(Texto escrito impulsivamente – há já anos mas que creio manter actualidade,
tendo sido adaptado à actualidade – a propósito do lançamento do livro “Para uma Revolução Democrática na Justiça”, escrito pelo Professor Boaventura Sousa Santos, e da resenha das declarações que, então, prestou à Agência Lusa) Estas declarações do Sr. Professor Boaventura Sousa Santos despertaram em mim o impulso (a que cedi) de pensar e escrever o que se segue. Portugal estaria "em plena contra-revolução democrática da justiça", afirmava o Sr. Professor. Parece-me que esta afirmação deverá ser conjugada com uma outra, apontada também ao Sr. Professor: «O sociólogo concluiu que em Portugal se vive numa "democracia de baixa intensidade", em que a sociedade é "politicamente democrática, mas socialmente fascista", estando tal aspecto também presente na justiça.». Pressupõe, atrevo-me a pensar, o conceito de contra-revolução, um recuo em relação a uma prévia revolução. Sendo assim, digo eu, a contra-revolução em curso na justiça pressupõe que, algures, lá atrás, num tempo passado, ocorreu uma revolução na Justiça, aqui entendida em sentido lato (ou seja, incluindo quer a Judicatura quer o Ministério Público, quer o poder jurisdicional, stricto sensu, quer a investigação criminal). Usualmente a utilização deste conceito (“contra-revolução”) é feita por progressistas que acreditam que se está a operar um processo de desvirtuamento da conquista revolucionária. Esta minha afirmação é puramente intuitiva, podendo estar a cair na soberba da ignorância (a pior das soberbas, acredito). Mas, e ainda assim, arrisco, como outros (como outros, repito), continuar. Não me recordo de nenhuma revolução na Justiça (naquele sentido lato). Ocorreu uma revolução em Portugal – a de 25 de Abril de 1974 – que teve, naturalmente, impacto na Justiça (naquele sentido lato).
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Página 1 de 9 Acabaram, por exemplo, os tribunais plenários (de resto, e na prática, de acordo com Irene Pimentel, numa intervenção proferida no Colóquio Internacional “Administração e Justiças na Res Publica”, Universidade do Minho, Braga, 15-16 Março 2010, com um despacho de duas linhas, proferido pelo respectivo juiz presidente: «Tendo a Direcção-Geral de Segurança comunicado telefonicamente a impossibilidade de assegurar a condução dos réus a este tribunal, devido ao Movimento das Forças Armadas, adio “sine- die” o julgamento» - foram estas a últimas palavras escritas por tais tribunais). Alteram-se normativos – quer substantivos, quer processuais - incompatíveis com qualquer sistema democrático ocidental. As mulheres passaram a poder ingressar nas Magistraturas. Mas, no essencial, os grandes institutos jurídico-civis (excluo aqui, naturalmente, a parte relativa ao Direito da Família e das Sucessões) não se alteraram. A matriz do nosso Código de Processo Civil manteve-se inalterada, também no essencial, até 2013, sendo que, ainda assim, esta última alteração corresponde, no fundo, ao culminar de um caminho que vinha sendo desenhado há já muitos anos pelos governos (de diversas orientações, aparentemente) que se foram sucedendo e efectuando uma série de pequenas/maiores alterações. Verdadeiramente, não ocorreu, não se concretizou, senão em 2013 – na parte processual civil – e em 2014 – na parte organizacional do subsistema – uma autêntica mudança de paradigma, culminando na informatização do funcionamento dos Tribunais (afectando partes, intervenientes acidentais, Advogados e Juízes), ou seja, uma revolução no Subsistema de Justiça. Ora, se não existiu revolução, antes, não se pode, perdoe-se-me a desfaçatez da minha presumida e soberba ignorância, falar, agora, em contra- revolução na medida em que, logicamente, a segunda pressupõe a primeira. O que quereria dizer, então, o Sr. Professor? Certamente, adivinho (peço permissão e desculpa, uma vez mais, por este meu descaramento), quereria significar que as alterações da segunda década do século XXI, são uma tradução, no Subsistema Judicial, de uma contra-revolução em curso, mais geral, mais Sistémica, alargada a todo o tecido social, económico e político. Isto é, uma revolução, num Subsistema, enquanto instrumento de uma contra-revolução Sistémica (razão pela qual, lógica e rigorosamente, talvez o Elaborado em suporte informático e revisto pelo signatário Página 2 de 9 livro em causa devesse titular-se, agora, “Para uma contra-revolução democrática na justiça”). Mas, aqui, entramos já no campo ideológico e (ou) valorativo o qual não vejo necessidade de, agora, explorar. Diria apenas que, tal como o Sr. Professor, acredito que se vive em Portugal numa "democracia de baixa intensidade". Lamentavelmente, acrescento, não é só em Portugal. É assim em, praticamente, todas as democracias ocidentais. A democracia que, pelo menos, e de certeza, ao nível das decisões nacionais, se pratica é, essencialmente e apenas, electiva. De quatro em quatro anos (no caso das eleições legislativas e autárquicas), ou de cinco em cinco (no caso das presidenciais), elege-se uma pessoa (porque, verdadeiramente, tirando uma excepção, muito portuguesa, que confirma a regra, os cidadãos – os que decidem as eleições, os oscilantes, aquela massa que se costuma designar como “o centro” – votam nesta ou naquela pessoa e não neste ou naquele partido e, muitíssimo menos, neste ou naquele projecto ideológico ou político) e depois…pronto. Já está. Daqui a outros quatro ou cinco anos voltamos a falar. Lamentavelmente, também, uma democracia participativa, implica, a meu ver, duas coisas essenciais – proximidade e capacidade de entendimento da realidade. Duas coisas que existiam quando este sistema de organização política e social foi inventado mas que, por duas razões, uma óbvia e outra cuja solução seria inaceitável para o mainstream político e ideológico, deixaram de existir, e uma relacionada com a outra. A primeira – a óbvia, a proximidade – deixou de existir porque que já não somos (os eleitores) meia dúzia de proprietários, conhecedores da generalidade dos assuntos da polis e da real personalidade e capacidade (não das ficcionadas e operaticamente criadas) dos candidatos à eleição. Quanto mais distantes os candidatos estão do eleitor mais fácil se torna criar uma falsa imagem daqueles e, por isso, menos sabem os eleitores, realmente, em que (quem) estão a votar. Enganam-se se pensam que decidem, votando, quem decide por eles nos próximos tempos. Porque estão a escolher uma imagem, uma ficção, não uma pessoa real, com um conjunto transparente, Elaborado em suporte informático e revisto pelo signatário Página 3 de 9 cognoscível e concretizável de ideias e/ou projectos. E, por isso, se estão a decidir no campo da ficção, nada decidem na realidade. Acresce a isto que os assuntos da polis se tornaram complexos e, até, distantes. Não vivemos em cidades-estados. A Ágora não é uma praça. É um país em que, maior ou menor seja ele, existem múltiplos e diversos interesses e problemas, muitas vezes conflituantes e intercruzados. Mais. É um mundo interconectado, interrelacionado, com vasos comunicantes que, por vezes, são profundos e desconhecidos, tão frágeis como filigrana ou tão fortes como aço. Mas tão importantes uns como outros. De tal forma que o “efeito borboleta” de uma qualquer decisão é tanto mais frequente quanto incontrolável. Porque cada um de nós é incapaz de apreender tal complexidade, aceita- se com agrado uma visão simplificadora, redutora, das coisas. E a decisão electiva é feita numa pessoa que é uma ficção. Pessoa essa que, por sua vez, propõe ao eleitor essa tal visão que mais não é do que uma miragem, um engano. Deste modo, mais uma vez, agora duplamente, a decisão do voto não é uma escolha sobre alguma coisa de real e concreta, mas uma escolha entre várias miragens, propostas por várias personagens fictícias. Não é, verdadeiramente, uma decisão. A segunda – a da capacidade de entendimento da realidade – era relativamente garantida pela reduzida dimensão do grupo dos que, de entre todas as pessoas que habitavam a polis, tinham realmente capacidade eleitoral activa (e passiva). Seria, nos dias de hoje, inaceitável restringir a capacidade eleitoral activa (e passiva) a pessoas com um certo grau de formação académica, de experiência real de vida, de conhecimentos adquiridos. Todos podem (e devem) votar, independentemente de serem mais ou menos capazes de entenderem o que se passa à sua volta e, sobretudo, o que se passa para além do que podem apreender e compreender. Precisamente por essa razão o fim da proximidade mais potencia a criação de ilusões, de falsas percepções e realidades. Não chegam os cidadão eleitores a saber sobre que realidade estão a decidir e, acima de tudo, mesmo quanto à realidade directamente perceptível (ou cuja percepção controlam, isto é, a que resulta da sua concreta situação socioeconómica e entorno social imediato), quais os efeitos que sobre a mesma terá a sua decisão.
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Página 4 de 9 Então, se os cidadãos não conhecem a realidade daquilo sobre que o sistema pede decisão, sobre a forma de um voto, nem dominam os efeitos de tal decisão sobre a realidade, muito circunscrita, que verdadeiramente conhecem, mais uma vez vivem na ilusão de que decidem. Atrevo-me, por isso, a ir mais longe do que o Sr. Professor – não vivemos numa democracia de “baixa densidade” mas numa democracia da ilusão. Acrescenta o Sr. Professor: «vivemos numa sociedade "politicamente democrática, mas socialmente fascista", estando tal aspecto também presente na justiça.». Confesso que, numa primeira leitura, e sem mais informação, considerei como paradoxal tal afirmação. Como poderia ser uma sociedade, simultaneamente, politicamente democrática e socialmente fascista? Não será suposto, numa democracia moderna, representativa, do mundo ocidental, a organização política reflectir (com as limitações acima referidas) o sentir (ilusório que seja) social? Descobri então, muito rapidamente (assim ultrapassando, aparentemente, a minha ignorância) que este conceito – o de fascismo social – já vem sendo utilizado pelo Sr. Professor há mais de uma década. Antes de mais, uma curiosidade – etimologicamente, o termo “fascismo” deriva da palavra em latim fasces, que consistia num feixe de varas amarradas em volta de um machado, constituindo um símbolo do poder conferido aos magistrados na República Romana de flagelar e decapitar cidadãos desobedientes (“Antiguidade Clássica”, Mary Beard e John Henderson, Jorge Zahar Editor Ltda, 1998, pág. 120). Feito este parêntesis de fait divers retornemos ao conceito mencionado pelo Sr. Professor, nos idos de 2001, pelo menos, por ocasião do 1.º Colóquio Anual de Direitos Humanos, em S. Paulo, Brasil. Afirmou então, em entrevista, que se trata de: «uma forma de convivência semelhante à produzida pelas sociedades fascistas tradicionais. É a convivência com o medo, o colapso total das expectativas, que é o fato de a pessoa viver sem saber se amanhã estará viva, se terá emprego, se terá liberdade. Esse tipo de convivência fascista não está sendo produzido por um Estado fascista: o Estado é democrático, há partidos, há assembleias, há leis, há instituições públicas. Simplesmente há uma população, cada vez maior, que não tem acesso a esses direitos». Elaborado em suporte informático e revisto pelo signatário Página 5 de 9 Pois então. Com todo o devido respeito parece-me que entra aqui o Sr. Professor em manifesto exagero no que diz respeito ao que mais me interessa, ou seja, ao Subsistema da Justiça. Reconheçamos que o Subsistema de Justiça, tal como outros Subsistemas Sociais de natureza estatal, foi reorganizado ao longo dos últimos anos. Reconheça-se também que o sistema de apoio judiciário foi reconformado de tal forma que, para se ter acesso ao mesmo, se terá que ser verdadeiramente (ou muito falsamente – esse é o problema) indigente. E que aquela reorganização e esta reconformação, tendencialmente, retiram, a primeira, às população de zonas de menor densidade populacional a proximidade física com os Tribunais; a segunda dificultando o acesso ao Subsistema de Justiça de parte significativa da população que tem, oficialmente, recursos económico-financeiros que não lhe permitem, por um lado, suportar os custos inerentes ao acesso, mas, por outro, não lhe dão acesso ao recurso gratuito, ou quase gratuito, ao Subsistema Judicial. Atrevo-me, no entanto, a dizer que o Sr. Professor talvez se tenha precipitado na transposição da sua análise geral da sociedade para o Subsistema Judicial. Desde logo porque é sobre o funcionamento, sobre a concretização funcional deste novo modelo organizativo, que deverão ser feitas quaisquer avaliações. Por exemplo, na medida em que o Subsistema possa gozar de alguma autonomia e lhe sejam atribuídos recursos para o efeito, não tenho dúvidas de que serão feitos esforços no sentido de fazer a aproximação das unidades centrais às populações mais distantes, deslocando-se os Juízes e Magistrados do Ministério Público às designadas «secções de proximidade» e não o contrário. Os próprios Conselhos Consultivos são um exemplo de tentativa de envolvimento da sociedade na organização e gestão de cada uma das comarcas. Faça-se bom, real e efectivo uso disso, o que sempre passará pela assunção da respectiva responsabilidade cívica dos membros dos referidos Conselhos Consultivos que não desempenham funções jurisdicionais em sentido próprio. Por fim, a sempre presente e repetida (por repetidos sectores) afirmação de ter a justiça uma «relação autoritária com o cidadão».
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Página 6 de 9 Não vou entrar aqui na discussão do que seja o autoritarismo, em termos de ciência política, pelo menos profundamente, preferindo começar por recorrer ao que escreve o Professor Paulo Freire acerca da relação educativa autoritária (“Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa”). Refere, em traços largos, o referido professor, que numa relação autoritária as pessoas são convidadas a obedecer mas não a pensar; a transferir a responsabilidade para as pessoas que dão as ordens e que, supostamente possuem o conhecimento que justificariam estas ordens. Se lermos Hanna Arendt (obviamente, “As origens do totalitarismo”, um clássico, mas também, “Responsabilidade e Julgamento”), Giorgio Agamben (“Estado de Excepção”) ou até Kant (“A Religião nos Limites da Simples Razão” e “Crítica da Faculdade do Juízo”) ou, ainda, os clássicos da antiguidade (Aristóteles e Platão), percebemos que o Subsistema Judicial partilha algumas características dos Sistemas Autoritários, nomeadamente a exclusividade do exercício do poder (de decidir vinculativamente conflitos jurídicos); o potencial de restrição substancial das liberdades públicas e individuais; e a capacidade de cerceamento das liberdades individuais, incluindo a de movimentação. Mas, pergunto-me: não serão estas características instrumentais fundamentais de qualquer Subsistema Judicial? Obviamente (digo eu) a eficácia do mesmo depende da sua capacidade de fazer o (perdoe-se-me o estrangeirismo) enforcing das suas decisões o que implicará um exercício de autoridade. Isto, na justa medida em que a decisão é antecedida de um procedimento (o judicial) antagónico regulado (pelo processo; pelo – mais uma vez perdoe-se-me o estrangeirismo – due process of law) no qual, no final, e de acordo com a melhor aplicação possível da lei (elaborada pelos representantes eleitos pelos cidadãos) e a realidade processualmente apreendida, se profere uma decisão em que o interesse de um dos antagonistas se sobreporá, total ou parcialmente, ao interesse do outro, sendo que este outro verá, em consequência, ser restringida a sua liberdade, numa das suas mais variadas manifestações. Ou seja, aquele exercício de autoridade ocorre não só no final - quando se decide - como também ao longo do procedimento - quando se impõe o cumprimento da regulação processual escolhida pelo legislador. Portanto, concluo, qualquer Subsistema Judicial terá sempre algumas características autoritárias, sob pena de, simplesmente, ser totalmente ineficiente e, na verdade, deixar de exercer uma das suas funções mais
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Página 7 de 9 importantes que, como alguém escreveu, não me recordo quem, é, precisamente, proteger-nos uns dos outros. Mas existem outras características do autoritarismo que não vejo reflectidas no Subsistema de Justiça como a arbitrariedade (ocorrerão perversões pontuais, mas não são suficientes para caracterizar todo o Subsistema); o enfraquecimento dos vínculos jurídicos do poder político (aqui, bem pelo contrário, sendo vários os exemplos em que se chama judicialmente o poder político a reafirmar os seus vínculos jurídicos); alteração da legislação institucional criando regras para a auto manutenção do poder (manifestamente algo exógeno ao Subsistema); impulsividade nas decisões (as decisões judiciais são feitas, na sua esmagadora maioria, com recurso a um percurso argumentativo lógica e racionalmente sindicável, quer no que toca à aplicação da lei, quer no que diz respeito à fixação da realidade – dos factos – processualmente adquirida); agressividade à oposição; controle do pensamento; censura às opiniões; cerceamento das liberdades de pensamento, religiosas e de imprensa; emprego de métodos ditatoriais e compulsórios de controlo político e social de pensamento, religiosas e de imprensa (tudo matérias completamente exógenas ao Subsistema Judicial actual, ainda que, no que toca à liberdade de opinião, de pensamento e de imprensa, por via dos mecanismos legais de protecção de direitos à honra e ao bom nome, seja tal Subsistema chamado a resolver conflitos entre estes últimos e aqueles outros). Por isso, essa relação autoritária de que fala o Sr. Professor vejo-a, por um lado, como uma inerência ao funcionamento de qualquer Subsistema Judicial ocidental de um qualquer país democrático, e, por outro lado, não consigo encontrar as características mais definidoras de regimes autoritários reflectidas em tal Subsistema. Mais, e ao contrário do que possa suceder noutros Subsistemas (como o da educação) é função do Subsistema judicial, precisamente, assumir a responsabilidade de decidir, através de pessoas que nele trabalham, com os conhecimentos adequado a tal assunção, mediante um procedimento que garanta a igualdade de todos os que são chamados, ou tomam a iniciativa, a intervir no mesmo, intervenção essa que, pela via argumentativa e pela via da introdução da realidade (dos factos) que consideram relevantes, tem uma natureza participativa e envolvida e, assim, verdadeiramente democrática. Claro que o resultado de tal procedimento pode, por vezes, não ser totalmente Justo. Mas, se for obtido depois de um procedimento com verdadeira liberdade contraditória e probatória, assim como com verdadeira liberdade de decisão, sempre dentro dos limites (quer o procedimento, quer a Elaborado em suporte informático e revisto pelo signatário Página 8 de 9 decisão) legalmente definidos, será (o resultado) o da justiça possível e relativa dos humanos. Pode até suceder que a solução obtida seja injusta mas, curiosamente, legal em sentido estrito. Esse é o dilema de todo o sistema jurídico baseado essencialmente em normas positivadas. O Subsistema Judicial terá que ter, por isso, a capacidade e a coragem de aplicar a Lei de tal forma que traduza uma «recta compreensão do Direito» tal qual ensinava Orlando de Carvalho. Entramos aqui, por via da discussão da autoridade do Subsistema Judicial, na questão da sua legitimação a qual, por sua vez apela – ou deverá apelar – à discussão do que é legal e do que é ético e de como se devem as duas coisas conjugar. Termino, por isso, e a esse propósito, com uma citação de Kant (“Religião nos limites da Simples Razão”, Edição da Universidade da Beira Interior Covilhã, 2008, disponível, para download gratuito, na internet): «no tocante à consonância das acções com a lei não há (pelo menos, não deve haver) diferença alguma entre um homem de bons costumes (bene moratus) e um homem moralmente bom (moraliter bonus); só que num as acções nem sempre, porventura nunca, têm a lei como único e supremo móbil, mas no outro a têm sempre. Do primeiro pode dizer-se que segue a lei segundo a letra (i.e., quanto à acção que a lei ordena); do segundo, porém, que observa a lei segundo o espírito (o espírito da lei moral consiste em que ela só seja suficiente como móbil). O que não acontece em virtude desta fé é pecado (segundo o modo de pensar). Com efeito, se para determinar o arbítrio a acções conformes à lei, são necessários outros móbiles diferentes da própria lei (e.g. ânsia de honras, amor de si em geral, ou inclusive um instinto benévolo, como é a compaixão), então é simplesmente casual que eles concordem com a lei; pois poderiam igualmente impelir à sua transgressão»
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