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02/04/2020 A psicanálise não é o marxismo, mas...

Opinião

DEBATE - PSICANÁLISE E MARXISMO

A psicanálise não é o marxismo,


mas...
Eduardo Grüner

sábado 12 de maio de 2018| Edição do dia

(publicado originalmente na revista Ideas de Izquierda 7, Março de 2014. Traduzido por


Fernando Pardal)
Ilustração: Greta Molas

Em seu número 5, a Ideas de Izquierda publicou um artigo intitulado “A psicanálise em


questão”, escrito por Claudia Cinatti. Nele se colocou uma crítica, a partir da teoria
marxista, à teoria criada por Freud, ainda que reconhecendo o caráter irruptivo que teve no
momento de sua emergência histórica, e sem negligenciar o interesse que despertou entre
muitos dos grandes líderes e pensadores revolucionários (Trotski é um caso notório).
Obviamente que não é a primeira vez, nem será a última, que se fazem essas atribuições à
psicanálise a partir da esquerda. Mas é altamente apreciável que uma revista da esquerda
radical se proponha a recolocar, quantas vezes seja necessário, esses debates já seculares e de
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primeira importância. Meu propósito na contribuição presente não é tanto responder


pontualmente a cada um dos argumentos do artigo, mas ensaiar – de modo polêmico, espero
– a enumeração de uma série de hipóteses para enquadrar a discussão.

1-

Me permito começar de forma moderadamente provocativa: a psicanálise não tem


absolutamente nada a ver com o marxismo. Seus respectivos “objetos” de estudo,
seus inputs teóricos e seus contextos histórico-culturais são radicalmente diferentes. Trata-se,
portanto, de duas teorias imensuráveis e incomparáveis. É importante estabelecer isso de
antemão. Muitos dos mal entendidos nas tentativas tanto de recusa como de assimilação
(como no caso do chamado “freudo-marxismo” da escola de Willhelm Reich e outros, que o
artigo aponta, assim como as tentativas mais rigorosas de Lev Vigotsky) da psicanálise por
parte do marxismo, provém, em meu julgamento, desse erro originário, que,
compreensivelmente, ainda que sucumbindo frequentemente a articulações apressadas,
querem estabelecer uma relação interna(seja de oposição ou de colaboração) entre os dois
discursos mais “subversivos” produzidos na modernidade burguesa. Contudo, isso não
significa que não se possa – e mesmo que se deva – estabelecer uma série de homologias,
por assim dizer, entre o que eu gostaria de batizar como seus também respectivos modos de
produção de verdade. Não é necessário dizer que não nos cabe aqui nenhuma
consideração biográfica (se Freud era um “burguês conservador” enquanto Marx se elevou
acima de sua própria classe, etc.), mas sim os efeitos objetivos de suas teorias. Para além,
então, de alguma simpática anedota (por exemplo, tanto Marx quanto Freud, curiosamente,
se comparavam com Colombo pelo fato de terem descoberto um “novo continente”, o da luta
de classes e o do Inconsciente), o que nos importa é a lógica dessas “analogias”. Enunciemos
algumas, sucintamente: a) o marxismo e a psicanálise são as duas únicas teorias da
modernidade que enunciam explicitamente seus pressupostos teóricos são estruturalmente
inseparáveis de uma práxis; dito mais ou menos althusserianamente, são uma prática
teórica tanto quanto uma teoria de sua própria prática. Vêm, portanto, romper com uma
teoria multissecular – e não somente “burguesa”, já que sua origem pode ser remontada ao
idealismo platônico – que tentou manter separadas ambas as esferas, a da ação e
da contemplação; b) ambas as teorias colocam igualmente e radicalmente em questão outro
grande pressuposto filosófico, desta vez sim plenamente “burguês”: o de um sujeito
“cartesiano” imaginado como indivíduo autocentrado, completo e transparente, que foi
eternizado ou ontologizado como imagem d’ “O” Sujeito humano; a tese marxista da luta de
classes (para a qual os sujeitos da história são coletivos e não individuais) e a tese freudiana
do sujeito dividido (ou seja, o contrário de in-divíduo, que etimologicamente significa
“inteiro”, não-dividido) derrubam esse outo “ideologema” desistoricizante; c) ambas as
teorias, com todas suas irredutíveis diferenças e cada uma a partir de sua própria perspectiva,
são estritamente complementares, portanto, em sua profunda crítica da ideologia burguesa.
E é assombroso comprovar – ainda que aqui não tenhamos espaço para desenvolver um tema
tão complexo – que Marx e Freud raciocinam exatamente da mesma maneira, ainda que,
novamente, sobre objetos muito diferentes, em suas respectivas análises críticas do
fenômeno do fetichismo.

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A psicanálise tem, portanto, uma enorme pertinência como contribuição a uma teoria crítica
das ideologias, algo que não deixou de ser produtivamente aproveitado por diversos
movimentos e autores do denominado “marxismo ocidental” – desde Ernst Bloch e a Escola
de Frankfurt, passando pela corrente althusseriana, até Zizek ou Frederic Jameson (e sem
esquecer, ainda que com todas as suas ambivalências diante da teoria freudiana, da
colaboração Sartre/Fanon) – .

2.

Uma reprovação recorrente que se faz a Freud a partir (mas não somente) do marxismo é que
a psicanálise, como teoria do Sujeito humano, se constitui como uma antropologia
“individualista”. Mas é uma imputação que carece de qualquer fundamento rigoroso. Já
sugerimos que a psicanálise, justamente, recusa a própria noção de “indivíduo”. Por outro
lado, os que atribuem essa pecha parecem não levar em consideração o elementar do
importantíssimo texto de Freud intitulado Psicologia das massas e análise do Eu [ou do Ego
a depender da tradução NdT], onde o autor estabelece taxativa e inequivocamente que para
ele não existe algo como uma “psicologia individual”. Isso não significa, me apresso em
esclarecer, que a psicanálise seria então uma “psicologia social”: colocar dessa forma seria
justamente aceitar uma oposição preexistente entre o “indíviduo” e a “sociedade”; ou
seja, outro desses ideologemas burgueses que a teoria freudiana vem para demolir. Os
conteúdos psíquicos são, em todo o caso, trans-subjetivos: o produto complexo (e que, é
claro, podem se expressar de maneiras muito distintas em cada sujeito “individual”, de
acordo com os avatares de sua própria história, etc.) dos sistemas de identificaçãoprimário
ou secundário. E, diga-se de passagem, o questionamento freudiano de tais processos de
identificação “vertical” com o líder ou “horizontal” entre os membros da massa – tal como a
investigação contemporânea de Weber sobre a “dominação carismática” – são um
complemento “superestrutural” eficaz ao marxismo na hora de compreender fenômenos
como o “populismo”, o “bonapartismo”, o “cesarismo” e similares. Mas, retomando a
questão: como reduzir a “individualismo” a tese capital freudiana do “complexo” edípico,
que, ainda em sua visão mais vulgarizada, implica constitutivamente em uma relação entre
ao menos três sujeitos (para não falar de seus múltiplos substitutos simbólicos ou
“fantasmáticos”) que criam o substrato para produzir a subjetividade “individual”? Ainda
mais: que Freud tenha se dado ao trabalho de escrever Totem e Tabu (assim como seus outros
textos denominados “sociais”: a já citada Psicologia das Massas, o Mal-Estar na
civilização, Moisés e o Monoteísmo, O futuro de uma Ilusão, etc., para não mencionar seus
múltiplos escritos sobre arte e literatura) é a demonstração nítida de que seu problema não
é o “indivíduo”. Não é adequado dizer que Freud “estende” para o campo da sociedade e da
cultura suas hipóteses sobre o psiquismo individual, porque, como já dissemos, para ele o
“individual” e o “sócio-cultural” são a mesma coisa, apenas percebidos em diferentes
perspectivas. Totem e Tabu não é uma tentativa de “aplicar” as estruturas do psiquismo
inconsciente individual à origem da sociedade, da lei e da religião, mas antes o contrário: é
essa origem violenta da Cultura e do simbólico – hipótese, por sua vez, perfeitamente
compatível com a da violência como “parteira da História” – que explica a constituição do
psiquismo, que é a partir do âmbito “social”, não importa o que pensemos especificamente
sobre a teoria da “horda primitiva” e demais (e, para dizer a verdade, as descobertas do
último século em matérias como a antropologia, a história das religiões ou a filosofia jurídica
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parecem mostrar que Freud está muito mais próximo da verdade hoje do que há um séculos,
ao menos em relação à sua lógica de raciocínio). E podemos ir além: a insistência da escola
lacaniana em seu “retorno a Freud”, e nos traços da antropologia lévi-straussiana no que
tange a relação entre a subjetividade e a linguagem aprofunda ainda mais o que vínhamos
dizendo: ou por acaso a linguagem, e mais precisamente as línguas, são atributos de alguma
psicologia “individual” e não o produto social de milênios e milênios de cultura? E,
finalmente, para ir ao limite do argumento, nem sequer pode-se dizer que a prática
“ortodoxa” da sessão psicanalítica típica seja um tratamento “individual”: para começar,
envolve dois sujeitos (e dois, como diz o próprio Freud, bastam para “criar o caldo” em um
certo sentido), e, para continuar, nesse “diálogo” está implicado centralmente esse produto
social-histórico por excelência que, como vimso, é a Linguagem no sentido mais amplo o
possível (a cultura, os códigos simbólicos, todo isso que os lacanianos chamam “o Outro”).
Outra coisa é dizer que, tal como é efetivamente praticada, se trata – sempre falando da
sessão clássica no consultório privado do analista, etc. – de um tratamento inevitavelmente
“classista” (é pago, as sessões são quase sempre caras, e por aí vai): isso é indubitavelmente
correto. Mas é um fator externo à teoria, que se refere a um estado de sociedade e não uma
consequência necessária da própria teoria (ou prática). E, outra coisa ainda é dizer que a
psicanálise (e certamente a maioria dos psicanalistas), ao longo de sua história, tornou-se
açucarada de “adaptativa”: é outra verdade de fato – e certamente não restrita à psicanálise:
ou o próprio marxismo não se tornou tantas vezes açucarado, “adaptativo” e domesticado
nas mãos de socialdemocratas, “progressistas” de todo o tipo e instituições universitárias? E
se objetamos que isso não é o verdadeiromarxismo, não poderíamos dizer o mesmo a
respeito da psicanálise? – .

3.

Uma acusação mais complexa – precisamente porque aparece à primeira vista como a mais
plausível – é a de que Freud, com sua teoria do “complexo” edípico, do inconsciente, da
Repetição e outros, teria gerado um tipo de imagem “ontológica” de um Sujeito sempre igual
a si mesmo e sem história. Mas não é assim. Não se pode confundir a teoria freudiana com a
dos “arquétipos” eternos e limitados de Jung (coincidentemente, esse foi um dos motivos da
ruptura entre ambos, como se sabe). Uma coisa é a detecção de estruturas e
mecanismos recorrentes – sejam no psiquismo, na cultura ou na história –, outra muito
diferente é que esses “processos de produção” tenham efeitos muito distintos nos sujeitos
particulares e nos contextos hiostóricos-culturais que se transformam. As estruturas do
inconsciente são “universais”, seus efeitos singulares. Para o inconsciente freudiano, não há
“conteúdos” eternos, como no inconsciente “coletivo” junguiano. Para dar um exemplo
muito simples, a lógica do “processo primário” produtor de sonhos é sempre a da
condensação, do deslocamento, da inversão em seu contrário, a dialética “representação da
coisa/ representação da palavra”, etc; mas, é claro hoje em dia não sonhamos com as mesmas
“cenas” que um grego do século V a.C., nem mesmo que um citoyen francês da Revolução.
Evidentemente, existem “constantes” no psiquismo. Mas, assim como vimos reivindicando
essa “constância”, a não ser que se caia em um relativismo inconclusivo, não verificamos
que isso seja necessariamente incompatível com o materialismo histórico. Por acaso
acusaríamos Marx de “ontologismo abstrato” por dizer que toda a história da humanidade é

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a história da luta de classes? Ou que sempreque ocorre uma contradição insolúvel entre o
desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção se abre uma época
potencialmente revolucionária?

Isso não é dizer que há estruturas recorrentes - “leis”, se quisermos – na história da


humanidade, para além do fato de que se expressem de maneira diferente em cada época, em
cada modo de produção, em cada formação social? E não é um acaso, a respeito disso, que
Frederic Jameson tenha tido a audácia de falar da luta de classes como Inconsciente
político da história e da cultura: há, de fato, uma lógica fundadora, por assim dizer,
cuja insistência subterrânea explica, até certo ponto (porque também existe o acaso, é claro)
os acontecimentos “de superfície”. Para Lévi-Strauss, por exemplo, a condição
fundacional da existência de qualquer cultura é a cláusula da Proibição do Incesto (como
um pré-texto negativo para a lei da Exogamia), algo que obviamente tem muito a ver com a
teoria freudiana, ainda que seus objetivos sejam completamente distintos. Quando Freud
afirma que o Inconsciente “não reconhece” a História, apenas está dizendo que seus
mecanismos básicos insistem na mesma forma, ainda que seus efeitos sejam sempre
singulares e histórico-socialmente condicionados.

De forma semelhante Althusser diz que a Ideologia – mais uma vez: os mecanismos básicos
do processo de produção ideológica: a parte pelo todo, a causa pelo efeito, e assim por diante
– não “têm” história, ainda que claramente se possa fazer uma histórias das ideologias.
Outro exemplo – mais problemático, admito – é a frequente imputação (reiterada no artigo
anterior) ao “falocentrismo” de Freud, do qual seria derivado um encurralamento
“reacionário” no esquema binário masculino/feminino, não dando lugar à multiplicidade de
identidades sexuais (ou de gênero) possíveis. É um tema extremamente complexo, entre
outras coisas porque se presta a certas simplificações do pensamento “politicamente
correto”. É claro que temos que defender a todo custo o direito de qualquer sujeito em optar
pela “identificação” sexual que deseje.

Mas essa escolha – pois de outra forma não seria uma escolha – se faz sobre a base de um
condicionamento prévio “em última instância” que é a bissexualidade constitutivados
sujeitos de ambos os sexos (a oposição freudiana, justamente, é entre masculino/feminino e
não homem/mulher). A famosa frase de “a anatomia é destino” deve ser entendida nessa
acepção: há uma fratura básica condicionante, e cada sujeito termina se identificando – para
além de seus órgãos biológicos de nascimento – com um ou outros de seus pólos, ou com
múltiplas combinações possíveis entre eles (e é claro que as identificações “dominantes”
estão social e historicamente demarcadas). Mas isso não significa que esses pólos possam
(ou devam) “se desmanchar no ar”. Justamente por não o fazem, e porque a sociedade
promove aquelas identificações “dominantes”, é que são gerados os conflitos desse caso. E
negar o conflito “fundante” não faz muito sentido. Ainda mais, seria uma lógica de
raciocínio um tanto perigosa. Equivaleria – e é um debate que o marxismo vem sustentando
há muito tempo – substituir por uma multiplicidade infinita de “movimentos sociais”
a fratura básica da luta de classes. Os movimentos sociais existem, sem dúvida, e muitos –
não todos – devem ser defendidos e desenvolvidos.

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Mas nenhum, nem sequer a soma de todos eles, pode mandar para o espaço o
confronto estrutural burguesia/proletariado. É uma discussão semelhante à que se coloca
diante do pensamento “pós-moderno”, “pós-estruturalista” e outros (aos quais se faz
referência no mesmo número da Ideas de Izquierda mencionado): se tudo é uma questão de
“desconstruções”, “dispersões” e multiplicações “rizomáticas” ad infinitum, então a Matéria,
e o conflito com o qual estamos forçados a enfrentá-la, desaparece de nossa visão (Slavoj
Zizek, falando precisamente sobre os equívocos do “multiculturalismo”, ironiza em relação
ao interessante paradoxo de homogeinizaçãoque o mesmo pressupõe, já que todas essas
“diferenças” terminam sendo equivalentes e ocultam o conflit básico; e, coincidentemente,
para ilustrar isso recorre ao exempl de uma ideologia apressada da “multissexualidade” que
termina sendo... “unissex”).

4.

Há, portanto, - é uma pergunta da máxima gravidade que pode ser induzida a partir de uma
“defesa” da teoria psicanalítica – uma “natureza” humana? Depende de como se olhe a
questão. Em um sentido, e sem chegar sequer à humana, não há sequer
uma natureza “natural”. Como defendia Marx com toda a razão, a partir da intervenção das
relações de produção sociais sobre a natureza, esta ingressou totalmente na história: na
história do Homem, entende-se (não vamos entrar aqui na difícil polêmica sobre a existência
de uma “dialética da natureza”, tal como Sartre fez contra Engels). Mas é claro, que
humanidade tenha inventado máquinas para voar não significa que tenha conseguido anular
as leis da gravidade. Antes, significa o contrário. Quero dizer: se ohomem se viu obrigado a
criar aviões é porque, pelo menos até o momento, nada pôde fazer contra certas
regras constantes da natureza. Algo semelhante – com todas as reservas do caso – pode ser
dito, como vimos, sobre certas “leis” da história e da sociedade. E mesmo da cultura, mais
sutil: Marx não demonstra sua perplexidade, em uma famosa passagem dos Grundrisse,
diante do fato de que certos produtos da arte e da literatura – a Ilíada de Homero, as grandes
tragédias gregas, Cervantes ou Shakespeare – vindos de sociedade e épocas tão radicalmente
diferentes a nossa sigam nos comovendo tão profundamente? É claro que não lemos essas
obras do mesmo modo que o faria um contemporâneo deles; mas o fato de que com nosso
próprio olhar continuemos encontrando nelas algo que ainda hoje nos faz refletir sobre mas
também para além de nossa situação atual não significa que sua grandeza consiste em que
tenham encontrado algumas constantes da “natureza humana” que seguem vigentes,
independentemente de que hoje as interpretemos em outro contexto? E que diríamos – para
insinuar outro tema complexíssimo e ultra “delicado” - da persistência do sentimento
religioso através de milhares de anos de história e de todos os mdos de produção possíveis,
incluindo os “socialismo” realmente existentes, como ficou fartamente comprovado? Nos
contentaremos em caminhar pela vida repetindo a frase sobre “o ópio do povo” (esquecendo
que o próprio Marx teve muitas outras coisas a dizer a esse respeito, e certamente muito
inteligentes, no próprio texto onde aparece esse enunciado, A Sagrada Família), ou
novamente teremos que pensar a dialética do universal e do particular com todas as suas
complexas mediações? Outra vez: postular uma “natureza humana” que pudéssemos chamar
de repetitiva não significa que cada “repetição” seja igual à anterior, nem obrigatoriamente
pior (será lembrado que tampouco Marx deixa de ter uma ideia sobre a “repetição” na
história). O que traz à tona o famoso pessimismo freudiano contraposto
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ao otimismo marxista. É fato que Freud é decididamente pessimista – pessimista “da


inteligência”, para apelar a outro clássico – em relação às “constantes” da “natureza
humana”: em sua perspectiva, a recorrente batalha mítica entre Eros e Tanathos se resolve
quase sempre em favor do último. E a história da sociedade de classes até esta data (claro
que Freud não fala disso: está pensando em outras constantes) parece lhe dar,
“fenomenologicamente”, a razão. Essa “natureza humana” mudará com o socialismo? Não
podemos saber ao certo, é claro. Mas, se mesmo sendo pessimistas “inteligentes” apostamos
nisso, é porque ao menos Tanathos teria muito menos “pretextos” (a fome, a exploração, a
alienação do trabalho, as guerras imperialistas). Ou seja: é possível, a partir da posição
marxista, ser anti-freudiano. Mas não é necessário.

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