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Universidade Federal de São Carlos

Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia


Departamento de Matemática

O teorema de Stokes para Variedades

Autor: Gustavo Henrique Chavari

Orientador: Rafael Fernando Barostichi

Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso A

Curso: Bacharelado em Matemática

Professores Responsáveis: Luciene Nogueira Bertoncello


Natalia Andrea Viana Bedoya
Rodrigo da Silva Rodrigues
Wladimir Seixas

São Carlos, 29 de junho de 2020.


O teorema de Stokes para Variedades

Autor: Gustavo Henrique Chavari

Orientador: Rafael Fernando Barostichi

Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso A

Curso: Bacharelado em Matemática

Professores Responsáveis: Luciene Nogueira Bertoncello


Natalia Andrea Viana Bedoya
Rodrigo da Silva Rodrigues
Wladimir Seixas

Instituição: Universidade Federal de São Carlos


Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia
Departamento de Matemática

São Carlos, 29 de junho de 2020.

Gustavo Henrique Chavari Rafael Fernando Barostichi


Agradecimentos

Sou grato por todas os professores e professoras que participaram do meu processo de
desenvolvimento enquanto aluno. Do ensino básico ao superior, devo muito a esta classe
de pessoas que se dedica ao ensino e pesquisa. Em especial, ao Prof. Dr. Rafael Barostichi
que, num ano conturbado, pôde contribuir com sua orientação nesta minha etapa de
formação. Simultaneamente, agradeço as pessoas que lutam por um ensino crı́tico e de
qualidade para todos. Assim como agradeço os trabalhadores da UFSCar.

Agradeço e admiro minha mãe Rita Helena Correia, meu pai André Luis Chavari,
minha avó Ângela Salvi Chavari, meu avô José Nicola Chavari (Belo) e todos os familiares
que me permitiram o privilégio do ensino superior. Muito obrigado aos amigues e colegas
feitos pelo caminho, vocês foram fundamentais para o desenvolvimento da pessoa que me
tornei, amo vocês demais. Em particular, sinto imensa gratidão e admiração por minha
companheira de vida Maria Eugênia (Magê), que esteve presente no perı́odo de confecção
deste trabalho.

Minhas apreciações ao Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) pela di-


vulgação das vı́deo-aulas do curso de Análise em Variedades ministradas pelo Prof. Dr.
Luis Florit. Agradeço imensamente o Programa de Apoio Acadêmico ao Estudante de
Graduação (Tutoria PAAEG) pela oportunidade de ensinar e aprender, por três anos,
com alunos e pessoas de toda a comunidade UFSCar.
Resumo

Este trabalho tem por objetivo principal apresentar uma versão do teorema de Stokes em
variedades, evidenciando o fato de que este resultado generaliza um dos mais importantes
teoremas de toda a Matemática, o chamado teorema fundamental do cálculo.
vii

Sumário

Introdução xi

1 Introdução às Variedades Diferenciáveis 1


1.1 Funções diferenciáveis entre variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Derivadas parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.3 Quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

2 Fibrados Tangente e Cotangente 15


2.1 Germes de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2 Diferencial de uma função . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.3 Fibrado Tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4 Campos Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.5 Fibrado cotangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.6 1-formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3 Formas Diferenciais 37
3.1 Álgebra multilinear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.2 Produto exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.3 k-formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.4 Derivada exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

4 Integração sobre Variedades 53


4.1 Orientação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4.2 Variedades com Bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.3 Integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

5 O teorema de Stokes 67

A Partições da Unidade 75
A.1 Funções “bump” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
A.2 Existência de uma Partição da Unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
B Definições prévias 81
B.1 Topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
B.2 Análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
B.3 Álgebra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
B.3.1 Permutações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
ix

Lista de Figuras

2.1 Seção do fibrado T M . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

5.1 Suporte de ω contido em Qn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

A.1 Gráfico de uma função bump em 0 contı́nua. . . . . . . . . . . . . . . . . . 75


A.2 Gráfico da função f . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
A.3 Gráfico da função g . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
A.4 Gráfico da função ρ com a = 1 e b = 1.5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
xi

Introdução

Nos cursos de cálculo, especificamente de uma variável, somos introduzidos ao conceitos


de derivada e integral de uma função. Aprendemos a integrar funções de uma forma mais
prática com o teorema fundamental do cálculo e seguimos para o estudo das equações
diferenciais ordinárias. Ao transladar o cálculo da reta para o plano, lidamos com funções
definidas sobre regiões planas arbitrárias. Ainda assim, aprendemos a integrar funções e
campos de força ao longo de curvas, retângulos e regiões parametrizadas. Não é simples,
num primeiro contato, abstrair a essência destes objetos e estruturar um padrão que seja
levado para Rn . A geometria analı́tica se torna necessária para estruturar as operações e
descrever os objetos considerados. Conhecemos então o cálculo multivariável, que genera-
liza os conceitos previamente estudados e nos prepara para fazer cálculo sobre ambientes
mais gerais. Inteirados do assunto, introduzimos os conceitos desenvolvidos no texto.

Por ambientes gerais, fazemos referência às variedades. Objetos estes que possuem
a propriedade de localmente se comportarem como Rn , mas não globalmente. Retas,
planos, cilindros e esferas são exemplos de variedades. Por sua vez, retas e planos são
globalmente euclidianos, mas o cilindro e a esfera não. Pense na cartografia dos mapas
da terra: podemos projetar as coordenadas da terra de diversas maneiras. Em particular,
quando projetamos a terra (esfera) no plano e no cilindro, obtemos dois mapas da terra
diferentes. E aqui reside a essência das variedades, usamos estes mapas para descrever
objetos definidos topologicamente. Curvas, planos, bolas, discos e muitos outros objetos
geométricos são variedades. O gráfico da função f (x) = |x| apesar de ser uma curva,
não é uma variedade suave pois apresenta um bico, mas por outro lado, é uma variedade
topológica. As variedades suaves serão o objeto de estudo durante o texto. Tomamos o
essencial deste assunto e trabalhamos maneiras de fazer cálculo nestes espaços.

Apoiados sobre a álgebra linear e multilinear, traçamos o conceito de espaço tangente


a uma variedade em paralelo com o modelo intuitivo encontrado em Rn . A abordagem
algébrica vai nos permitir otimizar os cálculos de uma maneira coerente, sendo equiva-
lente ao modelo vetorial. Sabendo que em geral as variedades não necessariamente estão
“dentro” de Rn , os “óculos”da álgebra vão nos ajudar a reconhecer um plano ou reta
tangente quando o ambiente já não é mais euclidiano. A questão de saber quando uma
variedade está dentro de Rn não será desenvolvida do texto. Sempre que possı́vel, será
indicado um material auxiliar para o leitor interessado.
A motivação do tema incide ingenuamente no fato de que, no cálculo de uma variável,
existem ferramentas de integração que não se transladam para o cálculo de duas ou mais
variáveis. O que aconteceu com a integração por partes? Como se comporta a mudança
de variáveis? E o teorema fundamental do cálculo? As variedades suaves e as formas
diferenciais nos ajudarão a entender porque nos encontramos nesta situação e finalmente
descobrir o que significa a notação dx, dy e dz que aparece nas integrais.
O ponto de partida do trabalho consiste em observar que na equação de integração
por partes
Z b b Z b
u · dv = u · v − v · du
a a a

existem elementos de naturezas distintas. O termo uv]ba = uv(b) − uv(a) diz respeito a
Rb Rb
um valor sobre um conjunto de dois pontos. E as integrais a udv e a vdu tratam de
valores sobre o intervalo [a, b]. Rearranjando para o mesmo lado os elementos de mesma
natureza e usando a linearidade da integral obtemos
Z b b
u · dv + v · du = u · v .
a a

Mas como u(x) e v(x) são funções que dependem de uma variável real x e du = du/dx e
dv = dv/dx são as derivadas, usando a regra do produto obtemos que d(u·v) = u·dv+v·du.
Podemos escrever então Z b  b
d(u · v) = u · v .
a a

Chamamos de fronteira do intervalo I = [a, b] e denotamos por ∂I o conjunto dos pontos


de R que estão “próximos”de I e do complementar R − I simultaneamente. Neste caso,
a e b são os únicos pontos da reta que satisfazem esta condição, logo ∂I = {a, b}. Faz
sentido pensar o lado direito da equação acima como uma integral calculada apenas em
R R
dois pontos, no caso, os pontos de bordo de I. Definimos então ∂I uv := uv]ba e I d(u.v).
Se ω denota a função u · v e a derivada é denotada por dω, podemos reescrever
Z Z
dω = ω
I ∂I

que é a expressão mais geral do Teorema de Stokes para a variedades, no caso


para o intervalo I. Sabendo que a integração por partes é uma consequência do
teorema fundamental do cálculo, discutimos a relação que o teorema de Stokes tem com
este resultado. A mudança de notação que ocorreu no universo da reta, é um exemplo
do que será transladado para o ambiente das variedades com apoio da álgebra e topologia.
Organizamos o texto da seguinte forma: no Capı́tulo 1, introduzimos as variedades
suaves focando apenas no básico para poder demonstrar o teorema de Stokes. Em se-
guida, motivamos a ideia de vetor tangente em uma variedade, introduzindo os germes
de funções, os fibrados tangente e cotangente, os campos vetoriais e as 1-formas dife-
renciais. Trabalhamos também com as partições da unidade em uma variedade, que são
devidamente apresentadas no Apêndice A. Estas vão nos permitir estender para a varie-
dade as funções definidas localmente. No Capı́tulo 3, definimos as k-formas diferenciais
em uma variedade de dimensão finita e as construções multilineares que serão objeto de
estudo. No Capı́tulo 4, descrevemos o conceito de orientação em uma variedade para que
seja possı́vel, através das formas diferenciais, integrar como no cálculo. Finalizamos no
Capı́tulo 5 com o teorema de Stokes para variedades, junto de algumas conclusões sobre
o teorema fundamental do cálculo e o teorema de Green no plano. Algumas definições
sobre as quais iremos operar se encontram no Apêndice B.

Para sugestões e possı́veis correções, escrever para gustavochavari@gmail.com.


1

Capı́tulo 1

Introdução às Variedades


Diferenciáveis

Existem vários tipos de variedades: topológicas, analı́ticas, algébricas, C k , C ∞ e etc.


Neste texto estudaremos as variedades C ∞ , que também são chamadas de variedades
diferenciáveis ou variedades suaves. Com algumas modificações acerca do grau de dife-
renciabilidade das funções, podemos tratar o caso C k . Mas por simplicidade consideramos
apenas o caso das variedades C ∞ que por si só já é abundante. Queremos aprender a de-
rivar e integrar nestes espaços, mas por enquanto só conhecemos a diferenciabilidade no
espaço euclidiano. Vamos pedir que as variedades sejam localmente homeomorfas à Rn
para podemos ir e voltar de um aberto à outro. Esta identificação nos permitirá fazer
as contas em Rn e voltar com o resultado para as variedades. Vamos então definir estes
conceitos e considerar alguns exemplos.

Definição 1.1. Dizemos que um espaço topológico X é um localmente euclidiano se cada


ponto de X possui uma vizinhança homeomorfa a algum aberto de Rn . O número n é
chamado de dimensão de X. Se ϕ = (x1 , . . . , xn ) é um homeomorfismo entre um aberto
U ⊂ X e algum aberto de Rn , então chamamos o par (U, ϕ) = (U, x1 , . . . , xn ) de carta.

Observação 1.2. Caso X possua várias componentes conexas, é possı́vel que cada compo-
nente seja localmente euclidiana mas com homeomorfismos em Rm com m e n distintos.
Se X é conexo, a dimensão n é necessariamente constante e não varia de ponto pra
ponto. Este conceito de dimensão faz sentido para espaços localmente euclidianos, mas
não intrinsecamente para um espaço topológico.

Definição 1.3. Uma variedade topológica de dimensão n é um espaço topológico M


localmente euclidiano de dimensão n, Hausdorff e com base enumerável.

Exemplo 1.4. O espaço Rn com a topologia induzida pela norma é Hausdorff, possui
base enumerável e é um espaço globalmente euclidiano, pois basta tomar o homeomorfismo
ϕ como sendo a identidade.
2 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

Exemplo 1.5. Seja f : U ⊂ Rm → Rn uma função contı́nua. O gráfico de f

G(f ) = {(x, f (x)) : x ∈ U } ⊂ Rm+n

é Hausdorff e possui base enumerável por ser subconjunto de Rm+n . Também é localmente
euclidiano pois tomamos o homeomorfismo como sendo a projeção π : G(f ) → U , cuja
inversa π −1 : U → G(f ) é dada por x 7→ (x, f (x)). Portanto, uma variedade topológica
de dimensão m.

Exemplo 1.6. Seja n ≥ 1. A esfera Sn possui base enumerável e é Hausdorff por ser um
subconjunto de Rn+1 . Sejam N = (0, ..., 0, 1) e S = (0, ..., 0, −1) os polos norte e sul de
Sn . Considere Rn identificado com o hiperplano xn+1 = 0 de Rn+1 e os conjuntos UN =
Sn − {N } e US = Sn − {S}. Via projeção estereográfica, construı́mos homeomorfismos
ϕN : UN → Rn e ϕS : US → Rn dados por
 
x1 xn
ϕN (x1 , . . . , xn , xn+1 ) = ,...,
xn+1 − 1 xn+1 − 1
 
x1 xn
ϕS (x1 , . . . , xn , xn+1 ) = ,...,
xn+1 + 1 xn+1 + 1

com respectivas inversas ϕ−1 n −1 n


N : R → UN e ϕS : R → US dadas por

kyk2 − 1
 
−1 2y1 2yn
ϕN (y1 , . . . , yn , 0) = ,..., ,
kyk2 + 1 kyk2 + 1 kyk2 + 1

1 − kyk2
 
−1 2y1 2yn
ϕS (y1 , . . . , yn , 0) = ,..., , .
kyk2 + 1 kyk2 + 1 kyk2 + 1

O que torna a n-esfera em um espaço topológico localmente euclidiano de dimensão n.

Vamos utilizar as cartas para colocar estrutura nos espaços. Mas temos de fazer
isso cuidadosamente, de modo que as construções e conceitos não dependam da carta
escolhida. Precisamos que o homeomorfismo ϕ : U → ϕ(U ) seja diferenciável. Por meio
das cartas, podemos ir da variedade para Rn , fazer as contas e voltar com o resultado
para a variedade. Mas como definir diferenciabilidade de uma função definida em espaço
topológico? Por enquanto, uma carta não nos permite falar deste conceito.
Considere então, duas cartas (U, ϕ) e (V, ψ) em um espaço localmente euclidiano X.
Como U ∩ V é um aberto de X e ϕ é um homeomorfismo, a imagem ϕ(U ∩ V ) será
um aberto de Rn , assim como ψ(U ∩ V ). Sobre abertos euclidianos podemos falar de
diferenciabilidade.

Definição 1.7. Dizemos que as cartas (U, ϕU ) e (V, ϕV ) são compatı́veis, se as funções

ϕU ◦ ϕ−1
V : ϕV (U ∩ V ) → ϕU (U ∩ V ) e ϕV ◦ ϕ−1
U : ϕU (U ∩ V ) → ϕV (U ∩ V )

são de classe C ∞ . Estas funções são chamadas de funções de transição entre as cartas.
1. Introdução às Variedades Diferenciáveis 3

Observação 1.8. Se U ∩ V é vazio, então automaticamente as cartas são compatı́veis. Será


mostrado posteriormente que as funções de transição entre as cartas são difeomorfismos
entre abertos euclidianos.
Para tratar toda a variedade, precisamos de um conjunto de cartas cuja união dos
domı́nios de cada carta forme uma cobertura para o espaço topológico X. Mais ainda,
precisamos que cada carta deste conjunto seja compatı́vel com qualquer carta deste espaço.

Definição 1.9 (Atlas). Um atlas em um espaço localmente euclidiano X é uma coleção


S
indexada {(Uα , ϕα )} de cartas duas a duas compatı́veis de modo que união α Uα seja
uma cobertura para X.

Apesar da compatibilidade entre cartas ser reflexiva e simétrica, ela não é transitiva.
De fato, suponha que a carta (U, ϕU ) seja compatı́vel com a carta (V, ϕV ) e que a carta
(V, ϕV ) seja compatı́vel com a carta (W, ϕW ). Então a composição

ϕW ◦ ϕU−1 = (ϕW ◦ ϕ−1 −1


V ) ◦ (ϕV ◦ ϕU )

é de classe C ∞ apenas em ϕU (U ∩ V ∩ W ) e não necessariamente em ϕU (U ∩ W ).


Não sabemos sobre o comportamento de ϕW ◦ ϕ−1 U em ϕU (U ∩ W − U ∩ V ∩ W ) e não
podemos concluir que (U, ϕU ) e (W, ϕW ) são compatı́veis. Dizemos que uma carta (V, ψ)
é compatı́vel com o atlas se é compatı́vel com todas as cartas do atlas.

Lema 1.10. Seja {(Uα , ϕα )}α um atlas em um espaço localmente euclidiano. Se duas
cartas (V, φ) e (W, ψ) são compatı́veis com o atlas {(Uα , ϕα )}α então (V, φ) é compatı́vel
com (W, ψ).

Demonstração. Seja p em V ∩ W . Precisamos mostrar que φ ◦ ψ −1 é C ∞ em ψ(p) e que


ψ ◦ φ−1 é C ∞ em φ(p). Como {(Uα , ϕα )} é um atlas, p está em Uα para algum α, então
p está em Uα ∩ V ∩ W . Observe que
−1
φ ◦ ψ −1 = (φ ◦ ϕ−1
α ) ◦ (ϕα ◦ ψ1 )

é C ∞ em ψ(p). Como p é arbitrário temos que φ ◦ ψ −1 é C ∞ em ψ(V ∩ W ) e o mesmo


argumento segue para mostrar que ψ ◦ φ−1 é C ∞ em φ(V ∩ W ). 

Poderı́amos definir nosso objeto de estudo com sendo uma variedade topológica com
um atlas compatı́vel, mas isto não seria suficiente. Dizemos que um atlas A é um atlas
maximal se não está contido em nenhum atlas maior, ou seja, se A0 é outro atlas que
contém A, então A0 = A.
Exibir um atlas maximal é uma tarefa complicada. Sempre que tivermos um atlas,
podemos gerar seu atlas maximal como segue.

Proposição 1.11. Qualquer atlas A = {(Uα , ϕα )} em um espaço localmente euclidiano


está contido em um único atlas maximal.
4 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

Demonstração. Adicione ao atlas A todas as cartas (Vi , φi ) que são compatı́veis com A.
Pelo lema anterior, elas são compatı́veis entre si. Logo a coleção A0 que contém as cartas
de A e as cartas (Vi , φi ) também forma um atlas. Qualquer carta compatı́vel com o novo
atlas é compatı́vel com o atlas original, e por construção pertence ao novo atlas. Portanto
o novo atlas A0 é maximal. Se C é outro atlas maximal contendo A, então todas as cartas
em C são compatı́veis com A e por construção pertencem à A0 . Logo C ⊂ A0 . Como estes
dois atlas são maximais, C = A0 . Segue que o atlas maximal contendo A é único. 

Com este resultado, basta exibir um atlas para garantir a existência de um atlas
maximal. Mas isto não significa que exista apenas um atlas maximal para o espaço, mas
sim que existe um único atlas maximal que contém um atlas dado.

Definição 1.12 (Variedade diferenciável). Uma variedade diferenciável M n de dimensão


n é uma variedade topológica M de dimensão n, munida com um atlas maximal. Quando
necessário, supriremos o ı́ndice n. O atlas maximal escolhido será chamado de estrutura
diferenciável em M .

Observação 1.13. Temos de verificar que a dimensão da variedade está bem definida.
Isto significa provar que se M m e N n são variedades diferenciáveis e f : M m → N n é
um difeomorfismo, então m = n. Este fato será provado adiante com a roupagem da
proposição 2.14.
Quando em um contexto estiver subentendido, chamamos uma variedade diferenciável
apenas de variedade. Por uma carta (U, ϕ) em p estamos nos referindo à uma carta na
estrutura diferenciável de M tal que p está em U .

Exemplo 1.14. O espaço euclidiano Rn é uma variedade diferenciável cuja estrutura


diferenciável é dada pelo atlas maximal que contém a única carta (Rn , id).

Exemplo 1.15. Qualquer aberto V de uma variedade M é também uma variedade, pois

se {(Uα , ϕ)} é um atlas para M então {(Uα ∩ V, ϕα Uα ∩V )} é um atlas para V .

Exemplo 1.16. Todo espaço vetorial V de dimensão finita n possui uma estrutura natural
de variedade diferenciável. Se {ei } é uma base para V , os elementos da base dual {ri } à
P
base {ei } são as funções coordenadas de uma carta global em V . Ou seja, se v = vi ei ,
temos um homeomorfismo ϕ : V → Rn dado por

ϕ(v) = (r1 (v), . . . , rn (v)) = (v1 , . . . , vn )

que independe da escolha da base. De fato, seja {ξi } outra base para V . A mudança
P
de coordenadas entre estas duas bases é dada por vj = aij ξj e pode também ser
pensada como uma matriz constante não-singular. Isto significa que se considerarmos o
homeomorfismo ϕ relativo as duas bases, obtemos uma função de transição constante e
C ∞ entre estas duas cartas. Portanto com esta carta global, a estrutura diferenciável de
V é dada como a única estrutura diferenciável que contém o atlas {(V, ϕ)}.
1. Introdução às Variedades Diferenciáveis 5

Exemplo 1.17. Seja U um aberto de Rm e f : U → Rn uma função C ∞ . Então o gráfico


de f dado por G(f ) = {(x, f (x)) : x ∈ U } ⊂ U × Rn é uma variedade. De fato, por ser
um subconjunto de um espaço euclidiano, é Hausdorff e possui base contável. A função
ϕ : G(f ) → U que leva (x, f (x)) em x é contı́nua, simplesmente por sem uma composta
ϕ = π1 ◦ id de funções contı́nuas. Sua inversa ϕ−1 : U → G(f ) que leva x em (x, f (x))
também é contı́nua pois suas componentes o são. Assim {(G(f ), ϕ)} é um atlas com uma
única carta para gráfico de f . Portanto uma variedade de dimensão m.

Exemplo 1.18. A esfera Sn é um espaço localmente euclidiano que possui cartas (UN , ϕN )
e (US , ϕS ). Para mostrar a compatibilidade das cartas, note que ϕN (UN ∩US ) = Rn −{0} =
ϕS (UN ∩ US ). As funções de transição
x
ϕN ◦ ϕ−1
S (x1 , . . . , xn , 0) = = ϕS ◦ ϕ−1
N (x1 , . . . , xn , 0)
kxk
são iguais e C ∞ . Portanto A = {(UN , ϕN ), (US , ϕS )} é um atlas para Sn . Então tomamos
a estrutura diferenciável de Sn como sendo o atlas maximal que contém o atlas A.

Exemplo 1.19. O conjunto GL(n, R) = {A ∈ Mn×n (R) : det(A) 6= 0} é uma variedade


diferenciável. O espaço vetorial das matrizes Mn×n (R) está identificado naturalmente
2
com Rn e desta forma, o determinante
X
det(A) = sgn(σ) · a1σ(1) · · · anσ(n)
σ∈Sn

2
onde A = (aij ), se torna uma função contı́nua em Rn por ser uma função polinomial.
Segue que GL(n, R) = det−1 (R−{0}) é imagem inversa de um aberto por função contı́nua,
portanto sua estrutura diferenciável é dada por ser um aberto do espaço vetorial Mn×n (R).

Exemplo 1.20. Se M m e N n são variedades, então M × N é uma variedade cuja estru-


tura diferenciável é obtida como segue. Considere {Uα , ϕα } e {Vβ , ψβ } atlas de M e N ,
respectivamente. Então a coleção

A = {(Uα × Vβ , ϕα × ψβ )}

onde ϕα × ψβ : Uα × Vβ → ϕα (Uα ) × ψβ (Vβ ), é um atlas para M × N . De fato, como ϕα


e ψβ são homeomorfismos, o produto ϕα × ψβ também o é. Sejam {(Uα × Vβ , ϕα × ψβ )}
e {(Uα0 × Vβ 0 , ϕα0 × ψβ 0 )} cartas em M × N . As funções de transição são dadas por

(ϕα0 × ψβ 0 ) ◦ (ϕα × ψβ )−1 : ϕα × ψβ (Uα × Vβ ∩ Uα0 × Vβ 0 ) → ϕα0 × ψβ 0 (Uα × Vβ ∩ Uα0 × Vβ 0 ).

Assim temos que

−1
(ϕα0 × ψβ 0 ) ◦ (ϕα × ψβ )−1 (u, v) = ϕα0 × ψβ 0 (ϕ−1
α (u), ψβ (v))
−1
= (ϕα0 (ϕ−1
α (u)), ψβ 0 (ψβ (v)))
6 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

é uma função C ∞ pois suas coordenadas o são. E o mesmo segue para (ϕα × ψβ ) ◦
(ϕα0 × ψβ 0 )−1 . Portanto M × N se torna uma variedade de dimensão m + n, com estrutura
diferenciável obtida pelo atlas maximal que contém o atlas A.

1.1 Funções diferenciáveis entre variedades


Numa variedade diferenciável, temos estrutura local de espaço vetorial dado que cada
ponto da variedade possui um aberto homeomorfo à Rn . Podemos então falar de diferen-
ciabilidade em um ponto com ajuda da estrutura diferenciável da variedade.

Definição 1.21. Sejam M m e N n variedades. Uma função contı́nua f : M m → N n é


dita ser diferenciável, suave ou C ∞ em um ponto p de M se existem cartas (U, ϕ) sobre
p e (V, ψ) sobre f (p) tal que a composição

ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ∩ V ) → Rn

seja diferenciável em ϕ(p). A função f é dita ser diferenciável, se é diferenciável para todo
ponto em M .

Observação 1.22. Assumimos que f contı́nua para assegurar que f −1 (V ) seja um aberto
de M . Além disso, estamos considerando que f −1 (V ) esteja contido em U para evi-
tar restrições. Como estamos trabalhando em um espaço localmente euclidiano, sempre
conseguimos um aberto menor propriamente contido em U ∩ f −1 (V ).
O que acontece com as outras cartas em p? Mostraremos agora que a definição de
função diferenciável entre variedades independe da escolha das cartas.

Proposição 1.23. Seja f : M → N diferenciável em um ponto p de M . Se (U, ϕ) é uma


carta sobre p e (V, ψ) é uma carta sobre f (p), então ψ ◦ f ◦ ϕ−1 é diferenciável em ϕ(p).

Demonstração. Por hipótese, existem cartas (Uα , ϕα ) e (Vβ , ψβ ) sobre p e f (p), respec-
tivamente, tal que ψβ ◦ f ◦ ϕ−1 α é diferenciável em f (p). As cartas (U, ϕ) e (V, ψ) são
compatı́veis com as cartas (Uα , ϕα ) e (Vβ , ψβ ), respectivamente. Sendo assim, ϕα ◦ ϕ−1 e
ψ ◦ ψβ−1 são diferenciáveis. Portanto,

ψ ◦ f ◦ ϕ−1 = (ψ ◦ ψβ−1 ) ◦ (ψβ ◦ f ◦ ϕ−1 −1


α ) ◦ (ϕα ◦ ϕ ).

é uma função diferenciável em ϕ(p). 

Além de nos dizer o que acontece com as outras cartas em M , o seguinte resultado
nos fornece um critério para verificar a diferenciabilidade de funções entre variedades.
1.1. Funções diferenciáveis entre variedades 7

Proposição 1.24. Sejam M m e N n variedades e f : M → N contı́nua. São equivalentes:

(i) A função f : M → N é diferenciável.

(ii) Existem atlas A e A0 para M e N , respectivamente, tais que para toda carta (U, ϕ)
em A e para toda carta (V, ψ) em A0 a função

ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ∩ f −1 (V )) → Rn

é diferenciável.

(iii) Para toda carta (U, ϕ) em M e para toda carta (V, ψ) em N a função

ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ∩ f −1 (V )) → Rn

é diferenciável.

Demonstração. (i) =⇒ (iii) : Suponha que (U, ϕ) e (V, ψ) sejam cartas para M e N ,
respectivamente, tais que f −1 (V ) ∩ U 6= ∅. Seja p ∈ f −1 (V ) ∩ U . Então (U, ϕ) é uma
carta sobre p e (V, ψ) é uma carta sobre f (p). Por hipótese, f é diferenciável em p, logo
ψ ◦ f ◦ ϕ−1 é diferenciável em ϕ(p). Como p é arbitrário em f −1 (V ) ∩ U , ϕ(p) é arbitrário
em ϕ(U ∩ f −1 (V )). Portanto ψ ◦ f ◦ ϕ−1 é diferenciável.

(ii) =⇒ (i) : Seja p um ponto em M , (U, ϕ) uma carta sobre p em A e (V, ψ) uma
carta sobre f (p) em A0 . Por hipótese, ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ∩ f −1 (V )) → Rn é diferenciável
em ϕ(p). Logo, por definição, f : M → N é diferenciável em p. Como p é arbitrário, f é
diferenciável.

(iii) =⇒ (ii) : Imediato. 

Temos outro critério para verificar a diferenciabilidade que se baseia na diferenciabili-


dade das funções componentes, cuja demonstração é bem parecida com a anterior e pode
ser encontrada em [1] nas páginas 63-64.

Proposição 1.25. Sejam M m e N n variedades e f : M → N contı́nua. São equivalentes:

1. A função f : M → N é diferenciável.

2. Existe um atlas em N tal que para toda carta (V, y1 , . . . , yn ) no atlas, as funções
componentes yi ◦ f : f −1 (V ) → R em relação a carta (V, y) são diferenciáveis.

3. Para toda carta (V, y1 , . . . , yn ) em N , as funções componentes yi ◦ f : f −1 (V ) → R


relativas a carta (V, y) são diferenciáveis.

Proposição 1.26. Sejam M , N e P variedades. Se f : M → N e g : N → P são funções


diferenciáveis, então a composição g ◦ f : M → P é diferenciável.
8 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

Demonstração. Sejam (U, ϕ),(V, ψ) e (W, φ) cartas para M , N e P nesta ordem. Note
que
φ ◦ (g ◦ f ) ◦ ϕ−1 = (φ ◦ g ◦ ψ −1 ) ◦ (ψ ◦ f ◦ ϕ−1 ).

Como f e g são diferenciáveis, pela proposição anterior, φ ◦ g ◦ ψ −1 e ψ ◦ f ◦ ϕ−1 são


diferenciáveis. Logo a composição (1.26) é diferenciável, e pela proposição anterior, g ◦ f
é diferenciável. 

Proposição 1.27. Com auxı́lio das proposições anteriores, pode ser mostrado que se
f, g : M → R são funções diferenciáveis, então a soma f + g e a multiplicação f · g são
funções diferenciáveis de M em R.

Exemplo 1.28. Considere M m e N n duas variedades. As projeções π1 : M × N → M


e π2 : M × N → N são funções diferenciáveis. De fato, seja (p, q) em M × N . Se (U, ϕ)
e (V, ψ) são cartas sobre p e q, respectivamente, então (U × V, ϕ × ψ) é uma carta sobre
(p, q) na topologia produto. Então a função

ϕ ◦ π1 ◦ (ϕ × ψ)−1 : ϕ(U ) × ψ(V ) ⊂ Rn+m → ϕ(U ) ⊂ Rm ,

que leva (ϕ(p), ψ(q)) em ϕ(p), é diferenciável em (ϕ(p), ψ(q)) pois é uma função coorde-
nada. Como (p, q) é arbitrário em M × N , temos que π1 é diferenciável e o mesmo segue
para π2 .

Exemplo 1.29. Sejam M , N1 e N2 variedades. Então a função f : M → N1 × N2 é


diferenciável se, e somente se, as funções f1 : M → N1 e f2 : M → N2 são diferenciáveis.
De fato, se f é diferenciável temos que as composições f1 = π1 ◦ f e f2 = π2 ◦ f são
diferenciáveis. Reciprocamente, basta aplicar a proposição 1.25 para a função f = (f1 , f2 ).

Exemplo 1.30. Fixe dois pontos p e q em variedades M e N , respectivamente. As


injeções
ip : N → M × N iq : M → M × N

no primeiro e segundo fator, dadas por ip (n) = (p, n) e iq (m) = (m, q) são diferenciáveis.
Observe que (πi ◦ip )(n) = p é uma função constante e (π2 ◦ip )(n) = n é a função identidade
em N . Como ambas são diferenciáveis, pelo exemplo anterior, ip é diferenciável. E o
mesmo segue para iq .

Definição 1.31. Um difeomorfismo entre as variedades M e N é uma função bijetiva e


diferenciável f : M → N cuja inversa f −1 : N → M também seja diferenciável.

Sendo assim, se existe um difeomorfismo entre duas variedades, podemos pensar que
estas são a mesma variedade. De acordo com as próximas duas proposições, as funções
coordenadas são difeomorfismos, e analogamente, todo difeomorfismo entre um aberto de
uma variedade e um aberto de Rn pode servir como função coordenada.
1.2. Derivadas parciais 9

Proposição 1.32. Se (U, ϕ) é uma carta em M n , então a função ϕ : U → ϕ(U ) é um


difeomorfismo.

Demonstração. Precisamos mostrar que ϕ e ϕ−1 são diferenciáveis. Considere U e ϕ(U )


como variedades, tome o atlas {(U, ϕ)} em U e o atlas {(ϕ(U ), id)} em ϕ(U ). Note que
as composições

id ◦ ϕ ◦ ϕ−1 e ϕ ◦ ϕ−1 ◦ id

são as funções identidade em ϕ(U ) e U , respectivamente. Portanto, diferenciáveis. E pela


proposição anterior, ϕ e ϕ−1 são diferenciáveis. 

Proposição 1.33. Seja U um aberto de M n com f : U → f (U ) ⊂ Rn difeomorfismo.


Então (U, f ) é uma carta na estrutura diferenciável de M .

Demonstração. Pelo critério de diferenciabilidade de funções entre variedades, para qual-


quer carta (Uα , ϕα ) na estrutura diferenciável de M temos que ϕα e ϕ−1α são diferenciáveis.
−1 −1
Como composição de funções, f ◦ ϕα e ϕα ◦ f são diferenciáveis. Logo (U, f ) é com-
patı́vel com o atlas maximal e portanto, pertence ao atlas maximal. 

1.2 Derivadas parciais


Queremos definir as derivadas parciais de uma função diferenciável f : M → R com
respeito à um sistema de coordenadas (U, x). Para o caso f : Rn → R, sejam r1 , ..., rn
as coordenadas em Rn . Definimos a i-ésima derivada parcial em um ponto p de Rn como
sendo o limite

∂f ∂f f (p1 , . . . , pi + h, . . . , pn ) − f (p)
(p) = = lim .
∂ri ∂ri p h→0
h

Se f : Rm → Rn e g : Rn → R são diferenciáveis em p ∈ Rm e f (p) ∈ Rn , então a


regra da cadeia nos diz que
m
∂(g ◦ f ) X ∂g ∂f
= ∂rj .
∂rj p i=1
∂r i f (p) p

Definição 1.34. Seja M uma variedade e f : M → R uma função diferenciável em um


ponto p de M e (U, x) uma carta sobre p. Definimos a i-ésima derivada parcial de f com
respeito ao sistema de coordenadas (U, x) como

∂(f ◦ x−1 )

∂f ∂f
(p) = = .
∂xi ∂xi p ∂ri x(p)

∂f ∂(f ◦ x−1 )
Quando p varia em M , podemos escrever = ◦ x como uma igualdade
∂xi ∂ri
entre as funções.
10 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

Proposição 1.35. Seja (U, x) uma carta em uma variedade. Então temos a igualdade
entre funções
∂xi
= δij .
∂xj

Demonstração. Seja p um ponto em M . Por definição, temos que

∂(xi ◦ x−1 )

∂xi
=
∂xj p ∂rj
x(p)
−1

∂(ri ◦ x ◦ x )
=
∂rj
x(p)

∂ri
= = δij .
∂rj x(p)

Dado que p é arbitrário em M , segue a igualdade. 

Definição 1.36. Seja f : M → N uma função diferenciável, e sejam (U, x1 , . . . , xn ) e


(V, y1 , . . . , yn ) cartas para M e N , respectivamente, tais que f (U ) ⊂ V . Considere a
i-ésima componente de f

fi = yi ◦ f = (ri ◦ y) ◦ f : U → R

sobre a carta (V, y). Definimos a matriz Jacobiana da função f em p relativa às cartas
(U, x) e (V, y) como sendo a matriz  
∂fi
.
∂xj
Se M e N possuem a mesma dimensão, o determinante jacobiano det[∂fi /∂xj ] de f em
relação às cartas (U, x) e (V, y) será simplesmente denotado por J(f ).

Exemplo 1.37. Sejam (U, x) e (V, y) cartas em uma variedade M tais que U ∩ V é não
vazio. Seja p um ponto em U ∩ V . Por definição temos que

∂(y ◦ x−1 )i ∂(ri ◦ y ◦ x−1 )



=
∂rj
x(p) ∂rj
x(p)
−1

∂(yi ◦ x ) ∂yi
= = .
∂rj
x(p) ∂xj p

isto é, a matriz jacobiana da função de transição y ◦ x−1 : x(U ∩ V ) → y(U ∩ V ) em x(p) é
a matriz [∂yi /∂xj ]. Similarmente, a matriz jacobiana de x ◦ y −1 em y(U ∩ V ) é [∂xi /∂yj ].

A próxima proposição relaciona as cartas da variedade ao considerar a derivada


parcial de uma função em outro sistema de coordenadas. Sua prova é baseada na regra
da cadeia e pode ser encontrada em [2] a página 38.
1.3. Quocientes 11

Proposição 1.38. Se (U, x) e (V, y) são cartas em uma variedade M m e f : M → R é


diferenciável, então em U ∩ V temos que
m
∂f X ∂f ∂xj
= .
∂yi j=1
∂xj ∂yi

diferenciáveis f, g : M → R e para qualquer


Proposição 1.39. Para quaisquer funções

carta (U, x) em M , a aplicação v = satisfaz a regra de Leibniz
∂xi p

v(f g) = v(f )g(p) + f (p)v(g).

Demonstração. Seja p um ponto em M . Por definição temos que



∂ ∂
(f · g) = ((f · g) ◦ x−1 )
∂xi p ∂ui x(p)


= ((f ◦ x−1 ) · (g ◦ x−1 ))
∂ui x(p)

∂ −1 −1 −1 ∂ (g ◦ x−1 )

= (f ◦ x ) · (g ◦ x )(x(p)) + (f ◦ x )(x(p)) ·
∂ui x(p) ∂ui x(p)

∂ ∂
= (f ) · g(p) + f (p) · (g).
∂xi p ∂xi p

O que mostra o resultado, dado que p é arbitrário em M . 

1.3 Quocientes
Outra maneira de obter variedades diferenciáveis, é criar identificações bem comportadas.
A construção do quociente de um espaço topológico X é delicada e requer tratamento
individual. Na referência [6] encontramos a noção de topologia quociente com todas suas
devidas particularidades. Tratamos aqui, apenas as ideias principais contidas em [1] para
fluir com o texto.
Seja ∼ é uma relação de equivalência em X. O quociente X∼ denota a partição de
todas as classes de equivalência desta relação, e é chamado de quociente de X por ∼. Se
X é um espaço topológico, existe uma maneira de definir uma topologia em X∼ , de tal
forma que a projeção

π : X → X∼

que leva x na sua classe de equivalência [x] seja contı́nua. E fazemos isto como segue.

Definição 1.40. Seja X um espaço topológico. Dizemos que V ⊂ X∼ é um aberto de


X∼ se a imagem inversa pela projeção π −1 (V ) é aberta em X.
12 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

De fato, o conjunto vazio e o quociente são abertos. Uniões arbitrárias de abertos são
conjuntos abertos, pois
π −1
S  S −1
Uα = π (Uα )
e como cada Uα é aberto em X∼ , os conjuntos π −1 (Uα ) são abertos em X, e portanto
a união arbitrária destes é aberta. O mesmo acontece com a interseção finita de abertos,
pois como
π −1
T  T −1
Ui = π (Ui )
e cada π −1 (Ui ) é aberto em X, interseções finitas destes também. Esta topologia em X∼
é chamada de topologia quociente. Com esta topologia, a projeção π é automaticamente
contı́nua.
Suponhamos f : X → Y uma aplicação constante em cada classe de equivalência X
da relação ∼ . Então f induz uma função f : X∼ → Y definida por f ([x]) = f (x). A
próxima proposição nos dá um critério para saber quando uma função definida em um
espaço quociente é contı́nua.
Proposição 1.41. A função f é contı́nua se, e somente se, a função f é continua.

Demonstração. Suponha que f seja contı́nua. Note que f = f ◦ π é uma composição de


funções contı́nuas. Portanto f é continua. Reciprocamente, seja V um aberto em Y .
Então f −1 (V ) = π −1 (f −1 (V )) é um aberto em X. Pela definição de topologia quociente,
f −1 (V ) é um aberto em X∼ . Como V é arbitrário, f é contı́nua. 
Queremos tornar este conjunto em uma variedade diferenciável. Sabemos que as pro-
priedades de ser Hausdorff e possuir base enumerável são preservadas por subespaços e
produtos de espaços topológicos. Mas nem sempre o quociente preserva estas duas pro-
priedades. Sabemos que cada conjunto unitário em um espaço Hausdorff é fechado. Se
o quociente X∼ é um espaço Hausdorff, então para cada x ∈ X, sua imagem pela
projeção [x] é fechada em X∼ . Pela continuidade da projeção, a imagem inversa
π −1 ([x]) = {x ∈ X : π(x) ∈ [x]} = [x] é fechada em X. Acabamos de mostrar uma
condição necessária para verificar quando um quociente é Hausdorff: verifique se toda
classe é fechada em X.
Uma função f : X → Y entre espaços topológicos é dita aberta se a imagem f (U )
de qualquer aberto U de X, é aberta em Y . Uma relação de equivalência em um espaço
topológico se diz aberta se a projeção π : X → X∼ é uma função aberta. Ou seja, ∼ é
uma relação de equivalência aberta se para todo aberto U de X, o conjunto
[
π −1 (π(U )) = [x]
x∈U

de todos os pontos equivalentes à algum ponto em U é aberto. Dada uma relação de


equivalência ∼ em X, o subconjunto G = {(x, y) ∈ X × X : x ∼ y} de X × X que define
a relação é chamado de gráfico da relação ∼.
1.3. Quocientes 13

Proposição 1.42. Seja ∼ uma relação de equivalência em um espaço topológico X.

(i) O quociente X∼ é Hausdorff se, e somente se, o gráfico G da relação ∼ é um


conjunto fechado em X × X.

(ii) Um espaço topológico X é Hausdorff se e somente se sua diagonal em X × X é


fechada.

(iii) Seja ∼ uma relação de equivalência aberta em um espaço topológico X. Se B = {Bα }


é uma base para X, então sua imagem B 0 = {π(Bα )} sobre a projeção π é uma base
para X∼ .

(iv) Se um conjunto X possui base enumerável, o quociente de X por uma relação de


equivalência aberta ∼ também possui base enumerável.

Demonstração. Pode ser encontrada em [1] páginas 75-76. 

Exemplo 1.43. O toro T2 = R2 /Z2 é uma variedade diferenciável bidimensional obtida


como segue. Quocientar R2 por Z2 significa relacionar os vetores x, y ∈ R2 tais que
x − y ∈ Z2 . Com a topologia quociente a projeção é contı́nua. Sendo Z2 um subgrupo
discreto de R2 , a relação é aberta. Como Z2 é fechado, o gráfico da relação é fechado. Se
U ⊂ R2 é um aberto com a propriedade de que π|U : U → T2 é injetiva, a função

π|−1
U : π(U ) → U

é um homeomorfismo e portanto uma carta para T2 . O conjunto das cartas {(π|−1


U , π(U ))}
2
forma um atlas em T que induz sua estrutura diferenciável. Existe uma identificação do
toro T2 com o produto S1 × S1 dado pela aplicação

ψ : R2 /Z2 −→ S1 × S1

que pega uma classe de equivalência [x, y] ∈ R2 /Z2 e leva no par (e2πix , e2πiy ) ∈ S1 × S1 .
Podemos mostrar que de fato ψ está bem definida e é um difeomorfismo entre variedades.
Para definir novas cartas em T2 podemos usar ψ e a estrutura diferenciável já obtida no
produto S1 × S1 e induzir em R2 /Z2 um atlas a partir do atlas de S1 × S1 . Isto é, se
{(Uα , ϕα )} é um atlas para S1 × S1 , então {(ψ −1 (Uα ), ϕα ◦ ψ)} é um atlas para R2 /Z2 . É
comum que na literatura se encontre a definição do toro T2 como sendo o produto S1 × S1 .
Naturalmente podemos generalizar esta construção para obter o toro Tn de dimensão n.
14 1. Introdução às Variedades Diferenciáveis

Exemplo 1.44. O espaço projetivo real RPn = Rn+1 ∗ ∼ é a princı́pio o quociente dos
n+1
vetores não nulos em R pela relação de equivalência

u ∼ v se, e somente se, u = λv para algum λ não nulo em R.

Em outras palavras, este é o conjunto de todas as retas de Rn+1 que passam pela origem.
Note também que toda reta de Rn+1 que toca a origem intersecta a esfera Sn em um par
de pontos antipodais. Ao restringir a relação para a esfera com a topologia induzida de
Rn+1 , RPn também pode ser pensado como o quociente de Sn pela relação de equivalência
que identifica x com o antipodal −x.
Para definir um atlas em RPn façamos por simplicidade o caso n = 2. Considere
Ui = {[x1 , x2 , x3 ] ∈ RPn : xi 6= 0} para i = 1, 2, 3. De fato {Ui } é uma cobertura aberta
para RP2 , pois cada pré-imagem

π −1 (Ui ) = {(x1 , x2 , x3 ) ∈ R3 : xi > 0} ∪ {(x1 , x2 , x3 ) ∈ R3 : xi < 0}

é a união de abertos e portanto é aberta. Definimos as aplicações ϕi : Ui → R2 por


     
x 2 x3 x1 x3 x 1 x2
ϕ1 [x1 , x2 , x3 ] = , , ϕ2 [x1 , x2 , x3 ] = , e ϕ3 [x1 , x2 , x3 ] = ,
x1 x1 x2 x2 x 3 x3

que estão bem definidas pois se [y1 , y2 , y3 ] é também um representante para [x1 , x2 , x3 ]
     
y2 y3 λx2 λx3 x2 x3
ϕ1 [y1 , y2 , y3 ] = , = , = , = ϕ1 [x1 , x2 , x3 ]
y1 y1 λx1 λx1 x1 x1

e o mesmo segue para ϕ2 e ϕ3 . Cada ϕi é um homeomorfismo, pois por exemplo observe


que ϕ1 possui inversa
ϕ−1
1 (y1 , y2 ) = [1, y1 , y2 ]

que é contı́nua. Portanto temos cartas (Ui , ϕi ) que tornam RP2 em um espaço localmente
euclidiano de dimensão 2. Precisamos mostrar que estas cartas são compatı́veis. Considere
a interseção U1 ∩ U2 . Então
 
1 x2
(ϕ2 ◦ ϕ−1
1 )(x1 , x2 ) = ϕ2 ([1, x1 , x2 ]) = ,
x1 x1

é uma função diferenciável em ϕ1 (U1 ∩ U2 ) pois x1 6= 0. O mesmo raciocı́nio segue para


mostrar que as outras cartas são compatı́veis. Em geral, toda a construção feita vale para
RPn com alguns cuidados na notação. Pode ser provado que o espaço projetivo real RPn
é conexo e compacto. Assim como a relação de equivalência que define RPn é de fato uma
relação de equivalência aberta e que RPn é Hausdorff com base enumerável. Concluı́mos
assim, que RPn é uma variedade diferenciável de dimensão n. Recomendamos que o leitor
consulte [1] e [2] para a demonstração destes fatos.
15

Capı́tulo 2

Fibrados Tangente e Cotangente

A vantagem de se trabalhar com funções diferenciáveis, é poder aproximá-las por funções


lineares. O modelo linear nos permite calcular e entender mudanças facilmente. Mesmo as
funções polinomiais podem ser, em certo contexto, difı́ceis de usar. Para falar de funções
lineares, precisamos de espaços vetoriais. Queremos estudar e definir uma estrutura para
fazer cálculo na variedade, que seja parecida com a de Rn e que não dependa de coorde-
nadas. O objetivo deste capı́tulo é derivar uma maneira de falar das funções lineares na
variedade que seja intrı́nseca.

Para tanto, mostramos uma interpretação do conceito de vetor tangente em um ponto


que se generaliza. Em Rn , conhecemos o conceito de vetor tangente a uma curva ou
superfı́cie. Existe também a noção de vetor tangente em um ponto, que por sua vez,
considera como vetor tangente aquele que está na reta tangente ao ponto. Mas então é
o conjunto de todos os vetores do espaço. Mais precisamente, um vetor tangente em um
ponto p de um espaço vetorial V pode ser pensado como um par (p, v) que carrega duas
informações: a topológica, que diz respeito a qual ponto o vetor é tangente, e a parte
vetorial, sendo o vetor que é tangente de fato. É representado então por uma flecha,
fixada em p, com o módulo, direção e sentido do vetor v.

Se levarmos esta caracterização para variedades, podemos definir um vetor tangente


em um ponto p de uma variedade. Se (U, x) é uma carta sobre p em M , definimos um
vetor tangente em p como sendo um vetor tangente sobre x(p) em x(U ). O problema
desta definição, apesar de visual e intuitiva, dependeria da carta escolhida. Terı́amos
então que decidir como relacionar os possı́veis diferentes conjuntos de vetores tangentes
de cada carta.

Uma outra maneira de dar esta definição, que será usada aqui, é considerar um vetor
tangente como uma derivação em um ponto. Veremos que esta caracterização se generaliza
naturalmente e o melhor de tudo: não depende de coordenadas.
16 2. Fibrados Tangente e Cotangente

Considere um aberto U de Rn e v = (v1 , ..., vn ) um vetor em Rn . Se f : U → R é


uma função diferenciável com p = (p1 , ..., pn ) em U . A derivada direcional de f em p na
direção v é o limite
f (p + tv) − f (p)
Dfp (v) = lim .
t→0 t
Como f é diferenciável, este limite existe e podemos denotá-lo então por

Dfp (v) = f (p + tv)0 (0).

Mas isto é a derivada da composição em t = 0. Aplicando a regra da cadeia obtemos que


n n
X ∂f X ∂f
Dfp (v) = (pi + tvi )0 (0) (p) = vi (p).
i=1
∂xi i=1
∂x i

Fixando p em U , podemos considerar o vetor v como um operador que age sobre as funções
diferenciáveis. Com uma mudança de notação, escrevemos

vp (f ) = Dfp (v)

para a igualdade acima, ou seja, consideramos uma função diferenciável em um ponto e


calculamos a derivada direcional dela em p na direção do vetor v. Agora fazemos isto
para todas as funções diferenciáveis em U . Sendo assim, escrevemos
n n
X ∂ X ∂
vp = vi (p) = vi
i=1
∂xi i=1
∂xi p

para o operador que leva a função f na derivada direcional de f em p na direção v. A


notação vp explicita que v é considerado como um operador agindo sobre vizinhanças de
p. Por definição vp é linear. Se f, g : U → R são funções diferenciáveis, o operador vp age
segundo a regra de Leibniz
n n n
X ∂(f g) X ∂f X ∂g
vp (f g) = vi = vi g(p) + f (p) vi = vp (f )g(p) + f (p)vp (g),
i=1
∂xi p i=1
∂xi p i=1
∂xi p

dado que as derivadas parciais também satisfazem a regra. Fixando um ponto p em U ,


cada vetor de Rn é agora um operador linear sobre as funções diferenciáveis F(U ) que
satisfaz a regra de Leibniz. Ou seja, temos a associação

(p, v) 7→ vp : F(U ) → R

de um vetor tangente com uma derivação em p da álgebra F(U ). Este será o momento
de usar o óculos da álgebra para falar de vetores tangentes.
2.1. Germes de funções 17

2.1 Germes de funções


Conhecendo a natureza local da derivada, não precisamos considerar todas as funções di-
ferenciáveis em F(U ), mas apenas aquelas definidas em abertos arbitrariamente pequenos
ao redor de um ponto. Pois, se duas funções diferenciáveis coincidem em uma vizinhança
de um ponto p, suas derivadas direcionais em relação a um vetor não nulo sobre p serão
iguais. Para expressar esta dependência da derivada sobre as funções, convém introduzir
a noção de germes de funções diferenciáveis.
Definição 2.1. Seja p um ponto em uma variedade M e Up o conjunto das vizinhanças
de p. Se U e V são vizinhanças de p e f : U → R e g : V → R são funções diferenciáveis,
dizemos que f ∼p g se existe uma vizinhança W de p tal que W ⊂ U ∩ V e f |W = g|W .
Acabamos de definir uma relação no conjunto das funções diferenciáveis em vizi-
nhanças de um ponto p, simplesmente dizendo que duas funções estão relacionadas se
coincidem em uma vizinhança menor de p. Observe que as funções não precisam estar
definidas em todo o conjunto M e nem ter o mesmo domı́nio.
S
Proposição 2.2. A relação ∼p é de equivalência em U ∈Up F(U ).

Demonstração. Sejam f : U → R e g : V → R funções diferenciáveis em abertos U e V


que contém p. Claramente f ∼p f . Se f ∼p g, por definição existe uma vizinhança W de
p tal que W ⊂ U ∩ V e f |W = g|W . Ou seja, g|W = f |W e portanto g ∼p f .
Seja h : Z → R uma função diferenciável em um aberto Z que contém p. Se f ∼p g e
g ∼p h, por definição existem vizinhanças W1 e W2 de p tais que W1 ⊂ U ∩V e W2 ⊂ V ∩Z
com f |W1 = g|W1 e g|W2 = h|W2 . Tome W = W1 ∩ W2 que é uma vizinhança não vazia de
p. Mais ainda,
W ⊂ U ∩ V ∩ Z ⊂ U ∩ Z.
Como f |W1 = g|W1 e W ⊂ W1 , temos que f |W = g|W . Pelo mesmo raciocı́nio, g|W = h|W .
Portanto f ∼p h, como querı́amos. 
As classes de equivalência desta relação serão chamadas de germes em p, e denotaremos
por Fp (M ) o conjunto de todos os germes em p. Se f é uma função diferenciável em alguma
vizinhança de p, denotaremos por f o seu germe em p. Note que se p 6= q, então Fp (M ) e
Fq (M ) são disjuntos.
Observação 2.3. Um germe f possui um valor bem definido f (p), que é o valor de p aplicado
em qualquer representante do germe. Se g ∈ f , então f ∼p g. E portanto f (p) = g(p).
Definimos a adição, multiplicação e multiplicação por escalares em Fp (M ) como segue.
Sejam f e g germes em Fp (M ) e λ um número real. Então

(f + g)(p) = f (p) + g(p)


(f · g)(p) = f (p) · g(p)
(λ · f )(p) = λ · f (p)
18 2. Fibrados Tangente e Cotangente

A adição e multiplicação de funções torna o conjunto Fp (M ) em um anel comutativo


com unidade. Com a multiplicação por escalares reais, se torna uma álgebra sobre R. Se
p é um ponto em uma variedade M , uma função linear D : Fp (M ) → R que satisfaz a
regra de Leibniz
D(f · g) = D(f ) · g(p) + f (p) · D(g)

é chamada de derivação em p. Neste sentido, o operador vp : Fp (Rn ) → R é uma derivação


em p. Agora vamos mostrar que em Rn , a associação v 7→ Dv induz um isomorfismo entre
o espaço de todos os vetores tangentes p ∈ Rn , denotado por Tp Rn , com o espaço vetorial

Dp (Rn ) = {D : Fp (Rn ) → R : D é uma derivação em p}

das derivações lineares em um ponto p ∈ Rn . Note que as derivadas parciais ∂/∂ri |p são
derivações em p ∈ Rn .

Lema 2.4. Se c denota o germe de uma função constante igual à c em uma vizinhança
de um ponto p em uma variedade M , então D(c) = 0 para toda derivação D em p.

Demonstração. Observe que D(c) = c · D(1) pela linearidade. Como D é uma derivação
em p,
D(1) = D(1 · 1) = D(1) · 1 + 1 · D(1) = 2 · D(1)

e portanto D(1) = 0. 

Proposição 2.5. A aplicação ϕ : Tp Rn → Dp (Rn ) dada por

(p, v) 7→ vp : Fp (Rn )

é um isomorfismo de espaços vetoriais.

Demonstração. Precisamos mostrar que vp é injetora e sobrejetora. Para a primeira parte,


seja (p, v) ∈ Tp Rn e suponha que vp = 0. Se ri denota a i-ésima função coordenada em
Rn , então
n n
X ∂ri X
0 = vp (ri ) = vj = vj δij = vi .
j=1
∂r j j=1

Segue que v = 0 e portanto o núcleo ker(vp ) = {0}, ou seja, vp é injetora. Para a segunda
parte, seja D uma derivação em p ∈ Rn e f ∈ Fp (Rn ). Tome uma vizinhança V de p e
uma bola aberta B(p, ε) contida em V . Como as bolas abertas possuem formato estrela,
podemos aplicar o teorema B.4. Segue que existem funções diferenciáveis g1 (x), . . . , gn (x)
definidas em B(p, ε) tais que
n
X
f (x) = f (p) + (xi − pi )gi (x)
i=1
2.1. Germes de funções 19

com gi (p) = ∂f /∂xi (p). Logo


n
X
D(f (x)) = D(f (p)) + D((xi − pi ) · gi (x))
i=1
n
X
= D(xi ) · gi (p) + (pi − pi ) · D(gi (x))
i=1
n
X ∂f
= D(xi ) .
i=1
∂xi p

Conclui-se que D = vp para v = (Dx1 , . . . , Dxn ) e portanto ϕ é sobrejetora. 

Esta proposição nos diz que a base canônica {ei } de Rn está em correspondência com
a base {∂/∂xi |p } de Dp (Rn ). Com esta identificação, cada vetor tangente (p, v) pode ser
escrito como
X ∂
v= vi .
∂xi p
Observamos também, que este resultado nos diz que o espaço tangente possui a mesma
dimensão que a variedade em questão, no caso Rn . Acontece que isto se translada para
qualquer variedade também. Isto motiva a definição que estará presente em todo o texto.

Definição 2.6. Um vetor tangente v em um ponto p de uma variedade M é uma derivação


em p na álgebra Fp (M ). Ou seja, para todos f , g ∈ Fp (M ) e λ número real,

v(f + λ · g) = v(f ) + λ · v(g)


v(f · g) = v(f ) · g(p) + f (p) · v(g).

Denotaremos por Tp M o conjunto dos vetores tangentes à M em p, que será chamado de


espaço tangente de M em p.

Observação 2.7. Seja p um ponto em um aberto U de uma variedade M . Então Tp U =


Tp M simplesmente porque Fp (U ) = Fp (M ).
Se para cada v e w em Tp M e λ número real, definirmos (v + w)(f ) e (λf ) por

(v + w)(f ) = v(f ) + w(f )


(λv)(f ) = λ · v(f ),

então v + w e λv serão vetores tangentes em p. Desta maneira Tp M possui uma estrutura


de espaço vetorial. Como o valor do germe não depende do representante, na prática
podemos ser indiferentes quanto à distinção de um germe e seu representante. Sendo
assim, ao invés de considerar vetores tangentes agindo nos germes, vamos considerar
vetores tangente agindo sobre funções. Definimos então

v(f ) = v(f ),
20 2. Fibrados Tangente e Cotangente

e desta maneira ainda valem

v(f + λ · g) = v(f ) + λ · v(g)


v(f · g) = v(f ) · g(p) + f (p) · v(g)

onde f + λ · g e f · g estão definidas na interseção dos domı́nios de f e g.

Observação 2.8. Na medida que for conveniente, omitimos o subı́ndice que faz menção ao
ponto p do vetor vp para escrever simplesmente v. A notação Xp também será usada para
representar vetores em Tp M . Fazemos isso sempre lembrando que estamos sobre pontos
quaisquer.

Exemplo 2.9. Seja (U, x1 , . . . , xn ) uma carta sobre um ponto p em M n . Então




∈ Tp M.
∂xi p

De fato, sejam u1 , . . . , un as coordenadas em Rn . Se f e g são funções diferenciáveis em


vizinhanças de p que se intersectam e λ ∈ R, temos que

∂ ∂
(f + λ · g) = ((f + λg) ◦ x−1 )
∂xi p ∂ui x(p)


= (f ◦ x−1 + λg ◦ x−1 )
∂ui x(p)

∂ −1 ∂ −1 ∂ ∂
= (f ◦ x ) + λ · (g ◦ x ) = (f ) + λ · (g)
∂ui x(p) ∂ui x(p) ∂xi p ∂xi p

é linear e satisfaz a regra de Leibniz pela proposição 1.37. É natural questionar se


estas formam uma base para Tp M , uma vez que vale para Tp Rn pela proposição 2.5. A
resposta é afirmativa, e o próximo tópico nos ajudará a formalizar esta questão.

2.2 Diferencial de uma função


Considere f : M m → N n uma função diferenciável entre variedades. Então para cada p
em M , a função f induz uma função linear

dfp : Tp M → Tf (p) N

entre espaços tangentes, chamada diferencial de f , como segue. Se v é um vetor em Tp M ,


então dfp (v) tem de ser um vetor em Tf (p) N . Então precisamos dizer como opera o vetor
dfp (v) nas funções diferenciáveis de N em R. Seja h : N → R uma função diferenciável.
Definimos
dfp (v)(h) = v(h ◦ f ).
2.2. Diferencial de uma função 21

Observe que faz sentido aplicar v na função h ◦ f pois esta é uma função diferenciável de
M em R. Ainda precisamos mostrar que dfp (v) é uma derivação linear em p. De fato,

dfp (v)(g + λh) = v((g + λh) ◦ f )


= v((g ◦ f ) + (λh ◦ f ))
= v(g ◦ f ) + v(λh ◦ f )
= v(g ◦ f ) + λ · v(h ◦ f ) = dfp (v)(g) + λ · dfp (v)(h)

dfp (v)(g · h) = v((g · h) ◦ f )


= v((g ◦ f ) · (h ◦ f ))
= v(g ◦ f ) · (h ◦ f )(p) + (g ◦ f )(p) · v(h ◦ f )
= dfp (v)(g) · h(f (p)) + g(f (p)) · dfp (v)(h)
para quaisquer g, h : N → R diferenciáveis e λ ∈ R. Logo, para cada v ∈ Tp M a função
dfp (v) está bem definida.
Exemplo 2.10. Considere f : Rm → Rn diferenciável e p um ponto em Rm . Sejam
x1 , . . . , xm e y1 , ..., yn as coordenadas em Rm e Rn , respectivamente. Sabemos que
 m  n
∂ ∂
e
∂xi p i=1 ∂yi f (p) i=1

são bases para Tp (Rm ) e Tf (p) (Rn ), respectivamente. Então


  X n
∂ ∂
dfp = akj (2.1)
∂xj p k=1
∂yk f (p)

é uma combinação linear dos elementos da base de Tf (p) (Rn ). Seja fi = yi ◦ f . Podemos
encontrar os aij aplicando ambos os lados de (2.1) à yi . Por um lado temos que
 
∂ ∂ ∂fi
dfp (yi ) = (yi ◦ f ) = .
∂xj p ∂xj p ∂xj p

Pelo outro,
n n n
X ∂ X ∂yi X
akj (yi ) = akj = akj δik = aij .
k=1
∂yk f (p) k=1
∂yk f (p) k=1

Portanto, temos que


∂fi
aij =
∂xj p
é o (i, j)-ésimo elemento da matriz (aij ) que é precisamente a jacobiana de f em p.
Pelo exemplo anterior, a diferencial de uma função entre variedades generaliza a de-
rivada de uma função entre espaços euclidianos. Como consequência da definição de
diferencial, temos o seguinte resultado.
22 2. Fibrados Tangente e Cotangente

Proposição 2.11 (Regra da cadeia). Se f : M → N e g : N → J são funções suaves


entre variedades e p ∈ M , então

d(g ◦ f )p = dgf (p) ◦ dfp .

Demonstração. Seja h ∈ F(J) e v ∈ Tp M . Então, temos que

d(g ◦ f )p (v)(h) = v(h ◦ (g ◦ f ))


= v((h ◦ g) ◦ f )
= dfp (v)(h ◦ g)
= dgf (p) (dfp (v))(h) = (dgf (p) ◦ dfp )(v)(h)

vale para todo v e toda função h. Portanto segue o resultado. 

Exemplo 2.12. Com a regra da cadeia, podemos calcular a diferencial da função idM
em um ponto p de M. Por definição,

d(idM )p (v)(h) = v(h ◦ idM ) = v(h)

para todo v ∈ Tp M e h ∈ F(M ). Portanto, d(idM )p = idTp M .

Proposição 2.13. Se f : M → N é um difeomorfismo entre as variedades M e N com


p ∈ M , então dfp : Tp M → Tf (p) N é um isomorfismo de espaços vetoriais. Em outras
palavras, a diferencial de um difeomorfismo é um isomorfismo.

Demonstração. Como f é um difeomorfismo, temos que existe g : N → M tal que


g ◦ f = idM e f ◦ g = idN . Pelo exemplo anterior e pela regra da cadeia,

d(g ◦ f )p = dgf (p) ◦ dfp = idTp M

d(f ◦ g)f (p) = dfp ◦ dgf (p) = idTf (p) N

temos que dfp é um isomorfismo cuja inversa é dgf (p) . 

Proposição 2.14. Se existe um difeomorfismo entre dois abertos f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rn


então m = n.

Demonstração. Seja p um ponto em U . Pela proposição anterior, dfp : Tp U → Tf (p) V é


um isomorfismo. Como Tp U e Tf (p) V são espaços vetoriais isomorfos à Rm e Rn , respec-
tivamente, existe um isomorfismo entre Rm e Rn . Mas isto só acontece se m = n. 

Observação 2.15. Segue desta última proposição, que se tivermos um difeomorfismo entre
duas variedades conexas M m e N n , então m = n. Isto mostra que a dimensão da variedade
está de fato bem definida.
2.3. Fibrado Tangente 23

Considere M n uma variedade e Rn com coordenadas u1 , . . . , un . Se (U, x) é uma carta


sobre p em M , denote xi = ui ◦x. Como x : U → x(U ) é um difeomorfismo, sua diferencial
dxp : Tp M → Tx(p) Rn é um isomorfismo. Isto nos diz que o espaço tangente Tp M tem
dimensão n, assim como a variedade M .

Proposição 2.16. Seja (U, x) uma carta sobre p em M n . Então


 
∂ ∂
dxp = .
∂xi p ∂ui p

Demonstração. Pela definição da diferencial temos que


 
∂ ∂
dxp (h) = (h ◦ x)
∂xi p ∂xi p


= ((f ◦ x) ◦ x−1 )
∂ui x(p)


= (h)
∂ui p

para qualquer h ∈ F(Rn ). Segue então o resultado. 

Proposição 2.17. Seja (U, x) uma carta sobre p em M n . Então


 n

∂xi p i=1

é uma base para Tp M .

Demonstração. Temos que x : U → x(U ) é um difeomorfismo. Logo dxp é um isomorfismo


entre Tp M e Tx(p) Rn . Pela proposição anterior, dxp leva ∂/∂x1 |p , . . . , ∂/∂xn |p na base
∂/∂u1 |x(p) , . . . , ∂/∂un |x(p) de Tx(p) Rn . Como um isomorfismo de espaços vetoriais leva
base em base, temos que ∂/∂x1 |p , . . . , ∂/∂xn |p é uma base para Tp M . 

2.3 Fibrado Tangente


O fibrado tangente de uma variedade M é a união de todos os espaços tangentes de M :
[
TM = Tp M. (2.2)
p∈M

Dados dois pontos p e q distintos em M , sabe-se que Tp M e Tq M são disjuntos. Portanto a


união é disjunta em (2.2). Logo, para cada v em T M , existe um único p tal que v ∈ Tp M .
Defina π : T M → M por π(v) = p se v está em Tp M . Esta função é natural no sentido
de não depender de um atlas para M .
24 2. Fibrados Tangente e Cotangente

Até então, T M é um conjunto. Vamos definir uma topologia em T M da seguinte


forma. Seja (U, x1 , . . . , xn ) uma carta na estrutura diferenciável de M n . Por definição,
[ [
TU = Tp U = Tp M.
p∈U p∈U

Em um ponto p de U , sabemos que o conjunto {∂/∂xi |p }ni=1 é uma base para Tp M .


Portanto, um vetor tangente Xp é escrito como uma combinação linear
n
X ∂
Xp = ci (Xp ) .
i=1
∂xi p

sendo ci : T U → R a função que toma a i-ésima coordenada de Xp . Definimos uma


e : T U → ϕ(U ) × Rn por
aplicação ϕ

ϕ(X
e p ) = x1 (π(Xp )), . . . , xn (π(Xp )), c1 (Xp ), . . . , cn (Xp )

e−1 : ϕ(U ) × Rn → T U é dada por


que é bijetiva, cuja inversa ϕ
n
−1
X ∂
ϕ
e (ϕ(p), Xp ) = ci (Xp ) .
i=1
∂xi p

Definimos uma topologia em T U declarando que os abertos serão aqueles que tornam
e um homeomorfismo, isto é, X ⊂ T U é um aberto se, e somente se, ϕ(X)
ϕ e é aberto em
n 2n
ϕ(U ) × R considerado com a topologia induzida de R . Seja A a estrutura diferenciável
de M . Então a coleção
e−1 (W ) : W é um aberto de ϕ(U ) × Rn e (U, ϕ) ∈ A}
B = {ϕ
forma uma base para a topologia de T M , que torna este conjunto em um espaço localmente
euclidiano de dimensão 2n, Hausdorff e com base enumerável. Além disso, a coleção

Ae = {(T U, ϕ)
e : (U, ϕ) ∈ A}

forma uma atlas para T M . Portanto, T M torna-se uma variedade cuja estrutura dife-
renciável é dada pelo atlas maximal que contém o atlas A.
e A prova destas afirmações será
omitida aqui. O leitor interessado pode encontrá-las em [1] na Seção 12 do Capı́tulo 3.
Vamos agora introduzir os fibrados vetoriais para justificar o nome “fibrado” dado à
T M e começar a estudar campos vetoriais.
Dada qualquer função π : E → M entre variedades e um ponto p em M , chamamos a
imagem inversa
π −1 ({p})

de fibra em p. Será conveniente denotar a fibra em p por Ep ou simplesmente π −1 (p). Por


exemplo, se considerarmos π : T M → M como a projeção dada por π(v) = p se v ∈ Tp M ,
2.3. Fibrado Tangente 25

teremos que π −1 (p) = Tp M . Considere duas aplicações π : E → M e π 0 : E 0 → M entre


variedades com o mesmo contradomı́nio M . Dizemos que uma aplicação ϕ : E → E 0
preserva as fibras se ϕ(Ep ) ⊂ Ep0 para todo p em M . Uma aplicação sobrejetora e
diferenciável π : E → M entre variedades é dita ser localmente trivial de posto k se valem:

(i) Toda fibra π −1 (p) possui estrutura de espaço vetorial de dimensão k.

(ii) Para todo p da variedade M , existe uma vizinhança U de p e um difeomorfismo


ϕ : π −1 (U ) → U × Rk que preserva as fibras, tais que em todo q ∈ U a aplicação

ϕ π−1 (q) : π −1 (q) → {q} × Rk


é um isomorfismo de espaços vetoriais.

Tal aberto U é chamado de aberto trivializante para E, e ϕ é chamada de trivialização


de E sobre U . Não vamos nos estender muito sobre este assunto, apenas definimos para
mostrar que de fato T M é um fibrado vetorial.

Definição 2.18. Sejam E e M variedades. Um fibrado vetorial de posto k é uma terna


(E, M, π) onde π : E → M é sobrejetora, diferenciável e localmente trivial de posto k. A
variedade E é chamada de espaço total do fibrado vetorial e a variedade M é chamada de
espaço base. Neste sentido, dizemos que E é um fibrado vetorial sobre M .

Exemplo 2.19. A tripla (T M, M, π) é um fibrado vetorial de posto n onde T M é o fibrado


tangente da variedade M n . A projeção π : T M → M é sobrejetora e diferenciável. Para
cada p ∈ M , a fibra π −1 (p) = Tp M é um espaço vetorial de dimensão n. Agora precisamos
mostrar que existe uma vizinhança U de p e um difeomorfismo

ϕ : π −1 (U ) → U × Rn

de tal forma que para todo q ∈ U a função

ϕ π−1 (q) : π −1 (q) → {q} × Rn


é um isomorfismo. Temos que π −1 (q) = Tq M e π −1 (U ) = T U para qualquer vizinhança


U de p. Pela construção da estrutura diferenciável de T M , a função

e : T U → U × Rn
ϕ

é um difeomorfismo de tal forma que, para todo q em U a restrição



e Tq M : Tq M → {q} × Rn
ϕ

dada por v ∈ Tp M 7→ (q, v) ∈ {q} × Rn é um isomorfismo entre espaços vetoriais.


26 2. Fibrados Tangente e Cotangente

2.4 Campos Vetoriais


Entendemos por campo vetorial em um aberto U de Rn , qualquer função X que para
cada ponto p ∈ U associa um vetor tangente Xp ∈ Tp Rn . Ou seja, podemos escrever

X ∂
Xp = ai (p)
∂xi p

para coeficientes reais ai (p). Na medida que p varia em U , temos funções ai : U → R e


simplesmente escrevemos
X ∂
X= ai
∂xi
para o campo vetorial X. A notação ∂/∂xi deve ser entendida também como um campo
vetorial. Neste sentido, dizemos que um campo vetorial é diferenciável se, e somente se,
as funções coeficientes ai : U → R são diferenciáveis. Ao passar para as variedades, os
conceitos serão os mesmos, mas com certa formalização.

Definição 2.20. Uma seção do fibrado vetorial π : E → M é uma função s : M → E


tal que π ◦ s = idM . Dizemos que uma seção é diferenciável, se a função E → M é
diferenciável.

Observação 2.21. A condição π ◦ s = idM diz que para cada p em M , a função s leva p
na fibra Ep sobre p.

Definição 2.22. Um campo vetorial em uma variedade M é uma seção X : M → T M


do fibrado vetorial π : T M → M . Em outras palavras, um campo vetorial é uma função
que associa um vetor tangente Xp ∈ Tp M à cada ponto p ∈ M . Dizemos que um campo
vetorial X é diferenciável se a seção X : M → T M é diferenciável.

X π
M −→ T M −→ M
p 7−→ Xp 7−→ p

TM

s(M)

s(p)

s
p
M

Figura 2.1: Seção do fibrado T M .


2.4. Campos Vetoriais 27

Para qualquer carta (U, x1 , ..., xn ) de M n , sabemos que Xp ∈ Tp M é escrito como



X ∂
Xp = ai (p)
∂xi p

onde cada ai (p) é um número real que depende de p. Ao passo que p varia em U , temos
as funções ai : U → R. Observe que para cada ponto p em U os elementos

∂ ∂
,...,
∂x1 p ∂xn p

formam uma base para Tp M . Por outro lado, podemos considerar as seções


: U → TU
∂xi

dadas por p 7→ ∂/∂xi |p . Omitindo o ponto p, escrevemos um campo X como


n
X ∂
X= ai ·
i=1
∂xi

onde as funções ai : U → R são chamadas de funções coeficientes e os campos


∂/∂x1 , . . . , ∂/∂x1 são chamados de base local para seções de T U .
Como visto anteriormente, uma carta (U, ϕ) em M induz uma carta (T U, ϕ)
e no fibrado
vetorial T M dada por

ϕ(X
e p ) = (x1 (π(Xp )), . . . , xn (π(Xp )), c1 (Xp ), . . . , cn (Xp )).

Então terı́amos que Xp também é escrito como uma combinação linear



X ∂
Xp = ci (Xp ) .
∂xi p

Ou seja, terı́amos a igualdade ai (p) = ci (Xp ). E como funções reais em U podemos


escrever ai = ci ◦ X.
X i c
U −→ T U −→ R.

Observe que cada função coordenada ci : T U → R é diferenciável. Se X for um campo


diferenciável em U , então as funções coeficientes ai : U → R (relativas ao sistema ∂/∂xi )
serão diferenciáveis, e vice-versa.

Lema 2.23. Seja (U, ϕ) uma carta em M n e X =


P
ai · ∂/∂xi um campo em U . Então
o campo X é diferenciável se, e somente se, as funções ai : U → R são diferenciáveis.
28 2. Fibrados Tangente e Cotangente

Demonstração. Como a função ϕ e : T U → U × Rn é um difeomorfismo, vamos ter que X


é um campo diferenciável se, e somente se, a composição

e ◦ X : U → U × Rn
ϕ

é diferenciável. Para cada ponto p em U sabemos que

e ◦ X(p) = ϕ(X
ϕ e p ) = (x1 (π(Xp )), . . . , xn (π(Xp )), c1 (Xp ), . . . , cn (Xp )).

Mas por uma caracterização de funções diferenciáveis entre variedades, ϕ e ◦ X será dife-
renciável se suas coordenadas dadas pelas composições x1 ◦ π, . . . , xn ◦ π e pelas funções
coordenadas c1 , . . . , cn em T U . Como ai = ci ◦ X, concluı́mos que ϕ e ◦ X é diferenciável
se, e somente se, as funções ai : U → R são diferenciáveis. 

Temos então uma caracterização de um campo ser diferenciável em termos de suas


funções coeficientes relativas ao sistema ∂/∂xi .

Proposição 2.24. Seja X um campo diferenciável em M . São equivalentes:


P
(i) O campo X = ai · ∂/∂xi é diferenciável em M .

(ii) A variedade M possui um atlas de tal forma que em toda carta (U, x) do atlas, as
funções coeficientes ai são diferenciáveis.

(iii) Para toda carta (U, x) em M , as funções coeficientes ai são diferenciáveis.

Demonstração. (i) =⇒ (iii) : Se X é um campo C ∞ em M , então X : M → T M é


uma aplicação diferenciável em cada carta (U, ϕ) de M . Pelo lema anterior, as funções
coeficientes são C ∞ . (ii) =⇒ (i) : Pelo lema anterior, X é suave em cada carta do atlas.
E portanto X é um campo C ∞ em M . (iii) =⇒ (ii) : Imediato. 

Podemos multiplicar campos vetoriais por funções em um aberto U e gerar um novo


campo vetorial. Se X é um campo vetorial e f : U → R é uma função em U , definimos
para todo p ∈ U o campo

X ∂
(f X)p = f (p)Xp = (f · ai )(p) .
∂xi p
P
Se X é diferenciável e f também, então o campo f X = f ·ai ∂/∂xi é diferenciável. O
conjunto das seções diferenciáveis de T M , ou se preferir, o conjunto dos campos vetoriais
diferenciáveis X(M ) possui estrutura de espaço vetorial. E com a multiplicação de campos
por funções diferenciáveis, X(M ) se torna um módulo à esquerda sobre o anel F(M ).
Por outro lado, um campo X em uma variedade M induz uma função linear na álgebra
F(M ). Dada uma função f : M → R e X um campo em M , definimos a função Xf em
2.5. Fibrado cotangente 29

cada ponto
X ∂f
(Xf )(p) = Xp (f ) = ai (p) .
∂xi p
P
Se f e cada ai são funções diferenciáveis em M , a função Xf = ai · ∂f /∂xi também é
diferenciável em M . Neste sentido, dado um campo X ∈ X(M ), temos uma aplicação

F(M ) −→ F(M )
f 7−→ Xf

que é linear e satisfaz a regra de Leibniz, ou seja, uma derivação da álgebra F(M ).
Reciprocamente, toda derivação é proveniente de um e somente um campo vetorial. Pode
ser mostrado que a aplicação

ϕ : X(M ) −→ Der(F(M ))
X 7−→ (f 7→ Xf )

é um isomorfismos de módulos sobre F(M ). Não provaremos este fato, mas isto cabe para
dizer que: assim como vetores tangentes em um ponto p podem ser identificados com as
derivações em p de Fp (M ), os campos vetoriais podem ser identificados com as derivações
da álgebra F(U ). Podemos então pensar os campos vetoriais tanto como seções do fibrado
tangente T M , quanto derivações da álgebra F(M ). Em termos desta ação do campo X
nas funções, temos outra caracterização de campo vetorial diferenciável.

Proposição 2.25. Um campo vetorial X em M é diferenciável se, e somente se, para


toda f : M → R a função Xf é diferenciável em M .

Demonstração. Ver [1] página 151. 

Omitimos a demonstração do próximo resultado pois segue nas mesmas linhas da


proposição A.3 do Apêndice A. Queremos estender o domı́nio definição de um campo
vetorial de um aberto para toda a variedade, de modo a preservar o comportamento e a
diferenciabilidade do campo neste aberto.

Proposição 2.26. Considere X um campo vetorial diferenciável em alguma vizinhança


U de um ponto p. Então existe um campo diferenciável X
e em M que coincide com o
campo X em uma vizinhança possivelmente menor de p.

2.5 Fibrado cotangente


Anteriormente, para cada ponto p de uma variedade M construı́mos o espaço tangente
Tp M como o conjunto das derivações da álgebra Fp (M ). Por ser um espaço vetorial, Tp M
possui um dual que será denotado por

Tp∗ M
30 2. Fibrados Tangente e Cotangente

e será chamado de espaço cotangente em p. Um elemento do espaço cotangente é um


funcional linear ωp : Tp M → R que será chamado de covetor ou tensor. Um elemento do
espaço cotangente é um funcional linear ωp : Tp M → R que será chamado de covetor ou
tensor. Uma 1-forma em M é uma função ω que associa em cada ponto p 7→ ωp ∈ Tp∗ M
um covetor no espaço cotangente ao ponto. Neste sentido, é dual a um campo vetorial
em M , que associa um vetor tangente Xp em cada ponto p de M .

Assim como o fibrado tangente de M é a união disjunta de todos os espaços tangentes


em M , definimos o fibrado cotangente de M como sendo a união disjunta
[
T ∗M = Tp∗ M
p∈M

dos espaços cotangentes em M . De fato, T ∗ M é um fibrado, cuja estrutura é obtida com


os mesmos princı́pios do fibrado tangente. A projeção π : T ∗ M → M é dada naturalmente
por π(α) = p se α ∈ Tp∗ M . Se (U, x1 , . . . , xn ) é uma carta sobre p em M n , então cada
tensor α ∈ Tp∗ M pode ser escrito unicamente como uma combinação linear
X
α= ci (α)(dxi )p .

e : T ∗ U → ϕ(U ) × Rn dada por


Em outras palavras, cada carta (U, ϕ) induz uma bijeção ϕ

ϕ(α)
e = (x1 (π(α)), . . . , xn (π(α)), c1 (α), . . . , cn (α)).

Com esta bijeção podemos transferir os abertos de ϕ(U )×Rn , que são dados pela topologia
induzida de R2n , definindo que um subconjunto A ⊂ T ∗ U é aberto se ϕ(A)e é aberto em
ϕ(U ) × Rn . Se A é a estrutura diferenciável da variedade M , para cada domı́nio U de
uma carta em A, tomamos a coleção BU de todos os abertos de T ∗ U . Definimos a coleção
[
B= BU
U ∈A

que satisfaz as condições para ser uma base de T ∗ M . Definimos a topologia de T ∗ M


como sendo a topologia gerada pela base B. Com esta topologia, T ∗ M torna-se um
espaço Hausdorff com base enumerável. Sua estrutura diferenciável é aquela que contém
o atlas
Ae = {(T ∗ U, ϕ)
e : (U, ϕ) ∈ A}

que torna T ∗ M em uma variedade diferenciável de dimensão 2n. Desta forma, a projeção
π : T ∗ M → M é diferenciável e a tripla (T ∗ M, M, π) é um fibrado vetorial de posto n.
Todas as afirmações acerca do espaço cotangente feitas acima podem ser encontradas em
[2], junto de muitas outras propriedades do fibrado cotangente que não serão tratadas
aqui. Nosso foco será estudar as seções deste fibrado.
2.6. 1-formas diferenciais 31

2.6 1-formas diferenciais


Em termos de T ∗ M , uma 1-forma em M é uma seção do fibrado cotangente T ∗ M , ou seja,
uma função ω : M → T ∗ M tal que ω ◦ π = idM . Uma 1-forma diferencial é uma seção
diferenciável de T ∗ M . A menos que se diga o contrário, estaremos sempre considerando
1-formas diferenciais neste capı́tulo, chamando-as simplesmente de 1-formas.

ω π
M −→ T ∗ M −→ M
p 7−→ ωp 7−→ p
Definição 2.27. Seja f : M → R uma função diferenciável. Definimos a diferencial de f
como sendo a 1-forma df em M tal que para cada p ∈ M e Xp ∈ Tp M

df (Xp ) = Xp (f ).

Em contraste com a definição anterior de diferencial para uma função entre variedades,
comparamos as duas definições. Por um momento, para distinguirmos as duas definições,
vamos denotar o diferencial de uma função entre variedades por f∗p .
Proposição 2.28. Seja f : M → R diferenciável. Então para cada p em M e Xp ∈ Tp M

d
f∗p (Xp ) = (df )p (Xp ) .
dt f (p)

Demonstração. Sabendo que f∗p é um vetor tangente em Tf (p) R, este é um múltiplo


f∗p (Xp ) = c · d/dt|f (p) para algum escalar real c. Para saber o valor de c, aplicamos ambos
lados da igualdade na função t para obter

c = f∗p (Xp )(t) = Xp (t ◦ f ) = Xp (f ) = (df )p (Xp ).

Uma vez que podemos identificar Tf (p) R com R canonicamente via



d
c 7→ c,
dt f (p)

isto mostra que, a menos de um isomorfismo, f∗ representa a mesma aplicação que df e


por isto ambas são chamadas de diferencial da função f . 
Sendo assim, a partir de agora abandonamos a notação f∗ e escreveremos sempre df
para a diferencial da f . Vejamos como se comportam localmente as 1-formas. Sejam
(U, x1 , . . . , xn ) uma carta para a variedade M n e p ∈ U . As funções xi : U → R em
particular são diferenciáveis. Logo, dx1 , . . . , dxn são 1-formas. Mais que isso, em cada
ponto formam uma base para o espaço cotangente em p.
Proposição 2.29. Em cada ponto p de U , os covetores (dx1 )p , . . . , (dxn )p formam uma
base para o espaço cotangente Tp∗ M dual à base ∂/∂x1 |p , . . . , ∂/∂xn |p de Tp M .
32 2. Fibrados Tangente e Cotangente

Demonstração. O resultado segue da definição da diferencial, pois para cada ponto p ∈ U ,


 
∂ ∂xi
(dxi )p = = δij .
∂xj p ∂xj p

Mas então (dx1 )p , . . . , (dxn )p são as funções coordenadas de Tp M em relação a base


∂/∂x1 |p , . . . , ∂/∂xn |p . Pela proposição ** contida no Apêndice B, segue o resultado. 

Com isso, toda 1-forma ω em U pode ser escrita em cada ponto como uma combinação
linear
X
ωp = ai (p)(dxi )p

para funções escalares ai (p) ∈ R. Quando p varia em U , temos funções coeficientes


P
ai : U → R que nos permitem escrever ω = ai · dxi onde {dxi } é considerado como

uma base local para seções de T U . Em particular, se f : M → R, então a restrição da
1-forma df em U tem de ser uma combinação linear
X
df = ai · dxi .

Para encontrar as funções coeficientes, seja p ∈ U . Aplicamos o vetor ∂/∂xj |p nos dois
lados da equação acima
   
∂f ∂ X ∂ X
= dfp = a i (p) · (dxi )p = ai (p) · δij = aj (p)
∂xj p ∂xj p ∂xj p

para concluir que aj = ∂f /∂xj . Definimos que uma 1-forma em M é diferenciável se


ω : M → T ∗ M é uma seção suave. Sabemos que em qualquer carta (U, x1 , . . . , xn ) de M
uma 1-forma ω é representada por
X
ωp = ai · dxi

com funções coeficientes ai : U → R. Vamos derivar um critério que, assim como para
campos vetoriais, vai nos permitir saber se uma 1-forma é diferenciável em termos de seus
coeficientes. Uma carta (U, ϕ) na estrutura diferenciável de M induz uma carta (T ∗ U, ϕ)
e
em T ∗ M dada por

ϕ(α
e p ) = (x1 (π(αp )), . . . , xn (π(αp )), c1 (αp ), . . . , cn (αp ))

cujos coeficientes ci (αp ) são dados em função de αp ∈ T ∗ M pela equação


X
αp = ci (αp )dxi |p .

Comparando os coeficientes, ai (p) = ci (αp ) = (ci ◦ α)(p). Ou seja, como funções em U ,


2.6. 1-formas diferenciais 33

temos que ai = ci ◦ α.
α c
→ T ∗U −
U− →i
R (2.3)

Como funções coordenadas em T ∗ U , todas as ci são diferenciáveis. Portanto, se α é


diferenciável, as funções coeficientes ai serão diferenciáveis e vice-versa.

Lema 2.30. Seja (U, x1 , . . . , xn ) uma carta em M n . Uma 1-forma ω = ai · dxi em M


P

é diferenciável se, e somente se, as funções coeficientes ai são diferenciáveis.

Demonstração. Uma vez que ϕ e : T ∗ U → ϕ(U ) × Rn é um difeomorfismo, a 1-forma ω será


e ◦ ω : U → ϕ(U ) × Rn for diferenciável. Mas para p ∈ U ,
diferenciável se a composição ϕ

e ◦ ω)(p) = (x1 (p), . . . , xn (p), a1 (p), . . . , an (p)).


Segue pela proposição 1.25, que ω é diferenciável se, e somente se, cada ai é C ∞ em U . 

Proposição 2.31. Seja ω = ai dxi uma 1-forma em M n . São equivalentes:


P

(i) A 1-forma ω é diferenciável em M .

(ii) A variedade M possui um atlas de tal forma que em toda carta (U, x) do atlas, as
funções coeficientes ai relativas à base local {dxi } são diferenciáveis.

(iii) Para toda carta (U, x) em M , as funções coeficientes ai relativas à base local {dxi }
são diferenciáveis.

Demonstração. Será omitida aqui, dado que é semelhante à prova da proposição 2.22. 

Corolário 2.32. Seja f : M → R uma função diferenciável. Então a diferencial df é


uma 1-forma diferenciável.

Demonstração. Em qualquer carta (U, x1 , . . . , xn ) de M n , temos que


X ∂f
df = dxi .
∂xi

Como as funções coeficientes ∂f /∂xi são diferenciáveis, pela proposição anterior df é uma
1-forma diferenciável. 

Para uma 1-forma ω em M e um campo vetorial X ∈ X(M ), definimos uma nova


função dada por
ω(X)p = ωp (Xp )

para cada p em M . Acontece que ω(X) vai nos ajudar a caracterizar a diferenciabilidade
de uma 1-forma. Mais que isso, vai nos permitir observar uma dupla personalidade sobre
as formas. A priori definimos formas diferenciais pontualmente e não em campos vetoriais,
como sugere a notação ω(X). A primeira das propriedades, diz respeito à linearidade de
ω(X) sobre as funções diferenciáveis.
34 2. Fibrados Tangente e Cotangente

Proposição 2.33. Sejam ω uma 1-forma em M , f uma função real definida em M e X


um campo vetorial em M . Então ω(f X) = f · ω(X).

Demonstração. A prova consiste apenas do fato que ω(f X)(p) só depende do valores de
cada aplicação no ponto. Se p ∈ M ,

ω(f X)(p) = ωp (f X(p)) = ωp (f (p)Xp ) = f (p) · ωp (Xp ) = (f · ω(X))(p)

também pela linearidade de ωp , segue o resultado. 

Proposição 2.34. Uma 1-forma ω em uma variedade M é diferenciável se, e somente


se, para todo campo vetorial X em M , a função ω(X) é diferenciável em M .

Demonstração. Ver [1] página 195. 

Equivalentemente, qualquer 1-forma ω em M induz uma aplicação F(M )-linear

b : X(M ) → F(M )
ω

dada por X 7→ ω(X). Que por sua vez nos permite identificar as 1-formas com aplicações
F(M )-lineares. Esta outra maneira de ver uma 1-forma será usada quando conveniente.
Mesmo assim, ao longo do texto vamos entender porque ela é tão necessária.
Se f : M → N é uma função diferenciável entre variedades, a diferencial

dfp : Tp M → Tf (p) N

é uma aplicação linear que leva um vetor tangente em p ∈ M à um vetor tangente em


f (p) ∈ N . Neste sentido, pensamos que a diferencial empurra para frente vetores em p
de M para N . Então poderı́amos nos questionar se um campo vetorial X em M induz
através de df um campo vetorial Y em N . Acontece que obterı́amos algo que é quase
um campo vetorial em N , mas não é um campo vetorial da maneira que definimos. Esta
diferença se dá ao fato de que, o conceito de função permite que todo ponto no domı́nio
seja mapeado a um único ponto na imagem e um ponto na imagem pode ter vários pontos
como pré imagem no domı́nio.
Com as formas acontece o contrário. Se temos uma forma em N , podemos puxá-la
para trás com a função f para obter de fato uma forma em M . Esta operação é chamada
de pullback, e será crucial para o desenvolvimento do texto.

Definição 2.35. Se ω é uma 1-forma em N e f : M → N é uma função diferenciável,


definimos o pullback f ∗ ω de ω por f como sendo a 1-forma em M definida por

(f ∗ ω)p (Xp ) = ωf (p) (dfp (Xp )) para cada Xp ∈ Tp M.


2.6. 1-formas diferenciais 35

Observação 2.36. Funções também possuem esta propriedade, ou seja, se g : N → R é


uma função diferenciável, então f ∗ g = g ◦ f . Tı́nhamos uma função em N e puxamos
para trás via f para obter uma função em M .
A demonstração das seguintes afirmações pode ser encontradas em [1] páginas 196-197.

Proposição 2.37. Considere f : M → N uma função diferenciável entre variedades.

1. Para toda função g ∈ F(M ), temos que f ∗ (dg) = d(f ∗ g).

2. Se ω e η são 1-formas em N , então

f ∗ (ω + η) = f ∗ ω + f ∗ η
f ∗ (h · ω) = f ∗ h · f ∗ ω.

3. O pullback f ∗ ω de uma 1-forma ω em N por f é uma 1-forma diferenciável em M .


37

Capı́tulo 3

Formas Diferenciais

Nos permitimos levar as construções da álgebra linear para os fibrados e obter propriedades
dos campos e das 1-formas diferenciais. O próximo passo é levar a álgebra multilinear para
as fibras. De maneira semelhante ao capı́tulo anterior, traçamos as propriedades das k-
formas diferenciais para poder demonstrar o teorema de Stokes. Algumas demonstrações
serão omitidas, com indicação da página é claro. As k-forma serão objetos assim como
as 1-formas, só que k-multilineares e alternadas. Esta segunda condição nos ajudará a
observar precisamente as propriedades da derivada em dimensões maiores. No Apêndice
B.3.1 encontramos a definição de uma permutação e suas propriedades.

3.1 Álgebra multilinear


Considere dois espaços vetoriais reais V e W de dimensão finita. O conjunto L(V, W ) das
aplicações lineares de V em W possui estrutura de espaço vetorial. Quando W = R, este
conjunto é chamado de espaço dual a V e denotado por V ∗ . O sı́mbolo V k diz respeito
ao produto cartesiano V × · · · × V tomado em k-vezes, onde k é um inteiro positivo.

Definição 3.1. Dizemos que uma aplicação

f :Vk →R

é k-multilinear se é linear em cada variável, ou seja, se para todos os v, w ∈ V e a, b ∈ R


tivermos que em cada argumento vale que

f (v1 , . . . , av + bw, . . . , vk ) = a · f (v1 , . . . , v, . . . , vk ) + b · f (v1 , . . . , w, . . . , vk ).

Uma aplicação k-multilinear é também chamada de k-tensor em V . O conjunto dos


k-tensores possui estrutura de espaço vetorial, e será denotado por Lk (V ). Naturalmente,
podemos construı́mos uma operação que conecta os espaços Lk (V ).
38 3. Formas Diferenciais

Definição 3.2. Se T ∈ Lk (V ) e S ∈ Ls (V ), definimos o produto tensorial T ⊗S ∈ Lk+s (V )


por
T ⊗ S(v1 , . . . , vk , vk+1 , . . . , vk+s ) = T (v1 , . . . , vk ) · S(vk+1 . . . , vk+s ).

Observe que este produto não é comutativo, pois considere o T, S ∈ L1 (V ) e u, v ∈ V .


Em geral acontece que

(T ⊗ S)(u, v) = T (u) · S(v) 6= S(u) · T (v) = (S ⊗ T )(u, v)

possuem valores diferentes, cuja igualdade é obtida apenas quando u = v. Similarmente


acontece com k-tensores e s-tensores. Vamos ter que rearranjar as variáveis e portanto,
pela observação acima, duas dessas trocas já vão ser diferentes. Ainda sim, valem as
propriedades

(T1 + T2 ) ⊗ S = T1 ⊗ S + T2 ⊗ S
T ⊗ (S1 + S2 ) = T ⊗ S1 + T ⊗ S2
(c · T ) ⊗ S = T ⊗ (c · S) = c · (T ⊗ S)
(T ⊗ S) ⊗ L = T ⊗ (S ⊗ L)

que tornam o produto tensorial em uma operação bilinear e associativa. Se vi ∈ V , então


P
vi = αj (vi )ej para funções coordenadas αj em V relativas à base {ej }. Mas então
n
X
T (v1 , . . . , vk ) = v1j1 · · · vkjk · T (ej1 , . . . , ejk )
j1 ,...,jk =1
X n
= T (ej1 , . . . , ejk ) · wj1 (v1 ) · · · wjk (vk )
j1 ,...,jk =1
X n
= T (ej1 , . . . , ejk ) · wj1 ⊗ · · · ⊗ wjk (v1 , · · · , vk ).
j1 ,...,jk =1

Portanto, todo k-tensor é determinado unicamente pelos seus valores em todas as k-


uplas (ej1 , . . . , ejk ), em particular, se escreve como uma combinação linear de produtos
tensoriais de 1-tensores. Fixada uma base para V , a função que leva T 7→ T (ej1 , . . . , ejk )
k
é um isomorfismo entre Lk (V ) e Rn .

Proposição 3.3. Considere e1 , . . . , en uma base de V e α1 , . . . , αn base dual à base dada.


Então o conjunto
{αi1 ⊗ · · · ⊗ αik : 1 ≤ i1 ≤ i2 ≤ · · · ≤ ik ≤ n}

forma uma base para o espaço Lk (V ), que por sua vez tem dimensão nk .

Demonstração. Ver [3] página 76. 


3.1. Álgebra multilinear 39

Agora levamos esta estrutura para as fibras de π : T M → M . Definimos o fibrado


[ [
Lk π −1 (p) =

Lk (T M ) = Lk (Tp M )
p∈M p∈M

que será chamado de fibrado tensorial de ordem k. Omitimos aqui a construção deste uma
vez que pode ser encontrada em [2]. Observe que L1 (T M ) = T ∗ M é o próprio fibrado
cotangente. Uma seção ω : M → Lk (T M ) é chamada campo tensorial de ordem k.
Em uma carta (U, x) de uma variedade M n , para p ∈ U temos que (dx1 )p , . . . , (dxn )p
é uma base para Tp∗ M . Portanto, o produto

(dxi1 )p ⊗ · · · ⊗ (dxik )p ∈ Lk (Tp M ) 1 ≤ i1 ≤ i2 ≤ · · · ≤ ik ≤ n

é uma base para Lk (Tp M ). Representando assim, cada k-tensor ωp ∈ Lk (Tp∗ M ) em uma
carta (U, x) como uma combinação linear
n
X
ωp = ωi1 ,...,ik (p) · (dxi1 )p ⊗ · · · ⊗ (dxik )p
i1 ,...,ik =1

com coeficientes ωi1 ,...,ik (p) ∈ R. Quando p varia em U , escrevemos simplesmente


n
X
ω= ωi1 ,...,ik · dxi1 ⊗ · · · ⊗ dxik ,
i1 ,...,ik =1

com funções coeficientes ωi1 ,...,ik : U → R relativas à base de seções locais dxi1 ⊗ · · · ⊗ dxik
para Lk (T U ). Estamos particularmente interessados nos k-tensores alternados, que iremos
agora definir e usufruir durante todo o texto.

Definição 3.4. Um k-tensor T ∈ Lk (V ) é dito alternado se para toda permutação σ ∈ Sk

T (vσ(1) , . . . , vσ(k) ) = sgn(σ) · T (v1 , . . . , vk ).

Denotamos por Λk (V ) o subconjunto de todos os k-tensores alternados T ∈ Lk (V ).

Observação 3.5. Se T é um k-tensor alternado em V e σ ∈ Sk é uma transposição de de


vi com vj (i 6= j), para quaisquer v1 , . . . , vk ∈ V temos que

T (v1 , . . . , vi , . . . , vj , . . . , vk ) = −T (v1 , . . . , vj , . . . , vi , · · · , vk ).

Isto é, a troca de duas posições inverte o sinal da igualdade. Segue disso que, se dois vetores
vi e vj são iguais para i 6= j, denotando estes apenas por v, aplicamos transposição de i
com j e obtemos

T (v1 , . . . , v, . . . , v, . . . , vk ) = −T (v1 , . . . , v, . . . , v, . . . , vk ).
40 3. Formas Diferenciais

Logo 2 · T (v1 , . . . , v, . . . , v, . . . , vk ) = 0 e portanto T (v1 , . . . , v, . . . , v, . . . , vk ) = 0. Com


isso, temos as propriedades fundamentais do k-tensores.
Todo 1-tensor é alternado, pois σ é a permutação identidade que por sua vez possui
sinal positivo, logo Λ1 (V ) = V ∗ . Um 0-tensor é definido como uma constante, portanto
Λ0 (V ) é o espaço vetorial R.

Exemplo 3.6. A função det : Mn (R) → R é um exemplo familiar de n-tensor alternado


em Rn , que em certo sentido, será elementar para estudarmos os tensores alternados.

No momento, não está claro qual a dimensão de Λk (V ) para k > 1. Com alguns novos
conceitos, nos permitiremos descobrir. Dado T ∈ Lk (V ), definimos um novo k-tensor

σT (v1 , . . . , vk ) = T (vσ(1) , . . . , vσ(k) ).

Desta forma, T é alternada se para toda permutação σ ∈ Sk vale que σT = sgn(σ)T .


Podemos construir outro k-tensor alternado a partir de um dado k-tensor. Definimos o
operador de alternalização

1 X
A(T )(v1 , . . . , vk ) = sgn(σ)T (vσ(1) , . . . , vσ(k) ).
k! σ∈S
k

Simplificadamente, podemos escrever

1 X
A(T ) = sgn(σ)σT.
k! σ∈S
k

A razão para a presença do fator 1/k! na definição normaliza a expressão quando T já
é um k-tensor alternado. A próxima proposição estabelece as propriedades do operador
de alternalização, cuja demonstração pode ser encontrada em [3] nas páginas 78-79.

Proposição 3.7. Sejam T um k-tensor em V e ω um k-tensor alternado em V .

(i) A alternalização A(T ) de T é um k-tensor alternado.

(ii) A alternalização A(ω) = ω é o próprio k-tensor.

3.2 Produto exterior


Além de calcular a dimensão de Λk (V ), gostarı́amos de definir um produto que seja
alternado também. Se ω ∈ Λk (V ) e τ ∈ Λs (V ), em geral o produto ω ⊗ τ não é alternado.

Definição 3.8. Se α ∈ Λk (V ) e β ∈ Λs (V ), definimos o produto exterior α ∧ β que é o


(k + s)-tensor alternado em V dado por

1
α∧β = A(α ⊗ β).
k!s!
3.2. Produto exterior 41

Pela proposição 3.7 acima, o produto exterior é de fato alternado. É bilinear uma
vez que o produto tensorial satisfaz esta propriedade. A associatividade é um pouco
complicada mas também segue para o produto exterior. Mais ainda, o produto exterior é
anticomutativo: se α é um k-tensor alternado e β é um s-tensor alternado, então

α ∧ β = (−1)ks · β ∧ α. (3.1)

Segue desta fórmula, que α ∧ α = 0 para qualquer k-tensor α em V . A demonstração da


associatividade e da anticomutatividade do produto exterior podem ser encontradas nas
seções 3.8 e 3.9 de [1] e serão omitidas aqui. Abaixo apenas listamos sistematicamente
estas importantes propriedades.

(α1 + α2 ) ∧ β = α1 ∧ β + α2 ∧ β
α ∧ (β1 + β2 ) = α ∧ β1 + α ∧ β2
(c · α) ∧ β = α ∧ (c · β) = c · (α ∧ β)
α ∧ β = (−1)ks β ∧ α
(α ∧ β) ∧ γ = α ∧ (β ∧ γ)

Pela associatividade, omitimos os parênteses do produto exterior (α ∧ β) ∧ γ e escrevemos


simplesmente α ∧ β ∧ γ. Podemos então fazer o produto exterior de tensores αi ∈ Λdi (V )
para 1 ≤ i ≤ r definindo

1
α1 ∧ · · · ∧ αr = A(α1 ⊗ · · · ⊗ αr ).
d1 ! · · · dr !

Vamos introduzir a notação multi-ı́ndices I = (i1 , . . . , ik ), denotando por

Ik,n = {(i1 , . . . , ik ) : 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ n}

o conjunto dos multi-ı́ndices estritamente crescentes. Assim, podemos escrever aI para a


função ai1 ,...,ik e αI para o tensor αi1 ∧ · · · ∧ αik onde I ∈ Ik,n . Com o produto exterior,
conseguimos descrever uma base para o conjunto Λk (V ), conforme a seguinte proposição.

Proposição 3.9. Se e1 , . . . , en é uma base de V e α1 , . . . , αn é a base dual à base dada,


o conjunto
{αi1 ∧ · · · ∧ αik : 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ n}

é uma base para Λk (V ), que portanto possui dimensão


 
n n!
= . (3.2)
k k!(n − k)!
42 3. Formas Diferenciais

Demonstração. Vejamos que este conjunto é linearmente independente. Suponha que


X
cI αI = 0,
I∈Ik,n

onde cI ∈ R. Aplicando ambos os lados da equação por eJ , onde J = (j1 < · · · < jk )
temos que
X X
0= cI αI (eJ ) = cI δij = cJ ,
I∈Ik,n I∈Ik,n

pois dentre todos os multi-ı́ndices I ∈ Ik,n , existe apenas um igual a J. Portanto cada aJ é
linearmente independente. Para mostrar que estes geram o espaço Λk (V ), seja ω ∈ Λk (V ).
Afirmamos que
X
ω= ω(eI )αI .
I∈Ik,n
P
De fato, seja g = I ω(eI )αI . Pela k-linearidade e pela propriedade alternada, se dois
k-tensores coincidem em eJ , então são iguais. Mas
X X
g(eJ ) = ω(eI )αI (eJ ) = ω(eI )δij = ω(eJ ).
I∈Ik,n I∈Ik,n

Segue que {αi1 ∧· · ·∧αik : 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ n} é uma base para Λk (V ). A dimensão (3.2)
é dada pelas escolhas que temos ao tomar k elementos distintos dentre n números. 

Observação 3.10. Se V tem dimensão n, por (3.2), o espaço Λn (V ) é unidimensional.


Portanto todos os n-tensores alternados em V são múltiplos de algum destes não nulo.
Acontece que, além de ser o único n-tensor alternado não nulo conhecido até agora, o
determinante se relaciona com todos os n-tensores alternados da seguinte forma.

Teorema 3.11. Sejam v1 , . . . , vn uma base para V e vetores u1 , . . . , un relacionados por


n
X
uj = aij vi .
i=1

Se α é um n-tensor alternado em V , então

α(u1 , . . . , un ) = det(aij ) · α(v1 , . . . , vn ).

Demonstração. Uma vez que α é n-linear, temos que


n
X n
X  n
X
α(u1 , . . . , un ) = α ai 1 1 v i 1 , . . . , ai n n v i n = ai1 1 · · · ain n · α(vi1 , . . . , vin ).
i1 =1 in =1 i1 ,...,in =1
3.3. k-formas diferenciais 43

Quando dois dos ı́ndices i1 , . . . , in forem iguais, por α ser alternado, α(vi1 , . . . , vin ) = 0.
E só será diferente de zero para ı́ndices todos distintos. Ou seja, podemos considerar que
a n-upla I = (i1 , . . . , in ) corresponde à uma permutação em In,n . Desta forma, ij = σ(j)
para j = 1, . . . , n e podemos escrever

α(vi1 , . . . , vin ) = α(vσ(1) , . . . , vσ(n) ).

Mas como α é alternada, α(vσ(1) , . . . , vσ(n) ) = sgn(σ) · α(v1 , . . . , vn ) e portanto


X
α(u1 , . . . , un ) = sgn(σ) · aσ(1)1 · · · aσ(n)n · α(v1 , . . . , vn ) = det A · α(v1 , . . . , vn ),
σ∈Sn

como querı́amos mostrar. Estabeleceremos conexões com este resultado em breve. 

3.3 k-formas diferenciais

O próximo passo, é estabelecer a estrutura dos k-tensores alternados nas fibras de T M .


Definimos o conjunto
[
Λk (T M ) = Λk (Tp M ),
p∈M

que possui estrutura de fibrado vetorial, e será chamado de fibrado exterior de ordem k
da variedade M . Uma seção ω de Λk (T M ) é uma função

ω π
M −→ Λk (T M ) −→ M
p 7−→ ωp ∈ Λk (Tp M ) 7−→ p

que associa para cada ponto de M , um k-tensor alternado sobre o espaço tangente naquele
ponto. As seções do fibrado exterior Λk (T M ) serão especialmente chamadas de k-formas
ou k-formas diferenciais em M . As 1-formas em particular, foram justamente definidas
como seções T ∗ M . Se η é uma seção do fibrado exterior Λs (T M ), podemos definir uma
nova seção ω ∧ η do fibrado exterior Λk+s (T M ) pontualmente como

(ω ∧ η)(p) = ωp ∧ ηp ∈ Λk+s (Tp M ).

Uma vez que Λk (T M ) torna-se em um fibrado vetorial diferenciável, faz sentido falar de
k-formas diferenciáveis. Dizemos que uma k-forma é diferenciável, se é diferenciável como
seção de Λk (M ). Seja (U, x) é uma carta em M n e p ∈ U . Como o conjunto

{(dxi1 )p ∧ · · · ∧ (dxik )p : 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ n}


44 3. Formas Diferenciais

forma uma base para Λk (Tp M ), se ω é uma k-forma ω em M , em U podemos escrever


ω|U unicamente como uma combinação linear
n
X
ω|U = ωi1 ···ik · dxi1 ∧ · · · ∧ dxik ,
i1 ,··· ,ik =1

onde a união {dxi1 ∧ · · · ∧ dxik } é considerada como base de seções locais do fibrado
exterior. Simplificadamente na notação multi-ı́ndice escrevemos
X
ω|U = ωI · dxI ,
I∈Ik,n

para funções ωI : U → R. Se ω é uma n-forma em uma variedade de dimensão n,


então em cada carta (U, x) de M , pelas observações acima, a forma ω é um múltiplo de
dx1 ∧ · · · ∧ dxn para alguma função f : U → R

ω|U = f · dx1 ∧ · · · ∧ dxn . (3.3)

Proposição 3.12. Se (U, x) é uma carta em M n e f1 , . . . , fn : U → R são funções


diferenciáveis em U , então
X ∂(f1 , . . . , fk )
df1 ∧ · · · ∧ dfk = dxi ∧ · · · ∧ dxik .
I∈I
∂(xi1 , . . . , xik ) 1
k,n

Corolário 3.13. Se f, f1 , . . . , fn : U → R são funções diferenciáveis em U , então

P
(i) dfj = (∂fj /∂xi )dxi .

(ii) df1 , . . . , fn = det[∂fj /∂xi ]dx1 ∧ · · · ∧ dxn .

Demonstração. Ver [1] página 202. 

Se ω é uma k-forma em M e X1 , . . . , Xk ∈ X(M ), definimos uma nova função


ω(X1 , . . . , Xk ) em M dada por

ω(X1 , . . . , Xk )(p) = ωp (X1 (p), . . . , Xn (p)). (3.4)

Com isso, uma k-forma ω em M induz uma aplicação k-linear

b X(M ) × · · · × X(M ) −→
ω F(M )
(X1 , . . . , Xk ) 7−→ ω(X1 , . . . , Xk )

que para k campos vetoriais em M associa uma função diferenciável dada pontualmente
por (3.4). Semelhante ao que acontece com as 1-formas, esta aplicação é multilinear sobre
3.3. k-formas diferenciais 45

as funções, ou seja, para qualquer f ∈ F(M ),

ω(X1 , . . . , f Xi , . . . , . . . , Xk ) = f · ω(X1 , . . . , Xi , . . . , Xk ).

Assim, as k-formas e M podem ser identificadas com o conjunto

{b
ω : X(M ) × · · · × X(M ) → F(M ) : ω
b é k-F(M )-linear}.

A princı́pio as formas são objetos que aplicamos em pontos, com esta identificação consi-
deramos uma dupla personalidade para as formas. Uma vez que {∂/∂xi |p } é base de Tp M
e {(dxi )p } é sua base dual para ponto p ∈ M sobre uma carta (U, x), obtemos a seguinte
igualdade  
∂ ∂
dxi1 ∧ · · · ∧ dxik ,..., = δIJ .
∂xi1 ∂xik
Podemos caracterizar as k-formas diferenciáveis de várias maneiras, em particular
olhando as funções coeficientes.
P
Lema 3.14. Seja (U, x) uma carta em M . Uma k-forma ω = aI dxI em U é dife-
renciável se, e somente se, as funções coeficientes são diferenciáveis em U .

Demonstração. Semelhante ao lema 2.21. 

Proposição 3.15. Seja ω uma k-forma em uma variedade M . São equivalentes:

1. A k-forma ω é diferenciável em M .

2. A variedade M possui uma altas que para toda carta (U, x) no atlas, os coeficientes
P
aI de ω = aI dxI em relação ao sistema dxI são diferenciáveis.
P
3. Para carta (U, x) da variedade, os coeficientes aI de ω = aI dxI em relação ao
sistema dxI são diferenciáveis.

4. Para todos os campos vetoriais X1 , . . . , Xk ∈ X(M ), a função ω(X1 , . . . , Xn ) é di-


ferenciável em M .

Demonstração. Semelhante à proposição 2.22. 

Proposição 3.16. Se ω e η são formas C ∞ em M , então ω ∧ η é C ∞ também.

Demonstração. Ver [1] página 206. 

Proposição 3.17. Seja ω uma k-forma diferenciável definida em uma vizinhança U de


um ponto p ∈ M . Então existe uma k-forma diferenciável ω
e definida em M que coincide
com ω em uma vizinhança (possivelmente contida em U ) de p.

Demonstração. Mesmas ideias da proposição A.3 do apêndice A. 


46 3. Formas Diferenciais

Nos apoiamos sobre a álgebra multilinear para poder falar de k-formas diferenciais.
Em particular, as k-formas diferenciais são k-tensores sobre as fibras da variedade. Logo,
podemos definir o pullback aqui também. Suponha que f : M → N é uma função
diferenciável entre variedades. Em cada ponto p ∈ M a diferencial

dfp : Tp M → Tf (p) N

é uma aplicação linear entre os espaços tangentes. Logo, para cada p ∈ M a diferencial dfp
induz um k-tensor em Λk (Tp M ) a partir de um dado k-tensor em Λk (Tf (p) N ). O pullback
f ∗ ωf (p) de ωf (p) ∈ Λk (Tf (p) N ) por f , como antes, é o k-tensor em Λk (Tp M ) definido por

f ∗ (ωf (p) )(v1 , . . . , vk ) = ωf (p) (dfp (v1 ), . . . , dfp (vk )),

com cada vi ∈ Tp M . Ou seja, se ω é uma k-forma em uma variedade N , o pullback f ∗ ω


é a k-forma em M definida em cada ponto p ∈ M por

(f ∗ ω)p = f ∗ (ωf (p) ).

Esta é a generalização do pullback de 1-formas que tratamos anteriormente. Se ω e η são


k-formas em N e c é uma constante real, também vale

f ∗ (ω + η) = f ∗ ω + f ∗ η
f ∗ (c · ω) = c · f ∗ η
f ∗ (ω ∧ η) = f ∗ ω ∧ f ∗ η.

Até o momento não podemos afirmar que o pullback de uma k-forma diferenciável
é diferenciável, a não ser para k = 0, 1. A próxima seção nos ajudará a entender que
este fato é valido também para k > 1. Denotamos por Ωk (M ) o conjunto das k-formas
diferenciais em M . O espaço
Mn

Ω (M ) = Ωk (M n )
k=0

de todas as formas diferenciais em M munido com o produto “wedge” ∧, que e bilinear,


associativo, anticomutativo e preserva a diferenciabilidade das formas, se transforma em
uma álgebra graduada anticomutativa. A notação ⊕ considera que cada elemento de
Ω∗ (M ) é unicamente uma soma finita ωk onde ωk ∈ Ωk (M ).
P

Observação 3.18. Observe que estamos somando até a dimensão da variedade M n . For-
malmente poderı́amos somar infinitamente. Acontece que as k-formas em M com k > n
são nulas. De fato, ao menos duas das 1-formas dxiα serão iguais e pela associatividade
do produto exterior, terı́amos como resultado uma k-forma nula.
3.4. Derivada exterior 47

3.4 Derivada exterior


Se no cálculo estudamos funções, nas variedades lidamos com as formas diferenciais. Nosso
objetivo daqui para frente é aprender à derivar e integrar formas diferenciais. Nos apoi-
ando sobre [1] e [2], começamos com o conceito de derivada exterior de uma variedade.
Mencionamos sua existência e unicidade e mostramos sua comutatividade com o pullback.
Isto também vai nos permitir provar que o pullback de uma forma diferenciável é de fato
diferenciável. Com esta linguagem introduziremos também a multiplicação interior em
uma variedade, que vai nos ajudar pelo caminho.
Lembrando que podemos obter uma 1-forma df a partir de uma função f em M ,
definida por df (X) = X(f ), que em uma carta (U, x) pode ser escrita como
n
X ∂f
df = dxj .
j=1
∂x j

Se ω é uma k-forma em M n , podemos escrever em U


X
ω= ωI dxI
I∈Ik,n

para funções ωI : U → R. Gostarı́amos de definir a diferencial de uma k-forma, pois até o


momento não falamos deste conceito. Na tentativa de definir a diferencial da k-forma ω,
observamos que dωI é uma 1-forma em U . Então podemos fazer o produto com a k-forma
dxI e isso nos retornaria uma k + 1 forma. A princı́pio definimos a diferencial de ω como
sendo a soma n
X X X ∂ωI

dω = dωI ∧ dxI = dxj ∧ dxI .
I∈I I∈I j=1
∂x j
k,n k,n

que é uma (k+1)-forma em U . Acontece que para uma 0-forma esta definição coincide com
a diferencial de uma função. Mais ainda, por sua representação ser dada por elementos
de uma base, ela é única em (U, x). Independe da carta também pois se (V, y) é outra
P P
carta em M , em U ∩V temos aI dxI = bJ dyJ . Portanto depende apenas da estrutura
diferenciável da variedade. Este operador que leva k-formas em (k + 1)-formas em U será
denotado por dU . Se ω é uma k-forma em M , definimos a derivada exterior de ω em M
como sendo a (k + 1)-forma
(dω)(p) = dU (ω|U )(p),

onde p é um ponto em uma carta (U, x) qualquer de M . Antes de concluir que a derivada
exterior também é única na variedade, destacamos o seguinte resultado.

Proposição 3.19. Considere ω ∈ Ωk (M ) e η ∈ Ω∗ (M ). Sobre a derivada exterior de


uma k-forma valem

(i) d(ω + η) = dω + dη,


48 3. Formas Diferenciais

(ii) d(ω ∧ η) = dω ∧ η + (−1)k ω ∧ dη,

(iii) d2 = 0.

A prova para estas propriedades pode ser encontrada em [2] na página 211. Não
será crucial uma vez que nosso objetivo agora é estabelecer formalmente a definição de
derivada exterior em uma variedade e observar sua existência e unicidade como acima.

Definição 3.20. Uma antiderivação em uma álgebra graduada



M
A= Ak
k=0

é uma aplicação linear D : A → A que para todos ω ∈ Ak e η ∈ A satisfaça

D(ω · η) = D(ω) · η + (−1)k ω · D(η).

A antiderivação é dita ser de grau m se para todos k = 0, 1, . . . e ω ∈ Ak ,

deg(D(ω)) = deg(ω) + m.

Definição 3.21. Uma derivada exterior em uma variedade M é uma aplicação linear
D : Ω∗ (M ) → Ω∗ (M ) que satisfaz

(i) D é uma antiderivação de grau 1

(ii) D2 = 0

(iii) se f ∈ F(M ) e X ∈ X(M ), então (Df )(X) = X(f ).

Assim como as derivadas de funções do cálculo, a derivada exterior possui a propri-


edade de que o valor (Dω)p só depende do comportamento de ω em uma vizinhança do
ponto p. É o que diz o seguinte.

Definição 3.22. Dizemos que D : Ω∗ (M ) → Ω∗ (M ) é um operador local se para toda


forma ω ∈ Ω∗ (M ) tal que ω|U = 0 tivermos que Dω ≡ 0 em algum aberto U ⊂ M .

Observação 3.23. Poderı́amos ter definido um operador local, dizendo que se duas formas
ω1 e ω2 coincidem em um aberto U , então (Dω1 )|U = (Dω2 )|U . Em particular, isto nos
diz que (Dω)|U = D(ω|U ).
3.4. Derivada exterior 49

Proposição 3.24. Toda antiderivação em Ω∗ (M ) é um operador local.

Demonstração. Seja ω ∈ Ω∗ (M ) tal que ω|U = 0 para algum aberto U ⊂ M . Tome p ∈ U


e uma função “bump” ρ : M → R em p suportada em U (ver Apêndice A). Como a álgebra
das formas diferenciais é um módulo sobre F(M ), segue que ρω ∈ Ω∗ (M ). Observe que
esta é a forma nula, pois ω é nula em U e ρ é nula no complementar de U . A equação

0 = D(0) = d(ρω) = Dρ ∧ ω + ρ · Dω = Dω

nos diz que D é um operador local, como querı́amos. 

Em cada carta (U, x) em M temos uma única dU definida. A derivada exterior d está
bem definida uma vez que dU é única para toda carta (U, x). Segue pela propriedade local
da antiderivação, que se D é uma antiderivação em M , então D coincide com a derivada
exterior d definida acima. Em resumo, observamos que existe uma única antiderivação da
álgebra Ω∗ (M ), especialmente chamada derivada exterior de M , que por sua vez generaliza
a diferencial de uma função e só depende da estrutura diferenciável da variedade. Para
demonstração do próximo teorema, ver [1] páginas 213-214.

Teorema 3.25. Toda variedade M admite uma única derivada exterior

d : Ω∗ (M ) → Ω∗ (M ).

Proposição 3.26. Seja f : M → N uma aplicação diferenciável entre variedades e


ω ∈ Ωk (N ). Então f ∗ (dω) = d(f ∗ ω), isto é, a derivada exterior comuta com o pullback.

Demonstração. Vejamos que vale para k = 0. Se h ∈ Ω0 (N ) é uma função em N e


X ∈ X(M ), pela definição do pullback temos que

f ∗ (dh)(X) = dh(f∗ X)
= f∗ X(h)
= X(h ◦ f )
= d(h ◦ f )(X)
= d(f ∗ h)(X).

Como a igualdade vale para todo campo X, segue o resultado para k = 0. Para o caso
k ≥ 1 faremos por indução finita sobre o grau k. Suponha que o resultado vale para as
(k − 1)-formas. Seja ω ∈ Ωk (N ), (V, y) uma carta sobre f (p) em N n e p ∈ M . Em V
temos então que
X X
ω= aI · dyI = aI · dyi1 ∧ · · · ∧ dyik
I∈Ik,n I∈Ik,n
50 3. Formas Diferenciais

para funções aI : V → R. Por um lado obtemos


X
f ∗ (dω) = f ∗ (daI ∧ dyi1 ∧ · · · ∧ dyik )
X
= f ∗ (daI ) ∧ f ∗ (dyi1 ) ∧ · · · ∧ f ∗ (dyik )
X
= d(f ∗ aI ) ∧ d(f ∗ yi1 ) ∧ · · · ∧ d(f ∗ yik )
X
= d(aI ◦ f ) ∧ dfi1 ∧ · · · ∧ dfik .

Mas observe que


X
f ∗ω = f ∗ aI · f ∗ (dyi1 ) ∧ · · · ∧ f ∗ (dyik )
X
= (aI ◦ f ) · dfi1 ∧ · · · ∧ dfik .

Aplicando a derivada temos


X
d(f ∗ ω) = d(aI ◦ f ) ∧ dfi1 ∧ · · · ∧ dfik ,

mostrando enfim que f ∗ (dω) = d(f ∗ ω). 

Corolário 3.27. Se U ⊂ M é um aberto e ω ∈ Ωk (M ), então d(ω|U ) = dω|U .

Demonstração. Observe que ω|U = i∗ ω é o pullback pela inclusão i : U → M . Pela


proposição anterior, d(i∗ ω) = i∗ (dω) e portanto d(ω|U ) = dω|U . 

Proposição 3.28. Sejam f : M → N é uma função diferenciável entre variedades e


ω ∈ Ωk (N ), então o pullback f ∗ ω é uma k-forma diferencial em M .

Demonstração. Consultar [1] página 215. 

Esta propriedade do pullback nos diz que a aplicação f ∗ : Ωk (N ) → Ωk (M ) é um


morfismo de álgebras diferenciais graduadas, isto é, um homomorfismo da álgebra que
preserva o grau e que comuta com a diferencial. Isto equivale à dizer que o diagrama

f∗
Ω∗ (N ) −→ Ω∗ (M )
d↓ ↓d
f∗
Ω∗ (N ) −→ Ω∗ (M )

é comutativo. Não nos interessa muito por ora saber o que significa e como trabalhar com
essa estrutura. Vamos agora definir a multiplicação interior para espaços vetoriais e levar
para as fibras como de costume.

Definição 3.29. Seja α um k-tensor alternado em um espaço vetorial V com k ≥ 2 e


tome um vetor v ∈ V . A multiplicação interior de α com v é (k − 1)-tensor definido por

iv α(v2 , . . . , vk ) = α(v, v2 , . . . , vn ) com v2 , . . . , vn ∈ V.


3.4. Derivada exterior 51

Para k = 1 definimos iv α = α(v) que é uma constante real. E para um tensor α de ordem
zero, uma constante, definimos iv α = 0.

Fixado v ∈ V , podemos considerar em particular o operador

iv : Λk (V ) → Λk−1 (V )

restrito aos k-tensores alternados. Esta operação satisfaz duas propriedades semelhantes
da derivada exterior. São elas

1. iv ◦ iv = 0,

2. para α ∈ Λk (V ) e β ∈ Λs (V ) temos que

iv (α ∧ β) = (iv α) ∧ β + (−1)k α ∧ (iv β).

Em outras palavras, a multiplicação interior em Λ∗ (V ) é uma antiderivação de grau −1 que


satisfaz iv ◦ iv = 0. Munindo as fibras com esta estrutura, podemos falar da multiplicação
interior nas variedades. Se X ∈ X(M ) e ω ∈ Ωk (M ), então iX é a (k − 1)-forma definida
pontualmente por (iX ω)p = iXp ωp para todo p ∈ M . Para quaisquer campos vetoriais
X2 , . . . , Xn ∈ X(M ),
iX ω(X2 , . . . , Xn ) = ω(X, X2 , . . . , Xn )

é uma função diferenciável por 3.15 (iv). Para 1-formas temos que iX ω = ω(X) e iX f = 0
para funções f em M . Pelo comportamento da multiplicação interior em cada ponto da
variedade, a aplicação iX : Ω∗ (M ) → Ω∗ (M ) é uma antiderivação de grau −1 em M que
satisfaz iX ◦ iX = 0. A demonstração detalhada destes fatos consta em [1] Seção 20.4.
52 3. Formas Diferenciais
53

Capı́tulo 4

Integração sobre Variedades

Neste capı́tulo vamos definir o conceito de integral em uma variedade. Começamos des-
crevendo a orientação que estes objetos carregam de três formas equivalentes. Uma forma
de grau máximo sempre positiva na variedade, caracteriza uma orientação. Assim como
a existência de um atlas orientado para a variedade. Ao longo do capı́tulo, consideramos
alguns resultados, apenas mencionando a página onde consta a demonstração do mesmo.
Alternando entre [1] e [2], com poucos exemplos, continuamos a considerar as condições
sobre as quais podemos integrar.

4.1 Orientação
Em um espaço vetorial V de dimensão finita, dizemos que duas bases ordenadas
{u1 , . . . , un } e {v1 , . . . , vn } são equivalentes se o determinante da matriz mudança de
base entre elas, que é descrita pelos coeficientes aij da equação
n
X
uj = aij vi ,
i=1

possui determinante positivo. Esta de fato é uma relação de equivalência no conjunto de


todas as bases ordenadas de V , que portanto possui apenas dois representantes. Uma
orientação em V , é a escolha de uma classe de equivalência desta relação. Sobre esta
definição, um espaço vetorial possui exatamente duas orientações e escolhemos a base
canônica de V como sendo a que orienta positivamente o espaço. Observe que ao transpor
a ordem de dois elementos de uma base ordenada, podemos transformar esta em uma base
positiva ou negativa.
Existe uma maneira de determinar a orientação de V a partir dos n-tensores alternados
definidos em V . De acordo com a proposição 3.11, se α é um n-tensor alternado em V ,
α(u1 , . . . , un ) e α(v1 , . . . , vn ) possuem o mesmo sinal se, e somente se, det A é positivo.
Mas isto é dizer que as bases ordenadas {u1 , . . . , un } e {v1 , . . . , vn } são equivalentes.
Desta maneira que um n-tensor alternado se relaciona com a orientação de um espaço
54 4. Integração sobre Variedades

vetorial. Dizemos que um n-tensor alternado α em V determina a orientação [v1 , . . . , vn ]


se α(v1 , . . . , vn ) é positivo. Esta definição independe do representante para a orientação,
uma vez que se outro representante da mesma orientação é escolhido, o lema acima garante
que este também será positivo.
Suponha que α1 e α2 determinam a mesma orientação [v1 , . . . , vn ] em V . Então

α1 (v1 , . . . , vn ) > 0 e α2 (v1 , . . . , vn ) > 0.

Mas observe que o conjunto Λn (V ) está naturalmente identificado com R, e portanto


α1 = c · α2 para alguma constante c > 0. Isto sugere definir uma relação de equivalência
no conjunto dos n-tensores alternados não nulos, dizendo que

α1 ∼ α2 se, e somente se, α1 = c · α2 para algum c > 0.

Claramente esta é uma relação de equivalência em Λn (V ) − {0} que possui exatamente


duas classes. Escolher uma orientação para um espaço vetorial V , é portanto, equivalente à
escolher um n-tensor alternado em alguma das duas componentes conexas de Λn (V )−{0}.

Exemplo 4.1. Se {e1 , e2 , e3 } é a base canônica de R3 e {α1 , α2 , α3 } é a base dual à base


canônica, o tensor alternado α1 ∧ α2 ∧ α3 determina a orientação positiva de R3 pois

α1 ∧ α2 ∧ α3 (e1 , e2 , e3 ) = 1 > 0.

O mesmo acontece com a base {∂/∂xi } do espaço tangente Tp (Rn ) cuja base dual é
{(dxi )p }. O tensor (dx1 )p ∧ · · · ∧ (dxn )p determina a orientação positiva de Tp (Rn ) pois
 
∂ ∂
(dx1 )p ∧ · · · ∧ (dxn )p ,..., = 1 > 0.
∂x1 p ∂xn p

Assim como levamos as construções da álgebra linear para fibrados, podemos levar o
conceito de orientação de um espaço vetorial para as fibras. Orientar uma variedade, é
associar continuamente em cada ponto p ∈ M uma orientação do espaço tangente Tp M .
Pedimos a continuidade para que de fato, a orientação escolhida não mude drasticamente
em vizinhanças de p, como formaliza a seguinte definição.

Definição 4.2. Uma orientação pontual em uma variedade M n é associar em cada p ∈ M


uma orientação µp do espaço tangente Tp M . Uma orientação pontual em M é dita ser
contı́nua em p se existe uma vizinhança U de p, de forma que existam campos vetoriais
contı́nuos X1 , . . . , Xn em U tais que µq = [X1 (q), . . . , Xn (q)] para todo q em U . A
orientação pontual µp é dita contı́nua se é contı́nua em p para todo p ∈ M .

Chamaremos uma orientação pontual contı́nua em M é simplesmente por orientação


em M . Uma variedade é dita orientável se possui uma orientação. E quando considerada
com uma orientação, dizemos que a variedade está orientada.
4.1. Orientação 55

Exemplo 4.3. O espaço Rn é orientável neste sentido, pois os campos ∂/∂u1 , . . . , ∂/∂un
formam uma base global de seções diferenciáveis, em particular contı́nuas, para Rn .

A próxima proposição será apenas enunciada, mas tange ao fato de que se uma varie-
dade possui várias componentes conexas, é possı́vel obter ao todo mais de duas orientações
para a variedade. O resultado diz então, que para as variedades conexas obtemos apenas
duas orientações.

Proposição 4.4. Uma variedade conexa orientável possui exatamente duas orientações.

Demonstração. Pode ser encontrada em [1] na página 241. 

Enquanto a definição de orientação em uma variedade é geometricamente intuitiva,


na prática existe uma maneira de especificar uma orientação pelas formas diferenciais,
assim como fizemos para tensores alternados no inı́cio. Iremos mostrar que a condição
de continuidade imposta na definição acima se translada para uma condição diferenciável
nas formas diferenciais de grau máximo sobre a variedade.

Lema 4.5. Uma orientação [(X1 , . . . , Xn )] em uma variedade M n será contı́nua se, e
somente se, todo ponto p ∈ M possui uma carta (U, x) em que

dx1 ∧ · · · ∧ dxn (X1 , . . . , Xn ) > 0.

Demonstração. Ver [1] páginas 242 − 243. 

Teorema 4.6. Uma variedade M n é orientável se, e somente se, existe uma n-forma
diferenciável sempre positiva em M .

Demonstração. Ver [1] página 243. 

Se ω e ω 0 são duas n-formas positivas em M n , então ω = f · ω 0 para alguma função


diferenciável positiva f em M . Em uma carta (U, x),

ω = g · dx1 ∧ · · · ∧ dxn e ω 0 = h · dx1 ∧ · · · ∧ dxn

com g e h funções diferenciáveis positivas em U . Mas então, f = g/h é também uma


função diferenciável positiva. Como isto acontece para qualquer carta, f é uma função
diferenciável positiva em M . Em uma variedade conexa, tal função sempre é positiva ou
negativa. Isto sugere identificar as n-formas diferenciais em uma variedade conexa M n
pela relação

ω ∼ ω 0 se, e somente se, ω = f ω 0 para alguma função positiva f em M.

Assim como vimos para tensores, para cada orientação ξ = [X1 , . . . , Xn ] em uma variedade
orientável conexa M , associamos a classe de equivalência da n-forma ω em M tal que
56 4. Integração sobre Variedades

ω(X1 , . . . , Xn ) > 0. Tal ω existe pelo Teorema 4.7. A associação

ξ 7−→ [ω]

é de fato bijetiva sobre uma variedade conexa. E considerando uma componente conexa
de cada vez, esta bijeção vale também. Em resumo, orientar uma variedade é o mesmo
que escolher uma n-forma positiva em M . Dizemos então que uma n-forma ω em M
determina a orientação [X1 , . . . , Xn ] se ω(X1 , . . . , Xn ) > 0. Chamamos esta de forma
orientada em M . Neste sentido, uma variedade orientada pode ser descrita por um par
(M n , [ω]) onde [ω] é a classe de equivalência de uma n-forma orientada em M .
Dado um difeomorfismo f : (M, [ω]) → (N, [ω 0 ]) entre variedades orientadas, dizemos
que f preserva a orientação se
[f ∗ ω 0 ] = [ω],

e reverte a orientação caso [f ∗ ω 0 ] = [−ω].

Proposição 4.7. Seja U e V abertos de Rn , ambos com a orientação usual de Rn . Um


difeomorfismo f : U → V é dito preservar a orientação se, e somente se, o determinante
jacobiano det[∂fi /∂xj ] é positivo em U .

Demonstração. Ver [1] página 245. 

Existe outra importante definição de orientação em uma variedade. Esta também será
equivalente às definições anteriores, e será de grande utilidade para o texto.

Definição 4.8. Um atlas em M n é dito ser orientado se para qualquer duas cartas (U, x)
e (V, y) no atlas, o determinante jacobiano det[∂yi /∂xj ] é positivo em U ∩ V .

Teorema 4.9. Uma variedade é orientada se, e somente se, possui um atlas orientado.

Demonstração. Ver [1] página 245 

Definição 4.10. Dois atlas {(Uα , ϕα )} e {(Vβ , ψβ )} em M são ditos equivalentes se as


funções de transição
ψβ ◦ ϕ−1
α : ϕα (Uα ∩ Vβ ) → ψβ (Uα ∩ Vβ )

possuem determinante positivo em Uα ∩ Vβ para todos os ı́ndices α e β.

Esta definição induz uma relação de equivalência no conjunto dos atlas orientados em
M . O conjunto das classes de equivalências desta relação, assim como anteriormente, está
identificado com o conjunto das orientações em M . Ou seja, temos três critérios para
falar de variedades orientadas.
4.2. Variedades com Bordo 57

Proposição 4.11. Seja M n uma variedade diferenciável. São equivalentes

(i) M é orientável,

(ii) Existe um atlas orientado para M ,

(iii) Existe uma n-forma sempre positiva em M .

Exemplo 4.12. A esfera Sn e o toro Tn são exemplos de variedades orientadas. O espaço


projetivo RPn é orientável apenas quando n é impar. A faixa de Möbius, exemplo não
apresentado no texto, é o exemplo tı́pico de variedade não orientável.

4.2 Variedades com Bordo


O semi-espaço superior fechado

Hn = {(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn : xn ≥ 0},

considerado com a topologia induzida de Rn , será nosso modelo de variedade com bordo.
Denotamos por int(Hn ) e ∂(Hn ) o interior e bordo topológicos de Hn . Observe que o
bordo ∂(Hn ) está naturalmente identificado com Rn−1 .
Temos dois tipos de conjuntos abertos em Hn . Os usais de Rn e aqueles que tocam
o bordo. Como este será nosso modelo de variedade com bordo, as funções de transição
entre as cartas serão funções de Hn em Hn . Em abertos de Rn sabemos dizer quando
esta é diferenciável, mas para abertos que intersectam o bordo ainda não. Por isso,
vamos estender o conceito de função diferenciável para contemplar domı́nios arbitrários em
variedades. Exceto por esta particularidade, os mesmo conceitos vistos sobre variedades
permanecem iguais.

Definição 4.13. Seja S ⊂ M um subconjunto qualquer. Uma função f : S → N é


dita ser diferenciável em p ∈ S se existe uma vizinhança U ⊂ M de p e uma função
diferenciável fb : U → N tal que f = fb em U ∩ S. A função f é dita ser diferenciável se
for diferenciável em cada ponto do domı́nio.

Observação 4.14. Uma função f : S ⊂ M → N definida em um subconjunto qualquer de


uma variedade M é diferenciável se, e somente se, existe uma extensão local fb : U → N
sobre um aberto U ⊂ M que contém S tal que f = fb|S .

Agora faz sentido falar de um subconjunto S ⊂ M ser difeomorfo a um subconjunto


S0 ⊂ N .

Definição 4.15. Uma função f : S → S 0 é dita ser um difeomorfismo se for uma bijeção
diferenciável cuja inversa g : S 0 → S seja diferenciável.
58 4. Integração sobre Variedades

Proposição 4.16. Seja U um aberto de M e S ⊂ N um subconjunto qualquer. Se


f : U → S é um difeomorfismo, então S é aberto em N .

Demonstração. Seja p um ponto em U e g : S → U a inversa de f . Como g é uma função


diferenciável, existe um aberto V ⊂ N que contém S tal que gb : V → M é diferenciável.
Em particular,
g ◦ f = gb ◦ f = idU .

Mas como f é inversı́vel, a diferencial dfp é injetora. E como a dimensão de M é a mesma


que a de N , temos que f∗p é um isomorfismo. Mas se é um isomorfismo, a função f é
localmente inversı́vel, ou seja, existe um aberto U 0 ⊂ U que contém p e um aberto V 0 ⊂ N
que contém f (p) tal que f |U 0 : U 0 → V 0 é um difeomorfismo. Logo

f (p) ∈ V 0 = f (U 0 ) ⊂ S.

Está mostrado que para todo f (p) ∈ S, existe um aberto V 0 ⊂ N que contém f (p) e está
contido em S, ou seja, S é aberto. 

Por consequência, os pontos de interior e bordo de Hn são preservados via difeomor-


fismos.

Corolário 4.17. Sejam S e S 0 subconjuntos de Hn e f : S → S 0 um difeomorfismo.


Então f leva pontos interiores de S em pontos interiores de S 0 , e leva pontos de fronteira
de S em pontos de fronteira de S 0 .

Demonstração. Seja p ∈ S um ponto interior. Então existe uma bola aberta B em Rn


que contém p que está contida em S ⊂ Hn . Além de ser um aberto de Hn , B também
é um aberto de Rn . Usando o teorema anterior, temos que f (B) é um aberto de Rn . E
como f (B) ⊂ S 0 , provamos que f (B) ⊂ int(Hn ), ou seja, f (p) é um ponto interior em S 0 .
Considere agora p ∈ S ∩ ∂Hn um ponto de fronteira em S e g : S 0 → S a inversa de f .
Pelo o que acabou de ser provado, f (p) não pode ser um ponto interior em S 0 , pois caso
isto aconteça, p = g(f (p)) seria um ponto interior em S, uma contradição. Ou seja, f (p)
tem de ser um ponto de fronteira. 

Definição 4.18. Dizemos que um espaço topológico M é localmente o semi-espaço Hn


se todo ponto p ∈ M possui uma vizinhança U homeomorfa à algum aberto de Hn . Uma
carta em M é um par (U, ϕ) que consiste de um aberto U ⊂ M e um homeomorfismo

ϕ : U → ϕ(U ) ⊂ Hn .

Uma variedade topológica de dimensão n com bordo é um espaço Hausdorff, com base
enumerável e localmente Hn .

Observação 4.19. Quando n = 1, o conjunto H1 é a semi-reta positiva, x ≥ 0. Precisamos


da semi-reta negativa x ≤ 0, que denotaremos por −H1 , para definir uma carta neste caso.
4.2. Variedades com Bordo 59

Uma carta (U, x) em dimensão 1 consiste de um aberto U ⊂ M e um homeomorfismo


ϕ de U com H1 ou −H1 . Com esta convenção, se (U, x1 , . . . , xn ) é uma carta em uma
variedade com bordo M n , então (U, −x1 , . . . , xn ) também é para qualquer n ≥ 1. Desta
forma, uma variedade com bordo possui no mı́nimo dimensão 1, dado que em um variedade
de dimensão 0 como um conjunto discreto, necessariamente possui bordo topológico vazio.
Definição 4.20. Sejam (U, ϕ) e (V, ψ) cartas em uma variedade com bordo M n tais que
W = U ∩ V é não-vazio. Dizemos que as cartas (U, ϕ) e (V, ψ) são compatı́veis se as
funções de transição

ψ ◦ ϕ−1 : ϕ(W ) → ψ(W ) e ϕ ◦ ψ −1 : ψ(W ) → ϕ(W )

são difeomorfismos entre abertos de Hn .


Observação 4.21. Se os abertos ϕ(W ) e ψ(W ) não tocam o bordo, estamos sobre a situação
anterior de cartas compatı́veis. Mas se ϕ(W ) e ψ(W ) tocam o bordo, a definição diz que
as funções de transição se estendem localmente para Rn .
Definição 4.22. Um atlas para um espaço M localmente Hn é uma coleção {(Uα , ϕα )}
de cartas duas a duas compatı́veis, cujos domı́nios formam uma cobertura para M . Uma
variedade diferenciável com bordo é uma variedade topológica com bordo junto de um
atlas maximal.
Observação 4.23. A existência de um único atlas maximal ainda assim é garantida aqui.
Podemos agora definir pontos interiores e ponto de bordo em uma variedade. O
conjunto dos pontos de M que vão parar no interior de Hn pelas cartas será o interior de
M , denotado por int(M ). Similarmente, o conjunto dos pontos de M que vão parar no
bordo de Hn pelas cartas de M será o bordo de M , denotado por ∂M . E pelo corolário
anterior, se (U, ϕ) e (V, ψ) são cartas compatı́veis em M e W = U ∩ V é não-vazio, então
os pontos interiores de ϕ(U ) vão parar em pontos interiores de ψ(V ), similarmente para
os pontos de bordo, ou seja, estes conceitos estão bem definidos.
Exemplo 4.24. O intervalo fechado I = [0, 1] é uma variedade com bordo ∂I = {0, 1}.
Exemplo 4.25. Observe que o bordo ∂M é totalmente diferente da fronteira topológica
bd(M ). Por exemplo, se considerarmos o disco

D = {(x, y, 0) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1} ⊂ R3

que é uma variedade de dimensão 2 com bordo ∂D ' S1 . No sentido topológico, D possui
interior vazio em relação à R3 . Logo sua fronteira topológica é vazia. Estes conceitos
estarão em correspondência se a variedade em questão for um espaço topológico fechado
de dimensão n em Rn , como é o caso da esfera

S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 ≤ 1}.
60 4. Integração sobre Variedades

Se M n é uma variedade com bordo e (U, ϕ) é uma carta em M , podemos restringir ϕ


ao bordo ∂M . Denotamos por ϕ0 = ϕ|U ∩∂M . Uma vez que ϕ leva pontos de fronteira em
pontos de fronteira, temos a aplicação

ϕ0 : U ∩ ∂M → ∂Hn ' Rn−1 .

Se (V, ψ) é outra carta em M , então a função de transição

ψ 0 ◦ ϕ0−1 : ϕ0 (U ∩ V ∩ ∂M ) → ψ 0 (U ∩ V ∩ ∂M )

é diferenciável. Ou seja, podemos induzir um atlas {(Uα ∩ ∂M, ϕ0α )} em ∂M dado um


atlas {(Uα , ϕα )} em M . Isto torna ∂M em uma variedade de dimensão n−1. Observe que
uma variedade com bordo não necessariamente é um variedade no sentido que definimos
no inı́cio, exceto se o bordo for vazio. O que estamos dizendo é que o bordo de uma
variedade com bordo é uma variedade.
Para a nova definição de variedade com bordo, valem os mesmos conceitos definidos
anteriormente. Uma função entre variedades com bordo é diferenciável se a composição
com cartas são diferenciáveis no novo sentido. O conjunto Fp (M ) denota os germes de
funções diferenciáveis em um ponto p de uma variedade com bordo M , que é uma álgebra
sobre R. A noção de espaço tangente Tp M como o conjunto de todas as derivações em
p permanece. Similarmente temos o espaço cotangente, os campos vetoriais, as k-formas
diferenciais, as partições da unidade e as orientações. Tudo vale como antes, pensando na
noção de diferenciabilidade estendida localmente em Hn .
Perdemos apenas uma propriedade aqui. Na proposição 8.16 de [1] é mostrado que
para qualquer vetor tangente em uma variedade, existe uma curva que tem este vetor
como vetor velocidade em algum ponto. Mas isto não acontece com os pontos de bordo.
Por exemplo, seja p um ponto no bordo ∂H2 . O espaço tangente Tp (H2 ) é representado
por um espaço vetorial de dimensão dois com origem em p, logo o vetor ∂/∂y|p é tangente
em p assim como seu oposto −∂/∂y|p . Porém, não existe uma curva em H2 cuja vetor
velocidade em p seja precisamente −∂/∂y|p .
Acontece que esta propriedade vai nos ajudar a induzir uma orientação no bordo de
uma variedade.

Definição 4.26. Seja M uma variedade com bordo e p ∈ ∂M . Dizemos que um vetor
tangente Xp ∈ Tp M é um vetor interior se Xp ∈
/ Tp (∂M ) e existe um  > 0 e uma curva
0
C : [0, ) → M tal que C(0) = p e C (0) = Xp . Um vetor Xp ∈ Tp M é dito ser um vetor
exterior, se −Xp é um vetor interior.

Esta definição caracteriza vetores que apontam para dentro ou para fora da variedade.
Por exemplo, ∂/∂y|p é um vetor interior à H2 e −∂/∂y|p é um vetor exterior em um ponto
p do bordo ∂H2 . Um campo vetorial ao longo do bordo ∂M é uma função X que associa
a cada ponto p do bordo um vetor Xp em Tp M . Se (U, x) é uma carta sobre p em M n ,
4.2. Variedades com Bordo 61

tal campo vetorial X pode ser escrito como


n
X ∂
Xp = ai (p) ,
i=1
∂xi p

para todo p ∈ ∂M . Um campo vetorial X ao longo do bordo ∂M é dito ser diferenciável


em p se existe uma carta (U, x) sobre p em que as funções ai : U → R sejam diferenciáveis
em p. E é dito ser diferenciável se o for para todo p ∈ M . Pode ser mostrado que um
vetor Xp é um vetor exterior se, e somente se, an (p) < 0.

Proposição 4.27. Seja M n uma variedade com bordo. Então existe um campo vetorial
ao longo do bordo ∂ formado apenas por vetores exteriores.

Demonstração. Seja {(Uα , ϕα )} um atlas para M onde cada ϕα = (xα,1 , . . . , xα,n ). Ob-
serve que em cada Uα o campo vetorial Xα = −∂/∂xα,n é diferenciável e exterior à Uα .
Tome uma partição da unidade {ρα } em ∂M subordinada à cobertura Uα ∩ ∂M . Então
P
definimos o campo vetorial X = ρα Xα que é diferenciável e de fato, exterior ao longo
do bordo ∂M . 

Agora vamos trabalhar a questão de orientar o bordo de uma variedade orientável.

Proposição 4.28. Seja M n uma variedade orientada com bordo. Se ω é uma forma
orientada em M e X é um campo vetorial exterior ao longo de ∂M , então iX ω é uma
(n − 1)-forma diferenciável positiva em ∂M .

Demonstração. Uma vez que ω e X são diferenciáveis em ∂M , a multiplicação interior


iX ω também o é. Precisamos mostrar então que iX ω é sempre positiva em ∂M , faremos
isto por contradição. Suponha que iX ω não seja sempre positiva em ∂M . Ou seja, existe
um ponto p ∈ ∂M em que (iX ω)p (v2 , . . . , vn ) = 0 para todos v2 , . . . , vn em Tp (∂M ). Seja
{e2 , . . . , en } uma base para Tp (∂M ). Então {Xp , e2 , . . . , en } é uma base para Tp M e

ωp (Xp , e2 , . . . , en ) = (iX ω)p (e2 , . . . , en ) = 0

e portanto ωp ≡ 0 em Tp M , uma contradição. Portanto iX ω é positivo em ∂M . 

Segue desta proposição que ∂M é orientável, pois existe uma (n − 1)-forma positiva
em ∂M . Definimos então a orientação do bordo em ∂M como sendo dada pela forma
orientada iX ω. Ainda temos que verificar se a orientação do bordo depende da escolha da
forma orientada ω e do campo exterior X.

Proposição 4.29. Seja M n uma variedade orientada com bordo. Seja p ∈ ∂M e Xp


um vetor exterior em Tp M . Uma base ordenada (v2 , . . . , vn ) para Tp (∂M ) representa a
orientação do bordo em p se, e somente se, a base ordenada {Xp , e2 , . . . , en } para Tp M
representa a orientação de M em p.
62 4. Integração sobre Variedades

Demonstração. Pode ser encontrada em [1] na página 255. 


Exemplo 4.30. Vejamos como se comporta a orientação do bordo ∂Hn . Uma forma
orientada para o espaço Hn é dada por ω = dx1 ∧ · · · ∧ dxn e um campo exterior em ∂Hn
é dado por −∂/∂xn . Pelos resultados acima, a orientação do bordo ∂Hn é dada por

i−∂/∂xn ω(X1 , . . . , Xn−1 ) = ω(−∂/∂xn , X1 , . . . , Xn−1 )


= (−1)n−1 · ω(X1 , . . . , Xn−1 , −∂/∂xn )
= (−1)n · dx1 ∧ · · · ∧ dxn (X1 , . . . , Xn−1 , ∂/∂xn )
X
= (−1)n · sgn(σ) · dxσ(1) ⊗ · · · ⊗ dxσ(n) (X1 , . . . , Xn−1 , ∂/∂xn ).
σ∈Sn

Mas observe que dxσ(n) (∂/∂xn ) = δσ(n)n , logo os termos que sobrevivem da soma são
aqueles que σ(n) = n. Isto é o mesmo que considerar as permutações em Sn que fixam n,
ou seja, estamos atualmente sobre as permutações em Sn−1 e portanto
X
i−∂/∂xn ω(X1 , . . . , Xn−1 ) = (−1)n · sgn(σ) · dxσ(1) ⊗ · · · ⊗ dxσ(n−1) (X1 , . . . , Xn−1 )
σ∈Sn−1

= (−1)n · dx1 ∧ · · · ∧ dxn−1 (X1 , . . . , Xn−1 ).

Isto nos diz que a orientação do bordo ∂Hn é (−1)n vezes a orientação natural de Rn−1 .
Exemplo 4.31. O intervalo fechado [a, b] ⊂ R possui a orientação induzida pelo campo
vetorial d/dx, com forma orientada dx. Na extremidade do ponto b, o vetor d/dx|b é
exterior. E portanto a orientação neste ponto de bordo é dada por id/dx (dx) = 1. Na
extremidade a, o vetor −d/dx|a é exterior, e portanto a orientação neste ponto de bordo
é dada por i−d/dx (dx) = −1.

4.3 Integração
No que tange os conceitos iniciais do cálculo, até então não falamos diretamente sobre
integração. Agora será o momento para relembrar o que é substancial, para então cons-
truir um modelo de integração que atue em variedades. Estamos acostumados a integrar
funções, mas aqui será um pouco diferente. Vamos definir a integral de uma forma dife-
rencial primeiro em Rn e depois para variedades. Em particular, daremos um significado
para a notação dx1 · · · dxn que aparece nas integrais do cálculo.
Fixado um sistema de coordenadas euclidiano, as n-formas em R podem ser identifi-
cadas com as funções em Rn , uma vez que toda n-forma pode ser escrita como

ω = f (x) · dx1 ∧ · · · ∧ dxn ,

para uma única função f em Rn . Se ω tem suporte compacto, então f também tem.
Podemos então levar a integral de Riemann para as n-formas em Rn .
4.3. Integração 63

Definição 4.32. Seja ω = f (x) · dx1 ∧ · · · ∧ dxn uma n-forma diferenciável em um aberto
U ⊂ Rn , considerado com um sistema de coordenadas x1 , . . . , xn . A integral de ω sobre
um subconjunto A ⊂ U é definida como a integral de Riemann de f (x)
Z Z Z
ω= f (x) · dx1 ∧ · · · ∧ dxn = f (x) dx1 · · · dxn ,
A A A

se a integral de Riemann existe.

Queremos saber como se comporta a mudança de variáveis com esta definição. O


próximo resultado, que será apenas enunciado, nos lembra como acontece a mudança de
variáveis no cálculo.

Teorema 4.33. Seja X ⊂ Rn um subconjunto compacto cujo bordo topológico ∂X tenha


medida nula e ϕ : U → V um difeomorfismo de classe C 1 entre abertos U e V de Rn com
X ⊂ U . Então para toda função contı́nua f : ϕ(X) → R temos que
Z Z
f (y1 , . . . , yn ) dy1 · · · dyn = (f ◦ ϕ)(x1 , . . . , xn ) · |J(ϕ)| dx1 · · · dxn ,
ϕ(X) X

onde dx1 · · · dxn e dy1 · · · dyn são notações que fazem menção às coordenadas em U e V ,
respectivamente.

Se ω = f (x) · dy1 ∧ · · · ∧ dyn é uma n-forma diferenciável em V com f : V → R


e ϕ : U → V é um difeomorfismo de classe C ∞ , temos então que ϕ∗ ω é uma n-forma
diferenciável em U . Observe que ϕ∗ xi = ϕi . Portanto, podemos calcular
Z Z

ϕω= ϕ∗ f · ϕ∗ dx1 ∧ · · · ∧ ϕ∗ dxn
U ZU
= (f ◦ ϕ) · dϕ∗ x1 ∧ · · · ∧ dϕ∗ xn
ZU
= (f ◦ ϕ) · dϕ1 ∧ · · · ∧ dϕn
ZU
= (f ◦ ϕ) · det[∂ϕj /∂yi ] · dy1 ∧ · · · ∧ dyn
ZU
= (f ◦ ϕ) · det[∂ϕj /∂yi ] dy1 · · · dyn .
U

Mas por outro lado, o teorema de mudança de variáveis nos dá que
Z Z Z

ω= f dx1 · · · dxn = (f ◦ ϕ) · det[∂ϕj /∂yi ] dy1 · · · dyn
V V U

que difere por um valor absoluto da expressão acima. Se ϕ é um difeomorfismo que


preserva a orientação, temos a igualdade. Caso contrário, teremos um sinal negativo na
equação. Temos então que Z Z
ϕ∗ ω = ± ω,
U V
64 4. Integração sobre Variedades

dependendo se ϕ preserva ou reverta a orientação. Esta equação nos mostra que a integral
de uma n-forma em Rn não depende de coordenadas, desde que tomemos cuidado com a
orientação.

Lema 4.34. Sejam M ,N e P variedades e f : M → N e g : N → P aplicações suaves.


Se ω ∈ Ωk (P ), então
(g ◦ f )∗ ω = (f ∗ ◦ g ∗ )ω.

Demonstração. Se p0 = g(f (p)), então

(g ◦ f )∗ (ωp0 )(v1 , . . . , vk ) = ωp0 (d(g ◦ f )p (v1 ), . . . , d(g ◦ f )p (vk ))


= ωp0 (dgf (p) (dfp (v1 )), . . . , dgf (p) (dfp (vk )))
= g ∗ ωp0 (dfp (v1 ), . . . , dfp (vk ))
= (f ∗ ◦ g ∗ )(ωp0 )(v1 , . . . , vk ).

Segue o resulado diretamente da definição de pullback e da regra da cadeia (2.11). 

Seja M n uma variedade orientada, com um atlas orientado {(Uα , ϕα )} que gera a
orientação de M . Vamos denotar por Ωkc (M ) o espaço das k-formas diferenciais com
suporte compacto em M . Suponha que (U, ϕ) seja uma carta no atlas de M . Se ω ∈
Ωnc (U ) é uma n-forma com suporte compacto em U , então como ϕ : U → ϕ(U ) é um
difeomorfismo, (ϕ−1 )∗ ω é uma n-forma com suporte compacto em ϕ(U ) ⊂ Rn . Definimos
a integral de ω em U como sendo
Z Z
ω := (ϕ−1 )∗ ω.
U ϕ(U )

Se (U, ψ) é outra carta no atlas orientado de M , então ϕ ◦ ψ −1 : ψ(U ) → ϕ(U ) é um


difeomorfismo que preserva orientação, e pelo lema 4.34

(ψ −1 )∗ = (ϕ−1 ◦ (ϕ ◦ ψ −1 ))∗ = (ϕ ◦ ψ −1 )∗ (ϕ−1 )∗ .

Assim, usando o teorema de mudança de variáveis temos que


Z Z Z
−1 ∗ −1 ∗ −1 ∗
(ψ ) ω = (ϕ ◦ ψ ) (ϕ ) ω = (ϕ−1 )∗ ω.
ψ(U ) ψ(U ) ϕ(U )

R
Logo a integral U ω em uma carta U do altas está bem definida e independe da escolha
de coordenadas em U . Por definição, o operador de integração é linear, e age nas formas
linearmente também. Ou seja, se ω, η ∈ Ωnc (U ), então
Z Z Z
ω+η = ω+ η.
U U U

Observe que estamos pedindo uma propriedade muito forte: o suporte de ω precisa estar
4.3. Integração 65

contido no domı́nio de uma carta, e em geral isto não acontece. O que fazemos então, é
usar as partições da unidade (para a definição desses objetos, ver Apêndice). Escolha uma
partição da unidade {ρα } subordinada à cobertura {Uα } de uma variedade M n orientada.
Como ω ∈ Ωnc (M ) possui suporte compacto e a coleção dos suportes da partição da
unidade é localmente finita, apenas finitos ρα ω são não-nulos e portanto
X
ω= ρα ω
α

é uma soma finita. Acontece também que ρα ω é uma n-forma em M com suporte compacto
contido em Uα , simplesmente pois

supp(ρα ω) ⊂ supp(ρα ) ∩ supp(ω) ⊂ Uα .

Mais ainda, supp(ρα ω) é um subconjunto fechado do compacto supp(ω), portanto é com-


pacto também. Agora, como ρα ω é uma n-forma com suporte compacto no domı́nio Uα ,
podemos definir a integral de ω sobre M como sendo a soma finita
Z XZ
ω := ρα ω.
M α Uα

R
Observe que faz sentido calcular esta soma, tanto por ser finita, tanto pela integral Uα ρα ω.
A princı́pio esta definição depende do atlas e da partição da unidade. Para que esta
integral esteja bem definida, precisamos mostrar que ela independe da escolha do atlas
orientado e da partição da unidade.

Seja {Vβ } outro atlas orientado para M e {µβ } uma partição da unidade subordinada
à cobertura {Vβ }. Acontece que a coleção das interseções dos Uα com os Vβ com as
restrições de ϕα e ψβ à estas interseções

{(Uα ∩ Vβ , ϕα |Uα ∩Vβ )} e {(Uα ∩ Vβ , ϕψ |Uα ∩Vβ )}

formam dois novos atlas para M . Em seguida, observe que


X X X XX
ρα ω = ρα ( µβ ω) = (ρα µβ )ω,
α α β α β

onde supp(ρα µβ ) ⊂ Uα ∩ Vβ . Então, podemos integrar tanto por um atlas quanto pelo
outro, assim obtemos que
XZ XXZ XXZ
ρα ω = ρ α µβ ω = ρα µβ ω.
α Uα α β Uα α β Uα ∩Vβ

Observe que esta soma é simétrica, no sentido de comutar com o atlas e a partição da
66 4. Integração sobre Variedades

unidade. Segue que


XZ XXZ XZ
ρα ω = ρα µβ ω = µβ ω,
α Uα α β Uα ∩Vβ β Vβ

provando que a integral de ω sobre M está bem definida, isto é, não depende da partição
da unidade e do atlas dado.
Observação 4.35. Sejam M n e N n variedades e f : M → N um difeomorfismo. Se ω é uma
n-forma com suporte compacto em N , então f ∗ ω é uma n-forma com suporte compacto
em M . Sabemos então que Z Z
f ∗ω = ± ω,
M N

onde o sinal é dado sabendo se f é um difeomorfismo que preserva ou reverte a orientação.

Proposição 4.36. Seja ω ∈ Ωnc (M ) uma n-forma com suporte compacto em uma varie-
dade orientada M n . Se −M denota a mesma variedade com a orientação oposta, então
Z Z
ω=− ω.
−M M

Demonstração. Ver [1] páginas 266-267. 

Esta abordagem na integração sobre variedades pode ser estendida para variedades
com bordo também. Ela possui a virtude da simplicidade e é de grande utilidade para
provar teoremas. Entretanto, não é tão prática para calcular de fato as integrais. Uma
n-forma multiplicada por uma partição da unidade raramente pode ser integrada numa
expressão fechada. Para poder calcular tais expressões, precisamos considerar integrais
sobre conjuntos parametrizados. Não faremos isto aqui uma vez que nosso objetivo prin-
cipal é provar o teorema de Stokes.
Observação 4.37. Se M é uma variedade 0-dimensional, então na verdade M é um conjunto
finito de pontos. Mas como orientar uma variedade deste tipo? Basta definir em cada
ponto uma orientação, dada por +1 ou −1. De fato, uma 0-forma em M é uma função
ω : M → R que a cada ponto associa um número. Definimos então a integral de uma
0-forma ω em uma variedade 0-dimensional como sendo a soma dos pontos orientados
positivamente, menos a soma dos pontos orientados negativamente
Z X X
ω= f (pi ) − f (qi ).
M
67

Capı́tulo 5

O teorema de Stokes

Aprendemos que não podemos integrar funções f : M → N entre variedade mas sim,
formas diferenciais. Simplesmente porque estas se comportam como esperado, no sentido
da mudanças de variáveis, sendo equivalente ao modelo encontrado no cálculo. Definida
a integral de uma forma em uma variedade, percebe-se a necessidade da orientação para
a integração, assim como a importância do suporte compacto e das partições da unidade.
E por melhor que seja do ponto de vista teórico, esta definição tem o problema de ser
muito difı́cil usar no sentido prático. Ela nos permite demonstrar teoremas e observar
propriedades importantes das variedades, porém, se toda vez tivermos que construir uma
partição da unidade, considerar um atlas orientado e integrar as formas multiplicadas
pelas funções “bump”, precisarı́amos de muito tempo para chegar num resultado. Por
isso, terı́amos de considerar domı́nios mais “fáceis”de integrar. Não será nosso foco aqui,
uma vez que queremos entender como se comportam as formas diferenciais e a integrais
juntas. Este é o inı́cio de uma jornada extensa nos campos da geometria diferencial e
topologia algébrica conforme [2], [5], [7] e [1].
Seja M n uma variedade orientada com bordo e a inclusão i : ∂M → M . Se ω é
uma (n − 1)-forma diferenciável em M , a restrição ω|∂M = i∗ ω de ω ao bordo ∂M pode
ser pensada como o pullback de ω pela inclusão. Cometemos um abuso de notação e
escrevemos simplesmente Z Z
ω= i∗ ω.
∂M ∂M

Teorema 5.1 (Stokes). Seja n ≥ 1. Se ω ∈ Ωcn−1 (M ) é uma (n − 1)-forma diferenciável


com suporte compacto em uma variedade orientada M n com bordo, então
Z Z
dω = ω.
M ∂M

Observação 5.2. O lado direito desta equação faz sentido, uma vez que dω é uma n-forma
com suporte compacto em M , justamente pela propriedade de localização da diferencial.
O lado esquerdo também, dado que ∂M é uma variedade de dimensão n−1 com orientação
induzida da variedade M .
68 5. O teorema de Stokes

Demonstração. Tome um atlas orientado {(Uα , ϕα )} para M e uma partição da unidade


diferenciável {ρα } em M subordinada à cobertura {Uα }. Se ω ∈ Ωn−1
c (M ) é uma n-forma
diferenciável em M com suporte compacto, então ρα ω possui suporte compacto em Uα .
Por um lado temos que
Z Z X 
dω = d ρα ω
M M α
XZ
= d(ρα ω) (soma finita)
α M
XZ
= d(ρα ω). (supp d(ρα ω) ⊂ Uα )
α Uα

Suponha que o teorema vale para cada Uα . Então


XZ XZ
d(ρα ω) = ρα ω
α Uα α ∂Uα
XZ
= ρα ω (supp(ρα ω) ⊂ Uα )
α ∂M ∩Uα
XZ
= ρα ω
α ∂M
Z X 
= ρα ω
∂M α
Z
= ω.
∂M

Isto significa que precisamos mostrar que o resultado vale apenas para uma carta cujo
suporte da forma ω esteja contido no domı́nio desta carta. Seja ω ∈ Ωcn−1 (U ) e (U, ϕ)
carta coordenada de M . Usando a definição de integral e sabendo que o pullback comuta
com a diferencial, temos que
Z Z Z
−1 ∗
dω = (ϕ ) dω = d(ϕ−1 )∗ ω.
U ϕ(U ) ϕ(U )

Observe que ϕ(U ) ⊂ Hn e ∂ϕ(U ) = ϕ(∂U ) pois um difeomorfismo de Hn leva pontos de


bordo em pontos de bordo. Suponhamos que o teorema de Stokes seja válido para Hn ,
então
Z Z Z Z
−1 ∗ −1 ∗ ∗ −1 ∗
d(ϕ ) ω = (ϕ ) ω = i (ϕ ) ω = (ϕ−1 ◦ i)∗ ω,
ϕ(U ) ∂ϕ(U ) ϕ(∂U ) ϕ(∂U )

pois (ϕ−1 )∗ ω ∈ Ωn−1


c (ϕ(U )) restrita ao bordo ∂ϕ(U ), pode ser pensada como o pullback
−1 ∗
de (ϕ ) ω pela inclusão i : ϕ(∂U ) → ϕ(U ).

i ϕ−1
ϕ(∂U ) −→ ϕ(U ) −→ U
5. O teorema de Stokes 69

Por fim, observe que a composição (ϕ−1 ◦ i) é de fato a inversa da restrição de ϕ ao bordo
∂U pois, mais uma vez, ϕ−1 é um difeomorfismo que leva pontos de bordo de Hn em
pontos de bordo de U . Logo, temos que
Z Z Z
(ϕ −1 ∗
◦ i) ω = (ϕ|−1 ∗
∂U ) ω = ω.
ϕ(∂U ) ϕ|∂U (∂U ) ∂U

Em suma, ao provar o teorema para as formas cujo suporte está contido no domı́nio de
uma carta, mostramos que o teorema de fato depende da mesma propriedade, mas para
abertos de Hn . Mostremos então que vale
Z Z
ω= dω.
∂Hn Hn

A vantagem desta observação, consiste em levar o problema para Hn e provar o resultado


com coordenadas globais. Seja ω ∈ Ωcn−1 (Hn ). Como {dx1 ∧ · · · ∧ dx
c i ∧ · · · ∧ dxn }n é
i=1
n
uma base global para as n − 1 formas em H , temos que
n
X
ω= fi · dx1 ∧ · · · ∧ dx
c i ∧ · · · ∧ dxn ,
i=1

onde cada fi : Hn → R é uma função diferenciável. A notação dx c i significa que no


produto, não estamos considerando o dxi . Ao calcular a diferencial
n
X
dω = dfi ∧ dx1 ∧ · · · ∧ dx
c i ∧ · · · ∧ dxn
i=1
n X n 
X ∂fi
= dxj ∧ dx1 ∧ · · · ∧ dx
c i ∧ · · · ∧ dxn
i=1 j=1
∂x j
n n
X X  ∂fi 
= dxj ∧ dx1 ∧ · · · ∧ dx
c i ∧ · · · ∧ dxn
i=1 j=1
∂x j
n
X ∂fi
= (−1)i−1 · dx1 ∧ · · · ∧ dxi ∧ · · · ∧ dxn ,
i=1
∂xi

note que muitos dxj vão anular o produto correspondente, e só permanece os ı́ndices
j = i. Já o sinal (−1)i−1 significa que trocamos de posição o dxi em cada i para poder
escrever dx1 ∧ · · · ∧ dxn . Ao integrar esta expressão, estamos, de fato, com uma integral
de Riemann em Rn
Z n Z
X
i−1 ∂fi
dω = (−1) dx1 · · · dxn .
Hn i=1 Hn ∂xi
70 5. O teorema de Stokes

Vejamos o que acontece se n = 2. A orientação natural de H2 é a induzida de R2 , logo


é dada por dx ∧ dy e a orientação da fronteira é dada por i−∂/∂y (dx ∧ dy) = dx (Exemplo
4.31). Se ω é uma 1-forma em H2 , então é dada por

ω = f (x, y)dx + g(x, y)dy,

para funções f e g diferenciáveis com suporte compacto contido em H2 . Como ambas f


e g estão suportadas em um compacto, existe um número real a > 0 grande o suficiente
para que o quadrado [−a, a] × [0, a] contenha o suporte de f e o suporte de g. Neste caso,
 
∂g ∂f
dω = − dx ∧ dy
∂x ∂y

e portanto
Z Z Z
∂g ∂f
dω = dxdy − dxdy
H2 H2 ∂x H2 ∂y
Z ∞Z ∞  Z ∞ Z ∞ 
∂g ∂f
= dx dy − dy dx
0 −∞ ∂x −∞ 0 ∂y
Z aZ a  Z a Z a 
∂g ∂f
= dx dy − dy dx,
0 −a ∂x −a 0 ∂y

Usando o teorema fundamental do cálculo e o fato de que ambas f e g estão suportadas


dentro de dentro de [−a, a] × [0, a], temos que
Z a Z a
∂g ∂f
(x, y) dx = 0 e (x, y) dy = −f (x, 0).
−a ∂x 0 ∂y

E portanto obtemos Z Z a
dω = f (x, 0)dx.
H2 −a

Mas o lado direito desta expressão é justamente a restrição de ω ao bordo ∂H2 , uma vez
que ω = f (x, 0)dx quando y = 0. Segue então que
Z a Z
f (x, 0)dx = ω
−a ∂H2

e o resultado está provado para n = 2.

Qn

supp Hn

Figura 5.1: Suporte de ω contido em Qn


5. O teorema de Stokes 71

Similarmente acontece com o caso n ≥ 2. Dado que o suporte de cada fi é compacto,


existe um cubo suficientemente grande Qn ⊂ Hn que contém o suporte de cada fi , em
particular os suportes de cada ∂fi /∂xi . E como estamos integrando ∂fi /∂xi em relação a
xi , basta aplicar novamente o teorema fundamental do cálculo. Temos então que
Z n Z
X
i−1 ∂fi
dω = (−1) dx1 · · · dxn
Hn i=1 Qn ∂xi
n Z Z a 
X
i−1 ∂fi
= (−1) dxi dx1 · · · dxi−1 dxi+1 · · · dxn
i=1 Qn−1 −a ∂xi

com cada parcela dentro do parênteses sendo


Z a
∂fi
dxi = fi (x1 , . . . , xi−1 , a, xi+1 , . . . , xn ) − fi (x1 , . . . , xi−1 , −a, xi+1 , . . . , xn ). (5.1)
−a ∂xi

Como o suporte de cada fi está em Qn = [−a, a] × · · · × [0, a], a expressão (5.1) se anula
para i < n. E para i = n, ela só não se anula quando xn = 0, ou seja,
Z a
∂fn
dxn = fn (x1 , . . . , a) − fn (x1 , . . . , xn−1 , 0) = −fn (x1 , . . . , xn−1 , 0).
−a ∂xn

Assim obtemos que


Z Z
n
dω = (−1) fn (x1 , . . . , xn−1 , 0) dx1 · · · dxn−1 .
Hn Qn−1

Mas fn (x1 , . . . , xn−1 , 0) está identificada justamente com a restrição de ω ao bordo ∂Hn ,
pois em
Xn
ω= fi · dx1 ∧ · · · ∧ dx
c i ∧ · · · ∧ dxn
i=1

todas as parcelas que tem dxn se anulam quando restritas ao bordo. Ou seja,
Z Z
n n
(−1) fn (x1 , . . . , xn−1 , 0) dx1 · · · dxn−1 = (−1) ω.
Qn−1 ∂Hn

Nesta integral, estamos considerando a orientação no bordo ∂Hn como sendo a orientação
induzida por dx1 ∧ · · · ∧ dxn . Mas vimos no exemplo 4.30, que no bordo a orientação não
coincide com a usual. Que por sua vez é dada por (−1)n dx1 ∧ · · · ∧ dxn . Considerando
esta orientação na integral acima, segue que
Z Z
dω = ω.
Hn ∂Hn

Concluindo assim a demonstração do teorema de Stokes para variedades. 


72 5. O teorema de Stokes

Corolário 5.3. Se M é uma variedade orientada (sem bordo) e ω é uma (n − 1)-forma


com suporte compacto em M , então
Z
dω = 0.
M

Observação 5.4. O teorema de Stokes nos diz como tratar de (n − 1)-formas em M n , e


não de k-formas em geral. Acontece que podemos integrar apenas formas diferenciais cujo
grau é o mesmo que o da variedade. Porém, as variedades possuem subvariedades. Mesmo
que o texto não tenha abordado esta ramificação, podemos dizer o que acontece neste caso.
Uma curva no plano é um exemplo de subvariedade que por sua vez é unidimensional,
podemos então integrar 1-formas nesta curva. O mesmo acontece com subvariedades de
dimensão k.

Em particular, o teorema de Stokes se torna o teorema fundamental do cálculo quando


M = [a, b]. Pois se f é uma função diferenciável em [a, b], df é uma 1-forma em [a, b] e
agora podemos integrar. O teorema de Stokes nos diz então que
Z Z
df = f = f (b) − f (a).
[a,b] ∂[a,b]

Similarmente acontece com a integração por partes. Se ω = u · v é o produto de duas


funções diferenciáveis definidas em [a, b], então

d
dω = (u · v) (definição da diferencial)
dx
d d
= (u) · v + u · (v) (regra do produto)
dx dx
= du · v + u · dv. (definição da diferencial)

E pelo teorema de Stokes


Z Z Z b
dω = du · v + u · dv = u·v =u·v .
[a,b] [a,b] ∂[a,b] a

Esta equação nos dá a fórmula da integração por partes


Z b b Z b
u · dv = u · v − v · du.
a a a

Agora consideramos outros dois teoremas de fundamental importância no cálculo veto-


rial, que segue também como consequência do teorema de Stokes. São estes o teorema
fundamental para integrais de linha e o teorema de Green no plano. Resultados clássicos
da análise como o teorema de Gauss e Stokes podem ser encontrados em [3].
5. O teorema de Stokes 73

Teorema 5.5. Seja C uma curva em R3 , parametrizada por r(t) = (x(t), y(t), z(t)) para
a ≤ t ≤ b e seja F = (P, Q, R) um campo vetorial em R3 . Se F = ∇f para alguma função
escalar f : R3 → R, então
Z Z b
F · dr = F (r(t)) · r0 (t) dt = f (r(b)) − f (r(a))
C a

Demonstração. Aqui tomamos a variedade M como sendo a curva C parametrizada por


r(t), e ω como sendo a função f restrita na curva C. Temos então que

∂f ∂f ∂f
dω = · dx + · dy + · dz = F (r(t)) · r0 (t).
∂x ∂y ∂z

Como ∂C = {r(a), r(b)}, a integral de ω sobre ∂C se resume em


Z
ω = f (r(b)) − f (r(a)).
∂C

Pelo teorema de Stokes, concluı́mos que


Z Z Z
F · dr = dω = ω = f (r(b)) − f (r(a)).
C C ∂C

Teorema 5.6. Se D é uma região plana com fronteira ∂D onde P (x, y) e Q(x, y) são
funções reais diferenciáveis em D, então
Z ZZ  
∂Q ∂P
P dx + Q dy = − dxdy.
∂D D dx ∂y

Demonstração. Tomamos a variedade M neste caso como sendo a região D com bordo
∂D e ω como sendo a 1-forma P · dx + Q · dy em D. Mas observe que
 
∂P ∂Q ∂Q ∂P
dω = · dy ∧ dx + · dx ∧ dy = − · dx ∧ dy.
∂y ∂x dx ∂y

Aplicando o teorema de Stokes, nestas condições, segue o teorema de Green no plano. 


75

Apêndice A

Partições da Unidade

As partições da unidade serão utilizadas no texto para podermos definir a integral de


uma forma diferencial sobre uma variedade. Seu papel consiste em globalizar funções
e também localizar estas. Introduzimos as funções “bump” para entender o papel de
tais partições. Mostraremos a existência de uma partição da unidade para variedades
compactas e apenas enunciaremos o caso geral, que consiste em um equivalência com a
propriedade de uma variedade ser Hausdorff com base enumerável, conforme [11].

A.1 Funções “bump”


Dado um ponto p na variedade M , queremos trabalhar com funções não negativas definidas
em toda M , que sejam identicamente a função 1 em alguma vizinhança de p e estejam
devidamente suportadas ao redor de p, como formaliza a seguinte definição.

Definição A.1. Dado um ponto p em uma variedade M , por uma função “bump” em p
suportada em U estaremos considerando qualquer função não negativa ρ : M → R que
seja identicamente 1 em alguma vizinhança de p e tenha supp(ρ) ⊂ U .

A definição não pede que tais funções “bump” sejam diferenciáveis, pois na verdade
existem classes destas que não necessariamente são diferenciáveis. Por exemplo, a extensão
nula da função caracterı́stica χI de um intervalo I = (a, b) da reta é uma função “bump”
em qualquer p ∈ I, pois χI é identicamente 1 em uma vizinhança de p e seu suporte está
contido em (a − ε, b + ε) para todo ε > 0. Entretanto, esta função não é contı́nua. A
Figura A.1 abaixo descreve uma função “bump”em 0 ∈ R que seja contı́nua.

0
a b

Figura A.1: Gráfico de uma função bump em 0 contı́nua.


76 A. Partições da Unidade

Queremos que tais funções “bump” sejam diferenciáveis. Poderı́amos considerar o


processo de convolução da função χI para gerar funções teste, mas optamos por uma via
mais simples. O primeiro passo para construirmos uma fórmula que esteja de acordo com
estas propriedades, é criar uma versão diferenciável de uma função escada. Para isto,
considere a função real 
e− 1t se t > 0
f (t) =
0 se t ≤ 0

Figura A.2: Gráfico da função f

que é diferenciável em R (Exemplo B.23). Se dividirmos a função f por uma função


positiva µ, o quociente f (t)/µ(t) ainda será nulo para t ≤ 0. Se a função µ coincide com
a função f para t ≥ 1, o quociente f (t)/µ(t) é constante igual à 1 para t ≥ 1. Portanto,
para construir µ basta somar à f alguma função não negativa que se anule para t ≥ 1. E
tal candidata é precisamente a função f (1 − t). Tomamos então µ(t) = f (t) + f (1 − t) e
definimos

f (t)
g(t) = .
f (t) + f (1 − t)

Figura A.3: Gráfico da função g

Note que o denominador desta função nunca se anula, pois para t > 0 temos que
f (t) > 0 e portanto f (t) + f (1 − t) ≥ f (t) > 0. Para t ≤ 0 temos que f (1 − t) é positiva e
f (t) é nula, logo f (t)+f (1−t) > 0. Como querı́amos, g é uma função escada diferenciável
A.1. Funções “bump” 77

com as propriedades desejadas, ou seja, 0 ≤ g(t) ≤ 1 para todo t, g(t) = 1 para t ≥ 1 e


g(t) = 0 para t ≤ 0. Considere dois números reais positivos a < b. Fazemos uma mudança
de variáveis para levar [a2 , b2 ] em [0, 1], dada por

t − a2
t 7→ .
b 2 − a2

Desta forma, se definirmos h : R → [0, 1] por

t − a2
 
h(t) = g 2
b − a2

então h será uma função escada diferenciável tal que h(t) = 0 para t ≤ a2 e h(t) = 1 para
t ≥ b2 . Se considerarmos t2 ao invés de t, o gráfico da função h(t2 ) se torna simétrico em
relação à reta t = 0. E finalmente, se considerarmos ρ : R → [0, 1] a função dada por

ρ(t) = 1 − h(t2 )

teremos que ρ é uma bump-fuction em 0 ∈ R suportada por [−b, b]. Para construir uma
função “bump” em qualquer ponto p em R, basta tomar a função ρ(t − p).

Figura A.4: Gráfico da função ρ com a = 1 e b = 1.5

Similarmente, podemos construir uma função “bump” em 0 ∈ Rn que seja constante


igual à 1 na bola fechada B[0, a] com suporte em B[0, b] definindo ρ : Rn → [0, 1] por

kxk2 − a2
 
ρ(x) = ρ(kxk) = 1 − g .
b 2 − a2

Para construir uma função “bump” em p ∈ Rn basta tomar a função ρ(x − p). Observe
que ρ é diferenciável em Rn pois é uma composição de funções diferenciáveis.
Para construir uma função “bump” em um ponto p de uma variedade M n que tenha
suporte em uma vizinhança V de p, considere uma carta (ϕ, U ) sobre p tal que V ⊂ U .
Como temos as funções “bump” em Rn , primeiro descemos com a carta para ϕ(U ) ⊂ Rn ,
pegamos uma função “bump” em ϕ(p) e subimos para a variedade com esta função.
78 A. Partições da Unidade

Precisamente, consideramos r = d(ϕ(p), ∂ϕ(V )) a distância de ϕ(p) ao bordo de ϕ(V ).


Tomamos duas bolas fechadas B[ϕ(p), a] e B[ϕ(p), b] concêntricas com a < b < r e
escolhemos a função “bump” ρ(x − ϕ(p)) em ϕ(p) que é identicamente 1 em B[ϕ(p), a]
suportada em B[ϕ(p), b]. A composição ρe = ρ ◦ ϕ : U → R é identicamente 1 em
ϕ−1 (B[ϕ(p), a]) e possui suporte contido em ϕ−1 (B[ϕ(p), b]) ⊂ V . Considerando sua
extensão nula em M , obtemos uma função “bump” em p ∈ M suportada em V .

Proposição A.2. Seja f : U ⊂ M → R uma função diferenciável e p um ponto em U .


Então existe uma extensão global diferenciável

fe : M → R

que coincide com a função f em alguma vizinhança de p possivelmente contida em U .

Demonstração. De fato, tome uma função “bump” ρ : M → R em p suportada em U .


Observe que ρ é identicamente 1 em alguma vizinhança V de p. Defina

ρ(q)f (q) se q ∈ U
fe(q) = .
0 se q ∈
/U

Como produto de duas funções diferenciáveis em U , fe é diferenciável em U . Se q ∈ / U,


então q ∈ supp(ρ). Logo existe uma vizinhança de q onde fe é identicamente nula, uma vez
que supp(ρ) é fechado. Segue que fe também é diferenciável fora U e portanto diferenciável
em toda M . Como ρ é constante igual à 1 em V , fe coincide com f em V . 

A ideia principal da proposição anterior, é que antes tı́nhamos uma função definida
apenas em um aberto. As funções “bump” nos permitiram estender a função para toda
a variedade. Agora, suponha que tenhamos uma coleção finita desta funções {ρi } com
P
0 ≤ ρi (x) ≤ 1 para todo x em M cuja soma ρi ≡ 1. Então para a extensão fe acima
vale que
X  X 
fe = 1fe = ρi fe = ρi fe .

Agora as funções ρi fe vão se anular fora de supp(ρi ), ou seja, são funções definidas local-
mente. Suponha também que tenhamos uma coleção de funções {fi } definidas em certos
abertos onde está contido supp(ρi ). Se considerarmos então a função
X 
ρ i fi

vamos ter uma função globalmente definida mas que depende de cada fi em cada aberto.
Isto sugere que não precisamos apenas de uma função “bump”, mas uma coleção destas
cuja soma seja identicamente 1. Em geral, não tem-se uma coleção de funções “bump”
P
finita, o que tornaria a soma ρα sem sentido. Agora pense que estas ρα são todas nulas,
A.2. Existência de uma Partição da Unidade 79

salvo para finitos ı́ndices α em cada ponto. Então a soma faz sentido, e esta é a condição
que vamos precisar para definir uma partição da unidade.

Definição A.3. Uma coleção {Uα }α∈A de subconjuntos de um espaço topológico X se


diz localmente finita quando todo x ∈ X possui uma vizinhança W tal que W ∩ Uα 6= ∅
apenas para uma quantidade finita de ı́ndices α.

Definição A.4. Uma partição da unidade em M é uma coleção de funções não-negativas


{ρα : X → R}α∈A tais que {supp(ρα )}α∈A é localmente finita em M e
X
ρα ≡ 1
α∈A

Seja {Uα }α∈A uma cobertura aberta para o espaço M . Dizemos que uma partição da
unidade {ρα : M → R}α∈A está subordinada à cobertura {Uα }α∈A se para cada ı́ndice α
tivermos que supp(ρα ) ⊂ Uα .
P
Observação A.5. Note que para a soma ρα ter sentido, não precisamos que a cobertura
seja localmente finita, mas sim, a coleção dos respectivos suportes. Pois assim, cada ponto
p em M possui uma vizinhança que interseca supp(ρα ) apenas para finitos ı́ndices α, o
que significa que ρα (p) 6= 0 apenas para finitos ı́ndices α. Portanto, em cada ponto a
P
soma ρα é finita.
Observação A.6. Suponha que {fα }α∈A seja uma coleção de funções diferenciáveis em
M tal que a coleção dos suportes {supp(fα )}α∈A seja localmente finita. Pela observação
P
acima, a soma fα é de fato uma soma finita em cada ponto. Isto mostra que a função
P
f = fα está bem definida e é uma função diferenciável em M .

A.2 Existência de uma Partição da Unidade


Por simplicidade, demonstramos o resultado apenas para o caso onde M é um espaço
compacto. O caso geral é demasiado técnico e será apenas enunciado. Começamos com
um lema e partimos para a demonstração do caso compacto.

Lema A.7. Se ρ1 , . . . , ρm são funções reais em M , então


m
X  [m
supp ρi ⊂ supp(ρi ).
i=1 i=1

Teorema A.8. Considere M uma variedade compacta e {Uα }α∈A uma cobertura aberta
para M . Então existe uma partição da unidade {ρα }α∈A subordinada à cobertura {Uα }α∈A .

Demonstração. Para cada ponto x em M , seja Uα tal que x ∈ Uα e tome uma função
“bump” diferenciável ρx em x suportada em Uα . Como ρx (x) > 0, existe uma vizinhança
80 A. Partições da Unidade

Wx ⊂ Wx ⊂ Uα tal que ρx é estritamente positiva em Wx . Tome a cobertura aberta


{Wx }x∈M de M . Como M é compacto, existe uma subcobertura finita {W1 , . . . , Wm }.
Sejam ρ1 , . . . , ρm as funções “bump” correspondentes para W1 , . . . , Wm . Ou seja, ρi ≥ 0
em Wi com ρi estritamente positiva para algum subconjunto aberto Vi de Wi . Então a
função
Xm
ρi
i=1

é positiva para cada x em M , pois x está em Wi para algum i = 1, . . . , m. Se definirmos

ρi
ρei = P
ρi
P P
teremos que ρei ≡ 1. Como a soma ρi é positiva, ρei (x) 6= 0 se, e somente se, ρi (x) 6= 0.
Logo, supp(ρei ) = supp(ρi ) ⊂ Uα para algum ı́ndice α. Isto apenas mostra que {ρei } é uma
partição da unidade tal que para todo i, supp(ρei ) = supp(ρi ) ⊂ Uα para algum ı́ndice α.
Mas esta partição não nos serve. Precisamos tornar o ı́ndice da partição o mesmo que o
da cobertura.
Para cada ı́ndice i = 1, . . . , m escolha um ı́ndice α(i) ∈ A de tal forma que Vi ⊂ Uα(i) .
Sendo assim, defina para cada α ∈ A
X
ρα = ρei .
α(i)=α

Pegamos todos os i’s que vão em α e somo as respectivas ρei . Note que esta função é
diferenciável, é uma soma finita, é não negativa com supp(ρα ) ⊂ Uα . Se não houver i tal
que α(i) = α, a soma é vazia e definimos ρα ≡ 0. Por construção, temos então que

X X X  m
X
ρα = ρei = ρei ≡ 1
α∈A α∈A α(i)=α i=1

pois para cada i temos um α. E pelo lema anterior,


[
supp(ρα ) ⊂ supp(ρei ) ⊂ Uα
α(i)=α

pois cada supp(ρei ) ⊂ Vi ⊂ Uα . Portanto, {ρα }α∈A é uma partição da unidade diferenciável
em M subordinada à {Uα }α∈A . 

Teorema A.9. Seja M uma variedade topológica e W uma cobertura aberta para M .
Então existe um refinamento localmente finito U de W e uma partição da unidade contı́nua
subordinada à U. Se M é uma variedade diferenciável, a partição da unidade pode ser
tomada C ∞ .
81

Apêndice B

Definições prévias

Neste apêndice organizamos as definições que, direta ou indiretamente, fazem parte do


escopo do trabalho. São definidos conceitos do cálculo multivariável, da topologia e da
álgebra. Alguns cálculos serão feitos e devidas observações contempladas. Para exemplos
e aplicações é recomendado ver [6] e [1].

B.1 Topologia
Os espaços topológicos são a menor estrutura que podemos falar de funções contı́nuas.
Nesta seção trabalharemos alguns conceitos de topologia, preparando uma base para o
terreno das variedades diferenciáveis.

Definição B.1. Seja X um conjunto não-vazio. Uma coleção Γ de subconjunto de X é


dita ser uma topologia em X se tivermos que:

1. X e ∅ estão em Γ.

2. A união arbitrária de elementos de Γ está em Γ.

3. A interseção finita de elementos de Γ está em Γ.

Nestas condições, o par (X, Γ) é chamado de espaço topológico e os elementos de Γ são


chamados de abertos de X. Dado x em X, por vizinhança de x entendemos ser qualquer
aberto U ⊂ X contendo x.

Definição B.2. Uma base para uma topologia Γ em um espaço X é uma subcoleção
B ⊂ Γ que satisfaz:

1. Para todo x ∈ X, existe B ∈ B tal que x ∈ B.

2. Se B1 , B2 ∈ B e x ∈ B1 ∩ B2 , então existe B3 ∈ B tal que x ∈ B3 ⊂ B1 ∩ B2 .

Observe que cada elemento da base B é um elemento da topologia Γ. Se uma coleção


B de subconjuntos de X satisfaz (i) e (ii), definimos a topologia Γ gerada por B como
82 B. Definições prévias

segue. Dizemos que U ⊂ X é aberto em X se para cada x ∈ U existe B ∈ B tal que


x ∈ B ⊂ U.

Definição B.3. Uma sub-base G para uma topologia Γ em X é uma coleção de subcon-
juntos de X cuja união é igual à Γ. A topologia gerada pela sub-base G é definida como
sendo a coleção Γ de todas as uniões arbitrárias e interseções finitas de elementos de G.

Dados (X1 , Γ1 ) e (X2 , Γ2 ) dois espaços topológicos, definimos a topologia produto em


X1 × X2 como sendo a coleção que possui como base o conjunto

B = U × V : U ∈ Γ1 e V ⊂ Γ2 . (B.1)

Para mostrar que B é de fato uma base para X1 × X2 , observe que a primeira condição
para ser base é imediata, uma vez que X × Y ∈ B. A interseção de dois elementos de B
ainda está em B pois

(U1 × V1 ) ∩ (U2 × V2 ) = (U1 ∩ U2 ) × (V1 ∩ V2 ) (B.2)

e a segunda condição segue. Note que esta coleção não é um topologia, pois em geral, a
união de dois elementos de B nem sempre está em B.

Teorema B.4. Se B1 é uma base para a topologia de X1 e B2 é uma base para a topologia
de X2 , então
B = {B1 × B2 : B1 ∈ B1 e B2 ∈ B2 } (B.3)

é uma base para a topologia produto de X1 × X2 .

Podemos expressar a topologia produto em termos de uma sub-base. Para isso, toma-
mos as projeções π1 : X1 × X2 → X1 e π2 : X1 × X2 → X2 . Se U é um aberto de X1 ,
então π1−1 (U ) = U × X2 é um aberto em X1 × X2 . Similarmente, se V é um aberto em
X2 , π2−1 (V ) = X1 × V é um aberto em X1 × X2 . Logo, π1−1 (U ) ∩ π2−1 (V ) = U × V .

Teorema B.5. A coleção

G = {π1−1 (U ) : U é aberto em X1 } ∪ {π2−1 (V ) : V é aberto em X2 } (B.4)

é uma sub-base para a topologia produto em X.

Definição B.6. Seja (X, Γ) um espaço topológico e S um subconjunto de X. A coleção


ΓS = {U ∩ S : U ∈ Γ} é uma topologia em S chamada topologia subespaço. Munido com
esta topologia, S é chamado de subespaço de X.

Definição B.7. Um subconjunto F de um espaço topológico X é dito ser um conjunto


fechado, se seu complementar X − F é um aberto da topologia Γ.
B.1. Topologia 83

Proposição B.8. Seja X um espaço topológico. Então temos as seguintes propriedades


acerca dos fechados.

1. X e ∅ são conjuntos fechados.

2. A interseção arbitrária de conjuntos fechados é um conjunto fechado.

3. A união finita de conjuntos fechados é um conjunto fechado.

Definição B.9. Dado um subconjunto A ⊂ X de um espaço topológico (X, Γ), definimos


o interior A◦ de A como sendo a união de todos os abertos de X contidos em A, isto é,
[
A◦ = U com U ⊂ A. (B.5)
U ∈Γ

Definição B.10. Se A é um subconjunto de um espaço topológico X, definimos o fecho


de A, denotado por A, como sendo
\
A= F (B.6)
F ⊂X

a interseção de todos os conjuntos fechados de X tais que F ⊂ A.

Teorema B.11. Considere A um subconjunto de um espaço topológico X. Então x ∈ A


se, e somente se, a interseção de toda vizinhança de x com o conjunto A é não vazia.

Definição B.12. Seja X um espaço topológico e A ⊂ X um subconjunto qualquer.


Dizemos que x ∈ A é um ponto de acumulação de A se x está no fecho de A − {x}, ou
seja, se toda vizinhança de x intersecta A em pontos que não sejam o próprio X.

Definição B.13. Uma aplicação f : X → Y entre dois espaços topológicos é dita ser
contı́nua se f −1 (V ) é um aberto em X para todo aberto V em Y .

Dito isso, observamos que a continuidade de uma função não depende apenas da
função, mas também das topologias no domı́nio e contradomı́nio.

Definição B.14. Uma função bijetiva e contı́nua f : X → Y entre espaços topológicos


que possui inversa f −1 : Y → X contı́nua é chamada de homeomorfismo.

Pedir que a inversa de f seja contı́nua, por definição, é pedir que para cada aberto de
U de X, a imagem inversa de U pela inversa f −1 seja aberta em Y . Mas pré-imagem de U
por f −1 é justamente a imagem de U por f . Outra maneira de definir um homeomorfismo
seria considerar uma bijeção f : X → Y tal que a imagem f (U ) é um aberto em Y para
todo aberto U em X. Além disso, um homeomorfismo nos dá uma bijeção não apenas entre
X e Y , mas entre a coleção de abertos destes. Como consequência, qualquer propriedade
de X que é expressada em termos da topologia de X vale também, via homeomorfismo,
para o espaço Y .
84 B. Definições prévias

Definição B.15. Seja X um espaço topológico. Uma separação em X é um par (U, V )


de abertos de X disjuntos não vazios cuja união é X. O espaço X é dito ser conexo se
não admite uma separação.

Definimos uma relação em X dizendo que dois elementos x, y ∈ X são equivalentes,


denotando por x ∼ y, se existe um subespaço conexo de X contendo x e y. Pode ser
mostrado que de fato esta é uma relação de equivalência em X. As classes desta relação
serão chamadas de componentes conexas de X.

Teorema B.16. As componentes conexas de X são subespaços conexos disjuntos cuja


união é X. Além disso, cada subespaço conexo não vazio de X intersecta apenas uma das
componentes conexas.

Definição B.17. Seja X um espaço topológico e f : X → R. O fecho do conjunto

f −1 (R − {0}) = {p ∈ X : f (p) 6= 0}

é denominado suporte de f e denotado por supp(f ).

Definição B.18. Uma coleção {Uα } de subconjuntos de um espaço topológico X é dita


S
ser uma cobertura para X se X = Uα . A cobertura {Uα } é dita aberta se cada Uα é
aberto em X. Dizemos que X é um espaço compacto se toda cobertura aberta admite
uma subcobertura finita.

Dizemos que uma coleção C de subconjunto de X possui a propriedade da interseção


finita se para cada subcoleção finita {C1 , . . . , Cn } de C tivermos que C1 ∩ · · · Cn 6= ∅.

Teorema B.19. Um espaço topológico X é compacto se, e somente se, toda coleção C de
subconjuntos fechados de X que possui a propriedade da interseção finita satisfaz
\
C 6= ∅. (B.7)
C∈C

Definição B.20. Dizemos que X possui base enumerável em x ∈ X se existe uma coleção
enumerável B de vizinhanças de x, de tal forma que cada vizinhança de x contenha ao
menos um dos elementos de B. Se X possui base enumerável para todo x ∈ X dizemos
simplesmente que X possui base enumerável.

Definição B.21. Se quaisquer dois pontos distintos de X possuem vizinhanças distintas,


dizemos que X é um espaço Hausdorff. Suponha que conjuntos unitários sejam fechados
em X. O espaço X é dito regular se para cada ponto x ∈ X e cada fechado F ⊂ X que
não contenha x, existem abertos disjuntos contendo x e F , respectivamente. O espaço X
é dito ser normal se para cada par de fechados disjuntos, existem abertos disjuntos que
os contém.
B.2. Análise 85

B.2 Análise
Nos cabe explicitar algumas condições sobre as quais estaremos trabalhando durante o
texto. A parte boa de se trabalhar com Rn está no fato de que as coordenadas globais nos
permitem fazer cálculos sem muitas complicações. Porém, quando se trata de conceitos
intrı́nsecos como vetores tangentes, campos vetoriais, não é tão obvio dizer quando estes
conceitos podem ser definidos sem o uso de coordenadas. A princı́pio, as variedades em
geral não estão “dentro”de Rn . Junto com o fato de não possuir coordenadas globais,
temos o suficiente para notar que não podemos integrar neste ambiente, pois a integral
(Riemann) depende das coordenadas para ser definida. No cálculo isto acontece, graças
à globalidade de Rn que permite uma identificar as n-formas com funções em Rn . Dito
isso, damos a definição principal do texto.

Definição B.22. Seja k um inteiro positivo e U ⊂ Rm um aberto. Dizemos que uma


função real f : U → R é de classe C k em p ∈ U se as derivadas parciais

∂j f
(B.8)
∂xi1 · · · ∂xij

de todas as ordens (j ≤ k) existem e são contı́nuas em p. Funções de classe C 0 em p


são simplesmente uma função contı́nuas em p. Uma função vetorial f : U → Rn é dita
ser de classe C k em p se todas as funções componentes f1 , . . . , fn são C k em p. Dizemos
que f : U → Rm é de classe C k em U se é C k para cada ponto de U . Se a função f é
de classe C k para todo k ≥ 0, dizemos que f é de classe C ∞ . Os termos função suave ou
função diferenciável serão sinônimos para as funções C ∞ .

Exemplo B.23. Em R, as funções polinomiais, seno, cosseno e ax para a 6= 0 são exemplos


de funções suaves. Um exemplo de particular importância é dado pela função

e−1/x se x > 0
f (x) =
0 se x ≤ 0

que é suave para valores de x positivos e negativos. Resta-nos mostrar que em x = 0 esta
função é C ∞ . Para x < 0 temos que f (k) = 0. Para x > 0 observamos o padrão

1
f 0 (x) = e−1/x ·
x2
 
00 −1/x 1 2
f (x) = e · −
x 4 x3
  (B.9)
000 −1/x 1 6 6
f (x) = e · − +
x 6 x5 x4
..
.

que nos permite mostrar por indução sobre k, para x > 0, que f (k) (x) = f (x) · P2k (1/x)
86 B. Definições prévias

para algum polinômio de grau 2k na variável 1/x. O próximo resultado, cuja demonstração
pode ser encontrada em [10] na página 200, nos diz como encontrar o valor da derivada
neste caso.

Teorema B.24. Suponha que f seja contı́nua em x = a e que f 0 (x) exista para todo x
em alguma vizinhança de a. Suponha também que o limite

lim f 0 (x) (B.10)


x→a

exista. Então f 0 (a) existe e f 0 (a) = limx→a f 0 (x).

A função f definida acima é contı́nua em a = 0 e f 0 (x) existe para toda ponto em


alguma vizinhança da origem. Para aplicar este resultado para a = 0, falta verificar que

lim f (k) (x) (B.11)


x→0

existe. Observe que quando x → 0− este limite é zero. Quando x → 0+ temos que
1/x → +∞. Com uma mudança de variáveis escrevemos

lim f (k) (x) = lim e−x · P2k (x) (B.12)


x→0 x→+∞

e observamos que para qualquer polinômio P (x) o limite

lim e−x · P (x) = 0. (B.13)


x→+∞

Em particular, mostramos que o limite (B.8) existe e é zero para todo k ≥ 0. Em a = 0,


temos que f (k) (0) = 0, concluindo assim que f é uma função suave em R.

Existe uma versão do teorema de Taylor com resto que será utilizada para demonstrar
o isomorfismo entre os vetores tangentes e as derivações em p de Rn . Dizemos que um
conjunto S possui formato estrela em relação a um ponto p ∈ Rn se para todo ponto
x ∈ S, o segmento px está contido em S. Em particular as bolas em Rn são exemplos de
conjuntos com formato estrela em relação ao centro. A prova do seguinte teorema pode
ser encontrada em [1] nas páginas 6-7.

Teorema B.25. Seja f : U → R uma função diferenciável em um subconjunto U de


Rn com formato estrela em relação à p = (p1 , . . . , pn ) ∈ U . Então existem funções
g1 (x), . . . , gn (x) ∈ F(U ) tais que
n
X
f (x) = f (p) + (xi − pi )gi (x) (B.14)
i=1

com cada gi (p) = ∂f /∂xi (p).


B.2. Análise 87

Observação B.26. Quando n = 1, a equação (B.7) torna-se no polinômio de Taylor de


ordem n centrado em p, cujos primeiro termos coincidem com a expansão da série de
Taylor em p.
Agora lembramos de alguns conceitos que nos permitem integrar em Rn . Um retângulo
em Rn é um produto cartesiano R = [a1 , b1 ]×· · ·×[an , bn ] de intervalos fechados [ai , bi ] ⊂ R
para i = 1, . . . , n. O volume de R é definido como
n
Y
vol(R) := (bi − ai ). (B.15)
i=1

Uma partição do intervalo [a, b] é um conjunto de pontos {a0 , a1 , . . . an } tais que

a = a0 < a1 < · · · < an = b. (B.16)

Uma partição de um retângulo R é uma coleção P = {P1 , · · · , Pn } onde cada Pi é uma


partição de [ai , bi ]. Isto particiona a figura em retângulos menores, que serão denotados
P
por Rj . Observe que vol(R) = vol(Rj ). Se f : R → R é uma função limitada, definimos
a soma inferior e a soma inferior de f relativas à partição P como sendo
X X
s(f, P ) = inf (f ) · vol(Rj ) e S(f, P ) = sup(f ) · vol(Rj ) (B.17)
Rj Rj

onde cada soma percorre os retângulos Rj . Pelas propriedades de ı́nfimo e supremo de


funções, temos que s(f, P ) ≤ S(f, P ) para toda partição P . Se Q é uma partição que
refina P , temos também que

s(f, P ) ≤ s(f, Q) e S(f, P ) ≥ S(f, Q) (B.18)

ou seja, a soma inferior nunca diminui e a soma superior nunca aumenta. Segue que

sup(L(f, P )) ≤ inf S(f, P ) (B.19)


P P

para qualquer partição P . Definimos a integral inferior e a integral superior da função f


no retângulo R, respectivamente, como sendo
Z Z
f = sup L(f, P ) e f = inf S(f, P ). (B.20)
R P R P

Definição B.27. Seja R um retângulo em Rn e f : R → R limitada. A função f é


dita ser Riemann integrável se a integral inferior coincidir com a integral superior, neste
R
caso, denotamos este valor por R f (x) dx1 · · · dxn , onde dx1 · · · dxn é uma notação que
referencia o sistema de coordenadas x1 , . . . , xn usado em Rn .

Observe que o valor da integral sempre vai depender do sistema de coordenadas usado
88 B. Definições prévias

para descrever o retângulo, ou seja, esta definição depende das coordenadas. Agora su-
ponha f : A → R limitada em um conjunto limitado A. Definimos a extensão nula de f ,
como sendo a função 
f (x) se x ∈ A
fe(x) = .
0 se x ∈/A
Como A é um subconjunto limitado em Rn , existe um retângulo R em Rn que contém A.
Definimos então a integral de Riemann de f sobre um conjunto limitado A como sendo
Z Z
f (x) dx1 · · · dxn = fe(x) dx1 · · · dxn (B.21)
A R

se a integral de fe em R existe. Desta forma, o que antes estava definido em um retângulo


agora está definido sobre um conjunto limitado arbitrário.
Existem condições sobre as quais podemos saber se um função definida em um conjunto
aberto é Riemann integrável.

Definição B.28. Um subconjunto A ⊂ Rn possui medida nula se para todo  > 0, existe
P
uma cobertura contável {Rj } de A por retângulos Rj de tal forma que vol(Ri ) < .

Teorema B.29. Uma função limitada f : A → R definida em um subconjunto limitado


A ⊂ Rn que possui bordo topológico ∂A de medida nula é Riemann integrável se, e somente
se, o conjunto dos pontos de descontinuidade da extensão fe possui medida nula.

Corolário B.30. Se uma função contı́nua f : U → R definida em um aberto U ⊂ Rn


possui suporte compacto, então f é Riemann integrável em U .

Teorema B.31. Toda função continua e limitada definida em um domı́nio de integração


A ⊂ Rn é Riemann integrável sobre A.

Teorema B.32. Sejam f : [a, b] → R e F : [a, b] → R funções tais que f 0 (x) = F (x) para
todo x ∈ [a, b]. Se f é integrável em [a, b], então
Z b
f (x)dx = F (b) − F (a).
a
B.3. Álgebra 89

B.3 Álgebra
Começamos com algumas definições técnicas que, por mais que incompletas, nos darão
um norte sobre as propriedades dos espaços considerados. O espaço vetorial V será
considerado sempre com dimensão finita sobre o corpo R. Finalizamos o texto falando de
permutações.

Proposição B.33. Se {e1 , . . . , en } é uma base para um espaço vetorial V , então o con-
junto das funções coordenadas {x1 , . . . , xn } é uma base para V ∗ .

Demonstração. Seja T ∈ V ∗ e v =
P
vi ei um vetor em V . Então
X X
T (v) = vi T (ei ) = xi (v)T (ei ).

xi · T (ei ), ou seja, {x1 , . . . , xn } gera o espaço V ∗ . Mostremos


P
Mas isto significa que T =
então que este conjunto é linearmente independente. Tome uma combinação linear nula
P
ci · xi = 0 onde ci é um número real. Para saber quem é o coeficiente cj , basta aplicar
ambos lados da equação ao elemento ej da base. Temos então que
X X
0= ci xi (ej ) = ci δij = cj .

Logo, o conjunto {x1 , . . . , xn } é linearmente independente em V ∗ e portanto, uma base


para V ∗ chamada base dual à base {e1 , . . . , en }. 

Observação B.34. Como consequência deste resultado, temos que dim(V ) = dim(V ∗ ).
Se B = {e1 , . . . , en } é uma base para V , então cada vetor v ∈ V pode ser escrito
unicamente como uma combinação linear
X
v= xi (v)ei

onde xi : V → R é a função que pega a i-ésima coordenada do vetor v em relação à base


B. Considere a base {α1 , . . . , αn } dual à base B. Então
X  X X
αj (v) = αj xi (v)ei = xi (v)αj (ei ) = xi (v)δij = xj (v).

Isto significa que a base dual à base {e1 , . . . , en } é precisamente o conjunto das funções
coordenadas relativas à base {e1 , . . . , en }.
A seguir definimos os conceitos de álgebra, derivação e R-módulo que, no texto, estão
presentes no estudo dos campos vetoriais e das formas diferenciais.

Definição B.35. Uma álgebra sobre um corpo K é um espaço vetorial A sobre K, munido
com uma multiplicação
A×A→A
90 B. Definições prévias

tal que para cada x, y, z ∈ A e para cada λ ∈ K

(i) (Associatividade) (ab)c = a(bc)

(ii) (Distributividade) (a + b)c = ac + bc e a(b + c) = (ab + ac)

(iii) (Homogeneidade) λ(ab) = (λa)b = a(λb).

Definição B.36. Se A é uma álgebra sobre um corpo de escalares K, uma derivação da


álgebra A é uma função linear
D:A→A

que satisfaz a regra de Leibniz D(a · b) = D(a) · b + a · D(b) para todos os a, b ∈ A.


Denotamos por
Der(A) = {D : A → A : D é derivação }

o conjunto das derivações da álgebra A, que é fechado para a adição e multiplicação escalar
e portanto, um espaço vetorial (em geral com dimensão infinita).

Definição B.37. Se R é um anel comutativo com unidade e A é um grupo comutativo,


um R-módulo à esquerda é um par (A, µ) onde

µ:R×A→A

é uma multiplicação que satisfaz para todos os r, s ∈ R e a, b ∈ A

(i) (rs) · a = r · (sa)

(ii) 1R · a = a

(iii) (r + s) · a = r · a + s · a e r · (a + b) = r · a + r · b.

B.3.1 Permutações
Fixado k ∈ Z+ um inteiro positivo, uma permutação do conjunto A = {1, . . . , k} é uma
bijeção
σ:A→A

ou seja, uma nova ordenação da lista 1, . . . , k de sua ordem natural crescente para
σ(1), . . . , σ(k). Descrevemos uma permutação σ por uma matriz

···

1 2 k
σ(1) σ(2) · · · σ(k)

e denotamos por Sk o conjunto de todas as permutações σ : A → A de k elementos.


Existem tipos particulares de permutações. Dado 1 ≤ j ≤ k, definimos um j-ciclo
B.3. Álgebra 91

σ = (a1 a2 · · · aj ) ∈ Sk como sendo a permutação

σ(a1 ) = a2 , . . . , σ(aj−1 ) = aj e σ(aj ) = a1

que fixa os demais k − j elementos restantes de A.

Exemplo B.38. A permutação (1 3) ∈ S5


 
1 2 3 4 5
(1 3) =
3 2 1 4 5

é um 2-ciclo. A leitura da permutação neste caso é simples: 1 7→ 3 e 3 7→ 1. Em particular,


chamamos os 2-ciclos de transposições.

Dois ciclos (a1 a2 · · · ar ) e (b1 b2 · · · bs ) são ditos disjuntos se os conjuntos


{a1 , a2 , . . . , ar } e {b1 , b2 , . . . , bs } são disjuntos. Naturalmente, definimos o produto σ1 σ2
de duas permutações σ1 , σ2 ∈ Sk como a composição σ1 ◦ σ2 . Ou seja, primeiro aplicamos
σ2 e depois σ1 . Com esta operação, o conjunto Sk se torna um grupo não-comutativo.

Exemplo B.39. Considere as permutações σ1 , σ2 ∈ S3 dadas por


   
1 2 3 1 2 3
σ1 = e σ2 = .
3 2 1 2 1 3

Vamos calcular o produto σ1 σ2 . Por definição, primeiro aplicamos σ2 e depois σ1


     
1 2 3 2 1 3 1 2 3
σ1 (σ2 ) = σ1 = = .
2 1 3 3 2 1 2 3 1

Podemos descrever uma permutação como um produto de ciclos disjuntos da seguinte


forma. Por exemplo, tome a permutação
 
1 2 3 4 5 6
σ= ∈ S6 .
2 4 1 3 6 5

Escolha qualquer elemento em {1, 2, . . . , 6} e aplique σ repetidamente até retornar ao


elemento escolhido. Digamos que o número 1 seja escolhido. Então 1 7→ 2 7→ 4 7→ 3 7→ 1.
Basta repetir o procedimento para os elementos que não foram contemplados, no caso
5 7→ 6 7→ 5. Como todos os elementos foram atingidos, podemos escrever

σ = (5 6)(1 2 4 3).

Com este exemplo, conclui-se que toda permutação pode ser escrita como um produto de
ciclos disjuntos.
92 B. Definições prévias

Dizemos que uma permutação é par (ı́mpar) se esta é um produto com um número par
(ı́mpar) de transposições. Sabendo que uma permutação par não pode ser escrita como
um número ı́mpar de transposições e vice-versa, definimos o sinal de uma permutação
σ ∈ Sk como sendo 
 1 se σ é par
sgn(σ) =
−1 se σ é impar.

Dadas quaisquer duas permutações σ1 , σ2 ∈ Sk , temos então que sgn(σ1 σ2 ) =


sgn(σ1 )sgn(σ2 ). Em ordem de calcular o sinal de um 3-ciclo (1 2 3), por exemplo, podemos
escrever este como um produto das transposições
      
1 2 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3
(1 3)(1 2) = = = = (1 2 3)
3 2 1 2 1 3 3 2 1 2 3 1

(leia da esquerda para a direita: 1 7→ 2 que por sua vez ocupa a posição do próximo 1 7→ 3
e portanto 1 7→ 2 7→ 3). De modo geral, um j-ciclo pode ser escrito como

(a1 a2 · · · aj ) = (a1 aj )(a1 aj−1 ) · · · (a1 a2 ).

Esta maneira de escrever a permutação nos ajuda dizendo que um j-ciclo é par (ı́mpar)
se j é ı́mpar (par). Para computar o sinal de uma permutação qualquer, basta fazer a
decomposição desta em um produto de ciclos e fazer a contagem dos sinais.
Uma segunda maneira de computar o sinal de uma permutação, é feita contando-se
o número de inversões. Uma inversão em σ ∈ Sk é um par ordenado (σ(i), σ(j)) onde
i < j mas σ(i) > σ(j). Para encontrar todas as inversões em uma permutação, é suficiente
escanear a segunda linha da matriz da permutação da esquerda para a direita. As inversões
serão os pares (ai , aj ) tais que ai > aj com ai à esquerda de aj .
Exemplo B.40. Considere duas permutações σ1 , σ2 ∈ S5 dadas por
   
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
σ1 = e σ2 = .
2 4 5 1 3 2 3 4 5 1

As inversões em σ1 são formadas pelos pares (2, 1), (4, 1), (5, 1) ,(4, 3) e (5, 3). E as
inversões em σ2 são formadas pelos pares (2, 1), (3, 1), (4, 1) e (5, 1).
Nosso objetivo agora, é pegar uma permutação qualquer e transformá-la na per-
mutação identidade. Como exemplo, tome a permutação σ1 acima. Para transformar
σ1 na identidade, primeiro precisamos mover o 1 para sua posição inicial, mas para isto
precisamos movê-lo através dos elementos 2, 4 e 5. Se multiplicarmos σ1 à esquerda pelas
transposições (5 1), (4 1) e (2 1) nesta ordem, obtemos
       
1 2 3 4 5 (5 1) 2 4 5 1 3 (4 1) 2 4 1 5 3 (2 1) 2 1 4 5 3
−→ −→ −→ .
2 3 4 5 1 2 4 1 5 3 2 1 4 5 3 1 2 4 5 3
B.3. Álgebra 93

Ou seja, conseguimos mover o 1 para sua casa inicial. O interessante é que, as trans-
posições que multiplicamos correspondem precisamente com as três inversões que termi-
nam com 1. Como o 2 já está em sua casa inicial, refazendo o processo para o 3 obtemos
       
2 1 4 5 3 (5 3) 1 2 4 5 3 (4 3) 1 2 4 3 5 1 2 3 4 5
−→ −→ = = id.
1 2 4 5 3 1 2 4 3 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

Ao descrever todas as composições que fizemos, obtemos o seguinte

(4 3)(5 3)(2 1)(4 1)(5 1)σ1 = id

ou seja, podemos escrever σ1 como um produto das inversões

σ1 = (5 1)(4 1)(2 1)(5 3)(4 3)

A partir deste exemplo e com alguns cálculos, podemos mostrar que uma permutação
pode ser escrita também como um produto de inversões. Para então, concluir que uma
permutação é par (ı́mpar) se, e somente se, possui um número par (ı́mpar) de inversões.
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Referências Bibliográficas

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2011.

[2] SPIVAK, Michael. A Comprehensive Introduction to Differential Geometry.


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[11] (PARTITIONS...) Disponı́vel em: luis.impa.br/aulas/anvar/PartOfUnity LocFinite


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