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O texto de Bahia não lhe permite maiores aprofundamentos, tampouco a chance

de demonstrar as contradições presentes em sua tese. O trecho de Eduardo, do


mesmo modo, não permite isso. Pode ser que os equívocos sejam mais claros aos
olhos recortados por Thompson. De todo modo, não há dúvidas, nas duas
análises, que o produto chamado crime organizado é uma criação da luta de
classes.
Também não tenho como aprofundar aqui ou no Newsletter que hora preparo,
pois este espaço segue a ideias de uma notícia sem os necessários
aprofundamentos. Contudo, ainda sem ter intenção de esgotar a análise, indico
meu primeiro romance: Um Jardim chamado Noia, onde o narrador dialoga
com o cotidiano de uma favela repleta de violência, vibrações, esperanças,
desilusões e alguns outros dramas humanos. Naturalmente, como tem a pretensão
de um romance, não há como cobrar caráter de verdade desantropomórfica dessa
pequena biografia disfarçada com a roupa romanesca.

Jorge Bahia

Não podemos tirar os méritos de Maria Cristina Fernandes e do autor dos livros que ela
cita na sua matéria ("A República das Milícias" e “A Guerra: A Ascensão do PCC e o
Mundo do Crime no Brasil”), Bruno Paes Manso, por nos brindarem com informações
preciosas para entendemos o estágio atual da luta de classes no Brasil, que se exacerba a
passos largos, açodada pela crise de exaustão do capital, que se depara com uma
situação onde já não consegue se reproduzir de forma ampliada, com uma taxa de lucro
que o remunere à contento. Portanto, entender o “crime organizado” no Brasil, a sua
inserção e controle das regiões periféricas, principalmente nas grandes metrópoles, se
torna de interesse vital para o delineamento tático para a intervenção (organizada) da
classe trabalhadora nesses espaços de moradia de grande parte daqueles que possuem
apenas a sua força de trabalho para vender (em situação cada vez mais aviltante).
Considero que a matéria (amparada segundo a autora pelos citados livros) comete
alguns equívoco ao deslocar o “crime organizado” e as milícias (sendo aqui a distinção
pelo fato de que as milícias são majoritariamente compostas por militares e ex-militares)
da periferia/franjas do poder (forças auxiliares, coadjuvantes) para o “centro do poder”,
local já ocupado, onde reina soberana a burguesia em suas diversas frações (capital
interno, capital associado e grande capital financeiro internacional) sendo oportuno
ressaltar que não é incomum o fenômeno da apropriação das instituições do Estado por
diferentes frações da classe dominante e mesmo por frações de classes dominadas
integradas ao capitalismo e que podem servir de aliadas das frações burguesas em
disputa – É uma constante nos Estados capitalistas. Além disto, é sempre bom lembrar
uma lei da física que vaticina que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao
mesmo tempo. Toc-toc? Tem gente!
O fato de um notório miliciano ocupar o cargo máximo do poder executivo do Estado
Brasileiro (que tem como característica um regime presidencialista “autoritário” e
dotado de um processo de tomada de decisões que relega o Legislativo e os partidos
políticos a um plano secundário, onde ganha destaque a disputa pelo controle das
instituições do Executivo e do Judiciário), isto não significa que a milícia está no poder.
Temos um miliciano à testa do poder de Estado, assim como tivemos há bem pouco
tempo um ex-operário. Quem está no poder é a mesma burguesia que estava nos
governos que precederam ao do miliciano Bolsonaro, alternando apenas a fração
hegemônica, sendo que hoje esta fração é do capital associado e do grande capital
financeiro internacional, que alijou o capital interno que foi hegemônico durante os
governos do PT. Mas, não duvidemos, a burguesia sempre esteve e sempre estará no
poder enquanto perdurar o capitalismo.
Ao me referir a hegemonia, estou me atendo à disputa de posição pela hegemonia entre
as frações da burguesia em relação ao controle das instituições do Estado, o que é
diferente de dizer que na sociedade existe uma hegemonia da burguesia sobre as demais
classes. Neste segundo caso, o termo correto é dominação. A classe dominante, a
burguesia, exerce a sua dominação sobre a classe trabalhadora (e demais segmentos e
estamentos de classe), a classe dominada. 
À respeito do tema “crime organizado” recomendo a leitura da matéria da revista Piauí
de 27/02/2018, intitulada “O problema do Rio não são os bandidos, são os mocinhos’,
onde o entrevistado é o ex-chefe da polícia civil do Rio, Hélio Luz (ex-militante do
MR8), que também foi entrevistado no documentário Notícias de uma guerra particular,
que também deve ser visto: (https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/o-problema-do-rio-
nao-sao-os-bandidos-sao-os-mocinhos-diz-ex-chefe-da-policia-civil-27022018).
Em um país que tem a segunda maior concentração de renda do mundo (segundo dados
da ONU de 2019, no Brasil o 1% mais rico concentra 28,3% da renda, perdendo apenas
para o Catar em desigualdade de renda, onde 1% mais rico concentra 29% da renda)
taxa de desemprego hoje em 14,4% - 13,8 milhões de pessoas que se acrescentarmos
aos 5,9 milhões de “desalentados” termos um total de 19,7 milhões de desempregados,
portanto uma taxa de 20% de desempregado para uma população economicamente ativa
de 105 milhões de almas (o PEA considera pessoas acima de quatorze anos até sessenta
e cinco exceto os aposentados). Caso queiramos incluir nessa conta os subempregados,
os precarizados, os que trabalham em jornadas reduzidas, teremos um quadro mais real
da “tragédia” social brasileira.
A pandemia serviu como contraste, uma lente de aumento, que deu visibilidade a uma
situação que pelos números se torna insustentável.   Mesmo levando em conta as
fraudes, o número de inscritos para receber o “auxílio emergencial” do governo federal,
67,7 milhões de pessoas, nos dá uma dimensão da situação de um grande contingente de
trabalhadores, das quais o governo revela que sequer “tinha conhecimento da sua
existência” e que foram chamadas de “invisíveis”. Notícias recentes nos esclarece que
as seis famílias mais ricas do Brasil, possuem fortunas que somadas correspondem à
riqueza de 50% da população do país. Em outra família de São Paulo, o patriarca
resolveu transferir aos seus herdeiros, em vida, o quinhão de cada um e transferiu para
um paraíso fiscal no exterior a bagatela de R$ 48 bilhões, já abatendo R$ 2 bilhões
referentes aos impostos.
Sejamos realistas: Não existe a menor possibilidade desta situação ser revertida por
nenhuma política de “distribuição de renda” ou coisa que o valha, pois, esta
concentração de renda resulta e se traduz em poder político.
Convenhamos, fazer o manejo e o controle de uma população pauperizada, faminta e
desesperada já não é possível apenas com os mecanismos repressivos usuais, através das
polícias, que mesmo utilizando praticas sistemáticas de extermínio (necropolítica) da
população (na sua maioria jovens, negros, da periferia), já não é capaz de conter a
“sensação de insegurança” que afeta as grandes metrópoles. O aumento do contingente
de policiais para mitigar, via repressão (um problema social criado pelo desemprego) se
tornou contraproducente, à medida que o Estado já não tem como bancar (sem
comprometer as suas finanças e os investimentos em infraestrutura visando o aumento
da taxa de lucro do capital bem como o pagamento de quantias cada vez mais vultosas
aos bancos à título de juros e serviço da dívida), a constante pressão para aumentar o
número de policiais. Neste contexto, o “crime organizado” e as milícias caem como
uma luva, pois além de fomentarem um ramo rentável da economia, o narcotráfico
(além de outros como transporte clandestino de passageiros, gatonet, tv à cabo, agua
mineral, gás, caça-níqueis, grilagem de terrenos e construção de imóveis, agiotagem,
etc.), eles cumprem, juntamente com as igrejas evangélicas, o papel de controle e
repressão das populações onde atuam, além de se apresentarem como uma alternativa de
fonte de renda para parte da população e, claro, hoje controlam e vendam os votos das
pessoas que residem nos territórios sob o seu controle. Quer seja o crime organizado ou
as igrejas evangélicas, estes se tornaram cabos eleitorais de peso e imprescindível para
qualquer candidato a qualquer cargo eletivo. Em São Paulo, é conhecido o acordo
informal entre o Estado e o PCC (“a política de encarceramento em massa de São Paulo,
aliada aos arranjos que preservavam a capacidade de gerência da cúpula da organização
criminosa, embasavam a prolongada trégua nos índices paulistas de homicídio” - ) que
resultou na queda do número de homicídios. Recentemente surgiram notícias da ligação
do candidato à prefeitura, Russomano, com o PCC. Em São Paulo, o PCC
“monopolizou” o crime. Não existe briga de facções por lá. Já no Rio, o “crime
organizado” é desorganizado, ou seja, ainda não é monopolizado à ponto de permitir um
“acordo” único com o Estado, que permita um armistício e uma “convivência pacífica”.
Mas, a milícia caminha à passos largos neste sentido, pois, ao mesmo tempo que
aumenta a sua abrangência territorial, eles aumentam o seu poderio político elegendo
candidatos em todas as esferas do Estado.
O “crime organizado” e as milícias são “franquiais”, “concessionárias” do Estado. Os
“chefões do crime” (organizado) estão em sua maioria encarcerados, controlando “tudo”
de dentro dos presídios (de segurança máxima).
Não minhas senhoras e meus senhores, não existe nenhuma república das milícias. A
burguesia nunca saiu do controle e o modo de produção capitalista e as suas “personas”,
a burguesia, não irão colapsar como ocorreu com o império romano cujas invasões
barbaras foram apenas o desfecho, o arremate, de séculos de crise e degradação do
modo de produção escravista, de onde foi parido o feudalismo na Europa. A burguesia
está à postos e irá lutar com todas as armas, até o fim. A burguesia terá que ser
derrubada. Mas, para isto, antes, é necessário que parem de fingir que ela não existe.

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