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Maicon J. C. Azevedo
NITERÓI
2007
I
Maicon J. C. Azevedo
NITERÓI
2007
I
Aprovada por:
_______________________________________
Presidente, Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles
Faculdade de Educação/UFF
___________________________
Prof.a Dra. Ana Cléa M. Ayres
Faculdade de Formação de Professores/UERJ
____________________________________
Prof.a Dra. Simone Salomão
Faculdade de Educação/UFF
___________________________
Prof.a Dra. Dominique Colinvaux
Faculdade de Educação/UFF
(suplente)
NITERÓI
2007
I
RESUMO
Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes
mobilizados por professores de Biologia
Maicon J. C. Azevedo
Orientadora: Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles.
Co-orientadora: Prof.a Dra. Ana Cléa M. Ayres
Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação
em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação.
AZEVEDO, Maicon Jeferson da Costa: Explicações teleológicas no ensino de
evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia.
Orientadora: Sandra L.Escovedo Selles. Co-orientadora Ana Cléa M. Ayres. Niterói-
RJ/UFF, 11/07/2007. Dissertação (Mestrado em Educação), 100 páginas. Campo de
Confluência: Ciência, Sociedade e Educação. Linha de pesquisa: Formação de
professores de Ciências e Biologia; Projeto de Pesquisa: A experimentação no ensino
de Biologia: Matrizes históricas e curriculares na formação de professores.
Descrição: Dissertação de Mestrado. O presente trabalho tem como finalidade
investigar o pensamento teleológico em suas implicações para o ensino e a formação de
professores de Biologia. Particularmente, visa a compreender como os professores
utilizam os argumentos teleológicos na elaboração das explicações sobre temáticas de
evolução no ensino de Biologia. Metodologia: O trabalho empírico focaliza as soluções
apresentadas pelas docentes às diversas situações de ensino propostas para diferentes
usos que o pensamento teleológico assume na aula. As bases teóricas para estudar o
pensamento teleológico na escola articulam os sentidos filosóficos que a teleologia
historicamente assume nas Ciências Biológicas com as formas específicas do
conhecimento que circula na escola, o conhecimento escolar. A base analítica da
pesquisa apóia-se tanto nas contribuições de Jean-Claude Forquin quando assume as
transformações pelas quais passam os conhecimentos científicos na constituição da
modalidade escolar, reconhecendo a escola como uma instância de produção de saberes
e práticas, quanto nas de Maurice Tardif para compreender as explicações teleológicas
na escola como expressão dos saberes docentes. Conteúdo: Partimos da definição
filosófica para estudar argumentos teleológicos e explicações teleológicas em
perspectivas didáticas. Assim, buscamos compreender como conteúdos de ensino
expressam ações ou processos biológicos dispostos de acordo com um projeto para a
obtenção de uma finalidade. A associação da teleologia com as ciências tem raízes
profundas, remontando ao pensamento aristotélico. Nas Ciências Biológicas, nem
mesmo os trabalhos de Darwin foram capazes de retirá-la e são inúmeros os relatos de
temas tratados de forma teleológica nesta área. Apontaremos como o pensamento
teleológico também está enraizado no Ensino de Ciências, demandando estudos e
reflexões que explicitem os sentidos didáticos da apropriação teleológica. Para este
estudo é preciso partir da associação entre pensamento evolutivo e pensamento
teleológico. Conclusão: Encontramos nas docentes uma visão bem próxima do uso
cotidiano que se faz do termo evolução e das teorias evolucionistas, um olhar linear e
progressista. Observamos também que o processo evolutivo é visto como conseqüência
de uma ação progressista; a evolução seria a forma com que o progresso opera,
revelando uma íntima relação entre teleologia e progresso. O pensamento teleológico
encontra-se presente nos discursos dos professores de Biologia por meio de diferentes
argumentos que visam facilitar a compreensão dos alunos. Tomando como referência a
análise realizada, entendemos ser improdutiva a retirada do pensamento teleológico da
V
Biologia escolar, dadas às vantagens didáticas que esta leitura dos fenômenos
biológicos oferece. Apontamos para seu uso consciente e em situações específicas.
Palavras chave: Ensino de Biologia; Saberes Docentes; Filosofia da Biologia.
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Julho/2007
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Abstract
Description: Dissertation. This work aims to investigate the teleological thought in its
implications for the education and training of biology teachers. In particular, the
research seeks to understand the extent to which teachers use the teleological arguments
while explaining topics of evolution. Methodology: The empirical work focuses on the
solutions presented by teachers to the various instances and different uses of the
teleological thought in classroom. The theoretical basis of the study articulates the
philosophical sense that the teleology historically takes in the Biological Sciences with
the specific form of knowledge that circulates in the school, the school knowledge. The
analytical basis of the research is supported by Jean-Claude Forquin’s contributions
when he assumes that the changes by which the scientific knowledge suffers in the
formation of the school knowledge, make the school special place for the production of
knowledge and practices. Also, the analysis has made use of Maurice Tardif’s
contributions to understand the teleological explanations in school as an expression of
the teachers’knowledge. Content: The research has looked for the philosophical
definitions of the teleological arguments and teleological explanations in didactic
perspectives. The association of teleology with science has deep roots, going back to
Aristotelian thought. In the Biological Sciences or even in Darwin’s work it has not
been possible to withdraw completely the teleological thought and there are numerous
reports of themes that deal with this issue. The teleological thought is also rooted in the
Science teaching, demanding further studies and reflections. Conclusion: The research
has showed that teachers’s view is closer to a common sense definition for the term
evolution and the evolutionary theories, suggesting a linear and progressive view. It was
also noticed that the evolutionary process is seen as a consequence from progressive
action. revealing a close relationship between teleology and progress. The teleological
thought was present in the speeches of Biology teachers through various arguments
justified by them as a way to facilitate students’ understanding. Based on the analysis,
we suggest that it can be unproductive to withdrawal the teleological thought from
teaching biology in schools, given the advantages that this didactic reading of biological
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Julho/2007
V
Para Cléo.
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Agradecimentos
À minha mãe, Iris, pelo exemplo de determinação e doação, que mesmo com as agruras
que a vida lhe impôs soube mostrar-me, com seu enorme coração, a beleza de viver em
doação pela família.
Ao meu pai, Jorge “Jeferson” (in memoriam), que com seu exemplo de determinação
me mostrou que sonhos são possíveis.
Ao meu irmão, Marcus, pela nossa cumplicidade e apoio inconteste.
Ao meu grande amor, Silvia, pela simbiose que nos mantém vivos e pulsantes. Pelo
fruto maravilhoso que nos une e fortalece.
À minha orientadora, Sandra Selles, que mais que orientação trouxe carinho e afeto.
Pelo exemplo a ser seguido e como disse a Ana: “É um privilégio conviver com você,
com sua energia, disposição para o trabalho, compromisso com a escola, prazer pelos
estudos...” Você é o alvo e a seta! Obrigado pela paciência e ajuda.
À amiga e co-orientadora, Ana Cléa, pelo exemplo, pela enorme paciência que teve
comigo desde o início de minha caminhada, pelo apoio sempre presente. Pelo carinho e
pela amizade. Obrigado pelo zelo!
À professora Simone Salomão, por aceitar participar de minha banca de defesa e pela
imensa contribuição na construção deste trabalho.
Às professoras Dominique Colinvaux e Nadir Ferrari, pelas importantes orientações
que em momentos de grandes inquietações nortearam meus estudos.
As professoras pós-graduandas do curso de especialização em Ensino de Ciências –
modalidade Biologia, turma 2006/2007. Meu incomensurável agradecimento.
Aos grandes amigos e parceiros de estudo que sempre estiveram ao meu lado.
Cristininha, Danielle, Everardo, Dorvillé, Margarida e Mariana Vilela, Mariana
Cassab e Roberto Bezerra. Obrigado pela confiança, pelo apoio e pela torcida.
Ao amigo Luiz Felipe (Lufe), pelos momentos de descontração e pela valorosa ajuda
em momentos preciosos.
Aos grandes amigos do Colégio Municipal Irene Barbosa Ornellas, pelo prestimoso e
valoroso auxilio, presente nas horas mais necessárias.
Aos grandes amigos do Colégio Estadual Ismael Branco, pelo incentivo.
Aos grandes amigos e atuais colegas de trabalho do CEFET-RJ, que tão bem me
acolheram e tornaram aprazível a árdua e melindrosa tarefa de concluir este estudo.
Aos meus alunos.
No fim,
a certeza de que muito aprendi.
E a esperança de muito contribuir.
X
SUMÁRIO
Introdução..................................................................................................................... 14
Capítulo 1
1. Um breve histórico..................................................................................................... 19
1.2. Darwin e a teoria da evolução................................................................................. 22
Capítulo 2
2. O percurso da investigação......................................................................................... 46
Capítulo 3
INTRODUÇÃO
Curso de Mestrado, desejando contribuir para a compreensão sobre a forma com que a
escola se apropria do pensamento teleológico.
Em termos gerais, a pesquisa tem como finalidade investigar o pensamento
teleológico em suas implicações para o ensino e a formação de professores de Biologia.
Isto implica em assumir que as bases teóricas para estudar o pensamento teleológico na
escola, não podem referenciar-se unicamente na ciência. É preciso articular os sentidos
filosóficos que a teleologia historicamente assume nas Ciências Biológicas com as
formas específicas do conhecimento que circula na escola, o conhecimento escolar
(Forquin, 1992). Isto porque não apenas assumimos as transformações pelas quais
passam os conhecimentos científicos na constituição da modalidade escolar quanto
reconhecemos a escola como uma instância de produção de saberes e práticas. Neste
sentido, os sujeitos professores ocupam um papel de destaque nesta produção e
compreender as explicações teleológicas na escola demanda estudá-las como expressão
dos saberes docentes.
Meu entendimento a respeito dos saberes docentes provém da busca de diálogo
com o instrumental teórico oferecido por diferentes autores como Shulman, Tardif,
Lessard e Lahaye (1986, 1991, 2002 & 2005) entre outros. Com esses pesquisadores,
procuro construir pontes que permitam compreender os saberes que subjazem à prática e
ao discurso dos docentes que participam da investigação. Busco também na produção
destes autores, ferramentas conceituais que me possibilitem entender as operações
realizadas por professores no processo de ensino da temática de evolução, destacando
como usam os argumentos teleológicos, como esses são vistos e utilizados pelos
docentes e ainda em que contextos se aplicam. O diálogo que busco se dará,
efetivamente, na porção final deste estudo onde, munido de depoimentos e relatos das
docentes envolvidas neste estudo, discuto e registro meu entendimento.
Esta dissertação é, portanto, o resultado do trabalho de pesquisa desenvolvido,
focalizando o uso de explicações teleológicas para ensinar evolução por professores de
Biologia e encontra-se organizada em quatro capítulos. No capítulo 1 traçamos uma
breve história do pensamento evolutivo, destacando o pensamento teleológico como
elemento constitutivo da Biologia, delineando suas tênues relações com o conceito de
progresso para por fim, destacar a persistência da teleologia nas Ciências Biológicas.
O capítulo 2 é reservado à Metodologia. Traz o percurso investigativo do estudo,
apresentando os sujeitos da pesquisa, o contexto em que a mesma se desenvolve e as
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CAPÍTULO 1
1. Um breve histórico
Talvez nenhum dos conceitos fundamentais da Biologia provoque tanta
inquietação quanto as teorias evolutivas. Segundo Gould (1997), a evolução dos seres
vivos é o mais importante e também o mais mal compreendido de todos os temas da
Biologia. Desta forma, qual (is) seria(m) o(s) motivo(s) de tanto(s) desconcerto(s)? De
acordo com este mesmo autor, a idéia de evolução é relativamente simples e é bastante
provável que a dificuldade não resida exatamente na complexidade de sua estrutura
lógica, já que a base da seleção natural está calcada em dois fatos incontestáveis:
1) os seres vivos mudam e essas variações são herdadas (pelo menos em parte) por
seus descendentes;
2) os organismos produzem mais descendentes do que aqueles que podem sobreviver.
A partir destes dois fatos há uma conclusão: as variações favoráveis crescerão
nas populações reguladas pela seleção natural (Gould, 1999).
É provável que o motivo das grandes controvérsias que envolvem o tema
evolução, não esteja exatamente no caráter científico do assunto, e sim, na enorme gama
de implicações que o tema desperta em diferentes áreas do conhecimento humano. De
acordo com Mayr (2005), nenhum outro livro, exceto a Bíblia, teve um impacto maior
em nosso pensamento moderno do que Origem das espécies, de Charles Darwin (1859).
Temas ligados à evolução geralmente causam polêmicas, porque estão invadidos e
permeados por questões sócio-culturais e de ordem religiosa. Assim, quando nos
20
essa janela ampliada do tempo, criando o conceito de tempo profundo, dando a outros a
oportunidade de situar o número crescente de descobertas fósseis em seu contexto
apropriado. Suas idéias deram surgimento ao uniformitarismo4 tendo influenciado Lyell
e mais tarde, Darwin.
Em 1796, o zoólogo e estadista francês Georges Cuvier descobriu ossos de
mamutes lanosos nas proximidades de Paris, salamandras gigantes, répteis voadores e
outras espécies extintas. Cuvier concluiu que o conceito popular de catastrofismo era
correto e que James Hutton, com seu conceito de uniformitarismo, estava errado.
Para Brody (1999), o alicerce mais sólido para uma teoria da evolução anterior
ao século XIX desenvolveu-se por meio das pesquisas e escritos de Erasmus Darwin5.
Sua versão da teoria evolucionista afirmava que as espécies se modificavam adaptando-
se ao meio graças a algum tipo de esforço consciente, esse conceito era conhecido como
a doutrina das características adquiridas. Para Mayr (1998a), Erasmus Darwin via “na
faculdade de seguir melhorando” era uma das propriedades básicas da própria vida.
Entretanto, o autor nos conta que no contexto inglês do século XVII e começo do século
XVIII, o trabalho de Erasmus Darwin, representava uma exceção, pois não havia
interesse pelas questões evolucionistas. O autor nos informa que neste período havia
grande pujança do empirismo e consequentemente, uma grande valorização das
Ciências Físicas e experimentais. Isto sem considerar que as questões de História
Natural estavam a cargo de ministros ordenados, que conduziam seus estudos,
inevitavelmente, a um mundo perfeitamente criado e incompatível com o conceito de
evolução.
Nem mesmo com os estudos de Lamarck (1744-1828), estivemos tão ameaçados
de perder nossa posição privilegiada na natureza. Lamarck nas primeiras edições de sua
obra de 1809, Filosofia zoológica, expôs dois princípios. O primeiro é que os animais
revelam uma série graduada de perfeição. Para Mayr (1998a: 387), Lamarck entendia
por perfeição crescente o aumento gradual de complexidade. Havia uma gradação que
ocorria dos animais mais simples até os mais complexos, culminando no homem. A
idéia de que um órgão se fortalece pelo uso contínuo, e que enfraquece pelo desuso,
4
Segundo Mayr (1998) os termos uniformitarismo e catastrofismo foram cunhados pelo filósofo britânico
William Whewell, em 1832. O termo uniformitarismo ou uniformidade, de acordo com Brody (1999),
afirma que as rochas e outros materiais inorgânicos da Terra são formados e modificados por uma série
contínua e uniforme de fenômenos naturais.
5
Avô de Darwin, que no seu livro Zoonomia (1794) tratou de algumas especulações evolucionistas.
Segundo Mayr (1998a: 381-382), atribui-se a Erasmus Darwin influências que ele certamente não
exerceu. Para o autor, Erasmus Darwin era antes de tudo um sintetizador e um popularizador e suas idéias
evolucionistas poderiam ser encontradas em autores que o precederam.
22
A mãe de Darwin morreu quando tinha oito anos de idade e assim, ele cresceu
sob a proteção de sua irmã mais velha, Caroline. Depois de ter abandonado aos estudos
de Medicina, Darwin formou-se em Teologia na Universidade de Cambridge, na
Inglaterra, na turma de 1831. Segundo Brody (1999), Darwin saíra-se bem em suas
aulas sobre naturalismo e admirava Henslow, seu professor de Botânica, do qual se
tornou amigo. Recebeu a carta de um alto funcionário do governo, George Peacock, que
acabaria por mudar todo o curso da história das Ciências Biológicas.
Gould (1999) nos conta que, a princípio, Darwin havia sido convidado para
integrar a tripulação do H.M.S. Beagle apenas como companheiro do capitão Fitzroy,
um jovem aristocrata que pretendia fazer desta expedição um marco para as viagens
exploratórias. O autor nos revela que o capitão não podia ter contato social com seus
oficiais, porque estes não pertenciam à classe social adequada. Somente um cavalheiro
poderia sentar-se à sua mesa, e cavalheiro, certamente Charles Darwin o era. O
naturalista da expedição era o médico cirurgião Robert McKormick. Na época, a
marinha britânica tinha uma longa tradição de médicos naturalistas e McKormick havia
se instruído para tal. Gould (idem) ainda informa que o argumento utilizado pelo capitão
para convencer Darwin a juntar-se à expedição foi a oportunidade de estudar História
23
9
No original “Evolución progresiva”. Em inglês, a expressão correspondente é: “evolutionary progress”.
A tradução que fazemos não é usada em português e é conceitualmente problemática.
26
ambiente se coloca em segundo plano, passando a ser apenas uma forma de ajuste ao
meio, e a noção de progresso, o motivo pelo qual ocorrem as mudanças.
Diante da ambigüidade destes argumentos cada vez mais Darwin adotou a noção
de Lamarck de herança das características adquiridas. Estas visões lamarckistas não
estavam totalmente ausentes da primeira edição. Assim o lamarckismo já representava
um importante papel nos argumentos de Darwin, pois deste modo o relógio biológico
poderia ser adequado aos cálculos da física de Thomson10. E porque, faltava a Darwin o
10
Segundo Foster (2005), William Thomson (mais tarde lorde Kelvin) foi o maior nome da Física na
época de Darwin. Kelvin, com seus estudos de termodinâmica, opôs as idéias evolutivas (e ao
uniformitarismo) tendo calculado, em 1862, a idade da Terra entre 20 a 400 milhões de anos. Para ele, o
planeta primitivo era muito quente para permitir qualquer forma de vida e esta não poderia ter se
desenvolvido em tão pouco tempo, contrastando com as idéias evolucionistas que explicavam a
27
construídas para nosso benefício imediato ou para algum outro fim. Já o pensamento
eutaxiológico, evoca relações harmônicas como causas de um propósito, de forma
análoga, seria como se pudéssemos contemplar a perfeita compatibilidade entre as peças
de um determinado sistema, extremamente complexo, sem que soubéssemos
absolutamente nada sobre as suas finalidades. O que, segundo Souza (1999), talvez
possa ser entendido como o princípio de uma preeminente distinção entre o pensamento
eutaxiológico e o argumento teleológico. Esta distinção não deve ser desprezada, pois
de acordo com o autor, o pensamento Teísta12 se harmoniza com a teleologia, enquanto
que a argumentação Deísta13 se ajusta perfeitamente ao pensamento eutaxiológico, que
estará alicerçando a revolução científica moderna, cujo símbolo característico será o
relógio, em que as perfeitas engrenagens trabalham em harmonia. Por conta disto, o
pensamento teleológico vá, ao longo da história, sendo substituído pelo argumento
eutaxiológico.
A influência do Aristotelismo, principalmente em sua versão tomista14, no
pensamento científico ocidental, somente começou a ser reduzida, a partir do
renascimento, tendo sido retirada inicialmente das disciplinas físicas.
Em oposição aos teleologistas estavam os mecanicistas, aqueles que segundo
Mayr (1998a), encaravam o universo como um mecanismo que funciona de acordo com
as leis da natureza, daí porque as engrenagens do relógio são análogos precisos.
Contudo, desprezar a aparente finalidade de algumas estruturas bem como os processos
de adaptação de órgãos parecia algo que não poderia ser ignorado pelos mecanicistas.
De acordo com Souza (1999), nomes como Copérnico, Descartes, Bacon, Boyle,
Newton e vários outros podem ser citados como críticos do pensamento teleológico.
Todavia, merece destaque o trabalho de Galileu (1564-1642), que pôs este pensamento
em xeque. Galileu introduziu, entre outros, o conceito de inércia, que demoliu os
conceitos da física aristotélica do séculoXVI. No entanto, questionar o pensamento
aristotélico significava questionar toda filosofia cristã dominante, o que abrasou ainda
mais as discussões. Naquele momento, tal como fizeram Copérnico e, principalmente
12
Doutrina que admite a existência de um deus pessoal, causa do mundo.
13
Sistema ou atitude dos que, rejeitando toda espécie de revelação divina e, portanto, a autoridade de
qualquer Igreja, aceitam, todavia, a existência de um Deus, destituído de atributos morais e intelectuais, e
que poderá ou não haver influído na criação do Universo.
14
Doutrina escolástica de S. Tomás de Aquino (teólogo italiano que viveu entre 1225 e 1274) adotada
oficialmente pela Igreja Católica, e que se caracteriza sobretudo pela tentativa de conciliar o aristotelismo
com o cristianismo.
29
17
A idéia de que há um plano em franco desenvolvimento, dirigido por Deus ou não, mas com um final
determinado, traz subjacente a ela, a noção de progresso imanente que atua como uma espécie de “mola
propulsora” deste plano rumo ao estado final. Esta proposição será mais aprofundada no transcorrer deste
30
capítulo.
18
Inicialmente, Mayr (1998) havia proposto quatro concepções para o termo, mas em sua última
publicação antes de falecer (Mayr, 2005), propõe a inclusão de uma quinta categoria: a do comportamento
proposital em organismos pensantes.
31
vida não são, “desde sempre” determinadas; tudo depende do que aconteceu em sua
história pretérita. Neste sentido, o pensamento de Gould autor nos conduz a idéia de que
o passado é extremamente relevante para compreender a diversidade atual. E esta
importância cresce ainda mais se considerarmos o papel do acaso neste processo; a
qualificação contingente depende diretamente de sucesso probabilísticos em outros
eventos. O sucesso adaptativo de um organismo em um dado ambiente não garante que
a seleção natural irá preservá-lo. Um organismo bem sucedido tem apenas mais chances
de sobreviver do que um que seja menos adaptado às mesmas circunstâncias ambientais.
A leitura que fazemos o conceito de Teleologia natural indeterminada
apresentada por Ayala se aproxima bastante do que Gould chama de Contingência
evolutiva (Gould, 1990), pois ambas preconizam os sucessos probabilísticos da história
pretérita dos seres vivos como os responsáveis pelo surgimento de órgãos-chave para o
“sucesso evolutivo” atual destes mesmos organismos. Esta semelhança, para nós,
expressa como o tema é complexo, produzindo elaborações teóricas que suscitam
inúmeras controvérsias.
Desta forma, elaboramos esquematicamente a complexa rede de conceitos e
definições - dos diversos autores aqui apresentados - que envolvem a formulação do
pensamento teleológico, em um mapa conceitual, descrito na Figura 1, logo a seguir:
34
Figura 1.
35
humana; o legítimo fim da ciência era dotar a vida humana de novas invenções e
riquezas, e no caso das ciências naturais, estabelecerem o domínio humano sobre a
natureza. Segundo Bacon, para progredir era crucial a capacidade da mente humana
para descobrir verdades úteis para o bem-estar e melhoramento da humanidade. Bacon
pensava que poderiam se estabelecer estados progressivos de certeza. A tecnologia
aumentaria a força de entendimento humano e garantiria o progresso.
Segundo Barahona (1998), durante o século XVIII o progresso foi visto como o
melhoramento contínuo do homem. De acordo com a autora, esta idéia foi desenvolvida
no século XVIII pelo Marques de Condorcet que baseava sua idéia de progresso na
analogia entre a raça e o indivíduo, cada um aprendendo através da experiência desde
sensações simples até as complexas. E assim como os indivíduos são capazes de
armazenar informações, os membros de uma espécie acreditavam em uma memória
coletiva de habilidades e conhecimento. Cada estágio da história é, para Condorcet, o
resultado do que ocorreu momentos antes, como uma espécie de escada em que um
passo está inexoravelmente ligado ao passo anterior. Esta visão não inclui a noção de
descendência filogenética, e credita a criação de cada estágio a eventos sobrenaturais.
Este contexto no conduz à idéia de que as criações sucessivas se ligavam a uma ordem
divina. Para Condorcet não havia limites para o progresso das faculdades humanas, a
perfeição humana era ilimitada. O limite para o progresso era o tempo, o tempo que
durasse o planeta.
Kant e outros filósofos acreditavam que se deveria buscar o que chamou de “a
lei do progresso”, que caracterizava não só a natureza, mas a humanidade e suas
intenções nos séculos posteriores. De acordo com Barahona (idem), o conceito de
progresso surge em um ambiente altamente influenciado pelas idéias iluministas. Mayr
(1998b) destaca que no século XVIII, na Alemanha, a Teologia Natural alcançava seu
apogeu e revigorava ainda mais a idéia de progresso. O autor nos conta que o
evolucionismo na Alemanha se construiu de forma diferente da França e Inglaterra. Na
Alemanha tratava-se fundamentalmente de um movimento otimista, que via
desenvolvimento e melhoria em toda parte, uma força em direção a níveis elevados de
perfeição, fortalecendo assim as idéias procedentes da Escala Naturae e do conceito de
progresso, bastante populares entre os filósofos do Iluminismo.
37
constitui um todo infinitamente gradual, sem linhas reais que a dividam, somente
existem indivíduos, e não reinos, ou classes, ou gêneros ou espécies” (Barahona
1998:128). A cadeia do ser se constituía a partir de sucessivos atos de criação, sem
evolução ou continuidade genética. O rápido desenvolvimento da Geologia e da
Paleontologia no século XIX confirmou a idéia da existência de uma seqüência de
povoações diferentes no curso da vida na Terra. A partir desta idéia começou a se
desenvolver a crença acerca do processo de desenvolvimento, que serviu de base para os
debates evolucionistas, sendo que a evidência dos fósseis foi utilizada por ambos os
lados, opositores e defensores do evolucionismo.
Mayr (1998a) afirma que embora o Iluminismo tenha começado na Grã-
Bretanha, foi na França que se desenvolveu e gerou conceitos importantes e não é de se
espantar que a primeira teoria evolutiva tenha sido cunha da por um Francês. Alguns
dos naturalistas haviam indagado se poderiam falar de um padrão definido de
desenvolvimento. A idéia de que a vida havia progredido ao longo de uma escala,
também foi incorporada por Lamarck, com o objetivo de explicar dois tipos de
mudanças: a adaptação e os diferentes níveis de organização. Lamarck pensava na
progressão dos organismos menos avançados aos mais avançados. Segundo ele, os
organismos se transformavam ao longo do tempo, num processo que iria desde o
organismo mais simples ao mais complexo, repetindo-se sucessivamente. Para Lamarck
a vida surgia por geração espontânea, sendo o ponto de partida para a ascensão gradual
e progressiva na escala, para formas mais complexas (Barahona, 1998). Esta ascensão
poderia se modificar a partir das necessidades dos organismos em adaptar-se às
mudanças do meio. Esta interpretação de evolução definida por Lamarck identificou um
progresso ao que chamou de gradação, o qual era o responsável imanente pela
organização. Neste contexto, a adaptação foi relegada a segundo plano, considerada
apenas como um ajuste das espécies ao seu meio.
Foi através do desenvolvimento da Paleontologia comparada de Curvier que se
obteve evidências de que a vida havia sofrido alguma forma de padrão progressivo. O
debate acerca do progresso se colocou na questão dos fósseis, ou seja, se estes
provavam ou não, de maneira sustentável, uma tendência para formas superiores. Lyell,
de maneira representativa entre os paleontólogos do século XIX, defendeu a idéia de
que a hierarquia na organização era clara, sobretudo no desenvolvimento dos
vertebrados.
40
• Os seres humanos são sem dúvida os animais mais inteligentes da Terra, capazes
de levar a cabo atividades éticas e religiosas que não ocorrem em outros
organismos e desenvolver uma cultura que possui tecnologias e estruturas
sociais avançadas. Parece então razoável conceber a idéia de que um processo
gradual tenha transformado organismos primitivos em organismos mais
avançados e, finalmente, no homem, ápice de uma evolução progressiva.
• Os textos sobre evolução falam de organismos mais ou menos avançados, de
organismos superiores ou inferiores e de organismos mais ou menos
progredidos.
• Para explorar se a evolução é ou não um processo progressivo, ou para decidir se
o homem é ou não o mais progressivo dos organismos, é preciso desvendar o
conceito de progresso. E podemos começar comparando o termo “progresso”
com outros termos a ele relacionados, como mudança, evolução e direção. Ayala
(1998).
De acordo com Barahona (1998), a noção de progresso na Biologia evolutiva é
extremamente complexa e polêmica. Assim, hoje se pode distinguir três perspectivas
diferentes a respeito da noção de progresso. A primeira, defendida por Michael Ruse,
David Hull e outros, sustenta que não existe prova científica que nos leve a aceitar certa
“direcionalidade” na evolução biológica. Uma segunda visão, defendida por Stephen
Jay Gould, sustenta que o conceito de progresso deve ser reinterpretado a partir de uma
perspectiva em que os dados sejam trabalhados em níveis hierárquicos que interagem.
Para Gould, o principal problema do conceito de progresso é semântico, pois à medida
que optarmos pela direcionalidade, poderemos fazê-lo como conseqüência da adaptação
dos seres vivos e não como causa. A terceira visão, defendia por Ayala e outros,
sustentam que a noção de progresso evolutivo pode purgar-se de suas conotações
antropocêntricas e que podemos falar de progresso de um ponto de vista científico, com
base nas provas existentes.
1.4 – A persistência da Teleologia nas Ciências Biológicas
A causal final ou teleológica serviria para respondermos, ante um processo ou
entidade, a pergunta “Para quê?” Os conceitos e idéias a respeito da teleologia passaram
por uma série de transformações ao longo do tempo. Entretanto, Ayala (ibid.) afirma
que não há hoje um consenso sobre o conceito de teleologia, de forma que não se tem
uma única idéia sobre o tema.
43
19
Segundo Foster (2005, p.264), sete meses após a publicação de Origem das espécies, uma multidão
entre setecentas e mil pessoas se aglomerou no museu do renascimento gótico de Oxford. Ali seria
travado o debate entre Thomas Huxley, eminente darwinista dono de uma retórica muito forte e o bispo
de Oxford Sam Wilberforce, matemático, ornitólogo e vice-presidente da Associação Britânica Para o
Progresso da Ciência e também conhecido pelos talentos na oratória. Após discorrer sobre os trabalhos de
Darwin a intenção do bispo era clara, a de ganhar o debate mostrando que Huxley havia enxovalhado a
inviolabilidade da senhora vitoriana. Usando de todo o seu poder retórico Huxley inverte a situação
deixando a platéia em êxtase. Assim deixou a contenda convencido de seu triunfo. Ver também, Gould
(2002, p.99).
45
CAPÍTULO 2.
2. O percurso da investigação.
Como orientação para a etapa empírica da pesquisa, assim como em sua análise,
adotamos a abordagem qualitativa, em especial pela natureza dos dados obtidos,
respaldando-nos no entendimento de Minayo (1994:22) de que este tipo de abordagem
aprofunda-se no mundo dos significados, das ações e relações humanas; um lado não
perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. Buscamos, assim,
interpretar elementos que compõe a prática docente e suas influências na construção e
utilização dos argumentos teleológicos em situações cotidianas de sala de aula. Era
nossa intenção, potencializar o entendimento das ações e construções didáticas
elaboradas pelos docentes, algo que certamente não pode ser traduzido por equações
matemáticas.
Ao investigar o uso dos argumentos teleológicos em sala de aula queremos
compreender como professores de Biologia lidam com o pensamento teleológico em
situações de ensino, tomando como referência o estudo dos saberes elaborados ao longo
de suas experiências profissionais (Tardif, 2002; Tardif & Lessard, 2005). Desta forma,
adotamos uma estratégia de pesquisa que permite aos professores explicitar suas
experiências e refletir sobre elas, fazendo com que as idéias e os entendimentos sobre
suas práticas docentes circulem e ecoem em seus pares, gerando um ambiente profícuo e
criativo. A este respeito, Vilar (2003) assinala que o momento em que os professores
47
20
Para saber mais a este respeito ver Behrsin, 2001.
21
A participação de alunos ouvintes no referido curso é relativamente comum por se tratar de uma prática
rotineira em cursos de pós-graduação.
48
alunos em sala de aula variam entre apenas alguns meses e até vinte anos de experiência
docente.
2.4 As etapas da pesquisa
Considerando que o objetivo central da disciplina Instrumentação para o Ensino
de Biologia é dar suporte teórico-prático aos professores para a construção de aulas
mais dinâmicas e desafiadoras, optamos por tratar os assuntos relativos ao pensamento
teleológico em apenas uma pequena fração do curso. Levando em conta a estrutura da
disciplina em quinze encontros semanais com duração de duas horas cada um, iniciamos
os trabalhos dividindo-os em três encontros com a duração total de seis horas.
Nesta etapa, o nosso intuito era construir um diálogo com as professoras sobre a
temática evolução de forma que suas respostas nos dessem condições de compreender
como operam com o tema; em outras palavras, conhecer preliminarmente quais idéias
de evolução circulavam entre elas.
O passo seguinte consistiu na exposição do tema teleologia e, para tanto, nos
utilizamos de alguns textos previamente selecionados como apoio para os debates na
seqüência de aulas planejadas neste curso de pós-graduação. Em um primeiro momento,
iniciamos a apresentação tomando como referência os argumentos utilizados por
Barahona (1998). A apresentação se deu por meio de uma exposição oral, situando
historicamente o pensamento teleológico na formação e consolidação da Biologia como
22
A gravação em áudio nos permitiu identificar aspectos de grande relevância para a pesquisa, assunto
que será pormenorizado no capítulo seguinte.
49
Questões: Você acredita que possa haver algo que comprometa o aprendizado
de evolução no texto do narrador?
Que conceitos evolutivos estão colocados no texto do narrador?
De que forma você reconstruiria este texto?
Questionamentos:
Como dito anteriormente, esta etapa buscava entender em que medida o livro
didático é um dos elementos que alimenta a circulação de argumentos teleológicos em
sala de aula e ainda compreender como as professoras lidam com estes argumentos, uma
vez que estes materiais encontram-se presentes em suas salas de aula. Assim sendo,
utilizamos dois questionamentos para orientar a leituras dos textos selecionados:
A - Você percebe nos textos acima algo que possa, de alguma forma, comprometer uma
situação de ensino?
B - Para que aspectos do texto você chamaria a atenção do aluno? Justifique.
24
Tomamos aqui como depoimentos, as falas das professoras audiogravadas.
54
Tratamen
to das
Identificação e Nesta categoria, situam-se os depoimentos relativos
questões
que tipos de à identificação do pensamento teleológico nas
envolvem
teleologia em diversas situações de ensino apresentadas. Esta
o
pensamen situações de categoria pode ainda ser dividida em três
to
ensino subcategorias: (i) não identificada; (ii) teleologia
teleológico
dos dados identificada que não provoca mudanças; e (iii)
teleologia identificada que desvia a atenção.
Esta categoria reúne três subcategorias que estão
Formas de ligadas à forma com que à teleologia atua em
atuação da situações de aprendizagem. São elas: (i) A teleologia
teleologia em como um fator limitante na aprendizagem; (ii) A
situações de teleologia que não compromete uma situação de
ensino ensino; e (iii) a teleologia como um facilitador de
aprendizagem.
Teleologia
como um fator Nesta subcategoria estão os depoimentos que
que não conferem a teleologia um caráter neutro, que não
interfere na interfere nas situações de aprendizagem.
aprendizagem.
CAPÍTULO 3
3- SABERES DOCENTES E ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS:
ANALISANDO OS DADOS DA PESQUISA
(2002:53), quando afirma: Eles [os professores] dividem uns com os outros um saber
prático sobre sua atuação, (...) a maior parte deles expressa a necessidade de partilhar
suas experiências.
Nas seções seguintes, analisamos as respostas das onze professoras participantes
os diversos momentos do processo de investigação. Embora todas tenham consentido a
publicação de seus nomes, optamos por resguardá-las adotando nomes fictícios25: Talita;
Tâmara; Tábita; Temis; Tércia; Teresa; Ticiane; Tainá; Thais; Teodora; Tarsila.
3.1 O entendimento das docentes sobre evolução
Tomando por base o breve questionário apresentado às professoras na primeira
etapa da pesquisa, discutimos as respostas dadas às questões propostas. Ao optarmos
por trabalhar com estas questões de forma individual e escrita, desejávamos levantar
preliminarmente como as professoras de Biologia entendem e trabalham o conceito de
evolução e suas conexões em sala de aula. Julgávamos interessante iniciar pela
discussão sobre suas idéias acerca do tema evolução para provocar a discussão com as
explicações teleológicas.
A análise da primeira pergunta - O que significa dizer que um animal é mais
evoluído do que outro? - indica que a maioria das professoras considera existir alguma
característica positiva relacionada à evolução. A partir de suas respostas, vemos que este
processo é compreendido como sinônimo de “algo melhor” e não apenas como uma
“novidade”, independente da sua natureza. Assim, os seres que evoluem se encontram
mais capacitados a sobreviver no meio em que se encontram, seja porque são complexos
seja porque têm maiores possibilidades de se adaptarem ao meio em que vivem. Tal
visão se reflete, por exemplo, na fala da professora Teresa: Um animal é mais evoluído
que outro quando possui uma organização mais complexa.
Outra visão presente nas respostas diz respeito ao entendimento de
complexidade como adaptação individual, ou seja, a complexidade de cada indivíduo
atua como uma espécie de arsenal de possibilidades evolutivas, como expressou a
professora Talita: Existem adaptações que fazem com que os animais tenham ou não
habilidades para viverem, por exemplo, em um local. Quanto mais complexo for o ser,
mais chances ele tem de se adaptar aos novos ambientes. Palavras como: variações,
adaptações e complexidade, repetidas seguidas vezes nos depoimentos, nos fizeram crer
que as professoras consideram que o ser “mais evoluído” é aquele que apresenta um
25
Optamos por denominar todas as professoras por nomes iniciados pela letra “t” em referência à
teleologia.
61
maior número de estruturas, como aponta a professora Temis: É que na escala evolutiva
ele [animal mais evoluído] é um animal que apresenta um nível maior de
complexidade: tecidos, órgãos, sistemas e está bem adaptado. Neste sentido, podemos
perceber que as professoras entendem evolução como variações que caminham em um
sentido: a melhora e a complexidade; o acúmulo de variações anatômicas e fisiológicas
que o indivíduo adquiriu ao longo de sua história; e a reserva de possibilidades.
Boa parte dos conceitos evolutivos expressos pelas professoras não
correspondem, pelo menos sob o ponto de vista conceitual, a visão compartilhada por
uma porção significativa da comunidade científica atual, porque representa uma noção
progressiva e linear de evolução biológica. É provável que tal visão seja fruto da
confusão entre o sentido biológico do termo “evolução” e aquele empregado em outras
esferas sociais. Entretanto, se considerarmos o esforço argumentativo de autores como
Stephan Jay Gould em seu livro Lance de Dados, vemos o quanto o enraizamento desta
noção encontra-se também no meio científico das Ciências Biológicas. Como o autor
aponta que a concepção de evolução é muitas vezes tomada como progresso, mesmo
entre ilustres cientistas, não pode nos surpreender que esta conotação também esteja
presente na maioria das respostas das professoras.
A análise da segunda pergunta - As espécies de mamíferos são mais evoluídas
do que as espécies de bactérias? - ratificou nosso entendimento acerca do
posicionamento das professoras em relação à ligação entre complexidade e evolução.
Na resposta dada pela professora Ticiane: Os mamíferos são mais evoluídos porque
apresentam estruturas mais complexas, que permitem adaptar-se a diferentes habitats
(...), podemos evidenciar claramente a relação entre complexidade e adaptação. Esta
perspectiva é confirmada pela professora Teresa:
26
Algumas frases foram cunhadas por nós, tomando como base nossa experiência de sala de aula, e outras
inspiradas no artigo de Tamir & Zohar (1991). As frases estarão dispostas nos anexos.
65
27
As seis características do ensino em sala de aula identificadas por Doyle são: a multidimensionalidade;
a simultaneidade; a imediatez; a imprevisibilidade; a visibilidade; a historicidade. (Doyle, 1986 apud
Gauthier & Martineau, 2001)
67
28
A este respeito, à investigação de VILAR (2003) traz bastante material analítico para uma melhor
compreensão teórico-metodológica destas questões.
68
cotidianas e os articularam com as idéias novas apresentadas. “(...) o novo surge e pode
surgir do antigo exatamente porque o antigo é reatualizado constantemente por meio de
processo de aprendizagem” Tardif (2002:39).
Todavia, é preciso ressaltar que as opiniões a respeito do uso dos argumentos
teleológicos em sala de aula não são uníssonas. Tainá acredita que nem sempre o
argumento teleológico facilita o aprendizado: O professor pode se utilizar de outros
argumentos, como uma proximidade da realidade dos alunos ou com o uso de
analogias com fenômenos naturais, ou ainda, construindo associações com outras
áreas. A professora Teresa vai ainda mais longe ao afirmar que se o professor se
“policiar” ele consegue se livrar do que chamou de vício: Mas o professor pode, por
exemplo, tirar esses vícios que existem no texto do livro didático, ele tem bagagem
suficiente para isso.
Este último depoimento da professora é bastante emblemático, no sentido que
aponta para o uso dos argumentos teleológicos como algo deletério. Além disso, indica
também que a professora reconhece que estes problemas existem de forma difusa no
contexto escolar, e que os livros veiculam tais argumentos. A palavra “vício” expressa a
compreensão de algo já entranhado tanto nas práticas acadêmicas quanto nas escolares.
Ao que parece, a problematização do debate ajudava as professoras a compreender que
se os argumentos teleológicos estão entranhados em suas práticas – e, por conseguinte,
também na Biologia escolar - a ciência de referência, a Biologia acadêmica, era de certa
forma uma das fontes importantes destes argumentos. Retirá-los, se é que é isto é
possível, não seria uma tarefa fácil. É para onde aponta o discurso da professora Tarsila
“Sei não, ainda mais estudando o livro didático, sei não”. Ruse (2000) argumenta que,
em princípio, a teleologia poderia ser retirada do pensamento biológico e até mesmo do
pensamento biológico evolutivo, mas fazer isto, seria no mínimo contraproducente,
seria como abdicar do poder heurístico que estes argumentos trazem para a ciência.
Desta forma, ao finalizar o “júri simulado”, a questão central, desta parte do
estudo, pode, então, ser assim formulada: o que seria mais “produtivo”: retirar o
pensamento teleológico da Biologia escolar ou conviver com ele aproveitando-se de
suas potencialidades? É possível estabelecer um limite entre o que seria “aceitável” no
uso do argumento teleológico nas situações de sala de aula? Se este for o caso, como
lidar com os aspectos “viciados” da argumentação teleológica de modo a melhor
enriquecer a explicação didática? Algumas destas questões foram endereçadas às
professoras na continuidade da investigação e apresentamos a seguir.
69
leigos e estudiosos desta área científica. Uma possível alternativa para o entendimento
correto, sob o ponto de vista biológico, não é tão atraente quanto os argumentos
teleológicos e por isso mais complexa e difícil. Rumjanek (2004:15-15) em seu artigo
“No íntimo, somos todos lamarckistas”, nos conta que o culto teleológico é intuitivo
dentro de nossa lógica formal mecanicista. Destaca o papel dos livros didáticos no
processo de naturalização das doutrinas lamarckistas. Segundo o autor, praticamente
todos os livros de ciências, quando tratam dos seres vivos, adotam uma como
dispositivo didático “o existir para servir a alguma função”. Ou ainda que “a natureza é
sábia”.
3.4 Analisando os registros de regência
Nesta etapa, foram apresentadas às professoras situações de ensino, retiradas do
registro de práticas de licenciandas no exercício de suas regências no estágio
supervisionado, em que explicações teleológicas e antropomórficas são utilizadas. O
propósito desta atividade era a análise e discussão dos argumentos teleológicos
utilizados pelas licenciandas. Nosso intuito era discutir situações de aula bastante
comuns nas quais as professoras se identificassem. A proximidade que estas situações
traziam ao seu cotidiano poderia nos ajudar a compreender como as docentes
mobilizavam seus saberes, provocando um diálogo acerca dos argumentos teleológicos.
A princípio, as professoras discutiam as situações sob o ponto de vista das
Ciências Biológicas, até que a professora Tarsila percebeu o caráter antropomórfico de
uma das falas das licenciandas e destacou: “o parasita quer que... há uma
intencionalidade”. A professora percebeu a intencionalidade, atribuída ao parasita, na
fala da licencianda. Segundo Hempel (apud Tamir& Zohar, 1991), uma explicação
teleológica pode ser considerada um caso especial de antropomorfismo. Acreditamos
que, neste contexto, especificamente, a recíproca seja verdadeira. Quando validamos
uma explicação que se norteia pela volição de um ser desprovido de raciocínio, ao
atribuirmos esta característica humana, estamos em certa medida, justificando e
trazendo um propósito para a sua ação. Talvez possamos acreditar que a professora, ao
reconhecer o caráter antropomórfico da fala da licencianda esteja, indicando o mau uso
destes argumentos, ainda que não explicitamente mencione este caráter. É o que indica a
fala seguinte da professora Tainá “eu acho que, elas não foram felizes nos seus
argumentos”.
72
ela vai arrastar este conceito até a faculdade. A professora destaca que, utilizando as
analogias com argumentos teleológicos estamos subestimando o potencial das crianças
e, o que destaca como mais prejudicial, provocando uma compreensão errônea que
compromete sua aprendizagem até níveis de formação mais especializados. Podemos
deduzir que, implicitamente, ela reconhece que nem mesmo na universidade esta
compreensão foi abalada.
Após um primeiro momento em que discutimos coletivamente as situações de
regência das licenciandas, passamos a analisar as situações de forma individual. Neste
momento cada docente emitiu sua visão das situações vivenciadas pelas licenciandas.
A análise da primeira pergunta – O que você acha das afirmações das
licenciandas A e B? – desta atividade mostrou novamente, talvez por conta no debate
realizado anteriormente, que as professoras consideram que a explicação teleológica
provoca certa redução nas possibilidades de aprendizagem. A professora Teodora assim
se pronunciou: As licenciandas economizaram muito na linguagem, [e com isso]
reduziram no conhecimento. No entendimento das professoras, esta “economia”
representa prejuízo para o aprendizado dos alunos. Esta perspectiva empobrecedora que
o argumento teleológico provoca, ao ser colocado de forma simplificada nas analogias
antropomórficas, reaparece na fala da professora Thais: O modo de linguagem é muito
simples e acaba limitando o aprendizado. E como foi uma aula para uma turma de 3º
ano ela [a licencianda] não deveria ter explicado desta forma.
A pergunta número dois - Que conceitos evolutivos estão expressos na
afirmação da licencianda?- revelou certa fragilidade das bases biológicas da formação
das professoras. Boa parte das respostas não está de acordo com o que se considera
biologicamente correto. Em algumas situações as professoras expressaram pequenos
equívocos no que diz respeito às teorias Darwinistas e Lamarckistas. Não são raras as
respostas, como a da professora Ticiane, que descrevem como sendo darwinista a fala
das licenciandas, somente porque abordou o tema adaptação: Darwin, porque as duas
falam de adaptações que ambas [o parasita e a bromélia] têm para sobreviver. A maior
parte das respostas dadas pelas docentes indica que Lamarckismo é o conceito evolutivo
estruturante na fala das licenciandas. De certa forma, este aspecto pode ser explicado se
levarmos em consideração a concepção de evolução progressista e linear apresentada
pelas professoras (como visto na sessão inicial deste capítulo) e comum também ao
lamarckismo. Ou ainda, quando apresentam respostas que expressam hesitação ao
apontar o conceito evolutivo estruturante, como podemos observar no relato da
74
professora Teresa - Ambas tentam expressar adaptações fisiológicas dos seres vivos -
quando não se posiciona, o que sugere a ambigüidade.
Na terceira questão - Há algum objetivo na ação do parasita ou da planta em
relação ao ambiente? - indagávamos as professoras sobre propósitos, se havia ou não
finalidades nas situações apresentadas pelas licenciandas. É interessante notar que as
respostas apontam para uma clara negativa destas finalidades. Para as professoras, as
situações não expressam intencionalidade.
Entretanto, quando solicitamos que suas respostas fossem justificadas, as
mesmas nos retornaram com construções teleológicas, como podemos notar na resposta
dada pela professora Talita: Porém, ambos têm esse comportamento para sobreviver.
Ao justificar sua resposta, a docente o faz lançando mão de argumentos teleológicos,
um comportamento dirigido para a sobrevivência do organismo. É possível notar o
mesmo aspecto na justificativa apresentada pela professora Tércia: Ambos os objetivos
visam à sobrevivência. Caponi (2002:58) nos conta que em meados do século XIX, o
célebre fisiologista alemão Ernest Brüke comparou a teleologia com uma mulher da
qual o Biólogo não poderia prescindir, mas com a qual não queria ser visto em público.
Talvez possamos tomar emprestada a analogia proposta pelo fisiologista alemão para
tentar compreender as respostas apresentadas pelas docentes. Sob o ponto de vista da
Biologia, o pensamento teleológico não está exatamente correto, entretanto, tentando
reproduzir um saber mais próximo do saber acadêmico, é possível que as professoras
tenham se posicionado de forma contrária ao pensamento teleológico, ignorando-o.
Entretanto, quando solicitadas a justificar suas respostas, deixaram vir à lume a
teleologia que utilizam em sua prática cotidiana.
Por fim, no último questionamento desta etapa - Como você explicaria este
tópico? - que visava estimular as professoras a reconstruir as falas apresentadas pelas
licenciandas, dois aspectos nos chamaram a atenção. O primeiro deles é que, quando
chamadas para modificar uma explicação teleológica, muitas não o fizeram;
reescreveram os textos com outros argumentos, mas ainda assim teleológicos, como nos
mostra o relato da professora Tábita. O parasita mantém o hospedeiro vivo para que o
mesmo sobreviva, pois necessita do hospedeiro. O parasita se beneficia do hospedeiro,
porém o mantém vivo.
A professora reescreve o texto, porém mantém o argumento teleológico quando
aponta para a sobrevivência do hospedeiro como uma ação arquitetada pelo parasita.
Até que ponto podemos pensar que as professoras usam a explicação teleológica
75
31
Os textos do livro didático relatados nesta sessão estão dispostos na íntegra no capítulo 2.
76
Embora esta última resposta apresente uma preocupação com o uso dos
argumentos teleológicos, não o elimina completamente. A professora procura em
primeiro plano se desvencilhar da teleologia, quando se propõe a explicar que o
tamanho reduzido de um dos pulmões é fruto do acaso. Quando reescreve, não explica
claramente o surgimento dos pulmões, mas recorre ao pensamento teleológico para
77
dizer que posição do pulmão está alojada na caixa torácica devido aos processos
necessários que o organismo passa ao longo dos anos. Em outras palavras, ao afirmar
que os processos foram necessários, a professora indica que há uma vontade intrínseca
ou a necessidade de processos modificadores, e a atual posição do pulmão é fruto deste
processo.
3.6 Buscando sentidos nos saberes das professoras
Os depoimentos das professoras são apresentados nesta seção a partir da análise
do material empírico e diálogo com os referenciais teóricos. Tanto quando debatiam as
questões propostas nas diversas etapas da pesquisa quanto estavam apontavam soluções
para as situações didáticas, as professoras expressavam saberes e descreviam situações
cotidianas de sua prática profissional.
Antes de apresentar a análise, é importante deixar claro que o nosso objetivo
não é julgar os depoimentos colhidos. Este estudo não se presta a apontar caminho a
serem seguidos pelos professores. Pretendemos por um lado, compreender os saberes
mobilizados pelos professores no exercício de sua tarefa docente e, por outro,
problematizar e abrir caminhos para a discussão do uso da explicação teleológica no
ensino de Ciências e Biologia dentro desta perspectiva.
A análise das falas das professoras nas atividades que se seguiram ao “Júri
32
Simulado” permitiu estabelecer alguns padrões nas respostas. Para isso, buscamos
compreendê-las como expressão dos saberes docentes no emprego das explicações
teleológicas. Nestes saberes, identificamos uma mescla, principalmente, dos saberes
construídos nas suas experiências no magistério, nos saberes aprendidos durante a
formação inicial e também podemos identificar elementos provenientes da discussão
travada no curso de pós-graduação que estão realizando, particularmente na disciplina
que serviu de base a esta investigação.
Discutiremos as duas categorias baseando-nos em alguns aspectos principais,
tais como: a identificação ou não dos argumentos teleológicos nas situações didáticas
problematizadas; a utilização da teleologia em situações de aprendizagem. Cabe
destacar que estes padrões derivam de categorias elaboradas durante o processo de
análise dos dados empíricos e que exigiram de nós uma leitura e releitura de todo o
material. Como sabemos, o processo de construção de categorias é bastante complexo e,
no nosso caso, se estendeu desde a pré-análise dos dados até os momentos finais de
construção desta dissertação. Várias tentativas foram realizadas; a cada leitura dos
32
Ver passos dois e três dos Procedimentos Metodológicos expostos no capítulo anterior.
78
dados uma nova possibilidade a ser escolhida, mas que nos levaram a fazer opções e
expor nossa interpretação.
3.7 Identificação da teleologia
Como vimos no capítulo de metodologia, esta categoria (pág.57 tabela 3 ) reúne
as falas das professoras identificando a teleologia nas situações de ensino propostas e,
nesta seção, iremos discuti-las. Nem sempre as professoras identificaram argumentos
teleológicos nas questões e atividades desenvolvidas ao longo da investigação. Por esta
razão, subdividimos esta categoria em duas – quando a explicação teleológica não é
identificada e quando é identifica - para melhor discutir os saberes mobilizados pelas
professoras em todo o processo.
destacados no texto: Chamaria atenção sobre as funções das estruturas de outro jeito,
falaria também de forma evolutiva. (grifo nosso) Vemos que a docente propõe a
reconstrução do texto, mas mantém os argumentos teleológicos. Acreditamos que ao
eleger o termo “função”, para destacar a forma de atuação das estruturas, Ticiane aponta
para uma adesão às explicações teleológicas, já que o termo “função” sugere a idéia de
uso orientado, cargo, serventia ou propósito. Neste sentido, somos levados a acreditar
que, para a docente, o pensamento teleológico não causa qualquer tipo de alteração
porque não atua no cerne da questão, não compromete a idéia central.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
34
“A gente quer passar para o aluno as características favoráveis, né? Que fizeram o animal ou a planta
se adaptar. E quando a gente fala dessa maneira [fazendo uso do pensamento teleológico], e eu acho que
a gente fala mesmo, na hora da empolgação, a gente fala mesmo e cria a necessidade daquilo acontecer.
Parece que a planta ou animal tem a capacidade de escolher o gen. Na verdade, não é bem assim, né? “
85
Também é possível inferir que, sem perceber com mais clareza como as questões
filosóficas e pedagógicas se entrecruzam, as docentes desaprovem o pensamento
teleológico, como uma tentativa de aproximação com a ciência de referência,
acreditando que na mesma o pensamento teleológico já não esteja mais presente. Como
nas teorias evolutivas o pensamento teleológico não está totalmente explícito e a
Biologia escolar ensinada no Ensino Médio aproxima-se e tenta reproduzir a academia,
fique mais claro para as professoras negar uma ligação das explicações via teleologia.
As docentes rejeitam a teleologia para este segmento de ensino por acreditar que, por
conta de suas características, a Biologia escolar esteja mais próxima da academia. Em
outras palavras, há nesse caso uma tentativa de espelhamento como a Biologia
acadêmica.
Contudo, autores do campo da filosofia da Biologia como Souza (1999) e
Ferreira (2003) apontam para a presença da teleologia na Biologia contemporânea.
Outros como Ayala (1998) e Ruse (2000), se articulam com autores da área de ensino,
Tamir & Zohar (1991). Ambos consideram que o uso do pensamento teleológico não
constitui ameaça ao entendimento do fenômeno biológico, desde que, esteja claro que o
uso que se faz da teleologia seja meramente metafórico, um recurso explicativo e não a
raiz elucidativa para um fenômeno biológico. Para Ruse (ibid), a teleologia tem sido
utilizada de forma metafórica ao longo do tempo na Biologia e, sobretudo, na Biologia
evolutiva como um elemento norteador heuristicamente poderoso. Para Hesse (1966
apud Ruse, 2000), as metáforas são essenciais para a construção das teorias; e a
teleologia parece ser um exemplo delas. Como vemos, a aceitação das professoras
utilizando como critério a maior proximidade com o mundo acadêmico parece assentar-
se em uma relação de confiança na legitimidade e acuidade originárias de um contexto
que pretendem imitar. Desconsideram, entretanto, que as contradições também habitam
o universo científico.
Resta-nos refletir por que, então, as docentes consideram aceitável o uso do
pensamento teleológico no ensino fundamental? Para esta reflexão é preciso considerar
que na disciplina Ciências, tradicionalmente ministrada por professores com formação
em Biologia, não há um campo de referência específico. Historicamente, pelas
características não acadêmicas do Ensino Fundamental, as docentes parecem estar
“livres” do peso de julgar o que está ou não biologicamente correto e, portanto, podem
utilizar as vantagens didáticas que o pensamento teleológico oferece. Neste sentido, as
finalidades utilitárias da disciplina escolar predominam sobre as acadêmicas, conforme
88
sugere Ferreira (2006). É importante destacar que quando a escola busca referenciais na
“ciência dura” acaba por transformá-los ainda que de uma linguagem metafórica, em
uma linguagem cotidiana que mescla elementos do dia-a-dia escolar com elementos que
são próprios da ciência. Como destaca Forquin (1992), os conhecimentos científicos
passam por processos de mediação didática que conferem a estes conhecimentos
características bastante peculiares transformando-os no conhecimento escolar. Desta
forma, é bastante provável que, sem se dar conta, professores de Ciências e Biologia ao
incorporarem os elementos teleológicos metafóricos recriam o conceito de evolução que
aprenderam ou que está expresso nos livros acadêmicos em uma outra dimensão, para
fazer sentido em um outro contexto.
Assim, podemos dizer que, a despeito de suas singularidades, identificamos as
possibilidades de ligação entre os campos científico e escolar. Para desenvolver melhor
este argumento, tomamos analogicamente o conceito de simbiose. Acreditamos que haja
uma forma de dependência recíproca entre os campos e não apenas um processo de
tomada referência do primeiro para o segundo. A Biologia acadêmica e a Biologia
escolar estão imersas em uma relação em que há benefício mútuo e uma
interdependência estrutural, ainda que não exatamente em proporções iguais.
Particularmente defendemos a idéia de uma simbiose porque acreditamos que a busca
de referências na Biologia acadêmica está impregnada de uma série de elementos que
valem ser explicitados. A Biologia escolar se vale, de certo modo, do prestígio social da
disciplina científica e assim ganha credibilidade no ambiente escolar (a este respeito,
ver os trabalhos de Goodson, 1995 particularmente o cap. 7). Por outro lado, ao
trabalhar e (re) significar estes conhecimentos de referência, os leva de volta, agora
envolvidos em uma formosa, porém resistente carapaça de confiabilidade. Sugerimos
que boa parte da confiabilidade que a Biologia adquire ao ser trabalhada na escola
provém da capacidade de entendimento e previsibilidade que os argumentos
teleológicos trazem entranhados em si. Quando a disciplina escolar e seus professores
formam os alunos confiantes no conhecimento produzido cientificamente, contribui
assim, para o fortalecimento da Biologia acadêmica sob o ponto de vista social,
caracterizando a dependência mútua entre os campos de conhecimento.
Os dados ainda apontam para a possibilidade de, em algumas situações didáticas,
a teleologia não representar uma ameaça nas explicações. Em outras palavras, casos em
que as idéias principais não são alteradas pela presença do pensamento teleológico nas
explicações. Por algumas ocasiões pudemos observar que as docentes percebem a
89
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1991.
FERREIRA & SELLES Analise dos livros didáticos em ciências: entre as ciências de
referência e as finalidades sociais da escolarização. Educação em foco. V.8,n.1 e n2.
set/fez p.101-110, 2004.
92
ANEXO I
1. Você acredita que possa haver algo que comprometa o aprendizado de evolução no
texto do narrador?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
2. Que conceitos evolutivos estão colocados no texto do narrador?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
3. De que forma você reconstruiria este texto?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
96
Para que aspectos das respostas destes alunos você chamaria a atenção? Por quê?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
98
2. Identificação do cursista:
Nome: ________________________________________________________
Escola que leciona: _____________________________________________
Tempo que exerce a função de professor: __________
Idade: entre 20 e 25 anos ( ) entre 25 e 30 anos ( ) entre 30 e 35 anos ( )
entre 35 e 40 ( ) entre 45 e 50 anos ( )
Questionário inicial
ANEXO II
Frases teleológicas e antropomórficas utilizadas para a apresentação do tema às
docentes.
O grande urso branco desenvolveu, ao longo dos anos, uma pele grossa
para se proteger das baixas temperaturas.
Pássaros que preparam um vôo longo armazenam gordura para prover suas
necessidades durante uma longa e difícil viagem.