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RICARDO ANTUN ,ES

,
O PRI VIL EGIO
,.,,, .

DA SE RVI DAO
o novo proletariado de
serviços na era digital
ti' --

Capítulo 2

A EXPLOSÃO DO NOVO
PROLETARIADO DE SERVIÇOS

Em pleno século XXI. mais do que nunca, bilhões de homens e


mulheres dependem de forma exclusiva do trabalho para sobreviver
e encontram, cada vez mais. situações instáveis, precárias. ou vi-
venciam diretamente o flagelo do desemprego. Isto é, ao mesmo
tempo que se amplia o contingente de trabalhadores e trabalhado-
ras1 em escala global, há uma redução imensa dos empregos; aque-
les que se mantêm empregados presenciam a corrosão dos seus
direitos sociais e a erosão de suas conquistas históricas, consequên-
cia da lógica destrutiva do capital que, conforme expulsa centenas
de milhões de homens e mulheres do mundo produtivo (em sentido
amplo). recria, nos mais distantes e longínquos espaços, novas mo-
dalidades de trabalho informal, intermitente, precarizado. Mflexível".
depauperando ainda mais os níveis de remuneração daqueles que
se mantêm trabalhando.
Mas. contra a equivocada tese da finitude do trabalho, nosso de-
safio primeiro é compreender o trabalho em sua forma de ser con-
traditória: mesmo quando é marcado de modo predominante por
traços de alienação e estranhamento, ele expressa também, em al-
guma medida, coágulos de sociabilidade que são perceptíveis parti-
cularmente quando comparamos a vida de homens e mulheres que
trabalham com a daqueles que se encontram desempregados.

1
Dada a clara divisão sociossexual do trabalho. frequentemente desigual e diferen-
ciada, neste livro a noção de trabalhadores e de classe trabalhadora contemplarã
sempre sua dimensão de gênero. como trabalhadores e trabalhadoras.
· '11'idito A explosão do novo prolet:ariado de serviços • 27
:zt, , () />l'Íl'l lt '!-}lO <1
(1 SL

· ação presente tanto nas teses que


. .. da um.1a t era 112 . se consolidava. conseguindo ampla adesão no universo acadêmico ,
:\0cont.n.u 10 . t balho quanto naquelas que fazem seu
esconstrwr o ra . . da ativt
. 'd a d e humana, sindical e político em várias partes do mundo. Movida quase que
pron1raram d longa historia
culto acn co.
·n· sabemos que. na d
obrevivência e Jelicida e social (presen-
exclusivamente pela técnica. pelo mundo maquínico-informacional -
. te luta pe1as . -digital . a classe trabalhadora estaria em fase terminal .
em sua mcessan _ d rttsmo na Inglaterra do seculo XIX) 0
. • d· açao o ca · · O mundo real. entretanto, contraditou essa propositura. Se a
te Já na reivm ~c n· 'da.de vital e omnilateral. Mas, quando a
. t mbem uma a vi ideia era no mínimo bastante problemática nos países do Norte . como
trabalho e a nvclusivamente ao trabalho - como muitas deixar de considerar o monumental contingente de trabalho existen-
'd h mana se resume e.A' •
v1 a u do capitalista e em sua sociedade do trabalho te no Sul. em especial em países como a China, a Índia e tantos
vezes ocorre no mun rte em um mundo penoso, alienante, aprisio-
t to _ ela se conve _ outros asiáticos de industrialização recente? Ou ainda no Brasil. no
abs ra ·. . ad E. aqui que emerge uma constataçao central: México, entre tantos outros exemplos latino-americanos dotados de
11 ado e umlatera 1lZ o.
d ssitamos do trabalho humano e de seu potencial grande contingente de força de trabalho? Ou na África do Sul. com
se por um 1a o nece
. d transformador por outro devemos recusar o trabalho sua simbiose explosiva entre classe e raça/etnia?
emancipa or e · . nh
. a e infelicita o ser social, tal como o co ecemos Se parece evidente que a produção de mercadorias, em sentido
que exp1ora. al1en
sob a vigência e o comando do trabalho abstrato. . amplo. vem se metamorfoseando significativamente a partir da intro-
Jsso porque o Sentido do trabalho que estrutura o capital (o tra-
. dução do universo informacional-digital, seria plausível. então, con-
balho abstrato) é desestruturante para a humanidade, enquanto seu ceber a possibilidade concreta de um capitalismo sem trabalho
po1o opos t o. O traba lho que tem sentido estruturante . .para
. a huma- humano, desprovido de trabalho vivo? E, mais. seria ainda possível
111
'd d (o trabalho concreto que cria bens socialmente ute1s). torna-se equalizar países com realidades tão díspares, borrando as mais dife-
a e
potencialmente desestruturante para o cap1'tal . Aq~1.. res1'd e a d i_ .a leti-
..
renciadas formas pelas quais se apresenta a divisão internacional do
ca espetacular do trabalho, que muitos de seus cnticos foram mca- trabalho, com agudas consequências na nova morfologia do trabalho?
pazes de compreender. . . . O privilégio da servidão dá continuidade à nossa pesquisa bus-
Mas é essa processualidade contraditona, presente no ato de cando compreender a nova morfologia do trabalho. procurando assim
trabalhar. que emancipa e aliena, humaniza e sujeita, libera e escra- contraditar o núcleo conceituai dessas proposituras. oferecendo
viza, que (re)converte o estudo do trabalho humano em questão uma melhor intelecção dessa problemática, objetivando uma com-
crucial de nosso mundo e de nossa vida. Neste conturbado século preensão efetiva de quem é a classe trabalhadora hoje. resultado de
XXI , 0 desafio maior ê dar sentido autoconstituinte ao trabalho huma- um monumental processo de profundas transformações desenca-
no de modo a tornar a nossa vida fora do trabalho também dotada deadas desde os primórdios dos anos 1970 nos países centrais e
de senti.do. Construir, portanto, um novo modo de vida a partir de sobretudo desde meados da década de 1980 nos países do Sul.
um novo mundo do trabalho, para além dos constrangimentos im- Apesar de parecer que o proletariado industrial. herdeiro da era
postos pelo sistema de metabolismo social do capital. para recordar taylorista e fordista , vem se reduzindo em várias partes do mundo
Mészáros 2 , é um imperativo vital . capitalista central, há também uma forte contratendência, dada pela
Quando se procura apreender as novas dimensões do mundo do expansão exponencial de novos contingentes de trabalhadores e tra-
trabalho observando suas particularidades, mas com um olhar es- balhadoras. especialmente no setor de serviços. mas também na
pecial para o universo laborativo dos serviços. quais tendências têm agroindústria e na indústria, ainda que de modo diferenciado em
se apresentado como principais? vários países do Sul. de que são exemplos os casos da China. da
Índia, da Coreia. do Brasil. do México. da África do Sul etc.
Rumo à precarização estrutural do trabalho A China merece uma nota especial. Lá encontramos. neste início
Há algumas décadas, em meados dos anos 1980, ganhou força ex- do século XXI. altas taxas de greves, uma vez que as engrenagens do
plicativa a tese de que a classe trabalhadora estava em franca retra- capitalismo das transnacionais estão levando ao extremo os níveis
ção em escala global. Com Estados Unidos e Europa à frente, a ideia de superexploração da classe trabalhadora. As causas são várias , e
de um capitalismo maquínico e sem trabalho se expandia e mesmo o exemplo da Foxconn é elucidativo. Fábrica do setor de informática
e das tecnologias da comunicação, a Foxconn é um exemplo de elec-
2
tronic contract manujacturing (ECM). modelo de empresa terceirizada
Istvàn Mészáros Par alé d .
·
Bollempo. 2002).
ª
m o capital: rumo a uma teoria da tran s ição (São Pa ulo . responsável pela montagem de produtos eletrõnicos para Apple ,
:lS • o priuilégio da s e rvidão J\ explosão do n ouo prolelarlado de s e ruiços • 29

Nokia. entre várias outras transnacionais. E~ sua unidad~ de Lon- panhia são manufaturados por parce iros terce irizados localizados
hen) . onde são fabricados os iPhones. ampharam-se principalmente na Ásia7 .
g1ma (sh e nz • · d
desde 2010 os suicídios de trabalhadores. emalsuat~aionba t~dnu~- Nessa forte impulsão à terceirização em escala global. sempre
ciando a intensa exploração do trabalho ao qu es ~o su me i os . segundo a obra citada de Ngai, Chan e Selden. os fornecedores de
Se por um lado esse padrão chinês de. exploraça? do trabalho, eletrônicos são impelidos a competir uns contra os outros visando
presente em tantas outras unidades pr~dutivas do pais~ vem se con- atender tanto as rigorosas especificações de preço quanto a qualida-
figurando como uma tendência agr~ssiva de explora~ª? em escala de do produto e o tempo de produção, o que acaba gerando pressões
ampliada. por outro sinaliza que muitas das ~utas sociais e das_g:e- salariais e riscos à saúde dos trabalhadores. Essas fortes pressões
ves recentes lá gestadas encontram suas ongens nessas precanas salariais e condições árduas de trabalho provocaram. em julho de
condições. As causas do relativo aumento da média salarial da clas- 2009 . um suicídio. Na ocasião. um jovem operário de nome Sun
se trabalhadora na China, nesse último período, não foram outras Danyong. com 25 anos de idade. foi apontado como responsável pela
senão resultado das inúmeras greves e ações de resistência desen- perda de um dos protótipos do iPhone 4 . Por causa disso. atirou-se
cadeadas pelo operariado chinês. do 122 andar da Foxconn.
Segundo a organização Students and Scholars Against Corporate Desde então. vártas manifestações de descontentamento e também
Misbehaviour (Sacom), os operários da Foxconn trabalhavam, em várias greves vêm ocorrendo, como forma de denúncia da superex-
2010, doze horas por dia em média, recebendo salártos aviltantes. ploração e intensificação do trabalho vigente na empresa global ter -
Os estudos de Pun Ngai. Jenny Chan e Mark Selden4 nos mostram ceirizada de capital originárto de Taiwan. Ainda segundo Ngai, Chan
que a tragédia da Foxconn foi de tal intensidade que. nos primeiros e Selden. as greves e manifestações de revolta na Foxconn formam
oito meses daquele ano, 1 7 jovens trabalhadores entre 1 7 e 25 anos um espectro mais amplo de ações do trabalho por toda a parte na
tentaram suicídio, dos quais 13 morreram5 . Segundo os autores. o China ao longo das últimas décadas. Com a ampliação das plantas
triunfo comercial da Apple reside, em grande parte, na terceirização produtivas da Foxconn em outras cidades da China (no Brasil. tam-
da produção de seus eletrônicos para a Ásia (e para a Foxconn em bém há uma unidade) . houve novos suicídios, ainda que em menor
particular). que, apenas na China. empregava naquele período cerca escala. nos anos seguintes. como os três casos denunciados na uni-
de 1.4 milhão de trabalhadores6 . Lembram ainda que, desde o final dade de Zhengzhou em 2013.
dos anos 1970, a China estabeleceu zonas econômicas especiais para No Japão, cujo capitalismo de tipo toyotista inspirou os países
atrair capital estrangeiro, o que levou a Apple a buscar essas grandes ocidentais, as figuras dos jovens operários (decasséguis) que migram
empresas de terceirização a fim de reduzir custos e ampliar mercados. e m busca de trabalho nas cidades e dormem em cápsulas de vidro
Vale recordar também que a Foxconn não só possuía complexos são emblemáticas. como também o são as ocorrências mais recentes.
fabris em Shenzhen, mas em mais de quinze províncias por todo o em Tóquio, de jovens trabalhadores sem-casa, subempregados ou
país. Acrescentam ainda os autores. citando informações da própria desempregados. que procuram refúgio noturno em cibercafés - sendo.
Apple, que substancialmente todos os produtos de hardware da com- por isso, denominados ciber-refugiados - . buscando encontrar algum
trabalho ao mesmo tempo que descansam e interagem virtualmente8 •
3
Pun NgaJ. J e nny C h a n e Mark Selden . '"The Polittcs of Global Produc lion: Apple. Eles se somam às diversas expressões. na ponta mais precarizada,
Foxconn and China·s New Worklng Class·. The Asia Pacifi.c Joumal: Japan Fo- do que Ursula Huws9 designou como cibertariado, do irifoproletaria-
cus. ed. 32. v. 11 . n . 2 . ago. 2013; dis poníve l e m : <http://www.Ja pa nfoc us.org/ do1 0. ou ainda dos intermitentes globais.
-Jenny-Chan/3981 >: acesso e m : 2 0 a go. 2014.
4
Idem.
5
Ver também Pun NgaJ e Jenny Chan . "The Advent of Capital Expansion ln China: a 7
Ide m .
C~se Study of Foxconn Production and the Impac ls on lts Wo rkers ··. 2 012; d lspo-
~ Ma riana Shlnohara Ronca to. Dekassegui. ciber-refugiado e working poor: o trabalho
ruvel em: <http:/ /rdln .files .wordpress.c om/2012/01 /pun -n gal_c han-je nny_on-
foxconn.pdf>; acesso em : 20 ago. 2014; Pun Ngal. Chrts IQng-Chl Ch a n e J e nny imigrante e o lugar do outro na sociedade d e classes (dissertação de mestrado em
Chan. "The Role of the State . Labour Policy and Mlgranl Worke rs Slruggles in Sociologia . Ca mplnas. Ins tituto de Filosofia e Ciê ncias Humana s . Unicamp. 2013) .
9
Globalized China··, Global LabourJournal. v. 1. n . 1, 2010; disponível em : <http:/ / Urs ula Huws . Labor ín the Global Digital Economy: The Cybertarial Comes of Age
sacom.hk/wp-content/uploads /2013/07 /20 JOGlobalLaborJourna l- PN .CC.J C . (Londres. Merlin. 2014).
pdf>; aces so em : 26 dez. 2017 . - 'º Ricardo Antunes e Ruy Braga (orgs. ). Infoproletários: degradação real do trabaU10
G Pun Nga i, J enny Chan M k S ld . . uirtual {São Paulo. Boltempo. 2009) .
e ar e e n . "The Pohtics of Global Productton '" . c il.
A explosão d o rwvo proletariado de serviços • 3 1
30 • O privilégio da servidão

. . aça-0 completa do trabalho pelo maquinário de etc.). ao mesmo tempo que expulsa da produção um conjunto
trário da e11mm
Ao con . . al tamos presenciando o advento e a expansão significativo de trabalhadores (incluindo Jovens qualificados e ultra-
1nformacional-digit · esletariado da era digital cujos trabalhos, mais qualificados. muitos dos quais pós-graduados) que não encontram
ntal do novo pro
monume lt t s mais ou menos constantes, ganharam novo emprego em seus países. Isso sem falar dos enormes contingentes
os 1nterm en e , .
ou men TIC ue conectam, pelos celulares. as mais distin- de Imigrantes menos qualificados. cujos novos fluxos migratórios
impulso c~mdas d str,lalho. Portanto, em vez do fim do trabalho na (Sul-Norte. Norte-Sul. Sul-Sul. Norte-Norte e Leste-Oeste) aumentam
tas modalida es e . . l
. . t vivenciando o crescimento exponencia do novo os bolsões de trabalhadores sobrantes. descartáveis. subempregados
era digital. es amos d d
_...,_,.,_ de serviç·os uma variante global o que se po e deno- e desempregados 13 .
proletw
.
= '
idão dinital. Em pleno seculo
• XXI
• O resultado dessa processualidade é que. em todos os espaços
nunar escrav -::,não se limita ao mund o as1a •· t · e
Mas esse quadrº _ . 1co.. orno . os exem- possíveis. os capitais convertem o trabalho em potencial gera dor de
-
pios sao a un b dantes , vale fazer uma referencia
. dJreta
. a empresa
. mais-valor. o que inclui desde as ocupações. tendencialmente em
norte-americana de comércio global Walmart. 1?sprradora da p_eJora- retração em escala global. que ainda estabelecem relações de trabalho
tiva denominação "walmartização do trabalho ~ara caractenzar a pautadas pela formalidade e contratualidade, até aquelas claramente
Intensidade da exploração em suas diversas umdades. Segundo o caracterizadas pela informalidade e flexibilidade. não importando se
sociólogo italiano Pletro Basso 11 • a Walmart utiliza-se de elementos suas a tividades são mais intelectualizadas ou mais manuais.
do taylorismo e do toyotismo, remunerando o trabalho sempre nos Um desenho contemporãneo da classe trabalhadora deve englobar.
patamares mais baixos. Do taylorismo, diz Basso, a empresa busca portanto. a totalidade dos assalariados. homens e mulheres que vivem
sempre maior produtividade, através do uso de tecnologias conjun- da venda de sua força de trabalho em troca de salário. seja na in-
tamente com o parcelamento das tarefas laborativas. E do modelo dústria. na agricultura e nos serviços. seja nas interconexões exis-
japonês, o toyotismo, utiliza-se do just-in-time, tanto em seu espaço tentes entre esses setores, como na agroindústria . nos serviços
de trabalho quanto na sua enorme rede de fornecedores. industriais. na indústria de serviços et c. Dadas as profun das meta-
Como lembra ainda o autor. a Walmart não incorporou nenhum morfoses ocorridas no mundo produtivo do capitalismo contemporã-
traço de efetiva valorização salarial. sempre recusando salários maio- neo. o conceito ampliado de classe trabalhadora. em sua nova
res, além de praticar altas taxas de turn over. O seu maior "segredo" morfologia. deve incorporar a totalidade dos trabalhadores e t raba-
é a utilização de uma ampla força de trabalho composta por mulheres. lhadoras. cada vez mais integrados pelas cadeias produtivas globais
Jovens. negros e portadores de deficiência, que vendem sua força de e que vendem sua força de trabalho como mercadoria em troca de
trabalho por valores bastarJte reduzidos, valendo-se também de for- salário. sendo pagos por capital-dinheiro. não importando se as a ti-
necedores chineses que produzem sob encomenda para a empresa 12 . vidades que realizam sejam predominantemente materiais ou imate-
Portanto, a "longa transformação" do capital chegou à era d a fi- riais. mais ou menos regulamentadas.
nancelrtzação e da mundialização em escala global. introduzindo uma Sabemos que. no capitalismo financeirtzado da era informacio-
nova_divisão internacional do trabalho, que apresenta uma cla ra nal 14 . se desenvolve cada vez mais uma simbiose entre o que é pro-
tendencia. quer inten s ificando os níveis de precarização e informali- dutivo e o que é improdutivo, uma vez que no mesmo t rabalho podem
dade, quer se direcionando à "intelectualização" do trabalho. espe- ser executadas atividades que geram valor e. posteriormente. outras
cialmente na s TICs. Nã o raro, as duas tendências se m esclam e ações voltadas para conferir a qualidade dos prod utos criados. mes-
sofrem um processo de simbiose. clando assim ações tanto "produtivas" quanto "improdutivas" (sempre
Um
_ resultado forte de ta·1s tend enclas . e. que . ao contrario . da re- no sentido que lhes é dado pelo capital).
traçao ou descompensa - d 1 . Em um universo em que a economia está sob c omando e hege-
. çao a e1 do valor, o mundo do capital vem
assistindo a uma fort _ monia do capital financeiro. as empresas buscam garantir seus altos
menta . e amp11açao de seus mec a nismos d e funciona-
, mcorporando no fi luc ros exigindo e transferindo aos trabalhadores e trabalhadoras a
(presentes nos tr b Ih vas ormas de geração d e tra b a lho exceden te
ªª os tercelrizados ou pautados pela tn fo rmaltda -
13
11 V~r tamb~m os livros d e Pielro B asso e Fab to Perocco. Gil immlgrati Úl E uropa:
PI et ro Basso. "Lºorarto dl 1 • diseguaglianze. razzismo iotte (Milão. Angell. 2008) : e Razzismo di s talo: s tati wi 1·e·
Soltlle (orgs.]. Ma il capila~:ºª10
tnt-:lo secolo... em Antonio Pagllaron e e Gluseppe Europa. lialia (Milão. Angell. 2010) . L
12
Idem. mo st espande ancora? (Triest e. A sl erlos . 2008) .
' '' François ChesnaJs. A m und ialização do capital (São Paulo . Xamã. 1996).
A explos(w do ,,,.,V<, /JrOlcrarlado d,t se111tços • 3:1

H"t's,-;\o da maxirnlzaçáo do tempo. pelas alta~ lax~s de produu.


1. · - P _ ,ct . dos custos. como os relativos a força de tra- O trabalho em serviços e seus novos significados
nctadt'. pela n : uçao . .. . . d
. d •g· . a --nexibilizaçao c1 escente os contratos d Conforme pudemos Indicar em vários estudos anteriores. ao contrãrio
balho. ;\\em e ell., II ' • e
1 contexto a terceirizaçao vem se. tornando a modali- da conhecida tese da perda ele vigência da lei do valor 15 _ o capitalis-
Lr;\bal 110. N
1 esse · . . .
dade de gestão que assume centrahdad~ na estrateg1~ empresarial. mo atual apresenta um processo multiforme, no qual informalldade.
. as relações sociais estabelecidas entre capital e trabalho precarização. materialidade e imaterialidade se tornaram mecanismos
uma vez que
são disfarçadas em relações interempresas. basead~s em contratos vitais, tanto para a preservação qua nto para a ampUação da lei d o
por tempo determinado. flexíveis. de acordo_ co~ os ntmos produtivos valor. A enorme expansão do setor de serviços e dos denominados
das empresas contratantes. com consequencias profundas que de- trabalhos imateriais que se subordinam ãforma-mercadoria confirma
sestruturam ainda mais a classe trabalhadora, seu tempo de traba- essa hipótese. dado seu papel de destaque no capitalismo contempo-
lho e de vida. seus direitos. suas condições de saúde, seu universo râneo. O mito de que a ·sociedade de serviços pós-industrial" elimi-
naria completamente o proletariado se mostrou um equívoco enorme.
subjetivo etc. ..
E. mais ainda. a ex-plosão de empresas tercemzadas tem sido um Evaporou-se. Desmanchou-se no ar. Na contrapartida. vem aflorando
importante propulsor de mais-valor. As empresas públicas que no em escala global uma outra tendência. caracterizada pela expansão
passado recente eram prestadoras de serviços sem fins lucrativos. significativa de trabalhos assalariados no setor de serviços.
após a sua privati.Zação e mercadorização tornaram-se partícipes (di- Vamos. então, avançar alguns pontos importantes para uma me-
reta ou indiretamente) do processo de valorização do capita~ incremen- lhor compreensão dessa tendência. As mais distintas modalidades
tando e ampliando as modalidades de lucro e de criação ou realização de trabalho presentes no capitalismo contemporâneo vêm - diferen-
do mais-valor. Portanto. menos do que o fim da teoria do valor. tese te do que foi propugnado nas últimas décadas - ampliando as formas
tão difundida quanto equivocada. as empresas de terceirização se geradoras do valor. ainda que (e aqui reside o primeiro ponto analí-
somaram aos exemplos de crescimento da extração do excedente de tico central) assumindo a aparência do não valor.
trabalho visando a criação de mais-valor e o aumento dos lucros. o Como o capital não se valoriza sem realizar alguma forma de
interação entre trabalho vivo e trabalho morto, ele procura aumentar
exponencial processo de expansão das empresas terceirtzadas confi-
a produtividade do trabalho. intensificando os mecanismos de ex-tra-
gura também um enorme incremento para a produção de valor e de
ção do sobretrabalho. com a expansão do trabalho morto corporifica-
mais-valor. entre tantos outros pontos que desenvolveremos neste
do no maquinário tecnológico-científico-informacional 16 . Nesse
capítulo e ao longo do livro.
movimento. todos os espaços pos síveis se tornam potencialmen te
Com salãrios menores, jornadas de trabalho prolongadas, vicissi-
geradores d e mais-valor. As TICs. presentes de modo cada vez mais
tudes cotidianas que decorrem da burla da legislação social proteto-
amplo no mundo da produção material e imaterial e que tipificam
ra do trabalho, a terceirização assume cada vez mais relevo. tanto no também os serviços privatizados e mercadorizados, configuram-se
processo de corrosão do trabalho e de seus direitos como no incre- como um elemento novo e central para uma efetiva compreensão dos
mento e na expansão de novas formas de trabalho produtivo gerado- novos mecanismos utilizados pelo capital em nossos dias.
ras de valor. Essas novas modalidades de trabalho vêm assumindo
um destaque crescente não só no mundo da produção material mas
15
na circulação do capital e agilização das informações , esferas que são J ürgen Habermas. "The New Obscurtty·. em The New Conservatism: Cultural Cri·
com frequência realizadas por atividades também imateriais. que tidsm and the Historian ·s Debate (Cambridge. Polity, 1989) : The Theory oJCommu·
rncatme Actton. v. 1: Reason and the Rationalization of Society (Londres. Polity.
ganham cada vez mais importância na reprodução ampliada do ca- 1991 ): The Theory of Comm,micative Action, v. 2: The Critique of Fimctionalist Rea-
pital financeirizado . informacional e digital. son (Londres. Pollty. 1992) : André Gorz. Adeus ao proletariado (Rio de J aneiro,
Vamos apresentar, então, nas páginas e nos capítulos seguintes. Forense Universitária. 1982): Metamo,Joses do trabalho (São Paulo. Annablume.
2003): O imaterial (São Paulo. Annablume. 2005): Robert Kurz. O colapso da mo-
algumas ideias e hipóteses que sustentam a formulação principal
dernização (Rio de J aneiro. Paz e Terra, 1992).
deste livro, a qual pode ser assim resumida: há uma nova morfologia 16
Jean Lojklne. A revolução iriformacional (São Paulo. Cortez. 1995). e ·oe la révo-
da classe trabalhadora: d ela sobressai o papel crescente do novo lullon lnduslrlelle ã la révolution informationnelle· . em Jacques Bidet e J acques
proletariado de serviços da era digital. Texler. La crise du travai!: actuel Marx corifrontation (Paris. Presses Universitaries
de France. 1995): Ricardo Antunes, Os sentidos do trabalho (São Paulo. Boitempo.
20 13 ). e Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metanw,joses e a centralidade do
mundo elo trabalho (São Paulo, Corlez. 2015).

/\ explosão d o "º"º p rol.t.!turwdo de se rvlços • 35

. . do zero /wur contract, modalidade per-


LI •\t1co e o ,
Exnnplo cnt 'cm, . · Ja 110 Reino Unido e se esparrama pelo de trabalho. arcam com s uas despes a s d e segurida de. com os gastos ele
11110 1
\'t't-:;.:1 dt· tr.1tx que tv t et s a•o têm determinação de horas - daí manutenção dos ve íc ulos. ele a Lime ntação , limpeza e tc .. enquanto o
, os con ra o 11 "aplicativo" - na verdade. uma e mpresa privada global de assalaria -
11n111do. (' tl\ qut_ dalidade. trabalhadores das mais diver -
. ttr a o Nes sa mo mento disfarçado sob a form a d e trabalho des regulamentado -
sua denomm -, · . d' posição esperando uma chamada. Quando
. 'd•1des hcam a ts apropria-se do mais-valor gerado pelo se rviço dos motoristas. sem
"ª" attn ' tritamente pelo que fizeram . nada recebendo
•1 n 'l.'<'be tn ganham es
• · fi m à d isposição da nova "d·a d 1va
' .. E '
. ssa ,orma preocupações com deveres trabalhistas historicamente conquistados
tempo que cara pela classe trabalhadora. Em pouc o tempo. essa empresa se tornou
pe1O gl ba um leque imenso de trabalhadores e traba-
d~· co ntrataçao en
_
° . b
- exemplos médicos, enfermeiros. tra alhadores
global. com um número espetacularmente grande de motoristas que
Jhadoras d e que s a 0 vivenciam as vicissitudes dessa modalidade de trabalho instável. A
• ( 'd dores de idosos crianças, doentes, portadores de ne-
do care cu1 a · .. principa l diferença entre o zero hour contract e o sistema Uber é que
cessidades especiais etc.). motoristas. eletricistas. adv?g~dos, profis- neste os/as motoristas não podem recusar as solicitações. Quando
-
s10nais - d os servi·ços de limpeza · de . consertos . domesticos,
. . dentre o fazem . sofrem represálias por parte da empresa. que podem resul -
tantos outros. E os capitais informaticos e finance1nzados, numa tar no s e u "desligamento".
engenhosa forma de escravidão digital , se utilizam cada vez mais Submetidos a essas modalidades de trabalho . com contratos
dessa pragmática de flexibilização total do mercado de trabalho. "zerados", "uberizados", "pejotizados", "internlitentes", "flexíveis". os
Assim. de um lado deve existir a disponibilidade perpétua para trabalhadores ainda são obrigados a cumprir "metas". impostas fre-
0 labor. facilitada pela expansão do trabalho on-line e dos "aplicati- quentemente por práticas de assédio capazes de gerar a doecimentos.
vos". que tornam invisíveis as grandes corporações globais que co- depressões e suicídios. Em 2017 . os assédios que ocorreram na
mandam o mundo financeiro e dos negócios. De outro, expande-se empresa Uber assumiram uma dimensão tão grave que levaram.
a praga da precariedade total. que surrnpia ainda mais os direitos inclusive, à demis são de seu CEO. envolvido nessas práticas escusas
vigentes. Se essa lógica não for radicalmente confrontada e obstada, que se repetem em muitas empresas globais. Vale recordar também que
os novos proletários dos serviços se encontrarão entre uma realida- a justiça britânica reconheceu em primeira instância. recentemente.
de triste e outra trágica: oscilarão entre o desemprego completo e, a burla presente nessas modalidades de "serviços". obrigando as
na melhor das hipóteses, a disponibilida de para tentar obter o privi- empresa s a estende r em a os tra.balhadores e tra balhadoras os direitos
légio da servidão 17 . trabalhistas vigentes.
Um grupo cada vez mais minoritário estará no topo dos assala- Outro exemplo da forma disfarçada assunlida pela exploração do
riados. Entretanto, a instabilidade poderá levá-lo a ruir face a qual- tra balho pode ser encontra do n a Itália. onde há pouco tempo se de-
quer oscilação do mercado, com seus tempos, movimentos, espaços s envolveu uma nova modalida de d e tra balho ocasional. o trabalho
e territórios em constante mutação. A esses se somam ainda uma pago a voucher. Ela é assim denominada porque os assalariados
massa de "empreendedores", uma mescla de burguê s-de-si-próprio e gallham um voucher pelas horas de trabalho realizadas. o qual trocam
proletário-d e-si-mesmo. Mas é bom recordar que h á várias r esistências pelo equivale nte monetário. segundo o salário mínimo legal pago por
nos espaços de trabalho e nas lutas sindicais a essas formas de hora trabalhada. Se não bastasse esse vilipêndio (que em Portugal se
trabalho que procuram ocultar seu assalariamento. por meio do mito denomina trabalho pago por "recibos verdes"). os trabalhos exceden-
do trabalho autônomo. tes muitas vezes s à o ofe recidos por fora do voucher, o que s ig nifica
A Uber é outro exemplo mais do que emblemá tico: trabalhadores uma precariza ção a inda maior do trabalho ocasional e intermitente.
e trabalhadoras com seus automóveis, isto é , com seus instrumentos Ê como se existisse uma precarização "legal" e outra "ilegal". Não teve
outro motivo o re púdio dessa ·modalida de pelos tra balhadores e tra-
balhadora s, por seus movimentos de r epresenta ção e também pelo
17
Parece desnecess · . sindicalismo ele perfil mais crítico, que exigiram um plebiscito para
c·r1 . _ arta dizer que o termo servidão é a qui utilizado de mod o me ta -
o cNo. ms plraçao encontrada em Albert Camus. O prime iro h omem (Rio d e J a n ei- que a populaçã o pudesse decidir pela continuidade ou não de tal
ro. ova Fronterra J 99 4) d
Parece te r ,,e,·t o um· u so livre
· que e u o mote para o título d este livro. Marx ta mbém
dO t
prá tica. Teme ndo a d errota . o governo s uspe ndeu . no início de 2017.
Inteira está e lvid e r m o quand o a firmo u q ue "a opressão humana essa forma de assalaria m e nto.
nvo a na relaç· d O b
relações de serv1d · _ ao tra a lhador com a produção, e toda s as Foi esse conjunto de pragmáticas que possibilitou o florescimen-
em Manuscn·tos ao sao
• .
a pen as m odlfi -
caçoes - .. .
e consequ ências dess a r e laçao
2004). p. 89.
econom1co--jilo5 0-,"~ (
J~os trad . J esu s Ranier. São Paulo . Boitempo. to e a a mplia çã o do cha m a do precariado, es tra to social cres cente
Sô • O prit·ilt'gio do sernidào A explosào do novo proletariado d e serolços • 37

. ita1istas centrais. como na Itália , na Espanha, na


n os pa1ses ca~an a em Portugal. nos Estados Unidos etc. • e que. trabalho. Ou airlda o chamado teletrabalho e/ou home office. que se
Inglaterra. ~: Jd ~ ~ de acolhimento dentro do espaço sindical, utiliza de outros espaços fora da empresa. como o ambiente domés-
da das as d1 cu a e. rios movimentos. Em Milão, na Itália, sua tico. para realizar suas atividades laborativas. Isso pode trazer van-
vem criando seus prop ti d tagens. como economia de tempo em deslocamentos. pe rmitindo uma
_ , . das pioneiras, gerando uma orma e repre-
organizaçao ,01 uma p . melhor divisão entre trabalho produtivo e reprodutivo, dentre outros
_ t · ma de que é exemplo o San recario , que luta
sentaçao au ono . . d . 1 . d pontos positivos. Mas com frequência é, também, uma porta de en-
. t dos direitos pelo precana o . me um o natural-
pelas conqms as trada para a eliminação dos direitos do trabalho e da seguridade
mente os imigrantes 18 - 19 social paga pelas empresas, além de permitir a intensificação da
Há também O movimento Clash City Workers . da juventude dupla jornada de trabalho, tanto o produtivo quanto o reprodutivo
precarizada e rebelde. que assim se define: (sobretudo no caso das mulheres) . Outra consequência nega tiva é a
Clash City Workers é um coletivo de trabalhadores e trabalhadoras, de- de incentivar o trabalho isolado, sem sociabilidade, desprovido do
socupados e desocupadas, denominados "jovens precáii~s". A tradução convívio social e coletivo e sem representação sindical.
de nosso nome significa algo como "trabalhadores da cidade em luta". É desse modo que o capitalismo informacional e digital vem apri-
Nascidos na metade de 2009. somos ativos particularmente em Nápoles, morando sua engenharia da dominação. Desde que a empresa tay-
Roma. Florença, Pádua, Milão e Bérgamo e procuramos seguir e susten- lorista e fordista foi suplantada pela liofilização toyotista e flexível.
tar as lutas que estão em curso na Itãlia.20 passamos a presenciar o que Daniêle Linhart2 1 denominou desmedi-
da empresarial. Contra a rigidez vigente nas fábricas da era do au-
Esse processo de intensa precarização do proletariado italiano tomóvel. durante o longo século XX, nas últimas décadas os capitais
vem possibilitando novas formas de representação sindical. como vêm impondo sua tripode destrutiva em relação ao trabalho: a ter-
é O caso da Confederazione Unitaria di Base (CUB). criada há vários ceirização, a informalidade e a flexibilidade se tornaram partes inse-
anos como uma proposta alternativa ao sindicalismo mais tradi- paráveis do léxico da empresa corporativa.
cional, sendo que mais recentemente se deu a criaç ão do movimen- Assim , movida por essa lógica que se expande em escala global.
to Nuove Identitá d i Lavoro (NldiL) . vinculado à Confederazione estamos presenciando a expansão do que podemos denominar
Generale Italiana dei Lavoro (CGIL). voltado a repres entar o deno- uberização do trabal ho. que se tornou um leitmotiv do mundo em-
minado precariado. presarial. Como o t rabalho on-line fez desmoronar a separação
O fundamento dessa pragmática que irlvade todo o universo glo- entre o tempo de vida no tra balho e fora dele, floresce uma nova
bal do trabalho se evidencia. Na empresa "moderna" . o trabalho que modalidade laborativa que combina mundo digita l com s u jeição
os capitais exigem é aquele mais flexível possível: sem jornadas pré- completa ao ideário e à pragmática das corporações. O resultado
-determinadas, sem espaço laboral definido, sem remuneração fixa, mais grave dessa processualidade é o advento de uma nova era de
sem direitos, nem mesmo o de organização sindical. Até o sistema escravidão digital. que s e combina com a expansão explosiva dos
de "metas" é flexível: as do dia seguinte devem s e r sempre maiores intermitentes globais.
do que aquelas obtidas no dia anterior. Tudo isso se coa duna com a denominada indústria 4 . O. Essa
É por isso que, nesse mundo do trabalho digital e flexível, o di- propositura nasceu n a Alemanha, em 2011. concebida para gerar
cionário empresarial não para de "inovar", em especial no setor de um novo e profundo s alto tecnológico no mundo produtivo, estrutu -
serviços. "Pejotização" em todas as profissões, com m édicos , advoga- ra do a partir d as novas TICs que se desenvolvem celerement e. Ela
dos. professores, bancários, eletricistas. trabalhadoras e trabalhado- signJficarà a irltensificação dos processos produtivos au tom atizados,
res do care (cuidadores) e "frilas fixos", freelancers que se tornam e m toda a cadeia geradora de valor, de modo que a logística empre-
permanentes, mas que têm seus direitos burlados e se esc ondem nas s arial seja toda controlada digitalmente.
redações dos jornais quando as empresas sofrem a s a uditoria s do Sua principal consequência para o mundo do trabalho será a
ampliação do trabalho morto, tendo o maquinário digital - a M internet
18
das coisas" - como dominante e condutor de todo o processo fabril.
O site do movimento é·· WWW.precana.org/.
.
19
O slle do movimento é · .
20 V . · WWW.clashcityworkers.org/chi-siamo.html. 21
er lambem o interessant t dO Daniêle Llnhart. A d esmedida d o capita l (São Paulo, Boltempo, 200 7) . e La comé-
tri: lavoro. classe e e e~ u do coletivo Clash City Workers. D oue sono i nos· dle humaine du travai! í[oulouse. Edllions Êrês, 20 15).
movimentt nell'l talia d ella crisi (Lucca, La Casa Usher. 2014) .
. _,. - d « ,-c ,1.•id{w
jt-. O pm~1•~•10 • J\ explos ão do n.ovo proletariado de seru/J;os • 39

- do trabalho vivo, através da substituição


t' a cons t·quente n~d_uç:s e mais manuais por ferramentas automa- Parece evidente que essas mutações que afetaram o mundo pro-
da s a tivida des tradicion do informacional-digital. dutivo encontraram enorme Impulsão a partir da expansão capita-
b tizadas sob o coman lista do setor de serviços. Que metamorfoses ele vem sofrendo. a
ti7-"'1.das e ro O • d a produção tende a ser cada vez mais
·t lismo avança o. partir da sua privatização? Se os serviços foram . nos séculos XIX e
_ N~ capi ª. bôs e máquinas digitais. encont:ando nas TICs 0
XX, em grande parte considerados improdutivos (para o capital). como
mvad1da p01 ro tal dessa nova fase de subsunçao real do trabalho
suport~ fu ndamen uência dessa nova empresa flexível e digital, compreendê-los nessa nova fase informacional-digital. em que a di-
ao capttaL Como conseq . . d . visão trissetorial (agricultura. indústria e serviços) está cada vez mais
. t l bais tendem se expandir am a mais, ao mesmo
os intermtten es g o . . l . , r. • l . interseccionada e submersa na lógica da mercadorização? Em uma
log· ico-organtzactona -mJormactona ehmi-
t 1po que o processo tecno . indagação sintética: os serviços podem ser considerados também
en . de ,orma
nara ,. crescente uma quantidade incalculavel de força de produtivos? Podem gerar mais-valor? Como devemos compreendê-los.
ará supérflua e sobrante, sem empregos, sem
traba1ho que s e torn . em meio a tantas metamorfoses? Parece imperioso voltar a Marx.
· d
segunda e soc1 'al e sem nenhuma perspectiva de futuro . para tentarmos ao menos oferecer elementos para uma resposta.
Sua denominação. indústria 4 .0, es~ampa. ~egundo seu~ formu-
va fase da automação mdustnal, que se diferencia
1a d ores. uma no . . Os serviços podem gerar mais-valor?
da Revolução Industrial do sêculo XVIII. do salto da~o pela m~ustria Sabemos que a criação do mais-valor ocorre na esfera da produção.
automotiva do século XX e também da reestruturaçao I_:>rodutiva que conforme Marx desenvolve no Livro I de O capitat22 • Mas sabemos
se desenvolveu a partir da década de 1970. A essas tres fases ante- também que produção é consumo e que consumo é produção. O ciclo
riores sucederá uma nova, que consolidará, sempre segundo a pro- completo é constituído por produção. consumo. distribuição. circulação
positura empresarial, a hegemonia informacional-digital no mundo ou troca. Como no mundo contemporâneo há uma intersecção cres-
produtivo. com os celulares. tablets, smartphones e assemelhados cente entre os diversos setores da produção (indústria, agricultura e
controlando. supervisionando e comandando essa nova etapa da serviços). de que são exemplos a agroindústria, a indústria de servi-
ciberindústria do século XXI . ços e os serviços industriais, esses setores são cada vez mais con-
Não é difícil antecipar que a divisão internacional do trabalho entre trolados e totalizados pelo capital, que os converte em mercadorias
Norte e Sul, centro e periferia, tenderá a se aprofundar ainda mais, (sejam elas materiais ou imateriais). Aflora, então, um novo desafio
seguindo um movimento que. sendo desigual e combinado, atingirá analítico: qual é o papel efetivo dos serviços privatizados na criação
de forma diferenciada a totalidade dos países. aprofundando a expul- do valor?
são de força de trabalho em um patamar ainda maior que o atual. No Livro II de O capitat2 3 , Marx apresenta uma seminal análise da
Como essa lógica que estamos descrevendo é fortemente destru- indústria de transporte (navegação e ferrovia) como potencial geradora
tiva em relação ao mundo do trabalho, a contrapartida esparramada de mais-valor. apesar de não produzir nenhum elemento material.
pelo ideário empresarial tem de ser amenizada e humanizada. É por Dada a especificidade desse setor. Marx afirma:
isso que o novo dicionário "corporativo" ressignifica o autêntico con-
Quanto mais transitória for uma mercadoria e. por conseguinte. quan-
teúdo das palavras. adulterando-as e tornando-as corriqueiras no
to mais Imediatamente após sua produção ela tiver de ser consumida
dialeto empresarial: "colaboradores", "parceiros", "sinergia", "resiliên- e , portanto. também vendida. tanto menos ela pode se distanciar de
cia". "responsabilidade social", "sustentabilidade", "metas". Quando seu local de produção. mais estreita é sua esfera espac ial de circulação
entram em cena os enxugamentos, as reestruturações , as "inovações e mais local é a natureza de seu mercado de escoamento. Assim. quan-
tecnológicas da indústria 4 .0 ", enfim, as reorganizações comandadas to mais transitória for uma m e rcadoria. quanto maiores forem . por suas
pelos que fazem a "gestão de pessoas" e pelos que formulam as tec- qualidades fislcas . os limites absolutos de seu tempo de curso como
nologias do capital, o que temos é mais precarização. mais informa- m e rcadoria. tanto menos ela é apta a ser objeto da produção capitalista.
lidade, mais subemprego, mais desemprego, mais trabalhadores Esta só pode se instalar em locais de grande densidade populacional. ou
intermitentes, mais eliminação de postos de trabalho. menos pessoas
trabalhando com os direitos preservados. Para tentar "amenizar" esse 22
Ka rl Ma rx. O capital: crítica da economia política. Livro 1: O processo d e produção
flagelo, propaga-se em todo canto um novo subterfúgio: o "empreen- do capital (São Paulo. Boitempo. 2013) .
dedorismo", no qual todas as esperanças são apostadas e cujo des- 23 ide m . O capital: crítica da economia política. Livro li: O proce ss o de circulação do
fecho nunca se sabe qual será. capital (São Paulo. Boltempo. 2014).
. _. • •n •iclc)o
40 , () p,-il'il•~JIO "" '" /\ exp losú.o do novo proletariado de serulços • 4 1

l"<i <·m que


rn 1 111<''< 1 CT
. d transporte. as
=
_ d . tàncias se encurtem graças ao desenvolviment
is M a concentração d a prod uçao- de um arr o
igo Portanto. M a rx cara<.:tcrlza a atividade n a indústria de transpor-
dos 1nt·1os e al populoso pode criar um mercado relati te como um processo de prodw;ão dentro do processo de circulação.
_ ··os e num 1oc va-
<'lll poucas llld . esse tipo de artigos. como, por exemplo n Essa formulação oferece . c omo veremos adiante. pistas seminais para
mente grande tambem para 24 • as
se pensar o mundo capitalista dos serviços que se a mplia exponen-
gnU1des cervejarias. leiterias etc.
cialmente em nosso tempo. Como o au tor apresenta uma concepção
- . . ·dade resente nessas atividades obrigou a uma trans- ampliada de indústria, não só no Livro li d e O capital. mas também
A perecibili . P de transporte. convertendo-os em um ramo
f0 rmação dos serviços t nos Grundrisse27 , é possível compreender que se desenvolve uma
. . d. tria Assim como esta se ornou capitalista a processualidade produtiva no ramo dos transportes. tanto marítimo
P rodutivo da m us · . t •
artir do advento d a Revolução Industrial
-
e , pos enormente, também
,. dal"d d como ferroviário . além d e no armazenamento. nas comunicações. na
P . erou a sua condiçao de 1eu 1 a e , tornando-se indústria do gás e em outras esferas . Isso porque . dadas as suas
a agncu1tura sup d
. . rocesso similar vem ocorren o com os serviços particularidades. elas contemplam um processo de produção em seu
cap1tahsta. um P _ _ d d 1970 •
especialmente a partir da deca a e - movimento. ainda que dela não resulte nenhum produto material.
Muito antes. entretanto, Marx pôde demonstrar corno a indústria como é o caso da indústria de transportes.
de transporte. mesmo sem produz_ir ma~erialmente, acrescentava No capítulo 6 do Livro II de O capital. ··os custos de circulação"'.
valor. Essa antecipação marxiana fm poss1vel porque ele concebeu a Marx ainda acrescenta que a indústria de transportes. por ser um
indústria em um sentido amplo. ramo a utõnomo da produção. se converte em uma esfera particular
de emprego de capital produtivo, que dá continuidade ao processo de
Em suas palavras:
produção dentro do processo de circulação:
Mas O que a indústria dos transportes vende é o próprio deslocamento
de lugar. o efeito útil obtido é indissoluvelmente vinculado ao processo de A indústria do transporte constitui. por um lado. um ramo independen-
transporte. isto é, ao processo de produção da indústria dos transportes. te de produção e. por conseguinte. uma esfera especial de investimento
Homens e mercadorias viajam num meio de transporte, e sua viagem, do capital produtivo. Por outro lado. ela se distingue pelo fato de apare-
seu movimento espacial, é justamente o processo de produção efetuado. cer como continuação de um processo de produção dentro do processo
de circulação e para o processo de circulação.2 8
o efeito útil só pode ser consumido durante o processo de produção; ele
não existe como uma coisa útil diferente desse processo, como algo que Em nosso entendimento. esse é um ponto crucial de similitude entre
só funciona como artigo comercial, só circula corno mercadoria depois a produção material que predomina na indústria e a produção imaterial
de ter sido produzido. Mas o valor de troca desse efeito útil é determina- (ou não) que ocorre nos serviços privatizados: há um processo de produ-
do, como o de toda e qualquer mercadoria, pelo valor dos elementos de ção d e ntro do processo de circulação. Esse traço distir!tivo transparece
produção nele consumidos ({orça de trabalho e meios de produção) acres- quando Marx apresenta a fórmula para a indústria de transporte. a fim
cido do mais-valor criado pelo mais-trabalho dos trabalhadores ocupados de diferenciá-la da produção material de mercadorias:
na indústria dos transportes. 25 A fórmula para a indústria dos transportes seria. portanto. D-M < 1P ...
Atente-se aqui para o fato de que, para Marx, esse valor é deter- P-D'. j á que aqui se paga o próprio processo de produção. e não um pro-
minado de forma similar à dos demais ramos industriais: duto dele separado. Sua forma é. assim, quase a mesma da fórmula da
produção dos metais preciosos. com a única diferença de que o · ê aqui
Assim, o capital produtivo investido nessa indústria adiciona valor a forma modificada do efeito útil engendrado durante o processo de
aos produtos transportados, em parte por meio da transferência de produção. e não a forma natural do ouro ou d a prata engendrados du-
valor dos meios de transporte, em parte por meio do acréscimo deva- rante esse processo e dele expelidos.29
lor gerado pelo trabalho de transporte. Esta última adição de valor se
decompõe, como em toda produção capitalista, e m reposição de salário 27
i( arl Marx. Grundrisse: ,nanuscrilos econômicos de 1857- 1858 - esboços da crítica
e mais-ualor.2 6
da economia política (Sào Paulo. Boltempo. 2011 ).
w Idem. O capital, Livro li. clt. . p. 231.
24 Ibidem, p. 207; grifos meus. w Ibidem. p. 134; glifos meus. Remeto também o leitor ao excelente livro de Vinicius
25 Ibidem, p. 133-134; grifos meus. Ollvelra Santos. Trabalho material e teoria do v alor em Marx: s em e lhanças ocultas
e n exos necessários (São Paulo. E>q>ressão Popular. 20 13). p. 127-140. no qual
26 Ibidem, p. 229: grifos meus.
42 • O pril'il,! 1i<> do ;;,•n•icf<io
/\ explos(LO do novo prolelarladD de se rviços • 43

. t . de transporte. especialmente a dos produtos


- . .1 inc1us na d
:,;si!11 · • .
f\ di , : para se efetivar o consumo a mercadoria Assim, Marx af-tnna que, corno o tempo de rotação do capital é igual
'v •is e con c,.ao .
pt'rec1 t . . . 1 de produção e consumo. Se o transporte não for ao tempo de produção (que inclui o tempo de trabalho) mais o tempo
e~t~i.xando o c1c ºto espaço de tempo, a mercadoria perece. Isso a de circulação. quanto mais próximo de zero se torna o tempo de cir-
etd1vado em cur d l O
. d . t ·a diferenciada e geradora e va or. processo de culação do capital. tanto maiores se tornam a produtividade e a pro-
torna uma 111 us n !:J' . 1 .
. . tr tanto possui ainda outros e ementos centrais. dução de mais-valor. uma vez que o tempo de circulação do capital
nrcu!açao. en e ·
No ·mesmo L·vro 1
II de o capital Marx acrescenta
. _
que
_
tempo de pode limitar ou agilizar o tempo de produção e . portanto, aumentar
. t mpo de trabalho e tempo de ctrculaçao nao podem ser ou diminuir o processo de produção do mais-valor.
pi,od uçao, e .
identificados como sinônimos. Isso porque. A.inda segundo suas próprias palavras:
Quanto mais as metamorfoses da circulação do capital são apenas ideais.
0 tempo de produção engloba naturalmente o período do processo de
trabalho, mas não é englobado por ele. Antes de tudo. lembremo-nos de isto é. quanto mais o tempo de curso é = O ou próximo de zero. tanto
que uma parte do capital constante existe nos meios de trabalho, como mais atua o capital e tanto maior se torna sua produtividade e autova-
máquinas. edifícios etc .. que servem. enquanto dura sua vida, nos mes- lorização. (... ] Portanto. o tempo de curso do capital limita. em geral. seu
mos processos de trabalho que se repetem continuamente. A interrupção tempo de p,-odução e. por conseguinte. seu processo de valorização. 3 2

periódica do processo de trabalho durante a noite, por exemplo. ainda Assim. como hipótese que parece plausível, a indústria de trans-
que interrompa a função desses meios de trabalho, não interrompe sua portes. expressão de uma modalidade de produção imaterial - visto
permanência nos locais de produção. Eles pertencem a esses locais não que não produz nenhuma mercadoria, pois atua centralmente na
só quando ativos. mas também quando inativos. 3 0 esfera da circulação - , torna-se imprescindível para a concretização
da produção material e da efetivação do mais-valor. Por certo. essa
E acrescenta ainda que:
exceção aberta por Marx não significa que o mais-valor encontre fora
o capitalista precisa dispor de um determinado estoque de matérias- da produção seu espaço de criação. Mas, partindo de sua excepcional
·primas e materiais auxiliares para que o processo de produção con- percepção e teorização de que há um processo de produção que se
tinue a se desenrolar durante um tempo mais curto ou mais longo desenvolve dentro do processo de circulação, qualquer leitura que
sobre a escala previamente estabelecida. sem depender da contingên- atribua uma concepção estreita de produção e de indústria em Marx
cia de ter de abastecer-se diariamente desses materiais no mercado. fica em grande medida bastante fragilizada. Por outro lado, essa
Esse estoque de matérias-primas etc. só é produtivamente consumido concepção ampla de processo de produção dentro da circulação não
de modo paulatino. Há. portanto, uma diferença entre seu tempo de pode ser acríticamente generalizada.
produção e seu tempo de funcionamento. O tempo de produção dos Como exemplo. podemos recordar que. no Livro m 33 . ao tratar
meios de produção em geral abarca. desse modo. 1) o tempo durante do comércio. Marx adicionou que este. embora seja imprescindível
o qual eles funcionam como meios de produção, ou seja. durante o para a concretização da venda, não gera mais-valor. sendo por isso
qual atuam no processo de produção; 2) as pausas. durante as quais considerado pelo capital como improdutivo. O capital comercial , diz
se interrompe o processo de produção e . com ele, a função dos meios de Marx. se apropria de parte do mais-valor gerado na produção indus-
produção nele incorporados; 3) o tempo durante o qual. embora já se trial e por isso não é responsável pela sua criação. Mas o autor não
encontrem dispon1·ve1·s c orno con d'1çoes
· do processo e . portanto. Ja· deixa de afirmar que as similitudes são maiores do que as diferenças.
representem O capital produtivo. eles ainda não estão incorporados no quando se pe nsa nas condições de classe dos comerciários enquan -
processo de produção.31 to assalariados . Em suas palavras:
Por um lado. tal trabalha dor comercial é um assalariado como qualquer
algumas das hipóteses aqui d . outro. Em primeiro lugar. porque o traba lho é comprado n ã o pelo dinhei -
Se santos co . d esenvo1vidas sao apresentadas com competência. ro gasto como renda . mas pelo capital variável do comerciante e. por
trabalhos 'ant~o m i;a em seus est udos (p. 130-132). retomou pistas de meus
i ores. ,aço o mesmo aqui conseguinte. n ão para a obtenção de um serviço privado. mas com a
quando ele aprese ta . em re 1açao
.
ao seu texto. principalmente
ção Imaterial e O dan sua d criativa
. hipótes e comparativa entre o mundo da prod u·
30
pro uçao material. :
12
Ibidem. p . 2 0 4 -5 : grifos meus.
Karl Marx• o capital.
• Livro
. li . cit.. p. 1.
31 20 "" l,a rl Marx . O capital: crilica ela economia política. Livro llf: O proces so global da
ibidem. p. 20! -Z.
p roclw; âo cc1pitalis to (São Pa ulo. Boi tempo, 2017) .
/\ 1•xr,lnsáo do novo proletariado d.e ser v iços • 45
. ção do capital aJi adiantado. Em segundo 1
. l"chck da autovaJ onza
1111 1 1
< ugar
- ' d força de trabalho - e. portanto. seu salário _ '.
rciu<' 0 valor e sua · . esta No universo da produção. onde há presen ça do trabalho Imate-
po ·. caso de todos os demrus assalariados. pelos
dt·iermmado. como no . cus- rial. a exemplo de diversas allvidades caracterizadas como de ser -
. d ça-o e reprodução de sua força de trabalho especifica, e na-
1os dc p10 u o viços. por exemplo nas T!Cs. nos call-cente rs e tc .. pode -se afirmar
pelo produto de seu trabalho.34 que o trabalho com traços ou coágulos d e ima terialidade gere valor.
tornando-se por isso também produtivo? É do que trata remos no
E acrescenta:
item seguinte.
Porém. entre ele e os trabalhadores diretamente em~regados pelo capital
industrial tem de existir a mesma diferença que ha entre o capital in- O trabalho imaterial pode ser produtivo?
dustrial e O comerciante. Como o comerciante. na qualidade de mero Para responder a essa questão. por si mesma bastante complexa.
agente da circulação. não produz valor nem mais-valor [...). também é é preciso desde logo apresentar duas formulações centra.is em nos-
impossível que os trabalhadores de comércio que ele emprega nas mes- so argumento . A primeira delas remete à conceitualização do que é
mas fun ções possam criar diretamente mais-valor para ele.35 produtivo e improdutivo para Marx. A segunda se refere à sua for -
mulação acerca da materialidade ou imaterialidade da produção e
Assim. se é claro para Marx que o trabalho produtivo não se
do trabalho.
c onforma no âmbito do comércio, o mesmo não se pode dizer em Vamos. então. esclarecer como concebemos a síntese marxiana
relação a um setor particular da indústria de serviços, a indústria de de trabalho produtivo e improdutivo. Resumiremos nos pontos a
transporte. Isso porque a sua análise foi capaz de compreender seguir o que entendemos como central da formulação marxiana
precocemente. ainda em meados do século XIX. que esse ramo era acerca do trabalho produtiva38 . Trata-se daquele trabalho que:
por si mesmo capaz de criar mais-valor. Hoje, um século e meio
depois. com as profundas mutações vivenciadas pelo capitalismo da 1) Cria mais-valor. Se, no Capitulo VI (inédito). Marx o define como
era digital-informacional e com a expressiva expansão dos serviços aquele que cria diretamente mais-valor, em O capital ele suprime
e sua mercadorização. torna-se premente oferecer um efetivo enten- essa qualificação. Em nosso entendimento. isso ocorre porque o
dimento de qual é o papel dos serviços na acumulação de capital, acréscimo da palavra diretamente é por demais restritivo . numa
como se realiza o processo de produção dentro desse setor. bem como produção que é coletiva.
qual é a real participação desses trabalhadores e dessas trabalha- 2) É pago por capital-dinhe iro, e não por renda. Esta segunda forma
doras no processo de valorização do capital e de criação (ou não) de de pagamento - por renda - é a que caracteriza. sempre de acor-
mais-valor. do com Marx, o pagamento pelo trabalho improdutivo. que cria
A principal hipótese, que vem sendo desenvolvida ao longo de valor de uso. e não valor de troca.
nossa pesquisa e que se constitui no principal fio condutor deste livro, 3) Resulta do trabalho coletivo, social e complexo, e não mais indi-
é que estamos presenciando o advento de novas formas de extração vidual. É por isso que o autor afirma. no Capitulo VI (inédito). que
do mais-valor também nas esferas da produção não material ou não é o operário individual que se converte no agente real do pro-
imaterial, espaço por excelência dos serviços que foram privatizados cesso de trabalho no se u coryunto. mas sim uma capacidade de
durante a longa fase de vigência do neoliberalismo. Lembremos que trabalho socialmente combinada.
a _Prin~ipal transformação da empresa flexível e mesmo do toyotismo 4) Valoriza o capital. não importando se o resultado de seu produto
é material ou imaterial.
n~o foi.ª co~versão da ciência em principal força produtiva36 , mas sim
a imbncaçao progressiva entre trabalho e ciência imaterialidade e 5) Mesmo quando realiza uma mesma atividade. somente poderá
materialidade, trabalho produtivo e improdutiva3 7 . '
ser definido como produtivo ou improdutivo em sua efetividade
concreta. isto é , dependendo de sua relação social da forma social
como se insere na criação e valorização do capital É por isso que.
34
Ibidem, p. 334. para Marx, trabalhos idênticos quanto à sua natureza podem ser

:: ld_em: ver especialmente o capitulo 17 ("O lucro comercial") .


Jurgen Habermas r,· • ·- . ª8 Tomaremos aqui. particularmente. as indicações de Marx presentes em O capital,
~rhe New Obscuril~".e~~tca e cienc ia como '"ideologia "' (São Paulo, Abril, 19 75). e Livro 1. cit. . bem como em O capital: livro I - Capítulo V1 /inédito/ (São Paulo, Cien-
37
Ricardo Antunes Os sentido clas Humanas. 1978).
· s do traba lho, cit. . e Ade us ao trabalho?. cit.
-at>. 0 µrit'ilt~/W dn st ·n·u.l<lo
I\ ex11(w ; {w dr> "º"º prolcloriarl.o d<' sen,tços • 47
. . d 111 . . ._ ckpe uckndo d e sua efetiva parUct-
p ro dut in>.s o u 1111 P 1 ('
. ..
"º~ · ·\o do capital.
. )<.'t'SSO d e , ·: tiOI l/.n(.', de melo direto ele va lorlza <,:ã.o do c:apltal. Ser trabalhador produtivo não
1.>-1< ,\o 110 P" I· .·. lo _ embora n e m todo trabalho assalariado
6) Tcnck a ser .1ss:.l ,u t.ic é . portanto. urna sorte. rn= um <17.ar.~ 1
sej:1 µrodutin>. Portanto. o primeiro elemento que queremos destacar é que Marx
. ·t. . tr:lba lho é improdutivo quando c1ia bens úteis • percebe de modo precoce uma te ndênc ia qu e hoje está sendo expo-
N \ cot1Lr:.1p..11 1( 1.l . 0 <
nencialmente desenvolvida pelo capitalismo. caracterizada pela am-
• _ , . .- e-tá voltado diretamente para a produção de
,·:.1lon: s clt' u :so. t: 11d 0 " . . pliação elas atividades produtivas imateriais. Mas acrescenta também
. 1 • t.i ~~a ainda que seja necessano para que esta se realize
\":l 1Ol't':s ( t: v, . < d - . que a produção material. que decorre cio labor e do Jazer social e
.- • 1 , _ trabalhos consumidos como valor e uso. e na.o como
5-w ,ique t". E. por · · · t d t balh o 1mpro-
· coletivo em mteração com o maquinário informacional-digital. constitui-
, - i1or d e troca. 1550 que o capital supnme o_ o ra -se como a forma prevalente da produção no capitalismo.
d~LiYO desnecessário. operando inclusive a fusao entre atividades
De nossa parte. acrescentamos que a propalada ficção que de-
produtivas e improdutivas. que passam a ser frequentemente reali- fende a predominância da produção imaterial (portanto desprovida de
La d a S ,--n,,Jos mesmos trabalhadores e trabalhadoras. materialidade) no capitalismo de nosso tempo é uma criação eurocên-
Vamos agora ao segundo ponto. Devemos a Marx a distinção trica (ou do Norte) que não encontra base ontológica real. quando se
entre produção mate rial e produção não material ou imaterial 39 , como toma a totalidade da produção global. incluindo China. Coreia do Sul.
aparece. por exemplo . no capítulo 14 do Livro I de O capital e tam- Índia e tantos outros países asiáticos, assim como Brasil e México
bém no seminal Capítulo VI (inédito). Depois de definir o que é tra- na América Latina, Rússia e países do Leste Europeu. ou ainda Áfri-
balho produtivo para o capital. Marx afirma: ca do Sul. no continente africano42 .
Nossa hipótese, então. é que estamos presenciando em escala
Para trabalhar produtivamente. já não é mais necessário Jazê-Lo com
global o crescimento de novas formas de realização da lei do valor.
suas próprias mãos: basta. agora. ser um órgão do trabalhador coletivo.
configurando mecanismos complexos de extração do mais-valor.
executar qualquer uma de suas subfunções. A definição original do tra-
tanto nas esferas da produção material quanto nas das atividades
balho produtivo 1... ). derivada da própria natureza da produção material.
imateriais. estas também crescentemente constitutivas das cadeias
continua válida para o trabalhador coletivo. considerado em seu con- globais de produção de valor. E . mais. mesmo não sendo o elemen-
junto. Mas já não é válida para cada um de seus membros, tomados to dominante. é necessário reconhecer que o trabalho imaterial vem
isoladamente.40 assumindo papel de relevo na conformação do valor, não só por
E acrescenta: ser parte da articulação relacional entre distintas modalidades de
trabalho vivo em interação com trabalho morto como também por
A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias. mas ser partícipe do processo de valorização . ao reduzir o tempo de
essencialmente produção de mais-valor[ ... ). Só é produtivo o trabalhador circulação do capital e. por consequência. também seu tempo total
que produz mais-valor para o capitalista ou serve à autovalorização do de rotação.
capital. Se nos for permitido escolher um exemplo fora da esfera da Visto que o setor de serviços está cada vez mais totalizado e
produção material. diremos que um mestre-escola é um trabalhador controlado pela lógica do capital e de seu processo de mercadoriza-
produtivo se não se limita a trabalhar com a cabeça das crianças. mas ção ou comoditização. ele também se torna gradualmente mais
exige de si mesmo até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão. Que partícipe das cadeias produtivas de valor. legando cada vez mais ao
este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensino. em vez passado sua forma improdutiva para se converter em parte inte-
de numa fábrica de salsichas. é algo que não altera em nada a relação. grante do processo de geração (produtiva) de valor. As crescentes
Assim. o conceito de trabalhador produtivo não impllca de modo nenhum intersecções entre a indústria. a agricultura e os serviços. como na
apenas uma relação entre atividade e efeito útil. entre trabalhador e agroindústria. na indústria de serviços e nos serviços industriais.
produto do trabalho. mas também uma relação de produção especifica- são emblemáticas do que estamos indicando. A introdução do tra-
mente social. surgida historicamente e que cola no trabalhador o rótulo balho on-line. que cresce intensamente desde os primórdios da rees-
truturação produtiva na década de 1970, com o seu instrumental

39 41
Q u e trataremos sempre como sinônimos. Ibidem. p . 578 ; grifos meus.
40 42
Karl Marx. O capital. Livro I. cit. . p . 577; grifos meus. Ricardo Antunes. Adeus ao trabalho?. cll.
,1 -!'°' • ( l J'IJH 'l/c~/tv I 1ti ·,, -rt•ttiúo
/\ explr,s lu, dr, 11nv,, fJr<.A,"•lc1rtado (/(' sc:ruf.ÇO!:> • 4 9
dirrital fez deslanchar essa processuaJ· 1
. .
•i ·o-intormac10na1· s · · 1c a-
t,·n111 1<'1'- < . e ·sante convertendo a reestruturação produt·
• .._, tornou me s · . wa Acrescenta a autora que todas essas categorias se utilizam cada vez
<1e. qu, · ' permanente. da qual a denommada indústria 4 _0 . mais das T!Cs e dos trabalhos on -linc'1f;_
<·m um processo e
mais 110\'ª etapa. · t · - f1 - Por certo. a expansão dessa mlriacle ele trabalhos on -line . digita -
1
· d . ra-o que se desenvolve a 11npor ante I e exao rea)i'za lizados. pode tornar mais difícil a percepção elas relações existe ntes
E nessa ire~ . -
.. ga do trabalho Ursula Huws. Ao discorrer sobre entre tals atividades e as mercadorias com as quais esses trabalhos
da pela SOCIO 1o - . o
·g·tal ela afirma que este nao pode ser considerado de se inserem e se conectam. Mas a autora apresenta uma nuance que
tra b a li10 d 1 1 · • " · d
. 1 d do coniunto da economia. Soc1e ade baseada no co pode ser importante: quando elas são realizadas por assalariados
mod o 1so a o ~ -
nhecimento- e "trabalho imaterial .. são. antes de tudo , expressões da trabalhando em empresas que geram lucro. então esses são mais
complexilkação atingida pela divisão do t.raba~o. em que coeXistem facilmente inseridos em atividades que produzem "diretamente mais-
tanto as atividades intelectuais como as manua.1s, tanto as de Criação -valor para o capital". constituindo-se naqueles trabalhos que ela
43 designa como "dentro do nó". isto é. que estão no núcleo das ativi -
como aquelas mais rotineiras .
Ao tratar das conexões existentes entre trabalho digital e teoria dades geradoras de valor47 .
do valor, a autora acrescenta que a generalização dos computado- De nossa parte. parece importante, entretanto. enfatizar um ele-
mento de diferenciação conceituai: realização de lucro não é o mesmo
res e das TICs nos mais diversos ramos da economia demonstra
que criação de mais-valor. como, aliás. vimos na distinção apresenta-
que O trabalho digital se expande celeremente em atividades rurais,
da por Marx entre a indústria de transporte e o comércio. a primeira
fábricas. escritórios. lojas. casas, condução de veículos etc., sendo
permitindo a geração de valor e o segundo possibilitando exclusiva-
cada vez menos expressivos os setores da economia que se de- mente a realização de lucro. Mas é preciso também indicar que o
senvolvem sem utilizá-lo . Assim, as atividades on-line avançam, capitalismo de nosso século é muito diferenciado em relação àquele
inserindo-se crescentemente nas complexas cadeias produtivas que vigorou no século XIX.
globais. Apreender esse movimento, diz Huws , desde as origens até Na esteira das indicações anteriores. Huws afirma que o amplo
a finalização das mercadorias, é um bom caminho para um melhor conjunto de atividades. como
entendimento do papel desempenhado pelas atividades digitais no
processo de geração do valor. Essa tarefa , embora não seja simples, marketing. gestão da logística. distribuição. transportes. atendimento ao
é realizável 44 . consumidor. vendas no varejo e atacado (seja on-line ou off-line) e en-
Encontra-se aqui, então, a chave para compreender melhor a Lrega de produtos. em suma. a totalidade da cadeia de suprimentos. da
participação do trabalho digital nas cadeias produtivas, já que ele entrada da fábrica (ou do local onde se desenvolve o software) até o
consumidor. deve ser entendida como trabalho produtivo.48
está inserido de "vários modos nos processos de produção", por meio
das ferramentas de comando digital, do uso de softwares etc., cada Avançando nas indagações e nas respostas. ã procura de com-
vez mais presentes nos processos produtivos 45 . preender as novas dimensões da teoria do valor hoje. a autora
A autora agrega elementos importantes quando trata da ampla acrescenta: o que ocorre quando o trabalho não remunerado dos
gama de atividades denominadas "serviços". Pode ser útil distinguir consumidores, ao realizar atividades de compra, substitui os antigos
aquelas que interferem mais diretamente na produção (ainda que sua assalariados produtivos? Por exemplo. quando os consumidores fazem
percepção nem sempre seja fácil), a exemplo das atividades de lim- a compra de s e us bilhetes de viagem diretamente no site das empre-
peza das fábricas ou das de manutenção do seu maquiná.rio, daque- sas, digitando seus próprios dados, ou quando os compram via ope-
las voltadas para a gestão da força de trabalho, como as responsáveis radores assalariados ele teleatendimento? A resposta de Huws é
pel_o processamento das folhas de pagamento e pela contratação e apresentada. Neste último exemplo. o trabalho pode ser tranquila-
trema~1ent~ dos assalanados. Cita tan1bém aquelas que dizem res· me nte considerado produtivo. Mas. indo além dessa primeira respos-
ª
peito gestao administrativa e financeira das empresas ou a ativida- ta - que considera menos polêmica - , a autora acrescenta que também
des de compra · venda , mai·ketmg . . no outro exemplo cilaclo eleve-se considerar tal atividade como proclu·
e distribuição das m e rcadonas.

13 •IG lbi<len1, p . 16 5 .
Ursula Huws Labor · li
44 · rn l e Glo/Ja/ DigiLal Economy , cil. . p. 15 7 . -11 Ibidem. p . 166-7 .
Ibidem, p. 164-S.
18
· Ibidem. p . 167.
"' Idem .
/\ explust', o d o 11000 proletaric.ulo ele se rviços • 5 1

dlferenc1.c1 ça·o
.<
que nos parece importante·•
ril'<l. Mas condut cot11 uma . d p;r trabalhadores remunerados não pode ria ser sequer co nec tada. Por conta desse elemento vital.
• ·d d -•s realiza as - acrescenta a autora, são ainda poucos os trabalhos que não deman -
Cl/.>Cll<l~ n.-; a e
cuw1 . ,. uma vez que a relaçao com o processo
cnro11rrnm -sc "dentro do no ,'9 dam alguma forma de atividade física. mesmo que seja a penas a de
- · · direta~ •
de valorv.açao e rnms . ponto importante e que traz uma utilizar um teclado 51 •
. . d menos mrus um Portanto. quando a tematização acerca do mundo do trabalho é
Ha ..un a ao tudos do trabalho e sua nova mor-
nítida conouencia
- • entre .
nossos es
d ·ealizados por Huws. Suas pesquisas feita de modo abrangente e totalizante. contemplando não só o Nor -
. 1 s que vem sen o 1 . te. mas em especial o Sul. com um volume multo maJor de trabalha-
tologia e aque e d uma significativa expansao de traba-
, e vem ocorren o . dores e trabalhadoras. aflora mais intensamente a fragilidade
conlirmam qu tretanto este ainda se mantem como
- nual mas que. en · empírica e analítica da tese do fim do trabalho. bem como a da con-
lho nao ma · 'dera a totalidade do trabalho. Acrescen-
. •t · ·0 quando se cons1 sequente perda de validade da teoria do valor.
mmon an_ · d d los que ressaltam a expansão do trabalho
ta que a enfase a a pe . 1 . d . Aqui vale indicar que uma variante crítica procurou dar novo
'alizado vinculado as tecno og1as a mfor-
·aparentemente d esma t en · .. fôlego às teses do fim da teoria do valor. recorrendo ao argumento
maçao . e comumcaçao . - (TlCs)"• tem por vezes permitido _ que se .obli- da sua intangibilidade. visto que na sociedade atual. de feição "pós-
.d d uma vez que não se destaca (ou nao se considera -industrial". tornar-se-ia impossível quantificar e contabUizar a me-
tere a real I a e. . 'd d .. ·rt · .. -
com o peso qu e merece) q ue as chamadas atiVI a es VI ums
. .
sao dição do valor52 . O argumento principal dessa proposição é o de que.
d epen dentes e têm conexões fortes com o mundo da materialidade. no trabalho. em particular nos serviços considerados imateriais. sua
d infind . . d .
Elas não poderiam existir sem a existência e . . -~veis merca onas intangibilidade acabaria por impedir a mensuração do valor. tornan-
produzidas em áreas e espaços com menor V1s1bihdade. co~o nas do impraticàvel a vigência do valor-trabalho e . por consequência. a
minas da África ou da América Latina, nas sweatshops da China ou criação do mais-valor53 •
50
em outros países localizados no Sul do mundo . Mas o capitalismo contemporãneo parece ter jogado por terra essa
Sua conclusão é relevante, apreende o trabalho em sua globa- possibilidade. uma vez que o valor é cada vez mais resultante de
lidade sem herdar nenhum traço eurocêntrico, tão frequente nos trabalho social e coletivo. complexo e combinado. predominantemente
estudos do tema. Sem a produção de energia. de cabos, de compu- material. mas crescente em seus traços de imaterialidade, ambos
tadores. de celulares e de uma infinidade de produtos materiais, sem presentes nas novas cadeias produtivas globais, cada vez mais imbri-
0 fornecimento das matérias-primas para a produção das mercado- cados e interrelacionados. Assim. é preciso enfatizar que o trabalho
rias. sem o lançamento de satélites ao espaço para carregar seus imaterial se tornou também parte integrante e vital da forma -
sinais. sem a construção de edifícios onde tudo isso é produzido e -mercadoria, em vez de ser excluído do complexo processo de criação
vendido. sem a produção e a condução de veículos que viabilizem do valor que encontra vigência no capitalismo financeiro. informacional
sua distribuição, sem toda essa infraestrutura material. a internet e digital d e nosso tempo54. Sua mensuração deixou de ser. há muito
tempo. individualizada. sendo uma média social, uma vez que ova-
49 Idem . Além das qualificadas formulações d e Ursula Huws aqui e em The Making lor é resultante do trabalho social. coletivo. complexo e combinado.
of a Cyberlarial: Virtual Work in a Real World (Londres, Merlin, 2003). que con- Pode ser elucidativo o exemplo seguinte: um iPhone X, produzido
ferem validade à teoria do valor na era do trabalho digital . o debate e a polémica pela Foxconn na China. utilizando-se de uma intensa exploração do
têm sido amplos e intensos. Hà. mais recentemente. uma gama d e novos estu-
dos sobre o tema. Destacamos. por exemplo. a pesquisa d e Nick Dyer-Witheford.
Cyber-Proletarial: Global Labou.r in the Digital Vortex (Londres. Pluto. 2015). que 51 Ibidem. p . 157-8.
apresenta novos elementos para uma melhor c ompreensão dos significados do 52
ciberprolet.arlado: Eran Fisher e Christian Fuchs (orgs.). em Reconsidering Value Ver, por exemplo. a formulação de André Gorz. O imate rial. cit.
5
and Labou.r in the Digital Age (Hampshire, Palgrave Macmillan. 2015) . ampla co- " Tanto no próximo capitulo qua nto em outras partes des te livro. faremos uma cri-
lelãnea contemplando diversos autores. com perspec tivas ta mbém diferenciadas, tica mais d e talhada d essa concepção.
esboçan1 uma c1itica da economia política d a internet e do tra balho digital a partir 54
André Tosei. ·centralilé et non -cenlralité du travai! ou la pass ion d es hommes
da teoria do valor -trabalho de Marx. Entre nós. remeto o d e bate ta mbém a César s uperflus". e m J acques Bidet e J acques Texier. La crise du travai!: actuel Marx
Bolailo. Indústria cultural. iriformação e capitalismo (São Pa ulo . Hucilec . 2000): co,ifronlation (Pa ris. Presses Universitaries d e France. 1995): J ean- Marie Vincent.
Eleutério Prado. Desmedida do valor: crítica da p ós-grande ind ústria (São Paulo. "Les a utom a tlsmes soclaux et le ·général inte JJec t"'. F'utur Antérieur. Paris. n. 16.
Expressão Popular. 2005): e aos textos nos qua is pude desenvolvê -lo m a is ampla- 1993. p . 12 1-30 . e "Flexibilité du travai! et plastlcité humaine". em J a cques Bidet
mente. Os sentidos d o trabalho. cil. . e Adeu s ao Lra/Jalho?. cit. e Jacques Tex.le r. La crise du travai!. cit. : Ricardo Antunes . Os sentidos do traba ·
50
Ursula Huws . Labor in lhe Global Digital Economy, cit., p . 157. lho. c lt .. e Adeus cw trabalho?. cit.
f~
. . lo "t·n·i< l<-,Cl
52 • O pril'il• ! I'º < . A explosão d o novo proletariado de s erviços • 53

. lho ilegal de estudantes (c omo foi dent


. , -··e dctrnM l •n-
tral>alho: int 1u:,,1, . ·l Fi11n11cial Times. em 21 e 22 de novembro de Dess e mod o . a lé m de a tercelrização amplia r es pe tacularmente a
ri•1d0 <1 te n1es1110 IJL o b"do pela Apple. nos Estados Unidos co extração de mais-valor n os espaços privados. dentro e fora d a s em -
' ·~ , foi conce 1 . • 111
20 I T"'). e qu t . , s etc não sera capaz de mensurar a t"'" pres as contratantes. e la ta mbém in seriu abertamente a ge ração de
. 1 ,cu, so1twa 1e
:,;eu dcs1.g .1. ~ ~
..
levou a montar sua es
tru '""'ª
tura de produça- mais-valor no Interior do s e rviço p ú blico . por m eio d o e norm e pro-
. . ct· . · --valor que a . o
cesso q ue in trodu ziu p ráticas p rivadas (as empresas tercehizad as e
rnt-d1::1 . ue a Apple não fabnca seus smartphones n
. t. ·?num,
Por que sera q , l . , a
n ;1 e' lll k'- . -valor fosse imensurave e tr1tangwel, essa res- s eus assalariados terceirizados) n o in terior de atividades cuja fina li-
C;1\ifórnia? Se o ma is d a de origina l era prod uzir valores socia lmen te úteis. co m o saúde.
·a um enigma. educação. previdência etc .
posta sen _ g ndo ponto crítico, que diz respeito às denomina-
Mas ha um se u . . d' . A terc eirização acelerada den tro da ativid ade estatal. n os m ais
. d . -industi;ais··. Como m 1ca rnos antenormente em
das ··socieda es pos . , distintos setor es (limpeza . transporte , segurança . alimentaçã o. pes-
. tação do Livro li de O capital de Marx. a produção
nossa mterpre - . d . 1 t . quisa , entre outros). incidindo tanto n as atividades administrativas
cap1.tahsta
. - s e resume à produçao
nao _ m ustna s neto senso (basta
. . . como, por exemplo. n a á rea d a saú de. com médicos e enfermeiros
pensar na a g n•cultura ca pitahsta) e o capital
. tr1dustnal transcende a
terceirizados a tuando em hospitais p úblicos. den tr e tantas outras
produção estritamente material, como V1mos em sua caracterização ativida des terceirizadas q ue se expandem em ritmo intenso n o espa-
da indústria de transporte (e de outros ramos, como armazenamento ço público. começa a corroer por d entro a res p ublica. u m a vez qu e
e estocagem. telégrafos e comunicações, gás etc.). a s emp resas d e terceiriza ção pa s s am a extrair mais-valor de seus
A chave analítica aqui. já o indicamos repetidamente. está na trabalhadores terceiriza dos q ue substituem os assalariados públicos.
efetiva intelecção de como se desenvolve o processo d e produção Nã o é d ifícil concluir que os des dobra m en tos sociais e políticos d e
dentro do processo de circulação e das atividades que incorporam os todos os elementos que oferecemos a t é a qui são e normes e assum em
trabalhos imateriais. como nas escolas e universidades privadas. nos grande relevãncia para o conjunto do mundo do tra balho e . em par-
call-centers. na indúsma de software e nas TICs, n a s a tividades de ticular. para a classe trab alhadora. Podem os resumi-los na seguinte
serviços como Uber, Cabify e assemelhados. no transporte de mer- indagação : os trabalhador es e a s trabalhadoras de s erviços são. em
cadorias rea lizado pelos motoboys, entre tantos ou t ros. É preciso, última instãncia . partes da classe média emerg ente ou expressão do
pois. investigar, empírica e analiticamente, como se des envolve o novo proletariado de serviços . d a cla sse trabalhadora em sua nova
"processo de produção" dentro desses ramos e s et ores que se expan- morfologia.. do que denominei classe-que-vive-do-tra balho?
dem com o trabalho digital e informacional, quais são as suas con- É diss o que trataremos no próxim o item.
dições de trabalho e s uas e fetivas relações c om o processo de
valorização do capital. Classe média ou novo proletariado de serviços?
Outro exemplo emblemático da ampliação da le i do valor nas Partimos da hipótes e de que os trabalha dores e as tra balhadoras em
esferas anteriormente consideradas improdutivas s e evidencia por serviços (como call-cen ters. telemarketing , indús m a d e softwa r es e
meio da tendência global de expansão da terceirização em todos os TICs. hotelaria. shopping centers. h ipermerca d os , red es de fast -food.
ramos da produção e, em p a rticular, nos s erviços. Em n ossa formu- grande comércio . en tre tantos outros) e n cont ram-se cada vez m ais
lação. a terceirização se tornou outro mecanismo vital do capita lismo dis tanciados d a quelas m odalidades de trabalho inte lectual que par-
para intensificar a exploração do mais-valor. a mpliando o espaço de ticularizam a s classes médias e. d a d a a tendência de assalariamen-
incidência do valor tanto na indústria como na agricultura e . sobre- t o . proletarização e mer cado r ização. aproximam-s e daqu ilo q u e
tudo ~as últimas década s . nos serviços (e em suas múltip la s inter - den ominam os novo proletariad o d e serviços.
-relaçoes . anteriormente indicadas. como agroindústria e indúsma Sabem os que a noção m arxista de classe m éd ia remete a um tema
de serviços). Esse complexo m ecanismo opera no s entido de a umen- bastante complexo. que transcende a esfera da m a terialid ade. uma
tar de modo signifi1cat·1vo a massa de ma1s-valor
. - nesses se-
extr a 1da vez que . para com preender a s classes sociais. é n ecessário apreen der
tores e ramos , des preza
, d os no passado pelo capita lis m o. uma complexa d imensão relacional entre o mun do da objetividade e
o da s u bjetividade. o que se opõe à unilateralização que . com fre -
q u ên cia, ocorre quand o s e d is cute o tema d a s c lasses s ociais.
55
Ver Yu an Yan • , . Nessa direção. começamos ind icando que a s cla sses média s (me -
Times 21 g, A pples iPhone X assembled by lllegal s tud en t la bour", Financial
· nov. 2 0 17· dis
cda l - l le7-b7Bl -794 ·
· 1 6
pomve em : <h ttps :/ / www.ft.com /co n tent / 7cb5678 -
lhor falar n o plural) configura m um con ceito amplo : são. desde logo.
ceOBbZ4ctc>: acesso em 11 a br. 20 18 .
54 • O prit'il(;gio da scrvid{w
A explosão do novo proletariado de serviços • 55
abalho predominantemente intelectua1
que exercem tr
compostas pe1os ·almente as distingue da classe oper,;,..
li que essenc1 . ...., ,a. Assim, dada a conformação heterogênea e compósita das clas-
(não manua • O .d. buscam uma clara diferenciação ern r
1 sses me ias e- ses médias, em sua objetividade e subjetividade, assim como em
E. mais. as c ª
- . lasse operana a
.. t mbém na esfera do consumo. em seu ideá-
- . 1 suas intrincadas dimensões relacionais, uma efetiva intelecção de
laçao a c . bo·licos Em relaçao as casses burguesas seu ser, de sua condição de classe, só pode ser apreendida em sua
. s valores sim · . ,
no. nos seu s nlédias frequentemente transita na esfera especificidade, nos laços e relações que as conectam com os pro-
. . ário das c1asse
o 1magm dominante. Mas, por serem destituídas dos cessos sociais.
d os valores .da. c1asse - .
·mbólicos da dominaçao e da nqueza. Vivenciam No passado, por exemplo, quando as "profissões liberais" eram mais
eios matenrus e s1 - .
m . . a oscilação e a incerteza sao mais frequentes do individualizadas. a exemplo dos médicos e advogados tradicionais, pre-
um cenano em que _
dominava uma dimensão de trabalho mais intelectual e não manual.
ue a estabilidade e a ascensao. . . -
q . onceito de classes medias nao pode ser determinado No presente, com a enorme expansão do capitalismo financeiri-
Assim. o c • 1 zado, amplos setores das classes médias vivenciam um intenso pro-
t almente nem de modo exclusivo pe a renda percebida,
nem cen r _ - • A 1· cesso de proletarização, como os trabalhadores de serviços que, uma
·se é de inspiraçao onto1og1ca. s c 1vagens que as
quand o a anál1 _ . . vez Mmercadorizados", se tornam, como vimos, cada vez mais parti-
ting e as particulartzam sao muito mais profundas. Se as clas-
cipes (direta ou indiretamente) do processo amplo de valorização do
:es ;:ias mais tradicionais devem ser definidas pelo papel que
capital. Assim, a partir do monumental crescimento dos novos assa-
ocupam no processo de trabalho, predon_1in~_teme:1t~ intele~tual e lariados de serviços (como os de call-center, telemarketing, hipermer-
não manual (de que são exemplos os func1onanos pubhcos, medicos,
cados. fast-food, hotéis, restaurantes, os assalariados do comércio e
advogados, profissionais liberais etc .}, nos últimos tempos temos de escritório), a tese que aparece como fio condutor deste livro é a
presenciado uma expansão significativa de setores médios que, em de que estamos presenciando a constituição e a expansão de um novo
seu processo de assalariamento. pelas formas de realização e vín- proletariado de seroiços. Esse, por sua vez, passa a ter cada vez mais
culos que passam a assumir com o trabalho que desenvolvem. sofrem um papel de destaque na formação da classe trabalhadora ampliada
uma crescente proletartzação, a exemplo dos trabalhadores de es- que se expande e m escala global e que tem sido responsável pela
critório, bancários, professores, assalariados do comércio. trabalha- deflagração de várias lutas sociais, manifestações e greves.
dores em supermercados, fast-foods. call-centers. TICs (ao menos Para melhor compreender a complexificação da sociedade de
em seus estratos médios e inferiores) , confirmando e aprofundando classes de nosso tempo, em particular a classe trabalhadora, vamos
a formulação pioneira de Braverman56 . tratar, neste capítulo, de mais um ponto também bastante relevante
As classes médias, além de suas diferenciações e oscilações es- que pode ser assim indicado: esses novos contingentes assalariados,
truturais típicas , definem-se de forma significativa pe los valores especialmente os mais precarizados, que realizam trabalhos esporá-
culturais, simbólicos, d e consumo5 7 . Os seus segmentos mais a ltos se dicos e intermüentes, sem contratação regulamentada e formalizada,
distinguem da classe m édia baixa e se aproximam. ao menos no e que por isso recebem menores salários, são parte da classe traba-
plano valorativo, das classes proprietárias. Mas , ao contrário, em lhadora ampliada (como nossos estudos vêm sugerindo) . integrantes,
seus estratos mais baixos, os assalariados de classe média tendem, portanto, da classe-que-vive-do-trabalho58? Ou constituem uma "nova
no plano da objetividade, a se aproximar mais da classe trabalhado- classe" . a classe do precariado, corúorme a sugestão de Standing59?
ra, ainda que sua aspiração possa se dirigir para o topo da pirãmide É dessa polêmica que trataremos a seguir.
social. É por isso que a consciência das classes médias a parece
frequentemente como consciência de uma não classe, ora mais pró- Entre a precarização e o precariado: estamos diante
xima das classes proprietárias , como ocorre em seus segmentos mais da constituição de uma nova classe?
altos, como os gestores (de médio e alto escalão) , a dministradores, Desde 2008. com a eclosão da nova fase da crise estrutural do capi-
~ng_er:meiros, médicos, advogados etc ., ora mais próxima dos valores, tar50. assistimos à expansão significativa do processo de precarização
ideanos e práticas da classe trabalhadora, qua ndo tomamos os seus
segmentos mais proletarizados. 58
Ricardo Antunes. Adeus a o trabalho?. cit. , e Os sentidos do trabalho. clt.
59
Guy Standing, The Precariat: lhe New Dangerous Class [Nova York, Bloomsbwy, 2011).
60 lstván M észáros, Para além do capital. clt. : Robert Kurz. O colapso da moderniza-
: H_a rryBraverman, Trabalho e capüal monopolista (Rio de J aneiro. Paz e Terra. 19 77).
ção. cit. : François Ch esnais. A mundialização do capital. clt.
' t· - . • -
P1erre Bourdieu A d 15 . . 2007)
• mçao. cnttca social doJulgwnento (São Paulo. Edu sp. ·
/\ explosão elo novo proletarín.do de serviços • 57

-,. cia se desenhava desde princípios


Ll's11 t en de 1
,,.:,;tnirurnl do 1n: 1lx111 10 -
~ d _ ,, ,1chou O processo de reestruturação mantinham como senos candidatos ao desemprego ou . na melhor
i-o 11nndo_ ·ala es 1<U
da ck,.::1da ck 1~ ' · e ' global. Um dos elementos mais ex- das hipóteses. ao trabalho precário. A geração Ni -Ni , ni estudi~. ~í
. l .. ,,1it'-1.I el\\ e~c
pro<l utl\,1 < u 1< • • _ õde ser observa d o com o ingresso
.
da trabaja !nem estuda nem trabalha) . indicou a dimensão da tragedta
pn' :-sin ).., dc-:-S proce_ss~- ~ acompanhado da inserção ou da am-
t' social que assolou a juventude espanhola , desencadeando o impor-
Ch in,1. no nwrcado c~p1dta itris~·l e1n vários países do mundo asiático tante movimento Indignados.
. . . · -· d · de tn us a ·
phaç.w da <111' 1 ª _0 do trabalho, que passou cada vez mais Na Inglaterra. ocorreu um forte levante social que se ini:i~u
O ·rnmc·nto da ex.-p oraça 1 - d fi d depois que um trabalhador taxista negro foi assassinado pela_ polícia.
' , d f t O como superexploraçao a orça e trabalho,
:l st' contüturar e a t • , Jovens pobres. negros. imigrantes. desempregados dos bairros de
- - º desemprego. ampliou enormemen e a m1orma-
Tottenham e Brixton se revoltaram e. em poucos dias. os levantes
1.lêm de aumentar o
· . . a'o e a flexibilização da força de trabalho, proces- atingiram Manchester, Liverpool, entre outras localidades . Tratou -se
lidacte. a tercemzaç _,., . .
. ge ,1a·o só os países do Sul, as pe1uenas do sistema da primeira grande explosão social na Inglaterra (e em partes do
so esse que a tm . . 61 '
mas também os pa1ses centrais • . . Reino Unido) depois da revolta contra o poll tax. que selou o fim do
Nessa contextualidade. o cenário socml se alterou sobremaneira: para governo Thatcher.
não voltar muito no tempo. podemos recordar as explosões sociais na Nos Estados Unidos, floresceu o movimento de massas Occupy
França. em fins de 2005. com a revolta dos imi?rantes e trab~adores Wall Street, denunciando a hegemonia dos interesses do capital fi -
pobres e a destruição de milhares de carros (s1IDbolo da sociedade do nanceiro, com suas nefastas consequências sociais: o aumento do
século XX) . ou ainda as manifestações de estudantes e trabalhadores desemprego e do trabalho precarizado. que atingiu ainda mais du-
em 2006. em Paris. contra o Contrato de Primeiro Emprego. ramente as condições de vida das mulheres. dos negros e dos imi-
Depois. tivemos o agravamento da crise, na virada da década, na grantes. O Occupy Wall Street possibilitou também uma retomada
Grécia. onde ocorreram várias manifestações contrárias aos recei- do debate sobre as classes sociais, o trabalho, o desemprego. a crise.
tuários do Banco Central europeu e do Fundo Monetário Internacio- a financeirização, temas que se encontravam fora da agenda política
nal (FMI) , A explosão das revoltas no mundo árabe, começando pela dos movimentos sociais tradicionais , mas que renasceram, fruto da
Tunísia. ampliou e deu uma dimensão ainda mais forte às rebeliões. amplitude e da importãncia assumidas pelas mariifestações que se
Estávamos adentrando em uma era de rebeliões, que, entretanto, espalharam pelos Estados Unidos a partir de 2011.
não se converteu em uma era de revoluções. Já nos referimos ao avanço dos novos movimentos de represen-
Em Portugal, essas lutas se tornaram emblemáticas. Em março tação do precariado na Itália. dadas as dificuldades de representa-
de 2011 , explodiu o descontentamento da "geração à rasca". Milhares ção pelo sindicalismo oficial e mais tradicional. Em Milão . eles
de manifestarttes. jovens e imigrantes, homens e mulheres, precari- floresceram com a eclosão conhecida como MayDay. em 2001 , em
zados e precarizadas. desempregados e desempregadas , expressaram luta pelos direitos, avançando para uma representação autônoma
sua revolta 62 (somando-se ao descontentamento e à luta dos traba- desse amplo e heterogêneo conjunto de trabalhadores e trabalha-
lhadores e trabalhadoras organizados sindicalmente, mais tradicio- doras . jovens . imigrantes . qualificados e não qualificados. cujo
nais e que vinham efetivando ações contrárias à perda crescente de trabalho é desregulamentado. dominantemente informal, e que se
direitos sociais) . Expandia-se também no país a prática dos "recibos autodefinem como precariado (San Precario). Outro exemplo, que
verdes". documento assinado por trabalhadores e trabalhadoras "in- também já indicamos anteriormente, foi o do grupo coletivo Clash
dependentes", desprovidos dos direitos trabalhistas presentes nas City Workers. representante da juventude precarizada que trabalha
relações regulamentadas, em troca do pagamento em dinheiro 63 . ou se encontra desempregada e que tem atividades em Nápoles e
Na Espanha, na mesma década, eclodiu o movimento dos jovens outras cidades do país64 .
em_ luta
. contra as a 1t·1ss1mas - taxas de desemprego e a completa au - No plano de uma ação mais sindical, recordamos também a cria-
senc1a de perspectiva d e VI'da. Estudando ou não , esses jovens se ção da Confederazione Unitaria di Base (CUB), movimento sindical
independente e autônomo e. anteriormente. dos Comitati di Base
(Cobas), que se desenvolveram a partir da década de 1990. com ins-
61 Ricardo Antunes , Adeus ao trabalho, cit, piração classista e independente e, em tempos mais recentes, com a
62 D
e que foi exemplo o movimento p -
tundente diagnóstico d t , recart@s Inflexíveis. que apresentou um con-
63 EJ' , , ª ragedla social ViVida em Portugal 64
1s10 Estanque, Classe média e lutas , . . . Cf. Clash City Workers. Dove sono i nostri. cit.
SOC!ais (Campmas, Editora da Unicamp. 2015).
I\ , ·x11/o-..l10 du n ov<..J pro le turtcu.Lu de .54..'r u (ço s • 59

..· di 1,avoro (Nld!L). vinculada à Confedera-


;-.i 0 , .., 1de111.1ta )
n,.,,·.\t• ,\.1 ' li
,
.
tnhana
dei Lavoro (CGIL . São. porlanlo. s e i.ores diferenciados da me.sma cla.s.se trabalha-
, 1 ,nc Gent't"-1t • t tantos outros. cons t·t -
1 utram-se na bas dora. da classe-quc-vive -do-Lrahalho e m s uas he te rogeneida d es . di -
' . 1 1 den re e
1-::..., S(;· s l'xcn P os. bretudo nos países do Norte , acerca da ferenciações e fragmentações . Nos pa íses capitalis tas avança dos01l.
l O debate. so b l os mais precarizados ou os Jovens. 4ue compõem o chamado preca-
de uni nrnp ontingente da classe tra a hadora. com
. . desse novo c
c 1m ·rg cnc 1a nciado em relação ao operariado rlado. nascem sob o signo da corrosã o dos direitos e luta m d e lodos
_
-r
ente duere _ . europeu os modos para conquistá-los . Os setores tradicionais da classe tra-
pcrhl e1aram . . desse debate que nasceu a polem1ca propos-
. 1 Foi dentro balhadora. herdeiros do weifare State e do taylorismo-fordismo eu -
1rad1ciona · . ,,.GS ue vislumbrou O advento de uma nova classe_
la de Sta nd1n5 · q ropeu . mais organizados e que conquistaram direitos ao longo de
o precariado. _ . 1 z da concepção ampla de classe trabalhadora muitas e seculares lutas. debatem-se no presente para Impedir um
Vamos. ent.ao.
.
u' ª _ d'
formulaçao . Segundo Stan mg. o precanado é
• ' desmoronamento e uma corrosão ainda maiores de suas condições
oblemat1zar essa de trabalho. Lutam para não se precarizar ainda mais.
pr d ' t· ta daquela que se conformou durante o capitalis-
uma classe is m ;r, . d d Exemplos verdadeiros de outra dialética. esses dois segmentos
. . •a uma nova classe. dt,erencta a o proletariado
mo induslna1• 5 en - . importantes da mesma classe-que-vive-do-trabalho. em sua aparen-
. d tn 11 lorista-fcordista. Sua configuraçao se aproximarta
herdeiro a era .....,, . . . • te contradição. parecem ter seu futuro ligado de modo indelével: o
_ d e uma nova classe mais desorganizada.
entao. _ .oscilante,
. 1deologi-
jovem precariado. em suas lutas. aparentemente mais "desorgani-
camen t e d ·r
I u
sa e • por isso · mais vulneravel.
_ . mais facilmente
. . atraí- zado". quer o fim da precarização completa que o avassala e sonha
da por •políticas populistas· , suscetive1s de acolher mclus1ve apelos com um mundo melhor. Por sua vez. os trabalhadores mais tradi-
· neofascistas". cionais. mais organizados sindical e politicamente. herdeiros do
Com esse desenho crítico - ainda que a descrição empírica de weifare State. querem evitar uma degradação ainda maior e se re-
Standing seja ampla e com informações relevantes -. sua análise cusam a converter -se nos novos precarizados do mundo. Como a
confere O estatuto de classe ao que de fato é uma parcela do proleta- lógica destrutiva do capital é múltipla em sua aparência. mas una
riado. e a mais precarizada, geracionalmente jovem, que vive de em sua essência. se esses polos vi.tais do mundo do trabalho. que
Lrabalhos com maior grau de informalidade, muitas vezes realizando vi.venciam situações tanto de heterogeneidade quanto de homoge-
alividades parciais, por tempo determinado ou intermitente. A resul- neização. não forem capazes de se conectar de modo solidário e
tante desse equivoco analítico levou o autor, inclusive, a concebê-la orgânico e de articular elementos de unificação em algumas de suas
como "uma classe perigosa", "em-si" e "para-si" diferenciada da clas- lutas. tenderão a sofrer uma precarização ainda maior. Uberização.
se trabalhadora66. walmartização. intermitência. pejotização. esse será o léxico domi-
Nossa formulação crítica, pelo que já indicamos neste capítulo, nante no mundo do trabalho se a resistência e a confrontação não
caminha em direção oposta às formulações que visualizam o preca- forem capazes de obstar o vigoroso processo de precarização estru-
riado como uma nova classe. Entendemos. ao tratar da realidade tural do trabalho.
presente em alguns países de capitalismo avançado , que a classe- Aqui é preciso fazer um breve parêntese: a precarização não é
-que-vive-do-trabalho. em sua nova morfol.ogi.a, compreende distintos algo estático, mas um modo de ser intrinseco ao capitalismo. um
polos que são expressões visíveis da mesma classe trabalhadora. processo que pode tanto se ampliar como se reduzir. dependendo
ainda que eles possam se apresentar de modo bastante diferenciado diretamente da capacidade de resistência. organização e confrontação
[diferenciação. aliás. que não é novidade na história da classe traba- da classe trabalhadora. Trata-se de uma tendência que nasce. con-
lhadora. sempre clivada por gênero, geração, etnia/raça, nacionali- forme Marx demonstrou em O capital. com a própria criação do
dade. migração. qualificação etc.)67. trabalho assalariado no capitalismo. Como a classe trabalhadora
vende sua força de trabalho e só recebe por parte de sua produção.
65 Guy Standtng. The Precariat. cit. o excedente que é produzido e apropriado pelo capital tende a se
r,; Ibidem. p. 25. ampliar por meio de vários mecanismos intrínsecos à sua lógica.
B1 V
er o conjunto de critica
í'he Precart t CI
r
s e po emlcas. bem como as respostas de Guy Standing em
Global Loboª J
ass and Progressive Politics: a Response". em Marcel Parei (org.), 68
Para um amplo desenho hlstó1ico e global da classe trabalhadora. ver Marcel van
Criticai Engagements wilh
Guy Strmr11nU:. ourna1: Special /ssue: Politics of Precarity: der Llnde n . Trabalhadores do mundo: ensaios para uma história global do trabalho
· -~'!Js, v. 7 . n 2 mala 2016 d ' t r
ca/gJoballabour/arttcJ~ ·. ; isponivel em: <https://mulpress.mcmas e· !Campina s . Editora da Unlca mp. 201 3 ).
/Vlew 12940/2600>; acesso em: 26 dez. 20 J 7 .

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GO • O p n1·1l, -ç110

. . _ buscam com frequência aurnent J\ explosão rio nouo proldurla.do d.e serviços • 6 1
cip1ta1:s l t ) . ar
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. ·z que os · •lcztivoqucanto O abso u o . . a tincessante
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· . . , ·,1 101. (t •·into o rt: 1 tre o valor que o p1 o 1e. anado . produz e buscam trabalho e sobrevivência em todos os espaços presentes na
11'.a1:sd 1 tr'lX'CI ctcsigun end _ eia presente na propna lógica do ca o (nova?) divisão internacional do trabalho.
,·ao • • a ten en · PI-
,. , , • •cebt' e ui 11 _ dos vários mecanismos, como a int Se Engels já demonstrou . em seu excelente A situação da classe
que t 1l 1 < t sao usa . - d 69 en.
1ah::-n1 ·
. o para tan lho o . o pio - longamento da JOI na a . . a _restriça·o e trabalhadora na lnglaterra71 • que o operariado britânico era bastante
.'::-1- 1·ll..•,ção
. .-
do traba . . os novos métodos de orgamzaçao sociote·c
dos direitos. -
heterogêneo e diferenciado. essas clivagens se acentuam quando ~ ~r-
a 1i1111tc1çao etc - cebe a taxa diferencial de exploração praticada entre centro e perifena.
·ca do trabalho · _ da classe trabalhadora e uma processu Feito esse parêntese. retomemos a questão que estávamos tratan~o.
n1 cruiZaçao a- a respeito da necessidade de buscar uma luta unificada entre os dis-
Assirn. a pre b" da luta entre as classes. da capacidade d
te tam em . e tintos segmentos que compõem a classe trabalhadora. Um de~o se
tidade resultan . d podendo. por isso . tanto se ampliar co"'-
resistenc1a
- . d O proletana º· sse movimento ocorre tanto em função d
.. .., torna central: os setores heterogêneos que compreendem a totalidade
. Dessa forma, e I d o da classe estão compelidos a construir laços de solidariedade e sentido
se reduzir. _ api·talista quanto das utas a classe traba
d xploraçao c . . - de pertencimento de classe. de consciência de seu novo modo de ser.
aumento ª esuas greves. lutas sindicais e embates contra o capita] .
conjugando suas lutas cotidianas com seus projetos societais.
!hadora. e~ t to Marx quanto Engels demonstraram que se
Somente através de fortes ações coletivas é que serão capazes de se
Foi por isso quet anente as formas de exploração do trabalho 'e-
. cessan em , 11 contrapor ao sistema de metabolismo social do capital, profundamente
alternam
- os que m se acentuam com a expansão · . . da "superpopulação re- adverso ao trabalho. aos seus direitos e às suas conquistas. O maior
nomen f que os capitais se utilizem .da _força excedente desafio no momento é impedir que as fraturas objetivas obliterem as
1 . .. que az com
dativa ·
trabalho para m . tensificar ainda mais a amphaçao dos níveis de possibilidades de ação suqjetiva. dificuJtando ou até mesmo impedindo
e
exploraçao _ e a consequente precariZação da - classe -
trabalhadora.
( - sua ação enquanto classe trabalhadora em sua totalidade. Isso porque
·ta1· mo atual a superpopulaçao re 1ativa ou exercito in- a contradição central de nosso tempo perpassa a separação que há en-
No cap1 1s · . .
dustrial de rese rua) , que Marx • no capitulo _ 23 do Livro I de O capital, tre a totalidade do traballw social e a totalidade do capüal global
ind1cou como. sendo constituída por tres
. formas_ - a latente. a_ estag- Aqui o papel do novo proletariado de serviços é emblemático. Sua
nada e a flutuante- . adquire novas d1mensoes e confi~u~açoes. Fe- aglutinação como parte constitutiva e crescente da classe trabalha-
-
nomeno. alia·s . que o autor indicou. nos contornos e hm1tes de seu dora ampliada, corno parte integrante de suas lutas. de seus emba-
tempo histórico. quando, ao definir o contingente flutuante, lembrou tes e resistências. tem (e terá cada vez mais) repercussões de grande
ue "uma parte dela [da superpopulação flutuante , ou seja. dos dis- importância nas lutas do coryunto da classe trabalhadora. do prole-
~ensados pela indústria] emigra e, na realidade . não faz mais do que tariado em geral. em todos os seus segmentos. contra a lógica des-
seguir os passos do capital ernigrante" 70 . trutiva que preside o sistema de metabolismo social do capital72 na
Hoje. dados o crescimento e a circulação da força de trabalho era da financeirização .
imigrante, que se intensificam exponencialmente em dimensões glo- Por fim , dada a conformação desigual e combinada da divisão
internacional do trabalho, é preciso fazer algumas mediações quando
bais, aumenta ainda a superpopulação relativa e , por consequência,
o exército de força sobrante global de trabalho. Nessa contextualidade, se trata de tematizar o precariado. A primeira delas é dada pelas
clivagens existentes entre Norte e Sul. Nas periferias. o proletariado
ampliam-se ainda mais os mecanismos de exploração. intensificação
nasceu eivado da condição de precariedade. Bastaria dizer que o
e precarização da classe trabalhadora, uma vez que a destruição dos
proletariado no Brasil - e em vários outros países que vivenciaram
direitos sociais conquistados passa a ser uma imposição do sistema
o escravismo colonial - efetivamente floresceu a partir da abolição
global do capital em sua fase de hegemonia financeira .
do trabalho escravo. herdando a chaga de um dos mais Iongevos
Com isso se acentua a heterogeneidade no interior da própria períodos de escravidão. de modo que sua precwização não é a exceção.
classe trabalhadora. cuja diferenciação entre ramos e setores ganha mas um traço constante de sua particularidade desde a origem.
novos componentes étnico-raciais, dados pelos migrantes globais que Como no Sul não se desenvolveu nenhum tipo persistente de
aristocracia operária. nosso proletariado sempre se confundiu com a
69
O
~er _excelente estudo de Pietro Basso, Mode m Times. Anc ie nt Hoi;rs : Working
wes the Twenty-fust Ce ntury (Londres, Verso . 2003) .
111 71
70 Ed . bras.: Sã o Pa ulo, Boltempo. 2008.
O capital, Livro J, cit. . p . 716 _ 72
ls tván Mészá ros. Para alé m do capital, c lt.
A cxplosán do ,in,X> prolewrlad-0 de serviços • 63
. traço marcante de sua ontogêh
. d de que e . d ,,ese
. . de precane a . ca foram mwto gran es, corno aq .
r0ni h(IIO • . ternas nun . árl Ue. Dos homens e mulheres Jovens mais quallflcados aos !migrantes
. diferenças in ·stocrac1a oper a e, posterlorrne l
.,, :-u:i:, ·ceJ·ou a an ·1·d 1· n e, pobres: dos imigrantes com qualificação às Jovens naUvas sem for -
· · .·-trntes onde VI . nunca houve uma so 1 a e tte O[Jerrír-1~
1~, ex1:, . ntre nos . - '¼. mação: das mulheres brancas às imigrantes negras. indígenas.
- u,1,rare State. pois e re presentes essas c1ivagens e diferencia
o tt "-u' ue esuvesse . m semP h1·stória da c1asse t ra b a Ih adora e! · amarelas , enfim, em um amplo espectro da população excedente de
Al nda q . toda a . · as trabalhadores e trabalhadoras, que Marx denominou superpop~
. como. alias. em _ f ndo entre seus diferentes polos
çoes. fosso tao u . d . relativa ou exército de reserva, podem-se encontrar. hoje. Incrusta-
nunca c1iaran:1 um o Norte. onde nasceu. na gene~e o moVirnento dos neles, cada vez mais contingentes que no centro do mundo são
J á 1105 pa1ses d
iOrt aristocra
ci·a operária e, postenormente se d
. · e- definidos (ou se definem) como preca.riado. Seja nos seus contingen-
operário, uma ·!idoe pro Ietan·ado herdeiro do taylonsmo, .
do fordis"'
"'º tes flutuantes . latentes ou estagnados, seja em outros que possam
senvolveu um so d to recente do precanado acentuou eno _ aparecer. a precarização se amplia de modo exponenciaJ e cada vez
State o a ven - . ti r
e do weifare , ~ rt de diferenciaçao que exis a , por exemplo com menos limites e crescente desregulamentação. ainda que essa
O
memente um traço ed_ i·onal do welfare State e os bolsões d ' expansão ocorra de modo desiguaJ, quando se toma o mundo em
1 t nado tra 1c e
entre o pro e ª tr vam na base da classe trabalhadora ~;n sua globaJidade.
encon a · ..... -
imigrantes que se _ tamanho muito menores do que os atuais Assim. se parece plausível e pertinente reconhecer empiricamen·
m dimensao e . d'' · te, no Norte , a emergência recente do preca.riado como sendo um dos
da q_ue e . ue em nosso entendimento, essas l!erenciações
0
E por iss q . · tri com O proletariado do Sul. A crise estru polos mais precarizados da classe trabalhad.ora e muito diferencia.do
_ tram s1me a · e distancia.do do proletariado herdeiro do welfare State. no Sul, no
nao encon subemprego, os novos fluxos migratórios
al o desemprego e O . , espaço periférico. o que poderíamos chamar de precariado tem sin-
tur · h vas significações, ampliando enormemente as
t dO isso gan ou no - gularidades e particularidades muito distintas em relação àquele que
u t da classe trabalhadora dos pa1ses capitalistas
clivagens den ro . 1 'd d floresceu no Norte. Como é límpido no caso brasileiro, ele não só não
. N S I as particularidades e smgu an a es da classe
centrais. o u · . ( rt · se constitui como uma nova classe. como também não é tão profun-
trabal hadora 1,'azem com que suas clivagens . por
. ce o existentes e damente diferenciado em relação ao proletariado mais regulamenta·
• tenham entretanto, a mtens1dade do centro de
relevantes) nao · ' do. pois aqui nunca floresceu um padrão societaJ típico do welfare
é uma
mo do que 1a em ·uma nova classe" abaixo
, lar . do proletariado
_ .. State - ainda que, no presente. esse novo contingente do proletaria-
completa desproporção, assim com? _foi um eqmvoc~ empmco e do esteja sendo redesenhado com novas configurações que se inserem
analitico falar em aristocracia operana como um fenomeno dura- no que venho denominando nova mo,jologia do trabalho73 .
douro nas periferias. Contrartamente, portanto, às teses que advogavam a perda de irn·
Desse modo. 0 precariado - se assim o quisermos chamar - deve portância da classe trabalhadora, que estaria sendo substituida pela
ser compreendido como parte constitutiva do nosso proletariado des- "sociedade de classe média". ou ainda àquelas que vislumbram a criação
de sua origem o seu polo mais precarizado, ainda que seja evidente, de "novas classes" (para não faJar daquelas que propugnaram o "fim"
como já indicamos ao longo deste capítulo, que entre nós também das classes sociais). estamos desafiados a compreender sua nova polis-
venha se desenvolvendo com rapidez um novo contingente _do prole-
tariado, largamente vinculado aos serviços, com um traço geracional
73
marcante Uuventude) e cujas relações de trabalho estão mais próximas No capitulo 7. trataremos da nova mo,:fologia do trabalho no Brasil e esses elemen-
da informalidade, do trabalho por tempo determinado, dos terceiriza- tos empíricos serão evidenciados. Sobre o debate em torno do precariado, vale
lembrar que. além de um amplo debate na Europa. hã também aquele que se de-
dos e intermitentes, modalidades que não param de se expandir. senvolve no Brasil. Ver. por exemplo: Ruy Braga, A política do precariado: do popu·
Já nos países capitalistas centrais, especialmente os da Europa, l/smo à hegemonia lulista (São Paulo, Boltempo. 2012) . e A rebeldia do precariado:
o precariado é uma criação mais recente, ao menos em sua confor- trabalho e neoliberalismo no Sul global (São Paulo, Boi tempo. 2017); e Giovanni Al-
mação atual, impulsionado pela crise estrutural do sistema capita- ves, Condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global
(Londrina, Praxls, 2009). Em relação ã tematlzação acerca de classe trabalhadora
lista, pelo advento do neoliberalismo e pelo comando do capital no Brasil ai uai. ver os artigos de Marcelo Mattos Badaró. •A classe trabalhadora:
financeiro , que fizeram emergir um proletariado muito mais explora- uma abordagem contemporãnea ã luz do materialismo histórico·. Revista Outu·
do :m pleno coração do capitalismo. A superexploração do trabalho, bro. Rio de Janeiro , n. 21. 2013; disponível em: <http://outubrorevlsta.corn.br/
wp-content/uploads/2015/02/Revlsta-Outubro-Edlção-21-Artlgo-03.pdf>; aces-
então, deixou de ser um discreto charme da burguesia dependente e so em: 26 dez. 201 7; e de Graça Druck. "Trabalho, precarização e resistências",
subordinada e ad en trou o coraçao- do weljare State. Caderno CRH (UFBA). Salvador, v. 24, 2011.
morfologia. cujo elemento mais visível .
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lmista e fordista. em 1
reativo processo de encoth· eira
da era tay . ( une t
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espec1a . . . ºVime t
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. _. Coreia Afiica do Su e e. , mas eve me uir tambem ,
Mexico. · . . os noVo
proletários precarizados de serviços, parte mtegrante e crescent s
se-que-vive-do-trabalho. Trabalhadores e trabalhadoras q e da
clas 'd ue corn
frequência oscilam entre a heterogenei ade em sua forma d
fliênero. etnia. geraçao, · qu alificaçao, · nac10n · alid a d e etc.) e a ho e ser
neização que resulta da con 1çao crescen temente pautada pelaT11Dge-
l5 d' -
carização, cada vez mais . d esproVI.d a d e d·irei·t os d o trabalho epre- de
regulamentação contratual.
Não menos importante é dizer ainda que a classe trabalhador
em sua nova morfologia, participa cada vez mais do processo:
valorização do capital e da g~ração _de m_ais-valor nas cadeias pro~
dutivas globais. As formas de mtens1ficaçao do trabalho, a burla dos
direitos, a superexploração, a vivência entre a formalidade e a in-
formalidade , a exigência de metas, a rotinização do trabalho, 0
despotismo dos chefes, coordenadores e supervisores, os salários
degradantes, os trabalhos intermitentes, os assédios, os adoecimen-
tos, padecimentos e mortes decorrentes das condições de trabalho
indicam o claro processo de proletarização dos assalariados de ser-
viços que se encontra em expansão no Brasil e em várias partes do
mundo, dada a importância das informações no capitalismo finan-
ceiro global. Constituem-se, portanto, numa nova parcela que amplia
e diversifica a classe trabalhadora.
As consequências dessas mutações são profundas no que con-
cerne às lutas sociais e sindicais, incluindo aquelas que assumem
uma conformação anticapitalista. Se há uma nova morfologia do
trabalho, ela inclui o advento de uma nova morfologia das lutas, das
formas de organização e da representação do trabalho.
O mundo hoje é um excepcional laboratório para se compreender
tanto essa tendência de precarização intensificada do trabalho, que
amplia exponencialmente as modalidades cada vez mais intermitentes
e desprovidas de direitos, quanto a nova era das lutas sociais que
acompanh~ essa processualidade complexa em expansão de esca·
la global. E disso que trataremos nos capítulos seguintes.

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