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A luta por um programa específico para o proletariado

Gustavo Machado

Marx dedicou grande parte de seu esforço para elaborar um programa que servisse como fio
condutor da luta dos trabalhadores pela sua libertação. Se um partido é fundamental para disputar os
rumos da luta de classes, o programa indica onde queremos chegar e por que meios. O partido
corresponde aos pés e o programa à cabeça. Um partido sem programa é como um cego no tiroteio,
que não sabe para onde ir. Da mesma forma, um programa que não tenha um partido para disputá-lo
no interior do movimento dos trabalhadores, é apenas tinta impressa em um papel.
O programa é ainda mais fundamental para uma organização socialista e revolucionária. Isto
é assim porque não é suficiente lutar por salário, emprego e direitos. É necessário mostrar que esses
problemas são provocados pela sociedade capitalista. Por isso, é necessário destruí-la e conduzir os
trabalhadores ao poder. Esse é o caminho de toda elaboração programática de Marx: desde o
Manifesto Comunista redigido para a Liga dos Comunistas até a Primeira Internacional. Por isso,
Marx escreveu na Resoluções do congresso geral de Haia em 1972 da Primeira Internacional que a
“constituição da classe trabalhadora em um partido político é indispensável para assegurar o triunfo
da revolução social e, de seu fim último, a abolição das classes”. Mas não basta a construção de um
partido. É preciso que esse partido tenha clareza de seu objetivo. Nesse sentido a resolução
continua: “A combinação de forças que a classe trabalhadora já efetuou por suas lutas econômicas
deve, ao mesmo tempo, servir de alavanca para suas lutas contra o poder político de seus
exploradores. [...] A conquista do poder político tornou-se, portanto, o grande dever da classe
trabalhadora”.
Como podemos perceber, as lutas sindicais e democráticas devem servir de alavanca para a
conquista do poder político da classe trabalhadora. É justamente esse aspecto principal do programa
que foi deixado de lado pelas organizações reformistas que se dizem marxistas. Esse foi o caminho
que seguiu a Social democracia Alemã, primeiro grande partido operário que revindicava o nome de
Marx. O principal dirigente reformista desse partido foi Eduard Bernstein. Em sentido oposto a
Marx, Bernstein dizia que “o movimento é tudo; a meta final, nada". Somente interessava o
movimento, a luta sindical, as táticas, a atuação parlamentar. O objetivo final ficava para o dia do
juízo final. O que poucos sabem é que Marx participou da fundação da Social democracia alemã e,
na época, fez um combate implacável pela questão do programa.
A Social democracia alemã surgiu da unificação entre dois partidos em 1875. O primeiro
partido era orientado pelas concepções de Marx e o segundo por Ferdinand Lassalle. Lassalle foi
colaborador de Marx nas revoluções de 1848 e, posteriormente, se aproximou do futuro imperador
da Alemanha, Bismarck e de concepções reformistas. Morreu pateticamente em um duelo em 1864
quando Marx estava próximo de romper as relações políticas com ele.
Muitos autores dizem que Marx foi favorável a unificação entre essas duas organizações.
Como prova citam a famosa frase de uma carta cujo tema é exatamente a fusão, na qual se lê: “cada
passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”. Mas esta frase,
quando tomada de forma isolada, falsifica de forma grosseira as posições de Marx. Na verdade, ele
diz na mesma carta que “engana-se quem acredita que essa vitória momentânea não custou caro
demais”. Porque a unificação custou caro demais? Justamente em função do programa aprovado no
congresso de fusão: o programa de Gotha.
Segundo Marx, “nos distanciamos totalmente desse programa de princípios e não temos nada
a ver com ele”. Programa “que, como estou convencido, é absolutamente nefasto e desmoralizador
para o partido”. Defende que deveria ter “sido previamente esclarecido de que não haveria nenhuma
barganha de princípios”. Longe de ter defendido a unificação nos termos do programa de Gotha,
Marx diz que seria melhor “ter firmado um acordo para a ação contra o inimigo comum”,
possibilitando que um “programa possa ser preparado por uma longa atividade comum”.
De fato, essa unificação, em bases programáticas frágeis, custou caro demais como previu
Marx. É bem provável que nesse momento fundacional se encontrem os germes da futura
degeneração do partido alemão, que se tornou vanguarda do reformismo a nível mundial. Esse
processo se iniciou rebaixando o programa para permitir a unificação com a organização criada
com base nas ideias de Lassale. Desde então, a Social democracia passou a revindicar um Marx sem
programa, sem cabeça; cujos pés conduzem a qualquer direção.
Ao se esquecer a longa trajetória de elaboração programática de Marx, muitos procuram
transformá-lo em um mero cientista social, filósofo ou economista, separado de sua atividade
essencial: revolucionária e socialista.
Desde o período do Manifesto Comunista, no livro a Miséria da Filosofia, Marx explica que
a sociedade está baseada nos antagonismos e na exploração de classe. Ocorre que “a luta de classe
contra classe é uma luta política”. Segue-se daí que somente em uma “ordem de coisas na qual já
não haja classes e antagonismo de classes, que as evoluções sociais deixarão de ser revoluções
políticas”.
Nesses anos, Marx abandona a fórmula programática muito geral da “emancipação humana”,
substituindo por uma palavra de ordem diretamente ligada a análise da sociedade capitalista: “a
emancipação da classe trabalhadora”. Esta análise conduz ao objetivo central do movimento dos
trabalhadores: a tomada organizada do poder. No entanto, é somente depois do Manifesto e da
experiência das revoluções de 1948 que Marx concluí não ser suficiente a tomada do poder pelos
trabalhadores. É necessário também destruir o Estado burguês e construir a ditadura do proletariado.
A ditadura do proletariado é anunciada pela primeira vez por Marx na forma de um
programa em meados de 1850. Naquele ano, a Liga dos Comunistas procurou se unificar com outro
grupo, dando origem a “Sociedade Universal dos Comunistas Revolucionários”. Esta organização
não vingou. De qualquer forma, o estatuto dessa nova organização, escrito e assinado por Marx,
iniciava com o seguinte artigo: “O objetivo da associação é a derrubada de todas as classes
privilegiadas, a submissão dessas classes à ditadura do proletariado, tornando a revolução
permanente até a realização do comunismo, que será a forma final da constituição da comunidade
humana.”
Mas podemos nos perguntar: por que uma ditadura do proletariado se o objetivo final é a
abolição da sociedade capitalista e de toda dominação das classes? Por que o proletariado deve
tomar o poder se o objetivo final é acabar com todos os meios de dominação de uma classe sobre a
outra, incluindo a política e o Estado? A questão é esclarecida pelo próprio Marx em resposta a um
editor de um jornal alemão da época. Este editor criticara Marx exatamente pela defesa da ditadura
do proletariado. A resposta de Marx foi a seguinte: “No artigo do seu jornal ... você me censurou
por defender o governo e a ditadura da classe trabalhadora, enquanto você propõe, em oposição a
mim mesmo, a abolição das distinções de classe em geral. Eu não entendo essa correção”. E
continua: "Este socialismo (isto é, o comunismo) é a declaração da permanência da revolução, a
ditadura de classe do proletariado como a ponto de trânsito necessário para a abolição das distinções
de classe em geral".
Como podemos ver, de um ponto de vista mais geral, a ditadura do proletariado é apenas um
meio para que se atinja o fim de todas as classes sociais e de uma sociedade baseada na exploração,
na opressão e na dominação. Mas, nos dias de hoje, quando a classe trabalhadora está afastada de
todas as formas de poder, a ditadura do proletariado é a finalidade primeira do Partido
revolucionário. Somente com a derrota do capitalismo a nível mundial, arena sob a qual se move o
capital, estarão dadas as condições para uma sociedade sem classes (e sem Estado).
Seria esta obsessão de Marx com o programa, e a ditadura do proletariado, um resíduo
sectário do século XIX? Um obstáculo para a unidade da classe trabalhadora e, assim, para a
realização dos seus fins? Não acreditamos. Em resposta a essas questões, terminamos citando a fala
de intervenção de Marx na Primeira Internacional em 15 de outubro de 1871. Nesta fala ele fez um
balanço dos motivos da derrota da Comuna de Paris, a primeira revolução vitoriosa dos
trabalhadores. A esse respeito comenta Marx:

“A Comuna não conseguiu encontrar uma nova forma de governo de classe. Ao destruir as
condições existentes de opressão, transferindo todos os meios de trabalho para o trabalhador
produtivo, e assim obrigando todos os indivíduos capazes a trabalhar para viver, a única base
para o domínio de classe e opressão seria removida. Mas antes que tal mudança pudesse ser
efetuada, uma ditadura proletária se tornaria necessária, e a primeira condição disso era um
exército proletário. As classes trabalhadoras teriam que conquistar o direito de emancipar-se
no campo de batalha. A tarefa da Internacional é organizar e combinar as forças de trabalho
para a próxima luta.”

Como podemos perceber, o programa não é um capricho de Marx. Um programa equivocado


conduz a derrotas e, com isso, a desmoralização e retrocesso da luta da classe trabalhadora. As lutas
sindicais e por direitos dentro da sociedade capitalista são incapazes de resolver de forma definitiva
os problemas da classe trabalhadora. Mesmo quando essas lutas são vitoriosas, os problemas
retornam com mais força anos depois. Da mesma forma, é impossível administrar um Estado
capitalista, pois esse é construído para atender as necessidades da classe dominante. O programa
pelo qual Marx batalhou aponta para a única solução definitiva para a classe trabalhadora.

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