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O Tau-tau em versos

O Tau-Tau que pode ser conhecido,


vangloriado, insultado ou insinuado
é o falso Tau-Tau.
Não há necessidade de haver verdadeiro
muito menos de legitimá-lo.

É como o cão que saliva pelo osso,


e não o cão que devorou o guizado.

A substância tóxicodependente que constitui o mundo


é um vício de bizarras qualidades.

Há uma inadequação que é natural,


e nomear uma coisa é melhor
que as manhosas cozinhas do inominável.

O Tau-Tau é tudo o que existe


e tudo o que desiste.
O que ainda não é não tem que ser.
O que se predispõe a ser não é o que vem a ser.

Há quem diga que a acção do Tau-Tau


é badalhoca, negligente, perguiçosa, descuidada,
mas é assim que tudo acontece.

O mundo (a artephysis) é o mapa


das existências e das desistências.
  
Há que experimentar os clisteres da subjectividade
para aprender a amar ou detestar o mundo.

A dois ou a mais ainda é pior.


Consigo e com o mutante mundo é imperfeito
mas serve perfeitamente.
II

O mundo é a minha inexperiência e irresponsabilidade.


Falta-me além disso vontade para deixar de ter vontade.

A experiência só torna o mundo mais distinto


do sujeito e das suas atribuladas representações.

O mundo faz-nos desejar ser demasiados sujeitos


para não sermos escravos de uma só subjectividade.

O poder emerge nas periferias como uma gargalhada.


Os centros desejam expandir-se mas ferem-se no âmago.

A filosofia é uma perversa paródia da sabedoria.


Entre a sabedoria e a filosofia está o riso do Tau-Tau.

A subtileza com o tempo torna-se infinita e... insuportável.


III

Quando a beleza é reconhecida devém um vício.


O astuto herói olha-se ao espelho, e julga-se feio.
Parece-se demasiado com os deuses.

Quando a beleza é negada instala-se a monstruosidade


e o apetite doentio pelas formas assimétricas
assim como o que se desfaz e é excrescência.

O belo e o feio quando comparados


tornam-se admiráveis rivais.
O intenso testemunha um interesse sexual.
O insípido é casto como os nenúfares.
O que num é contração e emergência
no outro é pulverização e dissolução.

O limpo, ou o puro, é uma obscessão dos costumes,


mas é do sujo e do impuro que surgem as novidades.
O puro sem o impuro é a estagnação.
A arrumação sem a desarrumação é a repetição:
a depressão não tarda em chegar.
A desarrumação sem a arrumação é insustentável:
o fedor, o mal-estar e as psicoses surgirão.

As massas perferem coisas vulgares e sexuadas.


As elites coisas esquesitas, refinadas, diferentes.
E ainda há os que gostam de coisas feias e até abjectas.
Toda a estética sociológica se pode reduzir a isto.

A abstracção é um critério engenhoso e sofisticado.


Serve para controlar. O quê?
Os vícios e as imagens.

Do ponto de vista iconoclasta


toda a imagem é imprudente, impura, suplementar, precária.

Agarremo-nos a essa aventurosa imprudência.


IV

O progresso torna a vida mais fácil,


a concorrência mais intensa
o mundo mais feio
e o ar irrespirável.

O conhecimento cresce na abstracção.


O vivo contrai-se quando abstraído.
A interacção entre o vivo e o abstracto
é a inoperância e a fantasia.

O difícil e o fácil são modos de julgar a resistência.


O distante e o próximo são afectos de posição. 
O forte e o fraco são graus de descontrole.
O a seguir e o antes são meras posições sequênciais.

As canções e os discursos determinam a influência nas massas


e trazem harmonia aos lares mais rafeiros.
V

O controle do sábio faz-se sem grande autoridade.


De preferência sem se dar por isso.
Põe as canções e as palavras de lado.

Manipula pela imobilidade?


Se manipulasse não seria sábio.
A sua imobilidade permite que cada um se emancipe
à sua maneira.

O sábio permite que as coisas


tirem partido das coisas.
Deixa que a ascensão e queda das coisas
suceda sem demasiada interferência.

Não faz exigências, não grita, não espanca.


É esquivo como um ladrão.
Faz com que as iniciativas surjam como um terramoto.
Com violência e ingenuidade.

Mas por vezes é como um terramoto


quando sacode as tensões.
Á sua volta todos se assustam.

Dar sem exigir?


A única dádiva digna de ser dádiva
é a dádiva secreta, unilateral, anónima.
VI

É preferível elogiar o hipócrita


do que elogiar o digno?
Os elogios tornam os dignos hipócritas?
Em certos casos o melhor elogio é um estalo na cara.
Outras vezes é um caloroso abraço.
Outros o ambíguo silêncio.

Pensar é fazer batota,


é desviar as aparências
da sua beleza descentrada.
Não pensar é fazer bluff
ou dormir durante a batalha.

A estima é o que implica o raro.


O raro chama a si o roubo.
A estima leva ao roubo?
VII

A beleza predispõe os povos para a luxúria.


A luxúria torna os povos mais belos.
Um povo sem luxúria não tem muito interesse.
A natureza sem beleza é inóspita
e improdutiva.

Um povo feio é ascético e contido.


As solteironas morrem mais moralistas e secas.

Para controlar a luxúria


inventou-se a moralidade e a fiscalidade.
O estado nasceu, entre outras coisas,
da necessidade de organizar esse controle absurdo.

O estado não redestribui a riqueza.


Não a tira aos ricos para dar aos pobres.
Tira a ricos e pobres para dar ao estado,
isto é, para manter a burocracia e o exército.
Contribui ainda para aquilo a que chamaremos
a luxúria do estado: cerimonias e monumentos inuteis.
VIII

Um povo prudente não produz sábios.


Um povo sábio não é prudente.
Um povo imprudente não é sábio.
Mas haverá povos sábios?

Se queres controlar as massas esvazia os seus corações,


exige sacrificios, enche-lhes a barriga
ou põe os machos a marchar.
É o que fazem os ditadores.

Um povo sem ambições é como uma vaca abandonada.


Um povo ignorante dedica-se à acção mais depressa.
A acção é uma vontade inconsciente de derrota.

Pelo meio pode haver muitas vitórias,


mas a acção deixa sempre insatisfeitos os povos,
a não ser que saibam conter-se e repousar.
IX

A guerra para ser bem sucedida


tem que ser feita com tecnologias sofisticadas.

Quem ganha uma guerra


não é o mais forte ou o mais numeroso
mas o que usou melhores táticas e melhores armas.

Os povos com conhecimento,


por mais perversos que sejam,
vencem com facilidade
os povos prudentes e ignorantes.

Se nenhuma acção for produzida nada me garante


que essa comunidade não seja destruída.

Astúcia e engenho
são mais necessários e indispensáveis
para a sobrevivência
do que a perfeição moral.
X

O Tau-Tau é um veículo imoderado.


A subjectividade guia-o descuidadamente.
A natureza inteira não o preenche.

É como um espaço elástico ao qual sobra


demasiado vazio e demasiado cheio.

O sábio não pode ser cortado, atado,


escurecido ou acalmado
sem que seja contraproducente.

As profundidades são evidentes, ubíquas e teatrais.

O que vem não se sabe de onde vem.


Vem antes da natureza?
Nunca o saberemos?
Mas podemos continuar a investigar.
XI

A natureza é rude e díficil de amar,


mas não há nada para amar além dela.
Parece que trata todas as criaturas
de uma forma inclemente e pouco misericordiosa,
mas tudo o que recebemos é sua dádiva.

O sábio não é querido.


Trata as massas com ironia.
Não partilha os seus entusiasmos e ressentimentos.
Mas no fundo é um pai que as ama perdidamente
embora pouco possa fazer.

A natureza gosta de jogar às escondidas


mas não se sabe esconder
durante muito tempo.

A natureza quanto mais se move,


mais se rende às evidências
e à veemência da dissimulação.
XII

O sábio extrai a sabedoria do Tau-Tau


como se esta fosse uma cárie.
Mas o Tau-Tau continua a sorrir
com dentes saudáveis.

Podes contemplar o céu


porque a lotação ainda não está esgotada.
Mas um dia pode esgotar.

Podes rastejar como os lagartos


mas não serás veloz.

A curva do rio é uma metáfora


onde o povo gosta de nadar.
XIII

Antes do mundo existir


estavamos dentro do sexo de uma mulher
cujo nome nunca poderemos saber.

A sabedoria consiste em voltar a encontrar


a labirintica entrada para esse sexo obscuro.

Cuidado com os bichos que andam na floresta de pelos!


XIV

O mundo torna-se mais mundo


quando assumimos as nossas contradicções.
Ao serem assumidas deixam de o ser
embora venham a encontrar-se com outras depois.

O Tau-Tau actualiza-se através de si mesmo.


O Tau-Tau torna-se obsoleto através do mundo.
O si mesmo e o mundo coincidem
através de sucessivos desfazamentos.

Desfazer os desfazamentos
eis o buzílis!

A sua não-imagem é inconstante.


É como um rio que não se sabe serenar
e cujas curvas mudam constantemente.
XV

A natureza não é nudez.


Mas é desnudamento na mascarada.
O seu strip-tease é interminável.

Há quem diga que a subjectividade


não é uma sua propriedade.
Mas a natureza é egoísta.
O seu egoísmo é o modo de mudar,
embora não saiba oinde a muda vai dar.

E desenvolve multiplos modos de individuação.

A natureza é o que há de menos geral.


Dizer generalidades sobre ela
é como jogar à cabra-cega.
É o que se passa aqui.
XVI

O sábio serve-se a si mesmo porque tem fome.


Tem tal excesso de subjectividade
(ou de ausência dela)
que não cabe nem no seu corpo
nem no seu pensamento.

Experimenta subjectividades ao lado da sua


que o refazem, que o urbanizam.
Multiplicar-se é a sua civilidade.

Ele arrasta todo esse turbilhão subjectivo


como se fosse a sua magnificência.

O seu corpo é um acaso que se tornou resistente.

As criaturas são como um enorme romance


que desconhece os detalhes e os desenvolvimentos
e só conserva alguns episódios.

Cada fim pede deferimento.


Cada início prepara o precepício.

As vidas em que as pessoas cabem


têm estranhos sonhos encravados
que as descontinuam em coisas incompletas,
mesmo com a morte garantida.

O sábio é o seu estranho índice.


Por isso é que o consultamos
embora nos remeta para certas páginas
que em vão procuramos.
XVII

O melhor entre os homens é como o vinho,


tornando ébrios aqueles que o provam.

Deve-se frequentar um sábio moderadamente.


Caso contrário seriamos demasiado fracos
para resistir aos extases e idiotias que nos proporciona.

A sabedoria, assim como o prazer,


encontra-se também nas práticas mais repugnantes.
XVIII

É com as mãos que os homens se agarram à terra,


é com as mãos que eles procuram possuír a verdade,
é com as mãos que os contratos se tornam evidentes,
é com as mãos que se fazem os engenhos e as guerras,
é com as mãos que se moldam os sentimentos,
é com as mãos que apalpas quem amas,
é com as mãos que te tornas experiente
e com elas poderás moldar o acaso
para que este seja conveniente.

Mas não abuses da palavra «mãos»


porque tem péssimas conotações poéticas.
XIX

Aquele que não lutou é aquele que assimila a culpa.


A sabedoria torna a culpa inassimilável.
Também permite a evasão da luta.

O Primeiro Homem limitou-se a obececer.


Depois descobriu a desmesura e sofreu com isso.
Um outro assenhorou-se das vozes dos deuses,
mas cansou-se e adormeceu.
Por fim chegaram aqueles que são maltratados
porque se limitam a ser correctos.

Ao sofrimento inútil que vem da natureza


chamamos o mal.

Ao sofrimento inútil que os homens


inflingem uns aos outros
chamamos injustiça.

Ao sofrimento que os supostos deuses


desferem no homem e na natureza
chama-se castigo.

Só se tiveres lutado
contra o mal, a injustiça e o castigo
poderás a aprender a usar
os benefícios do desforço.
XX

Estica o círculo de modo a que este rebente.

Tudo o que regressa não quer acabar.


Queres ter a eternidade como limite vicioso?
Rebenta esse círculo que te torna um seu servo.

Tem a lâmina afiada para não teres que esfaquear.


Acumulas um tesouro porque queres que ele seja roubado?

Mantém mil tarefas em aberto,


e resolve-as consoante os teus caprichos.

Nunca feches todas as portas de repente.


XXI

Toda a honra que procurares é prostituição.


A tua pureza e mérito não serão mais
do que uma cedência às hipocrisias dos abjectos.

Abraçando tornar-se-á abraçado.


Torna-te ligeiro e sorrateiro.
Respira como se a respiração fosse uma cantata
para um deus lascívo dançar.

Não procures imitar a inabilidade de um recém-nascido


nem o peso entorpecido da maturidade.

Sê gracioso e tudo em tua volta se revigorará.


XXII

Desobstroi-te.
Os sentidos não existem apenas para assimilar o mundo,
mas para ser o seu consciente suplemento.

Os sentidos não são consequência do mundo.


Ele é que é justificado por estes.

Apaixona-te, e cometerás injustiças.


Serás como o rio que só corre numa direcção.
A tua parcialidade terá intensidade.
Não percas essa oportunidade
mesmo que te arrependas mais tarde..
XXIII

Abre o teu coração como se acolhesses um tufão.


As bestas irão sentar-se à tua volta.

Aceita o mundo como se estivesses


a fazer música experimental
e saborearás novas harmonias.

Carregar os fardos, acolher, desobstruir,


participar na criação anónimamente,
manipular com humildade:
estes são os actos que tornam o sábio adorável.

Por isso as raparigas o convidam para tomar chá


ou para acariciar o seu sexo.
XXIV

A fortuna surge da negatividade.


O apreço da convenção.
É o vazio que transporta o acaso.
É o cheio que desfaz a ilusão.
É o mimetismo que atribui as funções.

Demasiada cor, som e gosto levam ao extase.


A falta destes elementos afina os sentidos
para as minucias do ensonso.
Qual dos dois preferir?

As subtilezas nascem das carências.


O vigor surge da competitividade.

Num país de especiarias procurarás a intensidade dos sabores.


Num país de obscuridade procurarás distinguir todos os cinzentos
e os diversos cheiros que trazem os ventos.

A falta de um sentido será compensada por outros.

No país da obscuridade só a respiração te levará ao extase.

O sábio não será estupido ao ponto de recusar o que a natureza oferece.


Na China apreciará o nevoeiro que envolve as montanhas,
na Grécia o azul intenso do céu e os contornos das coisas,
na India a côr que invade as almas e que as atira para o Absoluto.

Quem não aceita a sensação despreza a substância.


Não há substância, essência ou mental sem sensações.
XXV

A ansiedade é já um desapego
porque é ganas de metamorfoses.

O apego é a inércia da ansiedade.

O apego ao desapego
provoca uma ânseadade da não-anseadade
inútil
que os mercadores de religiões
se esforçam por explorar.

Atenta na anseadade
e tudo se acalmará.
Aposta no metamórfico
e o que vem será sempre diferente

Não é o desejo que destroi os homens, mas a posse.


Deseja nada possuíres de concreto.
Deseja a multiplicidade criativa.
Deseja ser o fecundo preambulo.

À parte disto não desdenhes os utensilios


que te tornam mais prolífico.

Faz com que as tuas faculdades se enriqueçam a tal ponto


que possas ser o artesão de todas as obras de arte,
de todas as músicas, de todas as filosofias.

Mas não te esqueças que só a natureza


te pode dar filhos e filhas.
XXVI

Esperança e medo aguardam como traidores


nas ruelas da consciência.
O frio, ou o calor, lá fora também ajudam
a criar este clima de suspense.

Se suprimir a consciência suprimo o medo.


Se suprimir os suburbios da consciência onde mora o medo
essas traições endurecerão o coração.
Os ladrões irão para as mansões.
Terei coragem, de peito aberto,
e os cães deixarão de ladrar.

Em que circunstâncias devemos arriscar?

O medo é um animal nocturno.


Ao suprimir o medo suprimo a criança
que escrutina os sons na escuridão,
e suprimo a magia da música.

Mas quem pode ser uma eterna criança?


XXVII

E a esperança?
A esperança é a evacuação do condicionado,
através da multiplicação de possibilidades.
Ela é o núcleo paradoxal do incondicionado.

O mundo não pode ser controlado.


Ele resiste à manipulação do sábio
e às intenções demolidoras dos povos.

Por isso o cuidadoso descuido cumpre as intenções


que nem sequer chegamos a formular
dando forma a uma esperança
que permanece indeterminada.

Se o que esperas é demasiado concreto


só obterás desfazamentos
e sufocarás a espontaneidade.

Espera com o atento entusiasmo


de nada específico esperar.
XXVIII

O mundo é o que refuta permanentemente


com uma peculiar lentidão.
A artephysis é o refutante refutável.

Toda a mutação é uma refutação a refutar


que regressará multiplas vezes para te levar.

Ainda és o mesmo que me começou a ler?


Onde começa o outro que já fomos
e aquele que ainda vamos ser?

Será que a memória não é um engodo


para acreditarmos que somos sempre o mesmo?
XXIX

Quem tenta determinar o mundo


afundar-se-á no lodo das suas tiranias.

Quem ama o mundo encontrará o alimento mais rico


nas refutações e nas inclemências.

Há sons que não conseguimos escutar.


O mesmo acontece com os outros sentidos.

Todas essas sensações inalcançáveis serão subtis ou intensas?


Sem a sensação não terás acesso
a essa subtil sensibilidade
para a qual ainda não tens orgãos.
XXX

A profundidade não tem mistério.


Há uma causa única e misteriosa para tudo?
Dúvido.

O sábio sabe da complexidade e da entrecausalidade.


Ele sabe que uma situação é uma rede
e não uma origem impensável.

O sábio descreve com metáforas


que se enrolam umas nas outras
e se perdem nos detalhes mais imbecis.

Forma e informe complementam-se e solicitam-se.


São de estéticas diferentes que se enamoram.  
As estéticas diferentes são como faces de uma única moeda.
Não tarda essa moeda será desvalorizada
e substituída por outra.

Um mistério não pode ser conhecido


porque deixaria de ser mistério.
O mistério é apenas a atmosfera da ignorância.
È natural que as coisas misteriosas
não tenham forma.
O desejo das coisas misteriosas é tornarem-se forma.
Mas ao fazerem-se formas
desfazem o mistério.

Da mesma maneira recorre-se ao índizivel


quando há impotência para dizer.
XXXI

O presente e o futuro são variações do passado.


Ao analisares o passado neste espirito
adivinharás algo das variações que hão-de vir,
embora possam ser surpreendentes.
Serão vagamente parecidas com algo
que a certa altura aconteceu.

Mas só através desta variação que é o presente entenderás,


sob este prisma variado os restantes tempos
na sua ciclicidade estilistica.

Não há originalidade, apenas variações.


Não há essências, apenas caçadas de palavras orientadas
para caçar palavras
que arrumam melhor outras palavras.

Analisa as morfologias do passado,


mas vive as do presente.
XXXII

O que é que é ser compreendido ou incompreendido?


Esta é uma questão afectiva.
O que é o compreensível e o incompreensível?
Esta é uma questão estratégica.

O que é profundo é incompreensivel


nunca será compreensível
porque é uma mistificação.
O conhecimento dos aspectos combinatórios da linguagem
torna tudo compreensível
(mesmo o dito «incompreensível»).

Os santos esforçam-se para parecerem incompreensíveis.


Parte da comédia da santidade consiste
em desconversar para desviar os parolos.
Os parolos ficam no Abismo,
os restantes seguem em frente.

Os santos são incompreendidos


em parte, como toda a gente.
Não precisam de demasiado afecto,
porque tudo é afecto mais do que suficiente.
Mas não se importam de o receber.

Os santos sentem-se mal


quando alguem os papagueia.
Correm logo à casa de banho.
Será vaidade ou humilhação?
XXXIII

Prudentes e entusiastas?

O santo é prudente.
Examina as situações com perícia.

É um técnico que ama os detalhes


e que encara as situações
partindo da diversidade dos sintomas.

O santo é um entusiasta.
Mergulha nas situações
como se estas fossem algo
de absolutamente divino.

As massas, em geral, são desconfiadas e ressentidas.


O santo parecer-lhes-á ingénuo.

Mas haverá algo mais sábio


que a ingenuidade entusiasmada?
XXXIV

Não há nada na artephysis 


que faça apelo à transcendência.

A subjectividade é como um balão.


Quando vazia não ocupa espaço.
Quando cheia é apenas
a interface entre dois vazios.
Não são só os vazios que interessam
mas também as substâncias das interfaces.

A paz é pouco mais do que a homeostase da guerra.


Entre uma e outra há numerosas gradações.
A pequena disputa é a normalidade.
A pura paz a anormalidade, ou excepção.

O sábio concentra-se em certas excepções.


Mas não tenta segurar a paz nem a guerra.

O mundo esbraceja.
Quererá dizer qualquer coisa?
Procura uma finalidade obscura?
Ou não tem mesmo nada para dizer?
XXXV

Se as coisas não parecem dirigir-se para qualquer alvo,


será que vieram de algum sítio?

Será que há nelas o desejo, ou a fatalidade, de retornar?


Ou não passam de um sonho que reinventa
uma calmaria pré-natal?

O repouso, a calma e o frio


parecem ser mais um estado terminal do que uma origem,
por mais interminável que seja essa terminalidade.

As origens são vulcânicas, catastróficas, impredictíveis?


São confusas, torbilhonantes, ruidosas?
Ou são ordenadas, calmas, deliberadas?

Não haverá, quer nos homens, quer na natureza


diferênciadas maneiras de começar?
XXXVI

Renovar é promover a agitação


e saber resistir à agitação.

A deterioração é quase eterna.


Sem deterioração seria impossível a novidade.
Sem a novidade a liberdade seria aborrecida.
Sem entusiasmo o acaso seria invisível.

Não há iluminação sem deterioração.


Entender isto é já um passo
para transformar o deteriorado no iluminado.
XXXVII

A ignorância não ajuda a nada.


Se queres ser servo da obscuridade
e um mero instrumento dos caprichos da natureza,
caminha nos autoestradas da estupidez.
Quem sabe se não chegarás à barraca da ciência?

Imparcialidade? Magnimosidade? Naturalidade?


Tu és natureza e como ela e com ela
transformas e és transformado.
XXXVIII

A artephysis é um xarope.
Só temos que abrir a boca
e provar a sua doçura.

Se estivermos com os músculos contraídos


seremos insensíveis.
Se nos mantivermos relaxados
sentiremos todos os afectos.

Haverá algo que não seja dotado de visões particulares?


Não!
Haverá algo acima de qualquer coisa e fora de suspeita?
Não!
Haverá algo que não seja natural?
Não!
XXXIX

Queres tornar-te imortal? Não fazes ideia...


Sê o próprio Tau-Tau, e logo verás.
Deseja-te uma longa vida
mas cospe na eternidade
mesmo que venha pejada de servidores
ou te atribuam um lugar à mesa dos deuses.

A geometria é a forma mais prática


de arrumar os assuntos.
Não sei se é a mais aconselhável...
Reorganiza-te nos interstícios
e desembaraça-te da quantidade.

Devemos suspeitar das qualidades mágicas


da geometria e dos números?
Ou é a sua simplicidade a raíz
de uma incontornável eficácia?
XL

As regras procuram amantes.


Mas as amantes fogem das regras.

O sábio ama aquilo de que os outros têm nojo.


Mas este cheira deliciosamente.

Os assuntos temidos dão boas novelas.


Mas as catástrofes alimentam os descrentes.

As melhores regras têm tendencia a serem desprezadas.


Ou a serem substituídas por estratégias
a cada dia mais diferentes.
XLI

Quem tem fé tem deuses à cabeceira.


Ou confia nas confidências da cabeleireira.
Quem não tem fé vai para o trabalho,
abusa do sexo, da bebida e do alho.

Os temas são por natureza curtos.


A finalidade de um tema
é ser desenvolvido até à exaustão.
A transformação dos temas
agradece aos equívocos da tradução.

A caça, o sono, o regresso, a amizade, a morte


com deuses ou sem deuses,
eis os temas que nos condenam.
O Tau-Tau é a palha das narrativas,
por isso há sempre bovinos a pastá-lo.

Quando falta memória o Tau-Tau é esquecido.


A memória dos homens é limitada
e não chega para abarcar o Tau-Tau.
Esse é o motivo pelo qual o sábio mergulha no Tau-Tau
como se mergulhasse no esquecimento.
XLII

O dever e a justiça são hipocrisias?


É o que dizem os anarquistas.
A falta de sabedoria é compensada
com mil e uma regras idiotas.
As comunidades inventam leis muito detalhadas
para que a injustiça seja mais caprichosa.

O contrário de sabedoria é a burocracia.


A sabedoria é a súmula das excepções.
A burocracia é a confusão desnecessária das regras.

Aguenta-te com as tuas regras.


Muda-as como as modas.
Desforça-te.
Longo é o caminho da burocracia ao Tau-Tau!
XLIII

O patriotismo torna-se arreigado


quando a crise desaba sobre as nações.

Os povos só se queixam
porque querem mais atenção.
Quando dás muita atenção
os povos tornam-se mimados.
Esquecem-se que os impostos são impostos
e que o estado é uma impostura.

Se despojares um povo de ficções


ele torna-se nu.
Ele quererá voltar a vestir-se
com roupas esfarrapadas:
linguas, tiques, hinos, bandeiras
e um paradoxal passado.

O remédio encontra-se no repouso ou na actividade?


Cada povo sofre de uma ficção invulgar.

Um povo que não satisfaz os seus desejos cheira mal.


Um povo satisfeito tem um ar estupido.
Um povo que se vai satisfazendo – eis a eficácia.
XLIV

O uno é uma moda como qualquer outra.


É uma moda minimalista.
O nada é outra moda ainda mais minimalista.

Será que só o múltiplo incomóda?

A distinção entre o sim e o não é estratégica.


A diferença entre o bom e o mau é uma questão de paladar.

O uso do paradoxo pode ser fecundo


mesmo no auge de uma batalha.
XLV

Os homens temem a noite porque é nela que a ternura se revela.


Na noite os sentimentos rondam o homem
como se este tivesse acabado de nascer
ou estivesse em vésperas de morrer.
Estas duas sensações nunca nos abandonam.

A noite é esse medo de voltar a nascer?


Será o medo de regressar ao útero?
Ou é o espelho de uma interminável obscuridade
que se estende como um universo desmesurado.
XLVI

O sábio repousa na alegria e dá saltos


porque tudo o que se acumula é levado pela morte.

Os povos exibem as suas riquezas


como se fossem brinquedos.
O sábio contenta-se com disparates,
e só se tem a si para exibir.

Os povos têm imperativos e principios.


O sábio improvisa.
Os povos são atinados e bimbos.
O sábio é desleixado e labrego.
Os povos somam saber e glória.
O sábio soma prazer e humilhação.
Os povos contentam-se com estátuas.
O sábio prefere passear.
XLVII

O sábio não é um comediante brilhante


que entretenha com tiradas intiligentes os comicios.

Uma tarde com ele é uma chatice.


Estará calado ou será um tagarela.
As suas palavras são abruptas.
Os seus pensamentos descontinuos.
Para professor é bastante confuso.

O sábio é produtivo como a natureza,


tentando abraçar todas as coisas ao mesmo tempo.
Mas o seu corpo não chega para as encomendas.
XLVIII

A natureza é uma mãe com demasiados filhos.


A artephysis é uma puta.

O Tau-Tau esquiva-se.
A burocracia é quase omnipresente.

Por mais constante que seja a natureza


esta desdobra-se em inumeras expressões e sensações.

Não há expressão antes de ser exprimida.


A expressividade é os sentidos em acção.
A insistência na inexpressividade pode ser considerada um cume ético
mas é a ruina dos sentidos.

Uma ética sem sentidos é como um filme mudo para cegos.


XLIX

O sábio não pretende endireitar o torto,


mas sómente dar um uso adequado a essa complexa geometria.

O sábio introduz a desordem no vazio


e o vazio na desordem.

A ordem é inevitável.
A organização requer um esforço suplementar.
Há que escolher o momento apropriado para organizar.
L

O mundo aceita-nos e rejeita-nos com leviandade.


Temos o dever e a possibilidade de críticar o mundo,
a natureza, deus, os deuses, as leis e os governos,
mas sabemos que esses lamentos apenas nos servem para consolar.

As orelhas que regem as coisas


só são sensíveis aos seus sentimentos patetas.

O sábio aceita o mundo com reticências.


Procura a excelência. Não desdenha a vulgaridade.
Mas também não a cultiva por aí além.
 
LI

Haverá algo mais artificial do que a legitimidade?


A legitimidade é a burocracia do que deveria ser a graça.
Quando a graça deixa de existir
a legitimidade permanece como uma desgraça.
LII

A fama sussurra entre o boato e a glória.


O sábio está fora desse sussurrar.
Por isso ele é glorioso.

Ao aceitar o que acontece ele torna-se tentacular.


Aceitar não é conformar-se,
mas ser um cooperante das transformações.

Essa cooperação transforma decisivamente as transformações.


LIII

Alguém disse: é movendo que repousamos.


Ou: é fugindo que nos encontramos.
Ou ainda: é esquivando que combatemos.

A natureza tagarela baixinho.


Não há silêncio nas paisagens, nem nos bichos.
Mesmo o vento faz com que os objectos psalmodiem.

O ruído da chuva é prodigioso.


Mas a natureza não diz nada.
É como se falasse pelo prazer de falar.

Do mesmo modo a música fala sem procurar nenhum sentido.


É jogo e vontade de exprimir por exprimir.
Por isso ela é o modelo das restanters artes.
LIV

Se a natureza não transmite nenhum sentido


porque é que o homem o procura?

Se o homem não procurar demasiados sentidos


começará a sentir. Sentir é ser-se natureza.
LV

O amador é mais que o amor


ou algo que se concentra no objecto amado.

O amador é a abertura para algo concreto.


É a desobstrução amatória.
LVI

Tenta manter-te muito tempo na ponta dos pés


e ganharás novos músculos.
Esforça-te por nadar horas a fio
e ficarás cansado, mas melhorarás
as resistências.

Demasiada inacção cansa.


A perguiça cria sabedoria
mas faz o corpo definhar.

As justificações são sintomas de impotência.

A sabedoria implica um estiramento do corpo e do pensamento,


assim como a musculação dos mesmos.
LVII

Faz da glória um segredo.


Os segredos fortalecem a glória.
A propaganda dissimula os segredos
nos quais tudo assenta.

Um mistério não é mais do que um bluff.


Com perícia pode dar muito lucro.

Ele orgulhava-se de não ser orgulhoso. Baahhh...


LVIII

O amor abole a repugnância


e sublima-a numa atracção anormal.

O sexo procura-a àvidamente.


LIX

Os atributos do mistério são não-existentes.


Silêncio?
Só se fores surdo.
Profundidade?
Tudo o que é fundo tem limite.
Solidão?
Baah!
Imutabilidade?
Por quanto tempo?
LX

O Tau-Tau é ubiquo mas não omnipresente.


A sua presença é discreta.
O Tau-Tau é movediço, ou se preferirem, atópico.

Está sempre aqui,


embora já não esteja aqui nem more ao lado.
É o estranho estrangeiro
que não é turista nem emigrante.

O Tau-Tau é a madrasta do mundo.


Pérfida? Esforçada? Negligente?

Podia chamar-lhe todos os nomes.


Há nomes inadequados?
 
LXI

Quando um místico profissional diz convictamente


que alguma treta é inominável
poderemos confiar nele?

Todos os nomes são convenções.


É certo que há sons mais agradáveis do que outros,
e mais eficazes quando pronunciados.
Mas na escrita todos os nomes ou são bons ou pardos.

Mesmo quando em dois sítios há nomes diferentes


para a mesma coisa
pode-se estar a falar de coisas muito diferentes.

Por isso o silêncio prepara os nomes e as coisas


sem os abolir.
LXII

Todos os limites são borbulhantes.


Nos limites as formas estão em guerrilha.

O infinito é apenas uma metáfora de acumulação progressiva.


O infinito não adianta muito ao sábio.
Só aos matemáticos.

Se queres caminhar no infinito não vás muito depressa.


Nunca o encontrarás por mais que corras.

Para uns o infinito é a imobilidade e o ser,


tal como para outros o instante é a eternidade...
mas não durante todo o tempo!

Se queres caminhar no vazio transforma-te em vazio.


Mas se te transformas em vazio não caminharás.

Na melhor das hipóteses serás caminhado


sem que sintas os passos alheios.
LXIII

No Tau-Tau não há diferença entre vazio e atrito?


Há, mas a artephysis é mescla.
Não é possivel separar o vazio do atrito
embora sejam completamente distintos.

As formas são mais constantes e limitadas do que o desejável,


embora a sua combinação possa ser infinita.

A quantidade das coisas mais pequenas que existem no mundo


é em número muito menor do que tu possas imaginar.

A artephysis é a combinação de um número muito limitado de elementos.


Poucas coisas chegam e sobram para constituir tanta diversidade.

A subjectividade é uma pequena coisa sem consistência


que experimenta um prazer lúbrico em imaginar-se sem limites.

Quando a imaginação do ilimitado é experimentada


valerá a pena recusar o que nos trás?
LXIV

O mestre mostra calma.


Se não mostrasse calma não conseguiria amestrar os discípulos.

Um tom grave é mais convincente.


Um mestre que destile a sua sabedoria com voz de falsete
é menosprezado.

A gravidade é apenas um factor técnico.


Inspira mais confiança.

É precisamente por isso que desconfiamos da gravidade.


Não devemos desdenhar as coisas ligeiras,
ruidosas, agitadas, agúdas, alegres e inconstantes.

Agindo com precisão e calma o mestre encanta o mundo


e arrasta uma elite de discipulos.
Esperemos que não os empurre para o abismo.

Agindo com ligeireza ele diverte-se.


A sua subjectividade descontrola-se e torna-se mais autêntica.
Ele gosta de ir para sitios isolados exprimir-se
como um macho na época do cio, dansando frenéticamente,
e cantando desafinadamente junto a ravinas.

O mestre controla-se quando quer e descontrala-se quando quer.


O silêncio mistificador e a alegria dos gritos pânicos
são duas faces da mesma moeda.
LXU

O sábio gosta de viajar.


Ele não viaja só por curiosidade
mas também para manifestar um natural desapego por cada lugar
ou um ambicioso apego a todos os lugares.

As suas viajens são inuteis


como os sonhos de quem dorme a sesta.

O sábio tem alergia à contabilidade e à sua lógica.


Se te aparecer um «sábio» que fale em percentagens e seja um bom gestor,
considera-te logo uma excelente vítima do seu negócio.
LXVI

Um viajante não é ninguém em fuga.


Já não foge para se encontrar.
Apenas viaja para permanecer em si
e nessa permanência diferir-se.

É como um propagandista da sua vacuídade.


No anonimato sente as cidades.
Se alguém vier ter com ele tanto melhor.
É como os vaqueiros solitários e nómadas dos westerns.
LXVII

Não sabemos se o sábio tem bom ou mau fundo.

Por vezes a melhor ajuda


é feita de pequenos actos de crueldade.

Outras vezes mergulha numa compaixão ilimitada.

Noutros casos vêmo-lo entregue à indiferença,


não só para com os outros, mas para consigo.

Aceitar tudo e não rejeitar nada?


Rejeitar tudo e não aceitar nada?
Ser indiferente a tudo e a nada?
Acolher os males como o supremo bem?
Acolher o bom como o germen do mal?
LXVIII

«O Tau-tau está no bom detalhe», escreveu certo sábio.

O detalhe só existe pela experiência da atenção.


O Tau-Tau é a atenciosa experiência dos detalhes.

Mas chega uma altura em que os detalhes se confundem


com a ausência de detalhes.

Há que saber não os acumular


ou esquecê-los em boa parte.

A arte de esquecer: eis a suprema astúcia.


A arte de relembrar: eis o necessário legado.
A arte de deslembrar: eis a maravilhosa incerteza.
LXIX

O mestre obtém o que quer


graças à sua vulnerabilidade e humor.
É inconsistente. A sua memória não o ajuda.
Os ritos provocam-lhe nauseas.

Respira devagar como se lhe faltasse força


mas enche os pulmões como se tudo respirasse.

A subtileza obtém coisas que escapam à intiligência.


Por vezes a subtileza está próxima da atrasadice mental
outras vezes dá-nos o sumo das situações.

Que importa a confusão?


Onde reina demasiada ordem reina a esterelidade.
Mas onde reina demasiada desordem
ninguém se consegue mover.

Preferes a improvisação ou a impotência?


Preferes o dogma ou as subtilezas?
Preferes o poder ou a liberdade?
LXX

Sê o passivo, o activo e o neutro.

Não te contentes em seres apenas


a ravina do mundo.

Responde-te a ti mesmo.
Opõe-te, refuta-te.
Compõe-te, confirma-te.
Ama platónicamente.
Sê um predador sexual.
Ou desnaturadamente casto.

Queres o frenesim das cidades


a serena contemplação
ou o lar a transbordar de familiares?

Sê o activo, o passivo e o neutro.


LXXI

És aquilo que flui,


ora num sentido, ora noutro.

O amor, o òdio e a indiferença vêm ter contigo.

És inapto como um recêm-nascido?


Forte como um homem maduro?
Titubeante como um velho?

Não. Tu és a elasticidade
que contorna todas as idades.
LXXII

Provas a luz e a obscuridade


como se tratassem de aperitivos para o Tau-Tau.

Sabes o que é o mundo?


Limitas-te a intui-lo limitadamente?

Ou apenas sabes que sempre houve algo em teu redor


ou nas coisas que aconteceram antes
e que os homens testemunharam?
LXXIII

Tens coragem para seres idealista


e rejeitar as sensações
como se estas fossem notas de rodapé de uma essência?

Chega-te seres nominalista e vislumbrares o pó dos nomes


numa relação modesta entre as palavras e as coisas?

Não me parece que esses sejam os teus caminhos!

Considera os simulacros e as coisas como réplicas


inconstantes e fugitivas de certas coisas fortes e puras.
Considera as nuvens, a corrente de àgua e o vapor
como destituídos de forma, ou reticentes a ela.
Considera a tua relação entre o que são os formadores simples
e a atracção pelo fluxo generativo e destrutivo do informe.

A tua soberania está em não seres demasiado simples


nem te subordinares aos caprichos do informe vortex.

Tudo parece ser subdito de uma norma


em permanente simulação de eternas leis.

Só tu dissimulas, e essa franqueza secreta


é uma lei mais intensa que as restantes.
LXXIV

Retorna como se o retorno fosse um passo em frente.


Avança para o explendor da inutilidade.

Honra-te com a honra ou a desonra.


Sê humilde com indiferença e orgulhoso com imaginação.

Aceita as honrarias como um ornamento


e as humilhações como uma oportunidade
a ganhar para que se perca.

Torna-te o perito de cada ocasião.


LXXV

Quem teme a habilidade senão os inábeis?

O cozinheiro, o artesão, o mago e outros que tais


beneficiam das suas competências
e fazem beneficiar.

O pensador inábil acossa-se na sua impotência


e amarga a sua relação com as coisas.

A espontaneidade, por mais inábil que pareça


é extremamente hábil.

O inábil nunca será gracioso se nunca se exercitar.


LXXVI

Há homens que se tornam ferramentas vivas.

O mundo está em mutação permanente


e nós participamos voluntária ou involuntáriamente
nessa mutação.

Os que querem mudar o mundo serão redundantes?


Estarão contra a natureza?
Ou são apenas instrumentos desta?

Participar na mudança do mundo


não é obdecer a uma forma
mas entrar no jogo da formação.

O numero de classes das formações


pode ser simplificado e arrumado.

Podemos chamar a essas classes «mutações».


É preferivel agrupá-las num número inferior a 100.
LXXVII

Nada se possui?
Apenas há coisas que se desfrutam?

Se fosse assim, de um ponto de vista mecânico


só haveria relações sexuais
mas do ponto de vista da consciência e da «subjectividade»
só haveria onanismo.

O desfruto seria o que se imaginou e sentiu


naquilo que nunca se vem a ter,
porque tudo parece ser impossuível
e o experimentado faz-se filtrado
por representações excessivamente pessoais.

Ou, pelo contrário, não é a posse garantida


como um sopro sexual permanente
a que chamamos simpatia ou antipatia.

Desfrutar é uma mentira canibal.


LXXVIII

As coisas podem germinar ou abortar.


A complexidade de causas que contribui para cada acontecimento
raramente é a mesma e nem sempre é concordante.

É certo que há uma inclinação de aspectos


que vão num determinado sentido
embora esse sentido se ramifique a cada momento
em vários sentidos disponíveis.

O sábio intui a direcção dos acontecimentos,


mas nem sempre acerta.
O sábio tem perante os acontecimentos
mais do que uma opinião.

As opiniões e intuições sobre os acontecimentos


alteram-nos, mas jamais nos controlam.

Não há inevitabilidades enquanto não acontecerem.

A determinação dos acontecimentos é recusarem a sua previsibilidade.

Sempre que os acontecimentos surpreendem o sábio


há um júbilo que, diga-se o que se disser, é estranho.
LXXIX

A dificuldade, a facilidade, a força e a fraquesa,


são aspectos coreograficos da roda dos acontecimentos.

Por vezes o recurso à força é mais eficaz.


Outras vezes a inacção provoca revoluções.

Frequentemente os fracos desmoronam os fortes.


Há sempre forças que resistem às forças que dominam.

O sábio procura dar suavidade e flexibilidade aos equilibrios de forças.


Uma mudança suave é preferível a uma revolução.

Mas quando a estagnação grassa e a desmesura assombra


não seram imprescindíveis os ímpetos revolucionários?
LXXX

O sábio pode não ser extremo ou extravagante


mas jamais será fanático.

A extravagância leva frequentemente à sabedoria ou ao nada.


O fanatismo leva à intolerância e à ignorância.

Quem faz uso de uma força intensa será alvo do seu eco.
Quem se limita a ser fraco e passivo incorre no risco de ser esmagado.

O sábio sabe que tudo é combate.


Por isso foge das guerras ou contorna-as.

O épico só sabe bem em ficção


passados alguns anos.

A cobardia do sábio, comparada com a insanidade dos generais,


é mil vezes mais digna.
A honra de um general está coberta de mortes e sangue,
a cobardia do sábio não faz mal a uma mosca.

As guerras regeneram os povos,


matando as suas gerações mais prometedoras
e deixando os países destroçados e mergulhados em impostos.

Antes do dever de lutar e morrer pela pátria


os homens têm o direito elementar de sobreviver
e justificar os esforços de perpétuação dos seus antepassados.
LXXXI

Quando a tranquilidade e o bem-estar de muitos está ameaçado


é justo que alguns queiram combater.

Sem o sacrificio de alguns combatentes


as tiranias seriam ainda piores sobre a terra.

A violência procura as suas ferramentas.


As ferramentas da violência são feitas para ser destruídas.
A finalidade dos exércitos é a de desaparecerem.
LXXXII

A tarefa do sábio é fazer as coisas desabroxar


ou ajudá-las a murchar, se essa for a necessidade mais evidente.

O sábio procura acima de tudo a vitalidade e a persistência.

A diferença entre um assassino e um heroi de guerra


é que um é obrigado a cometer crimes
pela sua própria submissão à vontade de chefes
enquanto o outro o faz normalmente por livre iniciativa.

É o confronto do serviço publico e da iniciativa privada.


Quer na guerra quer no crime há um tenebroso prazer.

Não há justificação para que se façam estátuas aos herois de guerra


e não aos assassinos.
LXXXIII

O Tau-Tau só tem defenições falsas.


Ser falso é mais fácil.
A facilidade tem algo de verdadeiro.

Quem é que compreende o mundo de facto?


É essa uma das tarefas pelas quais nascemos?
Ou devemos limitar-nos a viver sem colocar questões inuteis?

Quem é senhor dos seus afectos e dos seus estados subjectivos


não precisa de pensar em si.

As forças vêm de todos os lados:


resistem, forçam, reforçam, desistem.

O sábio gere as suas próprias forças.


Ao gerir-se gere o que o envolve inadevertidamente.
LXXXIV

O carrasco do mundo é o próprio mundo.


Se o mundo procura agarrar-se às suas origens,
porque as origens estão presentes a cada momento,
o mundo também se agarra à sua auto-aniquilação.

Quem se mantém em repouso demasiado tempo enferruja.


Quem está sempre em actividade sucumbe.
O sábio alterna constantemente repouso com actividade.
 
LXXXV

O Tau-Tau não é do género de acumular dívidas.


Na prática ele só acumula dádivas.

As criaturas julgam-se-lhe devedoras.


Mas ele está-se nas tintas para esses sentimentos mesquinhos.

O Tau-Tau dá por egoísmo:


da dádiva extrai um extremo prazer.

Os deuses procuram favores.


Os homens negoceiam com os deuses.
Sacrificios em troca de favores.

O Tau-Tau não entra em negócios reles.


Dá o que tem a dar.
O que não dá não virá a dar só porque alguém pedincha.
O Tau-Tau não cede a chantagens
embora elas estejam sempre aí.
LXXXVI

Qual o sentido do Tau-Tau?


Todas as questões quanto ao sentido
são incompreensões da natureza do Tau-Tau.

O Tau-Tau é determinado,
mas o seu modo de acção é a indeterminação.
O Tau-Tau faz sentido para cada momento,
não faz sentido para o passado nem para o futuro.

Toda a intenção é apenas atenção.


O fruto da atenção é ainda mais atenção.
Mais atenção leva ao extase.

Não há só uma sequência de coisas


nas multiplas sequências que se cruzam.
Missegenação de missegenação.

Uma sequência pode manter-se suspensa durante muito tempo.


As sequências podem ser descontínuas.
O ressurgimento de uma sequência suspensa é imprevisível.
LXXXVII

Para uns o Tau-Tau é desprovido de sabor.


Para outros o Tau-Tau é a intensidade das especiarias.

É a geografia que cria estas necessidades.

A arte ínsipida é mais higiénica e subtil.


A arte intensa é mais òbvia e porca.
A arte complexa é retorcida e sobrepovoada. 

O Tau-Tau é arte e e a gama dos sabores.


Pode parecer inaudível, mas ouve-se.
pode parecer invisível, mas vê-se.
Pode ouvir-se mas parece querer dizer outras coisas.
Dá-se a vêr mas parece esconder algo substâncial.

O Tau-Tau é concórdia e discórdia.


É como a respiração.
Quando inspira todo o ar se concentra numa zona,
quando expira todo o ar se dispersa.

O Tau-Tau é como a música barroca:


combinatória de simultaneos em multiplos sentidos.
LXXXVIII

Se quiseres retirar força a um adversário


deixa que ela se disperse.

Por mais forte que seja,


se a sua força estiver distribuída em muitas zonas
o núcleo central será enfraquecido.

Usa a força com a maior intensidade e concentração.


Persistência e elasticidade são os eixos fundamentais do vigor.

Sê flexível como as mulheres.


Sê musculado como os guerreiros.

A subtileza e a artimanha
são mais eficazes do que a força exuberante.
A dissimulação penetra no amago de um adversário
com mais exactidão do que mil espadas.

Destroi o inimigo com palavras.


Move-te no invisivel.
Usa os seus exércitos para o destruires.
LXXXIX

O Tau-Tau é o manager do mundo.


A sua inacção aumenta a produtividade.
A sua acção refina os produtos.
As suas incertezas são desafios à comunidade.

Não há nada a negociar.


Falta ao Tau-Tau a antiga perguiça
mas não o borburinho ocioso.

O sábio exercita a sua atenção:


umas vezes está quieto outras irrequieto.
Para além disso há muitas emoções
a satisfazer.
XC

A Natureza é desejo.

O homem quer arrancar o desejo de si


como se este fosse um mal.
O homem, na melhor das hipóteses,
deseja não desejar.

A natureza deseja tranquilamente.


E assim as coisas despontam para a exuberância.

O inanimado não mostra o desejo.


Onde há vida há desejo.
A vida procura estruturas cada vez mais complexas.
Na complexidade há desejo.

Só a simplicidade morta se contenta.


O Tau-Tau é o oposto da amputação do desejo
de certas práticas religiosas.

Amar é levar o desejo mais longe.


Não há amor sem interesse,
seja filial ou passional.

Sendo o amor interesseiro


ele pode ser o interessado
e servir o que se ama.
XCI

A religião procura obter situações vantajosas


ao apelar aos poderes calmantes ou irrequietos do invisível.

A justiça é onde os interesses pessoais coabitam


com outros interesses de outras pessoas de uma forma ajustada.

Se as pessoas não se adequam umas às outras


podem afastar-se e procurar outras adequações?
XCII

Quando os interesses divergem surge a guerra.


Quando faltam interesses começa a decadência.

As hierarquias existem para que a energia e a inércia


sejam bem aproveitadas.
As hierarquias surgem com naturalidade nos sistemas.
É por elas que os homens lutam.

Depois de estabilizada uma hierarquia


é muito difícil alterá-la.
Os homens lutam por estar no topo das hierarquias
como se procurassem a sua perdição.

A religião e os ritos dão legitimidade às hierarquias.


A legitimidade é apenas um aspecto teatral.
A semelhança entre o tribunal e o teatro vem das suas origens.

O sábio baralha as hierarquias.


Todo esse trabalho começa na linguagem.
Por vezes confunde-se com a chamada poesia.
XCIII

A religião torna os deuses mais fortes


e os homens mais fracos.

Os homens que negoceiam com ínvisivel


ficam para sempre em dívida para com ele.

O Tau-Tau torna os homens mais fortes


e os deuses mais decorativos.

Inverte o interesse dos homens


e suscita o empenho dos deuses.

Há nesta afirmação algo de rocaille.

Há gargalhadas que tornam as coisas mais propícias


para lá do interesseirismo dos deuses.
XCIV

A dependência extrema do ínvisivel chama-se devoção.


Em vez de escravo do mundo
o devoto é escravo do ignoto.
Vai-se tornando ignorado e alheio ao mundo.

O devoto que nada pede está intoxicado de divindade,


tal como o opiado do òpio.

A devoção é mais barata


do que o òpio ou o deboche.
Por isso alguém disse que a religião é o òpio do povo.
Esqueceu-se de dizer que a revolução era uma ratoeira
que apenas leva à substituição hierarquica.

A igualdade absoluta é não só impossível como indesejável.


A hierarquia existe na natureza como a àgua nos corpos vivos.

Há porém momentos de equilibrio e de igualidade social:


o banquete e o carnaval.
XCV

O sábio prefere a lucidez à fé.


O sábio sabe que o improvável e o desconhecido
são mais fortes que a hipocrisia da normalidade
ou que a evasão desta.

A fé rejeita o novo,
o sábio garante-o.

O novo introduzirá o antídoto


que permite maravilhar sem fés.
XCVI

A esperança é um desejo muito defenido pelo qual se aguarda.

O sábio satisfaz os seus desejos mal pode


e não procura satisfações no futuro.

Na esperança há algo de demente que engendra paradoxos.


O messianismo é o paradoxo politico-religioso da esperança.

O sábio prefere afinar a sua capacidade


de extrair prazer do maior número de coisas possiveis
em deterimento de uma esperança à qual sucederão decepções.

A verdadeira esperança só pode ser esperança do que já aconteceu.


A improbabilidade do acontecido é superior à probabilidade do por acontecer.

O politico quererá manipular o que vai acontecer.


O sábio quererá desmanipular,
para que não aconteça o que o político quer.
XCVII

Aceita a tradição com indulgência,


rejeita as utopias com intiligência. 

É a tradição que regenerará as coisas.


O espirito da revolução é o do desprezo.

Quem olha para o passado menos próximo


constatará que este não estava preparado
para chegar ao presente.

Um momento do passado não é a potência de todos os futuros.


Se assim fosse, tudo o que acontece
estaria previsto no momento inicial,
como um plano bem preciso.

O que acontece é que cada momento abre fissuras na determinação.


O presente é o que desvia o passado dos seus propósitos mais consequentes.
Essa é a importância do presente.
XCVIII

Os homens sempre gostaram de idealizar


passados monumentais, gloriosos.
Sabemos que nada disso aconteceu,
antes pelo contrário.

O céu seria puro, a terra, fonte de abundância.


A duração da vida vasta.
A natureza acolhia o homem como uma mãe diligente.

Podiamos continuar esta insensata fábula horas a fio,


como se falássemos de coisas aborrecidas.

Grandes mentiras.
Antes havia as intempéries e o pânico.
Tudo era caça de caça
e era difícil descansar do mêdo.

Os nossos mitos actuais supõem uma coisa


a que chamamos dinossauros.
Mas o que houve foi um tempo sem nomes.
E uma solidão ainda mais profunda
perante um mundo essêncialmente desconfortável,
onde a primazia era dada à sobrevivência das espécies.

Descobriu-se com o tempo o prazer do acessório,


a vertigem do sagrado, a excitação da guerra,
e a imprescinmdível insensatez da poesia.

Haverá outros tempos depois deste.


XCIX

Devemos exaltar a fraqueza,


o desnecessário, o frugal,
as antípodas do sublime.

Não devemos menosprezar a força,


a iniciativa, o esforço,
o que tenta ser grandioso.

O homem cai e ama a sua queda.

Rasga as sedas, livra-te do jade.


Come arroz, lambe a tua amante.

O Tau-Tau recicla.

Aceita os dejectos como se fossem ouro.


É o esterco da terra que regenerará o mundo.
C

O Tau-Tau é o que faz rir desbragadamente


os que estão em baixo.

Os poderosos precisam da seriedade


para se fazerem respeitar.
Os que estão no meio pensam que a respeitabilidade
os pode fazer poderosos.
Por isso têm cara de pau.

O riso corroi as hierarquias.


Os que não riem procuram salvar-se
através de rituais violentos
e prescrições tirânicas.

O sábio é como uma hiena,


aproveita o que os outros já não querem devorar.
Por isso solta gargalhadas.

O Tau-Tau parece uma loucura,


mas não passa de uma doce irrisão.

Os que não riem elouquecem com mais frequência.


CI

Ao mestre faltam objectivos precisos.


Ele não olha para o alvo,
mas para tudo o que está à volta do alvo.
O alvo é o inevitável.
Contornar o inevitável: eis o luxo!

Os falhanços do sábio
são os sucessos das civilizações.

Todas as obras de arte são fracassos,


sobretudo as mais interessantes.
É isso que as torna imprescindíveis.
CII

A incompletude faz sobressair a sofisticação.


Quando uma civilização atinge a perfeição
vira-se para a variedade extra-canónica
e para as erupções do tosco.

A sprezzatura dos maneiristas em pouco difere do wu wei dos taoístas.

A maior beleza parecerá frouxa.


A beleza compulsiva parecerá demente.
A beleza que compara a forma com o informe é excelente.

A arte mais complexa menospreza a significação literal


e as esmeradas intencionalidades.
A arte simples é vítima de funções tirânicas.
O sentido em arte é uma ratoeira para imbecis.
Por isso a arte banha-se em cascatas do não-sentido
para tornar o sentido remanescente mais vibrante.

A beleza é o styling da sexualidade.


CIII

A perfeição é um ideal de tipos carentes


que querem continuar carentes.

Na cama a perfeição não existe.

Pericia, intuição, improvisação, reciprocidade:


sem estes elementos o sexo é estafado.

O orgasmo é a promessa de um extase muito superior.


A beleza é apenas a promessa de um orgasmo.

O sublime exprime-se naturalmente nas morfologias da sexualidade.

O sublime de tipo chinês


procura acentuar as referências post-orgásticas,
isto é, a descompressão.

O sublime tal como foi forjado no ocidente


não é distinto da mais crua sedução.
Há nele algo de operático, de enfático.
CIV

A forma vem simples.


O informe vem de todos os lados.
O complexo combina o informe com o informe
o ambiental com o defenido.

No início será limitado pelo simples.


De seguida o sábio busca a composição e a perfeição.
Então quererá libertar-se do que obteve.
Procurará dobras e convulsões.
Finalmente agradar-lhe-ão as nuvens e o nada.

Depois do nada a forma regressa revigorada.


Com simplicidade, inocência e adequação.
Tal como o sexo.
CV

Ao aceitares o mundo
ele abre-se como uma fruta madura.
Come-a antes que apodreça.

O desejo semeia.
O afecto ajuda a crescer.
O despreendimento prova.

É a limitação que colhes.


É na aceitação que desfrutas.

A concordia é o que sobra à discórdia.


A discórdia é o que é ensinado.
A concórdia o aprendido.
CVI

Torna-te o professor que constantemente se supera


ou o aluno que está para além dos mestres.

O improvável é a fera.
O sonho é o que restringe.
O subtil é mais forte que o perentório.
A desconversa é mais interessante que a persuasão.

O que não se move opera no mundo revoluções discretas.


O que se move acompanha os restantes movimentos.

Ensina como se refutasses todas as evidências.


Age como se surfasses na crista dos acontecimentos.

Glória ou posteridade, qual das duas a mais ingrata?


Antes a fome que a fama.
Ao nome prefere a lama.
CVII

Encara os teus deveres, não como um sacrificio,


mas como uma distracção.
Distraí-te atenciosamente
porque o que te destrai é o que te concentra.

A consciência está sempre a viajar


e tu estás onde ela vai.
A consciência da consciência
é o que te aguça as sensações
e o que te liberta das contrariedades.

O amor destroi mais familias que a riqueza.


Sem o amor nada é gerado.
Toda a riqueza é trabalho desperdiçado
somado a roubos acumulados.

Enriquece o estritamente necessário


para que não tenhas que depender de outros.

É o amor e a riqueza
que operam as grandes mudanças no mundo.
CVIII

O sábio permanece contente no momento do desastre.


O contentamento é a maravilha que ninguém lhe pode extorquir.
O sábio combina o espirito da elasticidade com a prudência.
É ingénuo para com as pequenas mentiras
porque está sempre atento às grandes.
CIX

A imperfeição é mais perfeita que a perfeição


porque a perfeição se circunscreve a si mesma
e a perfeição nunca mais acaba.
A imperfeição é o que se apresenta
como inclinação metamórfica.

O que é oferece a sua presença na deterioração.


Deseja para crescer, adoenta-se para se reformar.

O vazio é a abundância de espaço.


A abundância é a míngua de espaço.
Quem acumula sofre o peso do acumulado.
A acumulação leva à inércia.

A não ser que se seja muitíssimo arrumado.


CX

As contradicções não são suficientemente falsas nem verdadeiras.


As verdades só se adequam a factos menores.
Os paradoxos são as sobremesas das aparências.

O Paradoxo é constante e não leva a nada,


disse certo sábio na sua inocência.

O engenhoso parece desageitado.


Mas é ele que se safa.

A grande eloquência parece uma tagarelice,


mas é o prazer de falar
que torna as palavras mais intensas.
O desejo aquieta o mundo.
A acção abre portas para o contentamento.
A inacção é a diferença da indiferença.

As coisas não precisam de ser controladas.


CXI

O desejo é a maldição que traz a benção.


O sábio é ganancioso de contentamento.
A miséria alheia as pessoas dos sentimentos elevados.

É através da alegria que condensas


o que há de melhor.
Os actos dos outros são apenas
o desenvolvimento inconsequente
da alegria que trazes no ventre.
CXII

A experiência vale pelo que se experimenta


e não pelo que se conhece.

O conhecimento é uma experiência.


As atribulações do conhecimento
não são forçosamente induzidas da experiência.

Quanto mais sabes 
mais gostas de experimentar por experimentar.

O sábio vagueia para experimentar.


Não acumula conhecimentos
nem julga as suas experiências.

O seguidor do Tau-Tau vai desaprendendo.


Cada dia ele sabe menos
sabendo um pouco mais.
Ele prefere a ingenuidade à lucidez.
Mas no entanto é lucido.
CXIII

Na ingenuidade o mundo surge encantado.


A lucidez é o estado critíco de decepção.

Ingenuidade e decepção são como o fogo que incendeia


e a àgua que apaga e refresca.
Arde na ingenuidade e refresca-te na decepção.

Há quem diga que conquistar o mundo é não mexer uma palha.


O sábio preferer mexer umas quantas palhas
para não ter a responsabilidade de ter
um mundo conquistado nas mãos.

Para ser franco, o mundo é inconquistável.


A conquista é uma alegoria das atribulações e desordens
em que o mundo se mete.
CXIV

O sábio tem dificuldade em distinguir-se das restantes coisas.


O que não quer dizer que ele seja indistinto.

O que ele é, é portador da indistinção.


A indistinção e a precisão respondem-se:
quem ignora esta mutualidade
continuará a magoar-se com frequência.

As necessidades dos povos não são as suas.


Será que os povos deveriam comportar-se como o sábio?
Ou isso seria a suprema insensatez?
CXV

O sábio confia no acessório, no supérfluo.


Para ele há mais verdade nas mentiras das fábulas
do que nas verdades da ciência
embora não desdenhe as ciências.

É uma banalidade, mas vida e morte são indissociáveis.


O sábio procura porlongar a sua vida
como se esticasse a sua morte.

A morte precede a vida,


como um tempo desmesurado e sem tempo.
A morte é a substância dos sonhos.
Nos sonhos os teus antepassados procuram-te
como sombras inconsequentes
que tentam abraçar.
A semelhança do sonho com a morte é temível.

Nada nos garante que a morte seja morte.


Nada nos garante que os nossos limites
sejam apenas estes limites.

Será que participamos em algo maior ou menor?


Será que somos participantes em nada?

«Quanto tempo estaremos no tempo?».

O que é que é estar fora do tempo?


 
CXVI

Para alguns filósofos há uma assimetria radical


entre a morte e a vida.

A vida é a excepção,
a morte a norma.

A morte e a vida não seriam duas faces da mesma moeda,


porque a vida seria pouco mais que um ponto num oceano de morte.

A morte nada redime.


As poucas vezes que a morte se transforma em vida
nada traz de reconfortante,
mas a morte é menos que nada.
A morte é assexuada.
O assexuado precede toda a sexuação.
É a sexuação que torna a vida mais plena.

O Tau-Tau não é o recuo à morte


mas o inexplicável da vida,
quer na doçura quer na violência.
CXVII

A ternura é um exercicio espiritual.


O repouso existe como preparação do frenesim.

Comparamos o amor a algo que nos satisfaça


como a teta materna:
uma satisfação absoluta, embora circunstâncial.

Quem exige é porque não sabe dar.


A dádiva é a negação da reciprocidade.

O altruísta é egoísta nos meandros da consciência.


O sábio é altruísta como se procurasse denegrir-se.
Não encontra nenhum júbilo em ajudar os outros.
É como beber àgua, uma necessidade corrente.
Fá-lo como se nunca tivesse estado em falta.

Os deveres da natureza para connosco são muito superiores


a qualquer dívida que tenhamos para com ela.

O sábio é aquele que acumula dádivas futuras.


A grande arte é a dádiva de uma alegria estonteante.
CXVIII

Toda a legitimidade é indesejável.


A natureza excepcional da natureza viva
leva-nos a encará-la menos como lei
e mais como delito.

O inorgânico não ama.


O inorgânico é completamente amoral.
As leis foram criadas para nos defenderem
de algumas potêncialidades crueis da natureza.

O descontrole, a desdomesticação, etc.


Tudo isto nos leva a algo distinto do bom selvagem.
Nós não queremos tornarmo-nos mais naturais.
Nós somos excessivamente naturais,
mesmo nas coisas mais sofisticadas e culturais.

Temos que voltar a desfazer as oposições entre cultura e natureza.


CXIX

Suspender o juízo? Surpreender o juízo?


Reservamos os nossos julgamentos
porque os acontecimentos são delicados,
mas sobretudo procuramos falar ao lado,
destilando todo o veneno possível,
inutilmente.

Esse tipo de conversa natural,


burlesca, carnavalesca, auto-denegridora,
esclarece em parte o turbilhão que nos atravessa.

É uma conversa à qual se deve dar atenção?


É a tagarelice que permite o pudor?

Prefere o detalhe ao absoluto.


Mas não te desligues da simpatia por tudo.
Prefere a exactidão à perfeição.
Mas sabes que o imperciso é uma enorme metamorfose.

Pensa com tacto.


CXX

A honestidade acaba sempre por ser a corruptora.


A corrupção é o movimento desagregador da natureza.
É como o Outono. Quem pode evitar o Outono?
E as primaveras são demasiado impetuosas
para serem honestas.
Só depois do Verão é que desejarás a honestidade
e já é demasiado tarde.

Desvia-te da estrada principal,


só encontrarás nela gente simplificada.
Afasta-te mais da estrada principal e verás os bichos
e como são afectuosos e complexos.

Quem sabe não sabe lá muito bem.


E o sabio sabe apenas aquilo que sabe
mas não se lamenta de não saber.

Os paradoxos são fáceis de enunciar.


São uma forma electrizada
de pôr algumas palavras a borbulhar.
CXXI

Falar é uma necessidade canora.


Quem procura o silêncio sufoca o cantor.

A aproximação à natureza
é feita de um modo musical:
com as orelhas e com a voz
e o corpo a vibrar inteiramente.

A harmonia é uma designação musical.


A noção de ruído é do dominio da escuta.
Todos os sons se buscam.
Não há não-harmonia.

Se a harmonia é apenas um modo simplificado dos sons rimarem


então o sábio ama as calamidades ruidosas.

O silêncio não cala.


A fala não «fala».
Como se explica esta tagarelice?
CXXII

É menos importante o que se diz


do que o como se diz.

O sábio está menos preocupado com a meia duzia de palavras


que é capaz de combinar de modo a que elas penetrem nos adeptos,
e mais preocupado com o modo como elas vão ser saboreadas.

De qualquer modo os cães vão continuar a ladrar


e a procurar ossos suculentos.

O contexto físico e emocional é mais importante


que os espartilhos da gramática.

Ao fim de algumas tiradas como estas


a sabedoria é uma maçada.
CXXIII

Dizer que nada afecta o sábio é pura demagogia.


O sábio é afectado mas com muito mais ligeireza.

Essa menor afectação do sábio


deve-se ao facto dele estar repleto de afectos.
Quanto mais afectos dá,
mais deles se enche.
Ele não os quer reter,
mas eles voltam e submergem-no.

Os carentes são os incapazes de generosidade.


Por isso tentam impôr a rudeza.
CXXIV

Sê humido como a terra e sêco como o céu.


Adere aos elementos, aos sentidos,
ao que em ti é acção e degustação
com a maior das atenções
e a mais afinada consciência.

A imparcialidade não é possivel num governante.


Ninguém é favorável a todos ao mesmo tempo.

A inocência não assenta num governante.


Um governante é um culpado voluntário.
Ou uma piada de mau-gosto?
CXXV

À luz do Tau-Tau somos todos ingénuos.


A ingenuidade é o que nos é comum
e o que nos diferencia.
A ingenuidade é a genialidade.

A ingenuidade é o que nos específica


mas nem sequer está no que nos específica
senão como probabilidade combinatória,
é as letras de um alfabeto
antes de serem escritas ou soletradas.
CXXVI

Na guerra a traição é a melhor das intenções.


Sem cinismo as derrotas estão asseguradas.

Se queres manter a candura durante uma guerra


foge o mais depressa possível.
É na violência e no caos
que os homens se revelam na sua indignante plenitude.
A prudência, nesta situação, de pouco serve.

O desespero e as necessidades mais básicas e mais vis


são as normas. 

Toda a guerra é um crime.


Toda a paz uma hipocrisia.
Nenhum guerreiro está isento de crimes de guerra.
Toda a burocracia é ansia de guerra
adiada minunciosamente.
CXXVII

A paz e a civilização escondem as evidências ferozes da guerra


e sublimam-nas nas instituições.

A arte é a alternativa à guerra.


É certo que a arte se torna,
mais cedo ou mais tarde,
o ornamento das instituições
e a fachada de algo maligno.

A ingenuidade da arte disfarça a crueldade


e o cinismo dos governos.
Por isso os poderes não são indiferentes à arte.

O luxo é mais do que um acto de valorização.


A delicadeza do luxo pressupõe uma hiperssensibilidade.
CXXVIII

O estado emocional do sábio não é o espelho do estado das coisas.


A  artephysis não se resigna com facilidade à sua violência.

O direito ao prazer é mais consequente do que o direito à felicidade.


Mas o prazer não é uma comodidade
e quanto mais o tentas comprar
menos se vende.

O prazer é o que já tens antes de te teres.


Para a ele regressares terás que te despojar
até de ti.

Uma linha tortuosa é melhor solução do que uma linha recta.


Mas se queres saír depressa de casa, salta pela janela.
CXXIX

Um povo honesto não é feliz.


Um povo desonesto é barulhento.
Só um povo que viva musicalmente
se sentirá satisfeito.

A sedução faz mais milagres que a bondade.


A musica provoca mais emoções que a guerra.

Quando uma nação construir os seus hábitos suprimindo o prazer


poderá viver tranquila, como se estivesse espartilhada,
mas nunca viverá contente.
CXXX

O sábio é firme na sua flexibilidade.


Perante o fanatismo o sábio é inflexível.

Governa o mundo inteiro como se assasses sardinhas.


Mas governa a tua casa como se cozesses um pargo.
E se andares de um lado para outro
não desdenhes alimentos crús.

Há sempre um caminho fluido no meio do atrito.

A grande força não faz demonstrações de força.


A exuberância só faz sentido para enganar o inimigo.
Quem tem lata procura mais oportunidades.
CXXXI

O sábio não está enraízado na terra


é a terra que se enraíza nele
para poder caminhar.

Devemos procurar ter influência enquanto palitamos os dentes?

Andar de uniforme
não será ter já dois palmos dentro da morte.

O Tau-Tau não está na ponta das baionetas


mas na ponta da lingua.
A lingua não serve só para falar,
também saboreia e lambe.
CXXXII

A emoção é a locomotiva da intiligência.

Há emoções que são como feras


e estão prontas a devorar-nos.
Mas é raro as feras irarem-se
durante muito tempo.

O sábio esquece o sublime.


O sublime não passa de um mau sucedâneo do Tau-Tau.

As emoções quando se tornam banais


geram violentas emoções colaterais.

Para onde vão os restos das emoções?


CXXXIII

As melhores relações entre estados são as mais frescas.


Os pactos antigos sabem a hipocrisia.

São como a velha viuva tentando seduzir o asceta senil.


Quando as coisas estão tenras são mais submissas.
Quando aprendem a ser secas enamoram-se da dureza
e andam a bater com a cabeça nas pedras.

A vontade dos grandes submete-se à indiferença do sábio.


Mas o sábio nem sequer é indiferente.
CXXXIV

É preferível estar no centro de um pequeno país


do que no suburbio de um grande.
Ouvirás as notícias do grande país com condescendência
e provincianamente acolherás as intrigas dos teus conterrâneos.

Divisa do mestre: a elasticidade na elasticidade.

O que governa a vontade


é um desejo masoquista de submissão à natureza
ou da sua sádica destruição.

A fome do Absoluto costuma ser apocalíptica.

Entretanto a nossa única finalidade


é evadirmo-nos de todas as finalidades.
CXXXV

O Tau-Tau desinteressa-se pelas origens.


Nem sequer é origem de origem.
Não é ser nem não-ser.
Também não sei se é não-não-ser.

O Não-não-é é como a doxa:


é multiplo, equivocamente comunicável, divisivel e ilusório.

Há algo entre a emergência e a aniquilação,


entre o ser e o nada?
Entre o que antecede o que antecede os príncipios
e os incessantes fins?
É isso que é a natureza e o Tau-Tau.

Como é que alguém se pode refugiar e consolar com o Tau-Tau?


Se fosse ser seria indestrutivel.
Se fosse Nada seria igualmente indestrutível.

Ora o Tau-Tau é criação e destruição simultaneamente.


Nem ser nem nada.
Haverá outras alternativas?
CXXXVI

O Tau-Tau não procura respeito ou admiração.


Basta-lhe a companhia ou a conversação.

As convenções só são interessantes como plantas.


Há convenções mais e menos belas.
Quando te dás conta
tens uma selva de convenções
e mesmo as mais daninhas
equilibram as restante diversidade.

Quem só se habitua a um tipo de convenção


procura depressa as doenças.

Podemos tirar consequências de um juízo estético?


Talvez.
CXXXVII

Se procuras o Tau-Tau não o encontrarás.


É quando foges que o encontras.
Mas não procures fugir para o encontrar,
porque desde sempre estás fugindo.

O Tau-Tau joga às escondidas


e no entanto não há nada mais omnipresente.

Tau-Tau? Tchau-Tchau!
CXXXVIII

Trata as dificuldades com ironia.


Encara a não-acção como uma exercitação
e a acção como um repouso.

A facilidade com que o dificil se torna fácil


é identica à capacidade de o fácil assumir proporções trágicas.

O problemático parece insípido, mas é como a bola de neve.

Multiplica-te aos poucos.


Para isso terás que te reinventar
num falso jogo contra ti mesmo.

O retorno do amor tem òdio adiado à mistura.


CXXXIX

Quem faz o exame de si-mesmo com rigor


não tem boa nota.

A dificuldade ilumina o futuro.


A mentira é um bom começo
para algo que não tem fim,
mas um perigoso prolongamento
para quem se enreda nela.

O que é distante fora


é fácil de antecipar dentro.

Não é com indiferença que quebrarás o gelo.


CXL

Negoceia dentro do possivel.


Quanto mais cederes mais acessos terás.

Cria a melhor organização


a partir da pior das confusões.

Agir é extremar, tramar e tremer.

É necessário enfrentar o declínio


agarrando a besta pelo rabo
mas nunca pelos cornos.

Demasiada coragem acaba cedo.


CXLI

O cio faz com que nem tudo seja um falhanço


porque é um convite à reprodução.
O cio é a fome do novo
disfarçada de instinto de conservação.

O que uma nova vida nos trás


é aquilo que já não voltaremos a ser.

O cio parece favorecer a espécie


mas desagua em singularidades.

A felicidade e a criatividade não são qualidades dos povos


mas a emancipação de alguns destes
da sua calorosa maioria.

A separação é dolorosa, mas vale a pena.

O que é que se pode dar aos povos


que não seja algo a mais?

A natureza acaba sempre por interferir em coisas


que não lhe parecem dizer respeito.
CXLII

Diminuir os conhecimentos é retirar vantagens.


Aumentar os conhecimentos
é continuar a precisar de mais espaço.

Uma nação governável e estupidificada


será uma boa presa
para uma nação astuta e conhecedora.

Se os conhecimentos destrõe nações,


o sábio dará conhecimentos para outras coisas
distintos daqueles pelas quais as nações são destruídas.

O mundo só será razoável


quando todas as nações e os nacionalismos
forem suprimidos pelos factos antigos
ou por excitantes ficções.

A vantagem das histórias do passado


é entreterem-nos o presente
e não precisarem de ser repetidas.

Na natureza não há nações.


CXLIII

A história foi inventada para testemunhar os momentos críticos,


não para exaltar vitórias.

A história perlonga a memória


e faz com que esta co-habite com a natureza.
A história dá a entender,
mas não pode compreender.

A sequência dos acontecimentos é misteriosa.


É o que atrai na história.
A história desfaz-se dos seus actores
como quem limpa o cú.
É o que a torna grandiosa.

Nenhum povo deve dominar outro povo.


O melhor que pode acontecer aos povos
é misturarem-se.
CXLIV

Nunca sigas a vox populi.

Aquilo que o sábio quiz significar adquire precisão


a partir do momento em que ele refutou aquilo que antes disse.

Os significados só são vivos em função das circunstâncias.


As circunstâncias são ambiguas.

Só passadas as circunstâncias é que se começa a entender


um pouco dessas circunstâncias.
A maior parte das circunstâncias
nunca será compreendida.
CXLV

Usar o amor como uma arma é contraproducente.

A frieza no combate é uma vantagem.


A frieza fora do combate é uma desvantagem.

O que é que é combate?


O crescimento.
O que é que não é combate?
A simpatia.

O melhor ataque é a surpresa.


A melhor surpresa é a que se desvia
de qualquer pressuposto tático.

Faz com que o inimigo se sobrestime.


CXLVI

Um homem pode executar as coisas sem as compreender.


Há quem diga que isso é que é místico.
É uma confiança estranha.

O mal-entendido é uma boa parte da comunicação.


Mas nem tudo é mal-entendido.
O que não é mal-entendido
será parte desnecessária da comunicação?
CXLVII

O coração do sábio
em nada difere do do homem comum.
As suas palavras parecem levianas,
mas cortam como laser.

O sábio é um expert na ignorância


embora saiba, com cepticismo, algumas coisas.
A subtileza por vezes confunde-se com a ignorância.

A doença consegue tornar o sábio ainda mais saudável


desde que lhe sobreviva.

Quando a economia arrefece os povos tremem


e lamentam-se como crianças.
A economia é a optimização da devoração
e a ampliação úbrica das residências.

O anacoreta precisa de pouco


e por vezes morre centenário.

Aproveita as oportunidades com elegância


e saborei-as devidamente.
CXLVIII

Por vezes o destino favorece as pessoas erradas.


Então os homens sensatos queixam-se dos deuses
ou das férreas leias da vida e das comunidades.

A rejeição pode ser uma vantagem irónica.

O destino é uma má resposta


para explicar coisas estupidas.
O destino é como o tapete estendido
pelo assassino.

É preferível improvisar a planear.


Mas há que ser bom a improvisar.

As mãos do destino estão velhas e gastas.


Os seus dedos só servem para apertar gargantas.

Os povos procuram nos seus líderes os carrascos


que eles não têm coragem de ser.
Na tirania a mecânica do poder torna-se mais evidente.

Mas em que parte da natureza não há hálitos


de lutas pelo poder?

Toda a transformação é uma devoração de formas.


CXLIX

Interferir com a não-interfência


é muito diferente de não interferir.

A partir do momento em que estipulas regras de conduta


quererás imediatamente fugir delas.

Conduz-te como se tivesses regras mesmo não as tendo.


Não te enamores da prudência
porque estagna a generosidade.

A disciplina é a raíz da liberdade.


A liberdade sem disciplina leva à nausea.
A indisciplina é a flor da disciplina:
dura pouco mais que uma estação,
mas regressa sempre.
CL

A novidade é frágil, fraca, quase imperceptível.

No ínicio as coisas são moles e flexíveis.


No ocaso secas, perras e ressequidas.
A estatuificação é a morte.
A morte é o status e o estado.
A vida é o fluído e a anarquia.

Doce, flexível, alegre, terno,


vulnerável, receptivo, afectivo.
São estas as qualidades do sábio.
Não será difícil enumerar os defeitos do idiota.

As verdades, porque são inflexíveis,


morrem depressa.
Só o pensamento elástico resiste
embora circunstancialmente.
CLI

A natureza prefera as curvas às rectas.


Foi para distinguir a «humanidade» da natureza
que se construiram piramides e zigurates.
Um sublime non-sense com duras arestas.

A lógica da arquitectura é uma lógica da morte.


A casa prepara o túmulo.
Os homens não foram feitos para estar fechados em casa.

A espiral pode ser disfarçada pelas geometrias


derivadas do número de ouro.
Mas esta substituição não passa de uma superstição.
Há no entanto construções que são feitas
para que a natureza se torne mais aprazível,
onde o ar entra e onde o céu se torna mais azul.
Que lindo!
CLII

A natureza é maneirista.
Faz contrastar o sofisticado com o rústico,
o orgânico com o inorgânico,
a decadência com a emergência
a força com a fraqueza
a afectação com o descuido,
as funções com o insignificante.

A natureza é sósia do homem.


As necessidades provocam o aumento.
O exercicio adia a decadência.
A sobreabundância convida ao carnavalesco.
O excesso de informação torna-se paisagem.
CLIII

É do prazer no trabalho, dos afectos e do sexo


que se obtêm recompensas.
Toda a recompensa extra só serve para amaciar a auto-estima.

Benefeciar o mundo é benefeciar do mundo.


Basta ser receptivo.

A arte é irresponsável perante os povos,


mas a arte é o apetite pelo mundo.

Responsável ou irresponsável?
Isso seria uma longa conversa.
CLIV

A arte responde à arte.


A melhor resposta não é a repetição
nem uma respeituosa compreensão,
mas o equívoco criativo.

A arte não tem uma motivação ou justificação,


mas acontece como os humores do clima.
As coisas inuteis têm uma responsabilidade
perante a inutilidade que as precede.
Esse dever inalienável entra no coração das obras de arte.

A arte torna-se coleccionável


porque é um vício que pede mais.

Para alguns a arte só se passa nas obras que o artista produz.


Para o sábio o importante na arte é a vida que não está nelas.
Para a comunidade o que interessa é o que nelas reconhecem.
Para o artista é o apetite pelo ainda não visto.

A arte que já é parece fatal


a que ainda não é nem sequer se adivinha.

A arte é advinhação concreta do inadivinhável.


CLV

Com òdio e ressentimento não se fazem obras de arte


mas apenas maus cartoons.
Algumas gargalhadas amargas e pouco mais.
Nada disso remanesce.

A arte é as dissonâncias da reconciliação.


Uma harmonia que exclua as dissonâncias e as impurezas
tem hábitos assassinos.

A arte procura o impuro.


Com esse impuro contaminará o mundo
através de doces epidemias
que peerturbarão apropriadamente.
CLVI

O tesão de uma nação é o prazer da punição.

O sábio, pelo contrário,


nem sequer precisa de perdoar,
porque no Tau-Tau não há culpas ou delitos.

O sábio não procura forjar imagens utópicas,


sejam atarracadas ou épicas.
Quem se agarra a uma utopia
agarra-se a uma mediocridade.
Quem foge das utopias
agarra-se a outro tipo de mediocridades.

O mundo, com tudo o que é tortuoso,


inclemente e indignante, é mais fascinante
que a mais perfeita das Utopias
ou o mais comezinho dos conformismos.

As nações devem seguir o hálito do mundo.


As nações devem aceitar a sua natural dissolução.
As nações necessitam mais da interacção
de todos os seres com todos os outros seres
do que disputas de faca e algidar
por bandeiras foleiras, linguas, religiões ou pedacinhos de terra.
CLVII

Não confio na honestidade de um povo


que se veste discretamente.
Prefiro confiar na desonestidade de um povo
que se vista com exuberância
ou numa criatura errante
práticamente sem roupa.

A retórica é mais exacta do que qualquer verdade


ou o silêncio?

A verdade é uma pretensão.


A retórica é uma mecânica
A arte de se desconversar
é um auge.
CLVIII

Uma relação amorosa sem conflitos


não sobrevive durante muito tempo.

A concorrência optimiza e perturba,


engendra a obsolescência e a incerteza,
mas também a paixão e a beleza.

O sábio conhece os seus limites.


Os seus progressos são lentos e graduais.
Os seus retrocessos são frequentes e normais.

Para o sábio a qualidade procura a diversidade


e a diversidade afina a qualidade.
A transição entre estes dois polos
é feita de maravilhosos esquecimentos.
CLIX

Os povos são solidários.


Forjam laços que apenas servem para conservar o seu status quo.
A arte, pelo contrário, serve para liquidar
as tradicionais cadeias de solidariedade.
A arte é como a àgua, endurece, torna-se liquída
e evapora-se com bastante facilidade.

Os povos são governados


com a força das armas e do dinheiro.
O artista desgoverna o mundo
com a fraquesa da arte
e com a aderência ao clima de acasos.

Ele é negligente quanto ao lucro


e usa uma linguagem dissimulante
que o protege das inclemências.

Não precisa nem da pressão dos estados


nem de cegas solidariedades.

Ele deslaça as velhas tiranias


e festeja-se com a exuberância da natureza.
CLX

O sábio alterna o comportamento carnavalesco


com um falso puritanismo.

Gosta de provocar controvérsias


em que não acredita convictamente.
Ri-se nos momentos solenes
e desdenha o humor brejeiro.
Prefere coisas que iludam
a um céptico descontentamento.

Falta-lhe uma estrutura sólida


porque é abraçado pelos tentáculos da complexidade.

Pasta na informação
mas não lhe prova a merda.

Ela aceita por vezes a pureza


como preparação para secretos deboches.
CLXI

São as coisas mais pequenas


que se movem com maior facilidade.
As grandes são impotentes quanto os monumentos.
Os monumentos parecem àrvores
mas não têm raízes nem dão frutos.
Se ninguém cuidar deles
deteriorar-se-ão depressa.

Desejamos monumentos
como o fictício espelho de uma desmesura
que nos atraí e tenta
como um prodigioso abismo.

Por isso as ficções épicas


são mais fecundas que os arcos de triunfo
ou as estátuas dos heróis:
saímos delas lívidos mas revigorados
e não estropiados, mortos ou traumatizados.

É mais provável o tiro saír pela culatra


do que a culatra pelo tiro.

É mais provável a tara saír pela cultura


do que a cultura pela tara.
CLXII

Enquanto todos dormem o sábio pensa e faz.


Ele deita-se tarde ou levanta-se cedo.

Os efeitos dos pensamentos do sábio entram nos sonhos dos homens.


Quando estes acordam há no ar uma estranha sabedoria.

A prudência precisa de irreverência e disputa.


A vida precisa mais de satisfação do que sentido.
A pequena satisfação quer sempre
uma satisfação mais intensa.

É a dor assim tão imprescindível?


Não.
É a seriedade garante de alguma coisa concreta?
Não!

Haverá melhor benefício do que o extâse?

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