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Abstract: The paper proposes an analysis of the relationship between Marx and
religion, seeking to escape certain reductionism, referring to the interpretation that
simplifies and generalizes certain conception of religion from some assertions of Marx.
For the author, it is necessary to understand this relationship in the context of the works
in which Marx referred to religion, more specifically, which requires distinguishing the
Marxian thought some different phases in the development of his thought and works. In
this sense, the author took as references three works representative of this development,
in which Marx referred to religion, comparing them on the basis of the dilemmas faced
by the author throughout his life. The author's thesis is that the focus of Marx's critique
of religion is based on much more, at first, the critique of idealist philosophy which
presented itself as a religion; then a critique of human alienation, understood in terms of
religious ideology; Finally, a review of the capital, which had taken the place of
divinity, such as subsuming the man inside his logic.
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O presente trabalho é a base da comunicação apresentada no III Colóquio Marx, Marxismo e Religião,
promovido pelo Grupo de Estudos Marxista – GEM-UFC, no dia 22 de maio de 2014, sediado na
Universidade Federal do Ceará – UFC.
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Professor Associado da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Mestre e Doutor em Sociologia
pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Pós-Doutor em Estudos Avançados de Cultura
Contemporânea – UFRJ.
MARX E A RELIGIÃO: PRESSUPOSTOS BÁSICOS...
Francisco Alencar Mota
Introdução
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Refiro-me aos trabalhos sobretudo de David Strauss, Bruno Bauer e Ludwig Feuerbach, abordando, em
termos gerais, a religião sob o ponto de vista histórico, como também sua natureza em termos filosófico-
antropológico.
No texto, Marx tem como objeto da crítica o próprio estado e governo alemão,
ou o que denominou de o “regime alemão”, de caráter anacrônico, em meio à
impossibilidade de se enveredar por uma mudança revolucionária do estado de coisas,
no máximo, minar os fundamentos idológicos deste estado, realizando a crítica da
filosofia alemã, nos termos como elaborados pela filosofia do Direito de Hegel, que
servia de base de sustentação ideológica, quanto ao Direito e ao Estado.
Na Crítica (2005), propriamente dita, Marx se debruça sobre a filosofia do
Direito de Hegel, que servira de base legitimadora do Estado moderno, e, mais
especificamente, o estado prussiano, para o que Marx propõe que seja realizada a crítica
do Estado real que serve de base a esta filosofia. É a crítica dos próprios fundamentos
do Estado, que se reveste de religiosidade, sendo a religião, por outro lado, a forma
como este Estado se apresenta, ou seja, universal, guardião de toda moral, e
desenvolvido. Ao contrário, para Marx, tal estado era despótico e atrasado, e a crítica do
mesmo representaria a condição para a saída da opressão e a verdadeira conquista da
emancipação humana, rompida a alienação que vivem as massas oprimidas.
É nesse sentido que se enquadra sua abordagem da religião, nos termos como
subtraímos ao próprio Marx (2005):
O homem que só encontrou o reflexo de si mesmo na realidade fantástica do
céu, onde buscava um super-homem, já não se sentirá inclinado a encontrar
somente a aparência de si próprio, o não-homem, já que aquilo que busca e
deve necessariamente buscar é a sua verdadeira realidade.
A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este
é o fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o
autosentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu.
Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo
dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade, engendram
a religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um
mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio
enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu
entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de
consolo e de justificação. É a realização fantástica da essência humana por
que a essência humana carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta
contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na
religião seu aroma espiritual.
A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o
protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de
um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o
ópio do povo.
A verdadeira felicidade do povo implica que a religião seja suprimida,
enquanto felicidade ilusória do povo. A exigência de abandonar as ilusões
sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita
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de ilusões. Por conseguinte, a crítica da religião é o germe da critica do vale
de lágrimas que a religião envolve numa auréola de santidade.
Destaque-se que nessa obra, Marx ainda não tem de forma elaborada ou
sistematizada sua teoria das classes sociais, mencionando-a apenas de forma difusa,
posto que antecede à fase em que se envolverá mais efetivamente nas lutas em prol dos
operários, razão pela qual sua abordagem da religião carece de elementos que serão
acrescidos posteriormente, embora que tinha já presente a noção de dialética, daí porque
compreenderá a “angústia” religiosa, segundo defendem vários autores, sob uma
perspectiva que podemos definir “paradoxal”, compreendendo tanto uma legitimação
das condições existentes, como também uma perspectiva de protesto contra elas.
Em Sobre A Questão Judaíca (2010), Marx nos dá mais elementos para a
compreensão da religião, importando antes, entender o contexto dessa obra, também
escrita no final de 1843, e publicada no ano seguinte, nos Anais. Marx se envolve no
problema que se convencionou chamar de “emancipação política”, reivindicada pelos
judeus alemães, em função do acentuado cristianismo do Estado para o que Bauer
respondera sugerindo aos judeus que renunciem ao judaísmo, assim como o homem, em
geral, deveria abandonar a religião a fim de obterem a emancipação política e a
cidadania.
Marx critica duramente a resposta dada por Bauer alegando que este, limitava o
critério da emancipação política unicamente à crítica da religião, transformando um
problema que, no fundo, era de outra natureza, em um problema “teológico”, o que seria
uma contradição, tendo em vista que a emancipação política não poderia ser pensada de
forma a desconsiderar o que ele denominara de “emancipação humana”. Esta seria
obtida apenas de forma integral, tendo-se o homem como uma totalidade, não apenas
sua dimensão religiosa, como um problema meamente privado, ressaltando, assim, a
contradição entre a esfera privada e a esfera coletiva, a sociedade civil e o Estado, o
interesse particular e o geral. Nesse sentido, Marx critica a concepção liberal de direitos
humanos, conforme herdada da Revolução Francesa, alegando que tal conquista não
superara de vez o “homem egoísta”. Tratava-se, portanto, para Marx, de emancipar o
homem enquanto ser genérico, emancipação do homem enquanto humano, o que
implicaria a sua sociabilidade – os homens entre si, coletivamente. (2010)
É nesse contesto que se compreende o cerne da crítica da religião em Sobre A
Questão Judaica, ou seja, sob um duplo aspecto: primeiro, a crítica à concepção do
Estado que se constitui como base e estrutura do Estado alemão e, por conseguinte, da
Europa do século XIX, em que a religião faz parte do aparato ideológico que o Estado 97
utiliza como forma de alienação; e segundo, pela religião impedir uma conscientização
política dos trabalhadores acerca dos problemas reais, rumo a um processo
revolucionário de mudança geral do estado de coisas, quando, por exemplo, projeta para
uma outra realidade, que não o mundo concreto das relações sociais, a sociedade
perfeita desejada.
Marx afirma ser a religião o “ópio do povo” e explicitará em que sentido isso se faz,
formulando o conceito de religião como ideologia, ou seja, um sistema de ideias que se
caracteriza pela representação de um mundo imaginário oposto ao mundo real de miséria em
que vive a classe dos trabalhadores. Conforme suas próprias palavras, a religião “é a realização
fantástica da essência humana porque a essência humana carece da realidade concreta”.
A religião ocupa, portanto, um papel sobretudo de obstáculo à uma tomada de
consciência pelos homens de sua verdadeira situação, fazendo com que estes passem a se preo-
cupar basicamente com um mundo alheio ao seu (o céu, o paraíso, o inferno, etc.) e deixem de
perceber a opressão e exploração pelas quais passam aqui neste mundo (terra). Ao contrário, a
percebem como vontade divina e não como fruto de um processo histórico-social.
Marx aproveita-se do que considerou ser o “egoísmo dos judeus”, alusão à
“vocação” monetária e comercial dos judeus, ao exigirem uma emancipação especial
Para Marx, a crítica e a derrota da religião não estão, pois, relacionadas a uma
questão teológica, não constitui um fim em si mesmo. Marx não se propõe à crítica da
religião pela própria crítica, mas para adentrar o seu fundamento último – o egoísmo
humano que impede uma representação mais coletiva da vida social e, particularmente,
da opressão humana. Assim, não se trata de acabar com a religião em si, mas acabar
com um modelo de sociedade que cria uma religião que obstaculiza a emancipação
humana. Não se trata de um problema teológico, mas político e social.
[...] o dinheiro é o Deus zeloso de Israel, diante do qual não pode
legitimamente prevalecer nenhum outro Deus. O dinheiro humilha todos os
deuses do homem e os converte em mercadoria, [...], o dinheiro é a essência
do trabalho e da existência do homem, alienada deste, e esta essência o
domina e é adorada por ele. O Deus dos judeus se secularizou, converteu-se
em Deus universal. A letra de câmbio é o Deus real do judeu (MARX, 2000,
p. 48).
da filosofia alemã com a realidade efetiva alemã, pela interconexão da crítica deles
com a própria circunstância material deles”.
Se propondo a isso, Marx elege como fator inovador de sua análise levar à
radicalidade “a existência de indivíduos humanos vivos”, a assertiva de que “o modo
pelo qual os homens produzem os seus meios de vida depende inicialmente da
constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser produzidos”. Inverte, pois,
o sistema do pensamento alemão de cabeça para baixo, priorizando o homem em toda a
sua extensão histórica, imerso em suas próprias cadeias produtivas, como elas se
configuram no mundo concreto, na vida prática, para, só então, subir à formação da
consciência, esta atrelada a essa condição existencial que, na forma de ideologia,
propicia ao homem pensar sua existência de forma invertida, contraditória, legitimadora
do status quo.
Ao mesmo tempo em que as formas de representação espiritual (entenda-se,
moral, jurídica, política, religiosa etc) emergem das condições mais materiais do
indivíduo concreto, possuem, em função dos poderes estabelecidos, a capacidade de
representar falsamente as condições sociais existentes no interior das relações de
produção. É-nos possível dizer, em consonância com o pensamento de Marx, que os 100
homens produzem suas ideias, mas nem sempre produzem como as querem.
Nesse sentido, a religião passa a se configurar como um modo de alienação que,
nessa obra, ganhara contornos diferenciados em relação a outras obras, como, por
exemplo, nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844. Na Ideologia Alemã a
alienação, incluindo a religiosa, é tida como força produtiva, graças à cooperação dos
indivíduos na divisão do trabalho, mostrando-se aos homens como um “poder estranho,
situado fora deles, que eles não conseguem mais dominar”, e que, na verdade, dirige a
vontade e a marcha da humanidade.
Parece-nos que, após A Ideologia Alemã, presenciamos uma relativa mudança de
foco no concerne à abordagem da religião por Marx, em termos de como vinha sendo
tratando até então. As referências à religião se darão de forma mais difusa, não mais
como uma espécie de subsistema ideológico de representação da consciência, ou de
fundamento da concepção de Estado ou mesmo do pensamento filosófico alemão; mas
como forma de existência e atuação do próprio Capital, sobretudo no que exerce sobre a
sociedade e aos indivíduos, como podemos perceber de diversos trechos dispersos em
obras como o próprio Capital.
Considerações finais
sobre o significado social dos sistemas simbólicos das religiões em particular que
analisaram. O foco da crítica de Marx era a filosofia idealista, em um primeiro
momento, que se apresentava como uma religião; mais tarde, a alienação humana,
compreendida em termos de “idolatria” religiosa; o Capital, que tomara o lugar da
divindade e subsumia o homem, e assim por diante. Marx não se debruça sobre questões
religiosas propriamente ditas, nem mesmo como filósofo ou cientista social, a despeito
de se referir vez ou outra a determinadas religiões históricas. Marx nunca analisou uma
determinada religião, em particular, daí não podermos inferir uma filosofia da religião
amparado nas referências que faz à determinada religião. Se levarmos mais adiante essa
tese, pode-se afirmar, sem qualquer desmerecimento da abordagem de Marx sobre a
religião, que os elementos que ele toma da religião são desprovidos de análise mais
profunda, muito mais próximo do senso comum do que de uma “ciência religiosa”,
propriamente dita; isso porque não era sua intenção proceder, como tentou-se abordar
no presente trabalho, uma compreensão do sistema religioso de qualquer religião,
apenas compreender o que verdadeiramente era seu objeto de análise e crítica – o
sistema de reprodução capitalista, suas característica, conteúdos, articulações,
mediações e estratégias. Tanto é que no Prefácio da Contribuição à Crítica da 103
Economia Política (, ele explicita sua abordagem do modo de produção capitalista
dizendo que alterara a ordem das coisas explicando as formas de consciência (jurídicas,
políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas) pelas contradições da vida material,
definidas em termos de conflitos existentes entre as forças produtivas sociais e as
relações de produção. Aqui, como em outros momentos, Marx explicita o objeto de sua
análise, deixa claro o que ele verdadeiramente analisara, e o fizera muito bem. Não se
trata de submeter Marx a uma crítica, propriamente dita, ao contrário, conferir justiça ao
autor, o que muitas vezes vimos ser injustiçado por compreender a religião dessa ou
daquela forma. Trata-se, na verdade, de se fazer justiça a Marx, evitar que seja julgado
por um crime que não cometera, muitas vezes denunciado pelos seus próprios discípulos
que afirma apressadamente que Marx pensa isso ou aquilo da religião.
Isso não significa que muitas experiências religiosas não estejam cumprindo o
papel que Marx revelara – submetendo pessoas inclusive de todas as classes e camadas
sociais a uma condição de humilhação, engano, subordinação incondicional, enfim
“alienação” nos termos mesmos estabelecidos por Marx, como se pode observar em
muitas experiências religiosas.
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Referências Bibliográficas
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
_______. Coleção Grandes Cientistas Sociais - Sociologia. Org Otávio Ianni. São
Paulo: Ática, 1987.
ENGELS, Friedrich. Coleção Grandes Cientistas Sociais – Política. Org. José Paulo
Netto. São Paulo: Ática, 1981.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 5a. Ed. São Paulo, Hucitec,
1986.
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