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MORAIS, Evaristo De. “A História da Abolição”.

O Observador Econômico e
Financeiro, Rio de Janeiro, ano III, n° 28, pp. 73-83, maio de 1938. Disponível em:
http://bndigital.bn.br/acervo-digital/observador-economico/123021. Acesso em: 2
nov. 2019.
P.73 “[...] Foi a introdução no Brasil de escravos africanos contemporanea dos
primordios da colonização dos portuguezes e do estabelecimento, aqui, das
primeiras industrias em que estes applicaram sua actividade productora.
Meado do seculo XVI, o do descobrimento, já se sentira a quasi
imprestabilidade dos aborigines para collaborar eficazmente com o elemento
lusitano na exploração do solo.” (MORAIS, 1938, p.73).

“[...] Por outras palavras, de Gilberto Freyre: - “As exigencias do novo regime
de trabalho, o agrario, o indio não correspondeu, envolvendo-se numa
formidavel tristeza de introvertido. Foi preciso substitui-lo pela energia moça,
tesa, vigorosa, do negro, este um verdadeiro contraste com o selvagem
americano, pela sua extroversão e vivacidade.” E mais adiante: “Si o indios,
de tão boa apparencia e saude, fracassaram, uma vez incorporados ao
systema economico do colonizador, é que foi, para elles, demasiado brusca
a passagem do nomadismo á sedentariedade, da actividade esporadica á
continua; é que nelles se alterou desastrosamente o metabolismo ao novo
rythmo da vida economica e do esforço physico”. (Casa Grande e Senzala,
1ªed., 1933, pags. 190 e 191).” (MORAIS, 1938, p.73, apud FREYRE, 1933,
p. 190-191).
P.74 “[...] De par com outras pequenas industrias, dominou a assucareira. Bem
empregada vem sendo, de uns annos a esta parte, a expressão cyclo do
assucar, applicada ao periodo de actividade economica em que a cultura e a
utilização industrial da canna constituíram a base da fortuna publica e
particular no Brasil”. (MORAIS, 1938, p. 74).

“[...] No final do século XVI, só de tres capitanias do Norte-Pernambuco,


Itamaracá, Parahyba- sahiram 500.000 arrobas de assucar. Existiam, em
Pernambuco, 63 engenhos. Quarenta annos mais tarde, os engenhos
pernambucanos eram em numero de 121. Por esta ultima época — a do
domínio hollandez — havia em Itamaracá22 engenhos e 20 na Parahyba.
Sob a governação de Nassau, a producção total destes engenhos ascendia
a. 1.000.000 de arrobas. Correlatamente, augmentava o trafego marítimo,
quasi todo movido por capitães israelitas. Mais de 120 trafegavam
annualmente. (V. Pedro Calmon, Historia da Civilização Brasileira, ed. de
1933, pag. 29; Gilberto Freyre, obra cit., pag. 27; Helio Vianna, Formação
Brasileira, ed. de 1935, pag. 33)”. (MORAIS, 1938, p.74, apud CALMON,
1933, p. 29, FREYRE, 1933, p. 275 e VIANNA, 1935, p.33).
P.75 “[...] Ora, conforme judiciosamente observa Calogeras, não era Angola o
unico centro exportador. Quanto mandariam os outros? —pergunta elle. E os
descaminhos, isto é, os contrabandos?— insiste em perguntar. Informa o
mesmo bem documentado escriptor que, na phase da dominação
hollandeza, deram entrada em Pernambuco 24. 163 escravos africanos”.
(MORAIS, 1938, p.75).

“[...] Na mineração do ouro, que constituiu, no século XVIII, a industria


maxima de que se fartou a metropole— não só em especie, como em
impostos — era considerável o trabalho escravo. Leiam-se as cartas de
concessão com que varavam os sertões os ambiciosos buscadores do
precioso metal e nellas se verificará, sempre, pelo elevado numero de
batéas, o numero de escravos de cada um”. (MORAIS, 1938, p.75).
P.76 “[...] Pois bem, a despeito de tantas e tamanhas providencias preventivas e
repressivas, ficou provado, contemporaneamente, que, de 1840 a 1847,
exclusive, foram importados 221.800 escravos, sendo a média annual de
27.725. Em 1847 subiu a importação a50. 000, ascendendo a 60.000em
1848...”. (MORAIS, 1938, p.76).

“[...] Enquanto os proprios fazendeiros não começaram a descrer das


vantagens do negocio, percebendo que as suas propriedades (gravadas de
hypothecas para obtenção de capitaes necessários á acquisição de
escravos) iam sendo levada á praça, foi inefficaz a opposicão ao trafico,
embora nella tomasse notoria parte o próprio imperador”. (MORAIS, 1938,
p.76).
P.77 “[...] Sob esta ambiencia favoravel, assim descripta post-factum pelo grande
ministro do gabinete de 29 de setembro, fora projectada a segunda lei
extinctiva do trafico, promulgada a 4 de setembro de 1850. Guardou a lei os
princípios prohibitivos e repressivos da lei de 1831, instituindo, como
jurisdicção de primeira instancia, as auditorias de Marinha. Outra medida de
notável alcance, constante da nova lei, foi a prohibiçao da entrega dos
chamados africanos-livres a particulares. Arrancados pela polícia e pela
justiça, em virtude da lei de 1831, á criminosa escravizarão, eram recolhidos,
provisoriamente, a Casa de Correcção, nunca se promovendo, a serio, o seu
reenvio a África. Empregados, de começo, somente em serviços públicos,
foram sendo, a pouco e pouco, confiados a particulares, sob termo de
responsabilidade, que, realmente, pouco ou nada valia. Centenas de
africano-livres voltaram á condição de escravos !”. (MORAIS, 1938, p.77).

“[...] A este abuso a lei de 1850 procurou obviar. Mas, o que mais realçou os
méritos dos estadistas que promoveram a lei e que a executaram foi o seu
fiel, imparcial e energico cumprimento. Talvez nunca se haja dado, no Brasil,
facto idêntico. Audaciosos contrabandistas negreiros, depositários
clandestinos de escravos, poderosos fazendeiros, todos, todos soffreram,
por igual, os rigores da lei. Os nacionaes eram processados. Os estrangeiros
eram deportados”. (MORAIS, 1938, p.77).
P.78 “[...] Tudo isto foi tido por subversivo, exigindo-se sessão secreta para a
respectiva discussão, não sendo, a despeito da insistência do proponente,
considerado, siquer, objecto de deliberação”. (MORAIS, 1938, p.78).

“[...] Occorre, aqui, significativa manifestação do Conselho de Estado. Por


motivo de um processo originado de barbaridades commettidas contra
escravos no Rio Grande do Sul, alvitrara a Commissão de Justiça do
Conselho fosse pedida ás Camaras uma lei obrigando os senhores a vender
os escravos quando sabidamente maltratados”. (MORAIS, 1938, p.78).
P.79 “[...] Subindo aos conselhos da Corôa o Ministério de 3 de agosto,presidido
por Zacharias de Góes e Vasconcellos, foi respondido á "Junta",por
intermedio do ministro de Estrangeiros Martim Francisco,que"a emancipação
dos escravos,consequencia necessaria da extinção do trafico, era uma
questão de opportunidade". Agitaram-se alguns políticos com esta resposta
e passaram a atacar o imperador, cujo idealismo philantropico foi
indelicadamente censurado”. (MORAIS, 1938, p.79).
“[...] Foram, effectivamente, convocados os conselheiros, e a cada um delles
se remetteu um exemplar impresso dos projectos elaborados por Pimenta
Bueno, dos quaes, manifestamente, não se quizera occupar o gabinete
anterior. Eram, á evidencia, calcados nas leis portuguezas de 14 de
dezembro de 1854, 24 de julho de 1856 e 29 de abril de 1858”. (MORAIS,
1938, p.79).
P.81 “[...] O voto de graça, resposta protocollar do Legislativo-i fala do throno,
reproduziu as mesmas reservas. Redigiu-se um projecto, assente em
esboço elaborado por Nabuco de Araújo. Attendia a algumas das propostas
de Pimenta Bueno. Foi submetido á apreciação do Conselho de Estado.
Retirou-se, porém, o gabinete Zacharias, sem ter tido tempo de offerecer o
projecto ás Camaras”. (MORAIS, 1938, p.81).

“[...] Subiram os conservadores, com o Ministério presidido pelo visconde de


Itaborahy, sendo abandonados quaesquer propositos emancipadores.
Logicamente, não foi feita na fala do throno de 11 de maio de 1869, a menor
allusão ao elemento servil. Interpellado, a respeito, pelo deputado Jeronymo
Teixeira júnior, da província do Rio de Janeiro, respondeu, de prompto, o
presidente do Conselho Ministerial:- Não queríamos aluir os fundamentos
em que, ha tres seculos,se acha assentada a sociedade brasileira.Nada
mais expressivo do immobilismo então dominante nas regiões do poder.
Apresentou o deputado Perdigão Malheiro quatro projectos que foram
mandados a uma commissão especial, COMPOSTA, FM MAIORIA, DE JA'
BEM CONHECIDOS ADEPTOS DO STATUS QUO”. (MORAIS, 1938, p.81).
P.83 “[...] Acolhia as idéas mais acceitas naquellc tempo, a principiar pela de fazer
nascerem livres os filhos das mulheres escravas. Outras providencias
emancipadoras completavam um systema de libertação gradual. Alas,
estava o Brasil sujeito á monocultura do café, subordinadas suas classes
dirigentes á orientação latifundiaria e escravocratica. Esta situação, como
veremos, perdurará, idêntica, ou com pequenas modificações. Já contribuirá,
bastantemente, o trabalho escravo nos cafezaes para dar fortuna, prestigio e
valimento a muitas familias, tornadas nobres por baronato se viscondados,
com que as galardoava o governo imperial. Era a NOBILIARCHIA
CAFEEIRA, detalhada, ainda ha pouco, por Affonso de E. Taunay. Ligavam-
se, portanto, ao regime escravocratico, interesses vultosos de grandes
proprietários ruraes, cujos representantes políticos figuravam na Gamara, no
Senado e entre os conselheiros do imperante. Venceu, todavia, a serena
pertinacia do visconde, conseguindo concretizar os seus principaes
propositos na lei de 28 dê setembro de 1871, popularmente chamada LEI
DO VENTRE LIVRE, cuja decretação fôra precedida de tremendos agouros.
Si, entretanto, fossem estrictamente obedecidas as suas prescripções e
executadas as medidas com que ella pretendera bloquear e enfraquecer a
escravidão, ter-se-ia poupado, o paiz a novas agitações, seria mais
directamente beneficiada a raça negra e o golpe de 13 de maio não adviria
em condições economicamente desastrosas. Sucedem que a lei não foi
cumprida, em parte pelas exigencias da producção agricola, dominadoras da
política, em parte por mal entendido antagonismo partidario, que levara os
liberaes, subindo ao poder em 1878, a menosprezar a lei decretada pelos
conservadores. . . Da inobservância dos preceitos legaes resultaram os
factos e as circumstancias que justificaram a campanha radicalmente
abolicionista. Teve ella inicio em 1879, na tribuna popular e na imprensa,
com Vicente de Souza, José do Patrocínio, André Reboliças, e irrompeu, em
1880, na Camara dos Deputados,pela voz portentosa de Joaquim Nabuco.
Já não se cogitava tão somente de emancipar, respeitada a propriedade
escrava; negava-se a legitimidade da escravidão. O que, em geral, se queria
era a libertação incompensada de todos os escravos, sem delongas, nem
condições. De começo, não ligaram os chamados “partidos constitucionaes
— liberal e conservador — importância ao movimento. Era obra de
idealistas, sem futuro. Por seu turno, não podia o partido republicano pesar
seriamente na balança dos acontecimentos, e, na província onde estava,
relativamente mais bem organizado — S. Paulo — apparecia nitidamente
emancipador, tanto soffria o arrocho de certas considerações pessoaes,
ligadas á condição de agricultores, que era a da maioria dos seus adeptos.
Cinco ministérios liberaes passaram, em quatro annos, pelo poder sem
cuidar do problema.Mas, a extinção do captiveiro na Provincia do Ceará e a
repercussão que o facto teve na Côrte do Império chamaram a attenção dos
políticos para a marcha da idéa abolicionista, mais ou menos esposada por
jornaes de grande influencia no conceito publico”. (MORAIS, 1938, p.83).

“[...] De 1886 para 1887 foi sendo dissolvido o regime social-economico da


escravidão. Nem era mais possivel reter os escravos nas fazendas, das
quaes elles, em São Paulo e Minas, se retiravam pacificamente”. (MORAIS,
1938, p.83).

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