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O TEATRO DO OPRIMIDO NA LUTA CONTRA A AIDS

RESUMO

Desde 1997, a partir da criação do Grupo de Teatro Pirei na Cenna, a psicopedagoga


Cláudia Simone dos Santos Oliveira, utiliza a metodologia do Teatro do Oprimido para realizar
atividades de prevenção em DST/AIDS.
Discutindo inicialmente com usuários de Saúde Mental, profissionais da área e familiares, o
trabalho de informação e disseminação da prevenção das DST/AIDS ultrapassam a área de Saúde
Mental através da linguagem transformadora do Teatro.
Esta experiência têm levado a discussão não só sobre prevenção da AIDS , mas também dos
estigmas e preconceitos sofridos pelas populações marginalizadas.
O resultado deste trabalho de quase 8 anos, têm disseminado novas formas de
abordar as questões da prevenção e assistência em HIV/AIDS.
Transitando nos universos da loucura, da arte e da prevenção, o Teatro do Oprimido, faz com
que todos nós tenhamos oportunidade para transformarmos nossas realidades e promover a
conscientização de que a epidemia da AIDS é um problema de todos.

A) INTRODUÇÃO
Os esforços realizados com o intuito de esclarecer a população quanto às formas de
transmissão da AIDS e o que fazer para reduzir os riscos de contágio, vão além de dar –lhe
conhecimento, sendo necessário levá-la a adotar medidas preventivas.
Todo trabalho de conscientização sobre o tema junto à comunidade deve abordar os mais
diversos aspectos da doença, mas, sobretudo, dar ênfase à sexualidade a partir de um diálogo aberto
sobre a questão do prazer presente numa relação sexual.
Falar de sexualidade é difícil por se tratar de algo tão íntimo. Para estabelecer uma conversa
que facilite a transformação de conhecimento em atitude, a forma de comunicação é determinante,
por isto escolhi o Teatro do Oprimido (TO).
O TO é uma metodologia estética que reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais que
objetivam a desmecanização física e intelectual de seus participantes, facilitando a construção de
vínculos afetivos e a troca de experiências de forma prazerosa. Um dos seus objetivos é transformar
o espectador passivo em sujeito da ação, fator fundamental para mudança de comportamento. Esta
arte promove a solidariedade entre pessoas e grupos oprimidos e excluídos socialmente.
Uma das técnicas mais utilizadas do Teatro do Oprimido é o Teatro-Fórum. Este consiste na
encenação de um problema objetivo, baseado em fatos reais onde os personagens vivem um
conflito. O personagem denominado oprimido, falha na tentativa de superá-lo. O público deve
apresentar suas alternativas para os problemas encenados, através da intervenção direta no
espetáculo, substituindo esta personagem.
Aplicado em mais de 70 países, o TO se apresenta como uma metodologia essencial para
estimular novas formas preventivas de combate à AIDS. Quando Augusto Boal, diz: “Não é o
produto acabado que deve ser popularizado e sim os meios de produção” aponta para a importância
de disseminarmos a linguagem teatral para abordagem dos mais variados temas.
Diante da necessidade de auxiliar na diminuição dos comportamentos de risco sexual da
população e combater todo tipo de preconceito e discriminação, optei por aplicar o TO no
desenvolvimento de ações de prevenção e conscientização sobre HIV/AIDS em Saúde Mental,
respondendo aos desafios impostos pela epidemia e auxiliando na implementação da Reforma
Psiquiátrica.
C) MÚLTIPLAS AÇÕES DE PREVENÇÃO
Para dialogar sobre prevenção, tratamento e direitos humanos relacionados à Aids sem
fomentar barreiras ou tensões relacionadas ao tema, nada mais propício do que a linguagem teatral,
que possibilita trazer à tona questões subjetivas e trabalhá-las de forma objetiva.
Caminhos na luta contra Aids:

1) OFICINAS DE TEATRO

Criado em Agosto de 1997 o Grupo Teatro Pirei Cenna que tem seu elenco formado por
portadores de transtorno mental grave, familiares e simpatizantes da luta antimanicomial. Um dos
seus fundamentos é a inclusão social e o reforço ao espaço do Teatro do Oprimido (TO) no combate
à AIDS, propondo mudanças no trabalho de prevenção .
A Oficina tem, em média, a duração de 3 horas, é realizada duas vezes por semana e se
propõe a discutir, através do TO, temas referentes à Aids na atualidade, espaço este no qual os
participantes fazem um mergulho dentro de si para teatralizar as questões que envolvem o exercício
da sexualidade, com seriedade, criatividade e humor.
Levamos a discussão sobre a aceitação das diferenças e lutamos pela garantia dos direitos
sexuais e reprodutivos, promovendo uma reflexão profunda a respeito do significado da AIDS, suas
implicações afetivas e existenciais na sexualidade dos indivíduos.
O Grupo Pirei na Cenna tem se especializado na inserção da linguagem cênica no universo
da Loucura em tempos de AIDS, promovendo a prevenção e a conscientização sobre a doença junto
à comunidade.
Essa experiência pioneira, acumulada em sete anos de existência, nos coloca numa posição
de referência na divulgação do TO como veículo de informação e multiplicação para uma
abordagem na prevenção das DST/AIDS, discutindo a relação intima entre sexualidade e AIDS,
igualdade de gênero, diversidade, representações estigmatizantes, preconceitos, adesão ao
tratamento anti-retroviral e reintegração social.
A partir dessa prática observamos a urgência em ampliar nossa área de atuação para além do
campo da Saúde Mental, em favor da igualdade e proteção dos direitos humanos.
Atualmente o grupo faz parte do projeto Dialogar para Aproximar, junto com o Centro de
Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro e o Grupo de Teatro Artemanha, projeto este, que tem por
objetivo promover o diálogo teatral sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos dos jovens
organizados em entidades de emancipação homossexual e religiosas, através do Teatro Legislativo,
estimulando a criação de um Grupo de Teatro, com a técnica do Teatro-Fórum como forma de
ampliação desta discussão.

Prevenção e cidadania são para todos.


“Eu agora só transo com camisinha. No teatro eu falo de prevenção e tenho que fazer
também”.(atriz do Pirei na Cenna, 43 anos).
“Minha filha não sabia nada sobre a aids . Hoje ela sabe e ensina para as outras
pessoas”.(familiar de uma das atrizes do grupo)
2) Prevenção no ato: Conscientização em diversos cenários
As encenações do Grupo de Teatro do Oprimido Pirei na Cenna tem se mostrado eficientes
por adaptar-se facilmente a qualquer espaço de apresentação e respeitar as diversas características e
culturas de cada platéia. Sendo uma forma eficaz de conscientização e prevenção às DST/AIDS nos
mais variados contextos sociais.
Para dialogar com seus espectadores, o grupo tem quatro produções teatrais, até o presente
momento, são elas: “Ser ou não ser positivo”, “Um amor muito louco”, “Os contrários” e “É
melhor prevenir que remédio dar”, que romperam os muros do hospital em mais de 200
apresentações, em diferentes Estados do Brasil.
Dentre as muitas apresentações realizadas cabe aqui ressaltar: VIII Encontro de
Enfermagem do Rio de Janeiro, Julho, no Rio de Janeiro.
Comentários da platéia:
“O espetáculo é muito interativo com o público, além de levantar temas que devem ser
sempre repensados. Achei muito interessante e muito diferente de tudo que eu já havia visto até
hoje.”
“Inteligente, criativo, muito engraçado. Traz conscientização da responsabilidade.”
1º Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, Junho, em São Paulo.
Comentários da platéia:
Nota 10! A melhor forma que conheci de envolver os usuários e técnicos na discussão do
HIV / DST”.
“Adorei a criatividade e a oportunidade de assistir ao teatro de vocês. Preciso de idéias
para prática na Unidade de Saúde que trabalho. Favor corresponder. Parabéns”.
“Parabéns pela originalidade, empenho e organização. Continuem crescendo. Vocês têm
muita força e responsabilidade social com este projeto”.
O XXII Congresso de Brasileiro de Psiquiatria “Psiquiatria, Ciência, Cultura e
Diversidade”, CAPS Rubim Álvaro de Pinho e CAPS Aristides Novis, outubro, em Salvador,
todos em 2004.
Falas de Intervenções dos Centros de atenção Psicossocial Rubim Álvaro de Pinho e
Aristides Novis - Salvador / BA:
“Você quer engarrafar minha sexualidade só porque eu sou maluca” (cliente do CAPS
Aristides Novis).
“Eu posso trabalhar vendendo os quadros que eu pinto. Ai o dinheiro eu ajudo em casa.
Posso namorar assim”.(Cliente do CAPS Rubim Álvaro de Pinho)
O espetáculo “É melhor Prevenir que Remédio dar”, é a primeira produção de Teatro-fórum
do grupo, que apresenta as dificuldades na negociação do uso da camisinha, no exercício saudável
da sexualidade, discute igualdade entre gêneros, respeitos as diferentes expressões da sexualidade e
reintegração social, despertando o interesse da sociedade em dialogar sobre as questões que
envolvem a prática do sexo mais seguro.
A peça permite através da participação ativa dos espectadores a proposição de inúmeras
alternativas para os problemas encenados com muita espontaneidade e assim estimula a partir da
ação que se transforme conhecimento em atitude, fator fundamental na prevenção; porque a
consciência pode ser construída através de sua atuação.
Na luta contra Aids através de apresentações de teatro-forum, o grupo atingiu em 2003 um
público de 8.000 pessoas. Neste ano de 2004, superando nossas expectativas já atingimos
aproximadamente 10.00 pessoas.
Número de apresentações DE 2003 à 2004 ( N= 63)

24%
Serviços de
Saúde Mental

Eventos em
DST/AIDS
54%
Outros
contextos
22% sociais
Uma vez que a Aids continua a ser um problema grave e que o preconceito é um obstáculo
para a assistência e a prevenção, o TO vem apresentando uma nova imagem da prevenção das
DST/AIDS em Saúde Mental, uma possibilidade inovadora de relacionamento da sociedade com
as diferenças, diante desses novos desafios: responsabilidade social e dignidade em tempos de
AIDS.

3) Oficinas de sexualidade
A utilização do arsenal do Teatro do Oprimido em oficinas de sexualidade confirma a
importância do lúdico como caminho para a sensibilização, discussão e dinamização das questões
relativas à sexualidade. Por ser uma arte coletiva, proporciona um processo de conhecimento e troca
de experiências que afirma a solidariedade como estratégia fundamental de mobilização e de
inclusão social.
Os exercícios, jogos e técnicas do TO possibilitam a construção de diálogos oferecendo as
mais variadas formas de expressão. Expõem os aspectos inicialmente não visíveis do sujeito e sua
realidade, possibilitando-o transformar para ser transformado. O sujeito passa a ser o protagonista da
ação, na busca de melhoria na qualidade de vida, fator fundamental na prevenção.
As oficinas acontecem uma vez por semana, com duração de duas horas. Seus conteúdos são
apresentados através de exposições teóricas pertinentes ao universo da AIDS. Muitos dos temas são
abordados a partir de uma prática baseada no arsenal de Teatro do Oprimido.
Cada exercício, jogo ou técnica do TO tem o seu foco adaptado na temática sexualidade e
DST/AIDS em Saúde Mental e podem ser utilizados para:
1.Sensibilização e dinamização das pessoas em torno de um tema;
2.Estímulo à discussão;
3.Análise da realidade e busca de alternativas ;
4. Melhor compreensão e assimilação dos assuntos abordados;
5.Esclarecimento de conflitos interpessoais;
6.Divulgação de idéias e propostas.

4) Grupos de Discussão

Foram criados para orientar familiares a como lidar com questões relacionadas à sexualidade
e à prevenção das DST/AIDS dos usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), visando
diminuir sua vulnerabilidade.
A metodologia utilizada requer a ligação de diversas áreas de conhecimento, por este motivo
existe a necessidades de integração de profissionais de deferentes áreas de atuação, que possam
abordar o tema segundo seus conhecimentos específicos.
Os grupos têm a duração de quatro horas, num total de oito encontros, assim distribuídos:a)
Reunião de sensibilização;
b) Oficinas teóricas e práticas de discussão através do Teatro do Oprimido;
c) Aplicação dos instrumentos pré e pós avaliação de conhecimentos e atitudes em relação à
sexualidade e DST/AIDS.
Alguns dos resultados obtidos após os encontros
- 98% acham que pessoas com o vírus da AIDS podem freqüentar os serviços de atenção
diária. Antes eram apenas 86% que possuíam esta opinião.
- Antes apenas 62 % se achavam com risco de se contaminar com o vírus da AIDS. Depois
este número aumentou para 87%.
- Em relação às questões sobre os usuários de Saúde Mental, os familiares responderam da
seguinte forma antes e depois dos encontros:
• Podem namorar: SIM antes – 88% depois – 98%
• Podem transar: SIM antes – 83% depois – 98%
• Podem casar: SIM antes – 76% depois – 96%
• Podem ter filhos: SIM antes – 68% depois – 81%
• São capazes de se prevenir: NÃO antes – 57% depois – 26%
das DST/AIDS

5) Treinamento para profissionais de Saúde Mental


Existem diversas maneiras de abordagem da sexualidade e prevenção em Saúde Mental. Esse
trabalho envolve toda uma gama de sentimentos e emoções, suscitando uma concepção
metodológica específica de troca de conhecimentos e uma reflexão sobre mudanças de
comportamento.
Como não tornar esse processo meramente expositivo? O que fazer para que os usuários
expressem livremente suas dúvidas e sentimentos em relação à sexualidade? Que tipo de abordagem
pode facilitar a interlocução entre usuários e profissionais para a construção da mentalidade
preventiva?
O ineditismo da proposta de utilização de recursos de sensibilização com base na metodologia
do Teatro do Oprimido apresenta um novo olhar sobre essas questões, tornando mais simples e
divertida a reflexão sobre questões tão difíceis quanto às relacionados com o exercício da
sexualidade.
Os objetivos dos treinamentos são: sensibilizar profissionais para a utilização do arsenal do
TO em oficinas de sexualidade e desenvolvimento de um trabalho de prevenção e assistência das
DST/AIDS através da linguagem cênica.
Foi treinado até o presente momento, um total de 185 Instituições de atendimento
psicossocial, em 14 Estados Brasileiros, com um total de 408 participantes.
O treinamento tem, a duração de 24 horas, com um total de 17 aulas divididas em duas
etapas:
Aulas teóricas, compreendendo entre outros temas: Clínica das DST/AIDS, Sexualidade e
Saúde Mental e Aconselhamento em HIV /AIDS.
Aulas práticas utilizando o arsenal do TO: Oficina sexo mais seguro, Teatro do Oprimido e
Prevenção das DST/AIDS – como fazer.

6) Projeto Interdisciplinar em Sexualidade, Saúde mental e AIDS (PRISSMA)


O objetivo deste projeto é verificar a viabilidade da criação de uma intervenção brasileira que
trabalhe a sexualidade e prevenção das DST/AIDS em portadores de transtorno mental grave.
Neste projeto o elemento inovador é o Teatro do oprimido como facilitador das discussões e
incentivador de mudanças de comportamento e responsabilidade social, estimulando os participantes a
se tornarem multiplicadores das informações sobre como praticar sexo mais seguro em tempos de
AIDS.
Importância da Multiplicação
Acredito que esta experiência focada em Saúde Metal pode ser ampliada para o mundo dos
portadores de HIV e seus familiares auxiliado-os no aprofundamento de uma série de questões que diz
respeito ao direito das pessoas soropositivos ao exercício de uma sexualidade plena e a direitos
reprodutivos e sexuais.
O Teatro do oprimido na luta contra a AIDS auxilia na motivação e reflexão do tema na
comunidade para diminuir o preconceito e promover a conscientização de que a AIDS é um problema
de todos nós.
Financiador: Programa Nacional de DST e AIDS
Colaboradores: Centro de Teatro do Oprimido/Rio e Instituto Franco Basaglia

INSTITUIÇÃO
Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Profissional do Hospital Psiquiátrico de Jurubatuba -
CEAP/HPJ

AUTORIA
Cláudia Simone dos Santos Oliveira
Claudio Gruber Mann
Suisilane dos Santos Braito de Oliveira

CONTATO DA INSTITUIÇÃO
Maria Paula Leal
Avenida Quintino Bocayuva, s/n°
Charitas
Niterói - RJ
24370-001
Fone (0xx21) 3701.0190
E-mail: ceaphpj@mail.com

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