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ANUNCIAR E CONSUMIR OS GÊNEROS TEXTUAIS PUBLICITÁRIOS NA SALA

DE AULA

Danielle da Mota Bastos (Professora da educação básica, Universidade Federal de


Pernambuco/UFPE, daniellemb_pe@yahoo.com.br)

RESUMO: As novas propostas metodológicas sugerem, dentre outros aspectos, um ensino de


Português reflexivo e discursivo, que articule as práticas de leitura, produção de textos e
análise linguística e que desenvolva no aprendiz habilidades comunicativas nos diferentes
contextos de uso da língua. Tomando o texto como unidade e os gêneros como objeto de
ensino. Temos, ainda, os referenciais teóricos desenvolvidos por Bakhtin (1992), Schneuwly
(2004) e Marcuschi (2005), que defendem, basicamente, ser impossível não interagir
verbalmente por algum gênero textual, e sua apropriação é uma forma de socialização e de
inserção nas práticas comunicativas. Portanto, tem este trabalho o objetivo de refletir sobre
essas propostas teórico-metodológicas do ensino de LP e suas implicações para a realização
de um trabalho efetivo de análise linguística a serviço da compreensão e produção dos
gêneros textuais, numa perspectiva pragmática, semântica e gramatical. Para tanto,
analisaremos dois anúncios, procurando identificar seus recursos linguísticos e expressivos.

PALAVRAS CHAVES: gêneros textuais, ensino de LP, análise linguística.

ABSTRACT: New methodological proposals suggest a reflective and discursive teaching of


Portuguese which articulates practices of reading, writing and linguistic analyses and
develops learners’ communicative skills in different contexts of language use. In this study
the text is considered as teaching unit and textual genres as teaching object. We are based on
theoretical reference developed by Bakhtin (1992), Schneuwly (2004) and Marcuschi (2008),
who affirm that is impossible to interact verbally without textual genres, and their
appropriation is a way of socialization and insertion in communicative practices. Thus, this
study aims to reflect on these theoretical and methodological proposals of Portuguese
teaching and their implications to the accomplishment of an effective work of linguistic
analysis in favor of comprehension and production of textual genres, in a pragmatic, semantic
and grammatical perspective. In order to achieve the goal, we analyze two advertisements,
looking for identifying their linguistic and expressive devices.

KEYWORDS: textual genres, teaching of Portuguese language, linguistic analysis.


1. ALGUMAS REFLEXÕES INICIAIS
A partir da década de 80, o paradigma sobre o ensino de Língua Portuguesa muda e dessa
forma o papel e a compreensão da/sobre a linguagem e o seu ensino dentro da escola
assumem perspectivas e finalidades diferentes de outrora. O objetivo era combater a crise no
ensino e diminuir o fracasso escolar que estavam diretamente ligados à dificuldade que a
escola vinha tendo em ensinar a ler e a escrever.
Assim surgem, nas novas perspectivas teóricas sobre as concepções de ensino e sobre o papel
da escola, ideias de valorização do sujeito verbal / discursivo, crítico, que age, atua sobre
outros sujeitos, produz sentido, realiza enunciações, exerce poder, ou seja, (inter)age por meio
de uma língua / linguagem opaca, polidiscursiva, dotada de sentido e subjetividade, dialógica
e ideológica. E nesse contexto, o texto passa a ser o objeto e a questão que centraliza o
programa de ensino da língua, pois “nele se concretizam os saberes necessários para que a
comunicação humana aconteça eficazmente.” (ANTUNES, 2000, p. 13).
Deste modo, a escola passa da condição de apenas ensinar a ler e a escrever esse texto e
reconhecer itens e regras gramaticais para também fazer o sujeito usar de formar competente e
freqüente a leitura e a escrita; de sujeitos alfabetizados para sujeitos letrados, ou seja, aqueles
que se envolvem em práticas sociais de leitura e escrita. A sua ação agora é de ensinar e fazer
aprender as práticas sociais de leitura e escrita. Sobre as contribuições das teorias que têm
influenciado o ensino de língua materna, Bezerra (2005, p. 38) comenta:
Inúmeras são as teorias que, de formas variadas e em níveis diversificados, influenciam a metodologia de ensino
de Língua Portuguesa. No entanto, nas duas últimas décadas do século XX e primeiros anos do século XXI,
algumas tem-se destacado: a teoria sóciointeracionista vygotskiana de aprendizagem, as de letramento e as de
texto/discurso, que possibilitam considerar aspectos cognitivos, sócio-políticos, enunciativos e lingüísticos
envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua.
Considerando, então, as novas propostas teóricas que vêm tecendo críticas e propondo novos
paradigmas metodológicos ao ensino de língua materna, e dentre essas propostas, um trabalho
reflexivo, analítico sobre linguagem, os objetivos deste trabalho são 1. Refletir sobre as
noções teórico-metodológicas da Linguística Aplicada e suas implicações para o ensino de
Língua Portuguesa e objeto análise linguística; 2. Discutir os objetivos e as formas de
realização de um trabalho efetivo de análise linguística nas aulas de língua portuguesa a
serviço da compreensão e produção de gêneros textuais por meio de gêneros do domínio
discursivo midiático – anúncios publicitários; 3. Explorar os textos propagandísticos,
procurando refletir e se apropriar dos seus recursos expressivos e a forma de seleção de tais
recursos.
2. QUE LÍNGUA? QUE OBJETO? QUAL ENSINO?
Um dos primeiros aspectos a ser considerado nas novas perspectivas que vêm sendo propostas
para o ensino da Língua Portuguesa é a concepção de língua / linguagem. Nessa nova escola,
a concepção de língua que de fato atende as novas práticas de ensino é aquela concebida por
Bakhtin (1986) em que “a palavra é considerada um fenômeno ideológico por natureza”.
Dessa forma, não há discurso individual, pois a linguagem se constrói em função do outro e é
nas relações interativas entre os sujeitos que se constrói o texto, as falas, a tomada de
consciência dos sujeitos. A noção é de interação, em que a linguagem constitui-se como uma
atividade e não um mero instrumento de comunicação e expressão do pensamento.
Tendo a língua esse caráter social, interativo, cognitivo e público, o texto não pode ser senão
o centro do ensino de língua, o que é relevante tanto para o ensino da leitura, da produção de
texto quanto da reflexão sobre a mesma e essas práticas também assumem novas perspectivas.
Sendo assim, como esclarece Santos (2006, p. 18), “escrever uma carta não é o mesmo que
escrever uma receita ou uma notícia. A escrita também varia de acordo com a relação
estabelecida entre o escritor e seu possível leitor”. O que faz sentido não é aprender tipos
textuais (narração, descrição, argumentação), mas textos (no caso gêneros textuais)
diversificados e que circulam fora do contexto escolar e têm função sociocomunicativa e
características próprias.
Para tanto o seu ensino deve contemplar o uso desse texto numa esfera discursiva como
também o modo de funcionamento textual (estrutura / forma), pois é através dos gêneros
textuais que nos comunicamos e interagimos. “É impossível se comunicar verbalmente a não
ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por
algum texto. Em outros termos, a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”
(MARCUSCHI, 2005, p. 22).
Portanto, como defendem Schneuwly & Dolz (2004), não basta apenas permitir o acesso, o
manuseio, a leitura e a produção de diferentes tipos de textos, mas realizar um ensino
sistemático dos gêneros – aquilo que os autores denominam de sequência didática –,
explicitando-se o conhecimento implícito deles. É pela leitura, pela reflexão e produção do
gênero que o aluno estabelece o conhecimento sobre esse gênero, sobre o texto e sobre a sua
língua.
Segundo Schneuwly et al (2004, p. 97): “uma seqüência tem, precisamente, a finalidade de
ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar
de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação”, servindo, portanto,
para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis. E para
que haja esse domínio / produção de sentido, é preciso conhecer e saber escolher as diferentes
estratégias discursivas e linguísticas próprias de cada gênero.
Santos, Mendonça e Cavalcante (2006, p. 28) também defendem que:
Os textos, para serem compreendidos, necessitam do conhecimento do leitor/ouvinte sobre o mundo de que
falam, sobre a sociedade em que estão inseridos e também sobre a língua em que são escritos/falados. (...) Para a
compreensão de qualquer texto, e também para a sua produção, convergem, dinamicamente, fatores lingüísticos,
sociais e culturais.
A compreensão do funcionamento dos aspectos discursivos e linguísticos dos gêneros textuais
perpassa por um trabalho pedagógico que contemple a análise linguística porque, como
esclarece Mendonça (2006b, p. 73), “possibilita uma análise sistemática e consciente sobre o
que há de especial em cada gênero na sua relação com as práticas sociais de que fazem parte.”
Essa reflexão seria mais um meio para levar os alunos a ampliarem seus conhecimentos e os
auxiliarem na compreensão de diferentes textos dos mais diferentes gêneros textuais e se
inserirem cada vez mais em práticas de letramento diversificadas.

3. ANÁLISE LINGUÍSTICA OU UMA MERA ALTERAÇÃO DE ESTRATÉGIA


DIDÁTICA?
O ensino de gramática, especialmente de gramática normativa, constitui um dos mais fortes
pilares das aulas de língua materna, chegando a ser, em muitos casos, o único objeto de ensino
dessas aulas. Porém, como defende Ledur (1996), o ensino da gramática tem sido visto como
uma atividade enfadonha, principalmente porque a mesma é trabalhada de forma
descontextualizada, sem nenhuma relação com os textos ou mesmo com situações de
oralidade vivenciadas na sala de aula, mostrando-se como um tipo de gramática que só serve
para, quando memorizada, ajudar o aluno a “ir bem nas provas” e “passar de ano”.
Geraldi, em 1984, no artigo “Unidades básicas do ensino do português”, cogitou a necessidade
de se criar um novo termo – análise linguística (AL) – para estabelecer uma distinção entre o
que era feito anteriormente na escola em termos de gramática e o que propunha que fosse feito
a partir de então. Segundo ele, a prática de análise linguística seria a unidade de ensino em que
se analisariam os recursos expressivos da língua vista como uma prática discursiva.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a análise linguística é o eixo da reflexão e
significa analisar os recursos expressivos, a forma de seleção de tais recursos, como também
os procedimentos de planejamento, de elaboração e de refacção dos textos. Com isso, “a
análise linguística possibilitaria a reflexão consciente sobre os fenômenos gramaticais e
textual-discursivos que perpassam os usos linguísticos, seja no momento de ler/escutar, de
produzir ou de refletir sobre esses mesmos usos da língua”. (Mendonça, 2006a, p. 204). No
lugar da classificação, identificação, memorização, ensino descontextualizado, análise apenas
no nível frasal, o que se tem é um espaço para a reflexão e para o desenvolvimento da
competência comunicativa 1 .
Com articulação das unidades ou eixos de ensino, a ênfase na apreensão de saberes
metalinguísticos sobre a norma padrão e sobre as categorias formais da gramática cede espaço
para que haja também as práticas de uso da linguagem (leitura/escuta de textos e produção
textual oral e escrita). Desse modo, a AL passa a ser, no processo pedagógico, um instrumento
de ampliação das competências linguísticas desejadas para formação plena do usuário, sendo
este, sobretudo, sujeito da sua linguagem. O que se pretende é um aluno que saiba: a) utilizar
a linguagem nas mais diferentes situações comunicativas sociais (isso inclui o domínio da
norma padrão); b) entender os processos linguísticos que estão por trás das possibilidades de
uso da língua, a ponto de ser capaz de monitorar tais possibilidades; c) refletir sobre os
fenômenos gramaticais e textual-discursivos; d) acima de tudo, também, por meio da língua,
ampliar cada vez mais sua participação social.
Diante dessas novas concepções, constatou-se que o ensino da norma padrão e os conteúdos
gramaticais são aspectos, dentre tantos, que as aulas de língua materna devem contemplar e
que saber somente reconhecer as regras e nomenclaturas de uma gramática não é condição
única de formação do bom usuário da língua. A questão, como afirma Mendonça (2006a, p.
205-206), “reside em como se dá essa reflexão sobre a linguagem na escola, com que
objetivos, com que base, em que aspectos”. A AL não elimina a gramática das salas de aula,
nem a reflexão metalinguística – a questão é repensar o que é importante ensinar nas aulas de
português e como fazer. E compreender que a análise linguística não tem um fim em si

1
A sociolinguística entende por Competência Comunicativa, em linhas gerais, a capacidade de um falante saber
o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em qualquer contexto / circunstância comunicativa usando
de forma consciente e adequada os recursos linguísticos que dispõem seu idioma.
mesmo, mas é uma ferramenta que contribui para a formação de leitores e produtores de
textos no seu momento de escolarização.
Mendonça (2006b) esclarece, ainda, que a prática de AL não se assemelha ao que se tem
denominado por aí de “gramática contextualizada”, termo utilizado para classificar uma
prática renovada do ensino de tópicos gramaticais através dos textos, mas que na verdade,
camufla, muitas vezes, o uso do texto como pretexto para práticas tradicionais da gramática
normativa. Na proposta do ensino da “gramática contextualizada”, encontraríamos exercício
com os seguintes comandos: sublinhe com um traço os objetos diretos e com dois os indiretos
do texto lido ou retire os adjetivos do texto, ou ainda analise sintaticamente o último
parágrafo do texto, etc. A única distinção com o ensino tradicional é que nesse contexto
temos a presença do texto, mas isso não garante que haja um trabalho significativo com ele e
com uma proposta sociointeracionista de língua.
Enquanto que, na prática de análise linguística, haveria um interesse em identificar e conhecer
os elementos linguísticos e textuais que corroboram para a estrutura do gênero textual, para
sua função sociocomunicativa, para sua forma de circulação e os seus potenciais
interlocutores etc.
Afim de um maior esclarecimento sobre as diferenças básicas entre uma “legítima” prática de
AL e um ensino de gramática descontextualizado e normativo, apresentamos uma tabela
elaborada por Mendonça (2006a, p. 207).

ENSINO DE GRAMÁTICA PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA


Concepção de língua como sistema, Concepção de língua como ação interlocutiva
estrutura, inflexível, invariável e acabada. situada, sujeita às interferências dos falantes.
Fragmentação entre os eixos de ensino: as Integração entre os eixos de ensino: a AL é
aulas de gramática não se relacionam ferramenta para a leitura e a produção de
necessariamente com as de leitura e de textos.
produção textual.
Metodologia transmissiva, baseada na Metodologia reflexiva, baseada na indução,
exposição. observação.
Centralidade na norma padrão. Centralidade dos efeitos de sentido.
Não remete as especificidades dos gêneros, Funde-se ao trabalho com os gêneros, na
uma vez que a análise é mais de cunho medida em que contempla justamente a
estrutural. intersecção das condições de produção dos
textos e as escolhas linguísticas.
Unidades privilegiadas: a frase e o período. Unidade privilegiada: o texto
Preferência pelos exercícios estruturais, de Preferência por questões abertas e atividades
identificação e classificação de unidades / de pesquisas, que exigem comparação e
funções morfossintáticas e correção. reflexão sobre a adequação e efeitos de
sentido.
Quadro 1: Diferenças entre o ensino de gramática e a prática de análise linguística 2
Já que tomamos o texto como objetivo de ensino e aprendizagem e para que ocorra uma
melhor compreensão do processo de didatização do trabalho com o eixo de AL a serviço dos
gêneros, analisaremos, no tópico seguinte, aspectos linguísticos, textuais e discursivos de dois
textos do gênero anúncio publicitário.

4. A ANÁLISE LINGUÍSTICA E OS GÊNEROS TEXTUAIS PUBLICITÁRIOS: UM


EXEMPLO ILUSTRATIVO.
O anúncio publicitário é um gênero textual presente na nossa realidade cotidiana, circulando
em diversos veículos, como jornais, revistas, televisão, rádio, internet etc, atingindo um
público bastante heterogêneo. Sua função é convencer o consumidor a comprar um produto,
serviço ou ideia, informando suas características, exaltando suas qualidades 3 .
Seus textos, geralmente, veiculam modismos, valores, crenças, ideologias. Conciliando, em
suas mensagens, o perfeito com o ideal, o prazer com a realidade. Para atingir sua finalidade,
faz crer ao seu interlocutor que algo lhe falta e que será completado / preenchido pela
aquisição de determinado produto / serviço – é o mito da necessidade. Mais do que um
discurso sobre o objeto, projeta sonhos e desejos que se concretizam nas imagens virtuais.
Prestígio, amor, prazer, liberdade, sucesso, vitória são temas recorrentes. Como esclarece
Carvalho (2002, p. 12), “possuir objetos passa a ser sinônimos de alcançar a felicidade: os
artefatos e produtos proporcionam a salvação do homem, representam bem-estar e êxito.”
E acrescenta Baudrillard (1973, p. 172) apud Negamini (2004, p. 47):
Os objetos não existem absolutamente com a finalidade de serem possuídos e usados, mas sim unicamente com a
de serem produzidos e comprados, isto é, eles não se estruturam em função de necessidades nem de uma
organização mais racional do mundo, mas se sistematizam em função exclusiva de uma ordem de produção e
integração ideológica.

2
Adaptação de Mendonça, 2006a, p. 207
3
Em nota de rodapé, Negamini (2004, p. 43) esclarece que o termo publicidade aplica-se apenas a mensagens
comerciais, ao passo que o termo propaganda, mais amplo, engloba o discurso político, ideológico, religioso,
institucional e também comercial.
Esse gênero possui um rico material linguístico e extralinguístico devido às várias estratégias
discursivas, à articulação de diferentes linguagens, à organização visual, aos jogos com a
linguagem (metáfora, ambigüidade, rimas etc) e, entre outras características, à presença de
implícitos e pressupostos. Por meio de artigos, substantivos e adjetivos produz mensagens
positivas sobre o produto para superar as qualidades de outras marcas de mesma origem, ao
mesmo tempo em que confere identidade e estabelece personalidade. Os adjetivos muitas
vezes se tornam relevantes, estabelecendo contrastes, comparações ou intensificando o
sentido (Carvalho, 2002). Através dos verbos no imperativo e no futuro composto, seduz seu
interlocutor para adquirir o produto por meio de uma ordem.
Este tipo de texto se utiliza geralmente de expressões de fácil memorização e persuasivas – os
slogans. É próprio o efeito surpresa e a quebra de expectativa. O texto pode ser formado pela
relação entre a linguagem verbal e a linguagem não verbal e há também uma forte utilização
de recursos visuais – cores, tipos de letras, layout, etc.
Passemos agora para a análise de dois anúncios publicitários.
Texto 01

Fonte: CEREJA, William; MAGALHÃES, Tereza. Gramática Reflexiva. São Paulo: Ática,2000.

O anúncio foi publicado no jornal Folha de São Paulo no dia 25 de janeiro de 2004 e seu
objetivo era divulgar e convencer o consumidor a adquirir o mais novo modelo da marca
Citroën para 2004 – o Xsara Picasso GLX 2.0, 16V. Um carro mais moderno e completo. Seu
comercial faz alusão ao aniversário da cidade de São Paulo (percebemos pela data em que foi
anunciado. Mesma data de comemoração de aniversário da cidade de SP). Pelo suporte em
que foi veiculado o anúncio e, principalmente, pelo tipo do carro, o público-alvo é a classe
média alta da sociedade paulistana.
Podemos visualizar que o anúncio é dividido em três textos: 1. a frase que está na parte
superior e que é a mensagem principal e essencialmente persuasiva do texto – O presente
ideal. Você usa e ainda deixa a aniversariante mais bonita.; 2 um pequeno texto na parte
inferior do lado esquerdo que identifica o produto e evidencia as suas características e
qualidades – Xsara Picasso GLX 2.0 16V Mod. 04/04 ITENS DE SÉRIE: motor 2.o 16V,
Único carro nacional com dois sistemas de ar-condicionado independentes (dianteiro e
traseiro), Direção Hidráulica progressiva, Painel digital, computador de bordo, 4 air bags
(frontais e laterais), Apoio de braços dianteiros, e 3. frase nominal do lado direito na parte
inferior que contextualiza / esclarece que presente e qual a aniversariante referida no texto
superior – SP 450 anos.
O anúncio apresenta as características básicas desse gênero – apela para a liberdade, o prazer,
a sensação de bem-estar e felicidade ao adquirir o produto: é o presente ideal, melhor, mais
bonito. A imagem ajuda a construir essa ideia: o carro no centro, numa pista perfeita, limpa,
ampla, livre de congestionamentos e poluição, (o que não é comum nas grandes metrópoles,
inclusive em SP), indicando movimento, numa cidade moderna, desenvolvida, cosmopolita.
Percebemos uma tensão entre o real (cidade ampla, desenvolvida) e o ideal / perfeito (livre de
congestionamentos, pista perfeita, sem poluição sonora, visual).
A persuasão consiste no argumento de “presentear com algo ideal”. É claro que não se dará
como presente à cidade de São Paulo um carro desse estilo. Na verdade quem terá posse do
objeto é o consumidor que comprará o produto, mas por ser algo tão especial (ideal, único,
bonito), a cidade receberia um presente por ter em suas ruas esse carro passeando. É o uso do
sentido figurado, conotativo, próprio da linguagem publicitária.
Outro aspecto que pode ser destacado é aquilo que Carvalho (2002) chama atenção “primeira
função da marca que é particularizar o produto, mobilizar conotações afetivas, individualizá-
lo, dotando-o de associações e imagens, atribuindo-lhe significações em diversos níveis”.
Denominar o carro de Xsara Picasso, ou simplesmente Picasso é, sem dúvida, estabelecer
relação com um ícone da arte plástica mundial – Pablo Picasso. Pintor renomado e conhecido
pelo seu grande talento e originalidade. Em outros termos, o carro é uma verdadeira obra de
arte.
Os adjetivos presentes no texto – ideal, bonita, único, independentes – qualificam o produto e
lhe confere personalidade, exclusividade e diferenciação. Aquele que de fato está no nível de
um evento tão importante – os 450 anos da maior cidade do Brasil. Nelly Carvalho (2002) diz
que:, “para o discurso publicitário, as palavras precisam ter valor positivo a fim de criar uma
atmosfera de felicidade e perfeição”. E esses adjetivos cumprem esse papel. Nota-se também
a presença do intensificador (advérbio) mais acompanhando o adjetivo “bonita”. O produto
além de ser ideal, único, uma obra prima, faz tudo ser mais – bonito, perfeito, adequado.
O uso dos artigos – o e a – diante das palavras presente e aniversariante também corrobora
para personalizar, determinar, dar um aspecto de exclusividade ao produto, além de
estabelecer o paralelo que é o ponto alto do discurso – o presente ideal com a data
comemorativa do aniversário da cidade de São Paulo e o bem que você (leitor/consumidor)
fará à aniversariante tendo um Xsara Picasso e andando com ele por suas avenidas.
Quanto ao uso dos verbos, mesmos estes não estando no modo imperativo, o uso do pronome
você (comum no sujeito do discurso desse gênero) e o verbo no presente indicativo são um
caminho para seduzir o consumidor e estabelecer o uso da linguagem conativa, colocando o
interlocutor em destaque no discurso – o presente ideal para um consumidor ideal e
diferenciado.
Texto 02

Fonte: Revista Gloss. São Paulo: Abril, março, nº 6, 2008, p. 86.

Esse segundo anúncio foi publicado na revista feminina Gloss, na edição de março 2008, cujo
público alvo principal são as mulheres “modernas” na faixa etária entre 18 a 28 anos, segundo
a própria revista. A peça publicitária apresenta o sabonete Dove – bastante conhecido no
mercado – com uma novidade: um sabonete que além de hidratar, como os demais da linha,
agora refresca. O anúncio é composto pela imagem do produto nas versões sabonete em barra
e sabonete líquido imersos em uma jarra com água gelada e com pepino e folhas verdes – os
elementos que fazem com que o sabonete seja refrescante. E um texto abaixo da imagem que
apresenta as qualidades e vantagens que o produto proporciona – Refresca o corpo. Hidrata a
pele. Desperta os sentidos. Novo Dove Hidratação Fresca. Fragrância ultra-refrescante,
estratos de chá verde e pepino e ¼ de creme hidratante. É Dove com uma frescurinha.
É um texto curto, direto e que se utiliza, predominantemente, da linguagem não verbal como
estratégia argumentativa para convencer seu leitor da necessidade que ele tem do produto. É
típico, como esclarece Negamini (2004), os anúncios de produtos de higiene pessoal se
utilizarem, como protagonistas, de mulheres de determinada estética, valorizarem a beleza e
enfatizarem a necessidade de cuidados especiais com a pele. A imagem projeta e constrói a
noção do quanto o produto é capaz de refrescar, hidratar, despertar. A metáfora que é
construída – uma jarra com água gelada que é o melhor ingrediente para “matar a sede”,
refrescar, proporcionar alívio e bem-estar em dias quentes, próprio do clima tropical do Brasil
– gera a noção de que é exatamente isso que o Dove Hidratação Fresca faz quando for
“consumido”. Além de apelar para os sentidos (olfato, tato) provocando sensação de prazer.
O interlocutor principal são mulheres de diferentes faixas etárias e classe social, que não se
limita a consumir os produtos ditos femininos, como os de moda, perfumaria, cosméticos,
contudo é possível um diálogo com um público masculino visto que o produto – um sabonete
– serve para ambos os sexos.
O léxico fresco, utilizado no texto de quatro formas diferentes – fresca / refrescante / refresca
/ frescurinha é dotado também de uma carga argumentativa, pois qualifica e exalta o objeto (a
novidade do sabonete Dove está nisso) e pertence nesse caso, segundo Carvalho (2002: 47),
ao léxico do prazer. São diferentes maneiras de dizer a mesma ideia. Essa seleção vocabular –
com o uso de uma série sinonímica – é um recurso linguístico que serve para distinguir,
valorizar e estabelecer uma personalidade ao novo Dove. De acordo com Carvalho (2002, p.
47): “para que o texto mantenha a argumentação básica da mensagem, não é necessário
apenas que os vocábulos empregados correspondam às ideias a serem manifestadas. As
palavras devem ter expressividade sonora e semântica”.
Outro aspecto relevante é a ambigüidade que pode ser percebida na palavra frescurinha na
frase: “É Dove com uma frescurinha”. O duplo sentido consiste em “ler” o termo como aquilo
que refresca ou, no sentido popular, como algo supérfluo, com alguma coisa a mais/excessiva.
É possível também atribuir um sentido malicioso para a frase Desperta os sentidos. Esse jogo
polissêmico só confere mais personalidade e atributo ao produto, pois refresca e isso é
prazeroso. Se a característica de refrescar é “algo a mais”, aquilo que o diferencia de outras
marcas, fica, portanto, implicitamente, a ideia de leve o mais completo.
Outra estratégia argumentativa do texto é a utilização do intensificador ultra que acompanha a
palavra refrescante, denotando um ponto alto na qualidade do Dove Hidratação Fresca. Não se
trata de uma refrescância qualquer, porque ele não só refresca, mas faz de forma intensa,
exagerada.
O Slogan - ¼ de creme hidratante - aparece no texto para registrar o que ficou marcado no
produto. O novo Dove não perdeu essa característica, ganhou apenas um atributo a mais: além
de hidratar, ele agora refresca. A utilização do slogan, mesmo que de maneira discreta / sem
um layout mais evidente assume o papel de garantir a qualidade e a seriedade que o produto
tem.
Com a análise dessas duas peças publicitárias, foi possível exemplificar como se pautaria um
trabalho segundo a proposta de análise linguística e do texto como objeto de ensino e
aprendizagem numa perspectiva sociointeracionista. Nestas análises foram abordados
conteúdos clássicos das aulas de gramática – substantivos, adjetivos, verbos, figuras de
linguagem, léxico, advérbios – contudo, ao invés de privilegiar aspectos conceituais,
classificatórios, normativos, optou-se por destacar os aspectos e as funções desses recursos
gramaticais e linguísticos na construção do sentido e da compreensão do gênero anúncio
publicitário e dos dois textos em si. Além de ser, a AL, uma ferramenta para ampliar a
competência da compreensão e produção de textos e superar o tratamento homogêneo e
isolado que é dado aos tópicos gramaticais, afinal, como defende Mendonça (2006b), a AL
não tem um fim em si mesmo. E um dos seus objetivos, é promover a reflexão dos elementos
que constituem cada gênero textual.
É importante salientar que esta análise não esgota o tema abordado, outros aspectos
linguísticos e gramaticais poderão ser explorados, tais como o uso de conectivos, processos de
formação de palavras, pontuação, entre outros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi dito no inicio desse artigo que o paradigma sobre o ensino de Língua Portuguesa mudou e
dessa forma o papel e a compreensão da/sobre a linguagem e o seu ensino dentro da escola
assumem perspectivas e finalidades diferentes de antes. Agora as novas propostas apontam
para um ensino de língua fundamentado nos gêneros discursivos a fim de possibilitar aos
alunos desenvolverem competências linguísticas e comunicativas nos diferentes usos da
língua, uma vez que o texto passa ser visto como unidade de ensino e os gêneros textuais
como objetos de ensino.
Assim surgem concepções (a de língua como interação) e teorias (letramento, gêneros
discursivos e/ou textuais) que defendem que é papel da escola, dentre muitos outros aspectos,
articular leitura, reflexão e produção textual. Ler o texto não apenas como pretexto para
decorar nomenclaturas e regras / normas gramaticais, produzir textos pensando em sua
finalidade, função, interlocutores e refletir os fenômenos gramaticais e textual-discursivos que
compõem os usos linguísticos, bem como utilizar os gêneros textuais como objetos de ensino
e aprendizagem.
Analisar o material linguístico e extralinguístico, as diferentes e possíveis estratégias
discursivas e argumentativas, a articulação de diferentes linguagens, a organização visual, o
jogo com a palavra e tantos outros recursos do gênero textual anúncio publicitário foi
materializar um trabalho com a língua reflexivo, sociointeracionista, onde o objeto de ensino
privilegiado é o texto, centrado nos efeitos de sentido 4 .
Sobre a prática de análise linguística a serviço dos gêneros, Mendonça (2006b, p. 87)
argumenta:
O essencial é que se perceba, desde já, que a AL pode ajudar a formar leitores e produtores de textos orais e
escritos, que sejam capazes de descobrir, com a mediação do professor, o tempero, o gosto, os cheiros, os sons,
as texturas dos diversos gêneros, enfim, o seu modo de ser, o que têm de especial. Isso porque a AL relaciona a
constituição lingüística dos diversos gêneros à dimensão mais ampla das práticas sociais de que fazem parte.
Em suma, estudar especificamente o discurso publicitário em sala de aula contribuirá para um
melhor entendimento das potencialidades de uso da língua nos diferentes contextos
sociocomunicativos, para formar leitores críticos atentos a uma estratégia que visa mais do
que vender produtos, serviços, ideias e sim veicular / impor modismos, valores, crenças,
ideologias e para formar produtores de textos competentes.
O resultado disso, provavelmente, será uma prática pedagógica relevante para a formação de
leitores críticos, fluentes nas linguagens audiovisuais, proficientes na produção escrita e
sujeitos conscientes da sua participação social.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Cabe esclarecer que, na análise aqui realizada, nem todos os aspectos linguísticos, discursivos e estruturais do
gênero anúncio publicitário foram contemplados. Dessa forma, defendemos que não cabe ao professor, em suas
estratégias didáticas com o ensino de qualquer que seja o gênero textual, dar conta de todos os aspectos do
gênero. O professor possui a autonomia de escolher os aspectos mais relevantes dos gêneros textuais para seu
grupo-classe desde que haja um trabalho reflexivo e que se utilize do gênero numa perspectiva discursiva.
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