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A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO APRENDENTE

E O PROCESSO DE GESTÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

LIMA, João F. L. – ISAEC / Martinus


jfrancisco.lima@gmail.com

Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo analisa a escola como organização e avalia as implicações do cenário


contemporâneo sobre os modelos de gestão escolar, em particular na Educação Básica.
Considera a perspectiva da gestão do pedagógico do ponto de vista sistêmico e aponta a noção
de “organização aprendente” como uma hipótese de trabalho fecunda para o
redimensionamento da gestão escolar no atual cenário. Em tempo de grande e acelerada
evolução do conhecimento e também da sua rápida perecibilidade, pensar a escola como um
espaço institucional que também precisa evoluir e dialogar com o ambiente social, com o
mundo do conhecimento e ser capaz de gerar processo que assegurem o entrelaçamento
prático entre os ideais pedagógicos e as condições disponíveis no espaço escolar torna-se uma
necessidade premente. As escolas que atendem a Educação Básica, sejam elas públicas ou
privadas, passaram a enfrentar a necessidade de pensar a gestão educacional de modo mais
profissional e isso implica olhar para os seus processos de trabalho de modo mais sistemático
e com maior preocupação estratégica quanto ao seu futuro institucional. O estudo desenvolve
uma pesquisa bibliográfica que reúne e articula elementos tendo em vista dar sustentação à
necessidade de pensar os processos de gestão a partir de um entendimento de escola como
uma organização que continuamente pensa a si própria, na sua missão social e na sua
organização, e confronta-se com um processo simultaneamente avaliativo e formativo para
produzir processos de melhoria e de qualificação administrativa e pedagógica, propondo,
ainda, alternativas práticas para ilustrar esse caminho a partir do trabalho realizado pelos
gestores junto aos atores das comunidades escolares.

Palavras-chave: Gestão do Pedagógico. Equipe Pedagógica. Organização Aprendente.


Liderança.

Introdução: a educação em tempos perturbados

A educação escolar vive dias de apreensão. Os novos tempos têm surpreendido as


escolas, seus professores e gestores com novos modelos de organização familiar que
representam novos alunos em sala de aula, com novas posturas e comportamentos, geralmente
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com os elementos básicos da socialização primária não atendidos. Os professores queixam-se


da desmotivação de seus alunos e de seu insolente pouco caso com os estudos. Os alunos, por
sua vez, queixam-se de uma de aulas sem sentido, definindo como desinteressante e lento o
que a escola oferece na contrapartida com a velocidade e fugacidade dos dias tecnológicos
que vivem.
Os indicadores sobre a eficácia do ensino no Brasil, por sua vez, apontam que algum
descompasso existe. Os resultados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e do SAEB
(Sistema de Avaliação da Educação Básica), utilizados no Brasil, têm mostrado que os alunos
brasileiros, em especial os das escolas públicas, não apresentam os níveis de desempenho
compatíveis com os anos de escolarização que tiveram. É um dado contrastante com o
indicativo positivo de que no Brasil houve, na última década, um aumento significativo na
matrícula de alunos na Educação Básica, considerando, particularmente no Ensino
Fundamental.
O século XX encerrou com um balanço de pleno progresso científico e tecnológico
que transformou os costumes de todas as partes do Globo. A marca da flexibilização atinge os
costumes da vida humana, tornando mais rápida a alteração dos conceitos de família, de pai,
de mãe, de homem e de mulher e também de criança e de jovem.
Os sistemas educacionais, diante do complexo cenário contemporâneo, sejam eles
públicos ou privados, estão enfrentando sérios dilemas. Conforme Ferreira (2002, p. 67-69), a
palavra chave no desenvolvimento das instituições hoje é mudança, ainda que o novo em si
não seja propriamente a mudança e sim a velocidade com ela ocorre.
Ao contrário do que acontecia em anos passados, as escolas começam a mudar seus
paradigmas de gestão e passam a olhar para si mesmas de modo mais sistemático e com
maior preocupação estratégica quanto ao seu futuro institucional. As escolas públicas passam
gradativamente desenvolver processos de autonomia de gestão e as escolas privadas passam a
reconhecer a necessidade de se verem como empresas inseridas em cenários de negócios, o
que para algumas instituições com histórico forte de tradição pedagógica gera algumas
dificuldades em reconhecer essa necessidade. De outro lado, algumas escolas passam a
depositar demasiadas esperanças nos processos de gerenciamento, empresariando em demasia
os seus processos e esquecendo de que a parte pedagógica é vital no processo de gestão da
escola.
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O estudo aqui proposto desenvolve uma pesquisa bibliográfica torno da temática da


gestão escolar no cenário contemporâneo, tempo de exigências continuadas de performance
pública do desempenho institucional, seja pelos resultados acadêmicos obtidos em exames ou
avaliações externas, seja pelos resultados financeiros e mercadológicos ou mesmo pela maior
ou menor capacidade de gerenciar recursos, sejam eles públicos ou privados. A pesquisa
percorre a ideia de que a escolarização na Educação Básica é uma necessidade social de
primeira grandeza e busca na literatura pedagógica argumentos sobre modelos de gestão que
possa ofertar uma produtividade mediadora para as práticas concretas de gestão empreendidas
nos estabelecimento de ensino.
Por produtividade mediadora entende-se a possibilidade desses argumentos serem
traduzidos pelas equipes escolares em recursos efetivos para gerar processos práticos com
chance de êxito no cotidiano escolar. Afora a discussão em sentido mais alargado sobre gestão
escolar em suas múltiplas frentes (dimensão política, administrativa, etc.), resguarda-se a
gestão do pedagógico como o elemento primordial a ser atendido e, nesta, a prática docente
como o elemento de contato na materialização de toda política educacional ou ideia
pedagógica que se pretenda caracterizar como prática escolar. O texto pretende, ainda,
articular os elementos argumentativos tendo em vista dar sustentação à necessidade de pensar
os processos de gestão a partir de um entendimento de escola como uma organização que
continuamente pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e confronta-se
com um processo simultaneamente avaliativo e formativo para produzir processos de
melhoria e de qualificação administrativa e pedagógica, propondo, ainda, alternativas práticas
para ilustrar esse caminho a partir do trabalho realizado pelos gestores junto aos atores das
comunidades escolares.

O futuro já não é o que era:1a educação como prioridade do século XXI

Talvez o maior desafio da educação seja dotar a humanidade da “capacidade de


dominar o seu próprio desenvolvimento”, diz o Relatório da Comissão Internacional sobre
Educação (DELORS2, 2003, p.82). O Relatório sustenta que a educação deve transmitir de
forma maciça e eficaz, “cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos” e compete-lhe

1
Grafite encontrado numa rua de Buenos Aires – citado por Boaventura de Sousa Santos em Pela mão de Alice,
o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995, p. 322
2
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXII” ou Relatório
Delors, como se tornou conhecido, foi iniciado em março de 1993 e concluído em setembro de 1996. Teve a
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Encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas


nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços
públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento
individuais e coletivos. (DELORS, 2003, p. 89).

Segundo o Relatório Delors, em geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente para


o aprender a conhecer, portanto focado na dimensão dos conhecimentos. As demais
aprendizagens ocorrem por condições aleatórias ao processo, quando não são tomadas pelos
educadores como extensão natural da primeira. Há uma defesa no Relatório Delors de que
cada uma das aprendizagens receba uma atenção em separado por meio de ações estruturadas
que coloquem a educação como uma experiência global, que avança do plano cognitivo ao
plano prático, do plano social ao plano individual.
Diante da irrecusável importância da Educação Básica e, portanto, do espaço escolar,
nos confrontamos com falas recorrentes sobre “crise da escola”, em seu sentido social e em
sua efetividade pedagógica, e nesse sentido, diz Mirza Laranja (2004, p. 247), “é preciso ver
nascer um novo ciclo por meio de uma gestão que torne a escola capaz de aprender, de
perceber a necessidade de mudança e de renovar-se continuamente”.
Conforme Paulo Colombo (2004, p. 51), a instituição de ensino precisa ser entendida
como um sistema, composto de partes integradas que promovem ações de melhoria e buscam
sempre a adequação de seus processos, sendo assim intrinsecamente dinâmica e interativa.
Partindo dessa perspectiva, pensar a escola como sistema, como propõe Paulo Colombo
(2004), nos aproxima do conceito de escola reflexiva desenvolvido por Isabel Alarcão (2001).
Essa perspectiva oferece elementos para pensar os processos de gestão a partir de um
entendimento de escola como uma organização que continuamente pensa a si própria, na sua
missão social e na sua organização, e confronta-se com um processo simultaneamente
avaliativo e formativo.

A reflexão como alicerce do processo de gestão

Os professores são co-construtores da escola. A escola não é mais nem menos do que
os seus professores conseguem fazer dela. Sendo a reflexão coletiva um exercício sistemático,

contribuição de especialistas de todo o mundo e pretende ser uma contribuição à revisão crítica da política
educacional de todos os países. No Brasil esse Relatório foi publicado numa parceria entre UNESCO, MEC e
Editora Cortez, sob o título, “Educação: um tesouro a descobrir”, em 1996, e já está em sua oitava edição.
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a escola será capaz de gerar um conhecimento consciente sobre si mesma, dos seus limites e
das suas oportunidades que alimentam novas estratégias de ação compartilhada.
A competência profissional dos educadores deve estar pautada pela capacidade de
deliberação permanente e pela possibilidade de livre argumentação. Os docentes devem ser
capazes de reconstruir os saberes pedagógicos a partir da reflexão compartilhada nos grupos
de trabalho que entrecruza de modo vivo os conhecimentos práticos e as orientações teóricas.
Carr e Kemmis (1988) lembram que o campo educacional tende a não dar importância aos
conhecimentos teóricos e à investigação sobre os problemas e riquezas de suas próprias ações
concretas.
O cotidiano pedagógico reconstitui a teoria educativa e ressignifica o seu sentido no
contexto específico da escola. É possível pensar os centros escolares como centros de
investigação da própria prática, que desenvolvem os registros sistemáticos e a documentação
das suas práticas, gerando recursos para a reflexão pedagógica, para, como dizem Carr e
Kemis (1988, p. 15) “fazer frente aos desafios que representam os estudantes alienados, a
desmoralização do professorado e os currículos prescritos e pouco motivadores”.
Os processo de gestão escolar que se movimentem nessa perspectiva precisam
considerar a premissa básica de compreender a escola como uma organização aprendente,
capaz de sistematizar saberes sobre si mesma e de alimentar o seu próprio amadurecimento
institucional.
O conceito de organização aprendente é próprio de nossos dias, em que o
conhecimento se tornou volátil e de difícil domínio exclusivo. Não é á toa que a nossa
sociedade é chamada de sociedade do conhecimento. Dada a alta perecibilidade do
conhecimento, resta investir em mecanismos de aprendizado, elemento indispensável para a
sobrevivência das organizações.

A escola como organização e os modelos de gestão

A ação em grupo favorece uma identidade comum que gera compromisso e sentido de
“corpo”, uma vez que a unidade, que nunca é sinônimo de padronização, é fundamental numa
organização dinâmica como a escola. Podemos definir um modelo de gestão como a
apresentação de forma estruturada e organizada de como ocorre a integração entre os seus
sistemas internos, formais e informais que fazem com que seja possível atender às demandas
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do projeto institucional e que seja assumido pelas pessoas dentro de uma organização formal
de poder.
O pesquisador português Licínio Lima (1999, p. 9-12) considera que existem alguns
“modelos juridicamente consagrados” de gestão no espaço escolar, sendo que cada modelo
encerra um conjunto de orientações específicas para a ação administrativa. Esses modelos
dividem-se entre modelos decretados ou de reprodução e modelos recriados ou de produção.
Os modelos decretados em geral são os modelos mais usuais nos sistemas de ensino.
Aqui a palavra “decretado” aparece em sentido amplo para representar um “conjunto de
regras formais produzidas no sentido de orientar e de regular a ação organizacional e
administrativa a nível escolar.” (LIMA, 1999, p. 10). Assim, os modelos decretados se
apresentam com uma realidade normativa que tem força legal, representando um padrão de
administração centralizada que distribui competências e estabelece regras diversas, pouco
havendo de espaço para a ação dos atores sociais locais.
Os modelos decretados aparecem de modo mais visível nos sistemas oficiais que, “do
ponto de vista jurídico-normativo, regulam a organização e o funcionamento das escolas”
(IDEM, p. 9). No caso das escolas da rede pública, em especial algumas redes estaduais e
municipais, há um conjunto de portarias, regulamentos e prescrições que definem o modelo de
gestão para todas as unidades da rede.
Os modelos recriados ou de produção começam a surgir a partir do momento em que
as regras formais dos modelos decretados passam a enfrentar o cotidiano prático nas escolas.
A partir do momento em que as regras formais são publicadas, elas imediatamente escapam
aos limites da sua concepção, tornando-se, inevitavelmente, objeto de interpretação. Assim,
toda prescrição normativa passa a ter um modo de ser compreendida conforme o horizonte de
possibilidades do contexto em que é recebida, o que denuncia a fragilidade das esperanças de
unidade pretendidas com a padronização dos modelos decretados.
Desta forma os modelos recriados estão estreitamente vinculados aos modelos
decretados e acontecem quando não ocorre uma mera reprodução das regras formais
estabelecidas, mas vão mais longe, a ponto de se produzirem novas regras.
Muitas dessas “novas regras” jamais ganham força legal embora venham a ser
usualmente praticadas. Mesmo que pudessem vir a ser consideradas “ilegais” na maioria das
vezes acabam incorporadas no senso comum da instituição.
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Essas novas regras podem coexistir com as prescrições legais sem que o modelo
decretado seja afastado. Um exemplo clássico são os “ajustes internos “ que muitas escolas
fazem para escapar às prescrições do sistema que confrontam-se com as necessidades práticas
das pessoas.
O modelo praticado corre ao lado do modelo decretado. As soluções criadas nas
escolas para “contornar sem sair da legalidade” normas externas para gestão dos horários
dos professores, para o controle financeiro, para a elaboração de boletins informativos, etc,
ilustram bem a recriação institucional dos modelos decretados que de uma forma ou outra
ocorrem em todas as escolas.
O pesquisador Licinio Lima conclui com propriedade que “a produção de uma regra,
qualquer que seja o seu estatuto e a instância que a produziu, não arrasta obrigatoriamente e
automaticamente o seu cumprimento por parte de quem age e toma decisões em um contexto
escolar.” (LIMA, 1999, p. 12)
Existe um processo que é próprio das escolas que é o processo de recontextualização.
Isso representa o exercício que as equipes escolares inevitavelmente fazem de atribuir um
sentido pedagógico próprio às propostas, discursos e teorias que adentram o espaço escolar.
Digo que esse processo é inevitável, pois a recontextualização é um processo próprio dos
humanos na busca de atribuir sentido à vida e às suas conformações. Não haveria de ser
diferente e nem menos produtivo no processo das organizações escolares.

A Escola como comunidade de aprendizagem

A perspectiva da escola como organização aprendente é também tratada por Isabel


Alarcão (2001) como escola reflexiva. A autora toma de Donald Schön a ideia de professor
reflexivo e o aplica na dimensão institucional. José Libâneo (2003) essa perspectiva de escola
como comunidade de aprendizagem. Todos esses autores, de uma forma ou outra, convergem
para uma mesma perspectiva de fundo que é pensar a escola como um sistema integrado e
complexo que promove a um só tempo, processos de aprendizagens pessoais, que envolvem
alunos e professores e desenvolvem, por conseguinte, uma cultura escolar própria ao
promover processos de aprendizagem institucional.
Isabel Alarcão (2001, p. 15) entende que os processos de mudança em escola precisam
passar por uma mudança paradigmática. Assim, para muda-la é preciso mudar o pensamento
sobre ela, diz a autora. Por escola reflexiva entende-se a escola que se pensa e que se avalia
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em seu projeto educativo. Uma escola reflexiva é uma organização aprendente que qualifica
não somente os que nela estudam, mas os que nela ensinam ou apóiam estes e aqueles, diz
Alarcão (2001, p. 15).
Organização Aprendente ou Learning Organization são, portanto, organizações
capazes de renovar e inovar continuamente. Vasconcelos (2004) afirma que o conceito de
organização aprendente é próprio de nossos dias, em que o conhecimento se tornou volátil e
de difícil domínio exclusivo. Dada a alta perecibilidade do conhecimento, resta investir em
mecanismos de aprendizado, elemento indispensável para a sobrevivência das organizações.
Essa temática será retomada no próximo capítulo, quando trataremos das perspectivas para
gestão numa escola reflexiva.
Brzezinsk (2001) parte da visão de Alarcão, de que a escola deve ser necessariamente
reflexiva e qualificante e amplia essa ideia, tomando a escola como necessariamente reflexiva
e emancipatória, por entender que a formação coletiva, “que é reflexiva e qualificante” como
afirma Alarcão, possibilita aos participantes, por meio de atividades de formação integradas,
uma ampliação e democratização de saberes e liberta-os de compreender o mundo somente na
perspectiva das suas próprias disciplinas.
Na escola reflexiva as pessoas são o sentido da existência da instituição. O espaço é
criado e recriado pelo convívio. Através da palavra, as pessoas se exprimem, confrontam as
suas ideias, desejos e expectativas, assumem responsabilidades e organizam-se. Uma marca
das escolas inovadoras é contar com a existência de líderes em todos os níveis hierárquicos. A
abertura às ideias do outro aparece como enriquecimento do processo de compreensão da
escola. A descentralização do poder estimula o envolvimento de todos e a atitude cooperativa.
O pensamento sistêmico aparece como importante capacidade a ser desenvolvida, uma vez
que representa o sujeito capaz de ver simultaneamente em várias direções sem perder o foco,
capaz de organização, conceitualização e de ação.
Um projeto pedagógico próprio pode ser o elemento viabilizador da construção da
escola reflexiva e emancipadora. Pressupõe a criação de uma comunidade educacional
enraizada no chão da escola e que traduza a visão que a escola tem de si mesma e o que
pretende. A qualidade social do ensino deve ser o compromisso primeiro do projeto
pedagógico institucional. Desdobramento do compromisso da escola com a qualidade social
do ensino, a formação continuada do professor que se realiza no locus de trabalho, de forma
regular e sistemática, planejada e inserida no Projeto Geral da Escola. Se os alunos passam
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pela escola, os professores ficam e acompanham o seu desenvolvimento, por isso a questão da
formação continuada é fundamental. Não podem ser demitidos de suas responsabilidades para
com a escola e com a sociedade. Devem tomar consciência da sua própria profissionalidade e
tomar isso como uma responsabilidade pessoal e coletiva.

Considerações finais: desafios para pensar a gestão do pedagógico na escola vista como
organização que aprende

O trabalho em equipe como decorrência de uma perspectiva de colaboração efetiva


ocorre na escola em pelo menos duas instâncias básicas e com funções distintas: a equipe de
direção e a equipe pedagógica. Aqui vou defender para a perspectiva de uma gestão integrada
da escola, a existência de dois núcleos gerenciais básicos: a equipe de direção e a equipe
pedagógica.
À Equipe de Direção, independente de sua composição funcional, cabe a definição
das políticas gerais para a instituição, a partir do projeto pedagógico da instituição, em
consonância com a disponibilidade financeira. Esse alinhamento mais global estará
necessariamente vinculado às orientações da entidade mantenedora da escola e à sua condição
de estabelecimento público ou privado. A Equipe de Direção deve coordenar o planejamento
geral, a definição de metas e prioridades, as estratégias de trabalho e de projeção da escola,
enfim, coordenar os processos amplos de gestão institucional. O grande desafio da equipe de
direção é fazer a escola funcionar pautada num projeto coletivo. Cada um desses núcleos que
se desdobram a partir da equipe de direção, tem suas equipes derivadas, das quais o diretor da
escola é o grande articulador do processo. Na composição da Equipe de Direção, em geral
figuram a direção executiva da unidade escolar (Diretor Escolar, Diretor-Geral ou seu
equivalente) e a direção pedagógica (Diretor de Ensino, Diretor Pedagógico, Coordenador
Geral, as vezes designado também como Diretor Adjunto ou Vice-Diretor). Na parte da gestão
podem se alinhar funções complementares que venham a compor uma equipe gestora, ou
como prefiro, equipe pedagógica, conforme o porte e as condições da instituição.
A composição das equipes pedagógicas é variável nas escolas. Defendo, no entanto,
que dois elementos são fundamentais na composição de uma equipe pedagógica: a
coordenação pedagógica e a orientação educacional. Conforme o porte e as possibilidades
surgem outras funções, como coordenações administrativas, coordenações de disciplina,
psicopedagogos, psicólogos, capelães ou pastores.
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É importante que postos da Equipe Pedagógica possam, ao menos em parte, ser


ocupados por professores da escola que representem lideranças significativas e
comprometidas dialeticamente com o projeto da escola. A questão da formação específica que
habilita para o exercício da função deve ser equacionada mas não pode ser impeditiva. Aposto
nos ganhos de se montar uma equipe composta ao menos em parte com professores da própria
escola, sem que isso represente a defesa de um processo endogâmico. Há situações em que
um elemento “estranho” cumpre papel vital na dinamização do trabalho na escola.
A coordenação pedagógica fará a articulação do projeto pedagógico no que diz
respeito às práticas dos professores, tendo em vista o melhor desempenho docente que busca o
melhor desempenho de aprendizagem por parte dos alunos. À coordenação pedagógica cabe
planejar a formação continuada, as reuniões semanais de análise das práticas, as sessões de
estudo, orientar o planejamento integrado e, quando for o caso, cuidar da organização da
rotina, o que muitas vezes é uma vizinhança perigosa e usual motivo de abandono dos
professores.
A orientação educacional se ocupará em investir e mediar as relações entre todos que
atuam na escola, em especial os alunos e os professores, tendo em vista o objetivo prioritário
que é o sucesso dos alunos na aprendizagem, motivo fundamental da existência de uma
escola. Deve também dedicar atenção aos processos relacionais com as famílias, realizando
entrevistas e promovendo encontros para discussão de temas do interesse de quem educa
filhos. Muitas escolas têm preferido a contratação de profissionais de psicologia ou
psicopedagogia para o trabalho de orientação educacional, o que pode ser uma alternativa
válida, mas que precisa ser adotada com cautela para que não se perca de vista que escola é
lugar de orientação e não de clínica.
Junto aos professores, coordenação e orientação agem de forma articulada, tendo
como foco da ação comum, o sucesso da aprendizagem dos alunos que naturalmente requer
um processo de ensino exigente e coerente e condições materiais para a realização dos fins
educacionais. Além disso, é fundamental a existência de um ambiente organizado de trabalho,
boas relações de convivência entre todos os envolvidos, compromisso ético de enfrentar os
conflitos pelo diálogo que considera o valor de cada um como indivíduo mas não perde de
vista o compromisso coletivo que é aprender num ambiente coletivo.
Trabalhar de modo integrado é um desafio grande primeiramente para o próprio
diretor e para os componentes da equipe de direção. Conforme lembra a educadora Zita Lago
10531

(2003, p. 44), o gestor educacional deve ser “um animador da inteligência coletiva” da sua
comunidade escolar, orientando os percursos individuais e comunitários de seus
colaboradores no compromisso de gerir eticamente a escola. Mais importante do que cada
pessoa na escola sabe é o que cada pessoa na escola efetivamente é como ser humano.
A direção escolar não pode se concentrar apenas na função pedagógica. Também não
pode concentrar-se apenas nas funções de relacionamento com as famílias ou nos processos
administrativos. Na verdade o diretor coordena todos esses processos e para isso constitui
equipes multifuncionais. Aliás, esse é um elemento central para pensar a composição das
equipes no processo de gestão. Não pode haver gap em termos do conhecimento pedagógico.
Todos da equipe pedagógica precisam estar em dia com esse quesito. Vale o mesmo para o
conhecimento técnico das equipes de contabilidade e finanças. E ao diretor geral compete ao
menos o domínio amplo de todos esses quesitos do processo de gestão.
O diretor da escola é referencial para todos na escola. É importante que seja uma
pessoa acessível e visível, presente na escola. Segundo enfatiza Borges (2004, p. 23), é
preciso que o diretor tenha gosto pelo relacionamento com as pessoas, que não evite os atritos
e nem tema os conflitos. O autor insiste na habilidade do relacionamento humano como um
trunfo no êxito da atuação como diretor. Alguém que saiba escutar e que não tenha
compromisso demasiado com a necessidade de sempre estar com a razão.
Da forma como o diretor atua e se relaciona com as pessoas deriva a confiança e a
legitimidade junto aos grupos de trabalho, junto aos alunos e junto aos pais. O conhecimento
técnico-pedagógico é indispensável, mas não suficiente, da mesma forma que não basta ser
um bom animador de relações sem ter reconhecida competência de gerenciamento da escola
nas questões de ordem administrativa e pedagógica.
Borges propõe que o diretor deve desempenhar de forma articulada os seus três papéis
básicos:
a) Papel de projetista: exercido a partir da capacidade de criar realidades que
materializam os anseios das equipes e os seus próprios. “O líder tem a obrigação
de introduzir mudanças que melhorem a qualidade de vida do grupo; precisa ter
visão, inspirar o grupo”, conclui Borges (2004, p. 24);
b) Papel de professor: exercido pelo compromisso em assegurar a formação efetiva
de seus alunos e de seus professores e funcionários. O compromisso com a
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formação continuada é que viabiliza a oxigenação contínua dos processos na


escola que pretende se orientar na perspectiva da escola reflexiva;
c) Papel de administrador: exercido como a ação que coloca o projeto pedagógico no
mundo da prática. O administrador tem compromisso com os resultados práticos
do que se realiza na escola, o que inclui o relacionamento com as famílias, o
desempenho dos alunos e de suas equipes, a eficiência dos procedimentos
contábeis ou a eficiência da telefonia, enfim com tudo que acontece na escola.
A escola é uma organização que lida com processos formativos, com a educação de
crianças e jovens que muitas vezes precisam ser frustrados em suas expectativas. Criança e
jovem que não administra e enfrenta situações de demarcação de limites, de colocação de
expectativas de esforço e exigência de trabalho disciplinado, não amadurece, não se torna um
adulto qualificado. Aprender a lidar com a frustração é uma aprendizagem fundamental, que
antes da escola já deveria ocorrer em casa. Pensemos na criança e no jovem que é educada
pelos seus pais somente tendo acesso a situações de satisfação, prazer imediato e nada de
frustração. São crianças cujos pais confundem vontade e impulso com necessidade. Isso seria
o mesmo que educar filhos na perspectiva do cliente, ou seja, promovendo a sua satisfação em
primeiro lugar.
A família quando escolhe a escola para seus filhos deve fazer isso, em primeiro lugar,
porque se identifica com o projeto de formação que a escola apresenta e é sua tarefa verificar
se esse discurso se traduz em prática ou não. Assim, entendo que a família adere a um projeto
de formação que ela reconhece que seja um complemento adequado ao projeto de formação
que já foi iniciado em casa. Não é uma relação sem mútuos compromissos. Não significa
também que a família depois de aderir ao projeto da escola não possa se posicionar
criticamente. Ao contrário. Uma boa escola, em geral, é aquela em que as famílias são
recebidas e podem compartilhar com as equipes de trabalho pedagógico. Mas não podemos
perder de vista que uma escola deve orientar seu trabalho por princípios e estabelecer
processos compatíveis com essa filosofia.
A escola precisa oferecer um processo de formação amplo, organizado em uma
estrutura curricular flexível que possibilite escolhas aos alunos mas que não abra mão de uma
base comum consistente. O maior papel da escola é ajudar seus alunos a construírem o seu
projeto de vida e esse aprendizado começa com a construção do seu projeto de estudos.
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Uma boa escola tem as famílias estrategicamente presentes na escola, desempenhando


o papel fundamental que lhes cabe, o de serem pais e mães presentes na vida escolar de seus
filhos. Por isso, eventos com as famílias são importantes, desde que bem planejados quanto ao
motivo de trazer a família para a escola. É importante que no processo de formação
continuada, o tema “relacionamento com as famílias” seja trabalhado com os professores.
Os processos de gestão são abrangentes e a inovação educacional não pode ficar
reduzida a discursos. A opção por um modelo de gestão pautado na perspectiva da escola
reflexiva requer a necessária compreensão de um programa de gestão integrada, que tome a
dimensão pedagógica como eixo e que considere a boa aprendizagem dos alunos como meta
maior da escola, o compromisso coma formação continuada como compromisso político e o
relacionamento adequado com as famílias como estratégia.

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