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Introdução a magia

Da pré-história a modernidade

Magia na Antiguidade
Ouve-me, Hermes, mensageiro de Zeus, filho de Maia,
com um peito onipotente; Deus dos jogos, regente dos mortais,
benévolo astuciador, emissário Argicida
de aladas sandálias, amigo dos homens e profeta da palavra aos mortais,
tu te alegras na ginástica e em ilusões ardilosas, serpentário
intérprete de tudo, fonte dos lucros, alívio de nossos cuidados,
que tem nas mãos a impecável arma da paz;

Desde o desenvolvimento das sociedades primitivas, da escrita e da agricultura,


com o avanço da lógica, o ser humano busca formas de entender e controlar as
intensas e opressoras forças naturais que o cercavam. Dessa forma, as tradições ocidentais
deram origem a inúmeras correntes mágicas , filosóficas, indígenas,etc.. que buscavam uma
integração entre o homo sapiens e o ambiente . Veremos neste pequeno ensaio um pouco de
como se desenvolveu a magia no ocidente.
Cercado por árvores, ervas, animais e doenças que o controlavam e maltratavam, sem
dentes ou garras o ser humano primitivo se viu cercado pela natureza. Contudo, após diversas
revoluções na pré-história – como controle do fogo, agricultura, pedras e metais, armas –
aquele ser indefeso que antes sofria dos mais diferentes intempéries, agora assume o controle
central de sua vida. Contudo, mesmo que ele entendesse como fazer o fogo, as plantas
crescerem e as espécies se multiplicarem o homem primitivo não entendia o funcionamento
disso, desenvolvendo assim diversas explicações mitológicas. Conforme o tempo passou, tais
culturas foram se solidificando e se identificando cada vez mais, formando diversas práticas
características. Uma das práticas primitivas que mais tem alcançado o destaque na onda new
age é o xamanismo. Por experiência, o xamã é um homem indígena – tanto nas tradições
primitivas brasileiras quanto de outros países – que tem diversos espíritos ao seu lado, tais
espíritos podem ser adquiridos pelo conhecimento do xamã, por uma quase morte ou
passados de geração em geração. Atualmente, no Brasil, um dos grupos que mais teve
destaque no cenário, propagando os ensinamentos xamânicos – tais como o rapé e a
ayahuasca– são os Huni Kuin ou Kaxinawá, tribo pertencente ao oeste brasileiro, presentes
principalmente no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Sobre isso, no livro Familiars in
Witchcraft a autora Maja D’Aoust descreve como os totens eram usados por indígenas
americanos como uma firmeza do espírito protetor da tribo e como os animais de poder
desempenham uma função importante no xamanismo de diversas tribos como “espíritos
guias”. Entretanto, algumas sociedades começaram a se organizar em cultos maiores a deuses
como Hórus, Atum-Rá, Zeus, Atenas, Astarte, etc.. além de complexos sistemas filosóficos
Segundo a Torah, se os conhecimentos ocultos fossem divididos em 10 partes o Egito
ficaria com 9 delas, e o resto do mundo com 1. Talvez na história nunca houve uma sociedade
tão mística, filosófica e misteriosa quanto Kemet, tendo cultos secretos a Ísis, Osíris, feitiços
praticados por sacerdotes e rituais religiosos. Todo esse conhecimento ganhou seu apogeu
tendo o encontro com a civilização grega, promovendo uma fusão cultural e o
desenvolvimento e expansão da filosofia ocidental.
Dessa expansão nasceram diversos filósofos, e entre eles o neoplatônico Jâmblico de
Cálcis, aluno de Porfírio de Tiro e fundador da escola neoplatônica da Assíria e dos
movimentos teúrgicos da Antiguidade. De fato, a teurgia é muito anterior a Jâmblico, tendo
antecedentes nos mistérios de Ísis, Deméter1 e até mesmo Pitágoras de Samos2, contudo, foi o
revolucionário filósofo e que estabeleceu e abriu esse sistema com maestria, influenciando
diversas escolas religiosas e filosóficas no mundo. Para Jâmblico, a purificação, iluminação e
perfeição da alma3 só poderia ser alcançada através da adoração ritualística, ao qual foi
caracterizada como Teurgia4 – Theo/Θ Deus e Orgon/ obra, ou obra dos Deuses.
Incluído a isso ele elabora um diversa doutrina acerca do Daimon Pessoal, as hierarquias
divinas, sacrifícios aos deuses, hinos e cantos, confecção de talismãs e até mesmo sobre a alma
humana. De fato, o teurgo se opunha fidedignamente a feitiçaria e contato com os espíritos
sublunares. Para ele, a conjuração de qualquer daimon que não lhe fosse dado pelo demiurgo
faria a alma adoecer em paixões mundanas e se enterrar nos ciclos de encarnações. Dessa
forma, para Jâmblico toda e qualquer prática de goeteia seria maldita, mesmo que a teurgia
usasse as mesmas táticas ritualísticas.
A feitiçaria e necromancia não são artes novas, na verdade, desde as mais remotas
sociedades as forças do feiticeiro são temidas e repudiadas. No livro A história da Bruxaria nos é
contado como diversas tribos africanas, européias e de todo mundo defendiam-se das forças
dos feiticeiros. Também, em A República, Platão nos informa da sua opinião acerca das artes
negras, e além disso, nas sociedades semíticas era explicitamente proibido a necromancia –
Êxodos 22:18, Deuteronômio 18:10 – 12, Levíticos 20:27, etc.. Porém isso não impediu diversas
comunidades periféricas do Egito de praticarem a anotarem seus feitiços no que se conheceu
por Papiros Gregos Mágicos, ou PGM, tendo sido escritos em grego, demótico e copta. Tais
papiros guardam a arte da goeteia −  ou feitiçaria – ao modo helênico, ensinando a
conjurar espíritos guardiões, confeccionar talismãs, exorcizar pessoas e até mesmo fazer
amarrações. As oposições entre teurgia e goeteia se dão por exemplo, acerca dos sacrifícios de
animais, sendo Jâmblico e outros neoplatônicos opositores do mesmo, tendo como oferendas
aos espíritos apenas para apaziguar sua ira. Contudo, já no PGM I : 1 – 42 temos o sacrifício
de uma águia para obter um paredros/ ou espírito auxiliar:
“Pegue duas unhas dos seus dedos das mãos e pegue também um falcão
[Circacan/  ???] e deifique ele em leite de uma vaca preta
[afogando no leite da vaca]...”

Portanto, conclui-se que a peça central do mundo místico antigo é o daemon, sendo para o
teurgo um espírito dado por Deus e para o gôes um espírito conjurado e exorcizado.
Posteriormente, por volta do século III d.C. ao entrar em contato com as idéias cristã e
semíticas que adentraram a Europa, a teurgia e goeteia tomaram outros patamares, porém isso
veremos só nos próximos capítulos.

1 VER OS MISTÉRIOS DOS ELEUSIS

2 JÂMBLICO É CONSIDERADO UM PLATONISTA-PITAGÓRICO

3 RELACIONADOS COM OS ESPÍRITOS SUBLUNARES, ANJOS E DEUSES RESPECTIVAMENTE

4 TODA OS CONCEITOS JAMBLICISTAS COMO PROHODOS E EPISTROPHE (RETORNO DA ALMA AO UNO)


PODEM SER ENVONTRADOS NA RESPOSTA DO MESTRE ABAMMON A PORFÍRIO, NO COMPILADO ON THE MYSTERIES OF
THE EGYPTIANS, CHALDEANS, AND ASSYRIANS
Magia Medieval
Vem, venturoso Peã, assassino de Tício, Iê Febo,
de Licórea e de Mênfis, de muitas honras e doador de fortuna,
Pítio Titã, da áurea lira e do arado, semeador,
Grineu, Esminteu, assassino de Píton, délfico profeta,
feroz nume lucífero, amado e ínclito jovem

Surgido depois de inúmeros confrontos e represálias, espalhado por Paulo de Corinto


até a Tessália, da Síria até a Itália, o cristianismo tomou novas formas, surgindo através de
uma síntese entre o cristianismo “judaico” e o paganismo então vigente no mundo helênico.
Após a queda do império Romano do Ocidente, estabelecendo então o Sistema de Feudos e
tornando-se a religião oficial – pelo menos em boa parte dos reinos – o cristianismo absorveu
as diversas idéias semitas e pagãs, sendo essas hieráticas ou de feitiçaria, que haviam no
território.
Se o cristianismo fez algo bem foi absorver os conhecimentos dos não cristãos. Desde
a filosofia pitagórica, platônica e neoplatônica, estóica, aristotélica – no fim da baixa idade
média e renascimento – e até mesmo resquícios de práticas pagãs como festivais, sacrifícios e
oferendas. Tal fato é possível observar em filósofos como Agostinho de Hipona, que dedicou-
se ao platonismo chegando a afirmar que “Platão foi o primeiro cristão”. Infelizmente
Agostinho não obteve sucesso em penetrar na cosmovisão plantônica, acabando por
corrompe-la. Outro ponto importante que adentrou na Europa cristã foi o desenvolvimento
da Astrologia, e embora inicialmente tem-se que a igreja rejeitava o estudo, alguns tipos eram
tolerados1 . Tais estudos, posteriormente irão se fundamentar nas artes talismânicas,
principalmente com Agrippa e Marsílio Ficino. Na idade média também começa a se
desenvolver a noção de bruxaria,sendo tal função atribuída às sacerdotisas e curandeiras
pagãs, porém, tudo isso só acontece na Baixa Idade Média
Na baixa idade média porém, há o domínio completo do cristianismo na Europa,
parte da África e Oriente Médio. Infelizmente, no mundo da magia não houve muito
desenvolvimento, por razões óbvias, embora houve um desenvolvimento das tecnologias
agrárias e dos Estados. Nesse período porém, há o desenvolvimento do conceito da bruxa, que
passa de uma simples mulher pagã, a adoradora do diabo até se tornar a própria encarnação
de Satanás2. Nesse campo também é desenvolvido o conceito do diabo como servidor e
familiar da bruxa, sendo esse o marido dela, unindo-se através do ato sexual como espírito
familiar, e além disso, há o desenvolvimento do mito dos Sabbath das Bruxas e da feitiçaria
folclórica. Portanto, pode-se notas que a baixa idade média foi um período infértil para a
magia, cheio de delírios férteis e histerias coletivas acerca de magos negros, bruxos, duendes e
gatos pretos.
Ainda na Baixa Idade Média, com o objetivo de conquista de parte do Oriente Médio
dominada por muçulmanos, houveram diversas cruzadas, das quais grande parte resultou
somente na transposição da cultura islâmica à Europa. Tal movimentação promoveu uma
nova síntese dando origem ao Renascimento Cultural, que trouxe a tona diversos conceitos
filosóficos clássicos e uma visão humanista do mundo. O ressurgimento das filosofias e
práticas pagãs como neoplatonismo, goeteia e teurgia, astrologia e a ciências cabalística foi
promovida de forma extensa o mundo mágico.

1 NAS COMUNIDADES GREGAS NÃO SE TOLERAVA, POR EXEMPLO, A ASTROLOGIA MÉDICA, QUE
SE DEDICAVA A PREVER DOENÇAS ATRIBUINDO PARTES DO CORPO AOS ASTROS.

2 A HISTÓRIA DA BRUXARIA
Com personalidades como Trithemius e seu aluno Agrippa, Marsilio Ficino,
Giordano Bruno, etc.. houve o nascimento de um cristianismo místico, que unia conceitos
judaicos e declaradamente pagãos. A exemplo disso, Cornelius Agrippa escreve em Três Livros
de Filosofia Oculta acerca dos 7 deuses e suas virtudes, melhores momentos a se fazer um
talismã, como chamar bons e maus espíritos, consagrações e muitas outras coisas
Além do desenvolvimento do cristianismo místico, com a interação entre os papiros
gregos e as comunidades cristãs periféricas houve o nascimento da cultura dos grimórios 1.
Essa tradição se fincou fortemente na figura de Salomão como um importante mago, embora
tenham-se desenvolvido também outros tipos de feitiçaria. Em tal visão, baseando-se nos
PGM e no Testamento de Salomão, nasceram diversos grimórios salomônicos, dado instrução
para conjurar demônios dos 4 cantos do mundo, fazer previsões, amarrações e consagrar
talismãs. Talvez, o mais antigo seja o Hygromanteia que conserva diversas características dos
papiros gregos, porém, outros grimórios como Clavicula Salomonis e Clavicula Salomonis Rex, - As
Chaves Maior e Menos de Salomão - traduzidas principalmente por McGregor Matthers e
Aleiter Crowley, conservam uma característica mais cristã e voltada para a devoção a cristo
como forma de controle dos demônios. Além disso diversos outros grimórios da tradição
salomônica surgiram como Grimório Verum, O Grande Grimório, O Dragão Vermelho, Liber Jurado de
Honório, etc.. além de uma forte tradição de magia folclórica com grimórios como São Cipriano
com diversas versões de livros, La Poure Noire, etc.. carregando principalmente o
conhecimento em ervas, rezas e obtendo favores de almas com orações cristãs como Pai
Nosso, Credo e Ave Maria para resolução de problemas do dia a dia. Raramente esses últimos
apelam para o contato com os espíritos, como pode-se ver em um feitiço de São Cipriano,
Capa de Aço, onde a pessoa obtém um espírito familiar em uma igreja:
“A meia noite de sexta-feira bata três vezes na porta principal de uma igreja e
diga:

Almas!Almas! Eu as obrigo da parte de Deus e da Santíssima Trindade a me


acompanhar![...]”

Sendo assim, percebemos que no Renascimento, o forte intercurso entre paganismo e


cristianismo fortaleceu, reviveu e deu novas caras a magia, principalmente em seu âmbito
cerimonial e astral. Posteriormente veremos como isso afetou o desenvolvimento da magia
moderna

1 DO FRÂNCES GRIMOIRE QUE SIGNIFICA GRAMÁTICA


Magia Moderna
Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!

Influenciada pela base cerimonial da Idade Média e do Renascimento, aliado aos


ideais iluministas que surgiam no século XVIII, os movimentos iniciáticos tomaram o
mundo da magia atuando cada vez mais com ordens, graus místicos e administrativos e
diversos mistérios hieráticos. Com a nova formação desse mundo diversos ocultistas
como Eliphas Levi, Papus, Franz Bardon e McGregor Matthers formaram pensamentos
que iriam revolucionar o mundo mágico.
Surgida a partir dos mesmo ideais iluministas, na Inglaterra do Século XVIII, nascia
uma importante ordem, com filosofia singular, a Maçonaria Especulativa. Tal ordem, baseada
no humanismo, racionalismo, empirismo, etc.. influenciou em diversas ramificações como a
Hermetic Order of Golden Dawn, formada por diversos ocultistas e entre eles Samuel Lidell
McGregor Matthers. Tal ordem, teve forte influência maçônica, se concentrando
principalmente nos estudos da Cabalá Hermética, Gnosticismo e Alquimia, se concentrando
principalmente nos sistemas Salomônicos, Magia Enochiana e Magia de Abramelin. Além
disso, o mago McGregor Matthers – juntamente com seu aluno Crowley – foram os principais
responsáveis pela tradução das Clavículas de Salomão e A Magia Sagrada de Abramelin.
Outrossim, sofreram também diversos encontros com as cosmovisão kardecista e Teosofista
de Madame Blavatsky, sendo o contato com os mestres secretos uma importante chave para o
estudante adentrar nos círculos internos. Desse modo, pode-se observar que a magia moderna
se encaminhou para um meio muito mais idealista, em contraste com a magia medieval.
Nascido na Golden Dawn, o mago Aleister Crowley se desenvolveu na ordem e na
filosofia budista. Posteriormente, por diversas brigas, ele e o fundador McGregor Matthers
foram expulsos e fundaram suas próprias ordens. Contudo, Crowley, em 1904 afirma ter
contatado uma entidade chamada Aiwaz que lhe ditou o Liber Al Vel Legis, no nome dos deuses
Nuit, Hadit e Rá-Hoor-Khuit, informando sobre o fim de um ciclo de pensamento do ser
humano e de uma nova era, um Novo Aeon baseado na frase: “Faze o que tu querer, pois a de ser
o Todo da Lei” . Fortemente repreendido pela igreja e por outros magistas, Crowley nunca se
deixou desanimar, ironicamente tomando o motto de Therion, a Besta 666 do apocalipse. Tal
filosofia chamada Thelema, teve a influência principalmente do Yoga de Patanjali, além de
autores modernos como Nietsche e da psicanálise. Dessa forma, Crowley considerava seu
sistema como uma teurgia cética, pois adotava as entidades como parte da psique humana e
não como entes externo ao homem, tal visão e exposta em sua tradução do Lemegeton, onde
afirma que “os daemones são partes do cérebro humano”. Concluindo, percebe-se que
atualmente, o mundo mágico toma uma veia idealista, em contraponto dos antigos magos. Os
sistemas atuais portanto, se caracterizam como “ácidos” pois dissolvem o ego com a intenção
de revelar o íntimo, a verdadeira Vontade

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