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O sistema financeiro, o primeiro ditador global – 2

Sumário

4 - Crédito total dirigido às famílias e empresas não lucrativas que servem as famílias (% do PIB)

5 - Crédito total dirigido às empresas não financeiras (% do PIB)

6 - Estruturas e dinâmicas na distribuição do crédito/endividamento

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Na primeira parte desta análise o crédito total dirigido ao sector não financeiro é
acompanhado de uma abordagem sobre uma das suas parcelas, o sector publico. Nesta
segunda parte, iremos considerar outras duas restantes parcelas desse sector não
financeiro - as famílias (incluindo entidades não lucrativas) e as empresas não financeiras.
Também e, como anteriormente, tendo em consideração que todas as grandezas são
medidas em termos de percentagem do PIB para cada ano.

Segue-se um esquema do enquadramento dos vários sectores de atividade económica


com os dados divulgados pelo Bank of International Settlements (BIS)

Total - sector não financeiro

Famílias e empresas
Empresas
Sector público sem fins lucrativos

Privados não financeiros

No capitalismo de hoje é preciso promover uma acrescida disponibilidade de capital, uma


vez que a atividade económica nunca gera o rendimento suficiente que satisfaça a
acumulação sentida como necessária; daí a pulsão do crescimento económico que não
existia antes de Keynes. Nesse contexto, procura-se aumentar o capital “investido”, sem
limitações quantitativas, especulando, obtendo favores do Estado, obtendo crédito junto
do mercado financeiro (bancos, bolsa, especulação) ou, fazendo a guerra se necessário.

De modo idêntico, é incutida em quantos vivem de rendimentos do trabalho uma pressão


para o consumo, em grande parte de bens ou serviços inúteis ou perniciosos, a despeito
da precariedade desses rendimentos. E, a satisfação dessa pressão obriga ao recurso do
crédito, mormente de muito longo prazo, junto do sistema financeiro.

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A própria gestão pública não escapa a essa pulsão, pois cada gang no poder precisa de
manter a ordem e a obediência, domesticando polícias, militares e funcionários civis;
como precisa de mostrar obra para ganhar as próximas eleições e agradar aos
empresários que financiam a corrupção própria de governos e classes políticas, em geral.

A saída para esse dilema comum, é o recurso ao endividamento, algo que se tornou
obsessivo e cuja solução é apresentada pelo capital financeiro que se coloca à parte da
chamada economia “real”; sendo esta, a dos capitalistas tradicionais, produtores de bens
e serviços não financeiros, a dos aparelhos de Estado, encarregados da redistribuição
conveniente para a punção fiscal; e ainda, a das pessoas comuns, das famílias, dos hilotas,
cuja mansidão é essencial para a continuidade do sistema capitalista e dos regimes
políticos de “democracia” de mercado, com diferentes graus de músculo.

4 - Crédito total dirigido a famílias e empresas não lucrativas ao serviço das famílias (% do
PIB)

Há, no primeiro gráfico abaixo inserido, diversos tipos de evolução do crédito concedido
ou, se se preferir, do grau de endividamento das famílias, nos últimos 25 anos, para os
países escolhidos.

É bem clara a existência de dois períodos. O primeiro, que termina cerca de 2009, de
grande expansão do peso do endividamento das famílias no PIB; e o segundo, até ao
momento presente, no qual se observa uma estabilização do peso do endividamento.

Para o conjunto dos países do euro estes créditos crescem até 2009, recuando depois até
aos dias de hoje, abandonando, claramente o elevado pendor ascendente verificado até à
crise de meados da década. Na Grã-Bretanha, bem como nos países ibéricos, o
endividamento das famílias é muito acentuado, com um grande crescimento até ao
desembocar da crise financeira decaindo daí em diante, excepto na Grã-Bretanha que
mantém estável o peso da dívida das famílias nos últimos anos.

Portugal, Espanha e Grécia apresentam grandes crescimentos do crédito às famílias e, que


duplicam, sensivelmente em cerca de dez anos, com a Grécia, num patamar mais baixo; a
euforia nos países ibéricos tem um ponto máximo em 2009, decaindo até ao momento
presente para valores de peso no PIB próximos dos registados vinte anos antes. No caso
da Grécia o ponto máximo é atingido em 2013 mas a queda não é tão brusca como em
Portugal ou Espanha. Assim, excluindo a Grã-Bretanha, há a registar uma aproximação do
grau de endividamento familiar nos últimos, entre os países do euro, para indicadores
próximos do conjunto.

A França mostra uma grande regularidade no crescimento do endividamento das famílias


e a Itália evidencia os níveis mais baixos de endividamento familiar, comparativamente ao
PIB e, num plano estável em torno dos 40% do PIB, desde 2008.

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A Alemanha mostra uma clara dissemelhança face aos outros países considerados. O
peso das dívidas familiares alemãs – o mais alto na viragem do século – evolui até atingir
o coeficiente mais baixo, entre os países considerados, exceptuando a Itália; uma
evolução muito regular, com pendor decrescente.

Sinteticamente, é nítida a redução, através do tempo, das diferenças entre o grau de


endividamento das famílias para os países do euro, se se excluir a Itália.

Quando se procede a uma abordagem da situação para grandes agregados de países -


zona euro e G20, por um lado e os dois colossos mundiais – China e EUA, por outro –
observa-se (ver gráfico abaixo) uma grande similitude entre os dois primeiros agregados,
com indicadores próximos dos 60% do PIB desde 2006.

Quanto aos EUA, o endividamento familiar tinha uma dimensão equiparada ao valor do
PIB no período 2007/2009, no auge da crise financeira conhecida como a dos subprimes.
O que se verificou no período posterior é o reflexo, em negativo, da euforia de assunção
de dívida por famílias com recursos limitados mas aliciadas para acréscimos de dívida,
tendo como contrapartida a alta valorização das suas casas. Como o imobiliário perdeu
valor, ao contrário do endividamento, a execução das hipotecas conduziu a milhões de
pessoas sem cobertura sanitária (no tempo da bestial incúria de Trump como gestor
político da pandemia) e sem tecto, a dormir nas ruas e debaixo das pontes. O American
Dream parece estar a rebatizar-se de American Nightmare, perante o sorriso de Xi que
estará convencido da possibilidade de um capitalismo sem ressaca, protegido por uma
nova Grande Muralha; esta, porém, não impediu a entrada dos mongóis e muito menos a
pilhagem e as violências levadas a cabo pelos bárbaros (designação oficialmente dada
aos europeus).

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Quanto à China, o peso no PIB do endividamento das famílias sextuplica em catorze anos
(2006-2020) o que é algo de extraordinário. Se bem que se trate de um país com 1300 M
de pessoas (duas vezes e meia a população da UE) cabe perguntar se uma economia
capitalista pode manter essa ascensão mesmo que no âmbito de um poder político
tentacular e intratável; ou, se o poder exportador do país, mesmo que dependente de
energia e de investimentos um pouco por toda a parte, se poderá manter; que alterações
surgirão da cooptação económica na área do Pacífico Ocidental (entre outras áreas de
penetração), com a Parceria Económica Abrangente Regional. O recuo estratégico dos
EUA na criação da Parceria Trans-Pacífica que visava, precisamente, deixar a China de fora,
deve ser considerado um brinde para a China. Em contrapartida, os EUA reforçaram o
potencial militar na Formosa…

5 - Crédito total dirigido às empresas não financeiras (% do PIB)

Entende-se aqui como crédito concedido a empresas não financeiras, o proveniente de


financiamento bancário, de empréstimos de sócios ou particulares, de operações na bolsa
ou, de entes estatais. Como se poderá observar no gráfico seguinte, há vários graus de
endividamento tomando o PIB como elemento dinâmico de comparação.

A França mostra uma regularidade no crescimento do endividamento das empresas e,


sempre num plano muito elevado, que chega a 155% do PIB em março do ano em curso;
e, sem sobressaltos perante a crise financeira. Uma regularidade que, sendo verificada
com altos níveis de dependência do crédito, não sofreu alterações de trajetória no
período de turbulência financeira centrado em meados da década passada.

Os países ibéricos mostram um enorme aumento do endividamento comparativamente


ao montante do PIB, até ao período em que se revela a crise dos seus setores financeiros,
a par com a degradação das contas públicas, o desemprego e a queda dos níveis de

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atividade. Há, porém um hiato de dois anos entre os dois países no que concerne ao
ponto de viragem (Espanha 2010 e Portugal, 2012). O enorme crescimento do
endividamento não conduziu a um reforço da capacidade produtiva, nem do poder de
compra da população mas, incrementou a dívida pública e privada, bem como os níveis
de desemprego.

O enorme crescimento da dívida veio a redundar em perda de poder de compra da


população e não em melhorias na qualidade de vida. Nesse contexto, as
responsabilidades das classes políticas são imensas sendo de espantar que à sua
desastrosa atuação se não tenha conduzido a uma renovação da mesma, com alterações
fundas no modelo de representação. Em Espanha, a crise – financeira, do desemprego e
dos despejos - gerou uma movimentação popular (15 M) em 2011 bem como uma
alteração no xadrez político, com o surgimento do Ciudadanos, do Vox e do Podemos;
acrescentemos que o renovado movimento pela separação da Catalunha ou o descrédito
da monarquia foram elementos que mudaram formalmente a estrutura política mas não,
a sua substância oligárquica e corrupta. Em Portugal, manteve-se o tradicional
pentapartido, com mais ou menos “tenores solitários” na AR bem como a crise da dívida
ou as burlas bancárias, com provocações políticas desviantes como o “Que Se Lixe a
Troika” ou o “Geração à Rasca” criados para evitar qualquer contestação durável e efetiva
que fizesse colocar em causa o funcionalismo da “esquerda” par(a)lamentar.

Em Espanha, o endividamento, em termos do PIB quase triplica num escasso período de


doze anos (1998/2010) enquanto o próprio PIB apenas duplica; por outro lado, entre
2010/2016 a queda do endividamento corresponde a um período de estagnação do PIB.
Em Portugal o endividamento duplica comparativamente ao PIB num período um pouco
mais dilatado, de catorze anos, enquanto o próprio produto estagnou em 2007/2015.

A Itália e a Grécia correspondem ao mesmo perfil referido atrás para Espanha e Portugal
mas com cumes muito mais baixos e espaçados no tempo, com níveis de endividamento
estruturalmente mais reduzido. Por seu turno, a Alemanha e a Grã-Bretanha ostentam
grande regularidade e pesos do endividamento muito mais baixos para as empresas não
financeiras, do que em França, Espanha ou Portugal.

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No que respeita aos grandes agregados de países e para as duas maiores potências, os
EUA constituem o agregado onde o endividamento das empresas não financeiras é mais
baixo, mesmo que com uma lenta ascensão, atinja os 78% do PIB no passado mês de
março.

Num contexto geral de crescimento do recurso ao crédito por parte das empresas não
financeiras, há a destacar a regularidade observada para o G20 e para a Zona euro. Há um
claro contraste com a China para a qual se observa um forte pendor ascendente até 2015,
passando pelas quebras de 2007/08 e 2009/11; nos últimos anos, contudo, o recurso ao
crédito por parte das empresas não financeiras chinesas parece estar em contenção.

6 - Estruturas e dinâmicas na distribuição do crédito/endividamento

Neste ponto pretendemos mostrar, de modo sumário, as mudanças quanto à principal


das três grandes áreas de destinatários do crédito; e os períodos de vigência dessa
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posição cimeira., para cada país. Paralelamente, mostramos a repartição média do crédito
concedido para cada um dos segmentos económico-sociais, também para cada um dos
países considerados e, para todo (ou parte) do lapso de tempo a que os dados se
referem.

Principais destinos do crédito a Distribuição média do crédito


instituições não financeiras por sectores institucionais (%)

Famílias Estado Empresas Famílias Estado Empresas


Alemanha 1998/2004 2005--> 32.4 37.3 30,3
1995/1999
Espanha 2000/2014 26.3 32.4 41,2
2015-->
França 1998--> 18,8 33.4 48,0
Itália 1999--> 15,5 54.0 30,5
Grécia 1999--> 18.2 58,7 23,7
Portugal 2014--> 1998/2013 27,2 34.0 38,8
1999 e
Z. Euro 2000/2013 24.2 35,6 40,1
2014
China 2006--> 16.1 19,0 64,8
1995/96
EUA 1996/2010 36.0 34,3 29,7
2011-->

Do quadro acima, extraem-se as seguintes notas quanto aos destinatários do crédito ou,
devedores assumidos:

 A Alemanha mostra que essa situação recaiu nas famílias até à primeira década deste
século, sendo substituídas pelo Estado, no princípio do século na sequência das
reformas Hartz. O Estado alemão em 2002 tinha uma dívida correspondente a 61.8% do
PIB que ascendeu a 70.2% em 2005, nunca mais recuando aos níveis observados em
torno da passagem do século;

No caso dos EUA as famílias absorviam a maior parcela do endividamento até que a
crise dos subprimes colocou o Estado como principal devedor a partir de 2011. Em
2007, o Estado norte-americano tinha uma dívida correspondente a 60.7% do PIB, valor
que aumenta regularmente até chegar aos 102.4% em 2012 e a 111.1% em março
último. Em contrapartida, a dívida das famílias que correspondia a 98.5% do PIB em
2007, vem decrescendo, desde então até aos 75.2% em março último;

 A França e a China apresentam sempre dados reveladores de que as empresas


constituem o principal sector quanto aos níveis de endividamento, comparativamente
aos outros grupos socio-económicos, famílias e Estados. São, entre os países aqui
considerados, aqueles onde é mais elevado o peso das empresas, no endividamento
total.

Na China, a preponderância do crédito obtido pelas empresas é revelador da pujança


industrial e comercial do país, mormente no capítulo da exportação; e que, ao contrário
do típico capitalismo de estado, a atividade económica desenvolve-se com autonomia

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mas, obviamente sob o controlo estatal e do partido. Note-se ainda a baixa parcela de
endividamento referente á famílias, muito inferior aos países ditos ocidentais.

 Espanha e Portugal, bem como o conjunto da Zona Euro apresentam, grosso modo,
como padrão para todo o período em análise, um predomínio do endividamento
gerado pelas empresas mas… desde o princípio do século até 2013/14, quando a
situação se alterou; a partir daí e como resposta à crise financeira e do imobiliário, é o
Estado que se apresenta como o principal devedor, como o grande estabilizador, na
sequência daquela crise que gerou queda de rendimentos, desemprego, redução do
poder de compra e forte crescimento da dívida pública;

 Na Grécia e na Itália, em todo o período, o Estado é o principal devedor, com


indicadores muito acima da soma dos outros dois grupos socio-económicos.

Este e outros textos em:

http://grazia-tanta.blogspot.com/

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents

https://pt.scribd.com/uploads

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