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900 Jest Gomes Cora Col., p. 1191, que «embora dirigida direcramente a0 juiz que se lhe dirigiu, consticui raz4o suficiente para que qualquer outro juiz considere 0 acto como. ‘fo valido para os efeitos de uma decisio que the cumpra profetir. E isso estd em consondncia com a «ratio» do reenvio a titulo prejudicial a0 TICE: ele conscitui um instrumento fundamental da unidade do direito comunitétio que visam, em tiltima instancia, exacta interpretacio ¢ a correcta apreciaglo de validade da norma comunitéria. Para terminar ¢ na consideragao de que a verdadeira fonte do discito € sempre ¢ 96 a ordem social, evocamos HECK: “O juin s6 pode cumprir as altas carefas a ele confiadas, se conhece 0 direito, a vida e a conexao que existe entre o direito e a vida...um meio auniliar indispensivel sfo os exemplos e as decisses da jurisprudéneia...<0 cela rorna vivo o direito.” Lisboa ¢ Universidade Catdlica, 26 de Novembro de 2008. POSITIVISMO JURIDICO INCLUSIVO: SOBRE A POSSIBILIDADE DA RELEVANCIA DE CRITERIOS MORAIS NO RECONHECIMENTO DO DIREITO ‘Miust Barro Basros Introdugao (0 positivismo juridico pode ser definido como o conjunto de teorias sobre 6 direito que partiham a ree das fontes socais do direito ea ese da separaco conceptual entre direito ¢ moral, Com um grande nivel de generalidade — necessério para abranger as variag6es nacurais que cxiseem entre as vétias teorias positivistas do dirciro © — pode-se dizer que a primeira destas teses se traduz na afirmacio de que a existéncia e © conietido do dieito decorrem exclusivamente de factos sociais. Jé a segunda destas teses tradus-se na idcia de que 0 conczito de dircito pode ser definido sem apelo a pautas de morali- dade ou, numa verséo mais forte, que o conceito de dircito néo pode ser definido através do apelo a pautas de moralidade. Esta segunda tese — nfo ignora os apelos a argumentos morais que s ‘encontram na fundamentagio de sentencas, em textos dautsindtios ¢ nas dis- © Neste sentido, entre tantor, JOSE DE SOUSA & BRITO, “A constituigio do dircito € © posicvisino jurdico", in Homenagem da Faculdade de Divito de Lisboa ao Profesor Doutor Inocéncia Gabito Tells (90 anes), Coimbra, 2007, p.705, JOHN GARONER, “Legal positivism, in Stanford Eneyclopedia of Philosophy consultada online em hupsliphto stanfosd.cdu ou JULES Conswans/Bnuas LerTes, “Legal positivism’ in A Companion to Pilosophy of Law anc Legal Theory (ed: Dennis Pasceson), Oxford, 1999, p. 241 1 Salientando este aspecco, JULES COLEMAN/BRIAN LEITER, “Legal posiivism", cit, p. 24 _ Miguel Brito Bastos cuss6es sobre problemas jurfdicos em geral. Nem é, 20 contririo do que pretende DWORKMN, necessariamente contraditada por esses apelos ®. Dentro do campo do positivismo juridico encontram-se dois modos de perspectivar estas referéncias a parimetros de moralidade na resolugio de problemas jurt- dicos: ow estes sfo perspectivados, por um lado, como suporte de decisées discticiondtias do juiz, ou como puros erros judiciais, consoante aquela discri- cionariedade seja ou nao admitida, ou, por outro, como manifestagao da relevancia de critétios morais no reconhecimento juridico. Este texto, partindo da teoria formulada por H. L.A. Harr, em O conceito de diveito, pretende abordar a questéo da existéncia de limites necessétios 20 contetido da regra de teconhecimento, nomeadamente no que concerne & possibilidade de esta regra fazer referéncia 2 parimetros de moralidade, iden- tificando normas carecidas de pedigree como pertencentes a0 ordenamento ou recusando essa pertenca a normas produzidas de acordo com os processos de normagio estabelecddos pelas regras secundiérias de alteracio contidas no mesmo ordenamento. © debate em como desta questio tem dado lugar a uma cisio entre os positivismos juridicos de matriz hartiana. Consoante as teorias admi- tam ou nio essa posibilidade é, assim, usual distingui, respectivamente, entre positivismo inclusivo € positivismo jusfdico exclusive. Esta discussio sobre se uma teoria do direito semelhante & de HART admire que a regra de reconhecimento identifique 2s normas pertencentes 20 ordenamento também através de critérios morais — assim como questies ‘com esta conexas ¢ que essa discussio tem contribuido para levantar “® — tem. assumido, nas iiltimas duas décadas, um lugar central nas discussées sobre teoria do diteivo. Este texto tem como objectives modestos apontar alguns aspectos mais controvertidos dessa discussao, indicar as principais tendéncias de resposta ¢, através dessa ilustracio, se possivel, contribuit para uma melhor compreensio do positivism juridico contemporineo, ainda comummente definido entre nds, mesmo em obras de referencia, por conexdo com ideias como a defesa da lei como tinica ou primacial fonte do direito, 2 concepgio meramente exegética da interpretacao dos enunciados normativos ou a acei- © Cf, Rosato Dworkin, “The Model Of Rules", in Tang Righs Seriously, London, 1977, pp. 34 s © Che Jules CoLsman, "Beyond Inclusive Legal Positivism’, in Ratio Juris, 22, 3, 2008, p. 368. comb estou? Positivitna juridica inclusive: sobre a pesibilidade de relevncia de erie... 903 tagio de uma obsigacdo moral de obediéncia a (todo) o direito — e conse- quence conivéncia com regimes politicos totalisirios — que corresponde a tum retrato, no minimo, pouco fiel ®. © Qumelhor: corcesponde a uma teoria que hoje no é deferdida por ninguém —a al, consequentemence,nio tom qualquer incerese criieat. Nao €eeo lugar para demons- fra de fot Stematiade impress dae nsociagbt cfd em tex, A disusio ilystrada ao longo das piginas seguites demonscr, ainda que néo aja esse a sew principal objective, que a recondugio do direco& ki, 20 contritio do que consiaua a see mecanicamente repetido, nio é uma tee necesiria — quanto maz central — do postivismo jurico. Ali, no deixa de se cuioso notar que a generalidade das teorias do dieito que cxacezbam 0 papel a lei enquantofonce do direto entrancam em fundamentagbestipica das douttina do diecco natural, de que sio exemplo aqueles que invocam 0 dieito inato do monarca a governar ¢ 8 ‘stabelecer at norms apliciveis aos seus stbditos (no desporismo eicarecido), ou 0 direito ‘que asiste aos cidados, apés a ulrapassagem do extado de naturezz, de contibuis, pessoal: mente ou através de seus representantes, para a formagto da volont générale expressa na lei € de apenas a esta serem sujcitos. Também a ideia de que 0 posiivismo jurdico se cracttiza- tia por ume teoria da intezpretagéo que se cingiva a deteeminagéo do “sencido literal” da li ‘ou que desconsiderariaargumentos nto lingusticas, € cxtada, Na verdade, nfo existe sequet suficiente uniformidade entre o& positivist juridicos hodiernos quanto a uma teocia da invespretagéo da lei para que se possa fazer acertadamente generalzagSes sobre uma teoria positivsta da interpretaséo juridica, Néo obstante ess heterogencidade, uma afimagao segura que, pelo menos os poscivismos jurdicos inseridos na tadi¢io analica — de que HART 60 principal exposnte — cém, pela sua propria fliacioflosfi, particular senabilidade para a imposibilidede da determinagao de significado esttamence aravés de eritérios seman ‘cos (em HART, esta conscncia express nas suas afitmagbes sobre a “textura aber” da le — cfr. HeRext Hakt, O conceito de drei, ce, pp. 137 3). De testo, cabe ainda salicncar {que a tese da separacto entre dircieo e moral tem cardcter bivalent. Ou sey pata além de implicar que 0 conceito de direico deve ser definido sem apelo a crcéios morsis, implica também que 0 mérite moral de uma acruagio conforme & le éfungio do mérivo do contedido desta: uma conduta nfo é moralmentevaliosa apenas por ser conforme lei e se uma li for injusa heverd a obtigagio moral de a incumprr (ce. Hexbeet Han, “Positivism and she Sepuon of Land Morn Hed aw Rv 7 4,195 599 espe (615 3). Notes, de resto, que é preciamente com este ponto que se prende um dos argumen- tos aduzidos pata a adopgo de um conceio positvista de direito —0 qual , na verdade, um argumento moral. Como nota NEIL MACCORMICK, JLL.A, Hart London, 1982, p. 25: ese da separago entre dieitoe moral “mate sme dai ix always open tothe theorist and the od- nary pes to rei eritieal moral ance in feof the lew which s"e “makes it morally ctr dent upon everyone to rect the asonpton shat the extenc of any kw ca ever ite ree te question what i the morally righ way tact". Ora, abivaléncia da tse da separa cnteedicito « mora contradita que 0 positivism juriieo e caccteriae por sustentar uma obrigagto moral de cumprimenta da lei — 0 que, por sua ver refuta também 0 argumento ad serroem da 904 _ Miguel Brito Bases Como se depreende do que inicialmente foi exposto, este debate é travado tendo como ponto de partida a teoria de H. L. A. Hart. E portanto neces- sitio comegar pot a titulo preliminar e ainda que esquematicamente, expor a teoria da rule of recognition bem como a critica que Ihe foi dirigida por Dworkin em The Model of Rules I. 1. Herbert Hart ¢ a regra de reconhecimento ‘Uma das ideias com maior repercussio de O conceito de direito & a de que as regras que constituem 0 direito so identificadas através de uma regra de reconhecimento ®, Com esta tese Harr pretendia, principalmente, superar as concepgées de JOHN AUSTIN, segundo a qual 2 ordem jur(dica tinha o seu fandamento num habito geral de obediéncia a um sujeito juridicamente ili- mitado, consistindo as regras juridicas em comandos desse soberano apoiados pela ameaca de uma sangio (“orders backed by threats”) ®, assim como do realismo juridico, 0 qual pretendia reduzir as regras 2 proposighes desctitivas sobre a probabilidade de cominacio de sangbes. Para HART, 0 direito no ¢ apenas composto por regras mas também fandado por regras: a regra que especifica quais as propriedades que uma regra ‘cumpliidade corn regimes roralitsios, o qual, de resto, se vid, sempre podria ser ditigido a outasconrentes ju losficas (ft, paradigmaticamente, HaNS-Hetau Dierze, “Naturecht aus Blut und Boden’, in Zetchrift der Abedeme fier Deusches Recht, 3, 1936, pp. 818 ss), (© Har no pretende dizer que para cada ordenamento juridico existe uma e 96 uma tegia de econhecimento — a semelhangs do que afima HANS KELSEN a propio da "Grand. norm”. Embora no saliente este aspecto no famaso capiulo V de “O coneeito de dirsito’, outros lugares da sua obra (fi, por exemplo, HERBERT HART, “Lon L. Faller The Morality cof Law’, in Bary i Jurppradence and Philoply, Oxford, 983, p. 360), 0 autor slenta que cxistem vérios critérios de reconhecimento, ene eles inceigados,sendo que “a razio pata continuar falar de exma regra» Eapenas que, no obsante a sua multiplicidade, estes dferen- tes crxéias so nificados pola sua posgio hierdrquica’ (idem). Dest pascagem parece resultat 2 filsdade da afirmagéo de Scort Saino, "What isthe Rule of Recognition (and Docs it Really Exist)", in The Ree of Recognition and the U.S. Contino (org: Adler imma), Oxford, 2009 (consultado em hitp:/fssm.convabseracte1304645) quando afrma que “According ta Har, every legal item necesailyconsains one, and only one, rule which res out the tet of valid ity for that pte © Ge. Joun Austis, Lectures on Jurisprudence or the Philosophy of Festive Law, London, 1913, pp. 17 ss A citi € principalmente feta em HERBERT HART, O cone de ic, Lisboa, 2007, pp. 59. conta Edis EB Pasitivvmo jurdico inelusion: sobre a posibildade da releincia de evvies.. 905 deve ter para que seja considerada parte do ordenamento juridico é a regra de reconhecimento. Esta concepgio de HART coloca-o na recessidade de forne- cer uma resposta & dificil questéo sobre a constituicio da prépria tegra de reconhecimento. Afinal, se as regras do ordenamento juridico sio considera~ das vilidas por corresponderem aos critérios de pertinéncia devetminados pot ‘uma outra regra © — a regra de reconhecimento — como é que esta tiltima se constitui? Se a regra de reconhecimento valida as restantes regtas do orde- namento juridico, sendo assim uma “tegea tiltima” © ela propria no pode retirar a sua validade de uma outra regra ‘A resposta dada por HART a este problema é de grande simplicidade: a existéncia da regra de reconhecimento & uma questéo de facto “, que se reconduz a “uma prética complexa, mas normalmente coacordante, dos tribu- nis, dos funciontios ¢ dos particulares, ao identificarem 0 direito por refe- réncia a certos critérios” “, A afirmagao de que a existéncia —e, acrescente-se, © conteiido — da regra de reconhecimento é um ficto piessupée a compreen- Sfo da distingao, feita poucos anos antes da primeira edicéo de O conceito de direito, por G. E. M. ANSCOMBE, entre factor brutos ¢ fictos instisucionais ©, "Como diz Hanser HaRr, O conceite de divita, cit, p. 106, 2 regra de reconheci- mento “especfiardalgum aspeero ot aspects cue exsténcia numa dads regea ¢romnada como uma indicago afirmatva e concludente de que € regra do grupo que deve ser spoiada pela pressio socal gue cle exerce”. A regra de reconhecimento evtaria a incerteza que exist, ‘num sistema primitive acerea de quais as regras dotadas de juridicilade. Adiance voltat-se-& 4 este ponto, uma vex que uma das ciftcas que se fazem 20 positivism juridico incusivo baseia-se numa interprecagéo — na minka opinio, exada — da passagem em que HART afta que a regea de rennhesimenco & um "remédio paca a inczreza” — inf, no 5. © "Ch; Hisnaeer HaRt, O conceite de dircto, ct, p- 117. 0 Chi, Hensexr HART, O conceita de direita, cit, p. 121. 09 dem (Ch. G. EB. M. Anscomae, “On Brute Fact", in Anabri, 1958, 18, pp. 69 s50 depois popularizads por SEARLE (1g: The Comtruction of Social Realty, New Yors, 1995, pp. 27 5s), enquanto os factos brutos so factos que existem indspendentemente de insti- tuigées humanas — para aficmagio da sua existéncia,€ certo, é necesita a insituigho humana da linguagem, mas “os faci bruvos em s existem independentemente da linguagem ou de qualquer outta instituigée” —, os facos insitucionas so aqueles que requerem para a sua rin exits insingeshumanas speci. Mas, question Stas, deenolvendo 0 famento de ANSCOMBE, o que sio esas instivuigfes? Para a rsposta, SEARLE inspirae tim Ras (cf Jomn Rass, “Io Concaps of Ree The sophia! Review, 195, 66 pp. 3 55) ena distingio que este limo traga ente regres consticutivas ¢ regras regu colts tae 906 Miguel Brito Bast recondusindo-se a existéncia de determinada tegra de reconhecimento a esta iltima classe de factos. De resto, sliente-se que a regra de reconhecimento nfo sc identifica com uma regularidade de comportamentos dos sujeitos ats referidas. A regular: ‘dade de comportamentos em si mesma ¢ isolada ¢ incapaz de fornecer urna caplcagio para a normatividade do dieito, sem ser decapitada pela “guilhorina Ge Hume” (‘no ought from an is?) “. Essencial é que nessa prética complexa fs intervenientes olhem do “ponto de vista interno” — ou seja, numa pers pectiva de aceitagio — para as regras que consticuem 0 oxdenamento “Accitagio nfo significa aqui aquiescéncia psicolégica ¢ muito menos accitagio ‘moral “3, Necessério € que os incervenientes faam apelo 4s normas para fandamenrar as suas pretensdes, que olhem para os comportamentos a clas desconformes, no simplesmente como fonte de uma provével sangio fucura, tas como motivo de censura (como diz, HART, para os participances “a viola- (io da regra nfo & apenas uma base para a predicéo de que se seguiré uma Teacgio hostil, nas uma razio para a hostilidade”) “9. “assim, pode-se dizer, com COLEMAN, que a regra de reconhecimento, cenquanto regra social tem duas condigées de exiscéncia () a existéncia de um_ ‘omportamento convergenie por parte dos ofiais¢ (i) uma “attude critica reflexiva” — ou seja, uma perspectivagéo do ponto de vista interno — em relagio a esse padrdo de comportamento convergente vivas, Segundo SEARLE “insitutional fers exist only within a system of consti ele {eis Jone Re Seanuz, The Construction of Social Reality, New York, 1995, p. 28). Sobre a se ton conutictiva da segra de reconhetimento, ft JOSE DE SOUSA E BaITO, “O posiivismo Fuses ¢a Lei de Hume, in irae: em homcnager 2 Profane Dauora Label de Magali ‘Cul, I, Coimbr, 2002, pp. 895 s, € A constituig do dreto co poise juridica, sn Homenagem da Feculdade de Divo de isha ao Profesor DovterInocncio Galoto Tal 190 anas, Coimbra, 2007, pp. 712 3 Chr, DAD HUME, A Treat of Heonan Nature, Oxford, 1888, p. 479. 10 Cfe Hansen HaKT, O vonceto de dinite, cit, pp. 9238. (9 Cfi Jost Laneco, Hermenéutca e jurispradencia, Lisboa, 1990, p. 245 19 Che Hensexr Hake, O coneto de dirt, cit. 100. (0m Che JuutS COLEMAN, The Practice of Principle, Oxford, 2001, p. 74 8. B, no entanto,essencial ressalea, como fiz este Auror, que © padtio de comportamento convergente tao €arogra de reznhecimento. A sega de reconhecimenco & uma rere ¢portanto wma ntidade propesicional absraca (Idem, p. 77). A priica & consiulda por comportamentes tc por isn, nao é naturalmente uma enidade proposicional, O comportamento convergente ——————— Pastvome jurdico inclusive: sobre a posibilidade da rebnia de etre. 907 2. A critica de Dworkin & tese do pedigree e & tese da separagao em The Model of Rules ‘A teoria da regra de reconhecimento apresentada por HarT tem sido, desde a publicagio de O conceita de direito em 1961, ponto de referéncia para a grande parte das discussées jus-teoréticas, especialmente no espago juridico anglo-saxénico, Esta influéncia nfo se esgota no seu papel matricial para todo tum conjunto de teorias que, partindo de Harr, desenvolvem ¢ pretendem aperfeigoar as idetas base deste. A influéncia de O conceito de diveto prende-se também por ter despoletado criticas que trouxeram parz 0 centro da discusséo jusfiloséfice temas anteriormente pouco discutidos. Entre estas destacam-se aquelas formuladas por RONALD DWORKIN, 3&5 aquais se extendem por varias obras e abrangem praticamente a totalidade das ideizs principais de Haar ®. Por agora, interessa apenas abordar os argu- mentos dirigidos por DWORKIN contra o conceito de diseico de Hensexr HART; no seu artigo de 1967 intivulado The Model of Rules ®, o qual marca 0 inicio do debate entre os dois autores. Como nota COLEMAN, trata-se do rexto que reiniciou, mesmo dentto das fileiras do positivismo juridico, a questio sobre qual o papel de juizos morais na adjudicagio juridica ®. ‘A ideia central de DWORKIN neste artigo 6a de que o positivismo juridico, concebendo 0 direito como um sistema de regras, ¢ incapaz de adaptat-se & existéncia de outros standards normativos, nomeadamente principios, sem abandonar as suas premissas fundamentals ®, Para DWORKIN, 2 diferenga ‘entre princfpios jurfdicos ¢ regras juridicas tem cardcter légico . Ambos os tipos de normas apontam sentidos de decis6es juridicas em circunstancias dos oficais ea sua aicude interna perante esse comportamento etabeoe 2 rera de recone ciamento (idem, p. 81) Ch” Una sintese do debate entic HART ¢ DWORKIN ¢ da aia cvolugio pode ser encon- tuada em SCOTT Stamno, “The Hare-Dworkin Debate — A Short Guide forthe Perplexed’, cansultado online em lnpel/ssm.comn abstracts (9 Mais tarde designado "The Model of Rules I", por contraposiggo a “The Model of Rules II", outo ensiio de cca a HART, publicado orgimlmente sob o titulo “Social Rules and Legal Theory’ in Yele Law Journal, 1, 1972, pp. 855 86 (00 Cfe JuLes Cotesany, The Practice of Principle, ct, » 67. & Gf Ronat Dwonscn, “The Medel of Rules I", in Taking Rights Seromly, Lon- don, 1977, pp. 22 ss 8 "Che RONALD Dwonkin, “The Model of Rules I", et, p. 24 908 Miguel Brio Bastes concretas, diferindo, porém, no carécter directivo que fornecem: enquanto as regras se aplicam numa “all-or-nothing fashion” ©, os principios cém uma “dimension of weight or importance’ “®, Frequentemente, na adjudicagio jutidica ¢ feito apelo a parimetros do segundo tipo, como é exemplo a pro- posicée “ninguém pode beneficiar das suas infracg6es”. Como DWORKIN bem nota, existem duas maneiras possiveis de conceber estes principio ou (1) entender que os prineipios sio, tal como as regras, diteito vinculativo Chinding law”) e que devem ser tidos em consideracio por jutzes ¢ pelos jutistas em geral quando decidem ou se pronunciam sobre problemas jutidicos — caso em que se terd de entender que o ordenamento contém tanto regras, como também princfpios; ou (2) recusar que os principios possam ser vincu- lativos da mesma mancira que as regras 0 so ¢ que, consequentemente, quando 0s juizes apelam a parimettos como “ninguém pode beneficiar das suas infrac- Ges", ndo cxercem uma actividade vinculada de aplicacio de regras jurfdicas, fazendo, antes, uso de poderes discriciondsios que o ordenamento hes concede, para a aplicagio de principios extra-legais ®. Segundo Dworkin, “Hart, ‘Austin ¢ outros positivistas, insistisiam, obviamente, nesta tltima concep- Go” ©, Segundo DWORKIN, a accitagao de (1) levatia ao abandono de todas as trés teses que considera como traves mestras do positivismo juridico ®, A “tese da discricionariedade judicial” teria de ser abandonada, pois na falta de tegra constante das “fortes”, o juiz esté vinculado & aplicagéo dos princfpios juridicos. A mesma sorce teria a “tese do pedigree, pois a vinculatividade dos principios ngo teria 0 seu fundamenco no facto de estes terem sido aprovados por um érgio legislative, ou de texem sido invocados por juizes em casos anteriores e, assim, sido estabelecido precedente, mas antes num “sense of appropriateness” desenvolvido pelos juristas © pelos cidadios a0 longo do tempo ©, Assim, ao imputar a HART a tese de que o teste operado pela regra de teconhecimento tem apenas a ver com “o modo como as regras foram adoptadas ou desenvolvidas” (ou seja, com o seu pedigree) € nunca com o seu © dem © Cf Rowaro Dwonstn, “The Model of Rules I, cts p. 26 © Ci Ronaro Dworkin, “The Model of Rules I" it, p. 29. © Cf Rona wort, “The Model of Rules I, et. p. 30 © Cf RonaLo Dwontt, “The Model of Rules I ety p. 39. 8 Chi. RONALD DwORKIN, “The Model of Rules I, cit, p. 4. Pastvisos juriico inclusvo: sobre a posibilidade da relewincia de erties 909 conteiido ©, DWORKIN considera que 0 postivismo de Har néo pode, sob pena de contradi¢ao, accitar a juridicidade dos princfpios aplicados pelos txi- bunais ©. Por fim, também a “teoria da obrigasio juridice” — segundo a qual “uma obtigagéo juridica existe quando (e s6 quando) uma regra juridica vlida impuser cssa obrigagio” °" — teria de ser abardonada, aliés, como consequéncia do abandono da “tese da discricionatiedace”: se 0 juiz néo tem discticionariedade para aplicar os prinefpios na adjudicasio jusidica, entéo as cobrigagées jurfdicas podem ser estatufdas “tanto por constelagbes de principios como por regras” &!, Esta argumentacio de DwORkiN assenta num conjanto de reconhecidas falhas. AA principal delas ¢ fazer uma descrigfo incorrecta do positivismo jusi- dico de Hanr. Aliés, Dworkin desde sempre foi acusaco de fazer interpreca- ‘ges pouco caritativas das posigGes dos seus adversdrics, nomeadamente de Hart ©, Na verdade, em lugar algum da sua obra HaRr dé a entender que utilize a palavra “regra” no sentido restrito que DWORKIN lhe dé, apeser de também nfo ser claro que use essa palavra com um sentido mais amplo. No pés-escrito a O conceito de direito, HART vem negar que fosse esse 0 sentido em que pretendia usar a palavra, reconhecendo embora alguma falta de clareza a este respeito na sua obra "6 seguro que ndo tencionava sus- 8 Chi, Ronato Dork, “The Model of Rules, ei, p17 © Cfz RoNaLD DWORKIN, “The Model of Rules", et, p44. 89 Hem. © Idem © Vejam-se as durascrftcas de BRIAN LaITER, Legal Phileopi: 5 Questions, consuleado online xs bsepl lem com absirasi=986606, xo responder & pergunta sobre qua as questées sobre as quais gostaria que a teoria do direito se debrucasse mais intensamente no Futuro: * General jurisprudence srikes me as being. at present, a aightly moribund field. This x parely eaause Hart and Ras offered plassible answers, given their merhadoegical tol, 0 some of the ‘main problems (as dite earlier), and partly because Ronald Dworkin bas 50 difigured bones intelectual nguiry in the fed through his repeated misrepreretatons of the views of egal positv= ‘sts end bir endles promulgation of confeing and often poinces new distinctions and categoria ‘wih lle regard for hove they map onto existing dbase or psitions in those debates. (There it sll work to be dene clearing the debris fom Dworkin incrventon, though 1 imagine within the nest tn ov twenty years we wil be dome — but cearng debris inet the same as advancing sendertending)". Estas palavras dara sio extensamente fundamentadas pelo autor em “The End of Empice: Dworkin and Jucispradence in the 2let Century, Univenity of Teas La Public Law Research Paper No. 70, consultado online em butpillssn.comlabstract=598265, (0 Hanser HART, O conceit de dive, ct, pp. 325 5. coinbr tats? 910 Miguel Brito Batos entar, através do uso que fiz da palavra aregea”, que os sistemas juridicos 96 contém regtas de tudo-ou-nada ou regeas quase-conclusivas” ©. Ea gene- ralidade dos seus comentadores concordam na falta de caridade desea critica de DWORKIN. Outro aspecto em que o argumento de DWORKIN falha é na nio distingzo entre a estrutura ldgica dos “standards juridicos” (para usar a sua prépria expressio) ¢ 0 seu fundamento de juridicidade. DWORKIN caracteriza os prin- clpios juridicos por (1) terem uma dimensio de peso ou de importincia, da ual as regras néo partlham, e por (a) néo serem introduzides no ordenamento juridico em virtude da sua criacdo pelos drgéos habilitados a produzir direito, sendo antes parte do diseito devido & adequasio do seu conteido, Por outro Jado, caracteriza as regras por (2) se aplicarem numa légica de “tudo ou nada", ditando as solugées juridicas “acontega o que acontecer” (“coine what may’), € por (b) serem introduzidas no ordenamento através do exercicio de poderes de normagio por brgios jusidicamente habilitados pata o efeito (sendo porranto identficadas pelo seu pedigree). Os critérios (1) ¢ (2) dizem respeito & estrutura égica dos parametros juridicos, Os critérios (@) e (b) dizem respeito ao seu fandamento de juridicidade. No entanto, por um lado néo existe nenhuma relagéo de necessidade encre (1) ¢ (a), nem entre (2) ¢ (b), nem, por outro, € incompativel que um standard juridico seja caractetizado simultaneamente por (1) e (), ou por (2) ¢ f@). Assim, nada obsta a que seja introduzida no orde- rnamento juirfdico por via de acto legislativo, um standard que tenba a esteutura légica de um principio, ou seja, que tenha a dita dimensio de peso. E aliés pacifico que, por exemnplo, grande parte das normas constitucionais — por- tanto, normas com pedigree — vém uma estrucura principiolégica °°. Deste modo, mesmo accitando uma concepgio rigida da tese da separagéo entre direito e moral, ¢ rejeitando a jusidicidade de qualquer norma nfo criads de acordo cam os processos de normagio previstos pelo ordenamento, nada leva a que se negue a existéncia de normas de principio, N&o hé motivos para que, quem aceite a chamada tese do pedigree, recuse a ideia de que “there is nothing in the logical character of a principle that renders it incapable of binding [the 8 Idem © Cir, entre nés, J.J. GoMES Canomiuno, Divito Constitweional ¢ Teoria da Const tio, Coimbra, 2003, pp. 1159 ss. e, mais desenvolvidamente, ROBERT ALEXY, Thvorie der Grundreche, Feanifure-arn-Main, 1985, pp. 71 ss Positivism jurdicainchsvo: sobre a posibildade da releincia de crtériot. gu judgeP ©. Por outro lado, quem accitar que standards jurtdicos podem ser ;parte do ordenamento apenas em virtude do seu contetide, néo terd razdo para negar a juridicidade de proposig6es que sejam alvo do “sease of appropriateness” de que DwORKIN fala, mas que se apliquem numa “all-or-nothing fashion”. Que a teoria de Harr se adapta sem quaisquer dificuldades a proposic6es jurldicas caracterizadas por (2) nfo deve suscitar quaisquer diividas. ‘Uma questo jus-teorética muito mais interessante é saber se uma teoria positivista como a exposta em O conceito de direito pode admitir« validade de normas caracterizadas por (b), ou — de forma mais geral — pelo menos, niéo carac- terizadas por (a). Ou seja, se o positivismo juridico de Hart, ou uma teoria semelhante, admite o abandono da tese do pedigree. Ao contrério do que DWORKIN sugere, erigindo-a a uma das “key tenets” do positivismo juridico, Harr em nenhum lugar perfitha esta tese. “A tese das fontes sociais significa apenas que o critério determinante da juridicidade é factual — so factos sociais que determinam os érios de pertinéncia jusidica — e nfo valorativo — no sentido em que no é a correspondéncia com parimetros morais que determina a atribuigio ce juridicidade a um sistema ou a uma norma. Mas, conceptualmente, a te:e das fontes sociais € bem mais ampla do que a tese do pedigree, que Dworkin impuca 2 HART. Independentemente dos vatios argumentos que se podem esgrimir concea essa ideia, nao seria consistente com a tese das fontes sciais, num contexte fem que 0s drgios aplicadores do direito fundamentassem as suas decis6es apelando 2 determinados principios “sem pedigree”, a eles se referindo como se 0s considerassem vinculativos, sendo esses princ{pios rambém respeirados pelos destinatérios do respectivo ordenamento juridica, a afirmagio de que a regra de reconhecimento desse ordenamento incorporatia esses princfpios carecidos de pedigree. E certo que afirmagies como essa defrontam criticas robustas, as quais abaixo se procurario sintetizar. Uma delas ndo é, contixlo, a sua inconsistén- cia com a tese das fontes sociais. Esses principios carecids de pedigree seriam dotados de juridicidade nfo pelo seu mézito intrinseco ou por um qualquer “sense of appropriateness dos intervenientes na pritica jurfdica, mas por serem reconhecidos por uma pritica social complexa independentemente do seu pedigree. © Cfi, Rona Dworkin, “The Model of Rules I, cit, p 35. oinbr tates? m2. Miguel Brito Bastos A resposta & objecyio de que a sua teoria nfo scria capaz de admitir 2 existéncia de prineipios carecidos de pedigree foi feita publicamente por HER- beer HART, ainda em vida, pese embora o desenvolvimento desta resposta apenas tenha sido publicado no postumamente editado pés-escrito a O conceito de diveito, Numa conferéncia proferida a 29 de Outubro de 1979 na Univer- sidade Auténoma de Madrid, Haat afirma explicitamente que “é importante fazer finca-pé em que [a tese das fontes sociais] ¢ perfeitamente compattvel com um sistema juridico que incorpore de diversos modos parametros morais” °, § alids interessante notar que j4 em 1965, ¢ portanto ainda antes da publicagio de The Model of Rules I Haxr notava jé que “there is, for me, no logical restriction on the content of the rule of recognition: so far as “logic” goes it could provide explicitly or implicitly that the criteria determining validity of subordinate laws should cease to be regarded as such if the laws identified in accordance with them proved to be morally objectionable” “, E certo que, neste excervo Haxt admite apenas que a nio contrariedade a parimetros de mora- lidade possa ser condicio necesséria da jutidicidade, ¢ nio que 0 contetido de um standard moral seja, de alguma forma, condipao suficiente dessa mesma juridicidade — e 0 ponto de DWORKIN diz respeito & incluso de princfpios carecidos de pedigree no sistema juridico. Esta passagem permitiia, porém, indiciar ja posicio que Harr defenderia na conferéncia atris refetida e, mais celebremente, no pés-escrito a O conceito de dircito E, no entanto, neste dltimo local que Harr responde com maior extensio A critica de que o conceito de direito por ele apresentado em 1961 consubs- tanciaria um “modelo de regras” incapaz de explicar satisfatoriamente o signi- ficado das constantes referencias a parametros catecidos de pedigree na pritica de adjudicacio juridica da generalidade dos ordenamentos jurfdicos contem- porineos. Ai HaRr rejeita 0 “positivismo meramente factual” (Le. 2 adopgio de uma tese do pedigree nos termos anteriormente expostos) que DWORKIN Ihe atsibui , saientando que essa critica ignora o seu reconhecimento expli- cito de que a *regra de reconhecimento pode incorporar, como critérios de 65 Cf. Hsasenr HART, “EI nuevo desafio al positivismo juviico", in Filosofia do Dircito ¢ do Estado (org: Jost de Sousa Brito, Lisboa, sid, p. 6. © "Originalmence publicado simplesmente seb o teulo “The Model of Rules” na The University of Chicago Law Review, mm 1967 (pp. 14-46). ‘©! FfsRnexT Haft, “Lon L. Fuller: The Morality of Law", cit, p. 122, 9 Hiernenr Haat, O concato de direite, cit, p. 12. conte Eatorse Pattviomo jurtdico inluson: sobre a powibilidade de releincia de critrios.. 913 validade juridica, a conformidade com prinefpios morais ou com valores subs- tantivos’ @ © que nada no seu livro sugere “que os ciitérios meramente factuzis fornecidos pela regra de reconhecimento devam ser unicamente ques- tes de pedigree" “9, Parece-me, porém, que se a critica de DWORKIN falha 0 seu alvo por partir de uma inverprecagio errada do seu oponente, a resposta de Harr também nfo refura essas criticas. De facto, e tal como faz na stia recensio a The Morality of Law, HERBERT HART apenas argumenta no sentido de a regra de reconhecimento poder conter como limite de validade uma referéncia 2 parimetsos de moralidade. Pelo menos explicicamente, HART acaba por ndo negar a critica que DWORKIN lhe dirige, a qual se prende com. a possibilidade de decerminados standards normativos conititufrem direito em vireude do seu conteido, ou seja, com a possibilidade de a cortesponéncia a pautas de moralidade ser condigdo suficiente — e no meramente condigio necessiria — da juridicidade. 3. O positivismo inclusivo: a falsidade da tese do pedigree ea contingén: da identificagao do direito através de critérios de moralidade ‘Ainda que seja mais ou menos pacifico que a critica de DWORKGN se ditige uma teoria que, na verdade, nunca foi defendida pelo seu oponente — e que Harr ¢ 0 “claro vencedor” deste debate “ —, essa ctitica essumiu uma impor- ‘Gncia essencial para a evolucio do positivismo juridico de macriz hartiana, ao instigar Harr a explicitar e desenvolver um “positivismo moderado” ("soft positivism’), 0% — na esminologia actual — um positivism juridico inclusive, DwonkiN 6, assim, 0 ponto de partida para uma discussio que ¢, em grande medida, interna 20 préprio campo do positivismo juridico. Note-se que esta posi¢éo de HART no abandona de forma alguma a tese da separacéo conceptual entre direito ¢ moral. Ao descrever 0 conceito de direito, Harr continua a responder que este é 0 conjunto de normas identi- ficadas de acordo com os critérios de pertinéncia determinados pela regra de © Hem. © Idem. 69 Assim, BRIAN LeITER, "Beyond the Hare-Dworkin Debate’ in American Journal of Jurisprudence, 2003, 48, p. 18. Essencialmente no mesmo sentido, mas com maiores reti- céncias eft. SCOT SHAPIRO, “The Hart-Dworkin Debate— A Shore Guide for the Perplexed”, «it, past Colma ttre 914 Miguel Brito Batos reconhecimento e que esta é uma regra social. Félo, porcanto, sem qualquer referéncia a parimetros morais, ow a quaisquer conceitos do seu campo seman- cico (justia, dignidade, etc). Implica, porém, a adopgio de uma particular versio dessa tese, nomeadamente a de que (tio s6) nao existem ligacées neces- sirias entre diveto e moral. Convudo, nada impede que os préprios critérios determinados pela regra de reconhecimento fagam apelo a valoragées morais: © reconhecimento do direico através de valoragées morais vem, assim, caricrer de contingéncia, Se essa relaglo existe num determinado ordenamento juridico ‘io serd uma questio conceptual — da definigio de um conceito de diseito — ‘mas uma questio puramente fictica, no sentido em que dependeré da pritica dos funciondtios desse mesmo sistema ¢ do modo como os destinatitios do mesmo sistema perspectivam essa pratica. Este entendimento da tese da separacio nio é, porém, pacifico, Pelo contritio, « discussdo sobre o entendimento correcto da separagii entre dreito € moral tem sido central entre os te6ricas do dircito que se posicionam na esteira de Harr “ — dando a sua discusséo lugar a um dos principais deba- tes jus-teoréticos actuais. Ainda que com argumentos nfo inteiramente coin- cidentes, na defesa do positivism jurfdico inclusive tém-se pronunciado, na esteira de HART, autores como COLEMAN, WALUCHOW, ou HIMMA, enquanto que outros — g. RAZ, MARMOR ou SHAPIRO —, sem deixarem de adoprar em maior ou menor medida um conceito de direito semelhante ao de HART, propugnam por uma concepcio mais forte da tese da separagio entre direito € moral: segundo estes, a rese da separagio entre direito € moral sé pode ser entendida de modo a nfo aceitar sequer relagBes concepeuais contingentes entze © direito ¢ parimetros de moralidade. Segundo 0 positivismo jurfdico exclu- sivo & impossvel que os critérios de seconhecimento facam apelo a valoragées morais, Que os jutzes apelam com frequéncia a pautas de moralidade na adjudi- cago juridica — ainda que nem sempre de forma totalmente assumida — é sum facto dificilmente contestivel para qualquer pessoa familiar com o funcio- namento dos modernos ordenamentos juridicos ocidentais “9, Essas pautas Como, ais, se pode ver pela quantidade de ensios que se debrugan sobre exe \épien em Juues COLEMAN, Fare Paseripe, Oxford, 2001 #8 Pareceme que, enguanto mera observacio de uma regulatdade, & ums premissa ponco discutfel. Anda que néo fesse, pretendo assumicla coma premissa, dado que, ainda aque nfo exteja correct, isso no orejudica o raciocnio subsequente. E isto porque a discus olnira tatoae Pesitvioma juridico inclusion: sabre a posibilidade da relevincis de erties. 915 nem sempre so invocadas para o mesmo efeito. Sem quaisquer pretensées de cexaustividade, e apenas para ilustrar essa diversidade, é possivel elencar quatro diferentes situagSes: (1) um argumento moral € invocado para fundamentat interpreragéo de um enunciado legal num determinado sentido, em detrimento de outros; (2) um argumento moral é invocado para recusar determinada incexpretacio de um enunciado legal; (3) uma norma é rida como exiseente no ‘ordenamento juridico, sem que a sua origem seja reconduzida a qualquet um dos processos de produgio normativa regulados pelo ordenamento (ou sej2, nao Ihe sendo indicado pedigre), sendo apenas indicado 0 “mérito intrinseco” do seu contetido “ ¢ (4) um argumento moral é invocade para rejeitar deter- minada regra como existente, nao obstante esta ter sido criada de acozdo com os procestos de produsso normativa regulados pelo ordenamento “, Parece claro que (1) ¢ (2) sio, respectivamente, verses mais fracas de (3) e (4), pelo que me vou focar — como alids a generalidade dos autores que escrevem sobre este tema — nestas duas dltimas situagbes. I cervo que as objecgées do posi tivismo juridico exclusive a (3) e (4) se dirigem também (1) ¢ (2). Identica~ mente, os argumentos que so aduzidos pelo positivismo jurfdico inclusive no sentido da admissibilidade de (3) e (4) aplicam-se tambem a (1) e (2). Por isso, focar-me-ei nos casos mais problematicas “”, Isto nio obstante (1) ¢ (2) slo € conceptual © nfo emplrisa. Para a andlise das quesées discutias em texto, basta que seja possvel que, em derecminado sistema juridico, os égios de adjudicagio invoquem fre- quentemente normas moraiscarecidas de pedigree paca justfica as sua decisbes. isto que sucede nas argumentagbes com base nos chaniados “principio &ico- -justdicos*, ou "principios fundamentais de dieito”, os quaissfo apresentades como "pass jentadoras da normasio juridica que, em vircude da sua préprisforga de convicgio, podem ajustficar decsbes jurldicas’ (ise aqui, 2 itulo de exsmplo — que se julga representa tivo — Kan LARENZ, Mevadloga da citncia do diet, Lisboa, 198), p. 511), Estes princt pics caracterzam-se “pelo seu conteddo material de justia, sendo entendidos como “mani- fearagbese especificagbes expeciais da ideia de Direito” (iden). Ou sja, a0 serem invocades para fundamentar decs6esjursdicionis, a causa de valdade juidica que les é apontads nfo 4c prende com o modo da sua criago, mas antes com a correo do seu conte, 148" As sicuagbes em que esta questio se pbc com seriedade sio reconhecidamente cxcepcionsis. O problema apenas se coloca em “stuagSes exiemss que marcam desssees nacionais” (ci: ROBERT ALB, “My Philosophy of Law: The Instietionslisation of Reason", in The Law in Philosophical Perspectives, Dordrecht, 1999, p. 33) (O™” Para uma abordagem dos mesmos problemas, mas com énfase nas situagBes ref ridas em resco come (1) ¢ 2), ef, WiLERID WALCHON, Inclusive Legal Positive, Onfor, 916 ey Miguel Brite Bass serem muito mais frequentes do que (3) ¢, principalmente, do que (4) no discurso juridico. ‘A questo que se coloca € porcanto qual o significado a atribuir ao apelo por parte de juizes a pautas morais para invocar a pertenga ao ordenamento juridico de normas sem pedigree e para recusar a pertenga 20 ordenamento juridico de normas com pedigree. O que significa perguntar: que critérios podem ser erigidos 2 critérios de identficacio do direito pela regra de reco- nhecimento? Ou, como HART punha a questo: existem limites Idgicos 20 conteiido da regra de reconhecimento? A discusséo é portanto, nfo tanto sobre co contetido de determinado ordenamento jurfdico, mas sobre as possiveis fon tes de legalidade ®, ‘Como foi aeris visto, a tese das fontes sociais — enrendida num sentido amplo 5 — consiste no entendimento de que a existencia do direito depende de dois factores: (1) um comportamento convergente dos funcionétios de urn sistema, maxime dos julzess ¢ (2) que esses funcionsrios perspectivem com- portamento convergente do “ponto de vista interno”. O contetido da regra de reconhecimento, embora néo seja a pritica, é determinado por essa pritica, acompanhada da perspectivagio interna Poder-se-ia dizer, como faz, por exemplo Raz, que quando os jufees ape- lam a critérios de moralidade carecidos de pedigree para fundamentar as suas decisbes judiciais, ou (1) esto a desrespeitar intencionalmente o direto vigente, ‘ou (2) esto enganados acerca do direito vigente no seu ordenamento jutidico, julgado juridica uma norma moral, ou (3) fazem-no no exercicio da discricio- nariedade que Ihes seria deixada pelas incompletudes e indeterminagdes do ordenamento juridico. Esta ideia é, todavia, no minimo contra-intuitiva ¢, no méximo, incompativel com a ideia de convencionalidade do direito. isto porque 0 mado como os juizes falam quando fizem apelo a essas pautas de moralidade exprime uma atitude de aceitagéo (no sentido de perspectivagio interna). Estes argumentos sio invocados indistintamente dos argumentos que retiram, por exemplo, dos enunciados legais. Consideram-se vinculados por essas normas morais, do mesmo modo que se considera vinculados pelas 1994, pp. 142 ss, Sabre este cSpico, eft. ainda, VerToRto ViLta, “Inclusive Legal Positivism, Legal Incerpreration and Value Judgemens", in Ravi Juris, 2009, 22, pp. 110 ss Che JuLes COLEMAN, The Practice of Principle et p. 108. {59 A este sencido amplo, chama-se por ve2es “tese do convencionalismo”, deixando «expresso “tee das fontes sociais” para aquilo a que DwORKN chama “ese do pedigres”. ceinbe eéone Positivismo juridice inclusive: sobre a posibilidade da releinca de eritiia. 917. normas decorrentes dos enunciados legais: ou seja, consideram-se junidicamente vinculados por essas normas morais. Justificam, portanto, as decisbes que tomam no exercicio da sua competéncia de adjudicacfo invocando essas nor mas moras. E, por vezes, quando um tribunal de recurso é chamado a pro- nunciar-se sobre uma deciséo de um tribunal a quo que ng aplicou uma norma moral carecida de pedigree, consideram essa decisio juridicemente errada dando procedéncia ao recurso — enquanto noutras situagées embora possam até considerar, ¢ exprimir essa conviceio, que as decisées do wibunal 2 quo sio de algum modo injustas, negam a procedéncia do recurso, por nfo considerarem a decisio recorrida contrétia 20 direico. Ou seja, tém a mesma atitude perante esas normas, que tm perante as normas com pedigree. Para além de verem wm comportamento recorrente convergente, os funciondrios tém uma atitude de aceitagdo perante essas pautas: seguemt-nas enquanto pattas juridicas. Estio assim preenchidas as duas condigdes de reconhecimento aris referidas: a pré- tica convergente ¢ a atitude de aceitagio. Prima facie, chega-se 2 conclusio ‘que a correspondéncia a pautas morais pode set, conceptualmente, um critétio suficiente de reconhecimento juridico. Como atts aflorado, é incorrecta a afirmagio de que a tese das fontes sociais se opse a esta conclusio, F de grande precisio a aficmagio de Jutzs ‘COLEMAN a este propésico quando nota que hi que fazer uma distinggo entre os fiandamentos de juridicidade (“grounds of legality") e os critéros de jutidi- cidade (“criteria of legalisy”) ©. Aceitando-se nas citcunstancias expostas que a contespondéncia a uma norma moral pode ser condicZo suficiente do reco- rhecimento juridico, o fimdamento de juridicidade continua a ser um facto social, nomeadamente a convergencia de comportamento dos funciondtios € aatitude de aceitagdo perante esse comportamenco. Apenas 0 crizéria de juri- dicidade nfo 0 é Aceitando-se esta distingio, torna-se claro que a tese das, fontes sociais nfo é abandonada. Alids, se entendermos a tese das fontes sociais como resultado de uma concepgio da teoria do direito como uma actividade essencialmente descritiva © ¢ da idcia de que os “fenémenos compreendidos ‘no domfnio (do direito] devem ser acessiveis A mente humana” ©, encéo esta © Cie, JuLes Couns, The Practice of Principle cits p- 107- (9) Sobre desrptivejuripradente peaticada por HART, eft 2 defsa de JOU DICKSON, Enanatin and Legal Theory, Oxford, 2001, pas GH” Cie Jules CousMaN/BRIAN Leire, “Legal Positivism’ it, p. 241, 918 7 Miguel Brito Bastos intexpresagio € alids, a que methor se adapta a essa “filiagio”. esta tltima ideia apenas reclama a rejeigio de fundamentos de jus supra-positivos. Por outro lado, a rejeigao da tese do pedigree permite um retrato mais fidedigno das préticas sociais das quais a teoria do direito pretende fornecer uma descriglo adequada A aceicacio da distingio entre fundamentos de judi juridicidade eo entendimento de que apenas os primeiros tém de se recondu- viva faccos sociais implica, porém, uma concepgso moderada da segunda tese caractetizadora do positivismo jurfdico, nomeadamente, a tese da separacao entre direito e moral: implica nomeadamente que esta seja entendida como traduzindo uma afiemagio da ndo necesidade (i.e. contingéncia) da relagdo conceptual entre direito e moral e no da necessidade de auséncia de relasho con- ceptual entre direito e moral. A moderaggio da tese da separagio é, portanto, uma exigéncia de coeréncia com um particular entendimento da tese das fon- tes sociais. Assim, embora um positivisca jur{dico inclusive possa concordar com Dworxin no que concerne 3 juridicidade de standards carecidos de pedi- gree, haverd sempre uma diferenca entre estes. Enquanto para DWORKIN fundamenco de jutidicidade dessa pauta € imediatamente 0 mérico do seu contetiio, um positvista inclusivo identificard como fundamento de juridici- dade desse parimetro a existéncia de uma regra social que determina os crit tios de pertenga ao ordenamento jurfdico — a regra de reconhecimento — ¢ 205 quais essa pauta se reconduz, Independencemente do mérito moral de deverminados standards, estes 6 terio relevancia juridica se factos sociais thes atribufrem essa relevancia. Exemplificando, relativamente a0 ordenamenco juridico portugués, parece-me que pelo menos a alguns dos standards normativos carecidos de pedigree apresentados por DWORKIN ¢ por FULLER é reconhecida juridicidade independentemente da sua decorréncia de fontes com pedigree. Principios como “ninguém deve beneficiar com as suas infracgées" (um dos exemplos apresentados em The Model of Rules 1) ou “ninguém é obsigado 2o impossivel” (0 sexto dos “principles of legality” de Futter) © sao invocados frequentemente, nos termos acima descritos, em decisdes judiciais — e nem sempre com invo- cago de qualquer fonte com pedigree como fundamento da sua validade. Ou seja, esses principios sao frequentemente apresentados no diseurso juridico de © Cle LON L. Foun, The Monalty of Law, London, 1969, p. 33. Coiba Esta 919 ‘uma forma em que o mérito do seu conteiido parece sex condigéo suficiente da sua validade juridica ‘Mas até agora apenas foi focada a possibilidade de a regra de reconheci- mento de um ordenamento juridico fazer referéncia a normas morais como ctitétio positivo do reconhecimento. Apenas se demonstou a admissibilidade ‘conceptual de uma regra de ceconhecimento ter uma estrutura ldgica do tipo toda a norma que reina as propriedades Ky... XJ, (Vp au ¥) OU (My oo M,) é parte do sistema juvidico S’, simbolizando aqui X + Y critérios telativos 20’ pedigree da norma ¢ M critézios que se prendam com 0 mérito moral de determinadas normas. ‘A resposta & questio da possibilidade de a regra de reconhecimento de um ‘ordenamento fazer referéncia a pautas de,moralidade enquanto critério negativo de reconhecimento — ou seja de ter uma estructura do tipo “qualquer norma (que reina as propriedades (X,,.... X,) 0 (Vp ony Y,) € nfo retina as proprieda- des (My «+4 IM.) é parte do sistema juridico S*, simbolizando aqui X ¢ Y critérios relativos ao pedigree da norma ¢ “M a contrariedade a quaisquer pautas de moralidade — 6, porém, substancialmente idéntica. Note-se, a propésito, que é esta a dimensio do problema da relacio entre direito ¢ moral «que mais parece preocupar os teéricos jusnaturalistas, pelo menos daqueles que se inserem no chamado movimento do renascimento do dreito nazural, surgido no rescaldo da segunda guerta mundial ©, Esta dimensio do problema é contudo, aquela que mais raramente assume relevancia prética. Para além de nos Estados de Direito democrético os principais valores morais da comunidade tenderem a encontrar acolhimento nas fontes “com pedigree” — designada- mente na Constituigéo —, 0 funcionamento normal das instituigées demo- cexdcicas leva a que o diteto criado pelos érgios legisatives nao scja desconforme as pautas de moralidade maioritariamente aceites, ot que normas desconformes ‘coin estas pautas sejam revogadas ou substicuidas ©. : Se exist uma prética convergente entre os drgios aplicadores de direito de um sistema jutidico no sentido de sindicar a validade de normas atendendo iio s6 4 conformidade da sua criagio perante os processos de normagao pre- 9 Ci a sineese em ARTHUR KAUFMANN, “Die Natursechesrenaissance der ersten Nachlriegsjahite — und was daraus geworden ic", in Rsticbrfi for Sten Gagaér, Miinchen, 1991, pp. 105 ss ‘on Salientando este aspecto, David Duarte, A norma de leglidade procedimental administrative, cit, pp. 36 88. coms tts 920 Miguel Brito Bests vistos pelo proprio ordenamento ¢ & conformidade do seu contetido com norms com pedigree hierarquicamente superiores, mas atendendo também & io contratiedade (ou néo contrariedade extrema) dessas normas a normas morais carecidas de pedigree, e essa pritica for acompanhada de uma atitude de accitagéo ®, entio estario preenchidos os requisites para que a regra de reconhecimento faga referencia a pautas de moralidade enquanto critérios negativos de reconhecimento. Nao existe, pelo menos prima facie, qualquer problema conceptual com a conformidade a parémetros morais ser condigio necessétia da validade de normas doradas de pedigree. © positivismo juridico, entendido nestes moldes, é, em abstracto, capaz de aceitar, por exemnplo, 2 inclusio da Redbruchsche Forme (sintetizada na frase “a extrema injustiga no é diteito”) na regra de reconhecimento. Isto, natu- ralmente, com a diferenga de que, em RADBRUCH essa resctigao € indepen- dente da verificagio de quaisquer factos sociais — fiz parte do préprio conceito de direito. J4 na perspectiva do positivismo juridico inclusivo, © reconheci- mento de normas “extremamente injustas” seré negado se e 56 se no sistema juridico em questéo se verificar um padrdo de comportamento convergente dos drgios aplicadores de direito no sentido de recusarem a aplicagio de leis “extremamente injustas” e estes perspectivarem essa convergéncia de compor- ramento do ponto de vista intemo: a sua relevancia no reconhecimento juridico seré uma contingéncia relacionada com a verificagio ou nio verificagao de factos sociais, ¢ logo, uma questéo empirica ¢ néo conceptual. ‘As tileimas pdginas deixam-se, em suma, sintetizar em duas ideias: (1) a tese das Fontes sociais, entendida como exigéncia de que 0 fundamento de jutidi- Cidade seja detetminado por factos sociais, nfo se opde a que — ou até, implica que — se admita conceptualmente que, tal como dizia HaRr, “nao existem limites légicos ao contetido da regra de reconhecimento”, pelo que esta pode incluir como ctitérios positives ou negativos da juridicidade referéncias a pau- on Esta pritca de sindicar a validade juridica aravés da conformidade a standards rmoraisconsistiri na nfo invocasio de normas contrivat a es pata (8 MyM) na fandarentagio des decises dos érgios aplicadores de dirio © na invocagio desas mesmas putas para a justfcago da nfo aplicagio daquelss normas prodzdas em confotmidade com 0s procesos de normasio prevsts (portato, eonformes a (X, ny X) ou Yn). 0 Cf, GUSTAV RADERUCH, “Geselisches Unreche und bergeserliches Recht" in Geamtaugabe, II, 1990, p- 89. Sobre eta, eft também, ROBERT ALEXY, The Argoment Frm juice, Oxford, 2002, pp. 5 aims Edt Pasitiviona juridico inelaive: sobre a posibilidade da relencia de cities. ga tas morais; e que (2) esse entendimento da tese das fortes sociais exige um centendimento moderado da tese da separacio conceptual entre diteito moral, nomeadamente, o de que a relagio entre direito ¢ moral € uma relacao de contingéncia, dependente da pritica dos érgfos aplicadores do direita de cada sistema juridico concreto. ‘As conclusdes a que acima se foram chegando foram sempre apresenta- das com a ressalva de se tratarem de jutzos prima facie. E isto porque, qualquer afirmasio sobre os critérios de juridicidade deve ser abordada holisticamente: ndo podemos estabelecer uma posigéo sobre os possiveis ctitétios de juridicidade sem considerar como essa posicio afecta a toralidade da teoria do direito em que essa afirmagio se insere “9, Nao podemos afic- mar que x pode, & luz de determinado entendimento da tese das fontes sociais, ou da tese da separagio entre direito e moral, ser um possivel critério de juridicidade, quando a delimitagéo do reconhecimento juridico através de x for incompativel com outras caracterfsticas que consideremos necessarias do conceito de direito. (© confronto das conclusées a que se foi chegando com outros aspectos (apresentados como) necessétios do conceito de direito assume assim, uma imporeincia central na discussio sobre a possibilidade da relevancia de cri- térios morais no reconhecimento jurfdico, dado alguns dos principais argu- mentos no sentido de uma resposta negativa a esta questo se bascarem precisamente em alegadas incompatibilidades entre as conceps6es caracter(s- ticas do positivismo juridico inclusivo, e outras caracteristicas necessérias do dircito. 4, Aincapacidade de uma regra de reconhecimento inclusiva para a reso- Ingo de dissensos e a sua alegada incompatibilidade com a fungio da regra de reconhecimento O primeito destes argumentos parte da afirmacio do carfcrer indetermi- nado que uma regra social que fizesse apelo a pautas de moralidade enquanto citério positivo ou negative da juridicidade teria: 0 positvismo jucidico inclu- sivo seria uma teoria incoerente pos, a0 se adaptar 4 “evidéncia” da juridicidade de standards notmativos carecidos de pedigree, renunciar & funcio que atribui (©) Cf Jones COLEMAN, The Practice of Principle cit, pp. 54 ss coinbm tors” 922 Miguel Brito Bastos a regra de reconhecimento ©, Esta critica, formulada, de novo, por RONALD DwoRKN, baseia-se, contudo, numa leitura incorrecta do ponto 3 do capi- tulo V de O conceito de direito™, Ai, HaRt ilustra como seria regulada uma sociedade primitiva na qual no vigorassem normas secunditias de alteracio, de adjudicagéo e de reconhecimento. Através dessa descrigSo realga trés defei- tos de um puro sistema de regeas primérias (a sua incerteza, 0 seu cardcter estatico € a ineficécia da sua pressao social) e fala de cada um destes tés tipos de normas como um “remédio” para cada um dos tés defeitos. A introducio de uma regra de reconhecimenco seria “a forma mais simples de remédio para aincerteza do regime das regras primdias” ©, incertera essa que seria causada por as regras ai vigentes ngo formarem um sistema, sendo antes “simplesmente um conjunto de padrées separados, sem qualquer identificagio ou marca comum, excepto, claro, a de serem regras aceites por um grupo particular de sexes humanos” ‘Com base nestas passagens DWORKIN retira a seguinte premissa, essencial a sua critica do positivismo juridico inclusivo: a flmgéo da regra de seconheci- ‘mento é “estabelecer um conjunto de standards estdvel, piblico e fidvel desti- nado a regular a conduta de privados e dos funcionarios” © de modo a evitar a incerteza sobre o direito vigente. ‘A passagem onde DworKIN baseia a premissa em questéo dé lugar a um problema de interpretagio “, Duas leituras so possiveis: de acordo com a primeira, a passagem'em questio corresponderia a uma especulacio histérica ‘que sugere que a emergéncia de tais regras se renha devido, em grande parte, a necessidade de certeza na identificacio do direito “. De acordo com uma segunda leivura possivel, Harr estaria a defender que promover a certeza do direito é a “fungio intrinseca” ou a “ratio” deste tipo de regras. Esta leicura, considerada como “implaustvel” por ANDRE! MaRMOR, € aquela em que (1 Che RONALD DwoRkn, London, 1977, pp. 347 ss. (2 Che Henaster Haar, O conceito de dire, ct, pp. 101 ss. Chi, Henaerr Hane, O conceit de direit, eit, p. 104. 69 Cie Henaser Haat, O conceto de direc, ct, p. 102. Cf. RONALD Dworkin, “Appendix: A Reply to Cris" ct, p. 347. 9 Ci ANDREI MaRMOR, “Exclusive Legal Positivism’, in The Oxford handbook of Juvsprudence and philuophy of law (org: ColemanlShapive), Oxford, 2002, p. 107, at. @). (Ext éleiura preferida por MARMOR (Iden), ppendi: A Reply to Critics", in Taking Rights Seriously, coimtseétea® Postvimcjariico inclusive: sobre a psibildade da releotnci de citi. 923 WORKIN parece bascar a sua critica. Nenhuma das duas leituras me parece correcta. Certamente que o HART af pretende nio é fazer um relato hiistérico dos motives que levaram & criagio de uma regra de reconhecimento. Isto, orgie, na sua teoria, a regra de reconhecimento nao é “criada” através de um acto voluntério, correspondente ao exercicio de uma competéncia, como séo paradigmaticamente as normas criadas através do exercfcio das normas de alteragZo. A regra de reconhecimento no ¢ intencionalmente criada, consti- tuindo-se, antes, através de uma pritica convergente, vecessariamente difusa. Logo, se nao é produto de um acto intencional de normagio, nao faz sentido descrever a sua constituigdo como uma resposta a um problema, A leicura que me parece mais correcta da passagem em questio € muito menos ambiciosa, Mais do que estar a imputar fins aos varios tipos de regras secundatias, ¢ em particular & regra de reconhecimento, HART esti tio s6a apontar as vantagens da sua existéncia, © facto de o estilo usado ser o de um “relato”, em que hé um “antes” ¢ um “depois”, no qual so corrigidos — “remediados” — os defeitos da situacfo anterios, nfo me parece impedir esa leitura, podendo ser lido como metéfora, alids, semelhanve 2 que se encortra em alguns autores contratualistas quanto & celebragio do “contrato social’, Em sintese, 0 argumento de DWORKIN ¢ 0 seguinte: a finalidade da regra de reconhecimento é a promogio da certeza quanto &s regras aplicdveis, pelo que of critérios de reconhecimento tém de permitir uma determinacéo fécil acerca da pertenca de determinado standard normativo ao sistema . Uma vver que os standards de moralidade sfo inerentemente controversos ¢ contes- tados, é incoerente admitir que uma regra social Ihes fica teferéncia enquanto crite -se-ia & certeza na iden- tificagio das normas aplicéveis ¢, consequentemente, “the whole point of law would be] lose” . ‘Una regra de reconhecimento que fesse referéncia a ctitérios de moralidade “néo introduzira qualquer acréscimo de decerminaséo ‘endo marcatia uma transigio para nada” 7, Para além das chividas j& expos- tas acerca da pertinéncia da impuragio de fins a uma regra com as caracterls- jo identificador do juridico, pois assim renun (Iso apesar de Harr dizer que a rogea de reconhecimento é 0 “temédio™ pars a incerveza de um sistema primitive. (Cf RONALD DWORKN, “Appendix: A Reply co Cris, cit, p. 347. © Che, WiueRID WauucHow, Inclusive Legal Positivism, vty p- 183 ov {ONALD DWORKIN, "Appendix: A Reply to Critics’, ct, p. 347. comten eters? 924 Miguel Brito Basis ticas da regra de reconhecimento, a argumentacio de Dworkin filha em dois ‘outros pontos. Em primeito lugas, DWORKIN exagera claramente 2 importincia que os defensores do positivismo juridico contemporéneo atribuem a capacidade do direito de resolver questées sociais de um modo claro e previsivel. Como nota WALUCHOW, o proprio HART defendia explicitamente as vantagens existentes cem que as leis fossem deliberadamente concebidas em termos flexiveis, apro- veitando a “texeura aberta” das normas para evitar resultados absurdos ou repugnantes em casos imprevistos 7, Se a prevengio de resultados absurdos € uma razio suficiente para HaRT recomendar a deliberada redacyéo de leis em tetmos abertos, é claro — continua WALUCHOW — que nfo tem a certeza € a previsibilidade por objectivos absolutes ou primordiais do direito ™, ‘Em segundo lugas, a argumentagio de DWORKIN assenta numa contrapo- sigdo imprecisa entre a certeza conferida pelas regras cuja validade jurfdica é exclusivamente fangio do seu pedigree ¢ a suposta incerteza que seria gerada no caso de a regra de reconhecimento conter, enquanto critério de validade juridica, referéncias a pautas morais ™, Afinal, € trivial que as regras com pedigree esto por vezes sujeita a uma enorme indeterminagéo. O dircito legislado, dada a sua formulagio em linguagens naturais, etd inevitavelmente sujeito a indeterminasbes semanticas. Ainda que nfo se aceite a tese da dis- cticionariedade de HART — ou seja, que nas zonas de incerteza (nas “penum- bras” dos conceicos legais) 0 juiz goza de discricionariedade para determinar 0 significado da regia — € inegével que a determinagéo das normas legais vigen- tes no osdenamento poderd revestir grande dificuldade, Esta indeterminacio € ainda mais acentuada no que diz respeito a normas criadas por outras fontes, do diteito, designadamente aquelas de fonte consuetudinaria. Isto para além de, determinadas as normas vigentes, existirem situagbes de concurso ou con- flitos de notmas, cuja zesolugio no ¢ clara, As regras com pedigree nfo trazem, portanto, necessariamente a certeza sobre 0 contetido do direito. Por outro lado, parece-me facilmente aceitével a afirmagéo de que algumas quest6es morais — nomeadamente de moralidade publica — no séo sujeitas © Ca Winsmio Wanucniow, Incisive Lege Positvin, ci, p. 184, e Hexneet Hakt, O conceta de dieite, ct, pp. 137 ss © Ch, Wire WaLucHow, Incuive Legal Paitivim, cit, p. 184. 4 fe. Wine Wasuctow, Inciuive Legal Positivism, cit, pp. 84-185. ca incon: sobre a posibilidade da elevtncia de ertérnn..____-925 a disputa sétia, Mesmo em sociedades marcadas pelo pluralismo de valores, ‘existe um conjunto de crengas comum aos defensores ce diferentes sistemas morais, formando-se assim um “consenso por sobreposicéo” (“overlapping consensus’) © — c, pelo menos naquilo que & compreendide por esse nicleo, as questées morais no so “inerentemente controversas", Podemos dizer que é bom que © direito seja determinado em termos cla- ros ¢ precisos, que os destinatarios das regras jutidicas tenham facilmente conhecimento dos patdmettos pelos quais o seu comportamento ¢ julgado, de modo a podesem conformar 2 sua conduta com eles. Mas fariamos um uso imeconhecivel da palavra “direio”, se disséssemos que s6 as regras claras, pre- cisas e facilmente cognosciveis se qualificam como direito. Do mesmo modo, podemos entender que seria preferivel que o direito foste identificado através de critérios seguros ¢ incontroversos, mas dal nfo segue nacuralmente que os critérios do reconhecimento tenham de seguros ¢ incontroversos e que todos (0 pardmetros que nfo permicam essa seguranga devara ser tejetados como possiveiscritérios do reconhecimento juriico. Nao é, portanto, necessariamente verdadeira a afuimacgo de que a rele- vancia de critétios morais no reconhecimento jutidico prejudique a possibili- dade de uma identficacéo segura das regras pertencentes ao ordenamento, nem é correcta a ideia de que a regra de reconhecimento t=nha como finalidade intrfnseca o incremento da certeza sobre o direito, pelo que, ainda que tal relevancia trouxesse incerteza quanto 3 identificacio das regras pertencentes a0 ordenamento, daf nao resultaria qualquer inconsisténcia do positivismo jurfdico inclusivo. 5. © cardcter controverso dos juizos morais ¢ a convencionalidade do direito Ainda relacionado cam o cardcter essencialmente controverso e contestado dos jutzos morais, encontramos o primeito dos dois argumentos avangados por ANDREI MARMOR contra a aceitagio de um positivismo juridico inclusive", 9 Cfic Jount Rawes, “The Idea of an Overlapping Consensus’ in Osford Journal of Legal Stdies, 1987, 1, pp. 1 ss 68” Cie ANDREI Maton, “Legal Conventionals’, in Fant Psi (org: Coleman), Oxford, 2001, pp. 193 ss. O argumento segue, porém, um caminho bem diferente do avan- «ado por DWORAIN, Enguanto 0 ceme do argumento de DWORHIN passa pela imputagto de coimis Edt 926 Miguel Brito Bases © cardcter controverso da moralidade minaria a possbilidade da existéncia de uma convengéo constivutiva que erguesse uma qualquer relagio com a mora- lidade, de alguma forma, a crtério do reconhecimento juridico. De um modo simplificado, o argumento € 0 seguinte: se ha controvérsia, nfo pode haver convengio 7, Se (1) a regra de reconhecimento ¢ necessariamente uma regra convencional, se (2) nao existe convengao quando o objecto da putativa con- vvengao & controverso € se (3) 0s parimetros de moralidade sfo inerentemente ‘controversos, entio é impossivel a regra de reconhecimento integrar par’imetros morais ™, © argumento impressiona & primeira visa. Falha, contudo, a0 confundir dois tipos diferentes de controvéssias. Como nota COLEMAN, € ttl distinguit entre controvéssias sobre 0 contetido (“content disputes") © contso- vérsias quanto & aplicacio (“application disputes") de regtas . Uma coisa é discordar da existéncia de uma regra, oucra cordar quanto & aplica- cao dessa regra a determinado caso. Enquanto © primeiro tipo de desacordos mina a possibilidade de uma convengio, o segundo nfo o fiz tama fungéo epistémica& rera de reconhecimento, Manor bastia-se na convencionalidade do dieivo. A diferenga entre os argumentos & nitida, tanto que, aids, MARMOR invoce a convencionalidade do diteito para recusar a impuragio de uma funcio epistémica & regra de reconhecimento. Como diz 0 autos, “s fansio ou © propésito de convensSes consttutivas [como a regra de reconhecimento] ndo étornarcertos ou inequivocosaspectos das nossas vidas que, de outro modo, seriam incertos ox confuses; 0 seu propésito & constitu urn dominio social que sea valioso © no qual valha a pena entiat”. A promogio da certeza na resolugio de problemas seja uma ds fungSes que atribumes ao dieito, no € uma fungéo da regra de reconhecimento (cf. ANDREI MARMOR, “Exclusive Legal Positivism’, if, p. 107). (Chi. ANDREI MaRMOR, "Legal Conventional, cz, pp. 1978. Exemplificando, se concordamos quanto & regra de que devemas cumprimentar os nossos conhecidos quando nos cruzamos com eles, mas € controverso quantos contacos precisamos deter com alguém para que ele seja considerado, para o feito, um “eonhecido” nfo hi no que diz respeito aos casos controvertides, vrdadeira convengio. Supondo que no grupo que tem a convengio de que devemos curnprimentar 0s nossos conhecidos quando nos cruzamos com eles, uns con- sideram que um concacto prévio 6 suficiente para que alguém seja“conhecido”, pare o feito, cenguanto outtes dscocdam, considerando que sio necesirios pelo menos dois contactos. [Nese grupo nio exstire qualquer convencao sobre cumprimentar pessoas com quem steve apenas um contacco previo. A analog dese exemplo com o problema da posbilidade de 0 reconheciment juridieo se feito através de parimetros de moralidade € clara. °C. ANDRE MaRWOR, “Exclusive Legal Positivism’, et, pp. 112 ss © Cfi, Juuss COLEMAN, “Negative and Positive Positivism’, The Journal of Legal Srudies, 1982, 11, pp. 139. Positiveno juriicoinelusiva: sobre a pesibilidade da velewincia de eitiies... 927 Se entendido come aplicando-se as disputas de aplicaco, o argumento do carécter controverso da moral provaria demais. Em muitas das situagdes em que as regras candidatas ao reconhecimento tém pedigree, e relativamente as quais nfo é posta em causa a possibilidade de recon ecimento, existem amplas divergéncias quanto & aplicabilidade dos criérios ® Por outro lado, o facto de os rgios aplicadores do direito discordarem quanto a quais so as exigencias da moralidade, nfo significa que discordem que a cortespondéncia a decerminados parametros morals — sejam quais forem as suas exigéncias — seja critério, positivo ou negativo, do reconhecimento juridico ©, Entendido como dirigido apenas as disputas de contetido, 0 argumento no atinge, portanto, o positivismo juridico inclusivo 6. A incompatibilidade do positivismo juridico inclusivo com a tese da diferenga pritica A ese da diferenga pratica (“practical diference thei") &a tese de acordo ‘com a qual toda a norma legal tem de ser capaz de fazer uma diferenga pritica na deliberagéo de um agente, fornecendo-lhe ordenaclo. Esta tese, defendida por HART, foi aprofundada por SCOTT SHAPIRO, que a aprofundou arravés da distingio entre ordenagio motivacional ou epistémica “?. Uma norma fornece ordenasio motivacional quando 0 seu destinatério age em conformidade com © que a norma exige mativado pela existéncia dessa egra. Quanto & ordenagio epistémica, esta é fornecida quando os destinatirios adquirem conhecimento das suas obrigagdes através de determinada norma e agem de acordo com essa nora, independentemente de o motivo do comportamento conforme & norma ser a existéncia dessa mesma norma, ou qualquer outro. Necessério é que 0 destinatério conhega as suas obrigacoes através da norma, ainda que, depois, (0 Pense-se no costume (qual a teiteraggo necessiria pora que wma prtica dé lugat & ‘um costume? Qual o grau de uniformidade e de generaizacio desa pritica necessirio para ‘0 efeito? Quem deve partihar necessariamente da “convicgio de jutidicidade” © © que se enende, 20 certo, por este requisico”?) Semelhante incertezas veificam-se a propésivo do precedente judicial: qual a proximidade da ratio decidendi de uma decsio judicial para que dla vincule, enquanco precedente, juzes em decisbes postrioed ‘8 Idem. © Cfe Scorr Suarino, “On Harts Way Ou’, in Hartt Potseripr eds Coleman), Oxford, 2001, pp. 171 58. oinbr 28. Miguel Brito Bases ‘com ela aja em conformidade, por exemplo, por medo da aplicaggo de uma sangio ®, Sustenta SHAPIRO que, em Hart, a exigéncia de que os funcioné- rios perspectivem a regra de seconhecimento do ponto de erno, cor responde « uma exigéncia de que a regra de reconhecimento thes fornega cordenacéo motivacional 9, Jé relativamence aos cidadios, para que se possa falar de um sistema jurfdico, é apenas exigida uma eficicia genérica das normas que 0 compéem, pelo que basta que as normas do ordenamento fornegam cordenagéo epistémica aos cidadios ©, ‘Assim, setia condigio necesséria da juridicidade de uma norma que ela fosse capaz de fazer uma diferenca pritica na adjudicagio jurfdica, ao fornecer ordenagéo motivacional aos juizes e demais érgios aplicadores do direito. Pelo que qualquer norma que nfo tivesse esta aptidéo, nao poderia ser considerada ‘uma norma jurfdice. E as normas juridicas reconhecidas através de ctitérios morais e no de pedigree careceriam dessa aptido. intctizado, © azgumento de SHAPIRO é o seguinte: & impossfvel um juiz ser simultaneamente motivacionalmente guiado por uma norma de reconhe- cimento “inclusiva” e pela norma moral por ela validada ®. Pelo que, SHA- PIRO conclui, o positivismo juridico inclusivo é incompativel com a tese da diferenga pritica, devendo consequentemente ser rejeitado ©, O tiltimo passo da argumentacdo SHAPIRO padece de um non sequitur. As premissas apresentadas apenas pSern em causa a coeréncia do entendimento que os positivistas juridicos inclusivos fazem da tese das fontes sociais ¢ da tese da separagdo entre direito € moral com a tese da diferenca pritica, a qual se assume como verdadeira. Essa incompatibilidade apenas siginfica que uma (Che ScorT SHAPIRO, “On Hards Way Out city p. 173. 9 Cfe. Scorr Snabtto, “On Hares Way Our’, cit, p. 174 Idem. 88 Cf. Scorr Santo, “On Harts Way Out cit, p. 171. Che Scort Starino, “On Hare's Way Out’, cit, p- 181. © argumento, ta como citado em texto, diz apenas rexpeito 20 reconhecimento postivo de normas moras, O argu- 0 aplicse, a fortor, ao extabelecimence da conformidade com patimetros morsis como ctisério de validade juridica, como 0 autor salienta (eff. SCOTT SHAPIRO, “On Harts Way Our, cit, pp. 183 8). Por comodidade de exposcso, e sendo que a accitagio da possbilidade da incluso na rege de reconhecimento de eferincias 2 morlidade enquanto crtéio postivo ¢ mais problemdtica do que a avibuigio moralidade de um papel delimicador da validade juidica das normas com “pedigree”, remete-s o lior, para a obra de SHAPIRO no que concerne 2 sua argumentasfo conta a “necesity venion” do posiivisme jurtdico inclusivo. Positivios juridico inclusive: sobre a pesibildade de reletncia de eid. 929 das veses tem de ceder. E SHAPIRO no demostra que deva sera “ese da incor- poracao” a ceder ®. Pelo contrétio, existem bons motivos para rejeitar a tese da diferenga prética, pelo menos na sua vetsio forte — a tinica na qual é inconsistent com a admissibilidade de uma regra de teconhecimento inclusiva. ‘Como COLEMAN salienta, podemos aceitar a afirmagio de que o direito é uma prdtica social normativa, que visa influenciar as deliberacdes préticas dos seus destinatétios, sem nos comprometermos com a afirmacao de que faz parte do nosso conceito de juridicidade que nada pode contar como direito a néo ser que seja apto a fazer uma diferenca pritica , Nao provocars,aliés, qualquer selutincia a afirmagio de que sio virias as normas etiadas através dos processos de produgio normativa previstos pelo proprio ordenamento de conteiido coincidente com normas morais. Também nestes casos a norma juridica néo forneceria, segundo SHAPIRO, uma ordenacéo motivacional diferente da da norma moral. Nao obstanve, a sua jutidicidade no é posta em causa, 0 que demonstra que 0 nosso conceito de juridicidade nfo pressupée a capacidade de uma exclusive guidance. A tese da diferenca prética pode, ao invés, ser dado um significado mais moderado, que se adapre melhor ’s nossas préticas sociais. Citando COLEMAN, “podemos dizer que a afirmagéo de que o direito € uma prética social norma- tiva implica [apenas] que a maioria do direito, a maioria das vezes, faga uma diferenga pritica” ©. A capacidade para influir nas deliberagbes priticas de cada cidado no é uma condigéo necesséria da juridicidade de cada norma, mas tio sé uma caracteristica do direito em geral ©, Ora, entendida como teferida ao dizcito em geral, ¢ nfo a cada norma individualmente considerada, a capacidade nio prejudicada pela aceitagao de uma regra de reconhecimento inclusiva. A afirmagio de que uma regra de reconhecimento que remetesse pata critérios de moralidade seria incapaz de fornecer uma motivagao automé- Kem © Cf, JuLes COLEMAN, “Incorporationism, Conventionaicy and the Practical Dif ference Thesis" ct, p. 146. Parece, asim, have uma diferenga ete, por exemple, o etatuto da airmagio de que o dceico pressipoe, como caracrisica necessirs, agama continuidade e pesisdaca e o extacuo da afrmargo de que a capacidade para fast uma difereng pritica uma carcrertice necesira do di © tem. © Cf. JuLes COLEMAN, “Incorporationism, Conventonality and che Practical Dit ference Thesis’, ct, p- 147. 930 Miguel Brito Bests noma face aos critétios morais para os quais remete, assenta no pressuposto de aque todos os destinatdrios da regra de reconhecimento se consideram (moral- mente) sujcitos & totalidade das normas morais “incorporadas”. No entanto nem todos os sujeieos se sentem vinculados aos mesmos parimerros de mora- lidade. Sempre que um sujeito nao reconhecer como moralmente vélida detecminada regra carecida de pedigree para a qual a regra de reconhecimento remeta, através da incozporagio dessa regra no ordenamento juridico, o crité- rio que & partida para o sujcito nfo representava uma razlo para agit, passa a fornecer-lhe ordenagio motivacional °. Ao que acresce que, a incorporagio de notmas morais no ordenamento juridico resulta, com elevada probabilidade, sum acrescido peso dessas normas enquanto raz0 para agir na deliberagéo pritica de pelo menos alguns dos destinatérios ©. Desde que entendida num sentido mitigado — mais fraco do que aquele que lhe € auibuido por Suarino —a ese da diferenga prética é, portanto, com- pativel com a incorporasio de eritérios morais no reconhecimento juridico. 7. A incompatibilidade do positivismo juridico inclusivo com a pretensio de autoridade do dircito Por fim, uma das mais significativas cxfticas dirigidas ao positivismo jurf- dico inclusivo centra-se na incompatibilidade da possibilidade da relevancia de critérios morais no reconhecimento jur{dico com a pretensio de autoridade smo juridico inclusive surgiu e tem como ponto de partida a sua seruice conception of authority RAZ assume que todo o sistema juridico institufdo tem autoridade de facto °, Pode nao ter autoridade legitima, ou no a cer na medida em que ‘a reclama, Mas & um trago conceptualmente necessétio de qualquer sistema 0 pressupBe, em rigor, o relatvismo ético axiolégico, no qual KENNETH. ‘Inclusive Legal Positivism", city p. 64, funda a sua critica & objecgio de SHArRO a0 posivismo jurdico inclusivo, © que é dito em texto € absoluramenteindepen- dente da existncia ou néo de parimetros morsisabsolutos: ainda que ets exstam, dai no segue a sua percepcia e aceitago par todos. © Che infia ponto 7. (© Chi JoseeH Raz, “Authority, Law and Morality”, ct, p. 213. ostivsma jridic inclusive: sobre a posibiidade da relevincia de erie, 931 juridico que este reclame autoridade , Esta pretensio manifesta-se, segundo Raz, no facto de as instituigées do sistema serem oficialmente designadas por “autoridades”, no facto de estas se considcrarem como tendo o direito de impor obrigagSes 20s cidadéos, nas suas retvindicagGes de que os cidadiios lhes devem fidelidade e de que os cidadaos devem obedecer 20 diteito, na mesma medida ‘em que ele reclama ser obedecido *. Sendo a pretensio de autoridade legitima inerente a todo o ordenamento juridico, cada ordenamento — ainda que seja concebivel que nfo a tenha — “must be a system of a kind which is capable in principle of posessing the requisite moral proprities of autority” ©, Crucial para a concepgio de autoridade de Raz € 0 estacuto especial que 1 autoridade visa desempenhar nas deliberagées priticas dos agentes que lhe estio sujeitos. Ao contrétio de um conselho, que fornece uta razo para agit, 4 qual pode ser avaliada e ponderada pelo agente ao lado de outras razses, uma decisio aucoritativa substicui — ow antecipa-se a (“preemps") — todas as outras ra2Ges para agir : “ao aceitar obedecer & decisfo (de uma autoridade], os agentes concordam em seguir o seu jufzo relativo A ponderagio das razdes disponiveis em detimento do resultado da sua propria ponderagao” °. Para que a auroridade seja legitima é necessério que se verifiquem duas condigSes: (1) que seja plausivel que os agentes ajam em maior consonfincia com raz6es que se thes aplicam se aceitarem as directivas da alegeda auroridade como autoritativamence vinculantes ¢ tentarem agir de acorde com elas, do que se rentarem seguir directamente as razes que se Ihes aplicam; € (2) que as deci- s6es autoritativas se baseiem em razes j4 aplicéveis aos agentes que Ihes estio © Che JoseeH RAZ, “Authority, Law and Morality’ cit. p. 225. © Cfe Joserts Raz, “Auchoricy, Law and Morality cit, pp. 215-216, RAZ referese ainda como manifestagto da prevenséo de aucordade do direto que as funciondrios “consi- deram ter © dreto de impor obsigagées aos desinatiros do ordenamento". Coatudo, ¢ 0 préprio RAZ que, noutzo lugar (Practica! Reason and Norms, London (1975), pp. 147-148) reconhece que a teivindicacio de autoridade moral pelos funcionétios do sistema, em nome deste, & consistente com a crenga desses funciondrios de que a0 sistema falta essa auco- widade ‘Chi JoseeH RAZ, “Authority, Law and Morality", ct, p- 215. Rstas reinvidicagbes sio imputadas 20 ordenamento através da linguagem que adoptac das opines express pelas insicuigées. 98 Chr, Josten Raz, “Auchoriey, Law and Morality ec, pp. 202-213. Idem. cima ers® 932 Miguel Brito Bastar itos (rarbes dependentes), independentemente da deciséo autoritativa “, Estes dois pontos, combinados com o carécter excludente de razSes caracterts- tico da autoridade, tém como consequéncia aquilo a que os comentadores de Raz tém chamado de “tese da identficagio”, segundo @ qual a possibilidade da idencificacio da existencia e do contatido de ditectrizes doradas de autori- dade ndo pode depender do recutso as raxBes dependentes que justficam essa decisso (0 ‘Assim, se 0 direito deve ser o tipo de entidade capaz de ser uma autoridade legitima, entdo a existéncia e contetido das normas juridicas deve poder ser sempre identificados sem recurso as 12z6es dependentes que as justifi- cam enquanto ditectivas autoritaivas Se assim nfio for, defende Raz, a putativa autoridade falha no seu papel de “mediar encre razdes ¢ pessoas? “9 — comportando-se como que um dtbitro que, quando questionado sobre qual © comportamento que as parte deve ter, responde “as partes devemn ter 0 ‘comportamento correcto” "4, Daqui pretende-se retirar que a “tese da incorporagio” é incompativel com a navureza autoritativa do direito ("9 Se a regea de reconhecimento etigisse pardimetros de moralidade a critérios (positivos ou negativos) de reconheci- mento do direito, 0 sistema juridico nio seria “o tipo de coisa capar de ter autoridade”, jd que na determinacio da existéncia e/ou contetido do direito setia necessatio recorrer 2s ra25es dependentes, designadamente de ordem moral, em que se baseiam as decis6es de autoridade. Sendo uma verdade conceptual que o direito reclama autoridade, o positivismo juridico inclusive seria uma teoria alsa , Sea impressividade da argumentacio é unanimemente reconhecida, a sua validade esta longe de o set, De entra as vias linhas argumentativas que rnegam essa validade, vou focar apenas, e sinvericamente, duas: (3) a que nega 090) Che Joserti Raz, "Authority, Law and Morality”, ‘Morality of Freedom, Oxford, 1988, pp. 22 ss 0)” Cf, Joskrs Raz, "Authority, Law and Moral i, p. 213, ¢ Josern Raz, The cit, p. 216. fe Josertt Raz, “Authority, Law and Morais”, cits pp. 217-218. (12 fe JoserH Raz, “Authority, Law and Morality”, et, p. 218. (09 Tem: 09 Josep Raz, “Authority, Law and Morality" cit, p. 227. (090 Joss Raz, "Authority, Law and Moraliry’, et, pp. 225 ss.,¢ ANDREI MARMOR, “Buclusive Legal Positivism’, cit, pp. 108 s. possibilidade da relevineia de erithrias. 933 de que o dircito tenha uma presensio de autoridade ¢ (i) a que contesta a concepcfo de autoridade de Raz, designadamente a “tse da preempséo". IE, em primciro lugat, controvertida a propria afirmasio de que seja uma verdade conceptual que todo 0 sistema juridico reclame autoridade leg(tima. Ainda que seja possivel imputar ao sistema juridico as afsmagtes feitas pelos funciondtios do sistema enquanto tal "?, nZo é, usualmente, possivel imputar 4205 funcionérios do ordenamento jurldico reivindicagbes de autoridade moral. Designadamence, das afirmagées dos juizes sobre os “deveres’, as “obrigagées”, 0s “direitos”, ou semelhantes, dos cidados apenas podem, pelo menos usual- mente, ser lidas como afirmag&es sobre as suas posigdes juridicas e no sobre 6 estatuto moral de determinada conduta ". O significado com que estes termos sfo correctamente usados ¢ entendidos no contexto da adjudicagdo juridica no tem qualquer relagio necesséria com as comrespondentes nogées morais ©, No uso mais comum dessas palavras no discurso juridico, dizer que alguém tem um direito ou um dever é equivalence a dizer que, no orde- namento jurfdico de referéncia, vigora uma norma atribuciva desse direito ou que comina esse dever (e que essa norma se aplica na situagéo em questo). A tinica atitude necessdria em relacSo a essa afirmagio é uma atitude de acei- tagio dessas normas como direito, No entanto, mais do que usualmente nao setem feitas, em nome do ordenamento, reivindicagdes de autoridade moral pelos funcionarios deste, € conceptualmente posstvel conceber um siscema juridico em que assim nZo seja. Como nota HiMA, nfo cxiste & partida razéo para negara qualificagéo como ordenamento juridico a um sistema que reunisse todas as (restantes) caracteristicas tidas por necessdrias a essa qualificagao, mas no qual os funcionérios no fizessem qualquer afirmagéo de onde se pudesse inferir uma reivindicagio de autoridade legirima. Assentando a argumentagio de Raz na verdade conceptual de que todo 0 ordenamento juridico reivindica 2 Conca esa possildade, oft 0 argumento de Rowatn Dwort “Thirty Yet COs", in Harvard Law Revew, 115 2002), 9. 1665-1668. Defendendo-aconvincentement, cf JOHN GARDNER, “How Law Cliims, What Law Chins’, Onfrd Lege Stdies Rezarh Paper, 0.° 44/2008, consultade em heepi//ssrn.com/abstract=1299017. is Cie Kawerst Eovan Ha, “Tavs Chim co Legitimate Authot’ in Herth Passerige (ed: Coleman), Onford, 2001, pp. 288-290 « 294-296, Paa a desconstugto das rentontsinferacias em Que RAzsustentas"evindicago de autidade” plo ornamento ce KENNETH Finan Flt, “Law's Clim eo Lagtimste Asihovi ot, psi teh” Ofe Kanner: Enea Hin, “Laws Claim to Lagisimace Author” tp. 298. coir Eston 934 EEE Reeee eee Reece Reece eed eee ee sige Bote Bee auroridede legitima, tal seria suficiente para demonstrar a improcedéncia da tese da pretensio de autoridade Em segundo lugar, a concepgio de auroridade de Raz escé longe de ser pacifica ""?, E se 0 positivismo jurfdico é incompativel com a service concep- tion of authority de RAZ, nifo é verdade que seja incompattvel com qualquer concepcéo de autoridade. Designadamente, nfo seré incompativel com uma concepeéo de autoridade que nao trate as ditectivas autoritativas como razées necessariamente excludentes. Ora, é possivel conceber a autoridade como niéo fornecendo apenas razbes precmpt6rias, ou seja, como uma questéo de “tudo ou nada’ (9, mas antes como fornecendo “razées de segunda ordem (...) para tratar razées de primeira ordem como tendo maior ou menor peso do que de ‘outro modo teriam” 5), Nestes rermos, uma raz4o autoritativa peremptéria seria apenas “o caso especial em que uma ou mais razdes de primeira ordem sfo tratadas como nfo tendo qualquer peso” "9. Accitando-se tal concepgio de autoridade, negar-se-ia que o carécrer exclusionrio de uma razio para agit é condigio necesséria da sua capacidade de revestir cardcter autoritative. Desa- pareceria, portanto, a impossibilidade conceptual de a identificagao das normas juridicas depender do recurso a razBes morais dependentes. Consideragies finais Sendo a regra de reconhecimenco consticuida e o seu conteiido definido por factos sociais, parece no existirem bices 4 afitmacio de HART de que néo existe limites légicos 20 conteiido da regra de reconhecimento — ou seja, de que, tal como esta no tem um contetido necessério, ndo existem critérios cuje relevancia no reconhecimento juzidico seja impossivel. O direito € com- posto pelo conjunto de regras identificadas através dos cricérios de pertinéncia (0 KenneTes Ean Fiat, “Law's Claim ro Legitimate Auchoriy” it pp. 297-299. (Uma visio global das vévias concepgdes concorrentes de autoridade pode set ‘enconstada reurmidamente, em TOM CHRISTIANO, “Authority, in Stanford Encylopedia of Philosophy, 2004, consultada online em hueplllacestanfard.edulensicslauthoriry fi (00 Cie, WiLeRID WaLuchow, Inluive LegelPastivism, ct, p. 136. © Hem. (19 Cie Wasnt WALUCHOw, Ineluive Legal Pesitivion, ct, p. 136-137, ctando ‘Srepien Pat, "Judicial Obligation, Precedent and the Common Law’, in Orford Journal of Legel Studien, 1987, 7, pp. 215 #8 Prutivisme jertdico inlusivo: sobre a posiilidade da releincia de creo. 995 jusidica definidos pela regra de reconhecimento ¢ esses eritéris sf0 todos aqueles aos quais sejaatribufda essa funco pela prética eonvergente dos Fun- Giondrios de cada sistema, qualquer que seja 2 sua nacurczz. Assim, desde que a prética dos funcionétios de determinado ordenamen vé no sentido de reconhecer relevancia a parimetros de moralidade no reconhecimento juridico, 4 decerminagio das regras vigentes nesse ordenamento pods depender de juizos morais, Estes jutzos podem ser de dois tipos: (i) positives, quando se reconhece a juridicidade a uma norma catecide de pedigree, em viswude da sua correspon Bncia a parimetros de moralidade, ou (i) negativos, quando se recusa a juridicidade a uma norma dotada de pedigree devido 2 sua contratiedade a parimeuos de moralidade. ‘A aceitagio desta possibilidade ndo implica um afastamento da tese da separagio conceptual entre direito © moral: dizer que nfo existe uma ligaao necessicia, nfo significa afirmar que € necessicia a inexisténcia dessa ligacko. 1Nio implica também um abandono da tese das fortes sociais, a qual, correc- tamente entendida, apenas exige que os fimdamentos de juridicidade sejam ‘ccclusivamente deserminados pot factos sociais ¢ ntio que os criterias de juri dicidade se refiram nicamente a factos sociis. Tntendido desta forma, tudo 0 que 0 positivismo jurfdico reclama quanto 4 identificagdo das fontes do diteito € que os critétios de reconhecimento so rodos agueles, mas sb agzueles, que sejam usados € accites como tal pelos funcio- nitios de cada ordenamento. ‘Acexisténcia ¢ a extensio da relevancia de critérios morais na jidentificagéo das normas pertencentes a determinado ordenamento €, portanto, uma quest#0 (flesica, B, em caso de resposta afirmativa a essa questo, idéntica nacureza tem ‘a questio sobre a identificacSo dos limiares de relevancia dos juizos morais no reconhecimento jutidico “, bem como das pautas morais que relevam para, ‘esse efeito. Em rigor, a0 accitar-se a possibilidade da relevincia de juizos morals no reconhecimento jurfdico, por detis de uma referénci unicitia 20s mesmos, esti-se a admitir a incluséo na regra de reconhecimeato de parametros de diversa nacureza, Para o efeito, € indiference que extejam em causa critérios relativos a uma moral racional, a uma moral religiosa ou a uma moral social, 18:9 Qu seja se, por exernplo, estes determinam & incorporaco juridica de um “einimo ico”, a rejeigdo da juridicidade de “regres extremamence injusts', ou s80 configurados de modo mais amplo, comes Eaton dado que o problema se poe de forma idéntica em relagio a todas estas. A admissibilidade da incorporagio de critérios morais na regra de reconheci- mento é, alids, independence da validade desses critérios enquanto critérios motais ¢ até de as proposigdes morais serem suscepriveis de valor de verdade. Nao havendo “limites lgicos” ao contesido da regra de reconhecimento, tudo isto — ou seja, a televancia de critérios morais no reconhecimento juridico, ‘em caso afirmativo, 0 contedido dos critérios morais relevantes, bem como @ cextensio dessa relevincia — é tinica e exclusivamente determinado por faczos sociais, necessariamente contingentes. Afinal, como diz COLEMAN, 0 positi- vismo juridico inclusivo , eo s6, uma teoria dos critérios possiveis de juridi- cidade. E certo que esta teotia do diteito ¢ pouco fértil como base de consequén- cias para os juistas priticos ou dogméticos. Exclui a partida tanto um con- retido necessério, como um conteiido impossivel do dircito, a que os juristas possam apelar direccamente na resolugio de problemas juxfdicos. Dessa forma, mostra-se, porém, coctente com o projecto metodolégico que lhe subjez — 0 de uma teoria do direito meramente descritiva —, bem como com a sua raiz, filoséfica, designadamente com a heranca do segundo WITTGENSTEIN: o papel da filosofia do diteito é, cambém aqui, negativo em natureza, nao lhe compe- tindo fornecer generalizacbes « priori sobre o contetido do direito, mas apenas “desfazer 08 nés do nosso pensamento” sobre o conccito de dircito "9, A deter- minacio das fontes do direito nfo ser4, portanto, uma questio de especulacio Giloséfica, mas de observacio das préticas sociais vigentes. (0 Cf Lupwic WirrGENsTEN, Zee, Los Angeles, 1967, § 452, A mesma ideia encontrase desenvolvida nos 9§ 123 ¢ segs. das Philorophische Untersuchungen, Franke fart-am-Main, 2001, sendo especialmente ilusrativo 0 § 309: ("Qual é a cua meca na Filoso- fia?) Mostrar 4 mosca 0 caminho pata sair do caga-moscas"), Sobre a influéncia da ordinary Language phitolophy em Wan, cf. Net MACCORMICK, H.L.A. Hart ct, pp. 12 ss. int tors O ENSINO DO DIREITO_ FACE A EUROPEIZACAO E GLOBALIZACAO DO DIREITO Micuet Potares Mapuro © Diiteito esté a mudar, As fontes jurtdicas sio cada vez mais de origem ceuropeia e global. Os advogados precisam cada vez. mais de exercer a sua profissio nur contexto plural de jurisdigées ¢ fontes juridicas. Também 0 tnercado de servigos jutidicos esti mais integrado, europeizado ¢ globalizado. © ensino do Direito na Europa estard a acompanhar estas madangas ¢ prepa~ rado para lidar com os desafios que estas trazem? E qual o impacto no ensino do Direito dos objectivos propostos pela Declaragio de Bolonha, nomeada- mente a criagio de um expago de ensino europeu? Estas sic, provavelmente, as quest6es mais relevantes que o ensino do Dircito na Europa enfrenta neste momento e, no entanto, estio, surpreendentemente, por estudar. © ensino do Direito & “terra de ninguém” enquanto matéria de estudo em si mesma: censina-se mas nfo se reflecte suficientemente sobre como sc ensina e o contexto em que se ensina. ‘A andlise aqui apresentada identifica tendéncias importantes para o fururo do casino do Direito na Europa. Estas orientag6es constiuem um enorme desafio para as escolas de Direito europeias. © Direito que se ensina deve ser outro, Ea competigio entre as escolas de Dircito serd cada vez maior no mercado europeu. Todas estas questes requerem uma completa reestruturagso svi Uniersiio © Prafaore Dior do Progam Global Goveranc do a Fans p ute mp dos amps. Covavs de apace Ti Ck Ana Abr ein pk seer ade nae tose Juma Rig pls duo da verso onal ingen comes eat Tito Eras em Memiéria do Prof Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vl. 1 Autor AAW, 1 Bigs Setembro 2011 Fong Joo Pina © Kameraphoro Eaigo « Exansio Grif Wolters Klaser Portugal sob a marca Coimbra Evora Lisboa Coimbra: Edificio Coimbra Edivora ade 0 wosecoimbracdtonspt editodal@coimbraedivorspt Disribuig Coinmbea Baivom, S.A, Ladeirs da Paula no 10 Antanhol — 3040-574 Coimbra Tele 239 852 650 — Fax 239 852 651 Organizadores PAULO OTERO * FERNANDO ARAUJO * JOAO TABORDA DA GAMA ESTUDOS EM MEMORIA DO PROF. DOUTOR J. L. SALDANHA SANCHES VOL. 1 DIREITO PUBLICO E EUROPEU, FINANGAS PUBLICAS ECONOMIA, FILOSOFIA, HISTORIA, ENSINO, VARIA €B coimbra Editora ‘Brupo Wolters Kluwer

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