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DO CÓDIGO DE MENORES A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS

TRABALHISTAS: A REGULAÇÃO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE NO


MUNDO DO TRABALHO

Anderson Rafael Lima da Silva


Graduado em Licenciatura Plena em História
UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco
silvaarl.hist@gmail.com

Humberto da Silva Miranda


Docente do Departamento de Educação da UFRPE e Coordenador do LAHIN
UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco
humbertomirandaufrpe@gmail.com

O debate em torno desse tema ainda continua presente na sociedade brasileira,


alguns avanços foram conquistados nas últimas décadas a partir de políticas públicas,
como o bolsa família, que tinham como um dos objetivos a retirada de crianças e
adolescentes do mundo do trabalho para a inclusão no ensino regular, além de avanços
relacionados a proteção contra os abusos no trabalho formal, com maior rigor nas
fiscalizações e uma legislação mais rígida.
Mas, atualmente, a partir de uma política de corte de programas de assistência a
população de baixa renda e uma profunda crise econômica, ainda é comum, encontrar
nas cidades crianças e adolescentes trabalhando na informalidade, vendendo pipocas,
doces, trabalhando em pequenos estabelecimentos familiares, fazendo fretes e etc.
Sustentados por um discurso onde o trabalho é colocado como mecanismo de instrução
social para fugir da criminalidade e até regeneração social para aqueles que desejam sair
dela.
O historiador vivendo o presente e com os olhos voltados ao passado, coloca-se
como agente problematizador, fazendo perguntas que seu tempo lhe questiona,
construindo sobre ele sentidos. A inquietação em entender o processo histórico pelo
qual foram construídas as ações de intervenção e controle sobre a criança e o
adolescente no mundo do trabalho se coloca num esforço de historicizar o passado,
criando pontos de articulação e de entendimento com o presente, conforme defendido
por Certeau (1982, p.79) a relação entre presente e passado é um produto que se cria
mediante uma atitude do historiador em separar, reunir e transformar em documentos
determinados objetivos, os colocando capaz de construir sentidos e interpretações em
torno do passado. Toda produção historiográfica esta articulada com o lugar,
socioeconômico, cultural, institucional e político, sendo submetida a imposições do
presente, que levam a novas questões a serem levantadas, novas compreensões acerca
dos documentos selecionados.
Neste artigo pretendemos analisar as conexões existentes entre o surgimento do
aparato jurídico que regulamenta o trabalhador “menor” a partir da criação do Código
de Menores de 1927 e da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943 com o aumento
do número de “menores” no mundo do trabalho nas décadas seguintes, analisando a
importância dessa mão-de-obra para a economia no Brasil e que tipo de relação
trabalhista essas crianças eram submetidas.

O surgimento de leis para crianças e adolescentes no mundo do trabalho

Os mecanismos utilizados pela classe empresarial para direcionar a criança e o


adolescente ao mundo do trabalho articula uma perspectiva econômica e política, onde a
desigualdade social é algo natural. Nessa lógica à população pobre caberia o trabalho,
aos ricos caberia dirigir a sociedade. Os discursos e práticas referentes as políticas para
a infância no Brasil segregam os desvalidos dos validos economicamente e socialmente.
Aos desvalidos resta a preparação mínima para o trabalho e para os validos toda a
educação disponível para comandar a sociedade. Nesse sentido para os dirigentes das
fábricas no início do século XX as condições mínimas de trabalho para as crianças e
adolescentes pareciam máximas e suficientes, como analisa Faleiros.

Se, por um lado, fala-se em proteção à criança, em trabalho perigoso, e


promulgam-se certas leis de impedimento de determinados trabalhos, por
outro, a pratica é de ignorar a lei, de manter e encaminhar as crianças
desvalidas ao trabalho precoce e futuro subalterno, numa clara política de
separação de classes ou de exclusão de vastos grupos sociais do exercício da
cidadania.” (2011, p.34).

Neste período o Brasil vive um clima de efervescência social desencadeada pela


crise econômica do final dos anos de 1912, a conjuntura da primeira guerra mundial
1914-1918, o aumento da população nas áreas urbanas devido ao processo de
industrialização, o surgimento do movimento tenentista, a coluna prestes, surgem os
partidos comunista (1922) e o Partido Democrático de São Paulo (1926), eleições
presidenciais em 1919.

As greves operárias de 1917 em várias regiões do país e as de 1919 em São


Paulo colocam em movimento a insatisfação operária com os salários baixos e
as péssimas condições de trabalho. A resposta do governo é de imediato, o
desencadeamento das ações de seu aparelho repressivo. (FALEIROS, 2011,
p.45.)

A mão-de-obra infantil é utilizada de maneira vasta na indústria. A ideia da


criança e do adolescente no mundo do trabalho não era malvista, pois acreditava-se nela
como mecanismo de adestramento para o trabalho adulto e o salário adquirido ajudaria
no complemento para os baixos rendimentos das famílias operárias. Na indústria têxtil,
em especial, o peso da mão-de-obra infantil era significativo

Um relatório oficial de 1912 mostra que em 29 dos maiores estabelecimentos


têxteis da cidade de São Paulo estavam empregados 2.952 operários menores
de 16 anos, e entre eles havia 471 crianças com menos de 12 anos, enquanto o
total de maiores de 16 anos era de 6.497 trabalhadores. Ou seja, os menores
constituíram mais de 31% dos operários. (LEWKOWICZ; GUTIÉRREZ;
FLORENTINO, 2008, p. 124).

O setor de manufatura passa a recrutar, nos orfanatos e instituições de caridade,


crianças a partir de cinco anos para o trabalho. Essa prática era justificada se acordo
com Camara. Pela possibilidade de, por um lado, se suprimir a escassez de mão-de-obra
adulta, e, por outro, de se pôr em curso uma ação filantrópica ao mesmo tempo em que
educava as crianças. (2010, p.492). Eram relatados por denúncias vindas da própria
classe operária jornadas de trabalho de doze a quinze horas diárias, condições de
trabalho inadequadas, salário muito inferior aos dos adultos, muitas crianças adoeciam
ou morriam em decorrência das péssimas condições de trabalho.
Em 1919, na Conferência Internacional do Trabalho, sediada em Washington1,
tiveram destaques temas relacionados a criança e adolescente no mundo do trabalho.
Idade para admissão, trabalho noturno, atividades insalubres, foram temas de maiores
destaques nas discussões. Entre as principais deliberações previa-se a suspensão ao
trabalho infantil e estabelecer limitações legislativas para permitir que as crianças e
adolescentes possam educar-se e desenvolver-se. Para o Brasil, esse Congresso trouxe
de importante segundo Braga (1993, p.19-20) Uma série de debates sobre o trabalho de
“menores”, na Câmara Federal, entre 1919 a 1921. Esses debates motivaram a criação
de uma Comissão Especial de Legislação Social, encarregada em analisar todos os
projetos relativos à questão do trabalho. (apud CAMARA, 2010, p. 279).
O Decreto 1.313, de 17/01/1891 é a primeira tentativa de regulamentação da
criança e adolescente no mundo do trabalho no Brasil. Foi promulgado, mas não
regulamentado, tinha como ideia base a criança como esteio para o progresso do país,
determinava a idade mínima para o trabalho em doze anos, uma jornada de trabalho
variável de acordo com o gênero e idade, a proibição do trabalho noturno e a
inviabilidade das atividades consideradas perigosas e anti-higiênicas. Porém, de acordo
com Braga (1993, p.33-34) Embora aprovado, o decreto não representou alteração nas
relações que se firmaram durante as décadas seguintes neste campo. O que prevalecia
era o uso indiscriminado da mão-de-obra infantil, notando-se complacência e omissão
do Estado. (apud CAMARA, 2010, p.280).
Os primeiros sinais de um ordenamento jurídico com relação ao Direito da
Criança começam ainda no início do século XX com Lopes Trovão, em 197; João
Chaves, em 1912; Alcindo Guanabara, em 1906 e 1917. Em 1920 realiza-se o 1º

1
Na Primeira Conferência Internacional do Trabalho adotou-se seis convenções. Limitação da jornada de
trabalho a 8 horas diárias e 48 horas semanais, proteção a maternidade, luta contra o desemprego,
idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria, proibição do trabalho noturno de mulheres e
menores de 18 anos. Albert Thomas tornou-se o primeiro Diretor-Geral da OIT.
Congresso Brasileiro de Proteção à infância colocando em pauta a agenda sistemática da
proteção social. Em 1921 é apresentado pelo professor, ex-deputado e juiz, José
Cândido de Albuquerque Mello Mattos, o substitutivo do projeto de “consolidar as leis
de assistência e proteção a menores” fazendo o governo sancionar a lei 4.242 de 5 de
janeiro de 1921 autorizando a organização do Serviço de Assistência e Proteção à
Infância Abandonada e Delinquente, a criação do Juízo de Direito Privativo de
Menores, do abrigo para recolhimento dos menores e de outros dispositivos
complementares.
Reconhecido pela atuação na área de defesa a infância e por já estar no processo
de construção de uma legislação voltada para a infância do Brasil, Melo Mattos arrume
em 2 de fevereiro de 1924, o cargo de primeiro juiz de menores do Distrito Federal e do
Brasil. Nessa nova função sua busca é articular o conhecimento teórico com as práticas
da docência, num esforço concentrado para implementar modificações jurídicas nos
julgamentos e condenações de crianças pela justiça ordinária. Após uma longa
tramitação no Senado, quase uma década, a lei de Assistência e Proteção à infância, foi
consolidada como Código de Menores, pelo decreto 17.943-A de 12 de outubro de
1927, no governo de Washington Luís.
Como já observado as ideias de elaboração de uma legislação para a infância
surgem desde a década de 1910, porém sua aprovação definitiva acontece apenas em
1927, sobre a lentidão no processo, Rizzini (2002, p.23) diz que duas hipóteses podem
ser levantadas:

a primeira relativa ao cenário mundial de eclosão da primeira guerra, em 1914,


que teria desvirtuado as atenções com relação ao problema da infância; a
segunda, de caráter interno ao país, dizia respeito a não prioridade que os
governos republicanos, até então empossados, direcionaram ao tema. (apud
CAMARA, 2010, p. 254).

Concordo com a autora na possibilidade de evento externos, como a primeira


guerra mundial, possam ter influenciado na lentidão da aprovação da legislação voltada
para a infância, porém me parece importante considerar que tanto na Câmara dos
Deputados quanto no Senado, embates e resistências políticas partidárias podem ter
influenciado bastante na lentidão, principalmente relacionados a alguns temas presentes
na lei, por ferirem o patriarcalismo e os interesses representados por uma parte da classe
política brasileira. Já que na época o debate político extava sendo disputado por quatro
forças distintas: os liberais, os católicos os socialistas e os defensores de uma
intervenção gradual do Estado nas questões s sociais. Na percepção de Camara, a lei
deveria significar a possibilidade de se preservar a ordem, ao mesmo tempo em que
demonstrava o seu caráter de modernidade e de adiantamento das iniciativas, visando
içar o país no rol dos países civilizados no mundo. (2010, p.255).

A promulgação do Código de Menores, em 1927, pode ser vista como


o momento em que, juridicamente, a menoridade deixa de figurar como uma
condição a ser levada em conta nos diversos tipos de códigos legais para se
tornar um objeto específico de normatização. Ao regular os procedimentos a
serem adotados em casos de infração ou trabalho envolvendo “menores”, ele
invertia o objeto principal de regulamentação: não se tratava mais de
considerar a menoridade do trabalhador ou do infrator, mas sim de avaliar em
que condições poderia se dar a relação do “menor” com o trabalho ou com a
infração. Segundo essa lógica, o crime, o abandono ou o trabalho tornavam-se
condições explicativas ou circunstanciais de uma identificação primeira, a de
“menor”. (VIANNA, XX, p. 169, apud CAMARA, 2010, p. 259).

O código de 1927 incorpora duas visões, a higienista de proteção do meio e do


indivíduo e a jurídica repressiva e moralista. A configuração do Código se dá a partir de
uma compreensão da lei como

Dispositivo capaz de assegurar a funcionalidade das relações sociais em nome


da manutenção da ordem e do bem-estar, estruturou-se no contexto de ações
reafirmadoras de um projeto de nação e como dispositivo que, acionado, visava
contribuir para a “integração” da criança [...] O título de Código de Menores
para a legislação expressava a intenção de seu elaborador, no sentido de criar
uma lei que unificasse todas as disposições legislativas e regulamentares com
relação aos menores. (CAMARA, 2010, p. 261).
Nele está previsto a vigilância da saúde da criança de várias maneiras, a
possibilidade da perca do pátrio poder por falta dos pais, os abandonados passam a ter
possibilidade de guarda, podendo ser entregues a “soldada”. A vadiagem também é
expressamente combatida com prisão especial, o menor de 14 anos não será submetido a
infração penal de nenhuma espécie, entre 14 e 18 anos, um processo especial.
Relacionado especificadamente a criança e o adolescente no mundo do trabalho o
Código de Menores de 1927 dispõe de 25 artigos no capítulo IX denominado “Do
Trabalho Dos Menores”. Os dois primeiros artigos delimitam a idade mínima para o
trabalho e colocam nas mãos dos juízes de “menores” e dos médicos que acabam
representando forças hegemônicas no controle da complexa questão social da infância
abandonada.

Art. 101º é proibido em todo o território da Republica o trabalho nos menores


de 12 anos.
Art. 102º Igualmente não se pode ocupar a maiores dessa idade que contem
menos de 14 anos. e que não tenham completando sua instrução primaria.
Todavia. a autoridade competente poderá autorizar o trabalho destes, quando o
considere indispensável para a subsistência dos mesmos ou de seus pais ou
irmãos, contanto que recebam a instrução escolar, que lhes seja possível.
Art. 108º O trabalho dos menores, aprendizes ou operários. abaixo de 38 anos.
tanto nos estabelecimentos mencionados no art. 103, como nos não
mencionados, não pode exceder de seis horas por dia. interrompidas por um ou
vários repousos; cuja duração não pode ser inferior a uma hora.

A classe empresarial tentava de todas as formas se mobilizar contra o Código,


porém tornava-se difícil perante a enorme aprovação da opinião pública, o que os
levaram a focar em pontos específicos na lei. Como por exemplo na fiscalização das
horas trabalhadas, tendo Melo Mattos multado 520 fábricas nos primeiros anos da
aprovação do Código de Menores, numa clara resposta as manifestações contrarias as
normas que não atendiam a seus interesses. Outro foco de combate da classe
empresarial foi a instituição de idade mínima para o trabalho, Otávio Pupo Nogueira,
que por muitos anos foi diretor da associação patronal dos têxteis, já em 1925 defendia
a ideia de que o “menor” com 12 anos estava completamente apto ao trabalho sem que
isso lhe prejudicasse em nada.

Já deixou a infância a se abeira da puberdade. Isto é mais patente no sexo


feminino, aquele que aliás, mais abunda nas fábricas de tecidos e em todas as
indústrias que exigem mão-de-obra em que devem figurar certos requisitos de
destreza. A menina de 12 anos mesmo que nasce de pais estrangeiros,
principalmente pais latinos, aos 12 anos tem seu corpo formado e bem
assentado o fundo de seu espírito. (LEWKOWICZ; GUTIÉRREZ;
FLORENTINO, 2008, p.126).
Nos anos 30, temos no poder o Getúlio Vargas, com promessas de reforma
eleitoral, moralização da vida pública, reforma tributária, extinção do latifúndio,
bandeiras do movimento tenentista. Apesar dessas ideias reformistas o movimento se
mostrou com um caráter conversar, representando parte das oligarquias e divisões
regionais. O ministério do trabalho, implantado em 1932, adota uma política
corporativista de conciliação de classes, pela regulação do Estado tanto na Justiça do
Trabalho quando pelo sindicalismo aparelhado.
Ainda com o discurso de criança e adolescente no mundo do trabalho presente
na sociedade, em 1932, a classe empresarial consegue modificar o Código de Menores
eliminando a barreia da proibição para se trabalhar antes dos 14 anos, para os que
estivessem em estabelecimentos onde eram empregadas pessoas de uma só família. Na
opinião dos industriais, o Código de Menores aplicado sem cautela, na expressão de sua
letra, fatalmente lançará ao regaço da sociedade uma nova legião de candidatos à
vagabundagem, ao vício e ao delito. O menor de seus males será a multiplicação de
rufiões e meretrizes (cf. Livro de Circulares da FIESP, 1930, apud FALEIROS, 2011,
p.51).
A lei (Decreto n. 22.042 de 3/11/1932) passou a permitir o trabalho a partir dos
12 anos. Caso a criança obtenha os documentos necessários, poderá exercer trabalho em
usinas, manufaturas, estaleiros, minas ou qualquer trabalho subterrâneo, pedreiras,
oficinas e duas dependências.
Art. 1º É vedado na indústria, em geral, o trabalho de menores que não haja
completado a idade de 14 anos.
Art. 2º Os proprietários, diretores, administradores ou gerentes de fábricas,
oficinas ou quaisquer estabelecimentos industriais não poderão admitir ao
trabalho menores de 14 a 18 anos, sem que estejam estes munidos dos
seguintes documentos:
a) certidão de idade ou documento legal que a substitua;
b) autorização do pai, mãe, responsável legal ou autoridade judiciaria;
c) atestado médico de capacidade física e mental e de vacinação;
d) prova de saber ler, escrever e contar.

A parceria entre público e privado no ensino profissional e técnico,


principalmente quanto ao controle das instituições para implementação do ensino
profissional acaba na criação, em 1942, do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial), que conta com financiamento recolhido dos empresários pelo Estado e é
repassado para os próprios empresários. Estes, deslocam esse montante para atender a
finalidade de treinamento de menores pobres para as fábricas. Seguindo a mesma lógica,
em 1946, surge o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) nos mesmo
moldes do SENAI.
A Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943 (CLT) tem no capítulo IV,
intitulado “Da Proteção do Trabalho do Menor”, seis seções e quarenta e nove artigos
relacionados à criança e adolescente no mundo do trabalho. Retira do código de
menores toda a base legislativa para sua formação, regulamentando a proteção da
criança e do adolescente no mundo do trabalhando, proibindo-o até os 14 anos e criando
restrições entre 14 e 18 anos.

Art. 402º Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador


de quatorze até dezoito anos
Art. 403º É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade,
salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos

Outro ponto importante é a regulamentação sobre a fixação da duração do


trabalho, que fica estabelecido em oito horas, porém a classe empresarial ganha a opção
de extensão dessas horas a partir de um acréscimo no salário do trabalhador “menor”, a
partir de elaborações de comissões mistas, com presença cativa do empresariado na luta
por seus interesses.

Art. 413º É vedado prorrogar a duração normal do trabalho dos menores de 18


anos, salvo, excepcionalmente:
a) quando, por motivo de força maior, que não possa ser impedido ou previsto,
o trabalho do menor for imprescindível ao funcionamento normal do
estabelecimento;
b) quando, em circunstâncias particularmente graves, o interesse público o
exigir;
c) quando se tratar de prevenir a perda de matérias primas ou de substâncias
perecíveis.

A partir das alterações apresentadas pela Consolidação das Leis Trabalhistas e o


ritmo de industrialização pela qual o Brasil estava vivendo, percebe-se a partir de dados
relacionados a População Economicamente Ativa (PEA) do IBGE, um aumento
significativo da parcela de crianças e adolescentes no mundo do trabalho nas décadas
seguintes pós CLT. Em 1940, 3,7 milhões de crianças e adolescentes estavam no
mundo do trabalho, esse número cresce para 4,1 milhões na década de 1950 e chega a
5,9 milhões na década de 1970. Esses dados nos mostram uma regularidade alarmante
na participação da exploração do trabalho infantil na atividade produtiva formal
brasileira.
Na década de 1950, a economia brasileira se baseava fundamentalmente na
produção agropecuária, com um processo de industrialização ainda focado em produto
intermediários e finais, nesse contexto, 23,9% da força de trabalho vinha da exploração
de crianças e adolescentes. Em 1980, num contexto econômico bastante diferente, com
um parque industrial bastante expressivo, comercio desenvolvido, sistema imobiliário
moderno, boas taxas de importação e exportação, além de uma agropecuária totalmente
capitalizada, 19,8% da força de trabalho ainda vinha da exploração de crianças e
adolescentes.
Fica patente, pois, que crescimento econômico por si só não libera o menor do
trabalho. Muito pelo contrário, o avanço tecnológico e o progresso técnico ao
desenvolverem condições para mecanização e automação de inúmeras funções,
criam espaço para maior emprego desses trabalhadores. A retirada do menor do
mercado de trabalho supõe mais que apenas um genérico crescimento
econômico. Embora esta seja uma condição necessária, não é suficiente. (DAL-
ROSSO; RESENTE, 1986, p. 29).

As crianças e adolescentes são parte representativa da força de trabalho em todas


as fases do desenvolvimento brasileiro, vista em todos os setores de atividade. Nas
atividades ligadas a agropecuária, extração vegetal e de pesca, são os maiores
absorvedores dessa mão-de-obra. De acordo com o levantamento feito por Dal-Rosso e
Resente (1986), em 1950, 79,5% das crianças e adolescentes no mundo do trabalho
eram locadas no campo. Em 1970 esse número cai para 74,4% e em 1980, 53,3%.
Nesses trabalhos observa-se também o número elevado de meninos em detrimento das
meninas, algo específico do contexto rural, onde o trabalho era ligado ao núcleo familiar
e as mulheres eram ligadas a atividades domésticas como preparo dos alimentos e
cuidado das crianças, atividades que não aparecem nos levantamentos do PEA
(População Economicamente Ativa). Os salários eram sempre entre 3x a 5x menor do
que o trabalhador adulto, mesmo trabalhando a mesma quantidade de horas, a partir dos
13 anos, era exigido a mesma produção que de um adulto, porém os rendimentos
continuavam os mesmo até os 18 anos.
Na Industria, as fábricas têxteis (60%), alimentos (10,3%) e vestuário (6,3)
sempre apareceram entre as que mais empregavam crianças e adolescentes, entre as
décadas de 1940 a 1980. Essas empresas ganham notoriedade justamente por conta da
estrutura econômica brasileira na época, lembrando que, em 1920, mais de 85% da
produção industrial brasileira testava concentrada nos setores de consumo. Para Otávio
Pupo Nogueira, que foi diretor da associação patronal dos têxteis, parecia impossível
sobreviver sem a presença de crianças e adolescentes nas fábricas.

No dia em que fosse entre nós proibida a entrada de menores nas fábricas de
tecidos elas sofreriam um grande abalo na sua vida. Há, em tais fábricas,
tarefas que existem a destreza da infância e só por mãos infantis ganham o
máximo de sua eficiência. (LEWKOWICZ; GUTIÉRREZ, 2008, p. 127).

Além da habilidade e de uma remuneração menor, outra vantagem era a


docilidade característica das crianças, embora fossem sujeitas a mais acidentes de
trabalho por causa das brincadeiras, sendo constantemente abusados fisicamente e
agredidos por operários adultos ou chefes. Em São Paulo, algumas fábricas como a
Mariângela, tinham máquinas adaptadas às condições infantis, específicas para o
manuseio das crianças e adolescentes, tamanha era a importância e o uso dessa mão-de-
obra na econômica.

Considerações finais

Os menores fazem parte de uma inesgotável força de trabalho, utilizada em


níveis diversos desde estabelecimentos familiares, nos ditos mercados informais, até nas
grandes empresas. Essa realidade que permeia a exploração do trabalho retrata jornadas
de trabalho excessivas, baixa ou nenhuma remuneração, humilhações, abuso de poder,
assédio, violência física e sexual, acidentes de trabalho e inúmeros mortes. Um contexto
de negação completa do direito a infância.
O que se verificou tanto no Código de Menores de 1927, quanto na
Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, com relação à criança e adolescente no
mundo do trabalho, não foi sua proibição, mas sim a regulamentação, deixando de lado
o papel de proteção e abrindo precedente para que a prática de exploração do trabalho
continuasse quase que completamente indiferente a adoção da lei.
A luta pela retirada da criança e adolescente do mundo do trabalho requer mais
que apenas crescimento econômico e avanço tecnológico, depende antes de tudo de
forças políticas de busquem formas mais distributivas de crescimento e distribuição de
renda, que trabalhem em leis mais rígidas para proteção desse grupo e dos movimentos
sociais que garantem os direitos das crianças e adolescentes.

Referências
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BRASIL, Decreto n° 5.452, de 1 de Mai. De 1943. Disponível em:


http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5452-1-maio-1943-
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BRASIL, Decreto nº 22.042, de 3 de Nov. de 1932. Disponível em:


http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-22042-3-novembro-
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