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O PEQUENO IMPERADOR

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Fábula infantil de Atilio Bari

PERSONAGENS:

(por ordem de entrada em cena)

Velho Tchin
Crianças
1
2
3
4
5
Fu, o criado
Siu, o criado
O Pequeno Imperador
Chung, o cozinheiro
Lang, o cozinheiro
Senhor da Escuridão
Passarão 1
Passarão 2
Passarão 3
Comediantes do Palácio
Lavradores
Povo
SINOPSE

Numa época de grande prosperidade, num passado indeterminado, a China era governada por
um menino, muito estimado pelo povo, que o chamava respeitosamente de “O Pequeno
Imperador”.

Um dia, quando brincava com seu fiel criado, o Pequeno Imperador captura e prende um
pássaro desconhecido, que o atrai pelo seu canto e pelas suas cores incomuns. A partir desse
momento, todo o país passa a padecer, mergulhado num período de trevas e infertilidade. O
Pequeno Imperador, alheio a essa situação, e também infeliz, tenta em vão divertir-se, isolado
em seu castelo.

Num pesadelo, enormes pássaros estranhos lhe aparecem e o aprisionam, deixando o menino
angustiado. Ele, então, toma conselhos com o comediante do palácio, que o faz refletir sobre o
significado dos sonhos, os desejos e as virtudes.

Meditando sobre esses conselhos, o Pequeno Imperador percebe o êrro que cometera e
liberta o pássaro, de quem nem se lembrava mais, afastando a escuridão que cobria o país e
trazendo de volta a felicidade para si e para o seu povo.
CENA I - AMANHECER

Amanhecer. O povo sai às ruas para a habitual sessão matinal de Tai-Chi. Enquanto praticam,
surge uma criança com um brinquedo, e também começa a praticar, imitando os outros, entre
bocejos e espreguiços. No final, todos se cumprimentam e saem, ficando apenas a criança e o
Velho Tchin.

CENA II - ERA UMA VEZ...

CRIANÇA 1 - Velho Tchin...


CRIANÇA 2 - Velho Tchin!
TCHIN - Sim...?
CRIANÇA 1 - O senhor conta uma estória pra gente?
TCHIN - Uma estória? Conto, conto sim... De que tipo de estórias vocês gostam? De
aventuras? De dragões? De princesinhas?
CRIANÇA 3 - Uma estória bem bonita...
TCHIN - Todas as estórias são bonitas. Algumas são mais alegres, outras são mais tristes. Vou
contar uma linda pra você. Era uma vez...
CRIANÇA 2 - Velho Tchin...
TCHIN - Sim...?
CRIANÇA 2 - Por que é que todas as estórias começam com “era uma vez”?
TCHIN - Boa pergunta essa...! Não sei. Talvez seja porque as estórias mais bonitas sejam
aquelas que falam das coisas que só acontecem uma vez. Bem, de qualquer modo, as estórias
têm que começar de algum jeito, não?
CRIANÇA 4 - ?... então conta, conta...
CRIANÇA 5 – Conta, Velho Tchin
TCHIN - Está bem. Era uma vez um país muito distante...
CRIANÇA 4 - Velho Tchin... o que é “distante”?
TCHIN - Distante? Distante é longe.
CRIANÇA 5 - Longe? Assim? (afasta-se)
TCHIN - Não... Mais longe...
CRIANÇA 1 - (Afasta-se mais) Assim?
TCHIN - Não, não... Muito longe.
CRIANÇA 2 - (Afasta-se mais ainda e grita) Tá bom assim?
TCHIN - Não, muito muito muito longe. Ei, volte aquí para ouvir a estória!
CRIANÇA 3 - Que país distante muito muito muito longe era esse?
TCHIN - Um país lindo e desconhecido, tão longe que ninguém sabe direito onde era...
CRIANÇA 1 - Um país de faz-de-conta?
TCHIN - ?... mais ou menos... Nesse país havia um povo muito alegre, que vivia rindo, vivia
brincando...
CRIANÇA 5 - Ah, que legal! Eu queria morar num país assim...
TCHIN - As pessoas gostavam muito umas das outras, e quando se encontravam nas ruas, nas
praças, era muita alegria, muita festa...
CRIANÇA 4 - E o que é que eles faziam?
Tchin - Ah, eles eram lavradores. Plantavam trigo, milho, arroz... Havia cabras, também...
CRIANÇA 1 - Eles plantavam cabras?
TCHIN - Não, eles criavam cabras. Cabra não é planta é animal. Eles trabalhavam muito, mas
em compensação havia muita abundância...
CRIANÇA 2 - O que que é isso?
TCHIN - O que?
CRIANÇA 2 - Isso que o senhor falou. Abun o quê?
TCHIN - Abundância. Quer dizer que havia muita fartura de alimentos, muita comida...
CRIANÇA 2 - Ah, bom. Pensei que era outra coisa...
TCHIN - Um dia, aconteceu o que todo mundo esperava...
CRIANÇA 3 - O quê? O quê?
TCHIN - Nasceu a criança que um dia iria governar aquele povo, e daria continuidade ao
império. Um menino! (Música - o povo desfila ao fundo com estandardes e guizos)
Todos ficaram felizes com o acontecimento. As comemorações se prolongaram por vários dias.
O menino cresceu cercado de todas as atenções, e estimado por todos, e aos seis anos de
idade, recebeu o manto imperial... Era uma criança, ainda...
CRIANÇA 4 - Que nem eu?
TCHIN - ?, mais ou menos... Todos o chamavam carinhosamente de “O Pequeno Imperador”. E
assim foi indo a vida naquele país, até que um dia, quando o Pequeno Imperador já tinha 12
anos de idade...
(Saem de cena - o Velho Tchin contando a estória)

CENA III - OS LAVRADORES FELIZES

Entram três lavradores, por lados diferentes. Trazem cestos nas costas, vêm alegres, cantando
e respirando o ar puro da manhã. Encontram-se e se cumprimentam longamente, com muitos
risinhos e gritinhos de alegria. Começam a tirar suas ferramentas dos cestos e iniciam a
plantação.
LAVRADORES - Cavar
Cavar, cavar, cavar
Cavar, cavar, cavar...

Plantar
Plantar, plantar, plantar
Plantar, plantar, plantar...

Depois de um certo tempo, cansados, param e apontam para o sol, indicando que é hora do
almoço. Entra uma mulher com uma criança amarrada nas costas e uma trouxa de comida.
Todos a cumprimentam e se aproximam para ver a criança. Parabenizam o pai (um dos
lavradores), que fica todo orgulhoso. A mulher se despede e sai. Os lavradores apalpam a
trouxa, ansiosos. Sentam-se, tiram toalhas e comida de dentro da trouxa, e juntos erguem a
comida numa oferenda, sérios. Em seguida, comem gulosamente, entre risos e brincadeiras.
LAVRADORES - Comer
Comer, comer, comer
Comer, comer, comer...
Satisfeitos, guardam tudo, espreguiçam. De repente, ouvem um maravilhoso canto de pássaro.
Tentam identificar de onde vem, apontam para um lado e para o outro, ajuntam-se para tentar
ver, mas não conseguem. Felizes, iniciam a colheita.
LAVRADORES - Colher
Colher, colher, colher
Colher, colher, colher...
Muito alegres, mostram uns aos outros o que colhem, e guardam nos cestos. Finda a colheita,
cansados mas felizes, despedem-se alegremente e saem.

CENA IV - BRINCADEIRAS DO IMPERADOR

FU - (Entra esbaforido, procurando um lugar para se esconder) Já estamos indo, senhor! Não
vale olhar, hein? Conte até dez, majestade!
IMPERADOR - (em off) Está bem! (bem rápido) 1-2-3-4-5-6-7-8-9-10!
SIU - Não, não, majestade, assim não. Devagarinho...
IMPERADOR - Tá...! 1... 2... 3... 4... Pronto?
FU - (Ainda procurando onde se esconder) Não, majestade, ainda não! Até dez!
IMPERADOR - 5... 6... posso ir?
FU - Quase! Quase!
SIU - Mais um pouquinho, senhor! Até dez!
IMPERADOR - 7... 8...
FU E SIU- (Escondendo-se num lugar à vista do público) Pronto!
IMPERADOR - ... 9...
FU - Pronto! Pode vir!
IMPERADOR - Dez! Lá vou eu! (Entra, procurando fu) Fu-u... Siu-u... cadê vocês? (Encontra o
criado, aproxima-se dele e o assusta com um grito) Buu!
FU - Ai! Que susto, majestade!
SIU - Achou! O senhor sempre acha!
IMPERADOR - Vocês se escondem muito fácil, assim não tem graça. Vamos brincar de outra
coisa.
FU - (Cansado) De outra coisa? Olha, não é melhor descansar um pouco, senhor?
SIU – ?! O senhor deve estar muito cansado...
IMPERADOR - Pular corda!
FU - Pular corda... !?!
IMPERADOR - 50 vezes cada um!
SIU - Cinquenta vezes... ?!?
IMPERADOR - Não! Cem vezes! Você começa.
FU - Pular corda? Cem vezes? Mas, majestade, sabe, é que, bem, eu... Ah, por que não
brincamos de “o que é, o que é” ?
SIU – Muito boa idéia!
IMPERADOR - Eu começo!
FU - Mas da outra vez já foi o senhor que começou...
IMPERADOR - Então vamos tirar na sorte.
FU - Dois ou um?
IMPERADOR - Não. Jo-Ken-Po.
SIU - Ah, senhor... jo-ken-po não... esse eu não entendo direito...
IMPERADOR – É fácil, já te ensinei tantas vezes... Vamos fazer que eu explico, tá? Um, dois e...
OS DOIS - Jo-Ken-Po!
(O Imperador põe “pedra” e Siu põe “papel”)
IMPERADOR - Ganhei! Ganhei! Eu ganhei!
SIU – Ele ganhou.
FU - Ué...! Mas o papel não embrulha a pedra?
IMPERADOR - Não! A pedra rasga o papel! Mas você não entende mesmo, hein, Fu? Eu
começo. O que é, o que é que só as corujas têm, e nenhuma outra ave pode ter?
FU - Deixa eu ver... as corujas têm... as outras aves não têm...
SIU – As corujas têm... as outras aves não tem...
FU - Não sei, senhor.
IMPERADOR - Corujinhas!
FU - Puxa vida! ? mesmo! Corujinhas!
SIU - Só as corujas podem ter! Muito engraçado.
(Ouve-se o canto de um pássaro)
IMPERADOR - Sssshiiiiuuuu! Estão ouvindo?
FU - O quê, majestade?
IMPERADOR - Esse canto...!
SIU - É um pássaro!
FU - Ah, sim... Estou ouvindo! Uma beleza, não?
IMPERADOR - Olha ele lá!
SIU - Onde, majestade?
IMPERADOR - Alí, no jardim!
FU - Não estou vendo, senhor...
IMPERADOR - Agora foi para lá!
FU - Ah, estou vendo!
SIU – Também vi.Que bonito!
IMPERADOR - Que pássaro é aquele?
SIU - Eu nunca vi igual...!
FU - Não sei, majestade, também nunca vi... É lindo!
SIU - E como canta!
IMPERADOR - E as cores! Engraçado... ele muda de cor!
FU - É mesmo! Numa hora ele é dourado como se o sol refletisse numa pepita de ouro, no
instante seguinte é prateado como a lua de primavera...
IMPERADOR - Depois fica vermelho, depois azul... mistura todas as cores...
SIU - Mesmo eu, que já não tenho olhos tão bons, estou encantado! É inacreditável!
IMPERADOR - Olhe! Pousou na janela! Vamos atraí-lo para dentro!
FU - Mas como, majestade? Ele vai voar!
IMPERADOR - Comida! Vá lá na cozinha e traga uns grãos de trigo, depressa!
FU – Você não ouviu o que a magestade pediu?
SIU – Mas ele mandou você!
FU – Agora!
SIU – Está bem, estou indo.
IMPERADOR - Depressa!Vamos! Rápido, antes que ele fuja!
SIU - Pronto, majestade! (Volta, com a mão em concha)
IMPERADOR - Vamos fazer uma trilha!
FU - Uma trilha... !?!
IMPERADOR - Quieto, Fu!

(O Imperador dispõe alguns grãos no chão, em trilha, e em seguida ser afasta um pouco e se
agacha. Fu o acompanha. Notas musicais indicam que o pássaro está percorrendo a trilha de
trigo)

IMPERADOR - (Sussurra) Pegue-o, Fu...


FU - Hein... ?
IMPERADOR - (grita) Pegue-o! Pegue-o!
FU - Ah, sim, majestade! Vamos Siu, me ajude!

(Fu tenta pegar o pássaro, ele voa para um lado e para o outro. Depois de alguma correria, Fu
consegue pegá-lo e o segura dentro do chapéu)

SIU - Peguei! Peguei! Peguei!


IMPERADOR - Traz aquí! Vamos vê-lo!

(Abrem lentamente o chapéu)

FU - Cuidado para não machucá-lo, majestade...


SIU - Olha, acho melhor soltar o coitadinho...
IMPERADOR - Não! Eu o quero para mim.
FU - Ora, majestade, ele já é seu! Tudo o que há neste país lhe pertence por direito. As terras,
os lagos, as florestas, os pássaros também! Tudo pertence ao Imperador!
IMPERADOR - Mas eu o quero só pra mim. Traga uma gaiola, Siu.
SIU - Uma gaiola, senhor...?
IMPERADOR - É! Uma gaiola! Vai, depressa!
FU - Mas, senhor... prender um pássaro que...
IMPERADOR - A GAIOLA!
FU - Sim, senhor... (sai)
IMPERADOR - Agora você é só meu, pássaro maravilhoso...
FU - (Voltando com a gaiola) A gaiola, senhor...
SIU - Mas, majestade... prender um pássaro...
IMPERADOR - Abra a gaiola, Fu!

(Relutante, Fu obedece e colocam o pássaro na gaiola. Uma luz se acende e o pássaro canta
divinamente)

IMPERADOR - Ouça como ele canta. Que maravilha!


SIU - Será que ele não quer sair, majestade?
IMPERADOR - Canta, canta, canta...
FU - Ele está acostumado a viver em liberdade. Será que não é melhor deixá-lo livre e...
IMPERADOR - Fu, sabe de uma coisa?
FU - Sim, majestade?
IMPERADOR - Estou com fome. Pit, pit, pit...
FU - Ah, sim... Mandarei servir o almoço, senhor...
IMPERADOR - Então vai, depressa.

(Fu sai; o Imperador fica brincando com o pássaro)

IMPERADOR - Pit, pit, pit... ué... parou de cantar? Pit, pit, pit... nem muda mais de cor... Por
que será? Canta, canta! (irrita-se) Vamos! Cante para o seu Imperador! Cante! Droga de
pássaro!

(Cobre a gaiola)

FU - Majestade, o almoço será servido!


IMPERADOR - Estou morrendo de fome! Mande trazer logo os pratos! (sai)
FU - Chung! Lang! O almoço!

CENA V - O ALMOÇO DO IMPERADOR

CHUNG - (Entra com uma bandeja) Pronto, pronto, pronto, senhor. Aquí está.
LANG - Espero sinceramente que o nosso Pequeno Imperador aprecie.
CHUNG - Pato assado com cerejas!
FU - Hummmm! Creio que ele gostará! ?
SIU - É seu prato preferido! (Sai de cena, anunciando)
FU - Pato assado com cerejas!

(Até o final do almoço, Fu leva os pratos para o imperador e volta para pegar outros que Chung
foi buscar na cozinha)

IMPERADOR - (em off)Oba! Pato assado!


CHUNG - Porco!
SIU - Pronto! Quer dizer... chamou? Isto é: estou aquí...
FU - Ora, me dá isso logo. O que é?
LANG - PORCO TENRINHO, BANHADO EM LEITE DE CABRA, PREPARADO NA BRASA, COM
CEREJAS! Caprichadíssimo!
FU - Porco na brasa com cerejas!
IMPERADOR - Porco! Adoro porco!
SIU - O Imperador está com apetite de leão, hoje!
CHUNG - Ah, ótimo! Esta está divina!
LANG - Sopa de barbatanas de tubarão do Mar da Felicidade, fresquinhas, com legumes.
CHUNG - E cerejas!
SIU - Está bem, me dá aquí.
FU - Sopa de barbatanas de tubarão!
IMPERADOR -Viva! Barbatanas de tubarão! E pra beber, não tem nada?
FU – É pra já, majestade! Chung! Traga alguma coisa para o Imperador beber!
CHUNG – Vá buscar, Lang!
IMPERADOR -Estou com sede!
SIU - Já, já, majestade!
LANG - Pronto, pronto! Néctar de cerejas bem madurinhas, colhidas ainda hoje no topo da
montanha mais alta do...
FU - Sim, sim, sim, está bem. Néctar de cerejas, senhor!
IMPERADOR - Até que enfim!
CHUNG - Uma obra-prima: salada de rabanetes da horta imperial, com brotos de bambú
cozidos ao molho de soja, pimentões vermelhos com recheio de algas, e cerejas!
SIU - Hein...? Salada de... horta de soja... com broto imperial... rabanetes de algas... pimentões
de bambú... e cerejas!
IMPERADOR - O quê?
FU - Ah, é... salada, senhor, salada.
LANG - Receita da vovó: bolo de cerejas, feito com legítimos ovos de patas imperiais, baunilha
e outras essências!
SIU - Estou assustado com o Imperador! Nunca o ví comer tanto!
FU - Bolo de cerejas, majestade!
IMPERADOR - Bolo? ?ba! Eu quero! Eu quero!
FU - Vocês devem ser mesmo grandes cozinheiros!
CHUNG - E pra encerrar o almoço com chave de ouro: pudim!
SIU - Ufa! Finalmente! Majestade: pudim!
IMPERADOR - De quê?
FU -De quê?
LANG - De cerejas!
FU - De cerejas!
IMPERADOR - De cerejas?
TODOS - É, majestade!
IMPERADOR - Ah, não quero. Não gosto de cerejas...
SIU -(Devolvendo o pudim) O Imperador não gosta de cerejas.
CHUNG, LANG - Não gosta de cerejas...?!? (sai)
IMPERADOR -(Entrando) Ai... Estou me sentindo mal... o que será?
FU - Talvez sua majestade tenha exagerado um pouquinho na comida...
IMPERADOR - Mentira! Devo estar um pouco cansado, só isso... E o pássaro?
SIU - Está aquí, majestade, na gaiola...
IMPERADOR - Não está cantando...
SIU - Não, senhor...

IMPERADOR - Nem muda mais de cor...


SIU - Também não.. Talvez seja melhor a gente soltar o...
IMPERADOR - Leve-o embora. Ponha-o no porão, junto com os brinquedos velhos.
FU - No porão, majestade? Mas lá é muito frio, escuro...
IMPERADOR - Leve-o. Ele que fique lá até que volte a cantar. Quero descansar um pouco.
FU - Sim, majestade...

(Fu sai, levando a gaiola. O Imperador acomoda-se no trono, e adormece)

CENA VI - O SENHOR DA ESCURID?O

Música forte. Surge o Senhor da Escuridão, um vulto negro, de longa capa e máscara escura.
Ergue os braços, comanda o vento e apaga a luz do sol. O tempo esfria e as flores caem.
Destrói as plantações. Rodeia o Imperador, que encolhe-se no trono. Gritos de medo, choro de
crianças. O Senhor da Escuridão se retira, vitorioso.

FU - (Entrando) Mas que mudança de tempo!


SIU - O Imperador adormeceu... deve estar mesmo cansado...

(Fecha um cortina de tiras ou um biombo transparente em volta do trono, faz um cumprimento


respeitoso, e sai. O Imperador tem um sono agitado)

CENA VII - OS LAVRADORES INFELIZES

Entram três lavradores, assustados. Jogam seus cestos no chão, olham a plantação destruída.
Lamentos, choros, gestos de desespero. Vasculham o chão, não encontram nada. Um deles
colhe um graveto e os demais avançam sobre ele. Brigam. Ao final, o graveto está destruído.
Saem de cena xingando-se e insultando-se.

CENA VIII - O PESADELO DO IMPERADOR

(Três passarões entram, pulando e guinchando, dão voltas e mais voltas pelo palco, sempre
muito agitados)

PASSARÃO 1 -Ih, ih, ih...


PASSARÃO 2 - Oh, oh, oh...
PASSARÃO 3 – Ah, ah, ah...
PASSARÃO 1 -Ih, ih, ih...
PASSARÃO 2 - Oh, oh, oh...
PASSARÃO 3 – Ah, ah, ah...
PASSARÃO 1 - Vocês devem estar se perguntando:
PASSARÃO 2 -Que bichos esquisitos são esses?
PASSARÃO 3 – Que bichos esquisitos são esses?
PASSARÃO 2 - Vocês devem estar se perguntando!
PASSARÃO 1 - Pois bem: já que vocês querem saber...
PASSARÃO 3 - Nós não vamos dizer!
PASSARÃO 1 - Ih, ih, ih...
PASSARÃO 2 - Oh, oh, oh...
PASSARÃO 3 – Ah, ah ah...
PASSARÃO 1 - Agora, se vocês não quiserem saber...
PASSARÃO 2 - Se não quiserem...
PASSARÃO 3 - Então nós vamos contar:
PASSARÃO 1 - Eu sou Ting!
PASSARÃO 2 - Eu sou Tong!
PASSARÃO 3 – E eu sou o Tang!
PASSARÃO 1 - E sabem o que mais?
PASSARÃO 2 - Sabem o que mais?
PASSARÃO 3 – Sabem o que mais?
OS TRÊS - Nós não existimos!
PASSARÃO 1 -Somos apenas uma ilusão.
PASSARÃO 2 - Uma impressão!
PASSARÃO 3 - Imaginação!
PASSARÃO 1 –Vou contar uma verdade
PASSARÃO 2 - Nós não somos de mentira
PASSARÃO 3 – Vou contar uma mentira
PASSARÃO 1 –Nós não somos de verdade
PASSARÃO 2 – É mentira ou é verdade?
PASSARÃO 3 – É verdade ou é mentira?
TODOS - Mentira? Verdade... Verdade? Mentira...
PASSARÃO 1 -Eu sou Fing!
PASSARÃO 2 - Eu sou Fong!
PASSARÃO 3 – E eu sou o Fang!
PASSARÃO 1 - Sabem o que é que nós somos?
PASSARÃO 2 - É! Sabem o que é que nós somos?
PASSARÃO 3 - Somos o que somos!
PASSARÃO 1 - É! Nós somos o que somos!
PASSARÃO 2 - Mas então, somos um mistério!
PASSARÃO 3 - Não, somos três mistérios!
PASSARÃO 1 - Se nós não somos, não fomos nem seremos...
PASSARÃO 2 - Se não estamos, não viemos, nem viremos...
PASSARÃO 3 - Então nós só existimos...
PASSARÃO 1 -No palácio...
PASSARÃO 2 - Da cabeça...
PASSARÃO 3 - Das pessoas!
PASSARÃO 1 – Absolutamente certo!
PASSARÃO 2 - Tá. E o que é que nós vamos fazer?
PASSARÃO 3 - Coisas que não existem!
PASSARÃO 1 - Ah! Coisas que só estão...
PASSARÃO 2 – No palácio da cabeça das pessoas!
PASSARÃO 3 - Olha, olha, olha! (Aponta para o imperador dormindo)
PASSARÃO 2 - O que? O que? O que?
PASSARÃO 1 – Onde? Onde? Onde?
PASSARÃO 3 - Aqui! Aqui! Aqui!
PASSARÃO 1 - Oh! Que bonito!
PASSARÃO 2 - Que bonito!
PASSARÃO 3 - Nunca ví nada igual!
PASSARÃO 1 - Nada igual, nunca ví!
PASSARÃO 2 -Ele dorme!
PASSARÃO 3 - E sonha!
PASSARÃO 1 - Claro que ele sonha, senão não estaríamos aquí!
PASSARÃO 2- É, claro que ele sonha, senão não estaríamos aquí!
PASSARÃO 3 – Claro, claríssimo.
PASSARÃO 1- Vamos nos aproximar!
PASSARÃO 2 - É, vamos nos aproximar. Com cuidado!
PASSARÃO 3 - É, cuidadosamente...
PASSARÃO 1 - Delicadamente...
PASSARÃO 2 e 3 – (Gritam) Silenciosamente!
IMPERADOR - (Ainda dormindo) O que é isso?
PASSARÃO 1 - O que é isso?
PASSARÃO 2 - O que é isso?
PASSARÃO 3 – O que é isso?
IMPERADOR - Onde estou? Estou preso!
PASSARÃO 1 - Ele canta!
PASSARÃO 2 - Ele canta!
PASSARÃO 3 – Ele canta!
IMPERADOR - O que vocês querem de mim? Me tirem daquí!
PASSARÃO 1 - Que lindo!
PASSARÃO 2 - Que canto maravilhoso!
PASSARÃO 3 – Maravilhoso!
IMPERADOR - Eu sou o Imperador! Me soltem! Me tirem daquí!
PASSARÃO 1 - Canta, canta, canta!
PASSARÃO 2 - Canta, canta, canta!
PASSARÃO 3 – É, Canta, canta, canta!
IMPERADOR - Me soltem! Me soltem! Eu sou o Imperador! Eu sou... o...
PASSARÃO 1 - Eu sou Bing!
PASSARÃO 2 - Eu sou Bong!
PASSARÃO 3 – E eu sou o Bang!

(Saem de cena, pulando e cantando)

Canta, canta, canta!


Canta, canta, canta!
Canta, canta, canta!
Canta, canta, canta!

CENA IX - O MAL-HUMOR DO IMPERADOR

(O Imperador acorda, num sobressalto)

IMPERADOR - Fu! Siu! Fu!


FU - Sim, majestade! O que houve?
SIU - O senhor está bem?
IMPERADOR - Hein?
FU - O senhor estava dormindo... Está se sentindo bem?
IMPERADOR - Ah, sim, estou... um pouco sonolento, ainda... e meio triste, meio perturbado,
não sei...
SIU - Oh, majestade, todos estão assim. O povo todo está muito infeliz.
FU - Não há mais colheitas, as pessoas estão passando necessidades...
SIU - Não têm mais animo para trabalhar, nem nada... As pastagens secaram, as cabras não
têm o que comer... Falta leite para as crianças...
IMPERADOR - Ih, chega! Parem com essa ladaínha! Estou precisando é de me alegrar, não de
ficar ouvindo essas tragédias! Ah, já sei: mande vir os comediantes do palácio!
FU E SIU - Sim, majestade... (sai)

CENA X - NADA DIVERTE O IMPERADOR

FU - Os comediantes do palácio!
COMEDIANTE 1 - Mandou vos chamar, Pequeno Imperador?
COMEDIANTE 2 – Aqui estamos!

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