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Quem quiser ler (e perceber, em conjunto com a restante obra) "A sociedade aberta e os seus
inimigos", de Karl Popper (uma obra imprescindível para qualquer pessoa e, sobretudo, para
qualquer jurista), compreenderá claramente o que se passa.
Em boa verdade, a linguagem, escrita ou falada, é uma arma (“A book is a loaded gun.” ― Ray
Bradbury, Fahrenheit 451)
Procurando a origem deste conceito (PC) encontrei – acabei por perceber que não
surpreendentemente – uma referência à palavra russa “ideinost”. No contexto do regime
soviético, nos anos trinta, mais precisamente em 1934, o conceito de “ideinost” e o adjectivo
“ideinyi”, articula-se como um dos elementos característicos do Realismo Socialista (por
oposição ao “realismo burguês”), no pressuposto de que a arte deveria servir uma utilidade
social e política. Assim, se Engels definia “realismo” como caracteres típicos em situações
típicas, a evolução soviética de “realismo” afinava o conceito de “típico” afirmando que tal não
correspondia necessariamente ao que é mais frequente e sim algo não necessariamente
directamente observado mas, antes, enquadrado por uma compreensão das leis e
perspectivas do desenvolvimento social futuro, isto é, uma realidade seleccionada e
organizada por determinados princípios (no caso, os do Marxismo) (“The Long Revolution”,
Raymond Williams, págs. 302 e 303, Broadview Press, 2001; e “Epic Revisionism: Russian
History and Literature as Stalinist Propaganda”, Kevin M. F. Platt e David Brandenberger, pág.
302, nota 22, U.W., 2006).
No fundo mais não fizeram os marxistas do que adequar, no sentido inverso, a ideia que a
Igreja Católica Apostólica Romana já há muito havia percebido quando elaborou o seu Index
Librorum Prohibitorum – uma lista de livros proibidos porque não acompanhavam os cânones
da mesma.
Mesmo com o abandono, em linguística, da hipótese Sapir-Whorf (de acordo com a qual a
estrutura de uma linguagem pode influenciar ou determinar fortemente a mundivisão do
indivíduo) aceita-se, apesar de tudo, que a linguagem tem algum, ainda que pequeno, efeito
sobre o pensamento.
Por isso, a escolha das palavras utilizadas para descrever uma certa realidade não é
indiferente, mas, ao invés, carregada do sentido definido pelo contexto social, histórico e
cultural em que são empregues.
Se é certo, para mim, que certas palavras são, de facto, ofensivas, porque efectivamente
carregadas de um sentido pejorativo, não é menos certo que o PC chegou a extremos
absurdos, mesmo no campo da linguagem.
Exemplar – desse exagero – é a substituição da expressão “Feliz Natal” pela de “Festas Felizes”.
A ideia, da substituição – que se institucionalizou – é a de que há pessoas que não são católicas
e que, por isso, seriam ofendidas, ou segregadas, com a utilização de tal expressão. A questão
é que só há “festas” porque é “Natal”. Essa é a realidade. Festeja, quem desejar festejar (e não
apenas fazer compras e gozar um período de férias, se puder), o nascimento de Jesus Cristo. A
substituição não é neutra – apesar da definição de PC – mas sim culturalmente orientada no
sentido de descontextualizar o período em causa.
Outro exemplo é o termo “herstory” utilizado por feministas críticas do termo “history” e
defensoras de uma historiografia não centrada, alegadamente, nos feitos dos elementos do
sexo masculino.
Usualmente aponta-se o PC como algo próprio da “esquerda” ou dos “liberais” (em sentido
norte-americano).
Trata-se de um viés compreensível (atendendo à manifesta força de imposição que aquela ala
extremista ganhou nas duas últimas décadas), mas que, em termo funcionais e rigorosos, me
parece errado.
Tudo numa tentativa de suavizar certas realidades ou transmitir uma sensação de mudança
real que apenas é linguística.
Qualquer grupo ideológico usa, assim, a linguagem como forma de PC, isto é, como maneira de
veicular a sua mundivisão, matizar realidades e fazer avançar agendas culturais e políticas.