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A FESTA (Party time, 1991)


Harold Pinter

TERRY – quarentão
GAVIN – cinquentão
DUSTY – moça de 20 anos
MELISSA – setentona
LIZ – trintona
CHARLOTTE – trintona
FRED – quarentão
DOUGLAS – cinquentão
JIMMY – jovem

No apartamento de Gavin.
Sala grande. Sofás, poltronas, etc. As pessoas estão sentadas, em pé.
Um garçom está servindo bebidas.
Duas portas. Uma porta, que nunca é usada, está semi-aberta, de onde
vem uma luz fraca.
Gavin e Terry estão em pé no proscênio. Os outros estão sentados em
meia luz, bebendo.
Há músicas durante a peça toda.

TERRY – Estou te falando, tem tudo.


GAVIN – Tem?
TERRY – Ah, é. Tem classe.
GAVIN – É mesmo?
TERRY – Tem classe. O que eu quero dizer é que você joga um tênis,
dá uma bela nadada, tem um bar pertinho...
GAVIN – Onde?
TERRY – Perto da piscina. Você pode tomar um belo suco de frutas,
sem pagar nada, e eles te dão uma toalha quente fantástica...
GAVIN – Quente?
TERRY – Maravilhoso. E é bem quente. Eu não estou brincando.
GAVIN – Como no barbeiro.
TERRY – Barbeiro?
GAVIN – No barbeiro. Quando eu era garoto.
TERRY – Ah é? (Pausa) O que você quer dizer?
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GAVIN – Eles costumavam colocar uma toalha quente no seu rosto,


sabe, sobre o teu nariz e os teus olhos. Eu fiz isso uma porção de vezes.
Você se livra de todos os cravos, todos os cravos do teu rosto.
TERRY – Cravos?
GAVIN – É, eles saem. Por isso que as toalhas têm que ser bem
quentes, o máximo que você pode agüentar. O barbeiro perguntava:
“Está muito quente para o senhor?” Sumia com todos os cravos da tua
pele.
(Pausa)
Nasci no interior, claro. Eu não estou falando somente das barbearias do
interior. Não, eu tenho certeza que toalhas quentes para cravos eram
usadas em qualquer barbearia. É, eu acho que era um hábito daquela
época.
TERRY – É. Claro que era. Claro que era. Mas não, essas toalhas que
eu estou falando são toalhas de banho enormes, toalhas para o corpo,
estou falando de puro conforto, é por isso que estou te falando, que o
lugar tem classe, tem tudo. Imagina você, tem uma lista de espera que
não tem tamanho – você tem que ser convidado, e aí você é recebido,
conduzido e alguém te acompanha na saída. Eles não deixam nenhum
pé rapado entrar lá não, entende?
GAVIN – Está certo.
TERRY – Mas claro que nem é preciso dizer que uma pessoa como você
seria muito bem vinda – como membro honorário.
GAVIN – Muito gentil.
(Dusty entra pela porta e se junta a eles)
DUSTY – Vocês ouviram o que aconteceu com Jimmy? O que aconteceu
com Jimmy?
TERRY – Não aconteceu nada.
DUSTY – Nada?
TERRY – Ninguém está discutindo isso. Ninguém está discutindo isso,
doçura. Está me entendendo? Não aconteceu nada pro Jimmy. E se
você não ficar bonitinha, eu vou te dar umas palmadas.
DUSTY – O que está acontecendo?
TERRY – Fala pra ele sobre a academia nova. Eu estava contando
sobre a academia. Ela é sócia.
GAVIN – Como é que é?
DUSTY – Ah, é maravilhoso. Tem tudo. É maravilhoso. A iluminação é
maravilhosa. Não é? Você contou pra ele das sacadas?
TERRY – Bem, tem um bar, sabe, com sacadas envidraçadas que dão
pra debaixo d’água.
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DUSTY – As pessoas nadam pra você, sabe, enquanto você está


tomando um drinque.
TERRY – Meninas lindas.
DUSTY – E homens.
TERRY – Mais meninas.
DUSTY – Você falou da comida?
TERRY – O caneloni é delicioso.
DUSTY - De primeira classe. A comida é realmente de primeira classe.
(Melissa entra pela porta e se junta a eles)
MELISSA – Pelo amor de Deus, o que está acontecendo lá fora? É como
se fosse a Morte Negra.
TERRY – O que é?
MELISSA – A cidade está morta. Não há ninguém nas ruas, não tem
nenhuma alma viva, com exceção de... alguns soldados. Meu motorista
teve que parar... sabe... como é que se chama? ... numa blitz. Tivemos
que dizer quem éramos... realmente foi uma bobajada...
GAVIN – Ah, está havendo um pouco de... você sabe...
TERRY – Não é nada. Posso te apresentar? Gavin White, nosso
anfitrião. Melissa.
GAVIN – Que bom que você veio!
TERRY – O que vocês estão bebendo? (O garçom se aproxima) Quer
um copo de vinho. (Oferece a Melissa um copo de vinho)
DUSTY – Fico ouvindo todas essas coisas. Eu não sei em que acreditar.
MELISSA (para Gavin) – Que festa gostosa!
TERRY (para Dusty) – O que você disse?
DUSTY – Eu disse que eu não sei em que acreditar.
TERRY – Você não tem que acreditar em nada. Você só tem que calar a
boca e cuidar dos teus negócios. Quantas vezes eu tenho que te dizer?
Você vem a uma festa gostosa como essa, e tudo o que você tem que
fazer é calar a boca, aproveitar a hospitalidade e cuidar dos teus
malditos negócios. Quantas vezes mais eu vou ter que falar isso? Você
fica ouvindo todas essas coisas. Você fica ouvindo todas essas coisas
que se espalham de fofocas sobre fofocas. O que isso tem a ver com
você?

(Luzes em Liz e Charlotte, que estão sentadas no sofá).

LIZ – Tão lindo. A boca... e, claro, os olhos.


CHARLOTTE – É.
LIZ – Para não falar das mãos. Vou lhe dizer, eu teria matado...
CHARLOTTE – Estou vendo.
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LIZ – Mas aquela vagabunda estava agarrada nele.


CHARLOTTE – Eu sei.
LIZ – Pensei que ela fosse amassá-lo até a morte.
CHARLOTTE – Inacreditável.
LIZ – A saia dela estava quase no pescoço – você reparou?
CHARLOTTE – Uma sem-vergonha.
LIZ – E num minuto ela o estava arrastando escada acima.
CHARLOTTE – Eu vi.
LIZ – Mas no que ele estava indo, você viu o que ele fez.
CHARLOTTE – O quê?
LIZ – Olhou para mim.
CHARLOTTE – Foi mesmo? Verdade?
LIZ – Juro. No que ele estava sendo arrastado, ele olhou para trás, olhou
para trás, justo, para mim, como um bicho ferido. Eu jamais esquecerei
aquele olhar.
CHARLOTTE – Que lindo!
LIZ – Eu poderia ter cortado a garganta daquela ninfomaníaca ordinária.
CHARLOTTE – Mas, pense no que aconteceu. Pense no lado bom
disso. Para você foi amor. Foi isso, não foi? Você se apaixonou.
LIZ – Foi mesmo. Você está certa. Eu me apaixonei. Eu estou
apaixonada. Não dormi a noite toda. Estou completamente apaixonada.
CHARLOTTE – E quantas vezes isso acontece? Aí é que está. Quantas
vezes isso realmente acontece? Quantas pessoas podem experimentar
esse sentimento, uma coisa assim.
LIZ – Verdade. É verdade. E acontecer comigo – comigo.
CHARLOTTE – Por isso é que você está sofrendo.
LIZ – É porque aquela coisinha de nada...
CHARLOTTE – Seduziu o homem que você ama.
LIZ – Foi o que ela fez. Foi isso o que ela fez. Ela seduziu o meu amor.

(Luzes em Fred e Douglas, que estão bebendo).

FRED – Temos que fazer funcionar.


DOUGLAS – O quê?
FRED – O país.
(Pausa)
DOUGLAS – Você botou a casa abaixo com isso, Fred.
FRED – Mas é isso que importa. É isso que importa. Não é?
DOUGLAS – Ah, é o que importa. É o que importa. Claro que é o que
importa. Toda essa merda tem que parar.
FRED – Você acha mesmo?
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DOUGLAS – Acho sim.


FRED – Eu admiro pessoas como você.
DOUGLAS – Eu também.
(Fred aperta seu pulso)
FRED – Um pouco disso.
(Douglas aperta seu pulso)
DOUGLAS – Um pouco disso.
(Pausa)
FRED – Como está indo essa noite?
DOUGLAS – Como um relógio. Olha. Deixa eu te dizer uma coisa. Nós
queremos paz. Nós queremos paz e nós vamos conseguir.
FRED – Está certo.
DOUGLAS – Nós queremos paz e nós vamos conseguir. Mas nós
queremos que essa paz seja ferro fundido. Sem fendas. Sem riscos.
Ferro fundido. Firme como um tambor. Esse é o tipo de paz que
queremos e é essa a espécie de paz que vamos conseguir. Uma paz de
ferro fundido. (Ele aperta seu pulso) Como isso.
FRED – Você sabe, eu realmente admiro pessoas como você.
DOUGLAS – Eu também.

(Luzes em Melissa, Dusty, Terry e Gavin).

MELISSA (para Dusty) – Gentileza sua dizer isso.


DUSTY – Mas você realmente tem uma bela figura. Honestamente. Não
tem?
TERRY – Conheço você há muitos anos. Não conheço? Há quantos
anos eu te conheço? Anos. E ela sempre foi assim. Não é? Ela sempre
pareceu a mesma. Não é?
GAVIN – É?
DUSTY – Sempre. Não é?
TERRY – É. Não é verdade?
MELISSA – Ah, vocês estão brincando.
TERRY – Eu não. Eu nunca brinco. Você já me viu contando uma piada?
MELISSA – Não, e se eu ainda pareço a mesma, é provavelmente
porque eu entrei para a academia nova – (Para Gavin) Você conhece?
TERRY – Nós estávamos falando para ele. Estávamos acabando de
contar pra ele da academia.
MELISSA – Ah, é?
GAVIN – É, agora mesmo. É maravilhoso. Você é sócia, não é?
MELISSA – Ah sou. Acho que salvou a minha vida. A natação. Por que
você não entra como sócio? Você joga tênis?
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GAVIN – Sou jogador de golfe. Jogo golfe.


MELISSA – O que mais você faz?
GAVIN (sorrindo) – Não entendi a pergunta.
TERRY – O que mais ele faz? Ele não faz mais nada. Ele joga golfe. É
isso o que ele faz. É tudo que ele faz. Ele joga golfe.
GAVIN – Bem... eu velejo. Eu tenho um barco.
DUSTY – Adoro barcos.
TERRY – O quê?
DUSTY – Adoro barcos. Adoro velejar.
TERRY – Velejar. Você ouviu isso?
DUSTY – Adoro cozinhar em barcos.
TERRY – A única coisa que ela não gosta é ser fodida em barcos. Disso
ela não gosta.
MELISSA – Engraçado. Eu achava que todo mundo gostava disso.
(Silêncio)
DUSTY – Alguém sabe o que aconteceu com o meu irmão Jimmy?
TERRY – Eu não sei o que é. Talvez ela seja surda ou talvez minha voz
não seja forte ou clara o suficiente. O que vocês acham, pessoal? Talvez
haja algum problema com a minha dicção. Sou forçado a pensar em
todas essas possibilidades porque eu pensei que tivesse dito que não
queremos discutir a questão do que aconteceu com Jimmy; não é para
discutir, não está na agenda de ninguém esse tema. Achei que isso já
tivesse ficado bem claro. Mas talvez minha voz não seja forte o suficiente
ou talvez minha articulação não seja suficientemente boa ou talvez ela
seja surda.
DUSTY – Está na minha agenda.
TERRY – O que você disse?
DUSTY – Eu disse que está na minha agenda.
TERRY – Não, não, você está errada, minha querida. Você está
completamente errada, minha querida, completamente errada, você não
tem nenhuma agenda. Entendeu? Você não tem agenda. O caso é
absolutamente o contrário.(Para os outros) Já vi que eu vou ter que ter
uma conversa séria com ela quando chegarmos em casa, já vi tudo.
GAVIN – Estranho, o número de homens que não conseguem controlar
suas esposas.
TERRY – O quê?
GAVIN (para Melissa) – É a raiz de tantas doenças, você sabe. Esposas
incontroláveis.
MELISSA – É, eu sei o que você quer dizer.
TERRY – O que é que você está dizendo?
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GAVIN (para Melissa) – Outra dia eu fui passear no bosque. Eu não


tinha idéia de quantos esquilos ainda existem neste país. Eles são umas
criaturas tão vivas, encantadoras.
MELISSA – Eu adorava esquilos quando era criança.
GAVIN – Mesmo? E falcões?
MELISSA – Ah, eu adorava falcões também. E águias. Mas com certeza
falcões. E pombos. O jeito que eles voavam, flutuavam, por cima do meu
vale. Me faziam chorar. Eu ainda choro.

(As luzes da sala diminuem. A luz da porta aberta gradualmente se


intensifica. Atravessa a sala. A luz da porta se apaga. As luzes da sala
se acendem em Douglas, Fred, Liz e Charlotte).

DOUGLAS – Ah, você conhece a minha esposa?


FRED (para Liz) – Como vai você?
LIZ – Esta é Charlotte.
FRED – Já nos encontramos antes.
LIZ – Vocês já se conheciam?
CHARLOTTE – Ah é. Nós nos encontramos. Ele me deu um empurrão
na vida.
DOUGLAS – É mesmo? Que excitante!
FRED – Foi.
DOUGLAS – Foi excitante pra você também? Levar um empurrão?
CHARLOTTE – Mmmmmm. Foi. Ah, foi. Ainda estou tremendo.
DOUGLAS – Que excitante.
LIZ – Estou achando essa festa tão deslumbrante. Vocês não acham?
Quero dizer somente que acho que é uma festa deslumbrante. Vocês
não acham? Eu acho que está tão divertido. Adoro o fato de ver as
pessoas tão bem vestidas. Simples, mas bem vestidas. Vocês entendem
o que eu quero dizer? É bobo eu dizer que me sinto orgulhosa?
Orgulhosa em fazer parte de uma sociedade de pessoas tão bem
vestidas! Meu Deus, eu não sei, elegância, estilo, graça, gosto, será que
essas palavras, esses conceitos não significam mais nada? Eu não sou
a única, sou, que acha que essas coisas são extremamente
importantes? De qualquer maneira eu amo tudo que flui. Não consigo
dizer como estou feliz.
FRED (para Charlotte) – Você casou com alguém. Me esqueci quem era.
(Silêncio)
CHARLOTTE – Ele morreu.
(Silêncio)
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DOUGLAS – Se você estiver livre neste verão, você pode vir à nossa
ilha. Nós alugamos uma ilha neste verão. Venha. Não tem quase
ninguém lá. Só alguns nativos que nos dão orgulho. Terrivelmente
civilizado. Tudo funciona. Tenho meu próprio gerador. Mas as
tempestades são terríveis, não são, querida? Se você gosta de
tempestades. Sirocos. Fazem você se sentir vivo. Verdadeiramente vivo.
Fazem teu pulso fazer rat-at-tat-tat. Deus pode se tornar selvagem, não
pode, querida? Fazem teu pulso fazer rat-at-tat-tat. Aumenta a tensão.
Você sabe. A pressão sanguínea sobe. Na verdade, quando eu estou
naquela ilha eu me sinto dez anos mais jovem. Barro qualquer um.
Homem, mulher ou criança, o que vier.
(Ri)
Encaro até um animal selvagem. Mas quando a tempestade acaba, e a
noite cai, e a lua sai em toda a sua glória, e você fica sozinho com o
ritmo do mar, das ondas, você percebe o que Deus planejou para a raça
humana, você conhece o paraíso.

(Luzes em Terry e Dusty, num canto da sala).

TERRY – Você está louca? Você sabe quem é esse homem?


DUSTY – É, eu acho que eu sei quem é esse homem.
TERRY - Você não sabe o que ele é. Você não tem idéia. Você não
conhece a posição dele. Simplesmente você não tem idéia. Você
simplesmente não tem idéia.
DUSTY – Ele tem belos modos. Ele parece vir de outro mundo. Um
mundo cortês, atencioso. Ele me mandará flores pela manhã.
TERRY – Não ele não vai mandar. Ah, não, ele não vai mandar merda
de flor nenhuma.
DUSTY – Meu pobre querido, você está decepcionado? Te magoei? Eu
te magoei. E eu sempre tentei ser uma esposa tão boa. Uma esposa tão
boa.
(Eles olham um para o outro)
Talvez você me mate quando chegarmos em casa? Você acha que vai
me matar? Você acha que vai por um fim a tudo isso? Você acha que
isso tudo tem um fim? O que você acha? Você acha que se você acabar
comigo, seria um fim para tudo e para todos? Será que tudo e todos
morreriam comigo?
TERRY – É, todos vocês vão morrer juntos, você e todo o seu bando.
DUSTY – Como você vai fazer? Me conta.
TERRY – Fácil. Temos dúzias de opções. Poderíamos sufocar cada um
de vocês num sinal combinado ou podíamos empurrar um cabo de
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vassoura no cu de cada um também num sinal combinado ou


poderíamos envenenar o leite de todas as mães do mundo para que
cada bebê caísse morto antes que pudesse abrir a sua boca maldita
pervertida.
DUSTY – Mas vai ser divertido para mim? Vai ser divertido?
TERRY - Você vai adorar. Mas eu não vou contar qual o método que
vamos usar. Eu só quero que você tenha muita preliminar sexual. Eu
quero que você fique ansiosa em saber que método será usado, mas
com muita preliminar sexual.
DUSTY – Mas você ainda me ama?
TERRY – Claro que eu te amo. Você é a mãe dos meus filhos.
DUSTY – Ah, por acaso, você sabe o que aconteceu com Jimmy?

(Luzes em Fred e Charlotte)

FRED – Quanto tempo.


CHARLOTTE – Quanto tempo.
FRED – Não é?
CHARLOTTE – Ah, é. Anos.
FRED – Você está mais bonita do que nunca.
CHARLOTTE – Você também.
FRED – Eu? Eu não.
CHARLOTTE – Ah, está sim. Bem, é uma maneira de falar.
FRED – O que você quer dizer com uma maneira de falar?
CHARLOTTE – Ah, eu quis dizer que você está bonito como sempre foi.
FRED – Mas eu nunca fui bonito. De maneira nenhuma.
CHARLOTTE – Não, é verdade. Você não era. De maneira nenhuma.
Estou falando merda. Uma maneira de falar.
FRED – Sua linguagem sempre foi deplorável.
CHARLOTTE – É. Pavorosa.
FRED – Está gostando da festa?
CHARLOTTE – A melhor festa que eu fui nos últimos anos.
(Pausa)
FRED – Você disse que o seu marido morreu.
CHARLOTTE – Meu o quê?
FRED – Seu marido.
CHARLOTTE – Ah, meu marido. Ah, é. Verdade. Ele morreu.
FRED – Foi uma doença longa?
CHARLOTTE – Curta.
FRED – Ah. (Pausa) Rápida então.
CHARLOTTE – Rápida, é. Curta e rápida.
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(Pausa)
FRED – Melhor assim.
CHARLOTTE – Você acha?
FRED – Eu acho.
CHARLOTTE – Ah. É. (Pausa) Melhor pra quem?
FRED – O quê?
CHARLOTTE – Você disse que era melhor assim. Melhor pra quem?
FRED – Pra você.
(Charlotte ri)
CHARLOTTE – Claro! Ainda bem que você não disse para ele.
FRED – Bem, eu poderia dizer pra ele. Uma morte rápida pode ser
melhor que uma morte lenta. Não há dúvida.
CHARLOTTE – É, não há.
(Pausa)
De qualquer maneira, aposto que pode ser rápida e devagar ao mesmo
tempo. Aposto que pode. Aposto que morte pode ser ambas as coisas
ao mesmo tempo. Ah, por falar nisso, ele não estava doente.
(Pausa)
FRED – Você ainda está muito bonita.
CHARLOTTE – Acho que está acontecendo alguma coisa na rua.
FRED – O quê?
CHARLOTTE – Acho que está acontecendo alguma coisa na rua.
FRED – Deixe a rua com a gente.
CHARLOTTE – Quem é a gente?
FRED – Ah, só nós... você sabe.
(Ela olha para ele)
CHARLOTTE – Meu Deus, o seu olhar! Não, sério. Você ainda está tão
bonito! Como você consegue? Qual é a sua dieta? Qual é o seu regime?
Por falar nisso, qual é o seu regime? O que você faz para se manter
tão... eu não sei... tão... ah, eu não sei... tão bem disposto, tão elegante?
FRED – Eu levo uma vida limpa.
(Douglas e Liz se juntam a eles)
CHARLOTTE (para Douglas) – Você também?
DOUGLAS – Eu também o quê?
CHARLOTTE – Fred disse que ele está em boa forma e... bonito...
porque leva uma vida limpa. E você?
DOUGLAS – Eu levo uma vida inacreditavelmente limpa. Não me deixa
bonito, mas me deixa feliz.
LIZ – E me deixa feliz também. Tão feliz.
DOUGLAS – Mesmo assim eu não sou bonito?
LIZ – Mas você é. Você é. Não é? Ele é. Você é. Ele não é?
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(Douglas põe seu braço ao seu redor)


DOUGLAS – Quando nos casamos, morávamos num sala e dois
quartos. Eu era – vou ser franco – eu era um representante comercial,
um vendedor – é verdade, era o que eu era e eu não nego – e viajava
muito. Não era? Viajava muito. Porque a minha garotinha aqui me deu
gêmeos.
(Ri)
Vocês acreditam? Gêmeos. Tive que me matar de trabalhar, podem
acreditar. Mas essa garota aqui, essa garotinha aqui, vocês sabem o que
ela fez? Ela cuidou desses gêmeos sozinha. Sem empregada, sem
ajuda, nada. Ela fazia tudo sozinha – tudo sozinha. E quando eu voltava
de viagem, eu encontrava o apartamento imaculado, os gêmeos de
banho tomado, na cama, cobertos na cama, já dormindo, e minha mulher
linda com meu jantar no forno.
(Fred aplaude)
E é por isso que ainda estamos juntos.
(Beija Liz no rosto)
É por isso que ainda estamos juntos.

(As luzes na sala diminuem. A luz da porta aberta gradualmente se


intensifica. Penetra na sala. A luz da porta diminui. Luzes da sala em
cima de Terry, Dusty, Gavin, Melissa, Fred, Charlotte, Douglas e Liz).

TERRY – Nesse negócio, o teu dinheiro é bem gasto. Hoje em dia isso é
uma coisa muito, muito rara. É extremamente raro hoje em dia o seu
dinheiro ser valorizado. Lá você põe a mão no seu bolso, tira o dinheiro e
você sabe o que você está ganhando. E o que você está recebendo é
um serviço completo de cinco estrelas. Cinco estrelas para todos os
departamentos. Você tem uma infra-estrutura. Você tem infra-estrutura
para tudo. Não é só muita infra-estrutura em si – sabe: comida, esse tipo
de coisa – guardanapos – sabe, tudo isso, maravilhoso, primeira classe –
mas você também tem infra-estrutura artística – você tem uma atmosfera
– nesta academia – que está combina artisticamente com a sua clientela.
Estou me referindo ao tipo de iluminação, ao tipo de pintura, ao estilo de
música, às ofertas da academia. Estou falando sobre o ambiente
verdadeiramente aconchegante e harmonioso. Você não ouve pessoas
falando em voz alta na academia. As pessoas não fazem coisas
vulgares, sórdidas e ofensivas. E se fazem nós chutamos seus colhões e
os jogamos escada abaixo sem problemas.
MELISSA – Posso endossar tudo que foi dito?
(Pausa)
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Gostaria de endossar tudo que foi dito. Gostaria de corroborar com


minha voz. Já pertenci a muitas academias de tênis e de natação. Muitas
academias de tênis e natação. E foi em algumas dessas academias que
encontrei meus amigos mais queridos. Todos eles estão mortos agora.
Cada amigo que eu tinha. Ou que encontrei. Mortos. Todos eles estão
mortos. Cada um deles. Não tenho mais absolutamente ninguém. Não
restou ninguém. Não restou nada. Para que serve isso tudo? As
academias? Pra que servem? Pra quê?
(Silêncio)
Mas as academias morrem também e imediatamente. Quero dizer que
deve ser feita uma distinção. Meus amigos foram no caminho do material
e eu não lamento. De qualquer maneira eles não foram meus amigos.
Não conseguia suportar a metade deles. Mas as academias! As
academias morreram, as academias de natação e de tênis morreram
porque eram baseadas em idéias que não tinham nenhum fundamento
moral, nenhum fundamento moral qualquer. Mas nossa academia, nossa
academia - é uma academia que é ativada, que é inspirada pelo sentido
moral, uma preocupação mora, com valores morais que – tenho que
dizer – são inalteráveis, rigorosos, fundamentais e constantes. Obrigada.
(Aplausos)
GAVIN – É, estou muito contente de você ter dito tudo isso. (Para os
outros) Vocês não estão?
DOUGLAS – Primeira classe.
LIZ – Tão emocionante.
TERRY – Fantástico.
FRED – Na bucha.
CHARLOTTE – Pura verdade.
DUSTY – Ah é.
(Bate palmas)
Ah é.
DOUGLAS – Absolutamente de primeira classe.
GAVIN – É, foi de primeira classe. E é necessário dizer. Como foi
esplendidamente dito essa noite, numa festa agradável, com tão boa
companhia. Devo dizer que falo como anfitrião muito feliz. E por falar
nisso, eu realmente tenho que me juntar nesta maravilhosa academia de
vocês, não tenho?
TERRY – Você está eleito. Você é o nosso sócio honorário. Foi eleito
hoje.
(Risos e aplausos)
GAVIN – Muito obrigado mesmo. Agora eu acredito que um ou dois
convidados encontraram problemas no trânsito quando estavam vindo
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para cá. Peço desculpas por isso, mas gostaria de afirmar que todos
esses problemas e todos os problemas relacionados a isso serão
resolvidos brevemente. Ouvimos alguns boatos essa noite. Esses boatos
estão chegando a um fim. Na verdade os serviços normais vão ser
retomados brevemente. Esta é, de qualquer maneira, a nossa meta.
Serviço normal. Se vocês gostarem, nós vamos insistir nisto. Nós vamos
insistir nisto. Vamos. Isso é tudo que pedimos, que o serviço que este
país fornece corra normal, seguro e legitime caminhos e que o cidadão
normal possa fazer seu trabalho e se divertir em paz. Muito obrigado por
vocês terem vindo aqui essa noite. Foi realmente muito bom ver vocês,
esmagador.

(As luzes da sala abaixam. A luz da porta intensifica, penetrando na sala.


Todo mundo está parado, em silhueta. Um homem vem da luz e fica
parado na porta. Está vestindo uma roupa leve).

JIMMY – Algumas vezes ouço coisas. Depois pára.


Eu tinha um nome. Era Jimmy. As pessoas me chamavam de Jimmy.
Era esse o meu nome.
Algumas vezes eu ouço coisas. E aí tudo fica quieto. Quando tudo está
quieto eu ouço meu coração.
Quando os barulhos terríveis vêm eu não ouço nada. Não ouço não
respiro fico cego.
Então tudo fica quieto. Ouço a batida do coração. Provavelmente não é a
batida do meu coração. Provavelmente é a batida do coração de alguém.
O que sou eu?
Às vezes a porta bate, eu ouço vozes, e aí para.
Tudo pára. Tudo para. Tudo fecha. Fecha. Fecha. Tudo fecha. Tudo se
cala. Se fecha. Não vejo nada em nenhum momento. Fico sentado
chupando o escuro.
É o que eu tenho. O escuro está na minha boca e eu chupo. É a única
coisa que eu tenho. É meu. Me pertence. Eu chupo ele.

FIM

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