e 62,3 a 64,8 decibéis,
ambas medições realizadas no período noturno.
Ora, as provas documentais que instruíram a denúncia
contra o apelado Wenderson Poleti Moreira demonstraram que a produção de som

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eletrônico e “ao vivo” desrespeitou a Resolução do CONAMA nº 001/90 e a NBR
10.151 que tratam dos limites de avaliação em zona urbana mista.
Por fim, deve-se asseverar de modo subsidiário,
meramente a título de argumentação, de que, se há dúvida ou não a respeito da
existência de crime no caso em comento, esta dúvida deve ser dirimida por meio do
regular desenvolvimento da instrução processual penal, que foi obstada a partir da
sentença que absolveu o acusado sumariamente. Nesse particular, apresenta-se
equivocada a aplicação do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal, já que
este dispositivo é reservado tão somente aos fatos que evidentemente não
constituem crime, o que não é o caso dos presentes autos, em que a inicial
acusatória demonstra cabalmente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo
Penal.

4. DO PEDIDO FINAL
Diante do exposto, consubstanciado nos argumentos
supra, e com sustentáculo no art. 581, inciso II, do Código de Processo Penal, o
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ pugna pelo conhecimento do

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presente RECURSO EM SENTIDO ESTRITO e, no mérito, requer lhe seja dado
provimento, para o fim de reformar o r. decisum de fls. 60-61 e de permitir o
prosseguimento do trâmite da ação penal e a realização de audiência de instrução e
julgamento.

Paranaguá, 07 de fevereiro de 2014.

Priscila da Mata Cavalcante


Promotora de Justiça Substituta

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