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Jorge Bahia
Não podemos tirar os méritos de Maria Cristina Fernandes e do autor dos livros que ela
cita na sua matéria ("A República das Milícias" e “A Guerra: A Ascensão do PCC e o
Mundo do Crime no Brasil”), Bruno Paes Manso, por nos brindarem com informações
preciosas para entendemos o estágio atual da luta de classes no Brasil, que se exacerba a
passos largos, açodada pela crise de exaustão do capital, que se depara com uma
situação onde já não consegue se reproduzir de forma ampliada, com uma taxa de lucro
que o remunere à contento. Portanto, entender o “crime organizado” no Brasil, a sua
inserção e controle das regiões periféricas, principalmente nas grandes metrópoles, se
torna de interesse vital para o delineamento tático para a intervenção (organizada) da
classe trabalhadora nesses espaços de moradia de grande parte daqueles que possuem
apenas a sua força de trabalho para vender (em situação cada vez mais aviltante).
Considero que a matéria (amparada segundo a autora pelos citados livros) comete
alguns equívoco ao deslocar o “crime organizado” e as milícias (sendo aqui a distinção
pelo fato de que as milícias são majoritariamente compostas por militares e ex-militares)
da periferia/franjas do poder (forças auxiliares, coadjuvantes) para o “centro do poder”,
local já ocupado, onde reina soberana a burguesia em suas diversas frações (capital
interno, capital associado e grande capital financeiro internacional) sendo oportuno
ressaltar que não é incomum o fenômeno da apropriação das instituições do Estado por
diferentes frações da classe dominante e mesmo por frações de classes dominadas
integradas ao capitalismo e que podem servir de aliadas das frações burguesas em
disputa – É uma constante nos Estados capitalistas. Além disto, é sempre bom lembrar
uma lei da física que vaticina que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao
mesmo tempo. Toc-toc? Tem gente!
O fato de um notório miliciano ocupar o cargo máximo do poder executivo do Estado
Brasileiro (que tem como característica um regime presidencialista “autoritário” e
dotado de um processo de tomada de decisões que relega o Legislativo e os partidos
políticos a um plano secundário, onde ganha destaque a disputa pelo controle das
instituições do Executivo e do Judiciário), isto não significa que a milícia está no poder.
Temos um miliciano à testa do poder de Estado, assim como tivemos há bem pouco
tempo um ex-operário. Quem está no poder é a mesma burguesia que estava nos
governos que precederam ao do miliciano Bolsonaro, alternando apenas a fração
hegemônica, sendo que hoje esta fração é do capital associado e do grande capital
financeiro internacional, que alijou o capital interno que foi hegemônico durante os
governos do PT. Mas, não duvidemos, a burguesia sempre esteve e sempre estará no
poder enquanto perdurar o capitalismo.
Ao me referir a hegemonia, estou me atendo à disputa de posição pela hegemonia entre
as frações da burguesia em relação ao controle das instituições do Estado, o que é
diferente de dizer que na sociedade existe uma hegemonia da burguesia sobre as demais
classes. Neste segundo caso, o termo correto é dominação. A classe dominante, a
burguesia, exerce a sua dominação sobre a classe trabalhadora (e demais segmentos e
estamentos de classe), a classe dominada.
À respeito do tema “crime organizado” recomendo a leitura da matéria da revista Piauí
de 27/02/2018, intitulada “O problema do Rio não são os bandidos, são os mocinhos’,
onde o entrevistado é o ex-chefe da polícia civil do Rio, Hélio Luz (ex-militante do
MR8), que também foi entrevistado no documentário Notícias de uma guerra particular,
que também deve ser visto: (https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/o-problema-do-rio-
nao-sao-os-bandidos-sao-os-mocinhos-diz-ex-chefe-da-policia-civil-27022018).
Em um país que tem a segunda maior concentração de renda do mundo (segundo dados
da ONU de 2019, no Brasil o 1% mais rico concentra 28,3% da renda, perdendo apenas
para o Catar em desigualdade de renda, onde 1% mais rico concentra 29% da renda)
taxa de desemprego hoje em 14,4% - 13,8 milhões de pessoas que se acrescentarmos
aos 5,9 milhões de “desalentados” termos um total de 19,7 milhões de desempregados,
portanto uma taxa de 20% de desempregado para uma população economicamente ativa
de 105 milhões de almas (o PEA considera pessoas acima de quatorze anos até sessenta
e cinco exceto os aposentados). Caso queiramos incluir nessa conta os subempregados,
os precarizados, os que trabalham em jornadas reduzidas, teremos um quadro mais real
da “tragédia” social brasileira.
A pandemia serviu como contraste, uma lente de aumento, que deu visibilidade a uma
situação que pelos números se torna insustentável. Mesmo levando em conta as
fraudes, o número de inscritos para receber o “auxílio emergencial” do governo federal,
67,7 milhões de pessoas, nos dá uma dimensão da situação de um grande contingente de
trabalhadores, das quais o governo revela que sequer “tinha conhecimento da sua
existência” e que foram chamadas de “invisíveis”. Notícias recentes nos esclarece que
as seis famílias mais ricas do Brasil, possuem fortunas que somadas correspondem à
riqueza de 50% da população do país. Em outra família de São Paulo, o patriarca
resolveu transferir aos seus herdeiros, em vida, o quinhão de cada um e transferiu para
um paraíso fiscal no exterior a bagatela de R$ 48 bilhões, já abatendo R$ 2 bilhões
referentes aos impostos.
Sejamos realistas: Não existe a menor possibilidade desta situação ser revertida por
nenhuma política de “distribuição de renda” ou coisa que o valha, pois, esta
concentração de renda resulta e se traduz em poder político.
Convenhamos, fazer o manejo e o controle de uma população pauperizada, faminta e
desesperada já não é possível apenas com os mecanismos repressivos usuais, através das
polícias, que mesmo utilizando praticas sistemáticas de extermínio (necropolítica) da
população (na sua maioria jovens, negros, da periferia), já não é capaz de conter a
“sensação de insegurança” que afeta as grandes metrópoles. O aumento do contingente
de policiais para mitigar, via repressão (um problema social criado pelo desemprego) se
tornou contraproducente, à medida que o Estado já não tem como bancar (sem
comprometer as suas finanças e os investimentos em infraestrutura visando o aumento
da taxa de lucro do capital bem como o pagamento de quantias cada vez mais vultosas
aos bancos à título de juros e serviço da dívida), a constante pressão para aumentar o
número de policiais. Neste contexto, o “crime organizado” e as milícias caem como
uma luva, pois além de fomentarem um ramo rentável da economia, o narcotráfico
(além de outros como transporte clandestino de passageiros, gatonet, tv à cabo, agua
mineral, gás, caça-níqueis, grilagem de terrenos e construção de imóveis, agiotagem,
etc.), eles cumprem, juntamente com as igrejas evangélicas, o papel de controle e
repressão das populações onde atuam, além de se apresentarem como uma alternativa de
fonte de renda para parte da população e, claro, hoje controlam e vendam os votos das
pessoas que residem nos territórios sob o seu controle. Quer seja o crime organizado ou
as igrejas evangélicas, estes se tornaram cabos eleitorais de peso e imprescindível para
qualquer candidato a qualquer cargo eletivo. Em São Paulo, é conhecido o acordo
informal entre o Estado e o PCC (“a política de encarceramento em massa de São Paulo,
aliada aos arranjos que preservavam a capacidade de gerência da cúpula da organização
criminosa, embasavam a prolongada trégua nos índices paulistas de homicídio” - ) que
resultou na queda do número de homicídios. Recentemente surgiram notícias da ligação
do candidato à prefeitura, Russomano, com o PCC. Em São Paulo, o PCC
“monopolizou” o crime. Não existe briga de facções por lá. Já no Rio, o “crime
organizado” é desorganizado, ou seja, ainda não é monopolizado à ponto de permitir um
“acordo” único com o Estado, que permita um armistício e uma “convivência pacífica”.
Mas, a milícia caminha à passos largos neste sentido, pois, ao mesmo tempo que
aumenta a sua abrangência territorial, eles aumentam o seu poderio político elegendo
candidatos em todas as esferas do Estado.
O “crime organizado” e as milícias são “franquiais”, “concessionárias” do Estado. Os
“chefões do crime” (organizado) estão em sua maioria encarcerados, controlando “tudo”
de dentro dos presídios (de segurança máxima).
Não minhas senhoras e meus senhores, não existe nenhuma república das milícias. A
burguesia nunca saiu do controle e o modo de produção capitalista e as suas “personas”,
a burguesia, não irão colapsar como ocorreu com o império romano cujas invasões
barbaras foram apenas o desfecho, o arremate, de séculos de crise e degradação do
modo de produção escravista, de onde foi parido o feudalismo na Europa. A burguesia
está à postos e irá lutar com todas as armas, até o fim. A burguesia terá que ser
derrubada. Mas, para isto, antes, é necessário que parem de fingir que ela não existe.