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Universidade de Évora – Escola de Ciências Sociais

Línguas, Literaturas e Culturas

2012/2013

Estudos Linguísticos II

O Conceito de “Significado” em Semântica:


Significado e Interpretação

Docente: Dra. Ana Paula Banza

Discente: Tiago Filipe Clariano

N.º 30646

Évora, de Fevereiro a Abril de 2013


Estudos Linguísticos II, 2012/2013
Docente: Ana Paula Banza
Discente: Tiago Clariano

Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado


nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é
directo, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim
dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto,
fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções
irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos,
até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com
uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora,
1
ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições.

1
José Saramago – Todos os Nomes (1997), pp. 133-134
II
Estudos Linguísticos II, 2012/2013
Docente: Ana Paula Banza
Discente: Tiago Clariano
0. Índice

1. Introdução IV
2. “Seven Types of Meaning” 1
2.1. Significado Conceptual 1
2.2. Significado Conotativo 4
2.3. Significado Social e Afectivo 5
2.4. Significado Reflectido e Colocational 7
2.5. Significado Temático 8
3. Uma abordagem Semiótica de “Significado” 9
3.1. O Interpretante Peirciano 9
3.2. Sentido e Mitologias 11
3.3. Interpretação 13
3.3.1. “O Mito Hoje” e “O Vazio da Interpretação Literária” 15
3.3.2. Estética da Recepção 16
3.4. Conceito de Significado em Semiótica 18
4. Conclusão 20
5. Bibliografia 22
5.1. Bibliografia Activa 22
5.2. Bibliografia Passiva 24

III
Estudos Linguísticos II, 2012/2013
Docente: Ana Paula Banza
Discente: Tiago Clariano
1. Introdução
Com este trabalho pretendo apresentar algumas reflexões sobre o conceito
de “Significado” no âmbito de duas disciplinas que o estudam, a Semântica e a
Semiótica, apresentando pontos de vista divergentes.
A problemática do significado tem vindo a ser contestada desde a
Antiguidade Clássica, já mesmo Platão em Crátilo questiona a relação ocorrente
entre palavras e coisas. Porém, só no século XX é que a Semântica passou a ser
uma disciplina fundamental dos Estudos Linguísticos, apresentando estudos mais
complexos e aprofundando os primordiais clássicos.
De uma perspectiva semiológica, podemos dizer desde logo que, ao passo
que o significante, enquanto face material de um signo é perceptível e apreensível
pelos nossos sentidos, a atribuição que lhe fazemos de um significado depende de
uma multiplicidade de factores psicológicos, sociológicos e mesmo filosóficos, que
ultrapassam a Linguística.
A Semântica ocupa-se, portanto, de procurar explicar a capacidade inerente
ao falante de uma língua, de saber os significados das cadeias de sons que profere
ou conhece, capacidade essa que o torna capaz de combinar esses sons entre si de
forma a criar cadeias significativas mais complexas e coerentes.
A Semântica tem duas abordagens do estudo do significado: uma analítica,
apelidada de Semântica Lexical, que identifica os semas das palavras, através dos
quais se diferenciam conteúdos significacionais dos signos linguísticos, com a
finalidade de que nenhum par de signos apresente o mesmo significado2 – e mesmo
aqueles que o aparentam ter possuem, pelo menos, um sema que os discerne3.
A outra abordagem da Semântica é contextual e chama-se Semântica
Composicional e estuda a linguagem enquanto meio de comunicação, observando
palavras como “factos de fala integrados em contextos particulares”4, considerando
que o significado das palavras depende do uso feito pelos falantes e do contexto, ou
seja, das relações com outras palavras do mesmo segmento. Como resultado, os
dicionários acabam por recorrer às duas abordagens referidas, definindo qualquer
termo não só pelos seus traços fundamentais, como também pelas suas outras
significações possíveis em diferentes domínios de significação.
A metodologia deste trabalho consiste num estudo aprofundado de sete
características do significado, apresentado por Geoffrey Leech no seu livro

2
Isabel Hub Faria et al – Introdução à Linguística Geral e Portuguesa (1996)
3
António Reis et al – Sabatina – Guia de Formação Escolar – Linguagem e Expressão
Literária (1999)
4
Isabel Hub Faria et al – Introdução à Linguística Geral e Portuguesa (1996), p. 334
IV
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Semantics 5 , numa comparação entre as ideias de significado em Semântica e
Semiótica e numa abordagem de teorias de recepção e interpretação. Assim, este
trabalho surge com o intuito de estudar a polissemia do próprio termo Significado,
duma perspectiva semântica, seguida da exploração de teorias de significação mais
aproximadas da área da Semiótica, da Interpretação e da Estética da Recepção.

5
Geoffrey Leech – Semantics (1974)
V
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2. “Seven Types of Meaning”
Tendo em conta a ideia de uma “aptidão semântica” na gramática do falante,
Geoffrey Leech, no seu livro Semantics disseca e analisa os “ingredientes do
significado”6, dos quais considera sete traços principais usados na fabricação e na
recepção de signos num acto comunicativo. Leech começa por dar mais importância
ao Significado Conceptual, passando a outros seis, Conotativo, Social, Afectivo,
Reflectivo, Colocacional7 e Temático.
Segue uma tabela que explica de forma minimal o que cada um destes
elementos significa.

1. Significado Conceptual ou Sentido Conteúdo Lógico, cognitivo


ou denotativo.
Comunicado em virtude
Significado Associativo 2. Conotativo daquilo a que a linguagem se
refere
Comunicado através das
3. Social circunstâncias sociais do uso
da linguagem
Comunica sentimentos ou
4. Afectivo atitudes do falante/escritor
Comunicado por associação
5. Reflectido com outro sentido da mesma
expressão
Comunicado por associação
6. Colocacional com palavras que tendem a
ocorrer no ambiente de outra
palavra
Comunicado pela forma na
7. Significado Temático qual a mensagem é
organizada em termos de
ordem ou ênfase
Imagem 1 – “Seven Types of Meaning”

2.1. Significado Conceptual ou Sentido


O Significado Conceptual é o factor central na comunicação e é também
conhecido como “denotativo” ou “cognitivo”. A denotação implica o uso de um signo

6
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 9 1
7
Tradução do prof. Luís Guerra do termo “Collocative”
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no seu sentido original e é por isso que é dada primazia a este tipo de significado. O
Significado Conceptual surge associado a dois princípios linguísticos, o da descrição
dos signos (ou contrastividade) e o da estrutura, surgindo, portanto associado à
dicotomia saussureana, Paradigma e Sintagma.
Os significados são classificáveis tendo em conta características que
apresentam (positivamente) ou que não apresentam (negativamente). Por exemplo,
na fonologia, o som /Ʒ/ apresenta as características:

/Ʒ/ = + fricativa, + sonora, + oral, + palatal, - nasal, - bilabial...

Estas são as características que tornam som /Ʒ/ contrastante. Este tipo de
análise semântica é chamada de Análise Componencial e parte de uma pressuposta
discrição imanente nos significados, baseada nas suas características, o que, na
maioria dos casos acontece. Tomemos como exemplo os casos ‘homem’ e ‘menina’:

Homem = + Humano, + Adulto, + Masculino;


Menina = + Humano, - Adulto, - Masculino.

Este tipo de análise tem como objectivo tornar óbvios os critérios de uso de
uma expressão em torno do seu referente, resultando nas características de um
termo que traduzem os seus atributos.
O Significado Conceptual é, assim, paradigmático, por suster “relações entre
uma unidade presente na frase e todas as outras que não estão presentes mas que
a poderiam substituir naquele contexto”8: seleccionamos as palavras que usamos
numa frase de acordo com a ideia e os sujeitos a quem a pretendemos perpassar.
O Significado Conceptual deriva também do carácter sintagmático da língua:
surge dentro de uma estrutura, que são as grandes unidades linguísticas e que, por
sua vez são compostas por outras unidades menores, numa “hierarquia de
subdivisão de constituintes”9. Apresenta sempre os aspectos da concordância e da
ordem das palavras na frase, aspecto este sintáctico, e que pode ser descrito num
diagrama em árvore:

8
Paulo Nunes da Silva – Introdução aos Estudos Linguísticos (2000), p. 22 2
9
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 10, tradução livre
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Imagem 2 – Diagrama em Árvore

The two principles of constrastiveness and constituent structure represente


the way language is organized respectively on what linguists have termed the
PARADIGMATIC (or selectional) and SYNTAGMATIC (or combinatory) axes of
10
linguistic structure.

Na análise de qualquer frase, há três níveis do significado conceptual a ter


em conta: a representação fonológica, a sintáctica e a semântica. Estes três níveis
reúnem-se nos processos de fabricação e recepção de significado: quando falamos,
temos de codificar uma mensagem, transformando o semântico no sintáctico, e este
no fonológico; por outro lado, quando ouvimos o fonológico, reorganizamo-lo em
sintáctico, de onde depreendemos o semântico. Claude Shannon e Warren Weaver
pressupõem na sua Teoria Matemática da Comunicação a transformação do
pensamento em códigos adaptáveis a um canal e passíveis a serem descodificados
por um interlocutor.

The information source selects a desired message out of possible messages


(this is a particularly important remark, which requires considerable explanation later).
The selected message may consist of written or spoken words, or of pictures, music,
etc.
(…) In oral speech, the information source is the brain, the transmitter is the
voice mechanism producing the varying sound pressure (the signal) which is
transmitted through the air (the channel). In radio, the channel is simply space (or the
aether, if anyone still prefers that antiquated and misleading word), and the signal is
the electromagnetic wave which is transmitted.

10 3
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 10-11
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The receiver is a sort of inverse transmitter, changing the transmitted signal
back into a message, and banding this message on to the destination. When I talk to
you, my brain is the information source, yours the destination; my vocal system is the
11
transmitter and your ear and the associated eighth nerve is the receiver.

Tendo em conta o extenso campo de actuação do Significado Conceptual


enquanto sintagmático e paradigmático, codificador e descodificador, fonológico,
sintático e semântico, torna-se óbvia a sua proeminência linguística. Podemos dizer
que é o “ingrediente” do significado (nos termos de Leech) que mais valor tem na
comunicação, sendo impossível comunicar sem ele. Geoffrey Leech complementa
que uma língua sem significado conceptual seria composta por interjeições como
“Oh!, Ah!, Oho!” e não faria sentido fazer parte do paradigma a que chamamos de
língua.

2.2. Significado Conotativo


O Significado Conotativo é aquele que se torna fugidio àquilo que foi
apresentado como Significado Conceptual. Tendo em conta a análise componencial
do termo ‘mulher’, podemos dizer que apresenta as características componenciais +
Humano, - Masculino, + Adulto, que poderiam ser critérios rígidos da sua
usabilidade... “Mas existe uma multiplicidade de propriedades adicionais, não
criteriosas que aprendemos a esperar que o referente de ‘mulher’ apresente”12:
- Fisicamente: bípede, detentora de ventre;
- Psicológica e socialmente: de natureza sociável, sujeita a instinto
maternal;
- Variáveis: capaz de discurso, experienciada na cozinha, que veste saia
ou vestido.13
O Significado Conotativo inclui em si as características convencionais do
referente, adoptadas através de uma interpretação pessoal ou social do mesmo.
Contudo, as características que citei como típicas ou variáveis decorrem de
convenções sociais que, na cultura ocidental (no caso de mulher), podem já ter sido
ultrapassadas (como o estigma “que veste saia ou vestido”); porém, o Significado

11
Claude Shannon e Warren Weaver – The Mathematical Theory of Communication (1964)
12
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 12, tradução livre
13 4
Ibid.
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Conotativo ainda as abrange em si. É a experiência do mundo real que fabrica o
conceito que cada falante guarda na sua gramática mental.
O Significado Conotativo é muito utilizado em formas de arte como a música,
a pintura e, acima de tudo, na publicidade, recorrendo à ekphrasis enquanto recurso
estilístico, aliando a imagem a texto:

The overlap between linguistic and visual connotations is particularly


noticeable in advertising, where words often the lesser partners of illustrations in the
14
task of conferring on a product a halo of favourable associations.

Porém, é o Significado Conotativo que dificulta o trabalho dos semanticistas.


Quando o significado se desvia do seu referente e passa a apontar para
características históricas, anatómicas ou metonímicas do referente, é originado um
número potencialmente infinito de concepções do mesmo referente.

2.3. Significado Social e Afectivo


Os significados Social e Afectivo advêm de circunstâncias ou juízos de valor.
Comecemos por falar do Significado Social: no dia-a-dia descodificamos ou
codificamos as nossas mensagens tendo em conta o público e as circunstâncias em
que as comunicamos; reconhecemos diferentes dimensões e níveis de estilo dentro
da nossa linguagem, a que, nos Estudos Linguísticos damos o nome de Variação
Linguística. Variação esta que pode depender do estatuto social ou geográfico do
falante, ou mesmo somente da ocasião e contexto:

Existe ainda um aspecto de variação linguística que tem merecido estudo.


Consoante a situação mais ou menos formal em que se encontra ou o tipo de
situação discursiva (oralidade, escrita, ...), cada falante pode usar diversos estilos ou
registos linguísticos. (...) À variação que está relacionada com estes factores
pragmáticos e discursivos e que implica o conhecimento por parte do falante de um
código socialmente estabelecido para cada situação, dá-se o nome de variação
15
diafásica (do grego phasis, «fala, discurso»).

A variação que Geoffrey Leech apresenta ocorre nos seguintes níveis:

14
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 13 5
15
Isabel Hub Faria et al – Introdução à Linguística Geral e Portuguesa (1996), p. 481
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- Dialectal, região geográfica ou classe social;
- Temporal: termos actuais ou que caíram em desuso;
- Domínio: das leis, da ciência, da publicidade... ;
- Estatuto: político, coloquial, calão... ;
- Modalidade: conferências, palestras, anedotas... ;
- Singularidade: o estilo de Saramago, de Shakespeare, etc.16
Devido a esta pluralidade de estilos, alguns linguistas acreditam que não
existem verdadeiros sinónimos, mas sim casos de equivalência do chamado
Significado Conceptual. E Leech exemplifica isso mesmo, podemos utilizar como
exemplo o verbo “atirar” no seu sentido Conceptual e ver que o seu conceito é
partilhado por outros como “jogar” (calão), “projectar” (científico-formal) e “aventar”
(calão / dialectal).
O efeito do significado Social reflecte-se não só no vocabulário, como
também na sintaxe:
Variação vocabular, através do exemplo de gíria dado por Barros Ferreira:

Aroga os êtres leios que astram aquines jordam enroba.


17
Agora os três homens que estão aqui vão embora.

Variação sintática e vocabular, através do exemplo dado por Geoffrey Leech:

(1) They chucked a stone at the cops, and then did a bunk with the loot.
18
(2) After casting a stone at the police, they absconded with the money.

O Significado Social é afectado pelo contexto geográfico-social da actividade


discursiva. Assim, uma frase como “Não tenho faca”, pode ser recebida como um
pedido “Não tenho faca, preciso de uma”, parecendo haver, em determinados casos
um significado “atrelado” à frase inicial, uma alusão a um determinado Significado
Conotativo que complementa o uso de uma frase numa determinada situação.

O Significado Afectivo, por outro lado, já se despega do uso em contexto de


um referente, para servir de descrição dos juízos de valor do falante do objecto em
causa. Porém, também é usado em situação, aludindo a uma ideia de “poder social”,
quando falando com um político ou professor ocorre uma variação linguística
16
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 13
17
Barros Ferreira in Isabel Hub Faria et al - Introdução à Linguística Geral e Portuguesa
(1996) 6
18
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 14
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baseada no estatuto social, que também se faz sentir no uso do Significado Afectivo,
através de uma determinada polidez discursiva no diálogo.
São determinantes no uso do Significado Afectivo factores de teor extra-
linguístico como o tom e o timbre vocal19. A impressão de cortesia ou polidez pode
ser arruinada pelo uso de um tom irónico, ou uma frase de conteúdo que se poderia
inserir num diálogo de domínio das leis, aquando de um uso em contexto de gíria,
que pode ser transformado numa piada.
Finalmente, um outro factor que intervém no construção de Significado
Afectivo é o uso de interjeições que expressem sentimentos como quando dizemos
“Ahah!”, quando encontramos alguma coisa que tínhamos perdido.
Leech caracteriza o significado Afectivo como uma “categoria parasítica” da
significação, dado que dependemos de outras categorias de significado para mediar
os nossos juízos de valor sobre um mesmo referente.

2.4. Significado Reflectido e Colocacional


O Significado Reflectido advém da necessidade de contextualizar
determinados significantes que detêm múltiplos Significados Conceptuais. Assim,
Leech exemplifica com termos religiosos ingleses:

On hearing, in a church servisse, the synonymous expressions The


Comforter and The Holy Ghost, both referring to the Third Person of the Trinity, I find
my reactions to these terms conditioned by the everyday non-religious meanings of
Comfort and ghost. The Comforter sounds warm and ‘comforting’ (although in the
religious contexto, it means ‘the strengthener or supporter’), whily The Holy Ghost
20
sounds awesome.

Também são referidos termos que caíram numa determinada categoria e que
dela não se conseguiram mais descolar; é o caso de termos taboo da fisiologia do
sexo. Sendo que, no dia-a-dia é impossível utilizar termos como “ejaculação” ou
“erecção” no sentido “inocente” das palavras, devido a esta popularização do taboo.
Porém, sabemos que o verbo “erigir” e todos os seus derivados existem, no sentido
de erguer ou levantar.

O Significado Colocacional deriva de associações pedidas por determinadas


palavras. O exemplo dado por Geoffrey Leech são os adjectivos “pretty” e

19
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 16 7
20
Ibid.
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“handsome”: sabemos que “pretty” se usa com palavras como “girl, woman, flower,
garden, colour e village” e que “handsome” se usa com “man, car, vessel, overcoat,
airliner e typewriter”21 devido a uma obrigatoriedade colocacional.

Only when explanation in terms of other categories of meaning does not


apply do we need to invoque the special category of collocative meaning: on the
other levels, generalizations can bem ade, while collocative meaning is simply an
22
idiosyncratic property of individual words.

2.5. Significado Temático


Finalmente, o Significado Temático é aquele que é comunicado através da
organização da mensagem em termos de “ordem, foco e ênfase”23. Temos como
exemplo disso os casos de frases activas e o seu equivalente passivo, que têm
como foco o sujeito da frase:
(1) O João comeu o bolo.
(2) O bolo foi comido pelo João.
A frase (1) responderia à questão “O que é que o João comeu?”, implicando
uma focalização na entidade que praticou a acção. O significado Temático (do
tema), surge através de alternâncias nas construções gramaticais, de forma a
ilustrar o ênfase da frase.24
Outras formas de demonstrar ênfase através do significado Temático serão o
tom de voz, num discurso normal, aspas na representação gráfica ou o recurso ao
itálico, sublinhado ou negrito, no computador.

21
Geoffrey Leech – Semantics (1974), p. 17
22
Ibid.
23
Ibid., p. 19 8
24
Ibid., p. 20
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3. Uma abordagem Semiótica do “Significado”
Na medida em que ambas têm o mesmo elemento de estudo, o significado, a
Semiótica surge aliada à Semântica, tendo, contudo, abordagens diferentes. A
Semiótica trata de teorizar o processo semiótico, conhecido por semiose, que
consiste na atribuição de significado, trabalhando a dependência existente entre
conceito e imagem acústica ou significante e significado, respectivamente 25; por
outro lado, a Semântica estuda o resultado do processo semiótico ou seja, o
Significado enquanto elemento independente, o que na Semiótica não ocorre, por
precisar sempre de um veículo que transmita Significado.
É impossível trabalhar a semiótica sem referir Ferdinand de Saussure (1857-
1913), linguista suíço que postula os conceitos de significado e significante.
O conceito saussureano de Signo surge num contexto sistémico e linear, de
carácter vocal, com características discreta, arbitrária (por não surgir de forma
natural), mas, ao mesmo tempo convencionado por requerer uma aclamação e uso
massificado para existir, contudo mutável ao longo dos tempos, tal como toda a
linguagem enquanto fluída em sentido dialógico. A acepção dual do signo postulada
por Saussure é pragmática para o estudo linguístico, e neste caso semântico, do
significado: apesar do signo (dum ponto de vista lato) se poder aplicar a qualquer
coisa, o signo saussureano surge, desde logo associado à linguagem enquanto
representação física do pensamento (gráfica ou, principalmente, fónica).

3.1. O Interpretante Peirciano


Apesar da funcionalidade da acepção bíface do conceito de signo
saussureano, Charles Sanders Peirce (1839-1914), contemporâneo norte-americano
de Saussure, apresenta uma perspectiva diferente do processo semiótico. A
semiologia peirciana não se fica pelo signo enquanto elemento linguístico, por outro
lado, o signo passa a ser toda e qualquer coisa que se refira a outra, como na
expressão latina “aliquid stat pro aliquo” (isto está para aquilo). É verdade que existe
uma irrefutável relação entre palavras e coisas ou significantes e significados, mas
Peirce complementa esta relação ao atribuir um terceiro elemento à semiose,
passando a existir uma tricotomia semiótica:

25 9
Ferdinand de Saussure – Curso de Linguística Geral (2006)
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Um signo ou representamen é aquilo que, sob certo aspecto ou modo,
representa algo para alguém, dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa
um signo equivalente, ou talvez, um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado,
denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu
objecto. Representa esse objecto não em todos os seus aspectos, mas com
referencia a um tipo de ideia que eu, por vezes denominei fundamento do
26
representamen.

Determinado objecto é apreendido sensória ou empiricamente por um leitor;


essa apreensão sensória ou empírica transforma-se num representamen que é,
depois, interpretado pelo leitor, criando um interpretante mental.
Enquanto que para Saussure o processo semiótico é a ligação ocorrente
entre significante e significado de um signo, para Peirce, a semiose é um processo
de mediação entre o objecto signico e o seu leitor (ou interpretante), por meio do
representamen. Para Charles Sanders Peirce, a noção de significado é concebida
através da interpretação dos signos.
A mais reconhecida exemplificação explicativa da tricotomia peirciana é o
ditado do domínio público “onde há fumo, há fogo”. Ao sentir através do olfacto ou
da visão o fumo, essa sensação passa a ser um representamen que traduz ou
media nas nossas mentes o conceito de fogo, enquanto objecto, através do
interpretante, que é a ideia criada através da apreensão do fumo. Porém, nunca se
apreende a totalidade do fogo: podemos saber que o fogo está longe ao ver fumo no
horizonte, ou que o calor que recebemos duma lareira indicia o fogo, contudo, nunca
somos detentores da completude da ideia de fogo, porque o apreendemos por uma
parte (fumo ou calor) e não pelo todo. Assim, a semiose peirciana funciona de um
modo holístico: pela parte sabemos da existência do todo (da ideia), mas não é
possível apreender a totalidade da ideia porque há uma infinidade de formas de
apreender a mesma ocorrência de fogo através das suas partes. À infinidade de
possibilidades de apreensão de um signo é dado o nome de semiose infinita ou
interminável: qualquer perspectiva, sujeito ou cultura pode alterar a concepção de
fogo. Mesmo literariamente, Luís de Camões usa o fogo para traduzir paixão,
exemplificando a pluralidade de sentidos que o interpretante peirciano pode dar a
qualquer signo.
A perspectiva de Peirce abre todo um novo universo de possibilidades para a
semiótica enquanto ciência que estuda o significado: o significado deixa de
depender só daquilo que o detém (objecto), passando também a requerer um

26 10
Charles Sanders Peirce in José Augusto Mourão – “Signo”
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interpretante, e o seu sentido depende também da forma como é acolhido
(representamen).
Creio, então, seguro dizer que a polissemia deriva das possibilidades que semiose
infinita nos oferece.

A polissemia é geralmente o resultado de uma expansão metafórica ou


metonímica do significado de um lexema. Nos dicionários, esta expansão costuma
assinalar-se pela etiqueta de sentido figurado, o que deixa entender um fenómeno de
abstração subjacente. A teoria dos protótipos dá uma explicação cognitivista deste
fenómeno, que pode ser exemplificada pela análise do lexema <anel de noivado> e
<anel de Saturno>. A relação que existe entre os dois usos de <anel> é muito clara:
ambos invocam a mesma imagem gráfica de objecto arredondado que contorna
27
outro objecto (no primeiro caso o dedo, no segundo caso o planeta).

No supracitado caso de anel, a interpretação da imagem gráfica e conotação


com ideias similares, como a apontada “imagem gráfica de objecto arredondado que
contorna outro objecto”, advém de uma interpretação de dois signos que apresentam
uma relação de semelhança através do seu uso; anel, passa, então, a ter dois usos
derivados de uma semelhança holística ou metonímica (partes que representam
todos). Tal como o conceito de sol, enquanto todo significacional, que representa as
suas partes em frases do dia-a-dia como “está muito sol”, que implicam a existência
ou de calor ou de luminosidade.
É na fabricação de significado que o interpretante peirciano interfere:
sabemos que falamos de determinado signo através daquilo que dele apreendemos;
porém, não é o interpretante a causa da polissemia, mas sim os objectos
interpretados e as suas similaridades para com outros.

3.2. Sentido e Mitologias


Para uma definição de Sentido, devemos, desde logo recorrer à pluralidade
dos seus usos. José Augusto Mourão (1947-2011), começa por abordar o conceito
da seguinte forma:

27 11
Infopédia – “Polissemia” (s.d.)
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(...) o sentido aparece sempre indissoluvelmente associado à significação e
à direcção (...) o sentido existe somente como um resultado de uma construção
28
efectuada pelos sujeitos “em situação”.

Mourão apresenta também três respostas da filosofia ocidental ao problema


da emergência do sentido através da experiência:
- a resposta Idealista, que afirma que os conceitos existem em nós e que
só depois fazem surgir os seus referentes;
- a resposta Empirista, que afirma que são os referentes que fazem
emergir em nós os seus conceitos;
- e uma resposta Interaccionista, que “diz que o sentido provém de uma
interacção entre os estímulos e os modelos”29
A resposta interaccionista parece aproximar-se da ideia de interpretante
proposta por Peirce. Mas será assim tão linear e aproximada a relação entre
“Significado” e “Sentido”?
Ao longo da sua demanda em torno de uma definição para sentido, Mourão
intercala depoimentos de diversos autores conceituados como Wittgenstein (“O
sentido de uma expressão é o seu uso”) e Louis Hjemslev (“Sentido é sinónimo de
‘matéria’ [de um signo]”) com o seu ponto de vista de que “O conceito de sentido em
semiótica é indefinível”30, parecendo contradizer-se.
Contudo, o ponto de vista de Wittgenstein parece-me ser o mais plausível
para um conceito de sentido. Tomemos como exemplo os “Sete Tipos de
Significado” apresentados na primeira parte deste trabalho. Significado só advém da
denotação (Conceptual) e conotação e que tudo o resto é o seu uso: todos os outros
tipos de significado apresentados, advém de situações ou contextos em que o uso
altera o Significado “estático” e Conceptual, para uma Conotação do mesmo.
Para corroborar a frase de Wittgenstein, tomo como exemplo o livro
Mitologias de Roland Barthes, cujos primeiros cerca de cinquenta capítulos são
descrições daquilo que parecem ser mitos urbanos inéditos e irrisórios até como a
crença popular de que os sabonetes poderiam salvar mineiros da silicose31, só mais
tarde explicados no último capítulo como um inovador sistema semiótico.
O Mito, enquanto sistema semiótico é descrito como uma metalinguagem do
signo, ele detém em si Signo (Significado e Significante) e Sentido:

28
José Augusto Mourão – “Sentido” (s. d.)
29
Ibid.
30
Ibid. 12
31
Roland Barthes – Mitologias (1973), p. 41
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Discente: Tiago Clariano

Tomemos um ramo de rosas: eu faço-o significar a minha paixão. Não


haverá pois aqui senão um significante e um significado, as rosas e a minha paixão?
(...) não posso dissociar as rosas da mensagem de que são portadoras, é-o também
que, no plano da análise, não posso confundir as rosas como significante e as rosas
32
como signo: o significante é vazio, o signo é uma plenitude, é um sentido.

O Mito é um desvio semiótico através da criação de um novo signo superior


ao básico: num primeiro nível temos as rosas que se significam a si mesmas
(enquanto significante e significado), no nível acima temos as rosas que revelam a
paixão através de uma metalinguagem que as acompanha. É isto o Mito. E o que é
um desvio, senão a mudança de um Sentido? O significado não se altera: uma rosa
é uma rosa, o uso pragmático do ramo de rosas sim, passa a significar paixão.

3.3. Interpretação
A Semiótica prova que na fabricação do Significado, são necessários sempre
três elementos: no caso de Saussure, o Significante, o Significado e a Significação
ou Semiose (processo que une um ao outro); no caso de Peirce, por outro lado, um
Objecto (analisado), um Interpretante (quem analisa) e um Representamen (a
mediação). Pressupõe-se que a análise do signo é feita por parte de um interprete,
no qual o processo semiótico se consuma para que significado exista, o que nos
deixa uma questão análoga ao imaterialismo realista de Berkeley, a célebre frase da
filosofia: se uma árvore cai numa floresta e ninguém a ouve, será que faz barulho?,
ou ainda, se um signo existe, não estará constante e inexoravelmente a emanar
significado? Sabemos que os signos são matéria que deve ser apreendida
empiricamente para ser compreendida.
Assim, a Interpretação surge, então, como uma actividade epistemológica
resultante das análises de textos religiosos, cujo objectivo é a determinação do
sentido do elemento analisado. Advém de uma passagem de poder, considerada por
alguns de “nova arrogância do leitor”33, aquilo que Umberto Eco e Roland Barthes
postulam. Do primeiro, a Obra Aberta, enquanto estuda a dialética entre os direitos
dos textos e dos seus interpretes, dá preferência aos dos interpretes, defendendo o

32
Roland Barthes – Mitologias (1973), p. 253 13
33
Gustavo Bernardo – “Interpretação” (s. d.)
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seu papel activo na interpretação de textos dotados de valor estético34. De Roland
Barthes, conhecemos o seu ponto de vista decorrente da passagem do testemunho
que era a Razão, que se deu no Iluminismo, das elites esclarecidas para o povo,
aqui transposta para o texto, do autor para o leitor:

The reader is the space on which all the quotations that make up a writting
are inscribed without any of them being lost; a text’s unity lies not in its origin but in its
35
destination.

Tal como toda a ciência, a Interpretação tem por detrás de si um inexorável


platonismo: a demanda pela verdade por detrás das coisas, e neste caso do texto.
Gustavo Bernardo cita três acusações a metodologias interpretativas erróneas:
- a “malversação do sentido”, atingida pela exposição de tudo aquilo que o
texto não significa;
- a “hybris”, que esgota tudo o que é possível dizer sobre determinado
texto, de forma a que não existam possíveis futuras interpretações;
- e a “constatação mais perigosa é a de que é possível interpretar tudo”.36
O problema da Interpretação advém dos primeiros conflitos religiosos:
naqueles tempos, o objectivo de uma interpretação era a inviabilização de outra,
terminando, na maioria das vezes, em conflito e não em esclarecimento. A querela
surge de um determinado maniqueísmo entre o certo e o errado, quando as
acepções culturais de cada interprete são divergentes e colidem em pontos fulcrais,
o que também se prende com questões éticas:

(...) uma pessoa que esteja sempre falando “a verdade”, doa a quem doer,
independente do contexto, do texto ou do outro, é logo reconhecida como, no
mínimo, mal-educada.
Alain Badiou alerta: o Mal, com esse M maiúsculo, é, afinal, “o desejo de
Tudo-dizer”. (...) A ética de uma verdade se sustenta numa “espécie de comedimento
37
em relação aos seus próprios poderes”.

Finalmente, a Interpretação não só tem efeito sobre os leitores como novos


detentores e determinantes do sentido do texto, como também o tem sobre o próprio

34
Ibid.
35
Roland Barthes – Image, Music, Text (1977), p. 148
36
Gustavo Bernardo – “Interpretação” (s. d.) 14
37
Ibid.
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texto, e Gustavo Bernardo explica bem isso, através de uma analogia com o trabalho
do sociólogo e do antropólogo:

O sociólogo que faz entrevistas e enquetes na favela modifica, para curso


tão imprevisto quanto subterrâneo, os hábitos e as regras da favela que queria
descrever (com a vã pretensão de ele mesmo não existir ou marcar diferença). O
antropólogo que visita um povo isolado não pode mais considerar este povo como...
isolado. Sociólogo e antropólogo tornam-se aspectos cruciais dos factos que querem
38
descrever, tornam-se sujeitos que pertencem a seus objectos.

O resultado de uma interpretação passa a ser um produto epistemológico da


mesma, que resulta de um objecto original, um texto; assim, interpretar é adulterar o
significado, é parafrasear ideologicamente: “a Arte verdadeira tem a capacidade de
nos deixar nervosos. Quando reduzimos a obra de arte ao seu conteúdo e depois
interpretamos isto, domamos a obra de arte.”39

3.3.1. “O Mito, Hoje” e “O Vazio da Interpretação Literária”


As Mitologias de Roland Barthes podem dar aso à confusão que seria
esvaziar o signo de significado para lhe atribuir um novo sentido, porém, “O Mito”,
enquanto sistema semiótico, inclui em si Signo (composto do Significado e
Significante saussureanos) e Sentido, sendo que este, como já referi, sofre um
desvio do original latente no signo em si.
Em “O Vazio da Interpretação Literária”, Brett Bourbon comenta o capítulo “O
Depoimento de Alice” (de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll), em que um
Valete é acusado do roubo das tortas da Rainha de Copas; entretanto, o Rei de
Copas, enquanto juiz, encontra um poema e interpreta-o de forma a culpar o Valete
do roubo, o que deixa Alice incrédula: “Não acredito que isto queira dizer seja o que
for”40. O Rei, contudo, prossegue e explica a sua metodologia:

- Se esse papel não tem qualquer significado, tanto melhor. Evita-nos


preocupações, pois escusamos de procurá-lo – disse o Rei. – Embora eu
desconheça o seu significado – prosseguiu o Rei, espalhando o papel dos versos
sobre um dos joelhos e olhando-os de soslaio -, parece-me encontrar neles algum,

38
Gustavo Bernardo – “Interpretação” (s. d.)
39
Susan Sontag Against Interpretation (1961) in Gustavo Bernardo – “Interpretação” (s. d.) 15
40
Lewis Carroll – Alice no País das Maravilhas (2010), p. 131
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apesar de tudo. «... Mas que não sabia nadar...» Tu não sabes nadar, pois não? –
perguntou ao Valete.
41
O Valete abanou a cabeça tristemente.

O primeiro axioma da comunicação diz que “É impossível não comunicar”42,


ou seja, que qualquer forma de comunicação tem um significado, ou ainda, de uma
forma semioticamente mais lata: que tudo é signo dotado de significação. Porém,
não deve ser esvaziada do seu significado original para significar outra coisa, não é
isso que acontece em “O Mito, Hoje”, mas é o que acontece no episódio referido de
Alice no País das Maravilhas. O esvaziamento do signo de significado é um método
de interpretação erróneo, tal como a “Hybris” e a “malversação do sentido”,
explicadas por Gustavo Bernardo.
O porquê da interpretação reside apenas e só no esclarecimento do
interprete relativamente àquilo que interpreta, Brett Bourbon diz que:

Interpretation is thus an attempt to normalize or explain various ways in


which a particular set of sentences or phrases fail to make sense, relative to the
43
various ways we imagine they could or should make sense.

E as metodologias da interpretação devem ficar-se pela leitura do conteúdo


cognitivo do texto, pela análise e justificação psicológica, social e filosófica, por
vezes até ligada à retórica, na verdade, os estudiosos da literatura acreditam que
qualquer interpretação é aceitável desde que plausivelmente justificável.

3.3.2. Estética da Recepção


As teorias da interpretação de Eco, Barthes e Brett Bourbon abriram alas
para um novo paradigma da significação na arte: o poder do leitor. É neste novo
poder que se centra a ideia de Estética da Recepção; através do estático que é o
texto oferecido pelo autor, o leitor tem o poder interpretativo de lhe dar significado.
A Estética da Recepção postula que a obra de arte só se efectiva quando é
interpretada:

41
Lewis Carroll – Alice no País das Maravilhas (2010), p. 132
42
Carolin Nagy – “The Five Axioms of Communication according to Paul Watzlawick” (s. d.)
43
Brett Bourbon - Finding a Replacement for the Soul: Mind and Meaning in Literature and16
Philosophy (2004), p. 83
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Qualquer obra de arte literária só será efectiva, só será re-criada ou
“concretizada”, quando o leitor a legitimar como tal, relegando para plano secundário
44
o trabalho do autor e o próprio texto criado.

Desde que Aristóteles fala pela primeira vez numa Katharsis, que existe a
preocupação com o efeito da obra sobre o leitor ou interprete, ainda que naquele
tempo esta ideia só era aplicável à tragédia e à comédia, hoje em dia é aplicável a
todo o tipo de obra de arte. A Katharsis tem efeito cognitivo e quase terapêutico
sobre os leitores:

Duas são as aplicações principais deste lexema, anteriormente a Platão:


uma vem da área das práticas rituais (...) obtinham uma “purificação pelo delírio”;
outra é do domínio das Ciências Médicas, (...) em passo relativo a uma “purgação”
45
qualificada de “médica”.

A ideia de Katharsis transmite desde a Antiguidade Clássica, algum poder ao


leitor enquanto realizador do sentido do texto: só existe efeito quando existe uma
causa, o texto interpretado.
Barthes problematiza o texto como um vácuo de identidade, afirmando que o
autor se “aniquila” quando escreve. Convenhamos que a escrita é um meio de
comunicação estático, sem margem a esclarecimentos uma vez finalizada, levando
à preponderância da dialética46. Barthes transmite ao leitor a capacidade de dar
sentido a um signo, através do menosprezar do conceito pós-iluminista de autoria –
até então, a ideia de autor não tinha a dimensão que tem hoje. Há uma transposição
da criação de significado, do autor para o leitor: o texto é concretizado no acto da
leitura, no momento em que gera efeito sobre alguém, em que o seu significado é
interpretado.

(...) a text is made of multiple writings, drawn from many cultures and
entering into mutual relations of dialogue, parody, contestation, but there is tane
place where this multiplicity is focused and that place is the reader, not, as was
47
hitherto said, the author.

44
Carlos Ceia – “Estética da Recepção” (s. d.)
45
Aristóteles – Poética (s. d.) – p. 16 (Prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira)
46
Platão – Fedro (s. d.), pp. 32-36 17
47
Roland Barthes – Image, Text, Music (154)
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É nestas teorias que reside a ideia de Estética da Recepção postulada por
Hans Robert Jauss, com muitas similaridades em relação ao Interpretante peirciano:

Se se olhar para a História da literatura no horizonte do diálogo entre obra e


público, diálogo responsável pela construção de uma continuidade, deixará de existir
uma oposição entre aspectos históricos e aspectos estéticos, e poderá restabelecer-
se a ligação entre as obras do passado e a experiência literária de hoje que o
48
historicismo rompeu.

O momento histórico-cultural do interpretante influencia a leitura do texto no


momento da significação e do juízo de valores, e acaba por avaliá-lo esteticamente.
Não é que exista uma dependência existencialista entre autor, texto e leitor, a única
dependência é a da designação do que é arte e isso é dever do público

(...) nenhum texto literário nem nenhum autor depende da existência


eventual de um leitor. Só podemos falar com rigor de dependência existencial na
razão inversa: não há leitores sem previamente existirem autores e textos para
serem lidos (...) se se exigir colocar no prato da balança o texto produzido para poder
ser avaliado o seu grau artístico, o que acontece irremediavelmente é o divórcio
imediato com a percepção que o autor tem ou teve desse texto no momento da sua
produção.49

Assim, a Estética da Recepção surge como um fenómeno interpretativo e de


crítica da arte através do seu significado e efeito no leitor.

3.4. Conceito de Significado em Semiótica


Apesar de tudo isto, o conceito de Significado em Semiótica permanece por
esclarecer, sendo que apenas abordei algumas metodologias em que o qual é
trabalhado no âmbito desta disciplina. Em Elementos de Semiologia, Roland Barthes
apresenta a seguinte definição semiológica para significado:

Em Linguística, a natureza do significado deu lugar a discussões sobretudo


referentes ao seu grau de “realidade”; todas concordam, entretanto, quanto a insistir

48
Hans Robert Jauss – Aesthetic Experience and Literary Hermeneutics (1982) in Carlos
Ceia – “Estética da Recepção” (s. d.) 18
49
Carlos Ceia – “Estética da Recepção” (s. d.)
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no fato de que o significado não é uma “coisa”, mas uma representação psíquica da
“coisa” (...) o próprio Saussure notou bem a natureza psíquica do significado ao
denomina-lo conceito: o significado da palavra boi não é o animal boi, mas sua
50
imagem psíquica.

Sabendo que é necessário que o processo semiótico se concretize para que


o Significado surta efeito sobre alguém, é sempre necessária mão humana pensante
para que um Signo exista. Como tal, a acepção de Roland Barthes concorda com
ambas acepções de Ferdinand de Saussure e de Charles Sanders Peirce. O
Significado é mental, é abstracto, é “uma imagem acústica”51, é uma dedução da
perspectiva tomada sobre determinado referente.
O Significado advém de uma interpretação mental de um determinado
fenómeno ou objecto e que o próprio significado não pode ser anulado a despeito da
nossa interpretação. Os signos linguísticos são detentores de um sentido que advém
da forma como são empregues (sintáctico) e do seu conteúdo (semântico), que deve
ser interpretado segundo o sentido52, tendo em conta que “Um dos modos de o
significado se manifestar é através da ligação sistemática entre as formas
linguísticas e as coisas ou aspectos do mundo, isto é, aquilo acerca de que
falamos.”53

50
Roland Barthes – Elementos de Semiologia (2007), p. 46
51
Ferdinand de Saussure - Curso de Linguística Geral (2006)
52
José Augusto Mourão – “Sentido” (s. d.) 19
53
Isabel Hub Faria et al – Introdução à Linguística Geral e Portuguesa (1996), p. 334
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4. Conclusão
A perspectiva de Geoffrey Leech é, a meu ver, muito contraditória para com a
perspectiva semiótica do conceito de Significado. Parece-me que, a um nível
Semântico, a nomenclatura mais correcta para os tipos de significado são os
clássicos Denotação e Conotação.

(...) [Denotação] é uma relação existente entre um lexema e a(s) entidade(s),


54
propriedade(s), etc., exteriores ao sistema linguístico.

[Conotação] Refere-se ao sentido figurado ou subjacente que uma palavra


55
ou expressão pode apresentar paralelamente ao sentido em que é empregada.

O Significado, em Semântica, parece tratar-se em torno de termos de


aproximação para com o referente, daí surgirem fenómenos como a sinonímia,
hiponímia, homonímia, etc., sendo que têm em conta o grau de aproximação
semântico e fonológico em alguns casos (o exemplo da paronímia consta de
palavras cuja forma se assemelha).
Geoffrey Leech parece ignorar a ideia de Sentido, e que em contexto frases
ou palavras são usadas de uma determinada forma ou numa determinada ordem
para expressar esse sentido, esse objectivo de exteriorizar determinadas ideias num
determinado momento. O sentido não é mais do que Wittgenstein diz: Sentido é
Uso56, e Sete Tipos de Significado de Geoffrey Leech não passam de usos em
contexto de determinados referentes.
Enquanto que para a Semiótica parece ser mais fácil definir o Significado
como uma representação mental e holística do referente, na Semântica, o
Significado parece nascer de e fazer nascer diversos problemas que, tal como os
primórdios da interpretação parecem desencontrar-se em pontos fulcrais, nunca
havendo um consenso sobre o que é na verdade Significado.
A citação de Todos os Nomes de José Saramago com que abri este trabalho
traduz na perfeição uma acepção plausível do que é Significado e Sentido,
caracterizando Significado como algo estático, uma ideia a que associamos um
determinado termo ou imagem; contudo, Sentido é algo fluído pela sua
multiplicidade de usos. Nesta acepção, Significado e Sentido podem ser sinónimos
de Denotação e Conotação respectivamente.

54
Isabel Hub Faria et al – Introdução à Linguística Geral e Portuguesa (1996), p. 345
55
Kathleen Lessa – “Semântica: Noções Básicas” (2006) 20
56
in José Augusto Mourão – “Sentido” (s. d.)
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Discente: Tiago Clariano
Em jeito de conclusão, Significado é uma representação mental, que requer
um interveniente humano que cause a sua existência através da apreensão sensória
de características de um signo. A multiplicidade de características de um signo é
estudada na Semântica através da Análise Componencial, e são estes componentes
que pautam a usabilidade de um determinado signo.

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Estudos Linguísticos II, 2012/2013
Docente: Ana Paula Banza
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