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A CRISE LATENTE DO DARWINISMO

Maurício Abdalla

Resumo: O presente artigo analisa o paradigma darwinista nas ciências biológicas a partir da pergunta sobre sua
capacidade de dar entendimento satisfatório aos novos dados advindos da bioquímica, microbiologia e genética. O
objetivo geral da análise é contribuir com a discussão acerca do estatuto das teorias científicas e o objetivo específico
é refletir sobre uma possível crise do paradigma darwinista, o que corroboraria a concepção das teorias científicas
como algo historicamente transitório e não como descobertas definitivas.
Palavras chaves: darwinismo; seleção natural; evolução; teoria sintética; endosimbiose, Michael Behe, Lynn
Margulis, Máximo Sandin.
THE LATENT CRISIS OF DARWINISM
Abstract: In this article I will be analyzing the Darwinist paradigm in the biological science, discussing its capacity
to give satisfactory understanding of the new data from biochemistry, microbiology and genetics. The general aim of
this analysis is to contribute for the debate about the statute of the scientific theories. Its specific aim is to reflect upon
a possible crisis of the Darwinist paradigm, which could corroborate the conception of scientific theories as something
historically transitory, and not as definitive discoveries.
Key-words: Darwinism; natural selection; evolution; synthetic theory; endosymbiosis; Michael Behe, Lynn Margulis,
Máximo Sandin.

INTRODUÇÃO

A questão central que desejo abordar neste artigo pode ser expressa da seguinte maneira:
Darwin será para o século XXI o que Newton foi para o século XX? Trata-se de fazer uma
investigação acerca dos limites de uma teoria científica bem estabelecida a partir de sua capacidade
de lidar com os problemas que lhe são colocados pelo próprio desenvolvimento da ciência. Como
background desta discussão está o (já velho, mas ainda atual) problema do status da ciência como
portadora de uma verdade definitiva acerca do mundo, ou como uma construção racional útil,
porém provisória, que manifesta um diálogo dinâmico entre a subjetividade humana e o mundo
natural.
Não há elementos suficientes, nos dias atuais, que nos permitam ser categóricos em uma
resposta a esta questão, mas inúmeros fatores nos municiam no debate sobre a relevância e
oportunidade de, ao menos, levantá-la. Apesar de o paradigma darwinista estar solidamente
estabelecido nas ciências biológicas, há várias mostras de que determinados campos de
investigação podem forçá-lo a um ponto de tensão do qual ou ele sairá vitorioso e robustecido ou
passará para a história como um paradigma superado. O propósito do presente artigo é mostrar
que, apesar da hegemonia conquistada pelo darwinismo, recentes investigações têm configurado
um certo clima de suspeita e insatisfação ao redor dele.
O darwinismo sempre teve opositores e sempre esteve submetido a questionamentos de
diversas ordens. Porém, os desafios atuais são substancialmente diferentes, por estarem
relacionados ao avanço do próprio conhecimento científico em níveis da realidade da vida
desconhecidos até relativamente pouco tempo e que apresentam fenômenos que desafiam a
estrutura fundamental da teoria darwinista.
2
1. ESCLARECIMENTO METODOLÓGICO ACERCA DA ABORDAGEM
Para a presente reflexão partirei da descrição de ciência exposta por Thomas Kuhn.1 Para
Kuhn, a história das ciências pode ser interpretada como o processo no qual modelos científicos
gerais – com suas hipóteses, formas de experimentação e leis (reunidos sob o conceito de
paradigma) – conquistam uma hegemonia por um determinado período de tempo, mas são
colocados à prova por anomalias que, tendo a necessária força para provocar uma crise, podem
proporcionar novas proposições, a partir das quais surge um novo paradigma hegemônico. Esse
processo de mudança de paradigma, Kuhn denomina “revolução científica”.
A despeito do que o termo “revolução” pode evocar, a idéia não é a de uma transição abrupta
e visível. Sendo a realidade composta de muito mais elementos do que pode caber em nossas
descrições, alguns de seus aspectos podem fugir ao paradigma predominante. Neste caso, ou este
aspecto se mantém como uma anomalia tolerável ou ele pode ser o estopim de uma crise. A física
do século XX nos fornece os exemplos necessários de anomalias que só foram resolvidas com o
aparecimento de uma nova e insólita descrição da natureza, a mecânica quântica. Quando uma
anomalia se torna intolerável (no caso da física, um caso emblemático foi o problema da “radiação
do corpo negro”) é necessário o surgimento de novas hipóteses, geralmente com caráter
heterodoxo. Uma delas acaba se tornando paradigmática e, posteriormente, hegemônica,
substituindo o paradigma anterior.
Sempre que se vai perscrutando a natureza e, para isso, desenvolvendo-se instrumentos
experimentais e modelos teóricos cada vez mais refinados e de maior alcance, é natural que
fenômenos novos sejam revelados. Muitas vezes descobre-se uma dimensão totalmente nova do
Universo. Seria um excesso de soberba acreditar que este novo campo ainda inexplorado tenha
que, necessariamente, submeter-se às leis da teoria vigente. A história das ciências nos sugere ser
necessário ter sempre guardado um suprimento de humildade para nos havermos com um universo
multidimensional que se recusa a limitar-se ao que sabemos sobre ele.
A transição de paradigmas nas ciências não acontece, contudo, como um gentil acordo de
cavalheiros entre os cientistas. A polêmica que acompanha uma crise de paradigma extrapola
muitas vezes o âmbito restrito das discussões científicas. Uma revolução científica é um
acontecimento histórico e invisível.2 Essa é uma observação importante para que se compreenda
o caráter histórico de uma possível crise do paradigma darwinista que será discutida aqui.
O século XX foi marcado pela débâcle da física de Newton. Sua falência como descrição
geral da natureza se deu quando se perscrutou dois níveis da realidade antes desconhecidos: o
mundo do átomo e o campo das grandes velocidades e das grandes massas. As mudanças na
concepção de natureza trazidas pela mecânica quântica e pela teoria da relatividade foram
enormes. Mas uma concepção mais profunda decorrente da cosmovisão mecânica determinista e
reducionista (com raízes em Descartes e Newton) acabou sobrevivendo a ela. A crença de Laplace
– de que todo o comportamento do universo poderia ser previsto em sua evolução temporal a partir
dos dados acerca das condições iniciais de suas partículas componentes e do conhecimento das
leis de Newton – não foi totalmente desbancada pela física quântica. Essa crença revela não uma
presunção triunfalista, mas uma concepção metacientífica segundo a qual o comportamento da
totalidade do universo e de totalidades locais é sempre um resultado da soma das características
de cada elemento desse todo, submetidos a leis conhecidas que regulam o comportamento de cada
parte. Esse reducionismo (o todo se reduz à soma das partes) conduz a um determinismo
(conhecendo-se as partes e as leis a que estão submetidas, conhece-se o todo e a sua evolução

1
KUHN, T. (1979a). Lógica da descoberta ou psicologia da pesquisa. In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A (1979).
A crítica e o desenvolvimento do conhecimento científico. São Paulo, Cultrix/Editora da USP, p. 5-32; KUHN, T.
(1979b). Reflexões sobre os meus críticos. In: idem, p. 285-343; KUHN, T. (1997), A estrutura das revoluções
científica. São Paulo, Perspectiva.
2
KUHN (1997), p. 173-181.
3
temporal). Por isso, tal concepção traz a idéia de previsibilidade em princípio, cuja concretização
dependeria apenas do conhecimento detalhado de cada parte do todo. Esse reducionismo
caracterizou também as ciências biológicas, e é manifestado principalmente na tentativa de fazer
toda a complexidade da vida decorrer da interação mecânica das suas moléculas fundamentais,
principalmente os ácidos nucléicos (DNA e RNA).
A mecânica quântica introduz um elemento de incerteza – o chamado “princípio da
incerteza” de Heisenberg – que restringe a precisão absoluta das medições e introduz um elemento
de probabilidade na mecânica. Mas trata-se de uma probabilidade totalmente controlada e expressa
em uma equação dinâmica que permite a previsão dos resultados prováveis (a equação de
Schrödinger). O determinismo expresso em termos de probabilidade se difere do determinismo
absoluto de Laplace, mas não chega a postular a imprevisibilidade geral dos fenômenos.
Mas este último baluarte do paradigma newtoniano cedeu quando novas áreas de pesquisa
foram demonstrando que o comportamento de sistemas complexos não era redutível à soma linear
das propriedades de seus elementos componentes. O “todo” desses sistemas só era suscetível a
uma abordagem que o considerasse como uma estrutura decorrente da interdependência de todos
os elementos constituintes. Em outras palavras, essa interdependência entre os componentes e o
seu comportamento conjunto, e não cada um deles considerados isoladamente, era o que poderia
levar à compreensão das propriedades da totalidade que eles compunham. Em termos
aproximativos, o que se está afirmando aqui é que o comportamento do todo não pode ser reduzido
a uma mera superposição linear dos comportamentos de suas partes.
Sistemas complexos não são passíveis de ser submetidos a um procedimento analítico
reducionista, no estilo cartesiano, pois seu comportamento emerge justamente do fato de
constituírem uma totalidade interdependente e não das propriedades de cada elemento em
particular. Essa mudança de perspectiva lança imediatamente luz sobre o estudo dos sistemas
vivos, que se comportam como sistemas complexos que, de maneira alguma, podem ser reduzidos
às propriedades de seus elementos (as moléculas orgânicas). Um dos aspectos da possível crise de
paradigma na biologia (que veremos neste artigo) está diretamente relacionado a esta reflexão
sobre a complexidade. O paradigma neodarwinista acabou conduzindo a uma abordagem
reducionista que acredita ser a vida um resultado de fenômenos localizados na molécula de DNA
submetidos a alterações ao acaso e seleção natural. Abordagens mais recentes recorrem às teorias
da complexidade para escapar das dificuldades decorrentes da análise reducionista quando
comparada aos fenômenos reais.
A partir da concepção de base apresentada acima, o presente artigo procura fazer uma análise
de alguns problemas enfrentados pela teoria darwinista na sua relação com aquilo que hoje se
conhece do funcionamento dos organismos vivos. Algumas questões orientarão a análise que
segue: as últimas décadas de investigação das ciências biológicas trazem anomalias relevantes para
a teoria darwinista? Essas anomalias podem ser incorporadas à teoria predominante ou ao menos
conviver com ela como anomalias toleráveis? Estamos testemunhando uma transição de
paradigma que destinará a Darwin o mesmo respeitoso lugar que hoje ocupa Newton?

2. A LUZ DE DARWIN

À época de Darwin, a evolução das diversas formas de vida não era um fato desconhecido.
Darwin não “descobriu” o fenômeno da evolução. Não se conhecia, porém, que tipo de
mecanismo dirigia essa evolução e porquê as espécies mudavam com o tempo e apareciam outras.
Como o estudo dos fósseis e da anatomia dos seres vivos foi revelando dados antes desconhecidos,
a idéia da imutabilidade das espécies foi sendo derrubada. Conseqüentemente, isso gerou a
necessidade de uma nova concepção científica que explicasse o mecanismo e a razão das mudanças
evolutivas. Naturalistas anteriores a Darwin, como Jean Baptiste de Lamarck e Georges Cuvier,
4
entre muitos outros, debruçaram-se sobre este desafio e buscaram explicações naturalistas para
este fenômeno. Darwin foi mais um deles. É provável que seu triunfo tenha decorrido do fato de
que as condições para sua teoria da evolução estavam já bem colocadas.
Quando digo que as condições estavam colocadas, não estou afirmando que a teoria já estava
“quase sendo descoberta” em função dos avanços da ciência. As condições a que me refiro dizem
respeito ao que se tinha de dados disponíveis mas também a um “espírito de uma época”
(Zeitgeist). O mecanismo da teoria da evolução de Darwin já existia tanto nas teorias sociais de
Malthus e Spencer quanto no liberalismo clássico. Ou seja, havia uma pré-disposição não só em
função do problema natural que se apresentava aos naturalistas, mas também uma pré-disposição
social para aquele tipo de teoria da evolução. A criação da teoria da evolução por seleção natural
foi conduzida pelo desafio posto pelo conhecimento de coisas da natureza outrora ocultas à simples
observação e incompreendidas à luz das teorias vigentes, mas carrega também a forma de
pensamento da época.
Apesar de ter feito um estrondoso sucesso, a aceitação da teoria de Darwin como paradigma
científico hegemônico não foi imediata. Dizer que isso foi apenas uma resistência com base em
dogmas religiosos é um reducionismo que despreza a influência do espírito humano no fazer
histórico da ciência. A teoria de Darwin, na sua expressão original, possui lacunas enormes e, em
seu “estado puro”, não dava conta de explicar uma série de complexidades encontradas nos
organismos (no caso as macroscópicas) e nem se adequava ao registro fóssil disponível na época
(e nem ao atual). Portanto, ela não era apenas uma doutrina que se opunha ao criacionismo
ingênuo, mas uma teoria, de início, cientificamente problemática. 3 Mas hoje, ao se falar em
darwinismo, não se pode restringi-lo aos escritos de Darwin. Mesmo com todos os problemas
apresentados por A origem das espécies (como, por exemplo, o desconhecimento do mecanismo
da hereditariedade e a inadequação ao registro fóssil), essa obra lançou as bases para um novo
paradigma que foi orientando as ciências da vida como um poderoso programa de pesquisa. O
darwinismo só triunfou como paradigma hegemônico sob a forma do neodarwinismo ou “Teoria
Sintética Moderna”. O paradigma predominante nas ciências biológicas, hoje, é o neodarwinismo
e não simplesmente as proposições originais de Darwin. Falar em darwinismo hoje é falar da
“síntese moderna”.
A estrutura central da teoria da evolução darwinista, de acordo com Gould, compõe-se de
três eixos básicos, «1. Os organismos variam, e essas variações são herdadas (pelo menos em
parte) por seus descendentes. 2. Os organismos produzem mais descendentes do que aqueles que
podem sobreviver. 3. Na média, a descendência que varia com mais intensidade em direções
favorecidas pelo meio ambiente sobreviverá e se propagará. Variações favoráveis, portanto,
crescerão na população através da seleção natural».4
O primeiro eixo introduz um aspecto não direcional na evolução dos organismos, que é
neutralizado pelo terceiro. A seleção natural burila o aspecto aleatório das mutações e as direciona.
O segundo eixo é, conforme o próprio Darwin, uma aplicação da teoria de Malthus aos animais e
vegetais, de acordo com a qual o crescimento da população não é acompanhado pelo crescimento
dos recursos disponíveis, o que torna necessário uma limitação natural que bloqueie o crescimento
populacional (epidemias, doenças ocasionadas pela fome e as guerras), ou a intervenção através
de controle de natalidade junto às populações pobres. Darwin cita Malthus duas vezes em A origem
das espécies, uma na introdução e outra no capítulo 3 (“A luta pela sobrevivência”). Em ambas

3
THUILLIER, P. (1994). De Arquimedes a Einstein: a face oculta da invenção científica, Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
p. 189-220.
4
GOULD, S.J. (1999), Darwin e os grandes enigmas da vida, São Paulo, Martins Fontes, p. 1.
5
referências, Darwin diz textualmente que sua idéia «é a doutrina de Malthus aplicada à totalidade
dos reinos animal e vegetal».5
Como conseqüência desses eixos de sua compreensão da origem das espécies, Darwin via
na natureza uma constante luta pela sobrevivência, cujos vencedores eram agraciados com a
possibilidade de ter uma prole maior. Esta idéia gerou a imagem da natureza de “rubros dentes e
garras” dos naturalistas do século XIX.. Com certeza, inspirado por Malthus, Spencer e pela teoria
econômica liberal, Darwin viu na natureza uma competição pela sobrevivência, dada a escassez
dos recursos diante do crescimento da população. 6 O darwinismo, portanto, é uma teoria que
coloca a competição como motor do desenvolvimento de espécies, pois a seleção natural acontece
não só na relação com o ambiente físico, mas também com os predadores e com indivíduos da
mesma espécie.
Darwin não possuía as informações que hoje temos acerca das mutações e dos mecanismos
da hereditariedade. A Teoria Sintética, ou neodarwinismo, atribui a causa das mutações às
mudanças aleatórias que ocorrem no código genético – ou seja, tratam-se de variações moleculares.
Esse acréscimo reforça duas outras implicações dos eixos darwinistas, o gradualismo das
mutações (as mutações não podem ser súbitas e agir através de saltos) e a ausência de um
princípio causador das mudanças (tudo ocorre pelo mais absoluto acaso; não há nenhum
princípio que cause as mutações que possa ser categorizado e tornar-se um conceito dentro da
teoria).
Mas o registro fóssil, uma das importantes bases empíricas de qualquer teoria da evolução,
não revela esse gradualismo. O que ele mostra são longos períodos de estase, onde espécies
predominam sem mutações significativas, seguidos de eventos de extinção em massa e surgimento
brusco de novas espécies. Gould & Eldredge propuseram que este padrão revela o que ocorre de
fato na evolução e chamaram o seu modelo de “equilíbrio pontuado”. 7 Mas, mesmo que neste
modelo a evolução passe por períodos de mudanças “rápidas” seguidos de longos períodos de
estase, esse “rápido” só faz sentido em termos geológicos e pode significar milhões de anos. Ainda
assim, as mutações acontecem passo a passo nos indivíduos de uma parte isolada da população
maior. Segundo Gould sua visão advoga «mudanças espasmódicas ou episódicas,
preferencialmente a um ritmo suave e gradual».8 Desta forma, adapta-se o darwinismo a uma de
suas bases empíricas conflitantes (o registro fóssil), sem macular os seus princípios fundamentais.
O problema relacionado à improbabilidade da formação de estruturas complexas ao acaso é
rechaçado pelas escalas temporais que envolvem a evolução, contada em bilhões ou centenas de
milhões de anos (o que daria, segundo alguns, tempo suficiente para coisas improváveis
acontecerem) e pelo fator de limitação da aleatoriedade representado pela seleção natural.
Decorre disso uma outra importante implicação dos eixos da teoria darwinista: o papel
exclusivo da seleção natural na manutenção das variações. Não pode haver intencionalidade
nem regras que afetem as mudanças que prevalecerão no mundo vivo. É apenas a maior aptidão
de um organismo para sobreviver em seu meio e vencer a luta pela sobrevivência que decidirá
quais variações serão mantidas através da geração de um maior número de descendentes. A
natureza faz todo o papel. Portanto, para que se chegue a formar organismos complexos a partir
de pequenas mutações aleatórias, a seleção natural é um fator imprescindível para que elas

5
DARWIN, C. (2005). A origem das espécies, São Paulo, Martin Claret, p. 66 e 126. No texto original, Darwin diz
acerca de sua proposição, tanto na introdução quanto no capítulo 3: «This is the doctrine of Malthus, applied to the
whole animal and vegetable kingdoms».
6
Além de reconhecer a aplicação da teoria de Malthus à natureza, Darwin cita Spencer 5 vezes em A origem das
espécies, nos capítulos 1, 3, 4, 9 e 15.
7
GOULD, S. J. & ELDREDGE, N. (1972), Punctuated equilibria: an alternative to phyletic gradualism. In: SCHOPF,
T. J. M. (1972.). Models in paleobiology, San Francisco, Freeman, Cooper and Co., p. 82-115; GOLD, S.J. &
ELDREDGE (1993), “Punctuated equilibrium comes of age”, Nature, 366, 223-227.
8
GOULD, S.J. (1992), A galinha e seus dentes e outras reflexões sobre história natura, Rio de janeiro, Paz e Terra,
p. 259.
6
cheguem a constituir uma nova espécie. Ela age (na teoria) como um motor do processo evolutivo.
Por isso, todo provável passo intermediário entre um ancestral simples e sua descendência mais
complexa deve apresentar alguma vantagem seletiva. Na explicação evolutiva de organismos
complexos, os passos não podem apenas ser citados como seqüenciais, mas cada um deles
tem que ser referido em sua relação com a obtenção de alguma vantagem seletiva. Se este
fator não for considerado, a explicação não preserva a teoria darwinista.
A teoria da evolução neodarwinista foi aceita como capaz de apresentar um modelo
mecanicista que possibilitava a compreensão da variedade das espécies, a razão de suas
semelhanças, as causas da diferenciação e o surgimento de novas espécies em clara descendência
de espécies diferentes, sejam atuais ou extintas. A partir dos escritos de Darwin e após a sua
coroação como paradigma (em sua versão moderna) praticamente todas as ciências da vida
passaram a ser orientadas por uma concepção evolucionista darwiniana. O paradigma darwinista
foi (e ainda é) um estrondoso sucesso entre a maioria da comunidade científica.
Comparando ao que se acumulou de dados na atualidade, podemos dizer que Darwin não
tinha a menor noção do que se passava no interior de uma célula e, naturalmente, não se poderia
esperar que sua reflexão tratasse dessa dimensão, hoje mais conhecida, da realidade natural. Mas
a pesquisa do mundo intracelular teve grandes avanços na segunda metade do século XIX e durante
todo o século XX e revelou elementos completamente desconhecidos para a ciência. O paradigma
darwinista poderá sobreviver a esse nível da realidade, ou estamos, mais uma vez, diante de um
caso em que a descoberta de novas dimensões da natureza exige a formulação de novas concepções
científicas?

3. UM NOVO MUNDO DENTRO DA CÉLULA.


A compreensão de que as células são as unidades básicas que compõem todos os seres vivos
data da primeira metade do século XIX. Embora não possamos atribuir o surgimento de uma teoria
à simples aplicação de instrumentos adequados à observação (dado que instrumentos não elaboram
teorias), não se pode negar o fato de que uma teoria celular para a composição do ser vivo apenas
surgiu quando os sucessivos refinamentos da capacidade dos microscópios revelaram dimensões
da realidade antes ignoradas.
Na segunda metade do século XIX já se aceitava que as células compunham todos os tecidos
e órgãos, tanto de animais como de vegetais, e que o desenvolvimento embrionário ocorria por
divisões celulares. No entanto, não se tinha uma idéia clara acerca de quê substância era formada
a célula e nem do tipo de interação que ocorria em seu interior. Alguns acreditavam que a matéria
de que elas eram constituídas era de natureza qualitativamente distinta da que participava da
composição dos objetos inanimados, ou que as forças que determinavam o desenvolvimento das
células e a constituição dos organismos vivos eram externas ao fenômeno. A célula, portanto, era
ainda apenas um dado, mas pouco conhecido em sua estrutura interna. Acreditava-se inclusive que
sua estrutura era mecanicamente simples, a partir da qual poderiam se revelar os segredos da
dinâmica dos organismos viventes.
Por volta da década de 40 do século XX, conhecia-se já algo mais a respeito do núcleo e
sobre algumas organelas, devido à utilização do microscópio eletrônico, mas muito pouco a
respeito da complexidade que hoje se conhece. Enquanto uns sugeriam para a célula uma dinâmica
dada pela interação de moléculas comuns, organizadas de forma peculiar, outros ainda defendiam
a ação de um princípio vital, às vezes agindo sobre uma matéria diferente das outras. O físico
Erwin Schrödinger, famoso pela equação que descreve a lei dinâmica básica da teoria quântica,
também se notabilizou por ter defendido a idéia de que a vida era basicamente constituída por
moléculas comuns, dispostas de uma forma análoga à dos cristais. 9 Embora não tenha criado a
9
SCHRÖDINGER, E. (1997), O que é vida?, São Paulo, Edunesp.
7
idéia, Schrödinger deu a ela uma forte elaboração e argumentos suficientes para induzir cientistas
a trilharem o caminho da pesquisa das dimensões moleculares da vida, esperando, com isso,
entender a “química da vida”. A coroação dessa idéia adveio dos trabalhos de James Watson e
Francis Crick, que usando métodos matemáticos e instrumentos avançados de cristalografia por
raios X, revelaram, em 1953, a forma da molécula responsável pela codificação da estrutura dos
organismos vivos, o ácido desoxirribonucléico.
Inúmeros avanços na compreensão da química da vida foram ocorrendo durante toda a
década de 60 do século XX. Algumas moléculas essenciais à vida, como as bases nitrogenadas
que compõe os nucleotídeos foram sintetizadas em experiências de laboratório, através de reações
químicas comuns. A síntese dessas bases foi sempre com rendimento muito baixo para explicar o
surgimento dos ácidos nucléicos e a origem da vida, mas contribuíram para confirmar a vinculação
dos processos orgânicos a reações químicas entre elementos conhecidos.
Entretanto, o programa de pesquisa molecular da vida foi não só revelando a estrutura das
moléculas básicas dos processos bioquímicos mas também desmontando a idéia de que a célula
era uma unidade simples. Esta é uma questão importante. Ressalta-se muito uma espécie de
desencantamento ocasionado pela revelação de que a vida é apenas um aglomerado de moléculas
funcionando de uma forma especial e constituída basicamente de seis elementos: carbono,
hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre. A matéria da vida não tinha nada de
extraordinário: o mistério estava desfeito. No entanto, tais moléculas e suas interações constituem,
no conjunto, um sistema altamente complexo e organizado, diferente de tudo o que a natureza
tenha revelado até o momento. Tamanha organização e interdependência de ação dos diferentes
componentes que constituem a estrutura celular só são comparáveis à dinâmica organizativa de
grandes empresas humanas – mesmo assim, os empreendimentos organizados humanos perdem
em termos de complexidade, interação e organização, mesmo sendo planejados por seres
conscientes. Se houve um desencantamento com relação à matéria que constitui a vida, ainda
permanece o mistério acerca da sua organização e, principalmente, da origem desta
organização.
Os que propunham que leis simples da química e da física, aplicadas localmente, explicariam
todo o funcionamento da célula pareciam desconsiderar, por seu reducionismo, o problema da
complexidade e da ordem que emergem das interações moleculares no interior das células e dos
organismos que elas compõem. O conhecimento mais profundo do funcionamento da vida, ao
mesmo tempo em que desvendou um mistério (a matéria que a constitui), surpreendeu o
conhecimento humano ao mostrar um comportamento inusitado para um aglomerado de
componentes químicos comuns (a complexa organização dessa matéria).
O caráter complexo e organizado das células é manifestado nas intrincadas e altamente
coordenadas interações entre as moléculas, que buscam manter vivo um organismo, possibilitar o
seu desenvolvimento através do metabolismo e da síntese de proteínas e permitir a sua replicação
com o mínimo de erro possível. Essa complexidade fica, na maioria das vezes, oculta nos relatos
de alguns autores que procuram dar uma explicação científica para o surgimento e evolução da
vida.
No que diz respeito à vida, relatos simples e facilmente digeríveis pelo grande público só
são possíveis quando essa complexidade é ignorada. O problema é que, sem considerá-la, a
“explicação” perde a sua capacidade elucidativa. É isso o que ocorre com a narrativa de cientistas
que buscam explicar a origem e evolução da vida sem considerar a complexidade do mundo
celular. É o que faz, por exemplo, Richard Dawkins quando tenta descrever um cenário provável
para o surgimento das primeiras células em O gene egoísta. Segundo ele, «[Alguns] replicadores
talvez tenham “descoberto” como se protegerem a si próprios, quer quimicamente, quer erguendo
uma barreira física de proteína à sua volta. Poderá ter sido assim que surgiram as primeiras
8
células vivas. Os replicadores começaram não só a existir, mas a construir invólucros, veículos
para a preservação de sua existência».10
Este tipo de narrativa evoca a idéia de que a síntese de proteínas por genes é um processo
simples e que não precisa de maiores explicações. Sabe-se, no entanto, que a síntese de proteínas
é um processo extremamente complexo. A descrição da evolução também deveria se referir a essa
complexidade, procurando explicar como ela surgiu e se desenvolveu. Entretanto, grande parte das
descrições evolucionistas, principalmente as de acesso ao grande público, usualmente utiliza
afirmações simples para relatar a possível origem das células a partir de mutações aleatórias e
seleção natural.
Uma boa parte destas explicações simplificadoras parte do gene como principal elemento da
vida, como se fosse possível entender o todo a partir desta parte fundamental. Porém, o que a
ciência mostra é que um gene não é nada especial a não ser quando inserido em uma estrutura
celular e quando interage com outras moléculas. Sem a sua inserção em um todo interagente, uma
molécula de DNA não contém nada de informativo, ou seja, ela não contém “genes”. O aspecto
informativo dos genes só é possível na descrição do observador, após a compreensão da sua
inserção em uma célula. O processo com conteúdo informativo, por exemplo, só começa com a
RNA polimerase criando um molde RNA do gene. Para que isto ocorra é necessário o
envolvimento de outras enzimas com funções de escolha, reparação do DNA, correção de erros,
etc. Não se trata de um simples processo de conversão automática de uma seqüência de letras em
outra correlata. As relações de decodificação das informações genéticas em uma célula constituem
um processo intrincado onde as enzimas envolvidas parecem “saber” o que estão fazendo ou
estarem “programadas” para fazê-lo. Isso jamais ocorreria apenas amontoando peças no decorrer
do tempo.
Há um fator que aumenta enormemente a complexidade desse processo. A maioria dos genes
(no ser humano mais de 64%) está formada por certas seqüências de bases que serão usadas na
síntese da proteína (éxons) intercalada por longos segmentos não codificadores (íntrons). Isso
torna o trabalho de identificação do gene mais complicado e, ao mesmo tempo, menos
determinista. Diferentes éxons de um mesmo gene podem ser ligados de forma diferente, o que
resulta em moléculas de RNA distintas e, conseqüentemente, a produção de proteínas diversas a
partir de um mesmo gene, processo conhecido como splicing alternativo.
A complexidade que emerge da interação molecular em organismos vivos e a
impossibilidade de uma criação por acúmulo de partes é demonstrada também no fato de que as
enzimas são proteínas e, por isso, as proteínas são, ao mesmo tempo, o produto final do processo
de síntese protéica e um componente ativo para que tal síntese ocorra. Além disso, as ligações
moleculares que formam as moléculas maiores que compõem a vida dependem de catalisadores
para se realizar. 11 Os catalisadores das moléculas que formam o RNA e o DNA são também
enzimas. As proteínas, portanto, estão no começo, no meio e no fim do processo de sua própria
produção.
Esta complexidade não é desconhecida para quem estuda as ciências da vida: «Os processos
moleculares envolvidos na síntese de proteína nas células atuais parecem insoluvelmente
complexos. Embora compreendamos a maioria desses processos, eles não apresentam um sentido
conceitual da forma que a transcrição de DNA, o reparo de DNA e a replicação de DNA o fazem.
É especialmente difícil de imaginar como a síntese de proteína evoluiu, tendo em vista que ela é
hoje realizada por um complexo sistema interligado de moléculas de proteínas e RNA».12

10
DAWKINS, R. (1989) O gene egoísta, Lisboa, Gradiva, p.53.
11
Na verdade, sabe-se que algumas delas podem, a princípio, realizar-se sem um catalisador, mas de forma
extremamente lenta e com um rendimento muito baixo, o que não permitiria a seqüência de passos necessários à
formação da vida. Cf. DE DUVE, C. (1997), Poeira vital, Rio de Janeiro, Campus, p. 32-35.
12
ALBERTS, B. et. al. (2004), Biologia molecular da célula, Porto Alegre, Artmed.
9
No entanto, ela é deixada de lado por biólogos que tentam fazer o surgimento da vida e a
complexidade da célula parecerem algo óbvio, inevitável, simples e possível de se descrever com
uma ordenação de passos hipotéticos resultantes de mutações aleatórias e seleção natural. Richard
Dawkins é um bom exemplo (mas não o único) dos que acreditam que criativas especulações
podem assumir o status de ciência apenas pelo fato de se adequarem aos princípios darwinistas,
mesmo que não se refiram a nada que se possa experimentar ou indicar materialmente a sua
possibilidade de ocorrência. Ele afirma «A teoria da evolução (...) de Darwin é satisfatória porque
nos mostra uma forma pela qual a simplicidade se poderia ter transformado em complexidade,
como átomos desordenados se poderiam agrupar em estruturas cada vez mais complexas, até
acabarem por formar pessoas. Darwin fornece-nos uma solução, a única, dentre todas as
sugeridas, aplicável à questão profunda da existência».13
Dawkins parece ver a coisa de uma forma muito simples. Mesmo para um observador de
fora da ciência, mas com razoáveis conhecimentos acerca dela, fica patente que a segurança de
Dawkins não se assenta totalmente em dados científicos. A idéia fundamental do autor de O gene
egoísta é que a unidade básica da vida é um replicador, que surgiu da tendência à estabilidade de
certos aglomerados de átomos, e que tenta, de todas as maneiras, reproduzir-se e perpetuar-se.
Dawkins afirma que o surgimento desse replicador não é nenhum mistério e, sim, resultado de
“processos físicos e químicos vulgares”. Resta saber se este “desejo” de reproduzir-se (que ele
caracteriza de “egoísta”, selfish) pode ser resultado desses processos físicos e químicos ou é um
atributo metafísico do replicador (visto que psicológico não pode ser).
Dawkins afirma com total segurança que o processo vital se inicia quando um aglomerado
de moléculas com união estável adquire a capacidade de se autocopiar, mas nada fala a respeito
do que seria necessário para esta autocópia. Depois fala da aquisição de uma membrana, sem
sequer descrever a estrutura de uma membrana funcional. Tudo parece muito óbvio e a descrição
segue uma lógica perfeitamente assimilável por qualquer leitor. No entanto, o relato de Dawkins
é não apenas especulativo, como não passa de um exercício semelhante ao de fazer ficção
científica, onde o autor só precisa falar das máquinas futurísticas que fazem tele-transporte,
superam a velocidade da luz, etc., sem precisar descrever como isso poderá acontecer. A diferença
aqui é apenas a direção temporal: a ficção de Dawkins fala de cosias que “aconteceram” no
passado, sem precisar descrever como elas puderam acontecer à luz dos conhecimentos atuais.
A sua descrição ignora o fato de que uma molécula de RNA ou de DNA não se forma sem a
presença de um catalisador. Jamais se poderia conseguir um ácido nucléico apenas pela
aglomeração fortuita de átomos, seja em qualquer condição. Na forma atual da célula, as enzimas
fazem a catálise dos ácidos nucléicos. Já foi mencionado acima o problema da circularidade deste
processo. Dawkins, no entanto, não faz menção a esta dificuldade. Para ele, os primeiros
replicadores simplesmente se formaram, sem a necessidade de proteínas. Ele pode tentar escapar
desta questão afirmando que é possível que os primeiros replicadores não fossem ácidos nucléicos,
mas um “aparentado”, e que posteriormente as “máquinas de sobrevivência” foram “apanhadas”
pelo DNA (como de fato faz na obra citada). O problema é que, além de jogar o início da vida para
uma entidade misteriosa e inexistente na atualidade, sem mencionar sequer um elemento químico
que pudesse fazer parte desse replicador ancestral, essa solução não responde ao problema da
formação do DNA ou do RNA. Isso acaba sendo tão científico quanto dizer que alguma divindade
ou força misteriosa interveio no processo: ambas as afirmações jogam o problema para entidades
que não são abordáveis pelo método científico, nem experimentalmente e nem teoricamente.
Nenhuma experiência em laboratório corrobora esta visão simplista. O químico francês
Auguste Commeyras cita a literatura especializada para ilustrar este fato: «É difícil, senão
impossível, sintetizar longos polímeros de aminoácidos (peptídeos ou proteínas) ou de ácidos

13
DAWKINS (1989), p. 43.
10
nucléicos (RNA) em solução aquosa homogênea».14 A conclusão a que se chega é que a
“simplicidade” com que Dawkins trata a questão é uma simplicidade apenas retórica, mas pouco
tem a ver com os problemas reais da química da vida.
Com o mundo descoberto dentro da célula as explicações darwinistas simplificadoras
perdem a sua capacidade elucidativa. Por isso, a aplicação da ortodoxia darwinista à origem da
vida e à sua complexidade no nível molecular tem resultado em narrativas que serviriam tanto para
organismos vivos como para máquinas construídas por seres humanos (automóveis, computadores,
aviões, etc.). A ciência não pode se contentar com isso. A insatisfação de alguns cientistas pode
ser expressa nas palavras de Margulis & Sagan: «Como um lanche açucarado que satisfaz
temporariamente nosso apetite, mas nos priva de uma alimentação mais nutritiva, o
neodarwinismo sacia nossa curiosidade intelectual com abstrações desprovidas de detalhes reais
– sejam metabólicos, bioquímicos, ecológicos ou de história natural».15
É a partir dessas questões que se coloca a pergunta sobre a crise do darwinismo. Ao meu
ver, esta é uma questão atualíssima. A despeito do incômodo que ela possa causar em inúmeros
cientistas e não obstante a defesa radical (nem sempre racional, como veremos) que vem sendo
feita da plenipotência do darwinismo, ela é ainda uma questão em aberto, sem decisão visível para
as próximas décadas, mas que merece ser debatida.

4. DARWIN NA BERLINDA

Em O gene egoísta, Dawkins faz a seguinte afirmação: «Hoje a teoria da evolução está tão
sujeita à dúvida quanto a teoria de que a Terra gira à volta do sol».16 É evidente que ele pretende
com isso dizer que a teoria da evolução (identificando-a com o darwinismo) é algo inquestionável,
e que só não a aceita quem está preso a dogmas ultrapassados de origem religiosa. Ao colocar
desta forma o status de uma teoria científica, Dawkins estabelece um conceito prévio, não
científico, que protege a teoria de qualquer debate que venha a questionar a sua validade,
caracterizando-o como negação do óbvio.
A intenção da afirmação de Dawkins é imediatamente rechaçada por quem tem da ciência
uma visão histórica. Nenhuma teoria pode ser concebida como definitiva, infalível e não sujeita a
dúvidas. No entanto, a sua frase, desde que avaliada com um certo rigor, diz, sem o querer, uma
verdade que revela bem o que pode estar se passando com a teoria darwinista da evolução. Em
primeiro lugar, Dawkins evoca uma afirmação factual, a órbita da Terra em torno do sol, e depois
a usa para fazer uma analogia com uma teoria que explica um fato. Ele confunde fato com teoria.
A teoria da evolução não é um fato. A evolução, sim, pode ser concebida como tal. Por outro
lado, o giro da Terra em torno do sol não é uma teoria, mas uma afirmação factual dentro de uma
teoria. Se admitirmos que a órbita da Terra é um fato inquestionável, o mesmo não podemos fazer
com as teorias que explicam a razão desta órbita. Na verdade, todo o esforço de Galileu foi o de
criar mecanismos teóricos que permitissem que o movimento da Terra fosse aceito como um fato,
visto que não o experimentamos na vida cotidiana. Isaac Newton foi o responsável pela síntese
teórica que fez a órbita dos planetas em torno do sol se enquadrar na concepção corrente e se tornar
uma afirmação factual. Lembremos que a teoria newtoniana foi saudada nos séculos XVIII e XIX
como a verdade definitiva e o triunfo da razão. No entanto, a teoria que explicava a órbita dos
planetas até o início do século XX não foi simplesmente posta em dúvida: em seus aspectos mais
gerais e elementares ela caiu completamente. Hoje é o conceito de gravidade de Einstein quem dá
a explicação para o mesmo “fato”.

14
ORGEL, L. apud COMMEYRAS, A. (2002), A terra, matriz da vida. In: MORIN, E. (2002) A religação dos
saberes, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, p. 87.
15
MARGULIS, L & SAGAN, D. (2002a), Acquiring genomes, New York, Basic Books, p. 103.
16
DAWKINS, R. (1989), p. 28.
11
Portanto, Dawkins acaba tendo razão, embora dizendo o que não queria. A evolução é tida
como um fato desde o século XVIII. A teoria que explica a evolução não pode ser identificada
com o fato da evolução e, por conseguinte, pode, sim, ser posta em dúvida tanto quanto o foi a
teoria que explicava o giro da Terra em torno do Sol. Mudanças teóricas não significam mudanças
naquilo que temos como fatos bem estabelecidos. Uma vez que a afirmação de que a Terra gira
em torno do sol não se constitui, por si mesma, em uma teoria, podemos fazer um pequeno
acréscimo à frase de Dawkins para iniciar a reflexão deste item: hoje a teoria da evolução está tão
sujeita à dúvida quanto [esteve] a teoria [que explicou porque] a Terra gira à volta do sol.
Essa dúvida não se refere àquela motivada por razões religiosas, que, na minha opinião,
sequer deveriam fazer parte dos debates científicos. A sujeição à dúvida a que me refiro parte de
reflexões internas à ciência. A inadequação do paradigma darwinista ao estudo da origem e da
complexidade da vida tem sido apresentada por diversos cientistas (biólogos ou não), e inúmeras
proposições têm decorrido disso. Poucos, no entanto, têm demonstrado interesse em destacar
claramente as contradições de suas reflexões com os princípios centrais do darwinismo moderno.
Outros, no entanto, salientam abertamente sua insatisfação com o paradigma neodarwinista
e fazem proposições alternativas em franca oposição aos dogmas predominantes. Tratarei aqui de
três que se colocam explicitamente contra o neodarwinismo, como é o caso do bioquímico Michael
Behe (EUA) e dos biólogos Lynn Margulis (EUA) e Máximo Sandín (Espanha). Poderia,
certamente, recorrer a outros autores que têm procurado desenvolver abordagens de maior
amplitude que a Teoria Sintética Moderna, incorporando elementos da termodinâmica, das
estruturas dissipativas de Prigogine e das decorrentes reflexões sobre sistemas complexos, auto-
organização e autopoiese. Todas essas proposições que intentam compreender teoricamente o que
os dados experimentais têm revelado se afastam ou, às vezes, se colocam em contradição com os
princípios básicos da Teoria Sintética. No entanto, nem todos os cientistas têm refletido sobre o
conflito de seus estudos com a teoria hegemônica e a “síntese” corre o risco de perder a sua
coerência interna quando simplesmente “incorpora” novas abordagens sem refletir sobre a sua
relação com os princípios gerais que a sustentam. O motivo, portanto, da escolha dos três citados
é a sua franca e aberta oposição ao paradigma predominante e o fato de seus estudos estarem bem
fundamentados e instruídos em dados científicos de grande relevância e atualidade.

4.1. A CRÍTICA DE BEHE

Michael Behe apresentou suas reflexões em um único e polêmico livro (A caixa preta de
Darwin) e em diversos artigos girando em torno do mesmo tema. Sua crítica é bem fundamentada
em análises científicas a partir de seu campo de estudo, a bioquímica, mas encontra-se
acompanhada de sua proposta de um “planejador (designer) inteligente” sendo o responsável pela
complexidade da vida. Desejo aproveitar aqui apenas a sua crítica e não aprofundar a discussão
acerca de sua proposição. 17
Suas objeções ao darwinismo não podem ser desconsideradas, pois trazem questões que, de
fato, se tornam um desafio à teoria da evolução. Diante dos questionamentos cientificamente
alicerçados de Behe (ou seja, não se trata de uma crítica fundada em razões filosóficas ou
religiosas, a despeito do que pode evocar a parte propositiva do livro), ou o darwinismo se mostra
capaz de respondê-los sem alterar os eixos fundamentais que o caracterizam como paradigma, ou
deve se conformar com sua condição de paradigma em crise – ou como um “programa de pesquisa
degenerativo”, para usar a linguagem de Lakatos. A ausência de respostas satisfatórias não

17
Aliás, em toda resposta dos darwinistas ao que Behe chamou de “desafio da bioquímica à teoria da evolução”
(subtítulo de sua obra), encontrei apenas comentários acerca de sua insólita proposição, reinando um certo silêncio no
que diz respeito às críticas bem embasadas que ele apresenta ao darwinismo.
12
representa, certamente, a vitória da proposição de Behe, mas o reconhecimento da crise do
darwinismo e da necessidade de uma nova teoria da evolução.
Contudo, até onde pude analisar, a resposta dos darwinistas a Behe variaram entre três
posições: 1) os que vociferaram contra a simples atitude de questionar a teoria darwinista sem, no
entanto, discutir os questionamentos apresentados – estes apenas lançaram as críticas de Behe ao
forno crematório das idéias criacionistas tradicionais ou recorreram a estratégias retóricas para
contestá-las; 2) Os que ignoraram totalmente a primeira parte de A caixa preta de Darwin e
limitaram-se a questionar a sua proposição do planejador inteligente – ou seja, atacaram a parte
“mais fraca”; e 3) Os que reconheceram as críticas, tentaram respondê-las, mas apenas reafirmaram
a sua crença doutrinária no darwinismo, sem apresentar novas proposições capazes de dirimir as
dúvidas decorrentes da análise de Behe. Portanto, os problemas que Behe apresentam continuam
como “anomalias” dentro do paradigma dominante.
Vejamos resumidamente quais são os problemas apontados por Behe. Primeiramente, ele
coloca o problema nos mesmos moldes de outros críticos da ortodoxia darwinista: novos campos
de fenômenos têm mostrado-se refratários a uma adequação à teoria evolucionista moderna:
«Quase um século e meio após Darwin ter apresentado sua teoria, a biologia evolutiva tem obtido
muito sucesso na explicação dos padrões de vida que vemos ao nosso redor. Para muitos, seu
triunfo é completo. A verdadeira obra da vida, porém, não acontece no nível do animal ou do
órgão completos. As partes mais importantes dos seres vivos são pequenas demais para serem
vistas. A vida é vivida nos detalhes, e cabe às moléculas se encarregarem desses detalhes. A idéia
de Darwin pode explicar cascos de cavalos, mas poderá explicar os alicerces da vida?».18
Note-se que não há, a despeito do que afirmam seus críticos, um questionamento “de
princípio” ou sobre a pertinência do darwinismo como descrição válida da realidade. No entanto,
Behe afirma que ela se limita a um nível dessa realidade. Desse ponto de vista, sua crítica
identifica-se com a reflexão sobre a crise de paradigma feita acima e não possui o caráter de um
questionamento que tem como base princípios religiosos. Os biólogos darwinistas voltaram sua
atenção ao mundo macroscópico e à evolução dos mamíferos, mas não direcionaram sua reflexão
aos alicerces da vida, que são microscópicos, moleculares.
No mundo da bioquímica, as coisas adquirem um grau de complexidade sem nenhuma
analogia possível no mundo macroscópico. Essa complexidade, para Behe, não pode ter se
formado por mutações aleatórias graduais no código genético e por seleção natural. Para sustentar
essa afirmação, ele utiliza o conceito de complexidade irredutível, querendo com isso referir-se
aos sistemas compostos de várias partes interatuantes cuja funcionalidade depende da presença e
atuação de todas as partes ao mesmo tempo. Faltando uma das partes em um sistema
irredutivelmente complexo ele é, por definição, não funcional. Um sistema irredutivelmente
complexo não pode ter fases intermediárias funcionais. Se ele for produzido por algum ser
inteligente, como no caso de uma ratoeira (exemplo que Behe utiliza), uma constituição por etapas
será mantida pela intencionalidade do produtor. Porém, em uma natureza não intencional as fases
intermediárias não-funcionais não teriam nenhuma razão para se perpetuar e esperar o acaso dotá-
las do “toque final” que permitiria disparar a sua funcionalidade, pois a natureza só seleciona
sistemas funcionais capazes de dotar o organismo de alguma vantagem na sobrevivência.19
Com base nessa premissa, ele passa a defender a idéia de que, analisados no nível
bioquímico, os principais processos que sustentam a vida (a síntese de proteínas, o sistema de
coagulação sanguínea e o sistema imunológico) e os órgãos complexos como o olho, o flagelo
bacteriano e a membrana celular, são processos e órgãos irredutivelmente complexos e, portanto,
não poderiam ser explicados por mutações aleatórias graduais mantidas pela seleção natural. Esta
sua reflexão é amparada em inúmeros dados científicos de precisão até hoje não questionada. Essa

18
BEHE, M. (1997a) A caixa preta de darwin, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p. 14.
19
BEHE, M. (1997a), p. 48.
13
é sua principal diferença com as narrativas darwinistas (como a de Dawkins referida supra) que se
sustentam mais na precisão lógica, matemática e retórica quando pretendem explicar a evolução
da complexidade bioquímica e microbiológica.
Um dos processos que Behe analisa para caracterizá-lo como irredutivelmente complexo é
o sistema de coagulação sanguínea. Este processo ocorre em forma de cascata: quando acionado
por um corte ou outro caso que provoque sangramento, desencadeia-se um conjunto de ações
efetuadas por vários tipos de proteínas e enzimas que ativam outras proteínas e enzimas e, assim,
sucessivamente, até que produzam, como resultado final, uma coagulação controlada, evitando
tanto a hemorragia quanto a ocorrência de trombose. A falta de um dos elementos dessa cascata
pode gerar hemorragia descontrolada ou trombose generalizada. Uma narrativa darwinista
imaginária poderia limitar-se a dizer que a aquisição de um precursor do sistema de coagulação,
ocasionada por uma pequena mutação aleatória no DNA ou por uma duplicação de genes, ofereceu
vantagem seletiva a um ancestral longínquo dos animais atuais e por isso foi mantida. Após isso,
sucessivas mutações ocasionais (sempre ao acaso) foram melhorando esse sistema, acrescentando-
lhe uma outra proteína, até chegar ao sistema atual.
Behe apresenta muitos motivos para não aceitar, de maneira alguma, essa narrativa. Ele gasta
12 páginas para tentar explicar, de forma simplificada, o funcionamento dessa cascata, buscando
revelar ao leitor aquilo que normalmente se oculta atrás de expressões como “um sistema mais
simples”, “o acréscimo de uma proteína”, etc. Para que se tenha, pelo menos, uma vaga idéia do
que está envolvido no processo de coagulação sanguínea é necessário conhecer os dados reais que
a bioquímica revela.
A fibrina é a proteína responsável pela formação do coágulo, mas a aquisição desta proteína
por uma mutação ao acaso não traria vantagem a um organismo pois geraria' uma coagulação
generalizada e sem controle. Por isso ela está presente no organismo na forma inativa
(fibrinogênio). O fibrinogênio precisa ser ativado pela trombina. Por razões óbvias, a trombina
também deve estar inativa (como protrombina) e ser ativada apenas quando for necessária a
coagulação. A ativação da trombina exige o fator Stuart-Prower e a acelerina. Uma outra
quantidade de proteínas é necessária para ativar o fator Stuart-Prower e este só pode ativar a
trombina na presença da acelerina. A proteína responsável pela ativação da acelerina é a trombina.
Fica evidente a circularidade do sistema, uma das características de um sistema complexo. Mas a
cascata envolve outras proteínas como o fator de Hageman, a HMK, a calicreína, a PTA, a
convertina, o fator de Christmas o fator anti-hemofílico (que é ativado pela trombina de forma
semelhante ao que acontece com a proacelerina), que atuam na ativação do fator Stuart-Prower.
É a ação de todas estas proteínas em conjunto que permite a formação do coágulo apenas na
presença de sangramento, ou seja, no único caso em que ele pode apresentar uma vantagem para
o organismo. A ausência de qualquer uma delas no sistema torna-o não-funcional. Além disso,
para que o processo de coagulação não continue até gerar uma trombose generalizada o sistema
precisa ser balanceado. Para isso, outras proteínas, agindo em conjunto, são necessárias, como a
antitrombina, a proteína C, o fator anti-hemofílico, a trombomodulina e outras.
Com a ação deste outro conjunto de proteínas, o sistema pode começar e parar na hora certa.
Caso contrário, seu início e fim seriam descontrolados e só serviriam para matar o animal. Além
disso, uma vez formado o coágulo ele precisa ser dissolvido após a cura do ferimento. Para isso,
uma outra proteína entra em ação, a plasmina, que se encontra na forma inativa (o plasminogênio).
O mecanismo exato de ativação da plasmina a partir do plasminogênio não é totalmente conhecido,
embora se saiba que ele exige um outro conjunto complexo de proteínas para se realizar. 20
Apenas quando se omite o processo real e o funcionamento complexo da totalidade é que
afirmações como “basta um conjunto de mutações que se acumulam e se mantém através da

20
ELIAS, D. O. & SOUZA, M. H. L. (2005), “Antifibrinolíticos na profilaxia do sangramento pós-perfusão”. Centro
de Estudos Alfa. http://perfline.com/cear/artigos/aprotinina.html.
14
seleção natural para gerar um sistema de coagulação mais simples, que depois se torna mais
complexo devido a outras mutações”, passam a fazer sentido. O mistério do sistema de coagulação
não está no número de proteínas envolvidas no processo, mas na interatuação e no equilíbrio
entre as funções de cada uma. Não é como surgiu a matéria do sistema, senão que a sua
organização o que se constitui em um desafio para a ciência.
Em função da interatuação das diversas proteínas, da dinâmica de cascata do sistema de
coagulação e da fina sintonia entre todos os elementos, qualquer ausência no sistema, ao invés de
apresentar uma vantagem em menores proporções, é, na verdade, letal. É isso que Behe chama de
complexidade irredutível, pois, segundo ele, não há como se pensar em um sistema de coagulação
funcional e vantajoso retirando-se uma ou mais proteínas que agem em cascata. O sistema só
funciona quando está todo montado. Mesmo sistemas mais simples devem possuir esta
característica.
Além do sistema de coagulação, Behe descreve também outros sistemas de enorme
complexidade, organização e ação conjunta. A pergunta que ele faz é: como pode este sistema ter
sido formado passo a passo, por pequenas mutações aleatórias no código genético mantidas pela
seleção natural, se sua funcionalidade exige a atuação dessas proteínas em conjunto? A
probabilidade de uma mutação conjunta ao acaso gerar um sistema complexo e funcional é, para
efeitos práticos, nula. Portanto, a partir desses dados, o darwinismo se encontra realmente em uma
difícil tarefa.
«Dizer que a evolução darwiniana não pode explicar tudo na natureza não equivale a dizer
que a evolução, a mutação aleatória e a seleção natural não ocorram. Elas foram observadas (...)
em muitas ocasiões diferentes. (...) Acredito que a prova confirma convincentemente a
ascendência comum. Mas a pergunta fundamental permanece sem resposta: o que teria levado
sistemas complexos a se formar? Ninguém jamais explicou de forma detalhada, científica, como
a mutação e a seleção natural poderiam construir as estruturas complexas, intricadas, discutidas
neste livro».21
Com base em suas reflexões, Behe ainda afirma categoricamente que «A evolução molecular
não se baseia em autoridade científica. Não há publicação na literatura científica (...) que
descreva como a evolução molecular de qualquer sistema bioquímico real, complexo, ocorreu ou
poderia ter ocorrido. Há afirmações de que tal evolução ocorreu, mas nenhuma delas com base
em experimentos ou cálculos pertinentes. Uma vez que ninguém conhece evolução molecular por
experiência direta, e também por não haver autoridade sobre a qual fundamentar alegações de
conhecimento, podemos dizer com convicção que (...) a afirmação da existência de evolução
molecular darwiniana é simplesmente bazófia.»
Uma vez apontadas as deficiências na teoria hegemônica e feitas essas afirmações tão
categóricas, é preciso analisar quais respostas foram apresentadas pelos defensores do darwinismo
que pudesse livrá-lo da acusação de paradigma em crise. Foi difícil selecionar no debate em torno
do livro de Behe as questões mais propriamente relacionadas à ciência. A maioria dos artigos que
se referem a ele apenas sustentam o debate acalorado e apaixonado entre criacionismo e
evolucionismo. Quando o debate assume esse caráter, chega-se ao ponto final de um possível
confronto frutuoso de idéias, pois cai-se na troca de rotulações. O filósofo Arthur Schopenhauer
cita essa prática como um dos estratagemas para se vencer um debate sem se ater aos conteúdos:
«Um modo rápido de eliminar ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é
reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão
só de vaga semelhança. Por exemplo: “isso é maniqueísmo”, “é arianismo”, “é pelagianismo”
(...), etc. Com isto, fazemos duas suposições: 1) que aquela afirmação é efetivamente idêntica a
essa categoria ou, ao menos, está compreendida nela e estamos dizendo: “ah, isto nós já

21
BEHE, M. (1997a), p.179.
15
sabemos!”; e 2) que esta categoria já está de toda refutada e não pode conter nenhuma palavra
verdadeira».22
De fato, Behe, ao propor o planejador inteligente, se aproxima muito das idéias criacionistas.
Mas o que deve estar em questão em um debate digno de ser chamado de científico são as suas
críticas ao darwinismo que, no caso, se limitam a críticas científicas. Para reafirmar a capacidade
do darwinismo, essas críticas precisam ser rebatidas. Pesquisei, até onde me foi possível, as
publicações de caráter científico que se referiam diretamente aos questionamentos de Behe, e o
resultado foi surpreendente. O debate limitou-se a considerações ideológicas, discussão não
racional, troca de acusações e até manipulação de dados científicos. Os poucos artigos que
procuravam tratar o problema no nível científico repetiam os problemas e as anomalias apontadas
por Behe.23
A revista Boston Review, do Massachussets Institute of Technology (MIT), dedicou uma
parte de um número para a discussão dos problemas levantados pelo livro de Michael Behe (Vol.
22, n.1, feb/mar, 1997). Nele, autores como Allen Orr, Russel Dolittle, Jerry Coyne, Richard
Dawkins e Douglas Futuyma, procuram analisar as críticas levantadas por A caixa preta de
Darwin.
O artigo de Jerry Coyne é repleto de adjetivos, a começar pelo título: More crank science.24
Coyne refere-se aos “antievolucionistas acadêmicos” (colocando nessa categoria todos os
cientistas não-darwinistas) com o termo pejorativo “gadfly” (pessoa irritante, chata) e diz que o
que Behe faz «não é ciência», que o editor do seu livro «procurou lucro e não exatidão», que Behe
pretende ser um gênio como Einstein e Newton, etc. Mas a resposta de Coyne é apenas um
conjunto de afirmações sem indicação de fontes científicas que possam corroborá-las, mesmo que
essas afirmações tenham sido, mais de uma vez, negadas com argumentos por Behe. Dizer que as
vias metabólicas descritas por Behe podem ter uma explicação darwinista não é suficiente. É
preciso dizer qual explicação, ou ao menos onde podemos encontrá-la.
Quando se refere ao conceito de complexidade irredutível dos sistemas bioquímicos, Coyne
recorre à teoria de Karl Popper, dizendo que «A teoria de Behe sobre a complexidade bioquímica
não é científica porque é intestável: não há observação ou experimento que possa refutá-la». O
curioso é que Popper fez essa mesma observação, porém com respeito ao darwinismo, 25 embora
ele não negasse o seu valor para a ciência: «Cheguei à conclusão de que o darwinismo não é uma
teoria científica passível de prova, mas um programa de pesquisa metafísica – um possível sistema
de referência para teorias científicas comprováveis. (...) [O darwinismo] é metafísico por não ser
suscetível de prova. (...) Importa, pois, mostrar que o darwinismo não é uma teoria científica, mas
metafísica».26
Se Coyne aplicasse o mesmo critério popperiano de cientificidade ao darwinismo, ele
certamente não o usaria para contestar a tese da complexidade irredutível. O mesmo tom e a mesma
base argumentativa aparece em uma resenha de Coyne sobre o livro de Behe para a revista Nature.
Seguindo o estratagema descrito por Schopenhauer ele escreve: «A meta dos criacionistas sempre
foi substituir o ensino da evolução pela narrativa fornecida pelos primeiros onze capítulos do
Gênesis. Quando a Justiça frustrou seus esforços, os criacionistas tentaram uma nova estratégia:

22
SCHOPENHAUER, A. (1997), Como vencer um debate sem precisar ter razão, Rio de Janeiro, Topbooks, p. 174.
23
Cito na bibliografia apenas as publicações que serviram de referência direta para este artigo. O resultado completo
da busca não foi referenciado aqui, dado o fato de que muitos deles não traziam questões que exigissem uma análise
mais detalhada. Há também uma enorme quantidade de documentos na Internet que tratam a questão colocando-a no
meio da disputa simplista entre “criacionistas” e “evolucionistas”. Não me detive em nenhum desses documentos, por
não considerar que o problema é de ordem ideológica ou teológica.
24
Crank, na gíria estadunidense, significa “exêntrico”, “esquisito”.
25
E o próprio filósofo esclarece que quando fala em darwinismo ele se refere à síntese moderna, ou seja, ao
neodarwinismo.
26
POPPER, K. (1986), Autobiografia intelectual, São Paulo, Cultrix, p. 177, 180, 181
16
disfarçarem-se sob o manto da ciência. (...) A alternativa científica de Behe à evolução vem a ser,
no final das contas, uma confusa e intestável miscelânea de idéias contraditórias».27
Note-se aqui uma sutileza que é uma poderosa estratégia para desmontar a tese adversária.
Não se pode afirmar se fruto de uma confusão ou de deliberada malícia, mas a identificação da
evolução (afirmação factual, amplamente registrada) com a teoria darwinista da evolução é uma
ação recorrente – diversos cientistas que pesquisei acusam Behe de negar a evolução e baseiam
seus argumentos nessa acusação. Na citação acima, Coyne fala de uma “alternativa de Behe à
evolução” e não à teoria darwinista. Mas a verdade é que Behe não nega o fato da evolução (ver
citação acima), mas a sua explicação pela teoria darwinista. Insistir que Behe nega um fato e não
um paradigma ou é um estratagema para vencer o debate ou mostra que há algum problema com
a capacidade de interpretação e raciocínio de grandes figuras da biologia contemporânea.
Mas qual é a resposta de Coyne às críticas de Behe, baseada na teoria darwinista? Uma é
que, de fato, as vias metabólicas descritas por Behe são «assustadoramente complexas» e que
talvez nós sejamos «eternamente incapazes de imaginar» o caminho de sua evolução. Mas, diz
Coyne, o fato de não podermos imaginar tal via evolutiva não significa que ela não tenha existido.
«Nós enfrentamos não só a carência de dados, mas também o terrível fato de que nós mesmos
somos criaturas evoluídas com limites de cognição e imaginação». Esta humildade e
reconhecimento de limites para explicar a evolução de sistemas complexos a partir do darwinismo
tradicional não deveriam se repetir também nas suas críticas? Sobre quais evidências científicas
baseia Coyne a virulência de seu ataque? Nos artigos aqui referidos ele não apresenta nenhuma e
nem faz referências a publicações em que possamos encontrá-las. É apenas uma reafirmação de
crença nos princípios de seu paradigma.
Contudo, argumentando dessa forma tão agressiva quanto fraca, ele fornece munição até
para os criacionistas, que podem também dizer: “o fato de não termos evidências do Criador e nem
podermos explicar como Ele agiu no mundo, não significa que ele não tenha agido.” Como
afirmação teológica ou de fé, ela é perfeitamente cabível, mas como ciência, não é adequada.
A outra forma de argumentação de Coyne é dizer que os sistemas complexos (como o
sistema de coagulação sanguínea) não foram evoluindo passo a passo, por adição gradativa das
proteínas que os compõem. As proteínas envolvidas nesses sistemas poderiam atuar antes em
outras funções (por isso foram mantidas) e depois foram “cooptadas” por eles. Essas proteínas já
existentes teriam formado, de repente, um sistema integrado com inúmeras proteínas que se
desenvolveram paralelamente cumprindo outras funções.
Esse argumento é também utilizado, em outra publicação, pelo biólogo David Ussery e pelo
biotecnólogo Richard Thornhill.28 Segundo eles, há quatro tipos de caminhos de acessibilidade
para uma explicação darwiniana da evolução: 1) Evolução serial direta: a que ocorre pelo acúmulo
de pequenos passos; 2) Evolução paralela direta: modificações paralelas que ocorrem em dois
componentes que adquirem juntos uma funcionalidade vantajosa; eles dão o exemplo da retina e
da cavidade dos olhos. 29 3) Eliminação de redundância funcional: neste caso, quando alguns
elementos sofrem mutação e passam a ter outra função, outros que faziam parte do sistema perdem
sua utilidade e pode ser vantajoso para o sistema eliminá-los. O resultado final não pode ser

27
COYNE J. A. (1996), “God in the details: the biochemical challenge to evolution”, Nature, 383, 227-228
28
THORNHILL, R. H. & USSERY D. W. (2000), “A classification of possible routes of darwinian evolution”, The
Journal of Theoretical Biology, 203, 111-116
29
Behe aponta os problemas dessa explicação do olho, mostrando a quantidade de moléculas envolvidas no seu
funcionamento, e conclui: «Agora que a caixa preta da visão foi aberta, não é mais aceitável que uma explicação
evolutiva dessa capacidade leve em conta apenas as estruturas anatômicas de olhos completos, como fez Darwin no
século XIX (e como continuam a fazer hoje os popularizadores da evolução). Todas as etapas e estruturas anatômicas
que Darwin julgou tão simples implicam, na verdade, processos biológicos imensamente complicados que não podem
ser disfarçados por retórica» (BEHE, M. 1997a, p 25-32). Thornhill & Ussery, mesmo escrevendo quatro anos depois
de Behe ter tecido suas críticas, simplesmente ignoram seus argumentos e reafirmam a simplicidade da evolução do
olho.
17
entendido apenas pelos seus componentes atuais, sem a intermediação dos componentes
eliminados. Neste caso, os passos para a formação do sistema foram “apagados”. 4) Adoção de
função diferente: quando proteínas cumpriam outras funções e, de repente, foram cooptadas por
um outro conjunto de proteínas e passaram a constituir um novo sistema funcional.
Para Thornhill & Ussery a complexidade irredutível é apenas uma ilusão, resultado dos
caminhos 3 e 4 (Coyne faz referência ao 4). Mas quais os problemas dessas respostas? Elas não
respondem aos questionamentos de Behe e dá uma explicação darwinista para a evolução dos
sistemas complexos?
Em minha opinião, tais respostas só são satisfatórias do ponto de vista formal. Elas
preservam a lógica do darwinismo, afirmando que é possível adequar a constatação da
complexidade à perspectiva darwinista. No entanto, uma explicação científica exige mais do que
o esforço formal de se preservar uma teoria. A “forma”, em ciência natural, deve ser preenchida
com “conteúdo”, e é nesse ponto que as explicações acima se tornam insatisfatórias.
É certo que recompor todo o passado evolutivo pela via empírica direta é tarefa impossível
e, neste caso, é preciso esforço imaginativo e especulativo. Mas não é apenas a biologia evolutiva
que enfrenta este problema. A cosmologia física também lida com a evolução do universo tentando
recompor os passos que precederam e formaram o universo atual, passos que foram apagados
quase em sua totalidade. No entanto, mesmo que ela se caracterize pela especulação, o seu
formalismo é preenchido com elementos reais, sejam eles partículas elementares conhecidas,
átomos e moléculas, agindo em processos resultantes de leis conhecidas e passíveis de serem
realizados por imaginação.
Este, porém, não é o caso da explicação darwinista. O caminho 3 tem como único critério a
“imaginabilidade” e não a imaginação concreta. Ou seja, apenas se supõe um processo possível,
mas ninguém o reproduz preenchendo-o com elementos possíveis dentro de um quadro científico
imaginável e que preserve os princípios fundamentais do darwinismo. Um artigo de Keith
Robison30 é citado por Thornhill & Ussery como traçando um quadro evolutivo darwinista
provável da formação do sistema de coagulação sanguínea. Mas Robison descreve um quadro
usando incógnitas como X e Y. Porém, o que aconteceria ao organismo que adquiriu X se X fosse
a fibrina (uma proteína real e não uma incógnita)? Ou Y, se Y fosse a plasmina? Pode-se supor,
como faz Robison, que mudanças em “X” são neutras, mas a presença de fibrina ativa no sangue
não é neutra!31
Com relação ao caminho 4, descrito acima e mencionado por Coyne, enfrenta-se um
problema relacionado à probabilidade. É possível, embora difícil, imaginar o aparecimento (com
baixíssima probabilidade) de sistemas complexos altamente funcionais e equilibrados apenas
como resultado da interação repentina e fortuita de dezenas de moléculas que cumpriam antes
outra função. Mas, com isso, explicar a formação de praticamente todos os sistemas bioquímicos
complexos é quase como admitir uma intencionalidade oculta no acaso. A regularidade de um
acontecimento improvável deve indicar, em ciência, a existência de um fator causador (uma causa
natural) e não uma mera “coincidência”. Apelar para o fator tempo também não torna esse
acontecimento mais provável. Aqui se está falando em inúmeros sistemas que compõe o mundo
vivo e não apenas em um ou outro órgão. Os exemplos de mudança de função mencionados no
artigo de Thornhill & Ussery são retirados do mundo macroscópico e referem-se a estruturas
anatômicas já formadas e sistemas bem mais simples e com menos elementos. Não é o caso dos
sistemas bioquímicos complexos que envolvem dezenas de proteínas em interações coordenadas,
sincronizadas e interdependentes.

30
ROBISON, K. (1996), “Darwin's black box: irreducible complexity or irreproducible irreducibility?”
www.talkorigins.org/faqs/behe/review.html.
31
Behe responde a essas e outras críticas em BEHE, M. (2000b) “In defense of the irreducibility of the blood clotting
cascade: response to Russell Doolittle, Ken Miller and Keith Robison.”
www.arn.org/docs/behe/mb_indefenseofbloodclottingcascade.htm.
18
Em outro artigo, Ussery concorda que ainda não há uma teoria satisfatória que explique a
complexidade bioquímica, e afirma ser esta uma importante questão. 32 Ao tentar explicar a
formação dos sistemas que Behe chama de irredutivelmente complexos ele utiliza termos como
“Eu posso facilmente imaginar um cenário...” e vai listando passos virtuais na formação do flagelo
bacteriano, sem, no entanto, fazer referência à seleção natural e à complexidade desse órgão
explicada detalhadamente por Behe. 33 Conforme já afirmei, esse tipo de explicação serviria
também para automóveis, aviões e computadores. O darwinismo não é apenas uma explicação da
sucessão passo a passo de mudanças, mas também da perpetuação e direcionamento dessas
mudanças pela seleção natural.
Comentar outros artigos sobre este tema seria redundância, mas há um episódio digno de ser
narrado que pode ser um forte sintoma da crise de um paradigma. No volume mencionado da
Boston Review, o bioquímico Russel Doolittle também escreve um artigo criticando A caixa preta
de Darwin.34 Este artigo chama a atenção por citar uma pesquisa publicada na revista Cell que
colocaria abaixo o argumento da complexidade irredutível de Behe. Segundo ele, pesquisadores
mostraram que a retirada dos genes que produzem o plasminogênio em ratos provocaram
trombose, como era de se esperar. Posteriormente, os pesquisadores retiraram de outros ratos o
gene responsável pela síntese de fibrinogênio e tiveram também o esperado resultado de
complicações hemorrágicas. Depois, eles cruzaram as duas linhagens de ratos e, segundo Doolittle,
a prole com deficiência tanto de plasminogênio como de fibrinogênio era normal. A conclusão de
Doolittle é que a pesquisa prova que os argumentos de Behe em defesa da complexidade irredutível
foram derrubados, pois dois elementos fundamentais do sistema foram retirados e nada aconteceu.
Surpreendentemente, Doolittle cita equivocadamente as conclusões da pesquisa referida. Os
autores dizem, na verdade, que «Ratos deficientes em plasminogênio e fibrinogênio são
fenotipicamente indistinguíveis dos ratos deficientes em fibrinogênio. Estes dados sugerem que a
fundamental e possivelmente única função fisiológica essencial do plasminogênio é a
fibrinólise».35
Ou seja, o que a pesquisa mostra realmente é que a prole deficiente nas duas referidas
proteínas não é normal! A conclusão da pesquisa é que a ausência das duas provoca o mesmo mal
que a ausência apenas do fibrinogênio. De maneira nenhuma os autores afirmam (e nem a pesquisa
indica) que as proteínas são dispensáveis ou que os ratos deficientes nas duas são normais.
Os motivos que levaram um especialista como Doolittle a se equivocar de forma tão primária
e a citar erradamente o resultado de uma pesquisa como prova de seus argumentos não são
possíveis de ser identificados sem prejulgamentos. Mas não me parece que uma alegação de
ignorância ou engano seja a primeira hipótese. Parece ser uma comprovação da afirmação de Kuhn
de que a adesão a um paradigma não é justificada racionalmente.
Um artigo Niall Shanks e Karl H. Joplin apresenta uma análise mais equilibrada e que aponta
os verdadeiros problemas de Behe. 36 Eles tocam na questão que considero realmente científica e
filosófica, a saber, se é possível ou não uma causa natural para a formação e evolução dos
sistemas vivos complexos.
Conforme foi visto, da constatação da incapacidade de se dar uma explicação darwinista
para a evolução da vida em nível molecular, Behe concluiu pela inviabilidade de uma explicação

32
USSERY, D. (1997), “A biochemist's response to ‘the biochemical challenge to evolution’”.
www.cbs.dtu.dk/staff/dave/Behe1.html.
33
BEHE, M. (1997a), p. 77-79.
34
DOOLITTLE, R. F. (1997), “A delicate balance”, Boston Review, 22, 28-29
35
BUGGE, T. H. et. al. (1996), “Loss of fibrinogen rescues mice from the pleiotropic effects of plasminogen
deficiency”, Cell, 87, 709-719.
36
SHANKS, N. & JOPLIN, K. H. (1999), “Redundant complexity: a critical analysis of intelligent design in
biochemistry”, Philosophy of Science, 66, 268-282.
19
natural para este fenômeno, recorrendo, então, à figura de um planejador inteligente. Esta sua
conclusão não é, certamente, uma conclusão necessária do ponto de vista lógico.
Shanks & Joplin comentam: «O argumento central de Behe concentra-se em afirmar que
sistemas que satisfazem certas condições – sistemas que consistem de vários componentes chaves,
todos contribuindo para a(s) função(ões) final(is) do sistema como um todo e todos essenciais
para a realização dessas funções do sistema – não podem ser originados por processos não
intencionais, naturais. Tais sistemas requerem um planejador inteligente, sobrenatural.
Conseqüentemente, se nós pudermos formular uma explicação naturalista plausível (sem
recorrência a planejadores de qualquer tipo), para alguns sistemas que satisfaçam os critérios de
Behe, nós teremos motivos para questionar a validade geral de sua proposição.»
Os autores refletem, então, sobre a possibilidade da ciência encontrar uma explicação
naturalista para a evolução da complexidade bioquímica dos seres vivos. No entanto, suas
reflexões baseiam-se nas modernas teorias da complexidade, como a de Kauffman.37 «Em resumo,
a teoria da complexidade prediz, e os experimentos confirmam, que os sistemas irredutivelmente
complexos de Behe podem resultar do fenômeno dinâmico da auto-organização. A auto-
organização, resultante do que Kauffman chama de “order for free”, pode ser explorada com
proveito pela evolução de sistemas biológicos».38.
Kauffman, no entanto, não pode ser incluído entre os defensores da ortodoxia darwinista.
Sua teoria da complexidade não pode simplesmente ser “incorporada” à Teoria Sintética sem
prejuízo para os seus princípios, fato que o levou a sugerir que «precisamos repensar a teoria
evolucionária (...). Precisamos ver a vida de uma maneira nova e interpretar novas leis para o
seu desdobramento».39
Embora toquem na questão central do problema levantado por Behe, Shanks & Joplin não
ousaram reconhecer, no referido artigo, a insuficiência do darwinismo para responder ao “desafio
da bioquímica”. Torna-se claro que a busca por uma explicação naturalista da evolução, face às
novas descobertas das ciências biológicas, deve ser feita a partir de teorias alternativas fora da
ortodoxia darwinista hegemônica. Este parece ser o ponto central do debate em uma filosofia
das ciências biológicas.
A proposição de Behe não pode ser aceita pela ciência, por razões metodológicas e de limite
de alcance. Mas, a questão fica no ar: se não é obra de um planejador inteligente agindo
diretamente no mundo, como se originaram, se mantiveram e evoluíram os sistemas vivos,
caracterizados por estruturas extremamente complexas que não se submetem às explicações do
darwinismo? Talvez seja esse o verdadeiro desafio para quem quer fazer ciência na atualidade.

4.2. A CRÍTICA DE MARGULIS

Lynn Margulis percebeu a insuficiência e a inadequação dos princípios neodarwinistas


quando aplicados à vida no nível microbiológico. Mais do que isso, ela intuiu que, não se aplicando
ao mundo vivo elementar, esses princípios não poderiam ser aplicados à vida de um modo geral,
à sua origem e à evolução das espécies. Seu comentário crítico aos neodarwinistas é em função
daquilo que já comentei anteriormente: novos campos de investigação revelaram realidades que
não se enquadram na explicação hegemônica, em função de sua complexidade e organização.
«Geneticistas, ecologistas, microbiologistas, fisiologistas e outros habitantes de laboratório
e experimentalistas tendem a evitar a discussão sobre as implicações evolucionárias de seu

37
Cf. KAUFFMAN, S. A. (1997), “O que é vida?” Schrödinger estava certo? In: MURPHY, M. P., O’NEILL, L. A.
J. (1997) “O que é vida?” 50 anos depois: especulações sobre o futuro da biologia, São Paulo, Edunesp. p. 101-135.
38
SHANKS, N. & JOPLIN, K.H. (1999).
39
KAUFFMAN, S.A. (1997), p. 132-133.
20
trabalho. A maioria deles simplesmente não faz idéia de como a complexidade da vida evoluiu,
ou, de qualquer forma, não escrevem sobre isso».40
Para ela, os princípios consagrados do darwinismo atual servem, quando muito, para
descrever mudanças intra-específicas e para ser aplicados aos mamíferos. Estes, a propósito, junto
com outras classes de animais e plantas macroscópicos eram os principais seres vivos conhecidos
pela biologia até um certo momento da história. Não é de se surpreender que a teoria predominante
se adequasse a eles.
«No lugar dos formalismos idealizados da “moderna síntese” darwinista, os princípios
organizados para o entendimento da vida requerem um novo conhecimento de química e
metabolismo. Descobertas no interior do funcionamento das células clarificaram o modo de
evolução desde que Darwin e seus seguidores imediatos escreveram suas análises. Os resultados
da nova ciência de laboratório e de campo contradizem, ignoram ou marginalizam o formalismo
do neodarwinismo, exceto para variações dentro de populações de mamíferos e outros organismos
que se reproduzem sexualmente».41
A reflexão de Margulis segue o seguinte raciocínio. O passo principal que possibilitou a
complexidade atual e a variedade da vida foi o aparecimento do núcleo celular, evento que ela
denomina eukaryosis. Os passos seguintes, também fundamentais, porém exclusivos dos
eucariontes, foram a reprodução sexuada, a incorporação de organelas – como as mitocôndrias e
os cloroplastos – e a aquisição dos órgãos de locomoção de algumas células, os cílios. Estas foram
adquirições posteriores de uma terra habitada, durante cerca de 2 bilhões de anos, exclusivamente
por bactérias. Esses passos foram decisivos na formação dos organismos variados que constituem
os outros quatro reinos nos quais se divide a vida. 42 Conforme Margulis argumenta, tais passos
não podem ser explicados por mutações aleatórias. Suas pesquisas revelaram que diversas
organelas são fruto de um processo de simbiose: bactérias que se juntaram, intercambiaram seus
genes e, tirando proveito desta integração, acabaram decisivamente fundidas. Para ela, a própria
eukaryosis foi resultado de uma combinação simbiogênica. Esta fusão de genomas ou a aquisição
de conjuntos completos de genes por um organismo, e não as mutações aleatórias no DNA, são os
eventos capazes de explicar o surgimento de novas espécies.
A conclusão a que chega Margulis afeta dois eixos básicos do darwinismo e algumas
conclusões decorrentes deles. As grandes mutações responsáveis pela evolução não são fruto de
variações casuais que se acumulam nos organismos: «A visão corriqueira é que a vida evolui
através da mudança genética aleatória, a qual, além disso, não raro é prejudicial. As mutações
ao acaso, cegas e sem direção, são enaltecidas como a principal fonte da novidade evolutiva. Nós
(e um contingente cada vez maior de estudiosos da vida com orientação semelhante) não
concordamos totalmente. Enormes lacunas na evolução foram saltadas pela incorporação
simbiótica de componentes previamente aprimorados – componentes burilados em linhagens
separadas. A evolução não começa do zero a cada vez que surge uma nova forma de vida».43
Esta afirmação coloca em xeque também algumas conseqüências dos eixos darwinistas,
como o gradualismo das mudanças e a luta pela sobrevivência. A força evolutiva central, para
Margulis, é a simbiose, que proporciona grandes saltos na evolução através da herança de genomas
adquiridos, e não as mutações graduais da teoria darwinista predominante. Além disso, a idéia de
uma natureza exclusivamente competitiva também é relativizada, conforme observa a própria
bióloga: «(...) A fusão da reprodução vegetal com a sensibilidade e o gosto dos animais é uma

40
MARGULIS, L & SAGAN, D. (2002a), p. 37.
41
MARGULIS, L & SAGAN, D. (2002a), p. 38-39.
42
Os cinco reinos, segundo Marguilis, são Monera (que inclui todos os tipos de bactérias e as algas verde-azuladas –
que são procariontes), Protoctista (que inclui os seres unicelulares eucariontes e os pequenos multicelulares), Fungi
(todas as espécies de fungos), Plantae (plantas) e Animalia (os animais).
43
MARGULIS, L. & SAGAN, D (2002b), O que é vida?, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p. 23.
21
demonstração dos consideráveis poderes da sinergia e convergência da vida. Os seres vivos não
só competem e lutam, mas também se associam e trabalham em conjunto».44
No entanto, Margulis afirma não rejeitar o darwinismo, senão que o neodarwinismo. Ela,
por exemplo, não rejeita o papel da seleção natural, princípio que considera o único central e
adequado da teoria de Darwin. Para ela, o núcleo central da teoria de Darwin que possui validade
inquestionável é o papel da seleção natural, por isso ela reivindica-se “darwinista e não
neodarwinista” (este é o título do capítulo 1 de Acquiring genomes). Mas, se considerarmos que o
darwinismo só se estabeleceu como paradigma hegemônico a partir da síntese moderna, seus
questionamentos não deixam de representar uma crítica ao paradigma predominante. Além disso,
embora reconheça o papel da seleção natural, a proposição de Margulis parece dar a ela apenas um
papel óbvio: o de manter os organismos que são bem acoplados a seu entorno. Isso me parece
apenas o reconhecimento de uma evidência trivial: se a manutenção de um organismo vivo
depende do equilíbrio de sua estrutura interna com o meio circundante, só serão mantidos os que
estiverem com essa relação equilibrada, perecendo todos os outros que, por algum motivo, não
conseguirem atingir esse equilíbrio. A seleção natural perde o lugar de conceito teórico que explica
o mecanismo da evolução e que é responsável pela complexidade dos seres vivos e pela mudança
de espécie. Portanto, em uma análise mais acurada, a visão de Margulis atinge não só o
neodarwinismo, mas o darwinismo em si mesmo, embora ela, por razões não evidentes, não
admita tal conclusão.
Na visão hegemônica do darwinismo, o DNA é visto como o “programa” no qual estão
inscritas todas as informações acerca do desenvolvimento de um organismo e os genes são tidos
como unidades mínimas de informação desse programa. Mudanças pequenas na disposição das
bases que constituem os genes, mantidas pela seleção natural e acumuladas no tempo seriam as
responsáveis pela evolução. Margulis e outros autores rejeitam essa interpretação, sem contudo –
e obviamente – negar o papel central do DNA no armazenamento de informações sobre a
constituição dos organismos vivos. Eric D. Schneider e James J. Kay, por exemplo, atribuem aos
genes o papel de armazenamento das informações úteis geradas pelo processo de auto-organização
e não o de mecanismo gerador do desenvolvimento e variedade da vida: «[Os genes] são o
registro da auto-organização bem sucedida. Os genes não são o mecanismo do desenvolvimento;
a auto-organização é o mecanismo. (...) [O papel do gene é] agir como um banco de dados da
informação para estratégias de auto-organização que funcionam».45
Tal noção é compartilhada por Margulis & Sagan quando afirmam que «a molécula de DNA,
como discos de computador, armazenam informações evolucionárias, mas não as cria».46
Mudanças aleatórias no DNA ou induzidas artificialmente em laboratório são geralmente nocivas.
Elas, de fato, exercem um pequeno papel na saga evolucionária, mas são incapazes de explicar o
processo evolutivo como um todo.
Até aqui se falou em evolução das espécies. Mas e quanto à origem da vida? Neste aspecto,
Margulis também sustenta uma visão distinta da dos neodarwinistas, embora não seja a
elaboradora dessa concepção. Ela concebe a organização da vida como uma resposta aos
gradientes de temperatura entre a Terra e o espaço circundante, seguindo o trilho das proposições
de Schneider & Kay, que interpretam a vida a partir das leis da termodinâmica e das estruturas
dissipativas de Ilya Prigogine. 47 Isso significa que a vida não é um acontecimento casual,
acidental, improvável e sem propósito, mas um comportamento esperado da natureza a partir

44
MARGULIS, L. & SAGAN, D. (2002b), p.23.
45
SCHNEIDER, E. D. & KAY, J. J. (1997), Ordem a partir da desordem: a termodinâmica da complexidade biológica.
In: MURPHY, M. P. & O’NEILL, L. A. J. (1997), p. 198.
46
MARGULIS, L. & SAGAN, D. (2002a), p. XVI. Henri Atlan também propõe a revisão da abordagem do DNA
como programa e sugere a sua compreensão como “dados armazenados” interpretados pelo conjunto complexo
constituído pela rede de reações metabólicas do organismo – esse sim uma espécie de “programa” distribuído pelo
corpo vivo. Cf. ATLAN, H. (2002), DNA: programa ou dados? In: MORIN, E. (2002), p. 157-171.
47
MARGULIS, L. & SAGAN, D. (2002a), p.42-50; SCHNEIDER, E. D. & KAY, J. J. (1997), p. 187-201.
22
das leis conhecidas da termodinâmica. Ou seja, a estrutura organizada da vida tem um “propósito”,
tal qual o dos tornados ou dos padrões organizados que emergem na experiência das “células de
Bénard”, que são estruturas organizadas que aceleram a redução de gradientes de temperatura.
Além disso, Margulis compartilha com os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco
Varela a noção de “autopoiese”, que aplicada à origem da célula, exclui totalmente o relato
darwinista como explicação possível, embora também mantenha o papel da seleção natural no que
tange à evolução (um papel questionável, como já observei). Para Maturana e Varela, uma célula
pode ser descrita, em sua complexidade e funcionamento, como uma “máquina autopoiética”,
entendendo com isso um sistema autônomo que tem como finalidade constante o produzir-se a si
mesmo. A evolução é por eles explicada como um processo de “acoplamento estrutural” de um
sistema autopoiético às condições do ambiente, onde os organismos procuram perpetuar a sua
autopoiese adaptando a sua estrutura ao meio em que vivem. Nesse sentido, os que conseguem
manter um acoplamento estrutural dentro de mudanças no ambiente são os aptos a permanecerem
vivos. Para Maturana e Varela, não existe a sobrevivência do “mais apto”, mas simplesmente a
“sobrevivência do apto”. 48 A “competição” pela sobrevivência não faz parte da natureza, mas
apenas da descrição do observador. Os autores não negam a seleção darwiniana e afirmam que o
próprio papel atribuído por Darwin à seleção natural deve ser entendido como uma metáfora para
o acoplamento estrutural. Há, neste caso, uma mudança do foco do processo evolutivo: da seleção
natural como agente ao próprio organismo que tende a estruturar-se para manter a sua autopoiese. 49
De qualquer forma, cabe aqui o mesmo questionamento sobre o papel desempenhado pela seleção
natural como motor da evolução, junto com as mudanças aleatórias no DNA, eixos essenciais do
neodarwinismo. Acoplamento estrutural não são mudanças lentas e ao acaso e a sintonia com o
meio é apenas uma obviedade e não um princípio que pode gerar a evolução.
Já para a origem dos sistemas autopoiéticos, o darwinismo é completamente excluído. A
seleção natural só pode ser aplicada a organismos complexos “já existentes”. Embora os autores
não expressem uma rejeição ao darwinismo, é o que se pode compreender quando Varela afirma:
«A constituição de identidade de um indivíduo antecede, empírica e logicamente, o processo de
evolução».50 Ou mais claramente: «O estabelecimento de um sistema autopoiético não pode ser
um processo gradativo: o sistema autopoiético ou existe, ou não existe. De fato, seu
estabelecimento não pode ser um processo gradativo porque um sistema autopoiético é definido
como sistema (...) pela sua organização. Portanto, uma unidade topológica ou está conformada
por sua organização autopoiética e o sistema autopoiético existe e permanece, ou não há unidade
topológica, ou existe conformada de maneira diferente, e não existe um sistema autopoiético (...).
Em conseqüência, não há e nem pode haver sistemas intermediários».51
Ou seja, para o surgimento da complexidade do sistema vivo, no nível da célula (uma
complexidade formada pela interação bioquímica de moléculas específicas) o darwinismo não
oferece uma resposta, visto que esta complexidade não pode surgir gradualmente, ou por pequenas
modificações mantidas pela seleção natural.
As proposições de Margulis reforçam a idéia de que o paradigma neodarwinista chegou ao
seu limite de produtividade e as anomalias estão se tornando intoleráveis para o avanço da
compreensão da vida. Mesmo que Margulis tente dizer que o darwinismo original se preserva em

48
MATURANA, H. & VARELA, F (2001), A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana,
São Paulo, Palas Athena.
49
Segundo Maturana e Varela, o peso no papel da natureza como agente selecionador, que aparentemente instruía as
mudanças nos organismos, foi uma interpretação equivocada posterior da seleção natural. Cf. MATURANA, H. &
VARELA, F. (2001), p. 113.
50
MATURANA, H. & VARELA, F. (1997), De máquinas e seres vivos: autopoiese – a organização do vivo, Porto
Alegre, Artes Médicas, p. 47.
51
MATURANA, H. & VARELA, F. (1997), p. 88.
23
suas reflexões, é difícil perceber que papel ele pode ter em um quadro geral de uma teoria da
evolução a partir de suas proposições.
Há, como se pode notar, a necessidade de uma nova interpretação da evolução que se
contraponha ao determinismo genético do darwinismo moderno, uma vez que os conhecimentos
da biologia estão se ampliando e fugindo às possibilidades de explicação dentro da visão
dominante. O “darwinismo” de Margulis, segundo ela, não é o dos neodarwinistas. Mas, em minha
opinião, tampouco é o de Darwin. Este ficou completamente desfigurado quando a seleção natural
(único conceito sobrevivente) perdeu sua força como explicação da evolução e foi mantido como
um acessório. Se não há o “mais apto” e a competição ocorre tanto quanto a simbiose e a
cooperação, o que a natureza “seleciona”? Não sendo sobrevivência dos “mais aptos” e nem
necessariamente resultado de uma luta para sobreviver, o que resta é a afirmação da “sobrevivência
dos que sobrevivem”, dos que não são defeituosos, dos que não têm problemas na sua relação com
o meio. Seria isso capaz de gerar evolução?

4.3. A CRÍTICA DE MÁXIMO SANDÍN

Se Lynn Margulis recusa-se a abandonar o rótulo de darwinista (ainda que as conseqüências


de suas reflexões conduzam a uma posição distante do núcleo do darwinismo) e Michael Behe
propõe uma alternativa não naturalista à teoria da evolução de Darwin, Máximo Sandín rejeita
veementemente a teoria darwinista em qualquer de suas versões e, ao mesmo tempo, propõe uma
explicação naturalista alternativa para o fenômeno da evolução, sem recorrer a princípios
sobrenaturais.
O que mais caracteriza o seu trabalho é uma abundância de dados científicos e referências a
pesquisas diversas que, em sua opinião, seriam suficientes para que o darwinismo fosse
completamente abandonado. No entanto, a adesão cega ao paradigma hegemônico impede que os
biólogos percebam ou admitam a inadequação dos dados mais recentes da ciência à Teoria
Sintética. O resultado disso é a perda da base científica, factual, da biologia, sacrificada em nome
da manutenção da teoria dominante. Se, conforme foi visto acima, as tentativas de salvar o
darwinismo têm demonstrado ser mais retóricas e formais do que científicas e factuais, em função
da ausência de dados ou amparo em pesquisas reais que lhes acrescentem conteúdo, Sandín faz
reaparecer o aspecto científico do estudo sobre evolução ao amparar sua proposição em incontáveis
dados (impossíveis de serem reproduzidos aqui) e apresentar uma alternativa complexa para um
problema complexo.
A primeira e mais básica constatação de Sandín é a de que a vida é um fenômeno da mais
alta complexidade. E isso não significa simplesmente reconhecer as intrincadas relações entre
inúmeros elementos que compõe os organismos vivos, mas o fato de que só se pode falar em vida,
mesmo em sua forma mais elementar, quando todos estes elementos já estão em uma interação
coordenada e produzindo a funcionalidade do sistema. Não se trata de reconhecer a vida como
algo “complicado”, mas como um fenômeno complexo (no sentido que foi refletido no item 1
deste artigo). É o mesmo que Behe fala ao enunciar o conceito de complexidade irredutível.
A complexidade envolvida no funcionamento da vida, mesmo nas aparentemente mais
simples funções como a codificação de uma proteína por um gene, se choca com a simplicidade
das mutações lentas, graduais e ao acaso do darwinismo. Nenhum cientista que conheça o
funcionamento da célula, as relações bioquímicas entre as moléculas da vida e o enorme equilíbrio
entre as funções celulares deixa de se impressionar com a intrincada cadeia de relações que faz a
vida existir. Sandín vê nisso uma contradição entre os dados reais e a teoria que atualmente os
tenta explicar.
Os avançados estudos da genética e as descobertas surpreendentes do estudo do genoma de
diversos seres vivos vêm revelando que o funcionamento dos processos biológicos envolve muito
24
mais fatores do que a simples relação mecânica gene-proteína ou genótipo-fenótipo que caracteriza
a concepção tradicional defendida por muitos biólogos.
«Com efeito, são cada vez mais os mecanismos e processos biológicos que têm um
enquadramento difícil dentro da Teoria Sintética. Os elementos móveis, as seqüências repetidas,
os genes homeóticos, as seqüências reguladoras... Tudo isso, submetido, no nível celular, a um
complexíssimo controle de proteínas que “revisam” e “reparam” os erros de duplicação, que
controlam o correto funcionamento celular e que se auto-regulam entre si. No nível do
desenvolvimento embrionário, por campos morfogenéticos que controlam com incrível precisão o
progresso espacial e temporal da formação dos tecidos e órgãos e que são capazes de corrigir
acidentes e reconduzir o processo. E no nível orgânico, por sistemas neuro-endócrinos de
regulação que relacionam tecidos e órgãos entre si, sob a proteção de um complexo sistema
imunológico com uma surpreendente capacidade de resposta a agentes estranhos.
A grande precisão com que funciona cada um destes mecanismos e a estreita interconexão
entre todos eles, ou seja, sua qualidade de sistemas complexos, cujos elementos não podem atuar
como partes independentes, concede pouca margem de atuação aos erros aleatórios como
mecanismo da evolução. Ainda, se além disso levarmos em conta sua capacidade de auto-
reparação, tanto em nível celular como embriológico, que campo de ação resta para a Seleção
Natural para as mudanças nos organismos que impliquem realmente evolução?».52
Sandín enfrenta o desafio de interpretar esta grande quantidade de dados propondo uma
alternativa teórica completamente heterodoxa. Uma das surpresas do genoma humano é a
constatação de que grande parte de seus genes é de origem bacteriana (conforme já constata
Margulis). Conjuntos inteiros de genes bacterianos se fundiram e deixaram suas seqüências (com
pequenas modificações) no DNA humano (e de outros animais e plantas). A outra surpresa é que
uma outra parte possui origem viral. Diversas seqüências com funções importantíssimas no
desenvolvimento humano são derivadas de vírus. Segundo dados recentes citados por Sandín, 53 no
genoma do ser humano a parte codificadora de proteínas corresponde a cerca de 1,5% da totalidade
do DNA. Dessa parte, a fração que não é derivada de genes bacterianos é constituída de vírus
endógenos (vírus que se inserem no DNA e permanecem nele), que representa mais de 10%,
elementos móveis (partes que se destacam da molécula de DNA e se inserem em outro local da
mesma molécula), que representa cerca de 45%, e seqüências repetidas. Sandín atesta que os
elementos móveis e as seqüências repetidas também possuem origem viral.
Além disso, a outra parte do genoma, a não codificadora, que representa 98,5% do total,
demonstrou ter uma função reguladora e não pode mais ser interpretada como DNA “lixo”.
Isolados do “contexto” do DNA (com seqüências codificadoras e não-codificadoras), os genes não
cumprem a mesma função que quando estão inseridos na totalidade. Isso significa dizer que o que
foi interpretado como DNA “lixo” ou “egoísta” é um componente da totalidade e que cada gene
em particular só tem a sua função caso inserido nesta totalidade auto-reguladora. O genoma é um
caso de totalidade na qual a função específica de cada parte não informa sobre o funcionamento
do todo. É um sistema complexo cujas partes só podem ser entendidas em função do todo.
Esta importante parcela de 98,5% do DNA, «responsável pelo controle da expressão dos
genes codificadores de proteínas e da regulação em geral, ou seja, que exerce a função
fundamental na evolução (...) está constituído por sequências altamente repetidas como as SINE
(short interpersed elements) entre elas, as ALU (elementos repetidos específicos de primatas), as

52
SANDÍN, M. (1997), “Teoría sintética: crisis y revolución”, Arbor, 623/624, 269-303.
53
Há uma ampla referência bibliográfica acompanhando principalmente seu último artigo que remete às mais recentes
descobertas do estudo do genoma humano. Cf. SANDÍN, M. (2005) “La transformación de la evolución”, Boletín de
la Real Sociedad Española de Historia Natural, 100, 139-167 Quem desejar obter mais dados e referências pode
recorrer ao sítio do autor em: www.uam.es/personal_pdi/ciencias/msandin.
25
LINE (long interpersed elements), íntrons e elementos ultraconservados, assim como um notável
número de vírus endógenos».54
Sandín contesta a interpretação de que esta conformação do genoma possa ter sido resultado
de mutação aleatória e seleção natural. Também recusa a explicação de Dawkins que atribui aos
genes um comportamento egoísta que justificaria a presença da parte não codificadora no DNA.
Para ele, a hipótese mais razoável seria de que os vírus se inseriram (por sua capacidade de
“contaminação”) em genomas mais simples e transformaram os resultados da relação genótipo-
fenótipo. Ou seja, um determinado conjunto de genes, responsável por certos organismos com uma
determinada configuração, foi modificado por inserção de novas seqüências provindas de vírus
que conseguiram inserir-se nas células germinais ou pela ativação de genes a partir de pressões do
meio, gerando um organismo novo, diferente do anterior.
«A diferença fundamental entre ambas explicações é que a primeira [decorrente da
concepção do DNA egoísta] baseia-se em uma “hipótese” que atribui à molécula de DNA umas
capacidades onipotentes e uma condição “moralmente depreciável” já desqualificadas pelos
dados reais, ao passo que a segunda não parte de preconceitos e sim de um fato comprovado: a
capacidade dos vírus para integrar-se nos genomas».55
Portanto, para Sandín, o mecanismo fundamental da evolução não é a mutação aleatória e a
seleção natural, mas a integração de vírus em genomas já existentes. A regressão à origem do
processo nos leva às bactérias, primeira forma de vida no planeta.
Conforme referências de Sandín, as pesquisas de Radhey Gupta e William Ford Doolittle
revelam que o conjunto de genes responsáveis pela transmissão de informações genéticas e pelo
metabolismo nos eucariontes tem sua origem nos organismos procariontes: arqueobactérias e
eubactérias. Estes dados foram obtidos através do seqüenciamento genético e comparação de
eucariontes e procariontes. Sandín observa que estas pesquisas mostram, por um lado, uma
extremada conservação das funções celulares básicas, o que revela uma resistência às mutações ao
acaso, e, por outro, que as funções celulares básicas dos organismos multicelulares não foram
resultado de mutações aleatórias. Doolittle afirma que as outras funções celulares não têm uma
origem conhecida, mas deve ter havido um outro domínio de organismos capazes de transmitir
seus genes horizontalmente (como fazem as bactérias), e que hoje se encontra extinto, que
transmitiu ao núcleo dos eucariontes os genes responsáveis por essas funções. Sandín propõe que,
na verdade, não se trata de um outro domínio de seres vivos, mas que os responsáveis pela inserção
dos genes que respondem pelas outras funções celulares foram os vírus. «Atualmente, sabemos
que existe na natureza algo que não é exatamente um quarto domínio de seres vivos, que não está
extinto, mas que tem a capacidade de “transferência horizontal de genes”: os vírus».56
Sabe-se que os vírus agem introduzindo o seu material genético em uma célula e fazendo
cópias de si mesmo. Essas cópias invadem outras células podendo até produzir um efeito danoso
a todo o organismo. Este é o aspecto patológico mais conhecido dos vírus. No entanto, os vírus
também se inserem em locais específicos de um genoma de um hospedeiro e ali ficam, às vezes
sem atividade ou produzindo suas próprias proteínas. Os retrovírus entram na célula e, para poder
inserir-se no DNA do hospedeiro, criam uma cópia DNA de si mesmo (através da transcriptase
reversa) e esta cópia se insere no genoma. Como neste processo de transcrição não existe o
mecanismo de correção de erros na duplicação (como há na duplicação celular), as cópias inseridas
contêm freqüentes mutações em relação ao molde original (o retrovírus).
As seqüências virais inseridas que não exercem atividade podem ser ativadas por fatores
externos de indução de atividade conhecidos recentemente: carência ou excesso de nutrientes,
radiações e substâncias químicas estranhas à célula. Uma vez ativados, eles se destacam de sua

54
SANDÍN, M. (2005).
55
SANDÍN, M. (2005).
56
SANDÍN, M. (2004), “Sucesos excepcionales en la evolución”. www.uam.es/personal_pdi/ciencias/msandin.
26
zona de inserção, reconstituem o seu capsídio e recuperam a sua capacidade de infecção.
Seqüências de origem viral podem também se mover na molécula de DNA ou inserir cópias de si
mesmas em outras regiões do genoma (algumas são regiões “preferenciais” o que mostra que não
é um processo verdadeiramente aleatório). O resultado desta característica de inserir cópias de si
mesmo são as seqüências repetidas encontradas nos genomas, algumas com funções vitais para o
organismo como o controle do desenvolvimento embrionário e funcionamento de órgãos
importantes.57
Essas características dos vírus fazem com que eles sejam responsáveis pela inserção de novas
seqüências com conteúdo informativo no genoma e pela reorganização de genomas já existente.
Se o material genético trazido pelos vírus fosse apenas uns apêndices sem importância no genoma
ou se a reorganização provocada pela sua mobilidade, duplicação e inserção não estivesse
implicada em funções vitais, o fenômeno não teria importância a ser considerada no estudo da
evolução. No entanto, a presença massiva de seqüências virais no DNA de animais e plantas, a
função reguladora (dentro de uma totalidade complexa) e as funções específicas no
desenvolvimento embrionário e em características importantes dos organismos, fizeram Sandín
atribuir a eles não só uma grande importância na evolução da vida, mas um papel determinante.
O interesse pelo seqüenciamento de genomas nos últimos anos revelou que seqüências de
origem viral estão envolvidas de forma determinante no surgimento da placenta nos mamíferos;
em partes constituintes do cérebro, embrião, pulmão, e outras; na morfogênese; na codificação de
proteínas essenciais de organismos eucariontes (inclusive o ser humano); no sistema imunológico;
etc.58
Outro fato constatado por inúmeras experiências e observações é a influência do meio tanto
na adaptação ao seu entorno quanto na organização estrutural de um ser vivo. Não se trata de
respostas apenas fenotípicas, mas de transformações no próprio funcionamento da estrutura
genética resultantes de pressões do meio. Sandín reflete que as complexas adaptações fisiológicas
e anatômicas que se observam na natureza não foram produto de mutações aleatórias em um só
indivíduo, mas da capacidade de comunicação entre o organismo e o meio. Henri Atlan menciona
que a ciência tem documentado exemplos de respostas do DNA às condições do meio (sem
mutação em sua estrutura) que são hereditárias. Ou seja, o ambiente produz mudanças no contexto
da célula que, por sua vez, induzem a respostas diferentes do genoma. O resultado são
manifestações fenotípicas diferentes a partir de um mesmo genoma, que dependem das condições
do meio. Segundo Atlan, algumas destas respostas do DNA são suficientemente estáveis para
serem transmitidas aos descendentes. Daí sua conclusão de que o DNA não é um “programa”
genético, mas um conjunto de “dados” interpretados pela totalidade da célula em sua relação com
o ambiente através do metabolismo. 59
Sandín também menciona elementos que indicam a importância desta interação com o meio
na configuração dos organismos. Um dos exemplos possíveis de ser citados é o splicing
alternativo. Estudos comprovam que as diferentes cópias RNA resultantes de um mesmo gene
(com a conseqüente produção de proteínas diferentes a partir de uma mesma seqüência genética)
não são frutos de uma combinação ao acaso de éxons, mas envolvem um conjunto de ações
coordenadas, determinadas pelo ambiente no qual a célula está inserida. 60 Isso é muito diferente
da seleção darwinista, segundo a qual, o meio apenas trabalha com o que já está disponível através
de mutações ao acaso, mas não produz mutações como resultado de uma interação.
Com base nesses e em inúmeros outros dados documentados pelos meios científicos
reconhecidos, Sandín afirma que há dois tipos de fenômenos envolvendo a mutação e
diferenciação dos seres vivos: a adaptação e a evolução. A adaptação é um ajuste do organismo

57
SANDÍN, M. (1997).
58
SANDÍN, M. (1997; 2005).
59
ATLAN, H. (2002), DNA: programa ou dados? In: MORIN, E. (2002), p. 157-171.
60
SANDÍN, M. (2005).
27
vivo ao seu entorno, sem mudanças qualitativas para a sua estrutura característica. Evolução refere-
se a uma mudança qualitativa na própria organização estrutural desse organismo.
Segundo ele, as recentes descobertas acerca da interação entre organismo e o meio conduzem
à proposição de que a adaptação é um fenômeno do tipo lamarckiano. O meio faz com que
determinados grupos de seres vivos assumam certas características, e não as mutações ao acaso.
Mas estas adaptações não levam a mudanças de organização (evolução), por não gerar mudanças
genéticas, mas respostas diferentes às pressões ambientais. «Quanto aos ajustes a diferentes
condições ambientais (um fenômeno diferente das mudanças de organização), os sistemas de
controle e regulação da informação genética mostraram uma variada gama de mecanismos de
resposta ao ambiente, tanto epigenéticos: metilação, imprinting, RNA de interferência,
silenciamento transgênico (Mattick y Gagen, 2001; Elgin y Grewal, 2003; True et a., 2004); como
genéticos: splicing alternativo, retrogenes e retropseudogenes (Vitali, et al., 2003), transposições
e inserções de elementos móveis (Schramke y Allshire, 2003). Inclusive o desenvolvimento
embrionário responde, comprovadamente, às condições ambientais (Rutherford y Lindquist,
1998; Hall, 2003)».61
A diferenciação entre adaptação e evolução questiona a tese darwinista de que as diferenças
nos organismos são mudanças no código genético, que dotariam alguns de vantagens que seriam
selecionadas pela natureza – mudanças que se acumulariam até o surgimento de uma nova espécie.
Sandín (assim como Maturana e Varela) nega o conceito de que um organismo pode ser
classificado como “mais apto” que um outro e de que esta maior aptidão seja a razão da evolução:
«Com isso, chegamos ao conceito axial da doutrina prevalecente: o termo “mais apto” (ou em sua
versão “populacional”, a “eficácia biológica”). Os conhecimentos atuais sobre o controle da
informação genética (Herbert, 2004) nos informam de um modo incontestável que este é um
conceito espúrio. Não existem indivíduos geneticamente “mais aptos” que outros ou que tenham
uma “vantagem genética” sobre seus congêneres. E não é algo que seja suscetível a distintas
interpretações: o pool genético de uma espécie é essencialmente o mesmo (Mattick, 2004) e o
significado da variabilidade populacional é adaptativo (no sentido de resposta ao ambiente), mas
não evolutivo. (...) As diferenças em vigor, saúde, capacidade reprodutiva, etc. dos membros de
uma espécie vêm determinada fundamentalmente pelas condições ambientais em que se
desenvolvem (Hall, 2003). Os indivíduos normais, saudáveis, não são geneticamente mais ou
menos aptos e as mutações (quando não são inócuas) não concedem vantagens hereditárias, mas
patologias hereditárias porque são desorganizações produzidas por algum fator ambiental
suficientemente grave para superar os eficazes mecanismos de reparação dos genomas (Kafri et
al., 2005; Hirano, 2005)».62
Com relação à evolução, Sandín possui uma hipótese totalmente heterodoxa. Como vimos,
evolução se refere a mudanças de organização estrutural de um organismo. Este tipo de mudança,
para ele, não pode ser gradual, por ser um fenômeno extremamente coordenado que afeta
simultaneamente a todo o organismo. Esta organização é determinada em etapas muito precoces
do desenvolvimento embrionário e está pouco sujeita a mutações aleatórias. Sandín defende uma
mudança brusca de organização em determinados momentos da história da vida e advoga o termo
“transformação” para estes episódios. Portanto, para ele não há uma evolução gradual a partir de
pequenas modificações nos seres vivos, mas mudanças bruscas e episódicas na estrutura dos
organismos, que passam a caracterizar o surgimento de novas espécies.
Se a idéia é bastante fora da ortodoxia teórica da evolução, ao menos ela está em sintonia
com o registro fóssil (uma das principais bases empíricas de qualquer teoria da evolução). Sandín
utiliza os dados da paleontologia para confirmar sua hipótese de que a evolução ocorreu tal qual o
registro fóssil nos revela: mudanças bruscas, em episódios específicos e sem fases intermediárias. 63

61
SANDÍN, M. (2005).
62
SANDÍN, M. (2005).
63
SANDÍN, M. (2004).
28
Mas com um detalhe importante: estas mudanças na organização de seres vivos foram
acompanhadas por mudanças bruscas nas condições ambientais. Esta pressão do meio provoca
reações diversas nos organismos que pode gerar mudanças de caráter evolutivo.
A partir desta proposição, não haveria nenhum processo de seleção natural, pois o que surge
destes episódios de transformação, nas palavras de Sandín, “ou é viável ou não é nada”. Mais uma
vez, a seleção natural é apenas o nome a um processo trivial e lógico: se a vida depende de uma
sintonia com o meio no qual ela se realiza, ela só se manterá se houver um acoplamento da estrutura
do organismo com o meio no qual ele vive. Já comentei acima que, embora ela não reconheça isso,
o mesmo acontece com o conceito de seleção natural em Margulis. Além disso, a competição,
conceito caro ao darwinismo, deixa de ser um componente da evolução e o acaso não é mais a
razão misteriosa da complexidade da vida.64
Mas qual seria o mecanismo destas transformações? Sustentado em inúmeras pesquisas
(todas devidamente referenciadas em seus artigos), Sandín acredita que os vírus são a resposta
para o enigma da evolução. A quantidade de vírus endógenos e elementos móveis (de provável
origem viral) identificados no genoma de animais e plantas (inclusive do ser humano) leva Sandín
a concluir pelo seu papel fundamental na evolução: «[Uma] nova espécie surgiria repentinamente,
mediante uma mudança substancial (tal como se observa no registro fóssil) e comum a um
considerável número de indivíduos “infectados”, o que tornaria possível sua interfecundidade. A
Seleção Natural já não seria a “força impulsora” da evolução. Simplesmente seria o mecanismo
de eliminação dos desenhos defeituosos durante os longuíssimos períodos de estase evolutiva,
durante a qual, os indivíduos aptos (não os “mais aptos”) se reproduziriam sem maiores
problemas e com variações em aspectos não essenciais (em cuja origem, por outra parte, não se
pode descartar os “erros de cópia” dos retrovírus)».65
Em síntese, para Sandín, as bactérias seriam “a semente da vida”. Elas contribuíram com os
processo celulares básicos e que se mantém até a atualidade. A contribuição dos vírus foi trazer os
programas embrionários e os processos de regulação genética dos eucariontes. No genoma dos
seres vivos se encontram muitos vírus endógenos com sua seqüência completa e muitos outros
elementos de origem viral, com modificações em suas seqüências. Sandín afirma que todos os
genes que não são de origem bacteriana são de origem viral. Mais de 95% do genoma humano está
formado por vírus endógenos, elementos móveis e seqüências repetidas. Estes dois últimos seriam
derivados de vírus que perderam (alguns não) os genes que codificam o capsídio.
Os transpósons (elementos que mudam de localização no genoma) são derivados de vírus
DNA e os retrotranspósons (que são responsáveis pela formação das seqüências repetidas) são
derivados de retrovírus. Os genes que controlam o desenvolvimento embrionário são seqüências
repetidas, portanto, de provável origem viral.
Acreditava-se que a maior parte do genoma era inativa, pelo fato de não codificarem
proteínas. Hoje se sabe que ela tem uma função essencial para as funções celulares (além de terem
uma função reguladora elas compõem uma totalidade interagente). Mas além disso, conforme
explica Sandín, todos esses elementos de origem viral que compõem essa parte do DNA podem
também se ativar mediante agressões ambientais, radiação, deficiência ou excesso de nutrientes e
até estresse emocional (como os herpes-vírus). Estes fatos foram confirmados
experimentalmente. 66 Curiosamente, há registros de distúrbios ambientais acompanhando a
aparição de novas espécies na história da vida. Além disso, as diferenças genéticas de grandes
grupos de seres vivos que surgiram nestes episódios são caracterizadas por duplicação (em maior
ou menor escala) e reorganização genômica – características que se adaptam bem à hipótese de
Sandín, mas de difícil encaixe nas mutações lentas e ao acaso. As bactérias e os vírus, na

64
SANDÍN, M. (1997).
65
SANDÍN, M. (1997).
66
Cf. SANDÍN, M. (1997).
29
proposição de Sandín, são os componentes fundamentais da vida. Sua conversão em organismos
patógenos seria uma resposta a agressões no ecossistema que altera o equilíbrio natural.
Portanto, sua idéia é de que os vírus, por sua capacidade de “infecção”, que permite uma
transmissão horizontal de material genético, e sua capacidade de inserir-se em genomas,
permanecer inativo e recuperar sua atividade, fazer cópias de si mesmo e inseri-las em certos locais
do DNA e sua mobilidade permitem uma constante reorganização do genoma com o conseqüente
surgimento de novos organismos a partir da transformação dos já existentes. Isso explicaria a
evolução (mudanças de organização) a partir de uma nova concepção, radicalmente diferente da
concepção darwinista. E, o mais importante, completamente sustentada em dados reais e capaz de
explicar inúmeros fenômenos de difícil encaixe na simplicidade das mutações aleatórias e seleção
natural.
A proposta de Sandín possui as condições necessárias para se candidatar a paradigma. Ela
está amplamente amparada em dados da ciência e explica uma série de questões que são anomalias
no paradigma hegemônico e, ao mesmo tempo, abre um novo campo de pesquisas para a biologia.
No entanto, para aceitá-la é preciso reconhecer a completa incapacidade do darwinismo para
explicar o fenômeno da vida e substituir sua visão de mundo por outra baseada tanto nos dados
como em uma outra concepção sobre a natureza. Isso certamente não é tão simples. Conforme
afirma Kuhn (e conforme o cotidiano da ciência tem de fato demonstrado) a adesão a um
paradigma não tem motivação racional, mas é um processo de “conversão”. A despeito do que
intentou afirmar Lakatos, 67 a escolha de um programa de pesquisa não é uma escolha consciente a
partir da constatação da degenerescência de um programa anterior e da proficuidade de um outro.
A adesão ao darwinismo envolve questões também doutrinárias e ideológicas, talvez até mais do
que científicas.

CONCLUSÃO

Conforme afirmei nas partes iniciais deste artigo, a ciência é uma construção constante de
conhecimentos acerca da natureza, resultante do diálogo dinâmico entre a consciência humana e o
mundo ao seu redor. Para que este diálogo se torne inteligível e intercomunicável, estabelecemos
certos “protocolos” a partir dos quais as informações do mundo real são interpretadas e entendidas
por uma coletividade de cientistas e pela sociedade. Neste sentido, quando falamos em teoria
científica não estamos falando de “descoberta”, mas de uma síntese racional que orienta e ao
mesmo tempo se alimenta do trabalho experimental (que fornece tanto a base factual quanto o
contexto problemático que põem em movimento a ciência). A ciência é, por isso, a atividade de
interpretação (no nível conceitual) do mundo natural a partir de uma síntese teórica.
É por ser uma relação dinâmica e dialética com a natureza (e não um registro cumulativo de
fatos) que a ciência trabalha criando paradigmas, conceito introduzido na epistemologia por
Thomas Kuhn. A relação é dinâmica por estar sempre em movimento – as teorias científicas não
são estáticas – e porque pode ser alterada pelo conjunto de fatores que envolvem a produção
científica: história, interesse social, tecnologia, ampliação da base fática e “insights”
emblemáticos do gênio humano. É dialética por envolver em uma relação de determinação
reflexiva dois pólos que, sob o aspecto ontológico (ou seja, da realidade imediata de cada um), não
se reduzem um ao outro: a subjetividade humana e o comportamento em si da natureza. Estes dois
pólos se unem e, ao mesmo tempo, mantêm uma autonomia relativa no plano gnosiológico (ou
seja, do conhecimento).
Por ser dialética, a ciência necessita tanto das teorias quanto das experiências. Dados sem
teoria não formam ciência – o Renascimento, por exemplo, foi profícuo em dados, mas não criou

67
LAKATOS, I. (1979), O falseamento e a metodologia dos programas de pesquisa. In:. LAKATOS, I.; MUSGRAVE,
A. (1979). p. 109-243.
30
ciência. Também deixam de ser científicas as teorias que perdem o apoio ou o controle dos dados,
seja por carência de base factual, seja por flagrante contradição com os dados disponíveis ou por
incapacidade de explicar os fatos conhecidos.
Os fatores supracitados que põem em movimento a ciência, tornando-a dinâmica mereceriam
uma análise à parte. Mas podemos resumi-los em uma breve reflexão. A história se caracteriza
pela predominância de determinados processos civilizatórios que trazem consigo uma forma de
produção, um padrão de sociabilidade, uma ética e uma ontologia (concepção sobre o ser da
realidade) que define certas concepções gerais acerca da natureza, do universo e do ser humano.
As variações na forma concreta de existência destas concepções gerais e as divergências que
sempre se manifestam de forma não hegemônica não são suficientes para impedir que se
identifique em períodos históricos a forma geral que caracteriza a presença do ser humano no
mundo. Por isso é possível perceber os padrões manifestos na Antiguidade Clássica, nos impérios
helenístico e romano, na Idade Média e na Modernidade. Além disso, é fácil identificar a
característica de transição em certos períodos da história, como o Renascimento.
Este padrão de ser e pensar constitui uma racionalidade geral que orienta a interpretação do
mundo e, por isso, concede uma determinada configuração ao conhecimento em todas as suas
expressões: filosófica, científica, artística, religiosa e do senso comum. Portanto, a ciência sempre
está marcada por ser expressão de uma racionalidade hegemônica no nível da investigação sobre
a natureza.68 Suas teorias carregam consigo a marca da historicidade do ser humano. Por isso, ela
sempre será uma atividade histórica, justamente por ser uma atividade humana.
O interesse social 69 direciona a aplicação de verbas (públicas e, principalmente, privadas) e
o interesse da comunidade científica por certas áreas de pesquisa e contribui para a aceitação de
paradigmas. A ciência não está acima das relações de poder na sociedade, senão que, ao contrário,
sofre os efeitos desta relação. Assim como havia o patrulhamento da Rússia stalinista sobre a
produção científica que não legitimava ou que negava os princípio da doutrina oficial do Estado
soviético, há também um certo controle não estatal (e não visível) com relação aos princípios do
liberalismo e do mercado. Basta ver o que se investe em “ciência aplicada” (leia-se, que serve às
grandes corporações que dominam o mercado) e como se divulga de forma massiva, quase
doutrinária, qualquer proposição que vise transformar a competição em lei natural e apresentar as
diferenças sociais e o comportamento violento do ser humano como resultados de um
determinismo biológico.
Comentando sobre a sociobiologia, Stephen Jay Gould afirma: «O prolongado e intenso
debate em torno do determinismo biológico surgiu em função de sua mensagem política e social.
(...) O determinismo biológico sempre foi usado para defender situações sociais já existentes,
qualificando-as de biologicamente inevitáveis. Por que mais um conjunto de opiniões tão
desprovida de evidências diretas teria obtido uma cobertura tão consistente e favorável dos meios
de comunicação “estabelecidos”, através dos séculos?».70
No entanto, a quantidade de artigos científicos sobre o comportamento social dos humanos
em publicações especializadas de renome mostra que este não é um fenômeno exclusivo “da
mídia”. Artigos científicos querendo entender o altruísmo humano dentro da “lógica competitiva

68
Sobre as concepções gerais que orientaram o nascimento da ciência moderna e a vinculação da ciência com
concepções gerais de mundo (metafísicas e teológicas) que caracterizaram períodos históricos, ver THUILLIER, P.
(1994); KOYRÉ, A. (1991), Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro, Forense Universitária;
ROSSI, P. (1992), A ciência e a filosofia dos modernos, São Paulo, Edunesp; BURTT, E. A. (1991), As bases
metafísicas da ciência moderna, Brasília, Editora da UnB; e HARRÉ, R. (1988), As filosofias das ciências, Lisboa,
Edições 70.
69
Interesse social aqui não se refere aos interesses da maioria da sociedade, mas aos interesses que advêm das relações
de poder e hegemonia em uma sociedade.
70
GOULD, S. J (1999), p. 256.
31
da evolução” e submetendo-o a esta lógica podem ser encontrados em diversas publicações
importantes.71
A tecnologia possibilita um maior alcance na capacidade de “enxergar” fenômenos que antes
estavam ocultos aos sentidos humanos e, na maioria das vezes, abre um novo campo fenomênico
que força a ciência a uma adequação, produzindo um movimento nas teorias científicas e até
mesmo crises de paradigmas. Instrumentos como os radiotelescópios e os telescópios de raios-X,
o espectrômetro, o microscópio eletrônico, a cristalografia de raios-X, etc., ampliaram
significativamente o campo fenomênico com que trabalha a ciência e revelaram partes da realidade
que se ocultavam aos sentidos e que nem sempre eram previstas pelas teorias em voga.
A ampliação da base fática da ciência é resultado tanto da tecnologia como do alcance das
teorias. A matemática, por exemplo, é capaz de trazer dimensões espaciais e fenômenos virtuais
que não pertenciam ao âmbito de domínio de determinadas ciências por não serem acessados pela
imaginação humana. A função de onda na mecânica quântica e as inúmeras dimensões espaciais
da Teoria das Supercordas são exemplos desse fator.72 Além disso, teorias que antes pertenciam a
uma só área da ciência tiveram que se ampliar com a contribuição de outras em função da inter-
relação entre o campo fenomênico estudado, por exemplo a biologia com relação à química e à
física; a química com relação à física, etc. Ampliando o campo de objetos sobre o qual investigam,
as teorias também se modificam.
Os insights emblemáticos do gênio humano referem-se ao papel da inventividade e
criatividade de determinados cientistas que, com suas proposições, não raro insólitas, contribuíram
com idéias notáveis a ponto de influenciar as teorias e colocar a ciência em movimento. A história
das ciências nos fornece tantos exemplos que nos dispensa de mencioná-los.
A Teoria da Evolução de Darwin é uma teoria científica. Ela foi recebida assim pela
comunidade científica e constituiu-se em um paradigma. Como tal, está sujeita a todas os fatores
que agem sobre qualquer teoria na ciência, colocando-as em movimento e, muitas vezes,
derrubando-as. Conforme foi mencionado neste texto, o darwinismo está submetido ao seu aspecto
histórico, de interesse social, dos avanços da tecnologia e da ampliação da base fática da biologia.
Novos insights poderão também colocar a biologia em movimento e não necessariamente no
sentido de reforçar o paradigma hegemônico. A vinculação do darwinismo à racionalidade
predominante, claramente de orientação liberal, conforme afirma o próprio Darwin, é um aspecto
a ser pensado seriamente para percebermos o caráter histórico e de interesse social dessa teoria.
Através das reflexões de Behe, Margulis e Sandín, podemos ver os sérios problemas que o
darwinismo tem encontrado no campo científico. Também vimos a conotação ideológica e
doutrinária que tal teoria assumiu no ataque de seus expoentes às críticas de Behe. Isso significa
que ainda que a ciência, considerada como uma atividade humana, seja dinâmica e dialética, ela
não aparece necessariamente desta forma na cabeça dos cientistas. Isso já foi refletido
filosoficamente por Bachelard, com seu conceito de obstáculo epistemológico,73 e por Thomas
Kuhn, com sua afirmação de que a adesão a um paradigma não tem motivações racionais. 74 Mas
este risco já estava presente mesmo nas reflexões de Bacon sobre os ídolos que impedem o avanço
do conhecimento. 75

71
Ver, por exemplo, DANIELSON, P. (2002), “Competition among cooperators: altruism and reciprocity”,
Proceedings of the National Academy of Science of United States of America, 99, 7237-7243; KURZBAN, R. &
HOUSER, D. (2005), “Experiments investigating cooperative types in humans: A complement to evolutionary theory
and simulations.” Proceedings of the National Academy of Science of United States of America, 102, 1803-1807; entre
dezenas de outros.
72
Cf. GREENE, B. (2001), O universo elegante, São Paulo, Companhia das Letras.
73
BAHELARD. G. (1996). A formação do espírito científico, Rio de Janeiro, Contraponto.
74
KUHN, T. (1979a; 1979b).
75
BACON, F. (1973), Novum organum, São Paulo, Abril Cultural. A peculiaridade de Bacon, que hoje, afastados de
seu tempo, podemos julgar ingênua, é que ele acreditava ser possível livrar-se totalmente dos ídolos. A ciência, para
ele, seria uma atividade totalmente imparcial em virtude da purgação dos obstáculos da subjetividade humana.
32
É possível, portanto, suspeitarmos fortemente de que a pergunta da introdução (Darwin será
para o século XXI o que Newton foi para o século XX?) terá uma resposta afirmativa, a partir da
solidez e consistência da crítica a ele dirigida e pelo avançar da história. Mas imaginar que este
processo de crise e revolução será facilmente digerido pelos cientistas é uma enorme ingenuidade.
Às novas gerações de cientistas (especificamente no campo das ciências biológicas, mas não
excluindo outras áreas como a física e a química) está colocado o desafio de manter a cientificidade
da ciência. Isso implica em um duplo desafio, de ordem científica e filosófica: um esforço para
manter as teorias adequadas ao âmbito factual que pretendem explicar – desafio de ordem
científica – e, ao mesmo tempo, perceber a dinamicidade e dialeticidade do empreendimento
científico, deixando de tratá-lo como “descoberta” e “revelação da verdade” sobre a natureza –
desafio de ordem filosófica.
A crise do darwinismo não significa um retorno às concepções que precederam o
naturalismo, entendido como a busca de causas naturais para os fenômenos naturais. Até porque,
Darwin não responde pela paternidade deste empreendimento: vários cientistas anteriores a ele
também buscaram causas naturais para a evolução.76 O que pode estar em questão a partir da
constatação desta crise é o reducionismo, mecanicismo e determinismo que caracterizaram a
ciência moderna. Isso, no entanto, é apenas um reforço ao questionamento trazido pela física do
século XX.
O que parece estar configurando-se no cenário da ciência é uma mudança radical de foco na
investigação, fruto da constatação da complexidade estrutural da vida referida no item 3 deste
artigo. Ao invés de focalizar a estrutura molecular das partes que compõem a célula (seguindo o
reducionismo neodarwinista), as novas abordagens canalizam sua análise no comportamento
coletivo dessas partes. Em outras palavras, ao invés da matéria constituinte da vida, dá-se
importância à relação entre os elementos. É essa relação que constitui a totalidade organizada da
vida e, embora dependa da materialidade das moléculas básicas que formam os organismos vivos,
ela não se explica pelas características individuais dessas partes constituintes. Isso explica o fato
de que todo o trabalho que busca compreender a vida a partir das informações advindas das novas
descobertas no campo da bioquímica, da microbiologia e mesmo das maiores informações da
estrutura do genoma, recorrem a idéias de complexidade e auto-organização, criando as condições
para o estabelecimento de um novo paradigma.
Para aqueles que serão testemunhas do século XXI, é bastante provável que uma nova
revolução aconteça nas ciências. Desta vez, ao invés da física, a grande protagonista será a
biologia. Mudanças assim já ocorreram outras vezes na história e não significam correção de erros,
mas transição de paradigmas. Da mesma maneira que a história das ciências registra estas
revoluções, ela também nos lembra da resistência dos setores mais conservadores a esta mudança.
Os responsáveis pela Inquisição, em nome de princípios sagrados fundados no aristotelismo (mais
do que na Bíblia), cometeram atos que até hoje nos repugnam. Os homens e mulheres da ciência
de hoje (e também da filosofia) devem refletir sobre se a sua maneira de tratar a ciência e seu
apego a princípios sagrados não os farão ser lembrado como os inquisidores do século XXI. Ou se
a sua capacidade de resgatar o espírito naturalista não dogmático e de perceber a eterna
transitoriedade dos paradigmas não será um dos motores de uma nova ciência.

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76
Ver SANDÍN, M. (2002a), “Hacia una nueva Biología”, Arbor, 677, 167-218.
33
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