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A relação terapêutica:
empirismo colaborativo em ação

Uma das características atraentes da terapia (Keijsers et al., 2000). Assim, há fortes evidên-
cognitivo-comportamental (TCC) é o empre- cias de pesquisa de que os esforços para cons-
go de um estilo de relação terapêutica colabo- truir boas relações terapêuticas na TCC têm
rativa, simples e voltada para a ação. Embora um forte impacto no curso de tratamento.
a relação entre terapeuta e paciente não seja Aprender a construir relações mais efica-
considerada o mecanismo principal para a mu- zes entre terapeuta e paciente é um desafio
dança, como em algumas outras formas de psi- para toda a vida profissional. Todos os tera-
coterapia, uma boa aliança de trabalho é uma peutas começam o processo com os blocos
parte essencialmente importante do tratamen- de construção básicos de suas experiências
to (Beck et al., 1979). Assim como terapeutas em relações anteriores. Entre as razões mais
de outras escolas importantes de psicoterapia, comuns para as pessoas escolherem a terapia
os terapeutas cognitivo-comportamentais bus- como profissão é que elas têm a capacidade
cam propiciar um ambiente de tratamento com inata de entender os outros e de discutir tó-
um alto grau de autenticidade, afeto, conside- picos emocionalmente carregados com sensi-
ração positiva e empatia – qualidades em co- bilidade, gentileza e serenidade consideráveis.
mum em todas as terapias eficazes (Beck et al., Entretanto, aprender a maximizar esses ta-
1979; Keijsers et al., 2000; Rogers, 1957). Além lentos geralmente requer grande experiência
dessas características inespecíficas da relação clínica, juntamente com a supervisão clínica
terapêutica, a TCC caracteriza-se por um tipo e a introspecção pessoal. Como uma introdu-
específico de aliança de trabalho, o empirismo ção à relação terapêutica na TCC, discutimos
colaborativo, que é direcionado para a promo- brevemente as características inespecíficas de
ção da mudança cognitiva e comportamental. tratamento e, depois, voltamo-nos para o foco
As pesquisas sobre a relação terapêutica em principal deste capítulo: a aliança de trabalho
vários tipos de psicoterapia têm mostrado re- empírico-colaborativa.
petidamente uma poderosa associação entre
o resultado do tratamento e a força do víncu- EMPATIA, AFETO E AUTENTICIDADE
lo entre terapeuta e paciente (Beitman et al.,
1989; Klein et al., 2003; Wright e Davis, 1994). Do ponto de vista cognitivo-comportamental,
Uma revisão das pesquisas da relação terapêu- a empatia envolve a capacidade de colocar-se
tica na TCC também revelou que a qualidade no lugar do paciente de modo a ser capaz de
da aliança terapêutica cognitivo-comporta- intuir o que ele está sentindo e pensando e,
mental influencia os resultados do tratamento ao mesmo tempo, manter a objetividade para

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discernir possíveis distorções, raciocínio iló- impossível de administrar, pode-se inadverti-


gico ou comportamento desadaptativo que damente validar suas atitudes de autoconde-
possam estar contribuindo para o problema. nação e desesperança. Se você estiver ouvindo
Beck e colaboradores (1979) enfatizaram que é ativamente e balançar a cabeça afirmativa-
crucial regular adequadamente a quantidade mente repetidas vezes enquanto a paciente
de empatia e o afeto pessoal associado. Se o expressa uma ladainha de cognições desadap-
terapeuta é visto como sendo distante, frio e tativas, ela pode pensar que você concorda
despreocupado, as perspectivas de um bom com suas conclusões. Ou, ainda, se você tiver
resultado do tratamento diminuirão, porém um paciente com agorafobia e sentir muita
um esforço exagerado para ser afetuoso e em- empatia pela dor emocional do transtorno,
pático também pode ser contraproducente. pode esquecer de usar os métodos comporta-
Uma pessoa com baixa autoestima ou falta de mentais para romper padrões de esquiva, e a
confiança básica por muito tempo, por exem- eficácia da terapia pode ficar comprometida.
plo, poderia compreender as tentativas do te- Uma das chaves mais importantes para
rapeuta excessivamente zeloso sob uma ótica mostrar empatia é a autenticidade. Terapeu-
negativa (p. ex., “Por que ela se importaria tas que exibem autenticidade são capazes de
com um fracassado como eu? Se a terapeuta se comunicar verbal ou não verbalmente de
está se esforçando tanto para me conhecer, ela uma maneira honesta, natural e emocional-
própria deve ser uma solitária. O que a tera- mente conectada para mostrar aos pacientes
peuta quer de mim?”). que verdadeiramente entendem a situação.
O momento oportuno para fazer comentá- O terapeuta autêntico é diplomático ao dar
rios empáticos também é muito importante. feedback construtivo aos pacientes, mas não
Um erro comum é dar muito peso às tenta- tenta esconder a verdade. Os eventos e resul-
tivas de empatia antes de o paciente sentir tados negativos reais são reconhecidos como
que você entendeu adequadamente sua difícil tal, mas o terapeuta está sempre tentando en-
situação. Todavia, se uma demonstração im- contrar nos pacientes os pontos fortes que os
portante de dor emocional for ignorada, mes- ajudarão a enfrentar melhor as vicissitudes da
mo nas primeiras fases da terapia, corre-se o vida. Assim, uma das características pessoais
risco de ser visto como não conectado ou não desejáveis de terapeutas cognitivo-comporta-
responsivo. A seguir, estão algumas boas per- mentais é um autêntico senso de otimismo,
guntas para fazer a si mesmo ao se pensar em com crença na resiliência e no potencial de
fazer comentários empáticos: “Estou enten- crescimento dos pacientes.
dendo bem as circunstâncias de vida e o estilo A completa expressão de empatia na TCC
de pensamento dessa pessoa?”, “Esta é uma inclui uma vigorosa busca por soluções. Não
boa hora para mostrar empatia?”, “Quanta basta demonstrar preocupação, o terapeuta
empatia devo demonstrar agora?”, “Existe al- precisa convertê-la em ações que reduzam o
gum risco em ser empático neste momento sofrimento e ajudem o paciente a lidar com
com este paciente?”. os problemas da vida. Portanto, ele deve mes-
Embora os comentários empáticos bem clar comentários empáticos apropriados com
colocados normalmente ajudem a fortalecer a questões socráticas e outros métodos de TCC
relação e a aliviar a tensão emocional, há mo- que incentivem o pensamento racional e o
mentos em que as tentativas de ser compreen- desenvolvimento de comportamentos de en-
sivo podem reforçar cognições negativamen- frentamento saudáveis. Muitas vezes, a forma
te distorcidas. Se, por exemplo, forem feitas empática mais eficaz é fazer perguntas que
continuamente afirmações como “consigo ajudem o paciente a enxergar novas perspec-
entender como você se sente” a pacientes que tivas, em vez de simplesmente seguir o fluxo
acreditam que fracassaram ou que sua vida é disfuncional de pensamento.

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EMPIRISMO COLABORATIVO observado no Prefácio, nosso objetivo, ao pro-


duzir o vídeo, foi oferecer exemplos de como os
O termo mais usado para descrever a relação terapeutas poderiam implementar a TCC em
terapêutica na TCC é empirismo colaborativo. sessões reais. Os vídeos não são roteirizados ou
Essas duas palavras captam bem a essência elaborados para serem perfeitas ilustrações da
da aliança de trabalho. O terapeuta envolve o única maneira possível de tratar cada situação.
paciente em um processo altamente colabo- Embora tenhamos pedido aos terapeutas que
rativo, no qual existe uma responsabilidade dessem o melhor de si na intervenção e acre-
compartilhada pelo estabelecimento de metas ditemos que os vídeos representem, de modo
e agendas, por dar e receber feedback e por co- geral, intervenções genuínas de TCC, você pode
locar em prática os métodos de TCC na vida pensar em métodos alternativos ou variações no
cotidiana. Juntos, focam pensamentos e com- estilo de terapia que podem funcionar melhor.
portamentos problemáticos, que são, então, Quando apresentamos vídeos em nossas au-
explorados empiricamente quanto à sua vali- las, mesmo quando são sessões conduzidas por
dade ou utilidade. Quando são detectados de- mestres como Aaron T. Beck, comumente en-
feitos ou déficits reais, são planejadas e prati- contramos tanto pontos fortes quanto oportu-
cadas estratégias de enfrentamento para essas nidades para fazer as coisas de modo diferente.
dificuldades. No entanto, a principal função Portanto, recomendamos que faça a si mesmo
da relação terapêutica é enxergar as distorções esses tipos de perguntas ao assistir as demons-
cognitivas e os padrões comportamentais im- trações em vídeo neste livro: “De que modo
produtivos por meio de uma lente empírica essa vinheta demonstra os princípios-chave da
que pode revelar oportunidades para o desen- TCC?”; “O que me agrada no estilo do terapeu-
volvimento de mais racionalidade, alívio dos ta?”; “Caso fizesse algo diferente, como seria?”.
sintomas e melhor eficácia pessoal. Também pode ser útil assistir aos vídeos com
O estilo empírico-colaborativo na relação um colega ou supervisor, para comparar ano-
durante o tratamento é ilustrado ao longo des- tações e gerar outras ideias para intervenções
te livro por meio de uma série de vídeos curtos em terapia. Finalmente, queremos lembrar-lhe
que demonstram os métodos centrais da TCC. de que os vídeos foram elaborados para serem
Sugerimos assistir agora a duas dessas vinhetas assistidos em sequência, a partir do ponto do
que mostram o tratamento de Kate, uma mulher livro em que você estiver lendo sobre o método
com transtorno de ansiedade, com o Dr. Wright. específico demonstrado no vídeo.
O primeiro exemplo é de uma das primeiras ses-
sões, na qual o Dr. Wright está ajudando Kate a
entender como a TCC pode ajudá-la a reverter Vídeo 1
um padrão de pensamentos de medo, emoções Dando início – A TCC em ação
ansiosas e esquiva dos ativadores da ansiedade. Dr. Wright e Kate (12:17)
Terapeuta e paciente estão desenvolvendo uma Vídeo 2
relação sólida, que lhes permitirá progredir em Modificando os pensamentos automáticos
direção à redução dos sintomas. No segundo Dr. Wright e Kate (8:48)
exemplo, Kate está sendo incentivada a abordar
de forma empírica a modificação de um con-
junto de cognições desadaptativas. Uma boa
Grau de atividade do terapeuta na TCC
aliança terapêutica é um requisito essencial para
realizar esse tipo de trabalho terapêutico. Além das qualidades inespecíficas da relação
Antes de você assistir ao primeiro vídeo, que são comuns a todos os terapeutas efica-
queremos fazer algumas sugestões sobre como zes, os terapeutas cognitivo-comportamentais
extrair o máximo dessas demonstrações. Como precisam se tornar hábeis em demonstrar alto

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grau de atividade nas sessões de tratamento. divertido”), a segunda coluna (Pensamentos) está em
Estes normalmente trabalham com a intenção branco, e a terceira coluna inclui uma classificação de
de estruturar a terapia, dar compasso às ses- seus sentimentos (“Triste, 100%”).
sões, para aproveitar ao máximo o tempo dis- Terapeuta: Matt, acho que você está se menosprezando
ponível, desenvolver uma formulação de caso em relação à sua tarefa. Às vezes, quando
sempre em evolução e implementar os méto- as pessoas estão deprimidas, é difícil fazer
dos da TCC. esse tipo de coisa. Mas você fez uma boa
O grau de atividade dos terapeutas nor- tentativa, e realmente identificou uma situa­
malmente é maior nas primeiras fases do ção que mexeu com muitos sentimentos.
Se você não se importar, podemos trabalhar
tratamento, quando os pacientes estão mais
para completar as outras colunas aqui.
sintomáticos e estão se familiarizando com o Matt (parecendo aliviado): Fiquei com medo de fazer
modelo cognitivo-comportamental. Durante errado e você achar que eu não estava
esse período, o terapeuta normalmente assume tentando.
a maior parte da responsabilidade, por direcio- Terapeuta: Não, não vou julgá-lo. Só quero ajudá-lo a
nar o fluxo das sessões, e passa um tempo con- usar esse tipo de exercício para melhorar.
siderável explicando e ilustrando os conceitos Você está pronto para falar sobre o que
básicos da TCC (ver Capítulo 4). Ele também aconteceu, quando sua esposa fez essa
pode precisar aplicar energia, animação e um observação?
Matt: Sim.
senso de esperança na terapia, sobretudo quan-
Terapeuta: Notei que você escreveu a situação e os
do o paciente está severamente deprimido e sentimentos de tristeza que ocorreram.
exibindo forte anedonia ou lentidão psicomo- Mas você não colocou nada na coluna
tora. A vinheta do caso clínico a seguir, do tra- de pensamentos. Você pode relembrar
tamento de um homem deprimido, demonstra quando sua esposa disse que você não
como o terapeuta pode, às vezes, precisar ser era mais divertido, e tentar lembrar o que
bastante ativo para ajudar o paciente a assimi- pode ter passado por sua cabeça?
lar e utilizar os métodos da TCC. Matt: Foi um banho de água fria. Tinha sido um dia di­
fícil no trabalho. Então, quando cheguei em
casa, me joguei na cadeira e comecei a ler
o jornal. Então, ela realmente pegou no meu
CASO CLÍNICO
pé. Acho que isso me aborreceu tanto que
não quis escrever o que estava pensando.
Foi pedido a Matt que fizesse um registro de pensa­ Terapeuta: É compreensível. Dá para ver que isso real­
mentos como tarefa após a sua segunda sessão, po­ mente aborreceu você. Mas se pudermos
rém ele teve problemas para concluir a tarefa. descobrir o que você estava pensando,
talvez pudéssemos encontrar algumas
Terapeuta: Dissemos que passaríamos algum tempo
pistas para combater sua depressão.
revisando sua tarefa da semana passada.
Matt: Posso falar sobre isso agora.
Como foi?
Terapeuta: Vamos usar esse registro para escrever al­
Matt: Não sei. Eu tentei, mas estava muito cansado
guns dos pensamentos que você teve na­
quando chegava em casa à noite. Parecia
quele momento. (Pega o registro de pen-
que eu nunca tinha tempo para trabalhar
samentos e se posiciona para escrever.)
nisso. (Abre seu caderno de terapia e tira
Matt: Bom, acho que o primeiro pensamento foi
a tarefa.)
“ela está cansada de mim”. Depois, come­
Terapeuta: Podemos dar uma olhada no que você es­
cei a ver todas as coisas importantes em
creveu no papel?
minha vida escorrerem pelos meus dedos.
Matt: Claro, mas acho que não fiz um bom trabalho.
Terapeuta: O que você achava que iria perder?
O terapeuta e Matt examinam o registro de pen­ Matt: Estava pensando: “Ela está prestes a me deixar.
samentos deste. A primeira coluna tem uma situa­ Vou perder minha família e meus filhos.
ção (“Minha esposa me disse que eu não era mais Toda a minha família vai desmoronar”.

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Terapeuta: Estes são pensamentos angustiantes. cesso de aprendizagem. Os seguintes atribu-


Você acha que são totalmente precisos? tos da relação terapêutica podem promover o
Será que a depressão pode estar influen­ ensino e o treinamento efetivos:
ciando seu modo de pensar?
O terapeuta, então, explicou a natureza dos pen­ • Amigável. Os pacientes normalmente per-
samentos automáticos e ajudou Matt a examinar as cebem os bons terapeutas-professores como
evidências para esse fluxo de cognições negativas. Em pessoas amigáveis e simpáticas que não in-
consequência da intervenção, Matt concluiu que era timidam, reprovam ou admoestam excessi-
altamente provável que sua esposa estivesse determi­ vamente. Eles transmitem informações de
nada a manter o relacionamento, mas estava cada vez uma maneira positiva e construtiva.
mais frustrada com a depressão dele. O grau de tristeza • Engajado. Para ser especialmente eficaz no
e tensão de Matt reduziu-se assim que o caráter abso­ papel de professor na TCC, é preciso criar
lutista de suas cognições atenuou, e um plano compor­
um ambiente de aprendizagem estimulan-
tamental foi desenvolvido para atender às preocupa­
ções de sua esposa. Esse exemplo demonstra como o
te. Engajar o paciente com questionamen-
terapeuta pode precisar assumir um papel muito ativo to socrático e exercícios de aprendizagem
ao explicar conceitos, demonstrar princípios centrais que proporcionem energia à terapia, sem
da TCC e auxiliar os pacientes a se envolverem com­ sobrecarregá-lo com mais material ou
pletamente no processo de tratamento. complexidade do que pode lidar. Enfatizar
o trabalho em equipe e o processo colabo-
rativo na aprendizagem.
• Criativo. Como os pacientes geralmente
Você deve ter observado que o terapeuta vêm para a terapia com um estilo monocu-
falou mais do que Matt durante boa parte des- lar fixo de pensamento, os terapeutas po-
sa conversa. Embora haja uma grande varia- dem precisar de modelos e de modos mais
bilidade de paciente para paciente e de sessão criativos de enxergar a situação e buscar so-
para sessão a respeito do quanto o terapeuta luções. Tente utilizar métodos de aprendiza-
precisará falar na TCC, as primeiras sessões gem que suscitem a própria criatividade do
podem ser marcadas por segmentos com um paciente e coloque esses pontos fortes para
grau relativamente alto de atividade verbal trabalhar no enfrentamento dos problemas.
por parte do terapeuta. Geralmente, à medida • Capacitante. O bom ensino normalmente
que a terapia progride e os pacientes apren- envolve oferecer aos pacientes ideias e ferra-
dem a usar os conceitos da TCC, o terapeuta mentas que lhes permitam operar mudan-
é capaz de só observar, demonstrar empatia e ças significativas em suas vidas. O caráter
seguir adiante com a terapia com menos pala- de capacitação da TCC depende muito da
vras e menos esforço. natureza educativa da relação terapêutica.
• Orientado para a ação. A aprendizagem
O terapeuta como professor-coach na TCC não é um processo passivo, do tipo
Você gosta de ensinar? Já teve experiência de “sentado na poltrona”. Terapeuta e paciente
orientar pessoas ou ser orientado? Em virtude trabalham juntos para adquirir conheci-
mento, que é posto em ação em situações da
da importância significativa da aprendizagem
vida real.
na TCC, a relação no tratamento tem mais
uma qualidade de professor e aluno do que na
maioria das outras terapias. Bons professores- O uso do humor na TCC
-coaches na TCC transmitem conhecimento Por que se deve levar em consideração o uso
de uma maneira altamente colaborativa, uti- do humor na TCC? Afinal de contas, a maio-
lizando o método socrático para incentivar o ria de nossos pacientes está enfrentando sé-
paciente a se envolver completamente no pro- rios problemas, como a morte de um ente

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querido, o casamento desfeito, doenças médi- ter crenças desadaptativas ou de persistir em


cas e as devastações de doenças mentais. Será um padrão comportamental rígido e ineficaz.
que as tentativas de inserir humor podem ser Os elementos-chave característicos desse tipo
mal interpretadas, como se você estivesse ten- de humor são:
tando banalizar, negar ou ignorar a gravida-
de dos problemas do paciente? Será que ele 1. espontâneo e genuíno;
perceberá seu esforço em demonstrar humor 2. construtivo;
como uma desvalorização? Será que pensará 3. focado em um problema externo ou em
que você está rindo dele, em vez de com ele? um modo de pensamento incongruente,
Obviamente, utilizar o humor na terapia em vez de em uma fraqueza pessoal.
traz riscos. É preciso ter muito cuidado para O humor que segue essas diretrizes pode
reconhecer as armadilhas e medir a capacida- aliviar o peso de um conjunto rígido e dis-
de do paciente de se beneficiar com uma in- funcional de cognições e comportamentos.
jeção de humor na relação. Contudo, ele pode O Vídeo 2 inclui vários modelos de uso te-
ter muitos efeitos positivos na capacidade do rapêutico do humor na TCC. O Dr. Wright
paciente de reconhecer suas distorções cog- e Kate conseguiram rir juntos à medida que
nitivas, expressar emoções saudáveis e sentir progrediam no uso do modelo da TCC para
prazer. Para muitas pessoas, o humor é uma atacar os sintomas de ansiedade da paciente.
estratégia de enfrentamento altamente adap- Alguns terapeutas são naturalmente adep-
tativa. Ele traz liberação emocional, risadas tos do uso delicado do humor nas sessões,
e divertimento para suas vidas (Kuhn, 2002). ao passo que outros acham esse aspecto da
Contudo, quando vêm para a terapia, os pa- terapia constrangedor ou difícil. O humor
cientes geralmente já perderam, pelo menos é, sem dúvida, uma parte essencial da TCC.
em grande parte, seu senso de humor. Portanto, se você não gosta de empregá-lo ou
Há três razões principais para se utilizar o não tem essas habilidades, pode tirar a ênfase
humor na TCC. Primeiro, o humor pode nor- desse aspecto da terapia e se concentrar em
malizar e humanizar a aliança terapêutica. Por outros elementos da relação empírico-colabo-
ser uma parte tão importante da vida, e sendo rativa. Contudo, ainda assim recomendamos
ele geralmente um componente dos bons rela- que pergunte aos pacientes se o senso de hu-
cionamentos, comentários adequados e bem mor é um de seus pontos fortes e os ajude a
colocados podem ajudar a promover o caráter utilizá-lo como uma estratégia positiva de en-
amigável e colaborativo da TCC. A segunda
frentamento.
razão para utilizá-lo é auxiliar os pacientes
a romper padrões rígidos de pensamento e
comportamento. Se o terapeuta e o paciente
Flexibilidade e sensibilidade
conseguirem rir juntos das falhas dos modos Os pacientes vêm para a terapia com uma
extremos de enxergar as situações, será mais grande variedade de expectativas, experiên-
provável que o paciente pondere e adote mu- cias de vida, sintomas e traços de persona-
danças cognitivas. A terceira razão é a possi- lidade, por isso os terapeutas precisam estar
bilidade de que as habilidades para o humor em sintonia com as diferenças individuais, à
sejam reveladas, fortalecidas e intensificadas medida que tentam desenvolver relações de
como um importante recurso para combater trabalho eficazes. Deve-se evitar um tipo de
os sintomas e para lidar com o estresse. relação terapêutica monolítica, que se encai-
O humor na TCC raramente envolve te- xa a qualquer situação, em favor de um estilo
rapeuta e paciente contando piadas. Um ce- flexível e personalizado, que seja sensível às
nário muito mais provável envolve o uso de características únicas de cada paciente. Suge-
hipérbole na descrição do impacto de man- rimos considerar as influências de três domí-

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nios principais de interesse clínico ao perso- do paciente, a menos que haja um conflito
nalizar alianças terapêuticas: ético ou limites profissionais a se considerar.
No entanto, alguns pacientes podem ter ex-
1. questões situacionais; pectativas irreais ou potencialmente danosas.
2. histórico sociocultural; Solicitações, sejam diretas ou implícitas, de
3. diagnóstico e sintomas (Wright e Davis, maior amizade ou intimidade física, preci-
1994). sam ser reconhecidas e manejadas por meio
de diretrizes firmes e eticamente responsáveis
Questões situacionais (Gutheil e Gabbard, 1993; Wright e Davis,
Tensões atuais da vida, como luto após a mor- 1994). Algumas solicitações – tais como ses-
te de um ente querido, separação ou divórcio, sões mais longas para além do tempo normal
perda de emprego, problemas financeiros ou ou uma abundância de ligações telefônicas do
enfermidades, podem exigir ajustes na rela- paciente – podem ter um impacto negativo
ção terapêutica. Um exemplo de nossa prática na aliança. Ainda que os pacientes possam,
clínica é o tratamento de uma mulher depri- às vezes, citar questões situacionais extraor-
mida que vivenciara recentemente a morte de dinárias para justificar essas demandas, o te-
seu filho adolescente por suicídio. Devido ao rapeuta experiente estará ciente dos perigos
profundo luto da paciente, o terapeuta pre- de ultrapassar os limites ao conceder favores
cisava concentrar esforços para ser empáti- especiais.
co, compreensivo e dar apoio. Intervenções
cognitivo-comportamentais típicas, como o Questões socioculturais
registro de pensamentos e o exame das evi- A sensibilidade às questões socioculturais
dências, não foram aplicadas na parte inicial é um componente essencial na formação de
desse tratamento, pois o terapeuta podia cor- alianças de trabalho autênticas e altamente
responder melhor às dores da paciente em- funcionais. Entre outras variáveis pessoais, o
pregando empatia e calor humano, ouvindo sexo, a etnia, a idade, a situação socioeconô­
e usando intervenções comportamentais para mica, a religião, a orientação sexual, as deficiên­
ajudá-la a recuperar seu funcionamento no cias físicas e o grau de escolaridade podem
dia a dia. influenciar tanto o terapeuta como o paciente
Influências ambientais ou estressores po- à medida que tentam construir uma relação
dem, às vezes, levar os pacientes a fazerem terapêutica. Embora os terapeutas costumem
solicitações especiais. Um paciente que está buscar ser imparciais e respeitosos em relação
tendo problemas no relacionamento conjugal às diferentes histórias de vida, às crenças e ao
pode pedir para que os pagamentos pela tera- comportamento, podemos ter pontos-cegos
pia não sejam enviados para a sua casa, para ou falta de conhecimento capazes de interferir
que sua esposa não saiba que ele está fazendo no vínculo de tratamento ou mesmo de fazer
terapia. Uma pessoa que teve uma complica- com que fiquemos completamente perdidos
ção cirúrgica e está pensando em processar em nossos esforços para nos relacionarmos
seu médico pode estipular que o cirurgião com o paciente. Além disso, os vieses dos pa-
não seja contatado para fornecer os prontuá­ cientes podem comprometer a sua capacidade
rios médicos. Uma mulher que esteja envol- de se beneficiar com o trabalho dos terapeu-
vida em um embate judicial pela custódia de tas, cujas características pessoais não combi-
um filho pode pedir ao terapeuta para servir nam com as expectativas do paciente.
de testemunha de defesa no tribunal. Nossa Existem várias estratégias úteis para se
regra geral para lidar com tais solicitações sintonizar com o impacto das influências
logo no início da terapia é aceitá-las como se socioculturais na aliança terapêutica. Nossa
apresentam e tentar atender às expectativas primeira recomendação é ser reflexivo em seu

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trabalho com pacientes com diversas histórias que possam influenciar o processo de trata-
de vida. Não presuma que você seja totalmen- mento (Graham et al., 2013; Wright e Davis,
te sensível e tolerante com a diversidade de 1994). Além das leituras e do treinamento da
seus pacientes. Preste muita atenção a rea­ sensibilidade, sugerimos que tais questões se-
ções negativas aos pacientes ou às evidências jam discutidas com especialistas em diversi-
de que fatores socioculturais estão limitando dade cultural e com colegas e amigos, a fim
seu trabalho terapêutico. Você está tendo di- de adquirir uma ampla perspectiva dessas in-
ficuldades para expressar empatia com um fluências em potencial na relação terapêutica.
determinado paciente? Você se sente “duro” e Temos valorizado especialmente as informa-
artificial nas sessões de tratamento? Está te- ções vindas de colegas e amigos que fazem co-
mendo o atendimento com esse paciente? Es- mentários sobre nossas atitudes. Eles têm nos
sas reações podem estar relacionadas as suas ajudado a aprofundar nossa consciência de
tendências e atitudes pessoais? Se você perce- como a etnia, o sexo e outros fatores sociocul-
ber tais reações, faça um plano para modificar turais podem afetar o processo terapêutico.
suas percepções negativas, a fim de ser mais À medida que for aprendendo mais sobre
compreensivo e aceitar o paciente. as influências socioculturais na relação tera-
A segunda estratégia é fazer um esforço pêutica, também recomendamos que você
orquestrado para melhorar seu conhecimento dispense algum tempo para examinar o seu
sobre as diferenças socioculturais que podem ambiente no consultório quanto a possíveis
influenciar a relação terapêutica. Por exem- influências que possam deixar os pacientes
plo, um terapeuta heterossexual com treina- desconfortáveis. A sala de espera é planeja-
mento limitado sobre a cultura LGBT (gays, da para acomodar pessoas com deficiências
lésbicas, bissexuais e transexuais) e que esteja físicas ou muito acima do peso? As revistas
percebendo uma aversão por trabalhar com na sala de espera transmitem algum tipo de
pacientes de orientação LGBT poderia ler li- preconceito? Os funcionários que trabalham
vros sobre a experiência LGBT, participar de no consultório tratam todos os pacientes com
workshops destinados a melhorar a sensibili- o mesmo respeito e atenção? A decoração do
dade e assistir a filmes que visem aumentar consultório transmite algum significado não
a compreensão de questões relacionadas com intencional que possa humilhar as pessoas de
a orientação sexual (Austin e Craig, 2015; certas etnias ou culturas? Se você reconhecer
Graham et al., 2013; Safren e Rogers, 2001; qualquer característica de seu consultório que
Wright e Davis, 1994). Além disso, é possível possa ter um impacto negativo nas alianças
formar alianças mais eficazes se o terapeuta terapêuticas, trabalhe para corrigir e melho-
estudar uma ampla gama de tradições religio- rar o ambiente de tratamento.
sas e filosofias de vida. Apesar de uma quan-
tidade limitada de pesquisas ter demonstrado Diagnóstico e sintomas
que os pacientes com certas crenças religio- A doença, o tipo de personalidade e o con-
sas terão afinidade com terapeutas com his- junto de sintomas de cada paciente podem
tóricos espirituais semelhantes (Propst et al., ter uma influência substancial na relação te-
1992), nossas experiências com o uso da TCC rapêutica. Um paciente maníaco pode ser in-
com pacientes de várias religiões (ou sem trusivo e irritante ou pode ser extremamente
uma inclinação religiosa específica) sugerem charmoso e sedutor. Pacientes com transtor-
que a compreensão, a tolerância e o respeito nos por uso de substâncias geralmente apre-
pelas diferentes estruturas religiosas costu- sentam padrões cognitivos e comportamen-
mam promover boas alianças terapêuticas. tais que os estimulam a enganar o terapeuta e
Os terapeutas também devem ter bom co- a si mesmos. Uma pessoa com um transtorno
nhecimento das questões étnicas e de gênero alimentar pode fazer um grande esforço para

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convencer o terapeuta da validade de suas ati- 2. Não rotule o paciente. O rótulo ocorre
tudes desadaptativas. quando o terapeuta acaba usando termos
Transtornos e traços de personalidade diagnósticos como borderline, alcoólatra ou
também podem ter um efeito altamente sig- dependente de uma maneira pejorativa. Ati-
nificativo na função do terapeuta de estabele- tudes negativas em relação a esses compor-
cer uma aliança de trabalho eficaz. O paciente tamentos podem ser sutis, subliminares ou
dependente pode querer criar dependência abertas. Uma vez que tenha ocorrido a ro-
no terapeuta. Uma pessoa com transtorno de tulação, a relação torna-se mais distante ou
personalidade obsessivo-compulsivo pode ter tensa, o terapeuta pode se esforçar menos
dificuldades para expressar emoção na inter- para trabalhar com os sintomas e é provável
-relação terapêutica. Um paciente esquizoide que a qualidade da terapia se deteriore.
pode ser muito defensivo e ter problemas para 3. Empenhe-se pela serenidade. Tente ficar
confiar no terapeuta. E, claro, uma pessoa calmo no olho do furacão. Seja objetivo e
com transtorno de personalidade borderline dê uma direção firme para a terapia, mes-
provavelmente haverá passado por relacio- mo quando estiver lidando com situações
namentos caóticos e instáveis, o que pode ser emocionalmente carregadas ou sendo de-
levado para o cenário terapêutico. safiado por um paciente exigente. Trabalhe
Modificações nos métodos da TCC para para desenvolver a capacidade de lidar com
quadros clínicos específicos, inclusive trans- uma ampla variedade de situações clínicas
tornos de personalidade, são detalhadas no e tipos de personalidade, ao mesmo tem-
Capítulo 10. Aqui, relacionamos três estraté- po evitando reações exageradas, compor-
gias gerais para lidar com o impacto da doen- tamento raivoso ou respostas defensivas.
ça e da estrutura de personalidade do paciente Seu temperamento já pode conter uma
na aliança terapêutica: dose saudável de serenidade, no entanto,
1. Identificar problemas em potencial. Esteja esse atributo pode ser praticado e fortale-
atento para as possíveis influências de sinto- cido. Uma das maneiras mais valiosas de
mas e diferentes aspectos da personalidade, aumentar a sua capacidade de serenidade é
e esteja pronto para adaptar o seu plano de desenvolver habilidades para reconhecer e
tratamento para lidar com essas diferenças. lidar com as reações de transferência e con-
Por exemplo, pode ser necessário prestar tratransferência, como discutido a seguir.
atenção especial no desenvolvimento da
confiança com uma pessoa traumatizada e A TRANSFERÊNCIA NA TERAPIA
que esteja passando por um transtorno de COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
estresse pós-traumático. Ou talvez seja re-
comendável amenizar a tensão, utilizar o O conceito de transferência é derivado da psi-
humor e tentar abordagens criativas para canálise e da psicoterapia psicodinâmica, mas
romper a rigidez de uma pessoa com traços é substancialmente revisado na TCC para ser
obsessivo-compulsivos. Se estiver tratando consistente com as teorias e métodos cog-
uma mulher com um transtorno alimentar nitivo-comportamentais (Beck et al., 1979;
que você suspeita não estar sendo total- Sanders e Wills, 1999; Wright e Davis, 1994).
mente honesta com você sobre a extensão Como em outras terapias, os fenômenos de
de seu comportamento não saudável (p. ex., transferência são vistos como uma reedição,
está comendo compulsivamente, purgando, na relação terapêutica, de elementos-chave de
abusando de laxantes, exercitando-se dema- relacionamentos prévios importantes (p. ex.,
siadamente), pode ser necessário discutir pais, avós, professores, chefes, amigos). Entre-
abertamente sobre suas preocupações. tanto, na TCC, o foco não está nos compo-

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nentes inconscientes da transferência ou nos 2. Você acha que há potencial para efeitos
mecanismos de defesa, e sim nas maneiras negativos da transferência? Talvez a situa­
habituais de pensar e agir que são repetidas ção atual da transferência seja neutra ou
no ambiente terapêutico. Por exemplo, se um benigna, mas haja uma perspectiva de com-
homem tem uma crença nuclear profunda de plicações na relação terapêutica. Quando
que “deve estar no controle” e padrões de com- você identificar reações de transferência,
portamento arraigados de controlar os outros, tente pensar no que pode acontecer se a te-
ele pode reproduzir essas mesmas cognições e rapia continuar e a relação se intensificar.
comportamentos na relação terapêutica. Ações preventivas (p. ex., estabelecer limi-
Como a TCC é geralmente um tratamento tes mais restritos, detalhar diretrizes apro-
de curto prazo, com uma aliança entre pacien- priadas para a aliança terapêutica) podem
te e terapeuta altamente colaborativa e direta, ajudar a evitar problemas futuros.
a intensidade da transferência normalmente é 3. Há uma reação transferencial que exi-
muito mais baixa do que na psicoterapia de ge atenção agora? Quando houver uma
orientação psicodinâmica de longo prazo. reação transferencial interferindo na co-
Além disso, a transferência não é vista como laboração, bloqueando o progresso ou
um mecanismo necessário ou primordial para tendo um efeito destrutivo na terapia, o
a aprendizagem ou a mudança. No entanto, terapeuta precisa tomar medidas imedia-
estar ciente da presença de transferência nos tas para abordar o problema. As interven-
pacientes e ser capaz de usar esse conheci- ções podem incluir psicoeducação sobre
mento para melhorar a relação terapêutica e o fenômeno da transferência, o uso de
modificar os padrões disfuncionais de pensa- técnicas-padrão de TCC para modificar
mento são questões importantes da TCC. pensamentos automáticos e esquemas en-
Ao avaliar a transferência na TCC, o tera- volvidos na transferência, ensaios compor-
peuta observa os esquemas e os padrões asso- tamentais (a prática de comportamentos
ciados de comportamento que provavelmente alternativos mais saudáveis nas sessões de
foram desenvolvidos no contexto de relacio- terapia) e o comprometimento em limitar
namentos importantes do passado. Essa ava- ou eliminar certos comportamentos.
liação serve a duas funções primordiais.
A primeira é a capacidade do terapeuta de
analisar a relação terapêutica para identificar CASO CLÍNICO
as crenças nucleares do paciente e examinar
in vivo os efeitos dessas cognições no com- O tratamento de Carla, uma mulher de 25 anos de
portamento do paciente em relacionamentos idade com depressão severa, com uma terapeuta
importantes. A segunda é a possibilidade de o de meia-idade incluiu o trabalho de trazer à luz uma
terapeuta planejar intervenções para reduzir reação transferencial e usá-la para ajudar a paciente
os efeitos negativos da transferência no víncu- a mudar. As crenças nucleares da paciente (p. ex.,
lo terapêutico ou no resultado da terapia. “nunca vou conseguir ser uma pessoa competente”;
Se houver evidências de que uma crença “nunca vou conseguir agradar meus pais”; “sou um
nuclear está influenciando a relação entre te- fracasso”) estavam afetando negativamente a rela­
ção, uma vez que a paciente se comparava com a
rapeuta e paciente, o terapeuta precisa levar
terapeuta, uma profissional bem-sucedida. Carla
em consideração as seguintes perguntas: também tinha pensamentos automáticos de que a
terapeuta a estava julgando e pensando que ela era
1. A transferência é um fenômeno saudável
preguiçosa ou burra, pois ela nem sempre conseguia
ou produtivo? Em caso positivo, o tera- mostrar sucesso na implementação de métodos de
peuta pode escolher omitir qualquer co- autoajuda da TCC. Como consequência, Carla sentia­
mentário sobre a transferência e permitir -se distante da terapeuta e a via como uma pessoa
que ela continue como está. exigente que não gostava muito dela.

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APRENDENDO A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL   31

A terapeuta reconheceu que as experiências de rea­ções de contratransferência é reconhecer


Carla com os pais extremamente críticos e o fato de emoções, sensações físicas ou respostas com-
sempre acreditar ser inferior aos outros levou-a a ter portamentais que possam ser estimuladas por
uma relação terapêutica tensa. Portanto, a terapeu­ suas cognições. Os indicadores comuns de
ta discutiu abertamente a reação transferencial e, que pode estar ocorrendo contratransferência
depois, utilizou métodos para corrigir distorções que
são: ficar com raiva, tenso ou frustrado com o
estavam prejudicando o vínculo colaborativo.
Algumas das cognições específicas acerca da
paciente; sentir-se entediado no atendimento;
terapeuta que foram objeto de mudança eram as se­ aliviado quando o paciente se atrasa ou cance-
guintes: “Ela tem tudo – eu não tenho nada” (um pen­ la a sessão; repetidamente encontra dificulda-
samento automático com um erro cognitivo: maximi­ des para trabalhar com um determinado tipo
zar os pontos positivos dos outros e minimizar seus de doença, conjunto de sintomas ou dimen-
próprios pontos fortes); “se realmente me conhecer, são de personalidade, ou começa a se sentir
ela vai perceber que sou uma farsa” (um esquema de­ especialmente atraído ou inclinado por um
sadaptativo que estava levantando uma barreira entre determinado paciente.
a paciente e a terapeuta) e “nunca poderia chegar a Ao suspeitar de que pode estar se desen-
seus pés” (uma transferência de crenças sobre os volvendo contratransferência, pode-se aplicar
pais para a terapeuta).
as teorias e os métodos da TCC descritos ao
Depois de explicitar essas cognições, a terapeu­
ta explicou como os pensamentos automáticos, as
longo de todo este livro para entender me-
crenças nucleares e os comportamentos observados lhor e lidar com a reação. Comece por tentar
em outros relacionamentos podem ser reproduzidos identificar os seus pensamentos automáticos
na terapia e em outras situações interpessoais atuais. e esquemas. Depois, se for clinicamente indi-
Ela, então, reafirmou a Carla que a entendia e a respei­ cado e viável, você pode trabalhar na modi-
tava, mas queria ajudá-la a desenvolver sua autoesti­ ficação das cognições. Por exemplo, se você
ma. Elas concordaram que uma maneira de melhorar tiver pensamentos automáticos como “este
a autoimagem de Carla seria conversar regularmente paciente não tem motivação... tudo o que ele
sobre a aliança terapêutica e testar seus pressupos­ faz é se lamentar durante toda a sessão... essa
tos sobre as atitudes e expectativas da terapeuta.
terapia não está indo a lugar algum”, pode
Conforme o tratamento foi progredindo, a relação
tentar identificar os seus próprios erros cog-
terapêutica tornou-se um mecanismo saudável para
Carla ver-se de maneira precisa e desenvolver atitu­
nitivos (p. ex., pensamento do tipo tudo ou
des mais funcionais e realistas. nada, ignorar as evidências, tirar conclusões
apressadas) e mudar o seu modo de pensar
para refletir uma visão mais equilibrada dos
esforços e do potencial do paciente.
A CONTRATRANSFERÊNCIA
RESUMO
Outra responsabilidade dos terapeutas cog-
nitivo-comportamentais é buscar possíveis Uma aliança eficaz entre terapeuta e paciente
reações de contratransferência que possam é uma condição essencial para a implementa-
estar interferindo no desenvolvimento de ção dos métodos específicos da TCC. À me-
relações terapêuticas colaborativas. Ela ocor- dida que envolve o paciente no processo da
re na TCC quando a relação com o paciente TCC, o terapeuta precisa demonstrar com-
ativa no terapeuta pensamentos automáticos preensão, empatia e afeto pessoal adequados e
e esquemas, e essas cognições têm o potencial flexibilidade ao reagir às características singu-
de influenciar o processo de terapia. Como lares dos sintomas, das crenças e das influên-
os pensamentos automáticos e os esquemas cias socioculturais de cada pessoa. A boa rela-
podem operar fora de sua plena consciên- ção terapêutica na TCC caracteriza-se por um
cia, uma boa maneira de identificar possíveis alto grau de colaboração e um estilo empírico

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32   WRIGHT, BROWN, THASE & BASCO

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