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HIDRÁULICA MARÍTIMA

Estas Notas de Aulas sobre Hidráulica Marítima são um


extrato dos Capítulos 1 a 4, páginas 47 a 324 do Livro
Engenharia Portuária, Segunda Edição (2018), Editora
Edgar Blucher, 1504 páginas, de autoria de Paolo Alfredini
e Emilia Arasaki.

I HIDRODINÂMICA DAS ONDAS DO MAR

A Hidráulica Costeira e Estuarina são disciplinas fundamentais no âmbito da


Hidráulica Marítima, uma vez que costas e estuários se constituem nas áreas de encontro das
águas continentais e oceânicas.
Nesta abordagem é dada ênfase ao movimento das águas e seus efeitos físicos
imediatos.
No âmbito da descrição dos processos costeiros e estuarinos de dinâmica do
escoamento das águas, salina e do transporte de sedimentos, que caracterizam o conjunto
essencial descritivo do comportamento destes corpos d’água, são aqui apresentados os
conhecimentos fundamentais.
Assim, a partir do estabelecimento dos fundamentos do comportamento hidráulico
costeiro e estuarino, são obtidos os subsídios básicos para os princípios gerais relativos ao
controle e aproveitamento destes meios, permitindo a avaliação da viabilidade destas medidas,
tendo em vista também o impacto ambiental por elas produzidas sobre o meio físico.

I.1 VAGAS E ONDULAÇÕES

A agitação das ondas de oscilação desempenha dominante ação em movimentar os


sedimentos do fundo das áreas costeiras, bem como originando as correntes de arrebentação
longitudinais, transversais e nas velocidades de transporte de massa, as quais transportam os
sedimentos.
As ondas podem ser geradas por efeito de ventos locais soprando sobre o mar numa certa
pista de sopro (“fetch”) num determinado tempo, as vagas; ou serem produzidas por tempestades
distantes, quando as ondulações (ou marulhos) têm maior período (digamos certamente acima de
10 s), e consequentemente maior comprimento (digamos acima de 200 m)

I.2 ONDAS NATURAIS

A onda de oscilação do tipo mais simples é a regular, possuindo um único valor de altura,
H, e período, T, sendo cada onda idêntica às outras. Se a onda tem uma altura muito reduzida
comparada com o seu comprimento aproxima-se bem de uma oscilação do nível d’água senoidal.
As ondas naturais no mar compreendem um espectro de períodos, rumos e alturas de
ondas. As ondas naturais são frequentemente descritas somente pela sua altura significativa, Hs, e
pelo seu período médio, Tz,.
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I.3 DISPERSÃO DA ONDA

Aquelas ondas em águas profundas que têm maiores períodos, e consequentemente


maiores comprimentos, deslocam-se mais rapidamente, sendo portanto as primeiras a atingir
regiões afastadas da tempestade que as gerou.
Esta separação das ondas devido às diferentes celeridades é conhecida como dispersão.
Esta característica produz um fenômeno de interferência entre ondas.
A Figura evidencia um simplificado e idealizado exemplo de interferência de dois trens
de onda sinusoidais com pequena diferença de comprimento, e consequentemente de período, e
mesma altura das ondas (H), movendo-se no mesmo rumo. É possível proceder-se à soma dos
dois trens. Nas posições em que as cristas dos dois trens de onda coincidem, estando
completamente em fase, as amplitudes somam-se e a altura de onda observada é 2H. Nas
posições em que as cristas de um trem de onda coincidem com os cavados do outro, os dois trens
de onda estão completamente em oposição de fase, a altura de onda resultante é nula, isto é, as
amplitudes cancelam-se e a superfície d’água tem mínimo deslocamento.

(a) e (b) A composição de dois trens de onda (mostrados em vermelho e azul) de comprimentos
ligeiramente diferentes (mas de mesma amplitude), formando grupos de ondas. (c) Trecho de
ondograma registrado com ondógrafo de ultra-som ao largo da Ilha da Moela em Santos (SP),
numa profundidade de 22 m no dia 18/01/80.

Assim, os dois trens de ondas interagem, cada um perdendo sua identidade individual,
combinando-se na formação de uma série de grupos de onda, separados por regiões quase
ausentes de agitação.
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I.4 CARACTERÍSTICAS ESTATÍSTICAS DAS ALTURAS DAS ONDAS OCEÂNICAS

I.4.1 Distribuição das alturas de ondas numa tempestade

A caracterização de um registro de ondas naturais é frequentemente efetuada pelo


fornecimento da altura de onda significativa e pelo período médio (Tz). Os registros
hidrográficos mostram que a altura de onda significativa corresponde razoavelmente bem à
percepção visual da máxima agitação de um observador experiente, fornecendo resultados
bastante próximos.
N
N

I.4.2 Distribuição estatística de longo período

A estimativa de longo período, acima de dez anos, da distribuição de alturas é


frequentemente efetuada utilizando como parâmetro a altura de onda significativa e permitem
estimativas de períodos de retorno para o projeto de obras costeiras.

NV

Calm
Calm 2%
1%

5%
5%

Palette
Palette
Above 2.5 Above 15
2 - 2.5 13 - 15
1.5 - 2 11 - 13
1 - 1.5 9 - 11
0.5 - 1 7- 9
0.25 - 0.5 5- 7
Below 0.25 Below 5

Rosa Anual de Período Médio


Rosa Anual de Altura Significativa
Rosa de ondas representativas de 1 ano em água profunda da Praia do Una em Iguape (SP).

I.5 EFEITOS DE ÁGUAS RASAS

I.5.1 Empolamento e refração

1.5.1.1 Generalidades

O empolamento e a refração são deformações sofridas pela onda e que ocorrem devido
à diminuição da profundidade e à batimetria que a mesma encontra ao propagar-se em direção
à costa.
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1.5.1.2 Empolamento

O empolamento consiste na alteração da altura da onda devido somente à redução da


profundidade, sendo que pouco antes da arrebentação a onda atinge sua altura máxima. Pode-
se notar que entre profundidades grandes há uma variação desprezável destes parâmetros e
que esta variação se torna grande quando se atinge profundidades pequenas.
Observa-se na Figura uma curva característica do empolamento de uma onda, neste
caso para uma onda de período T = 7s e altura unitária em água profunda.

Teoria de Onda
Teoria Linear de Ondas Solitária

1.4
água água
profunda intermediária arrebenta
1.3

1.2

1.1

1.0

200 100 50 40 30 20 15 13 10 8 6 5 4 3 2 1 0.5

Empolamento de uma onda com período T = 7s e H0 = 1m rumando para a costa.

Considerando a situação em que as ondas se aproximam de águas intermediárias e rasas


com suas frentes formando ângulo com as isóbatas, as frentes tendem a se encurvar tendendo a
reduzir este ângulo. Este fenômeno resulta de que a celeridade se reduz com a redução da
profundidade. Em águas profundas não se produz refração, já que a celeridade independe
! da
profundidade.
H - altura da onda (m)

1.5.1.3 Refração e empolamento

As ondas refratam-se analogamente ao fenômeno da refração de outros tipos de ondas,


como por exemplo das ondas sonoras e luminosas. Ao passar de um meio para outro com
índice de refração diferente, ocorre uma variação na velocidade do som ou da luz, o que causa
uma mudança angular em seu rumo de propagação.
No caso de uma onda hidráulica encontrar uma variação da profundidade que não é
ortogonal ao seu sentido de propagação, h–a mesma frente
profundidade (m) de onda encontra profundidades
diferentes, logo terá para a mesma frente celeridades diferentes. Esta diferença de
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profundidade faz com que parte da frente de onda em água mais profunda tenha uma
celeridade maior do que a parte em água mais rasa, causando a tendência de a frente atingir a
praia paralelamente às curvas batimétricas. A este efeito de curvatura chamamos de refração.
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Vista planimétrica ilustrando a correlação entre o ângulo () de aproximação da onda,


profundidade (h) e comprimento da frende de onda (b). As ortogonais (linhas azuis tracejadas)
são normais às frentes de onda e são as trajetórias seguidas pelos pontos nas frentes de
onda.

Assim, a onda refrata quando sua frente encontra isóbatas oblíquas à sua frente de
propagação, ou, genericamente, quando em uma mesma frente de onda encontram-se
profundidades diferentes.
A mudança de rumo pode ser assinalada pela curvatura das ortogonais, que são linhas
imaginárias perpendiculares às cristas da onda e estendem-se no rumo em que a onda avança.
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Além da mudança do rumo de propagação, a refração também causa alterações na


altura da onda, sendo que neste caso na mesma frente de onda encontram-se alturas diferentes.
Esta mudança de altura independe do fenômeno do empolamento e é causada pelo efeito de
concentração ou desconcentração de energia que pode ocorrer devido à refração.
Observa-se na Figura, através das ortogonais, a refração sofrida pela onda ao longo de
um trecho de linha de costa irregular. Nota-se como a distância entre as ortogonais torna-se
grande na região da enseada, configurando uma região de desconcentração de energia e
consequentemente de ondas de alturas inferiores.

e costa
linha d
enseada

pontal

ortogonal

isóbata

Refração ao longo da linha de costa.

Observando-se o pontal nota-se o inverso, isto é, uma região de forte concentração de


energia e alturas de onda maiores. Como consequência, é bem conhecido que numa linha de
costa como esta predominam areias nas enseadas e pontais rochosos.
Assim, a refração tem uma grande importância na distribuição da energia ao longo da
costa.
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Refração de onda de rumo leste e período de 11 s, para a Baía de Santos.

Rumo: 135o NV (águas profundas)


Período: 7,7 s

Escala Gráfica

Ortogonais de onda com período de 7,7s e rumo de 135oNV em águas profundas incidindo na
região costeira sob influência da foz do Rio Itanhaém (SP). Desenho sobre foto aérea de 1997
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Rumo: 135o NV (águas profundas)


Período: 7,7 s

Escala Gráfica

• Frentes de onda com período de 7,7s e rumo de 135oNV em águas profundas incidindo
na região costeira sob influência da foz do Rio Itanhaém (SP). Desenho sobre foto
aérea de 1997.

Rumo: 135o NV (águas


profundas)
Período: 7,7 s

Escala Gráfica

Frentes e ortogonais de onda com período de 7,7s e rumo de 135oNV em águas profundas
incidindo na região costeira sob influência da foz do Rio Itanhaém (SP). Desenho sobre foto
aérea de 1997.
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I.6.2 Arrebentação

A arrebentação ocorre devido à instabilização que a onda sofre ao encontrar


profundidades rasas. À medida que a onda se propaga sobre fundos de profundidade
decrescente, o seu comprimento vai diminuindo, ao mesmo tempo em que a altura aumenta,
acarretando a redução da celeridade e o aumento da velocidade orbital horizontal. A onda
torna-se cada vez mais esbelta e arrebenta.
O fenômeno da arrebentação das ondas é normalmente associado à desagregação da sua
estrutura e ao aparecimento muito rápido de uma forte turbulência.

Alteração do perfil da onda com a profundidade.

A condição limite da arrebentação ocorre quando o ângulo interno das tangentes à


crista da onda forma 120.
Nas praias de declividade mais suave há normalmente dois tipos fundamentais de
arrebentação das ondas: a progressiva e a mergulhante.
No primeiro, designado por arrebentação progressiva, a onda empola mantendo
praticamente a sua forma simétrica até que uma pequena emulsão ar-água aparece na crista ou
nas suas proximidades. Este início da arrebentação progride até cobrir em geral toda a frente da
onda, mantendo-se a zona turbulenta mais ou menos junto da superfície. Enquanto se processa o
fenômeno da arrebentação a onda continua a propagar-se, mantendo em grande parte seu perfil
simétrico até a linha da costa (profundidade zero). As arrebentações observadas nas praias
durante uma tempestade, quando as ondas são mais esbeltas (vagas), são deste tipo.
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Arrebentação progressiva na Praia dos Pescadores em Itanhaém (SP).

No segundo processo de arrebentação, designado por arrebentação mergulhante ou em


voluta, tem-se um processo muito mais rápido e violento de dissipação de energia (macro-
turbulência). Com a diminuição de profundidade há uma forte deformação do perfil da onda: a
frente da onda encurta e torna-se cada vez mais inclinada (frente côncava), enquanto o tardoz se
alonga tornando-se cada vez mais suave (convexo). Em dado momento a frente torna-se vertical
e a parte superior da crista galga o corpo inferior da onda, caindo em voluta ou mergulho com
considerável força, dissipando a energia em curta distância com grande turbulência. As
arrebentações mergulhantes em praias de declividade suave estão usualmente associadas com as
longas ondulações produzidas por tempestades distantes e caracterizam climas de ondas mais
calmos. As vagas de tempestades locais raramente produzem arrebentações mergulhantes em
praias de declividade suave, mas podem produzi-las em declividades mais íngremes.

Arrebentação mergulhante na Praia de Massaguaçu em Caraguatatuba (SP).


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O tipo de arrebentação é associado normalmente com a declividade da praia e esbeltez da


onda.

I.7 DIFRAÇÃO

A difração é o fenômeno tridimensional oriundo do resultado de uma atenuação da


agitação devido à presença de um obstáculo, sendo responsável pela propagação das ondas nas
zonas de sombra geométrica referidas ao rumo das ondas. Na difração, analogamente ao que se
conhece com a propagação das ondas eletromagnéticas, a energia é transferida ao longo das
frentes de ondas, transversalmente às ortogonais, com celeridade igual à da onda.
À medida em que uma onda passa do extremo de um obstáculo, este extremo pode ser
considerado como uma fonte de geração de ondas que se propagam progressivamente
radialmente na zona de sombra no tardoz do obstáculo, com mesmo período e fase da onda
incidente. A altura da onda decresce à medida em que se procede ao longo dos arcos das frentes
de ondas na zona de sombra.
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(a)

(b)
(a) Difração das cristas das ondas. (b) Alturas das ondas – Porto de Praia Mole.
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I.8 REFLEXÃO

As ondas de oscilação ao incidirem em obstáculos estão sujeitas ao fenômeno da


reflexão, produzindo-se ondas estacionárias.
A onda estacionária pode ser considerada a soma de duas ondas progressivas
propagando-se em rumos opostos. Nas posições em que o nível d’água é constante (nós) ocorre o
máximo deslocamento oscilatório horizontal de vaivém de água, enquanto nas posições em que a
flutuação do nível d’água é máxima (ventres ou antinós) o deslocamento oscilatório horizontal é
desprezável.

Onda estacionária simples.

I.9 CORRENTES LONGITUDINAIS PRODUZIDAS PELA ARREBENTAÇÃO

I.9.1 Considerações gerais

As ondas que se aproximam da costa transportam quantidade de movimento associado,


cuja componente paralela à costa produz as correntes longitudinais, que são de grande
importância para o transporte de sedimentos na zona de arrebentação.
As correntes longitudinais produzidas pela arrebentação da onda desenvolvem-se
paralelamente à linha de costa e as suas medições mostram que é sensivelmente confinada à zona
de arrebentação e que uma substancial variação na velocidade pode existir ao longo da mesma.
Apresentam tipicamente valores em torno de 30 cm/s, não sendo usuais valores acima de 90
cm/s, sendo que velocidades mais alta já são também induzidas pela ação direta do vento.
Embora sejam correntes de baixa velocidade, são importantes para o transporte litorâneo do
conjunto de sedimentos mobilizados pela arrebentação das ondas devido ao seu prolongado
período de atuação.
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perfil planimétrico da
linha de costa corrente longitudinal

limite do espraiamento corrente em "dente de serra"

Nível médio do mar

linha de arrebentação
corrente longitudinal

frente

Corrente longitudinal criada em ataque oblíquo da onda.

II MARÉS E CORRENTES

Considerações gerais sobre a maré astronômica

As características principais da maré astronômica podem ser sintetizadas pela sua


periódica e previsível, usualmente, regular oscilação do nível d’água, de variável magnitude
em altura e com período usual mais comum de 12,42 horas (semi-diurna), correspondendo
portanto a uma onda de longo período.
A subida e descida do nível do mar, respectivamente denominadas de enchente e
vazante, estão associadas com correntes de maré com estofas de defasagem variável com a
preamar e baixa-mar, dependendo das condições locais.
A causa primária da maré é a complexa variação da atração gravitacional da Lua e do
Sol sobre as massas líquidas, devido à contínua mudança da posição relativa dos astros,
balanceada pela centrífuga dos sistemas Terra-Lua e Terra-Sol.
O ciclo completo dos eventos é de 29,5 dias, período denominado de lunação, mês
lunar, ou revolução sinódica, findo o qual Lua e Sol acham-se na mesma posição relativa com
relação à Terra. As maiores amplitudes da maré, com as maiores preamares e menores baixa-
mares são conhecidas como marés de águas vivas, em Lua Nova ou em Lua Cheia, e ambas as
situações são denominadas de sizígia. Quando as amplitudes de maré são as menores são
conhecidas como marés de águas mortas, em Quarto Crescente ou Quarto Minguante, e ambas
as situações são denominadas de quadratura.
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(a)

(b)
(a) Maregrama previsto para o dia 20 de maio de 1947 no marégrafo de Torre Grande, Porto
de Santos (SP).
(b) Previsão de um dia completo da maré para o Porto de Natal (RN).
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(a)

(b)
(a) Maré observada de 04 a 07/02/2000 no marégrafo instalado junto à última ponte do
Estuário do Rio Itanhaém (SP). Condição de sizígia.
(b) Maré observada de 11 a 14/02/2000 no marégrafo instalado junto à última ponte do
Estuário do Rio Itanhaém (SP). Condição de quadratura.

Considerações gerais sobre a maré meteorológica

As condições meteorológicas podem alterar consideravelmente a altura e horário de


uma determinada maré. O vento pode represar a maré, ou reduzi-la e as pressões atmosféricas
também podem sobrelevar o nível (pressão baixa) ou rebaixá-lo (pressão alta). O efeito
combinado de ventos com baixas pressões corresponde às marés meteorológicas positivas,
que constituem ameaça de inundação para as áreas costeiras mais baixas. O efeito oposto é
conhecido como maré meteorológica negativa, sendo problemático em águas rasas para a
navegação.
A Costa Sul e a Leste do Brasil, até o sul da Bahia, estão sujeitas aos efeitos
meteorológicos em intensidade decrescente, em função da penetração de frentes frias pelo
avanço do Anticiclone Polar Atlântico sobre o Anticiclone Tropical Atlântico. Na Baía e
Estuário de Santos (SP) estes efeitos, popularmente conhecidos como ressacas, podem
sobrelevar o nível médio do mar previsto astronomicamente de mais de 0,5 m, chegando a
quase 1 m nas áreas mais confinadas e rasas dos estuários, produzindo rebaixamentos de
ordem de grandeza ligeiramente menores.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Previsão da maré astronômica por análise harmônica

O método harmônico é o mais usual e satisfatório para a previsão de alturas de maré.


Utiliza o conhecimento de que a maré observada é a somatória de um número de
componentes ou marés parciais, cada uma das quais precisamente correspondente com o
período de um dos movimentos astronômicos relativos entre Terra, Sol e Lua. Cada uma das
marés parciais tem uma amplitude e fase que são únicas para uma dada localidade, sendo a
fase a fração do ciclo de maré que foi completada com relação a uma dada referência de
tempo.
O princípio da análise harmônica da maré é o da decomposição do registro
maregráfico numa série de movimentos harmônicos simples, cujas componentes têm precisão
determinística.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Tábuas de marés de 2001 para o Terminal de Ponta da Madeira (MA).


HIDRÁULICA MARÍTIMA

Tábuas de marés de 2001 para o Porto de Santos (SP).


HIDRÁULICA MARÍTIMA

O nível de redução das sondagens adotado pela Diretoria de Hidrografia e Navegação


da Marinha do Brasil corresponde à baixa-mar média de sizígia da Carta Náutica de maior
escala da localidade. O datum vertical adotado para as cotas topográficas nas cartas do IBGE
a nível nacional, ou do IGC no Estado de São Paulo, corresponde ao nível médio do mar
registrado pelo marégrafo de Imbituba (SC).

Correntes de maré

Os movimentos verticais da água associados com a subida e descida da maré são


acompanhados na horizontal por movimentos da água denominados de correntes de maré.
Estas correntes de maré atuam em toda a lamina d’água e apresentam as mesmas
periodicidades que as oscilações verticais

Trajetórias de derivadores em maré de sizígia na Baía de São Marcos (MA).


HIDRÁULICA MARÍTIMA

Trajetórias de derivadores em maré enchente de sizígia na Baía de São Marcos (MA).

Na Figura está apresentado um gráfico polar de correntes de maré a 5 m de


profundidade em condição de maré de sizígia na Ponta da Madeira, na Baía de São Marcos
em São Luís (MA), evidenciando um caráter alternativo e axial nas correntes de enchente e
vazante.

unidade m/s
Gráfico polar de correntes de maré nas proximidades de Ponta da Madeira na Baía de São
Marcos (MA), a 5 m de profundidade em maré de sizígia do dia 12/12/1977.

Variação relativa do nível médio do mar

O nível médio do mar sofre oscilações de longo período, documentadas pelas


evidências geológicas. Nas últimas décadas intensificaram-se os estudos de Hidráulica
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Marítima dedicados à previsão da variação relativa do nível médio do mar, de grande


importância para as áreas costeiras por afetar a dinâmica da agitação, circulação e misturação
das águas nas áreas litorâneas.
Estas variações têm seus efeitos a longo prazo, no entanto o projeto de obras
marítimas não deve desconsiderar a priori o conhecimento, quando disponível, das tendências
locais de variação do nível médio do mar, particularmente em obras com previsão de vida útil
mais longa. De fato, a dinâmica da zona de arrebentação e estuarina são muito sensíveis a
variações da ordem de alguns decímetros no nível médio do mar, bastando citar o efeito sobre
os perfis de praia e a misturação das águas salinas e doces.

III PROCESSOS LITORÂNEOS

III.1 INTRODUÇÃO

A contínua ação dos movimentos do mar sobre a costa, que determina o clima de ondas e
a intensidade e direção das correntes varia em muitas escalas de tempo, desde segundos até
milênios. Também o suprimento de sedimentos é irregular no tempo e no espaço. Portanto, a
qualquer instante a formação e composição granulométrica da costa e do fundo do mar
apresentam um padrão complexo que tende para um equilíbrio dinâmico.
Assim, o equilíbrio das praias é, normalmente, um equilíbrio dinâmico, isto é grandes
quantidades de areia encontram-se normalmente em movimento, mas de tal forma que a
quantidade de material que entra numa área e intervalo de tempo dados é igual, em média, à
quantidade que dela sai no mesmo intervalo de tempo. A posição da linha média da costa é
relativamente estável por um período de meses ou anos, enquanto a posição instantânea sofre
oscilações de curto período.
As praias são erodidas, engordam ou permanecem estáveis dependendo do balanço entre
o volume de sedimentos suprido e disponível e o volume de sedimentos retirado pelo transporte,
resultante principalmente da ação de ondas e correntes nas direções longitudinal e transversal à
praia.
A área de interesse destes estudos está compreendida entre o ponto ao largo onde as
ondas em águas pouco profundas começam a movimentar os sedimentos do fundo e o limite em
terra dos processos marinhos ativos. Este último é usualmente definido por um campo de dunas
ou uma linha de rochedos.
As obras de Engenharia Costeira, alterando o regime natural de transporte de sedimentos,
rompem, em geral, o equilíbrio estabelecido num litoral, embora em todos os projetos procure-se
interferir minimamente na linha de costa estabelecida. Erosões ou assoreamentos excessivos
podem afetar a integridade estrutural ou a utilidade funcional de uma obra costeira.
Frequentemente a falta de material ocorre em algum local, como erosões indesejáveis em praias,
e em outros locais a superabundância de material pode ser problemática, como o assoreamento
de um canal navegável.
Assim, é indispensável a quem se ocupa de trabalhos marítimos conhecer, com
relativa precisão, o modo e a intensidade com que se processa o caminhamento das areias. Desta
forma, a escolha da solução mais adequada, tendo em vista atender um determinado objetivo,
será feita com maior segurança; bem como poderá evitar-se ou resolver-se com maior eficácia os
problemas resultantes da ruptura do equilíbrio dinâmico existente anteriormente à obra.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Ao abordar-se o movimento dos sedimentos no mar é necessário distinguir, antes de tudo,


as zonas antes e depois da arrebentação, já que as características e a intensidade dos movimentos
aluvionares são bastante diferentes.
Os movimentos que se produzem antes da onda arrebentar são, em geral, movimentos de
vaivém, relativamente bem definidos e com uma resultante sempre de pequena intensidade. Ao
contrário, os movimentos aluvionares produzidos durante e após a arrebentação são
extraordinariamente complexos. As quantidades de areias postas em movimento nesta zona são,
em geral, muito grandes, resultando importante o seu conhecimento, pois boa parte das obras
costeiras situam-se nesta área.
O movimento dos sedimentos na zona de arrebentação realiza-se basicamente em duas
direções, resultando movimentos aluvionares muito diferentes quanto às suas características e
consequências.
O transporte que se processa na direção mar-costa, nos dois sentidos, isto é sensivelmente
perpendicular (transversal) às batimétricas, é o responsável pelas alterações do perfil da praia
como resultado da ação das ondas em ataque frontal. Neste transporte o perfil procura adaptar-se
às condições climáticas existentes. Se bem que as quantidades de areia movimentadas possam
ser surpreendentemente grandes, a resultante anual é praticamente nula e a praia oscila entre duas
situações extremas de "bom tempo" e de "mau tempo".
O transporte que se processa na direção paralela à praia, isto é sensivelmente paralelo
(longitudinal) às batimétricas, é consequência do ataque oblíquo das ondas, o que gera na zona
de arrebentação uma corrente responsável pelo carreamento de material nesta direção. Trata-se
de movimento num só sentido ou, pelo menos, de resultante indicando um sentido
predominantemente nítido, do que se conclui que o equilíbrio numa praia sujeita a este
movimento deverá ser forçosamente dinâmico. O rompimento deste equilíbrio poderá vir a
causar problemas importantes, quer de assoreamentos indesejáveis, quer de erosões mais ou
menos graves. Este movimento de sedimentos constitui-se no denominado transporte sedimentos
litorâneo longitudinal.
Com base nestes conhecimentos o Engenheiro Costeiro poderá avaliar mais
adequadamente a eficiência e o impacto da construção de estruturas, dragagens, engordamento
de praias e outras obras que são realizadas na zona costeira para limitar ou reverter erosões ou
deposições. Estas obras muitas vezes superpõem-se a um equilíbrio dinâmico da costa,
resultando numa nova condição de equilíbrio, que pode ou não ser desejável. Assim, as obras
costeiras podem afetar os processos litorâneos por:

• Mudança na taxa e/ou características dos sedimentos supridos à costa


• Ajustamento no nível do fluxo de energia das ondas em direção à costa
• Diretamente interferindo com o processo de transporte de sedimentos costeiro

Como exemplos do primeiro caso podem ser citados: a construção de uma barragem que
retenha sedimentos de um rio que desemboca a barlamar de uma costa, e, portanto, prive a
mesma do aporte de sedimentos; colocação periódica de areia diretamente na praia para engordá-
la. Exemplos do segundo e terceiro casos são, respectivamente: construção de um quebra-mar
destacado que intercepta a aproximação das ondas à praia, reduzindo consequentemente o
transporte de sedimentos ao longo da mesma e induzido pelas ondas; construção de um espigão
atravessando a zona de arrebentação e interrompendo diretamente as correntes ao longo da praia,
que são induzidas pelas ondas, e o transporte de sedimentos.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

III.2 ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DOS SEDIMENTOS DE PRAIA

III.2.1 Generalidades

A areia de praia representa o último produto da erosão de rochas cristalinas, produzido


por rios ou por geleiras atualmente desaparecidas (origem terrígena), trazido ao mar.
É extremamente raro, e praticamente pode-se excluir, que a areia de praia provenha da
erosão direta das costas atuais (as quais produzem apenas blocos, seixos e lodo) ou mesmo da
progressiva abrasão dos seixos.
A areia de praia também pode ser proveniente da destruição de bancos conchíferos ou de
coral pela abrasão produzida pelas ondas ou pela ação perfurante de certos microorganismos.
Provém de rios ou geleiras atuais e mesmo de aportes eólicos. A areia é então:

• calcárea no primeiro caso;


• silicosa, calcárea, basáltica ou xistosa no segundo caso.

A maior parte do material sólido é carreado para as áreas marítimas como transporte
sólido em suspensão, existindo também pequena carga sólida proveniente do transporte por
arrastamento de fundo.
A areia de praia é composta predominantemente de grãos de sílica com fragmentos de
minerais pesados.

III.2.2 Balanço Sedimentar

III.2.2.1 Elementos do balanço sedimentar

O balanço sedimentar é um balanço volumétrico do transporte de sedimentos para um


segmento selecionado da costa. É fundamentado na quantificação do transporte de sedimentos,
erosão e deposição para um determinado volume de controle. Usualmente, as quantidades de
sedimentos são relacionadas de acordo com as fontes, sumidouros e processos que produzem
aumentos ou subtrações. O objetivo de um balanço sedimentar é permitir ao Engenheiro Costeiro
identificar os processos mais relevantes, estimar taxas volumétricas requeridas para os objetivos
do projeto, assinalar os processos mais significativos para ter-se especial atenção.
Qualquer processo que aumente a quantidade de areia no volume de controle definido é
denominado uma fonte. Qualquer processo que diminui a quantidade de areia no volume de
controle é denominado sumidouro.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

O balanço sedimentar na zona litorânea.

Num balanço sedimentar a importância relativa das diferentes, fontes e sumidouros é


variável, sendo algumas delas até desprezáveis.

III.2.3 Características dos Sedimentos de Praia

Com a denominação de costa, margem ou litoral indica-se genericamente a área que


constitui a faixa de interface entre a terra emersa e o mar.
O perfil transversal de um litoral pode ser subdividido num certo número de zonas
características, cuja importância está ligada aos efeitos que sobre elas são determinadas pela ação
das correntes marítimas e do movimento das ondas.
Na Figura está esquematizado um perfil transversal de um litoral.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Perfil transversal da zona litorânea com as zonas de influência da maré e ação da onda .

Os dois extremos da maré num dado local definem o estirâncio, zona sujeita à excursão
de maré. Indica-se como fundo submarino a zona ilimitada que se estende ao largo do mais baixo
nível da maré, correspondendo à zona que nunca fica emersa.
Define-se como praia a zona que se estende entre o limite mais baixo da maré e o limite
superior no qual são sentidos os efeitos dinâmicos do movimento das ondas, que se situa em
geral mais para a costa do que o nível da maré alta.
Os sedimentos que são carreados ao mar a partir da terra variam de dimensão, desde os
mais finos, como as argilas, até as areias grosseiras e fragmentos de rocha
As observações das dimensões dos materiais de praia sujeitas ao ataque de ondas indicam
que muito pouco material mais fino do que 0,2 mm está presente. O material mais fino é
carreado para o largo em maiores profundidades, como resultado da ação de correntes.
A maior parte das areias de praia é predominantemente composta de quartzo, mineral
mecanicamente durável e quimicamente inerte, cuja densidade é de 2,65. Pequenas quantidades
de feldspato (2,54 a 2,64 de densidade), carbonatos (conchas, corais) e minerais pesados (com
densidades superiores a 2,87) completam a composição. Assim a densidade dos grãos situa-se
em torno de 2,6. A densidade aparente das areias varia usualmente de 1,45 a 1,85 quando secas e
de 1,90 a 2,15 quando saturadas.

III.3 CIRCULAÇÃO INDUZIDA PELAS ONDAS JUNTO À COSTA

III.3.1 Generalidades

Nas praias arenosas as ondas normalmente assumem o principal papel na geração das
correntes litorâneas e, em muitas praias, é facilmente notada a existência de fortes correntes
induzidas pelas ondas com direções paralelas ou ortogonais à linha de costa.
Quando a onda arrebenta uma massa fluida é injetada na zona de arrebentação (jato de
arrebentação) formando uma onda de translação. Esta massa d'água possui uma certa energia e
quantidade de movimento. Dois casos podem ser considerados: o ataque frontal e o mais geral
ataque oblíquo.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

III.3.2 Ataque frontal

Trata-se do caso em que as cristas das ondas são paralelas à linha da costa e a água que
atravessa a linha de arrebentação tende a acumular-se junto à costa. Deste modo, cria-se uma
carga que produzirá o retorno da água para o largo, mantendo-se, em média, o equilíbrio entre os
volumes que passam num e noutro sentido (condição de continuidade num período de onda). É o
caso em que as frentes das ondas arrebentam praticamente paralelamente à linha de costa. O
retorno da água pode ocorrer de duas maneiras diferentes: ou sob a forma de correntes de
concentração (“rip currents”) ou sob a forma de um retorno imediato, uniformemente
distribuído ao longo da linha de arrebentação.

Zona de arrebentação
e espraiamento
Limite do espraiamento

Linha externa
Linha interna de arrebentação
Espraiamento de arrebentação
N. A. em repouso

MMBM
Corrente Profundidade de arrebentação
de retorno
Barra interna
Estirâncio
Barra externa
(interna na baixa-mar) Barra profunda
(externa na
baixa-mar)

Padrão de circulação das correntes induzidas pela arrebentação no perfil transversal.

III.3.3 Ataque oblíquo

Trata-se do caso tridimensional, o mais comum na natureza. Aqui existe uma


componente de quantidade de movimento paralela à praia e a água que atravessa a seção de
arrebentação, ao mesmo tempo que se acumula junto à costa, adquire movimento mais ou
menos paralelo à costa segundo a corrente longitudinal.
A máxima velocidade da corrente longitudinal situa-se logo após a arrebentação. Já
foram medidos valores máximos desta corrente até 1,3 m/s, correspondendo a valores médios de
0,3 m/s.

III.4 DESCRIÇÃO DO TRANSPORTE DE SEDIMENTOS LITORÂNEO

As questões envolvidas nos projetos de Engenharia Costeira e Portuária geralmente


requerem respostas a uma ou mais das seguintes questões:
HIDRÁULICA MARÍTIMA

• Quais são as condições do transporte de sedimentos litorâneo locais?


• Qual a tendência de migração da costa a curto e longo prazo?
• Qual a distância para o largo em que a areia está sendo ativamente movimentada?
• Qual a direção e a taxa do movimento de sedimentos transversal?
• Qual a forma média e o espectro de variação para o perfil de praia?
• Qual o efeito da estrutura nas praias adjacentes e no transporte de sedimentos litorâneo?

Tendo em vista as respostas a estas questões, pode-se projetar e gerir obras de defesa dos
litorais, tais como: espigões, quebra-mares, muros, engordamento artificial de praias; ou visando
a segurança da navegação, tais como: molhes, guias-correntes, canais de navegação e dragagens.
O transporte de sedimentos ocorre de dois modos: por arrastamento de fundo dos grãos
que se arrastam sobre o leito devido à ação do escoamento e em suspensão pelas correntes após
os grãos terem sido levantados do leito pela turbulência.
As quantidades de areia postas em movimento nesta zona são normalmente muito
grandes e daí a sua importância para o Engenheiro Costeiro, ainda mais que é nesta zona que em
geral são construídas as suas obras.

O movimento de sedimentos transversal à praia resulta de mudanças sazonais no clima


de ondas. Assim, a areia é normalmente movimentada da costa para o largo nos meses de
inverno, quando vagas de curto período e maior esbeltez ocorrem; enquanto nos meses de
verão o movimento se dá no sentido inverso pela ação da ondulação de maior período e menor
esbeltez.

III.5 Perfis de praia e formações costeiras típicas

III.5.1 Perfis transversais de praia

III.5.1.1 Perfil de equilíbrio

Chama-se perfil de equilíbrio (ou limite) de praia aquele que uma dada onda formaria
num dado material não coesivo de praia se a sua ação durasse indefinidamente. Noutras palavras,
sob a ação de uma onda, caracterizada pelos parâmetros altura, período e rumo numa dada
profundidade, o perfil inicial da praia altera-se até atingir um estágio de equilíbrio no qual o
perfil fica inalterado. Este, por definição, é o perfil de equilíbrio para a onda e o material em
consideração.
Classificam-se em dois tipos extremos: o chamado "perfil de verão", ou "de bom tempo"
ou "de engordamento", ou "com barra emersa"; e o chamado "perfil de inverno", ou de “mau
tempo”, ou “de erosão”, ou “com barra imersa”.
O "perfil com barra emersa" caracteriza-se por maiores declividades no estirâncio,
avanço (à altura do nível d'água em repouso) em relação a um perfil inicial de menor declividade
e formação da barra. O "perfil com barra imersa" caracteriza-se por menores declividades no
estirâncio, recuo (à altura do nível d'água em repouso) em relação a um perfil inicial de maior
declividade e aparecimento de barra. No caso mais geral, em que a praia está sujeita à variação
do nível d'água causado pela maré e a um clima de ondas complexo observam-se alternâncias de
épocas de erosão, quando a praia é atacada por vagas e ondas esbeltas durante a estação de mau
HIDRÁULICA MARÍTIMA

tempo, para épocas de engordamento, quando somente chega à praia ondulação proveniente do
largo e de baixa esbeltez durante estação de bom tempo.

III.5.1.2 Importância e características dos perfis transversais de praia

Os perfis transversais de praia são medidos perpendicularmente à linha da costa na zona


ativa de movimentação sedimentar e são de grande importância para os estudos de Engenharia
Costeira. Esta zona ativa estende-se tipicamente de campos de dunas, ou linhas de rochedos, ou
área de vegetação permanente a um ponto ao largo onde se tem transporte incipiente das areias
devido à ação das ondas (usualmente profundidades de aproximadamente 10m em mar aberto).

Diagrama esquemático do ataque de onda de tempestade na praia e duna.


HIDRÁULICA MARÍTIMA

IV HIDRÁULICA ESTUARINA
IV.1 DESCRIÇÃO GERAL DAS EMBOCADURAS MARÍTIMAS

IV.1.1 Definição generalizada de estuário e a importância do seu estudo

IV.1.1.1 Definição clássica de estuário

A definição clássica de estuário é a de um corpo d’água costeiro aonde, que é e tem:

• Semi-fechado.
• Livre conexão com o mar aberto.
• Salinidade mensuravelmente diluída pela água doce oriunda da drenagem hidrográfica.
• Dimensões menores do que mares fechados.

Na prática, esta definição muito restritiva pode abranger funcionalmente:

• Baías sujeitas a marés.


• Trechos fluviais sujeitos a marés.
• Trechos costeiros sujeitos a vazões fluviais.

IV.1.1.2 Importância das razões de estudar áreas estuarinas

As áreas estuarinas constituem-se em áreas de grande importância sócio-econômica e


ambiental, devendo seu gerenciamento estar embasado nos princípios do desenvolvimento
sustentado.
Os estuários e seu entorno apresentam-se com uma, ou normalmente várias, das
seguintes características:

• Grande densidade populacional.


• Áreas portuárias e de navegação.
• Áreas de segurança naval.
• Abundância de recursos pesqueiros.
• Áreas de diluição de efluentes domésticos e/ou industriais.
• Áreas de recreação e lazer.

Desta sucinta caracterização, evidenciam-se os múltiplos usos dos recursos hídricos e


sua conflitiva nas áreas estuarinas.

IV.1.1.3 Características das zonas referentes à definição funcional de estuário

No âmbito da definição funcional de estuário apresentada no item IV.1.1.1, pode-se


apresentar uma subdivisão de zonas do estuário como a seguir relacionado:
HIDRÁULICA MARÍTIMA

• Zona fluvial: é caracterizada por escoamento unidirecional, sem influência de maré, com
salinidades desprezáveis (abaixo de 0,1 g/L).

• Zona flúvio-marítima: é caracterizada por estar sob influência da maré, apresentando


escoamento de rumo reversível nos trechos mais rumo ao mar, apresentando salinidades
inferiores a 1 g/L e extensões dependentes da forma do estuário e magnitude da maré,
podendo atingir de dezenas a centenas de Km.

• Zona de mistura estuarina: Constitui-se no estuário propriamente dito, apresentando


influência da maré e escoamento reversível, com as seguintes características:

• Extensão: trata-se de uma fronteira dinâmica rumo para terra, com salinidade de 1 g/L,
estendendo-se até a embocadura ou foz fluvial.
• Delta de maré vazante: trata-se de um alto fundo de barras arenosas, formadas pelo
mecanismo de captura do transporte litorâneo pelo efeito de “molhe hidráulico” e difusão
de correntes exercido pela descarga da embocadura.
• Delta de maré enchente: trata-se de um alto fundo arenoso produzido pela captura do
transporte litorâneo pelas correntes de enchente.
• Zona de turbidez máxima: trata-se da região com máxima concentração de sedimentos em
suspensão devido à floculação dos sedimentos finos (argila e silte), situando-se
aproximadamente no entorno de salinidades de 4 a 8 g/L, isto é dependendo da maré e da
vazão de água doce.

Definição funcional de estuário.


HIDRÁULICA MARÍTIMA

Esquema de um estuário típico. As fronteiras são zonas de transição que oscilam de acordo com
as estações, o clima e as marés.

IV.1.2 Classificação dos estuários

A classificação dos estuários apresenta três categorias básicas de formações: laguna,


estuário e delta. Na ordem citada cresce o domínio dos processos fluviais de aporte sólido
sobre os processos marítimos litorâneos e de marés, e consequentemente a granulometria
sedimentar se afina.
Os estuários, segundo esta classificação, são característicos de regiões aonde a
variação da maré é relativamente grande e o transporte de sedimentos fluvial não é muito
elevado.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

O Estuário do Rio Itajaí-Açu (SC), e suas subdivisões em baixo, médio e alto estuário.

Complexo Estuarino - Lagunar de Iguape-Cananéia e Estuário do Rio Ribeira do Iguape(SP).


HIDRÁULICA MARÍTIMA

Os deltas são característicos de regiões aonde a ação da maré e ondas é moderada ou


pequena comparativamente ao aporte de sedimentos fluvial, tornando uma formação estuarina
pré-existente completamente colmatada pela incapacidade de dispersão dos aportes
sedimentares. Trata-se de uma acumulação costeira de sedimentos fluviais, que se estende
tanto acima como abaixo do nível do mar próximo à desembocadura fluvial. Por sua forma
lembrando a letra grega delta maiúsculo, a formação da desembocadura do Rio Nilo no Mar
Mediterrâneo (Egito) deu origem à denominação. Usualmente os rios formadores possuem
uma vasta bacia hidrográfica, que supre grandes vazões líquidas e sólidas. Constituem-se
frequentemente em extensas áreas alagadiças de alta produtividade biológica e fertilidade,
tornando-as, entre outros motivos, importantes áreas de conservação. São também regiões em
que espessas camadas de sedimentos e vegetação acumulam-se rapidamente, sendo, portanto,
páleo-deltas importantes fontes de petróleo, gás e carvão.

Delta do Rio Nilo(Egito).

As lagunas constituem-se num corpo d’água junto a costa muito plana, separado do
largo por um cordão de areia, muitas vezes uma ilha barreira, com variável número de
aberturas. O desenvolvimento deste último é resultado da interação entre correntes de maré e
correntes litorâneas, associados a características geológicas, localização dos canais lagunares
e geometria da laguna. Na Figura está apresentado o trecho costeiro nordeste da Itália, no Mar
Adriático, que se apresenta extremamente complexo, abrigando o Delta do Rio Po e várias
lagunas costeiras, das quais a mais famosa é a de Veneza.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Delta do Rio Po (Itália) no Mar Adriático. Observa-se a pluma de sedimentos descarregados.


Ao sul e ao norte estão as áreas lagunares de Comacchio e Venezia.

IV.1.3 Características gerais dos processos estuarinos

IV.1.3.1 Propagação da maré

A propagação da maré em estuários através das correntes de maré é muito importante


pelo transporte de sedimentos que promovem, modelando os fundos aluvionares e atuando em
toda a profundidade líquida como forçante do transporte de sedimentos em suspensão.
As correntes de maré são essencialmente periódicas e de rumo variável, descrevendo o
vetor velocidade ao longo do período de maré uma rosa de correntes. São ditas alternativas ou
reversíveis aquelas que apresentam uma rosa muito achatada, com correntes de enchente e
vazante de direções sensivelmente opostas e estofas de corrente com anulação quase que
completa da velocidade.
As correntes de maré em embocaduras estuarinas são induzidas tanto por marés
astronômicas (previsíveis) quanto pela superposição de efeitos climáticos (meteorológicos)
sobre a extremidade marítima, devido à circulação atmosférica. A DHN da Marinha do Brasil
tem publicadas cartas de correntes de maré para previsão das velocidades de alguns dos
principais portos brasileiros.

IV.1.3.2 Escoamento fluvial e seus efeitos

A caracterização da distribuição da salinidade no estuário tem repercussões sobre a


circulação de correntes, sobre a qualidade das águas e sobre o transporte de sedimentos.
O movimento de água doce saindo do estuário para o mar é acompanhado pela entrada
de água salgada para o interior do estuário.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

O balanço do transporte de água e sedimentos durante um ciclo de maré é para o mar


em todas as profundidades.

Representação esquemática da circulação de água, distribuição de salinidade e gradientes de


velocidade em estuário com cunha salina.
(a) Perfil longitudinal da circulação de água. As setas horizontais indicam a circulação
residual. Para o mar na superfície, devido à misturação e escoamento do rio, e para terra no
fundo, devido à misturação vertical através da interface água do rio/água salgada.
(b) Seção longitudinal dos gradientes salinos.
(c) Perfil vertical de salinidade na posição indicada pela linha vertical tracejada em (b).
(d) Perfil vertical de velocidade ao longo da linha tracejada vertical em (b) (perfil
longitudinal) mostrando os escoamentos residuais.

IV.1.3.3 Processos sedimentológicos

Os processos sedimentológicos relativos ao transporte sólido em estuários são


caracterizados pela presença de sedimentos mais finos do que os em geral intervenientes nos
processos litorâneos. A areia média e grosseira acumula-se de preferência nos canais bem
marcados pelas fortes correntes de maré. As areias misturadas com vasa acumulam-se de
preferência ao lado dos canais, enquanto sobre as ilhas ou bancos aumenta a proporção de
vasa, quanto mais afastados das zonas de fortes correntes. Em regiões de maior calma
encontra-se de 95 a 99% de material com dimensão inferior a 40 m. Assim, as bacias e
portos situados em estuários constituem-se em áreas particularmente favoráveis ao
envasamento.
O transporte de sedimentos em suspensão é o principal modo de transporte estuarino,
responsável pela movimentação de 75 a 95% da carga sólida total. Os siltes e areias finas são
transportados predominantemente por este mecanismo. Os sólidos mais finos, argila e silte,
manifestam características coesivas.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

(a)
Perfis verticais/longitudinais ao longo do estuário do Rio Itajaí-Açu de salinidade (‰, A) e
concentração de sedimentos em suspensão (mg.L-1, B). Este perfil foi realizado no dia 5 de
março de 1999, com descarga fluvial de 233 m3.s-1.

IV.2 INTRUSÃO SALINA EM ESTUÁRIOS

IV.2.1 Descrição da dinâmica da intrusão salina

IV.2.1.1 Estratificação em estuários

A estratificação salina é fundamentalmente devida às variações de salinidade das


águas, usualmente de 0 a 35 g/L.
Quanto à estratificação, os estuários podem ser classificados basicamente em três
categorias:

• Estuário em cunha salina


Desenvolve-se em condições nas quais um rio deságua num mar com maré muito
fraca. A água fluvial menos densa flui sobre a superfície da água mais densa, água salgada
marinha, a qual, por não haver virtualmente nenhum movimento de corrente de maré, pode ser
considerada como uma cunha salina estacionária no tempo que se afunila subindo o rio.

• Estuário parcialmente misturado (ou parcialmente estratificado)


HIDRÁULICA MARÍTIMA

• Estuário bem misturado

IV.3 PROCESSOS SEDIMENTOLÓGICOS

IV.3.1 Fontes sedimentares

IV.3.1.1 Considerações gerais

As fontes sedimentares que contribuem com seu aporte para uma área estuarina podem
ser inicialmente subdivididas quanto à origem imediata em terra ou no mar.
Na extremidade marítima das embocaduras de maré e foz de rios usualmente existem
grandes depósitos aluvionares devido à captação de sedimentos na maré vazante e pela
atuação do transporte litorâneo. Estes depósitos, denominados de delta de maré vazante ou
barra fluvial, são constituídos de areias e formam-se pela redução da competência do
escoamento em transportar partículas sedimentares, isto é da capacidade de transporte.
Pelas mesmas razões, forma-se do lado interno da embocadura um delta de maré
enchente.
Ambos estes corpos arenosos são muito dinâmicos, mudando de posição
frequentemente e periodicamente sendo comumente objeto de dragagem em áreas de
importância para a navegação.
Os fundos estuarinos internos são usualmente constituídos de areias marinhas que
penetram pela embocadura através da circulação gravitacional e/ou residual.
Frequentemente formam-se dunas e ondulações de fundo nos canais marcados pelas
correntes de maré.
Depósitos de lama no interior do estuário indicam a posição média da zona de máxima
turbidez.
A retenção de sedimentos na bacia hidrográfica contribuinte, situação que pode
ocorrer com a construção de aproveitamentos de barragens, pode desencadear a erosão
costeira, como, por exemplo, ocorreu nos rios Nilo (Egito), Ródano (França), Paraíba do Sul
(RJ) e São Francisco (SE/AL), trazendo problemas aos assentamentos urbanos que se situem
nesta área.
Por outro lado, a erosão rural, motivada por desmatamentos, práticas agrícolas,
implantação de loteamentos, aumenta o aporte sedimentar aos estuários, trazendo problemas
para os portos e canais de navegação ali implantados.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Acumulação e movimento de lama fluida em estuário parcialmente misturado. Onde (a) é o


caso geral, (b) em maré de quadratura e (c) em maré de sizígia.
HIDRÁULICA MARÍTIMA

Distribuição dos sedimentos de fundo do Estuário Santista (SP).

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