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ADMINISTRAÇÃO DE

ENTIDADES RELIGIOSAS
CRISTÃS
Uma reflexão inicial
Eduardo Gonçalves Mateus

Introdução
O crescimento do terceiro setor no Brasil teve como propulsão a promoção do
bem-estar social, tentando de alguma forma, suprir a ineficiência do Estado
(primeiro setor) em propiciar os direitos básicos da sociedade, assim como vem
ganhando força também, ao tentar proporcionar oportunidades que no setor
privado (segundo setor) estão cada vez mais escassas, e assim estabelecer
um objetivo social e comunitário.

O presente artigo tem por finalidade tratar de maneira geral a administração de


entidades sem fins lucrativos em especial as entidades religiosas cristãs
protestantes, pentecostais e neo-pentencostais, sendo que, nessas duas
ultimas a maioria não possui nenhum tipo de organização formal de estrutura,
legal ou financeira.
Para desenvolvermos melhor a idéias, é necessária a definição do conceito de
Igreja e deigreja:

• John Davis (1854-1926) em seu dicionário bíblico define a palavra Igreja


como: Tradução do grego ekklesia que nos Estados da Grécia significava a
reunião de cidadãos convocados às assembléias legislativas, ou para outros
fins. Os escritores sagrados empregam essa palavra para designar uma
comunidade que reconhece o Senhor Jesus Cristo como supremo legislador, e
que congregam para adoração religiosa.

• Wikipédia: Igreja pode designar reunião de pessoas, sem estar


necessariamente associada a uma edificação ou a uma doutrina específica.
• O dicionário Aurélio define igreja como: 1. Templo cristão, 2. Autoridade
eclesiástica, 3.A comunidade cristã.

• O mesmo também define instituição como: 1.Ato ou efeito de instituir. 2.A


coisa instituída. 3. Associação ou organização de caráter social, religioso,
filantrópico etc.
Portanto, para nosso artigo usaremos a definição de igreja como
instituição/organização.

Na dedicatória de seu livro Cristianismo e Política, Cavalcanti 2004, cita


Calvino “Não se deve pôr em dúvida que o poder civil é uma vocação, não
somente santa e legítima diante de Deus, mas também mui sacrossanta e
honrosa entre todas as vocações.”.

Assim como qualquer outra, as organizações sem fins lucrativos, devem


proceder conforme as regras e leis vigentes no país, e, embora tenha essa
classificação, necessitou, necessita e sempre necessitará de recursos, sejam
eles financeiros, de infra-estrutura ou humanos. Geralmente os recursos
financeiros de entidades religiosas são doações dos próprios membros,
associados ou simpatizantes. Para cada igreja-instituição essas doações
possuem nomenclaturas diferentes como ofertas, dízimos, premissas etc.

É inegável o crescimento de diversas igrejas-instituição no Brasil, como


também é inegável que o crescimento dos escândalos financeiros dessas
mesmas organizações, tem colocado em jogo a credibilidade e até mesmo sua
principal função: pregar as Boas Novas de Cristo Jesus, papel principal da
Igreja. Tais escândalos resultaram em preocupações sobre os sistemas de
controle internos dessas organizações, portanto, não é estranho o aumentando
do interesse em investigar se estas organizações têm alguma forma de
organização administrativa formal e as mesmas deficiências administrativas
que qualquer outro tipo de organização.

Desenvolvimento
Juridicamente, todas as igrejas-instituição deveriam ser
instituídas/estabelecidas pelos meios legais brasileiros (estatutos sociais,
registros em cartório, abertura de CNPJ, registros nos órgãos competentes).
O CNAE – Código Nacional de Atividades Econômicas define:
91.9 OUTRAS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS
91.91-0 Atividades de organizações religiosas
9191-0/00 Atividades de organizações religiosas
Esta subclasse compreende:
- As atividades de organizações religiosas ou filosóficas
- As atividades de igrejas, mosteiros, conventos ou organizações similares.
- A catequese, a celebração ou organização de cultos.

Nem sempre a má fé, é a causa de deficiências administrativas e financeiras


nas igrejas-instituição, o despreparo e desconhecimento de lideres ou de quem
ocupa cargos administrativos é gritante. Geralmente, e quando há, a diretoria
administrativa é formada por pessoas bem quistas no meio da comunidade, o
que não significa que são as mais preparadas para ocuparem lugares como
representantes legais de uma igreja-instituição. Muitos até nem sabem que a
diretoria administrativa é co-responsável pelos bens tangíveis e intangíveis da
instituição durante o período em que atuaram no cargo.

Alberto Barrientos (1999) em seu livro Trabalho Pastoral, princípios e


alternativas, pg. 244, nos dá dois exemplos interessantes:
“Um pastor era encarregado de uma igreja. Ele pregava bem. Era querido pelos
irmãos. De repente começaram a surgir desconfianças, as ofertas diminuíram,
alguns irmãos saíram da igreja e, finalmente apareceram acusações contra ele.
Ao ser estudado o caso descobriu-se que o pastor fazia praticamente tudo na
igreja. As ofertas eram recolhidas publicamente, mas dali em diante não se
sabia qual o total arrecadado, nom o que se fazia com ele, pois não havia
controle adequado.”

“Em outro caso, surgiram problemas entre diversos irmãos e o pastor. Este
mudava constantemente as pessoas do cargo de liderança da igreja, pois dizia
que não cumpriam sua tarefa. Isto criou fortes ressentimentos contra ele e uma
resistência da parte dos outros irmãos a aceitar cargos. Ao ser estudada a
situação, descobriu-se que os irmãos “que não cumpriam as tarefas”
argumentavam que eles eram nomeados e recebiam um cargo, mas não
sabiam em que consistiam, quais eram seus deveres, e não recebiam
nenhuma instrução para desempenhá-los adequadamente”.

Podemos observar que somente a disponibilidade e boa vontade não são os


principais requisitos para se ocupar qualquer cargo/função dentro da igreja-
instituição. É necessária a profissionalização de cargos administrativos.

Estatuto e a instituição do modelo de decisão


Toda igreja-instituição deve ter um CNPJ, alvará de funcionamento, estatuto,
regimento interno definindo as responsabilidades e as atividades de cada cargo
administrativo. Uma igreja-instituição é vista como uma associação perante o
novo código civil brasileiro, seus membros ou associados devem ter deveres e
direitos bem definidos também no regimento interno. Os membros possuem a
responsabilidade de manter financeiramente a instituição até que de livre e
espontânea vontade não queiram mais fazer parte da mesma, oficializando a
saída.

Existem diversos modelos de decisão dentro das igrejas-instituição, mas,


particularmente acredito que o melhor é quando a assembléia é soberana.
Nesse sistema por ser democrático, não é o líder religioso que toma todas as
decisões sozinho, mas a assembléia (todos os membros/associados arrolados
formalmente). A mesma elege a diretoria administrativa por votação e
acompanha as decisões durante o período estabelecido até que haja uma nova
eleição. Por isso é importante manter um rol de membros ou associados,
sempre atualizado, para que seja identificado quem pode representar ou ser
representado pela igreja-instituição. Existem igrejas-instituição que não
possuem rol de membros, e até mesmo as pessoas que freqüentam
esporadicamente não sabem ou não querer ter o compromisso de ser
membro/associado, e ao arrecadar recursos financeiros essas igrejas-
instituições não prestam conta a ninguém.
Transparência
A maioria dos escândalos tem suas bases na falta de transparência dos
processos administrativos e financeiros da igreja-instituição. Hoje não é só uma
questão de ética, mas de sobrevivência das igrejas-instituição manterem os
membros informados sobre seus processos, os planos futuros, as ações e
atividades.

Comprometimento dos membros/associados no acompanhamento e


fiscalização
Por outro lado, temos hoje membros/associados que não se enxergam dentro
do processo de decisão da igreja-instituição da qual faz parte. Acabam por
achar que ao contribuírem, estão dando ao líder ou simplesmente à instituição.
Mas o acompanhamento do direcionamento desses recursos devem ser
acompanhados, fiscalizados para verificar se os projetos e planos aprovados
estão sendo desenvolvidos, portanto, o membro é peça fundamental nesse
processo. É preciso que a cultura da gestão participativa dentro da igreja-
instituição seja fortemente disseminada. E nesse ponto há muita confusão, pois
uma gestão administrativa participativa não exclui os papeis definidos no
regimento interno ou estatuto. Há um certo “medo” por parte de lideranças de
“perder o poder”, ou ainda há aqueles que impõem suas idéias, administrando
a igreja-instituição como se fosse uma propriedade particular. É necessário um
amadurecimento de ambas as partes para que no aspecto jurídico-contábil-
administrativo todos possam caminhar com os mesmos objetivos.

Controles e Formalidades
Muitas instituições não se deram conta da obrigatoriedade do registro em
órgãos competentes e de se manter a contabilidade formal para a igreja-
instituição. Para dar mais transparência e profissionalismo, seria muito
importante que fosse contratado um contador ou um escritório de contabilidade.
Outro controle muito eficiente é o fluxo de caixa e o balancete mensal contendo
de forma discriminada todas as entradas e saídas financeiras, disponível e de
fácil acesso para todos os membros/associados acompanharem o
direcionamento dos recursos.

Existem diversas igrejas-instituições que temem em demonstrar analiticamente


as saídas financeiras, pois acreditam que isso criaria um ambiente propicio
para conversas e suposições. Nesse aspecto discordo totalmente. Se as
metas, planos e ações, salários e ajudas forem bem definidas em conjunto,
amplamente divulgado aos membros, não há o que se esconder, alias, quanto
mais transparente for a administração, mais confiança os membros associados
terão para contribuírem com aquilo que se propuseram e acreditam.

Como assegurar recursos e estabelecer o planejamento orçamentário


Poucas são as instituições que discutem com seus membros ou associados o
orçamento financeiro de entradas e de saídas. Trabalhar seriamente esse
quesito garante que todos se comprometam com os projetos e ações que serão
desenvolvidos e assim garantem os recursos necessários para que os mesmos
aconteçam. Por exemplo, uma igreja-instituição quer para o ano seguinte
alugar um imóvel para trabalhar com crianças de 0 a 12 anos. Se isso não for
consenso entre os membros e a diretoria, os recursos financeiros e humanos
estarão comprometidos, mas, se todos concordarem com o planejamento
orçamentário onde esse projeto está inserido, todos trabalharão para que o
mesmo seja realizado quer apoiando financeiramente ou como voluntário.

Conclusão

Como o próprio título diz, é uma reflexão inicial sobre o assunto, portanto ainda
merece um aprofundamento em diversos pontos e questões, mas já sabemos
que é preciso diferenciar as questões espirituais e de crenças das questões
administrativas. Uma boa gestão administrativa no terceiro setor é
imprescindível. Concluímos que no mínimo a igreja-instituição deve possuir:
• Instituição pelos meios legais brasileiros (estatutos sociais, registros em
cartório, abertura de CNPJ, registros nos órgãos competentes).
• Regimento Interno e a instituição do modelo de decisão
• Transparência na gestão administrativa
• Comprometimento dos membros/associados no acompanhamento e
fiscalização
• Planejamento orçamentário
• Controles internos e contabilidade formal
• Meios lícitos de assegurar recursos financeiros

Contabilidade de Organizações Religiosas

Nem todas as entidades do terceiro setor, mesmo as que pratiquem ações


sociais e filantrópicas, têm isenção total de tributos, pois a isenção pode ser
total ou parcial, dependendo do cumprimento de determinados aspectos
específicos da regulamentação.

Muitos acham que a instituição chamada igreja / entidades imunes ou isentas


não tem obrigatoriedades, entendem erroneamente que ela não precisa ser
aberta juridicamente e nem se manter registros contábeis.

O Código Civil em seu inciso IV artigo 44 estabelece que as organizações


religiosas sejam pessoas jurídicas de direito privado, necessitando assim,
obrigatoriamente seu registro no Cartório de Pessoa Jurídica.

A partir do registro no Cartório, a igreja obrigatoriamente terá que ter alguns


documentos e atender algumas obrigações, como:

· Estatuto: Devidamente registrada em cartório;

· Inscrição no Cadastro do CNPJ: Conforme a Lei 4.503 de 30/11/64, que


institui a obrigatoriedade da inscrição do CNPJ no Ministério da Fazenda, da
igreja matriz e suas filiais, cuja identificação, no caso das congregações, será
pelo número de ordem e barra do referido CNPJ.
· Carimbo do CNPJ: Conforme Decreto 61.514 de 12/10/67, que tornou
obrigatório o uso do carimbo do CNPJ para a igreja matriz e suas
congregações

· Livro Caixa ou Diário/Razão: Conforme determina o Regulamento do Imposto


de Renda, a igreja é obrigada a possuir um Livro Caixa com o Balanço de
Abertura, Termo de Abertura e Termo de Encerramento, o qual depois de
registrado em cartório, a igreja devera iniciar a escrituração de todas as
receitas e despesas e as contas patrimoniais.

· Livro de Ata: A igreja está obrigada a possuir o Livro de Ata, devidamente


registrada em cartório com os devidos Termos de Abertura e Termo de
Encerramento.

· Rais Negativo: Todas as igrejas, enumeradas no Decreto 76.900 de 13/12/75,


devem apresentar anualmente e dentro do prazo legal o RAIZ NEGATIVO,
quando as igrejas não
possuírem empregados registrados, conforme determinação da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho).

· Declaração de Isenção: Conforme determina o Decreto Federal nº 1.041


(SUBSEÇÃO II), todas as igrejas estão obrigadas a entregar anualmente a
Receita Federal, até o mês de Junho de cada ano, sua Declaração de Isenção
do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

· Matricula no INSS: Após o registro do estatuto e da inscrição do CNPJ, a


igreja deve providenciar sua matrícula no INSS.

· Ata de Eleição da Diretoria: A igreja deve transcrever em Ata da Eleição da


última diretoria e providenciar seu registro em cartório

· Imposto Sindical Patronal: Revestida de natureza jurídica as entidades sem


fins lucrativos, como no nosso caso as igrejas, são consideradas
empregadoras. Portanto, deverão recolher no mês de janeiro de cada ano o
imposto sindical patronal ou solicitar a sua isenção.

· Contrato de locação: Se o templo for alugado ou Escritura definitiva dos


imóveis, Contrato de cessão de direito dos imóveis.

· Manter Contabilidade: A contabilidade torna-se obrigatória porque é


necessária para a prestação de contas perante aos membros, como também
para fins de isenção do Imposto de Renda, já que o artigo 14 do Código
Tributário Nacional prevê: Art. 14. O disposto na alínea “e” do inciso IV do
artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades
nele referidas:

1. Não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou se suas rendas, a


qualquer título;
2. Aplicarem integralmente no País, os seus recursos na manutenção dos seis
objetivos institucionais;
3. Manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão;

· Declarações: Devem ser enviadas as declarações de pessoa jurídica, tais


como DIPJ, DCT, DACON e DIRF.

1. DACON – Não é obrigada a apresentação às pessoas jurídicas imunes ou


isentas que tiver um valor inferior de 10.000,00 mensais nas contribuições.
2. DIRF: Caso houver pagamentos sujeitos ao IRF, a entidade deverá reter o
imposto respectivo e recolhê-lo nos prazos determinados pela legislação. Neste
caso, deverá ser entregue a DIRF no ano subseqüente da retenção.
Fundamentos Legais: RIR/1999 | IN SRF 695/2006 alterada pela IN SRF
730/2007

· Folha de pagamento: A entidade isenta deve manter as folhas de pagamento


relativas ao período, bem como os respectivos documentos de arrecadação
que comprovem o recolhimento
das contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social, além de outros
documentos que possam vir a ser solicitados pela fiscalização do Instituto.

Outrossim, deve também, registrar na sua contabilidade, de forma


discriminada, os valores aplicados em gratuidade, bem como o valor
correspondente à isenção das contribuições previdenciárias a que fizer jus.

· Pis sobre folha: A contribuição para o PIS das será determinada na base de
1% sobre a folha de salários do mês.

As legislações, documentos e obrigações citadas acima, já são necessários


para nos convencer sobre a importância de se legalizar nossas igrejas,
abrindo-as juridicamente nos respectivos órgãos, como também manter
registros contábeis, que nos permitam atender todas as obrigações exigidas
por lei para seu funcionamento.

Bibliografia
IBGE, <http://www.ibge.gov.br/concla/download/CNAE_fiscal1.1.pdf >
acessado em 14/11/2008 – pág. 210 e 211

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja> acessado em 14/11/2008

CAVALCANTI, Robinson 2004 – Cristianismo e Política: teoria bíblica e prática


histórica.

DAVIS, John D. – Edição ampliada e atualizada – São Paulo, SP, Hagnos


2005.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda Dicionário da língua portuguesa 6ª


edição – Curitiba, Positivo 2006.
BARRIENTOS, Alberto – Trabalho Pastoral, princípios e alternativas 2º edição.
Editora United Press Ltda. 1999

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