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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação Física

MARÍLIA MARTINS BANDEIRA

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O LAZER DE AVENTURA:


ENTRE ESPORTE E TURISMO, FOMENTO E CONTROLE DO RISCO

PUBLIC POLITICS ON ADVENTURE LEISURE:


BETWEEN SPORTS AND TOURISM, PROVISION AND RISK CONTROL

CAMPINAS
2016
MARÍLIA MARTINS BANDEIRA

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O LAZER DE AVENTURA:


ENTRE ESPORTE E TURISMO, FOMENTO E CONTROLE DO RISCO

Tese apresentada à Universidade


Estadual de Campinas como parte dos
requisitos para a obtenção do título de
doutora em Educação Física na linha
de pesquisa Educação Física e
Sociedade.

Orientadora: Profa. Dra. Silvia Cristina Franco Amaral


Agências Financiadoras: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA
PELA ALUNA MARÍLIA MARTINS
BANDEIRA E ORIENTADA PELA PROFA.
DRA. SILVIA CRISTINA FRANCO
AMARAL

CAMPINAS
2016
Ficha catalográfica no verso
Folha de aprovação

Comissão examinadora

Orientadora:
Profa. Dra. Sílvia Cristina Franco Amaral

Titulares:
Prof. Dr. Jocimar Daólio
Prof. Dr. Giuliano Pimentel
Profa. Dra. Olivia Cristina Ferreira Ribeiro
Prof. Dr. Ricardo Uvinha

Suplentes:
Prof. Dr. Edivaldo Góes
Prof. Dr. Cléber Dias
Prof. Dr. Martin Curi

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida
acadêmica do aluno.
Para meus pais, Valter e Fátima,
por toda privação,
para que eu pudesse ter escolha.
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profa. Dra. Sílvia Cristina Franco Amaral, por ter aceitado orientar
alguém que não conhecia, com um objeto de estudo menos familiar e um método de pesquisa
diferente do seu. Agradeço a oportunidade e confiança, em um momento em que a corrida da
produtividade acadêmica tem imposto o fechamento dos círculos de orientação e o replicar dos
processos de pesquisa em nome de maiores chances de publicação. Agradeço também por liderar
um grupo de estudos extremamente receptivo e incentivar o ambiente de colaboração mútua
entre seus orientandos. Este texto se beneficiou imensamente das leituras teóricas
compartilhadas, dos debates e dos comentários dos colegas que leram suas partes. Entre eles,
agradeço a Dirceu Silva, por me mostrar o caminho das pedras da FEF, pelos forrós e
gargalhadas na “gelasqueira”; a Alexandre Bastos pela cumplicidade, namorado e delícias
paraenses; a Olivia Ferreira Ribeiro pelas piadas, pouso e tapioca; a Regiane Galante pela
parceria, pró atividade e generosa organização de tudo; a Bruno Modesto pelos socorros, aulas
de marxismo e as nuvens; a Flávio Benini Filho pela atenção, calma e doçura; a Rafaela Peres
pela companhia e revisão do espanhol para o encontro da ALAS; a Viviane Paes pela irmandade
e alegria, e a Priscila Campos pelas trocas e o cachorro quente. Agradeço também o carinho e
presença Juliana Saneto, e simpatia e disposição de Ana Beatriz Porelli, imprescindíveis para
atravessar os momentos de dificuldade emocional que um doutorado conforma.
À Profa. Dra. Heloisa Reis pela generosidade em ter assumido o trâmite burocrático de
minha pesquisa quando do pós-doutorado no exterior da minha orientadora e por me receber em
sua disciplina e incentivar minha participação nos debates. Ao Prof. Dr. Jocimar Daólio que me
recebeu como estagiária docente voluntária em sua disciplina, mesmo quando não precisava de
uma e quando os prazos do processo de inscrição não permitiram tornar esta atividade oficial,
apenas para que eu tivesse o privilégio de acompanha-lo em atuação, e pelo seu trato sempre tão
amigável e encorajador.
À Simone Malfatti Ganade Ide, pelo secretariado eficiente e solidário, por entender a
importância que têm para nós os processos de tramitação das bolsas e cuidar de maneira
extremamente competente dos detalhes burocráticos de todo este processo de pesquisa, sempre
pronta a tirar nossas dúvidas e ajudar. À Andreia Manzato, também sempre pronta a contribuir
com a boa apresentação de nossos trabalhos, por oferecer voluntariamente revisão das normas
APA e ABNT nas minhas publicações.
À Profa. Dra. Belinda Wheaton, que, também sem me conhecer, recebeu-me de braços
abertos, facilitou tanto quanto pode os trâmites e foi sempre presente em orientar e auxiliar-me a
aproveitar ao máximo a oportunidade do estágio docente na Universidade de Waikato. À Profa.
Dra. Rebecca Olive, Profa. Dra. Holly Thorpe, Profa. Dra. Marg Cosgriff e Profa. Dra. Karen
Barbour por sua disponibilidade em discutir meus problemas metodológicos e todo o incentivo.
E à Heather Morell pela paixão pela biblioteca e por seu interesse pela pesquisa de cada aluno,
que fizeram toda a diferença em como me relacionei com as referências lá disponíveis.
Aos voluntários inomináveis que aceitaram participar da pesquisa por disponibilizarem
seu tempo e contribuir com esta reflexão, mesmo cientes do risco de se exporem em seus campos
de atuação. Aos meus pais, Valter e Fátima, irmã, Mariana, e namorado, Juliano Groppo, que
nunca me cobraram nada diferente do que pude oferecer tendo escolhido a carreira acadêmica,
sempre prontos a auxiliar neste processo, mesmo sofrendo as consequências de minha ausência,
cansaço, nervosismo e atrapalhação. Gratidão!
RESUMO
Práticas recreativas e eventos esportivos de aventura, relacionados à exposição ao meio ambiente
natural e enfrentamento de riscos, obtiveram grande aumento no número de adeptos na virada do
milênio, o que criou novas demandas ao poder público. No Brasil, a proposição de leis
regulamentadoras e a parceria do Ministério do Turismo com a Associação de Empresas de
Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA) para a implementação de um programa nacional
chamado Aventura Segura levou à contestação de entidades esportivas que solicitaram ao
Ministério do Esporte a criação de uma Comissão de Esportes de Aventura (CEAV). Este estudo
teve, portanto, como objetivo geral investigar quais são os agentes, as preocupações e interesses
em embate na constituição de políticas públicas para atividades de aventura. Para atingi-lo, a
triangulação das técnicas de análise documental, entrevistas abertas e observação direta foi
utilizada. Foram investigados documentos governamentais, publicações oficiais e reações a eles
na mídia especializada digital, testemunhos de envolvidos e registros em caderno de campo
sobre dois eventos. A análise dos dados foi descritiva, dialética, interpretativa, dialógica e crítica,
confrontando as decisões oficiais com reações das comunidades de prática, não apenas a partir de
suas convergências e homogeneidades, mas também das divergências e mudanças que
conformam este fenômeno social. Os resultados encontrados no Brasil sinalizam que a
motivação dos parlamentares que propuseram leis para a regulamentação do campo dos esportes
e turismo de aventura foi garantir a segurança nos serviços de aventura, pressionados por
familiares de vítimas de acidentes fatais. Este processo instaurou uma disputa entre entidades do
esporte e do turismo pelo direito de regulamentar e explorar comercialmente o campo. Conflito
que tomou mais espaço na agenda política do que a questão dos acidentes, enquanto as práticas
de lazer perdiam espaço no Ministério do Esporte, que priorizou esportes convencionais de alto
rendimento ao sediar a Copa FIFA e os Jogos Olímpicos. Na Nova Zelândia, caso investigado
em estágio de pesquisa no exterior, observou-se que acidentes fatais também deflagraram
políticas públicas. Mas, são entidades de recreação e educação ao ar livre que disputam com
empresas turísticas os termos e verba para a regulamentação do campo. Seu órgão federal de
administração esportiva, Sport New Zealand, também prioriza o esporte convencional de alto
rendimento, embora disponha de políticas de fomento à recreação ao ar livre mais expressivas e
intersetoriais. Conclui-se que, no Brasil, as políticas de fomento às práticas de aventura são
majoritariamente voltadas ao setor turístico e seu potencial econômico enquanto nicho de
mercado. O incentivo à dimensão recreativa e esportiva do fenômeno é escasso e a intenção de
democratizar o acesso e potencializar suas características educativas é restrita.
Palavras chave: lazer, políticas públicas, práticas de aventura
ABSTRACT
Adventure recreational practices and sporting events, related to exposure to natural environments
and facing of risks, have achieved great increase in the number of participants in the millennium
turn, what created new demands to public power. In Brazil, the proposition of regulatory laws
and the partnership of the Ministry of Tourism with the Association of Ecotourism and
Adventure Tourism Companies (ABETA) for the implementation of a national program called
Aventura Segura (Safe Adventure) led to sport organizations requesting the creation of an
Adventure Sports Commission (CEAV) inside the Ministry of Sport. This study, therefore, aimed
to investigate what are the concerns and interests in conflict within the elaboration of public
policies for adventure activities. To achieve it, the triangulation of the techniques of documentary
analysis, open interviews and direct observation was used. Government documents, official
publications and reactions to them in digital specialized media, involved social agents’
testimonies and records on two events in field diary were analyzed. Data analysis was
descriptive, interpretive, critical, and dialectic, confronting official decisions with communities of
practice reactions, not only their convergences and homogeneities, but the differences and
changes that make this social phenomenon. The results show that, in Brazil, the motivation of
parliamentarians proposing laws for the regulation of the field of sports and adventure tourism
was to ensure safety in adventure services, pressured by the relatives of victims of fatal accidents.
This process brought a dispute between sport and tourism entities regarding the right to regulate
and commercially exploit the field. Conflict that took more space on the political agenda than the
accidents question, while leisure practices lost space in the Ministry of Sport, which prioritized
conventional high performance sports, as hosting the FIFA World Cup and the Olympic Games.
In New Zealand, case investigated in overseas research internship, fatal accidents also triggered
public policies. Although, recreation and outdoor education entities are the ones that dispute with
tourism companies the terms and funds for the regulation of the field. Their federal agency of
sports administration, Sport New Zealand, also prioritizes conventional high performance sport,
although it has more expressive and cross-sectoral policies on outdoor recreation. We conclude
that, in Brazil, promoting policies on adventure practices are mainly focused on the tourism
sector and its economic potential as a niche market. Encouraging recreational and sporting
dimension of the phenomenon is scarce and the intention to democratize access and enhance its
educational features is restricted.
Key words: leisure, public policies, adventure practices
SUMÁRIO

1. Introdução ....................................................................................................................... 10
1.1 Trajetória acadêmica e conformação deste estudo .......................................................... 10
1.2 Identificação do problema de pesquisa ............................................................................. 15
1.3 Objetivos e justificativa ....................................................................................................... 16
2. Aventura enquanto objeto de estudo e de política: uma revisão crítica .................... 17
2.1 Caracterização e problematização do objeto .................................................................... 18
2.2 Práticas características de uma época ................................................................................ 22
2.3 Debate terminológico e a centralidade do risco ............................................................... 32
2.4 Consolidação do termo aventura ........................................................................................ 46
2.5 Dimensões políticas da aventura ........................................................................................ 51
3. Quando o trabalho de campo não sai como o esperado: metodologia ....................... 56
3.1 Pressupostos para o trabalho de campo ............................................................................. 57
3.2 Quando o campo diz não à etnografia clássica ............................................................... 61
3.3 Pesquisa social na era digital ............................................................................................. 66
3.4 Documentos e análise de dados .......................................................................................... 77
3.5 Aspectos Éticos .................................................................................................................... 82
4. O campo político da aventura no Brasil ....................................................................... 83
4.1 Primeiros projetos de lei para controle do risco e a Associação Férias Vivas ............ 86
4.2 A ABETA, o CONFEF e o PLS 403/05 ........................................................................... 98
4.3 A CEAV, as audiências públicas e o PL 7288/10.......................................................... 112
4.4 A centralidade da natureza junto ao risco e os projetos de lei que garantem
acesso a ambientes naturais ..................................................................................................... 135
4.5 Desdobramentos mais atuais no campo político da aventura ....................................... 143
5. Considerações Finais: Perspectivas para um campo compartilhado ...................... 145
Posfácio: O caso das políticas públicas para práticas de aventura na Nova Zelândia como
exercício de estranhamento ao caso brasileiro ............................................................... 148
Contexto sócio-histórico: De Aotearoa à Nova Zelândia .................................................... 148
Tragédias e a revisão das políticas públicas .......................................................................... 153
Considerações finais sobre o Brasil e a Nova Zelândia....................................................... 169
Referências ........................................................................................................................ 174
Lista de Fontes .................................................................................................................. 188
10

1. Introdução
Esta tese é composta por cinco capítulos. Nesta introdução, apresento o percurso
conceitual e metodológico que culminou neste trabalho de doutorado de forma biográfica,
demonstrando como surgiu o problema de pesquisa em trabalho de campo prévio e como seu
desdobramento levou à construção dos seus objetivos. O segundo capítulo “Aventura enquanto
objeto de pesquisa e de política: uma revisão crítica” reconstrói cronologicamente o debate
acadêmico sobre o objeto específico desta pesquisa e a situa na discussão terminológica existente
detalhando quais pressupostos teórico-metodológicos foram adotados e por quê. O capítulo três,
“Quando o trabalho de campo não sai como o esperado: metodologia”, remonta os passos do
trabalho de campo empreendido relacionando as principais circunstâncias que se conformaram à
busca de bibliografia para fundamentar as ações de pesquisa em sua resposta e à consequente
reflexão sobre os limites da etnografia. O quarto capítulo, “O campo político da aventura no
Brasil”, apresenta resultados e discussão situando as atividades de aventura no país enquanto
campo político, apontando seus agentes (individuais e institucionais), suas principais ações
formais e seus interesses em disputa e analisa os conteúdos dos projetos de lei e programas
nacionais criados sobre/para práticas de aventura, além do peculiar conflito judicial travado entre
entidades esportivas e turísticas pelo direito à exploração comercial e regulação do campo. O
quinto capítulo, “Considerações Finais: Perspectivas de um campo compartilhado”, retoma os
principais achados, principalmente no que diz respeito às preocupações das políticas públicas e
sugere o que podemos aprender para melhores intervenções políticas, além de apontar as
limitações desta pesquisa e sugestões para pesquisas futuras. O posfácio, “O caso das políticas
públicas para práticas de aventura na Nova Zelândia como exercício de estranhamento ao caso
brasileiro”, faz movimento descritivo-analítico semelhante, apontando agentes, ações e interesses,
mas problematizando em especial o fato de que a política neozelandesa, foi considerada
inadequada e reformulada em 2009 após inúmeras tragédias. Ele complementa esta tese com uma
ponderação sobre divergências e semelhanças com o caso brasileiro.

1.1 Trajetória acadêmica e conformação deste estudo


11

Comecei meu percurso acadêmico com uma iniciação científica1 e uma monografia2 de
conclusão do bacharelado em Educação Física3 que tinham como objeto práticas alternativas aos
esportes convencionais. Meu pressuposto inicial e esperança pedagógica eram que, apesar do uso
do termo esporte, tais práticas se apropriavam e eram apropriadas de/por movimentos sociais que
procuravam romper com padrões de dominação e valores negativos reproduzidos por esportes
convencionais.
Sua popularização na virada do milênio me parecia indicativo de mudanças de
sensibilidades e mentalidades, em específico, da busca pela superação de entraves identificados
no esporte de inspiração aristocrática, androcêntrica, eurocêntrica, capitalista, institucional,
burocrática e olímpica. Minha curiosidade sobre como se constituíam e viabilizavam práticas de
lazer que me pareciam e se divulgavam deliberadamente como mais espontâneas e/ou informais -
no sentido de não serem vinculadas a pertencimentos grupais institucionais como escolas, clubes
ou academias, mas também, e principalmente, por não poderem ser oferecidas em uma agenda
regular já que dependem de fenômenos naturais para acontecer - se tornaram perguntas de
pesquisa. Em especial, interessou-me saber como se de fato há uma orientação ambientalista
nestas práticas e como os praticantes operam torções nas noções de tempo e espaço e de tempo de
trabalho e não trabalho.
O surfe se conformou como campo de minha primeira pesquisa quando, ao procurar
saber mais sobre a modalidade, em 2003, percebi que a biblioteca da Faculdade de Educação
Física da USP só possuía um livro sobre o tema. Ao reportar tal fato ao Grupo de Estudos em
História e Antropologia do Movimento Humano, do qual participava, fui incentivada pela
Professora Doutora Cláudia Maria Guedes a tomar esta lacuna como uma das justificativas para
adotar tal modalidade enquanto objeto de estudo. Além disso, quando conheci um grupo de
surfistas que se encontrava no estacionamento da mesma faculdade, percebi que acompanhá-los
poderia ser uma estratégia que facilitaria meu acesso ao campo, dado meu não pertencimento a
nenhuma modalidade alternativa e a falta de verba para realização de um trabalho de campo de
imersão total em uma cidade litorânea.

1
Surfe no Brasil: primeiras ondas.
2
Práticas Corporais e Aventura: considerações acerca do surfe no Brasil, publicada em artigo (BANDEIRA e
RUBIO, 2011) e desdobrada em estudos subsequentes (BANDEIRA, 2012a; 2014).
3
Realizadas na Universidade de São Paulo sob orientação da Profa. Dra. Cláudia Maria Guedes com bolsa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq) e, depois de sua mudança para os Estados
Unidos, assumida pela Profa. Dra. Katia Rubio.
12

A abordagem antropológica de Wacquant (2002), centrada na participação observante,


foi selecionada como o método de pesquisa, visto que a falta de experiência prévia me levou a
encontrar barreiras e limitações na construção dos dados. Colocar meu aprendizado e meu
próprio corpo a serviço da pesquisa foi a estratégia mais profícua para uma situação na qual os
surfistas investigados não se dispunham a falar de técnica com não praticantes e não viam com
bons olhos que não surfistas escrevessem sobre sua modalidade (condição também constatada por
Uvinha, 2001, Wheaton, 2004 e Olive, 2012).
Neste contexto, meu pressuposto sobre o surfe ser uma prática contestadora dos valores
conservadores não se confirmou totalmente. Embora o aspecto ambientalista tenha aparecido
fortemente, a aversão à competição não foi constatada, muito pelo contrário, era desejada; e um
ambiente altamente machista foi conhecido. Achei pertinente, então, investigar outras
modalidades ditas alternativas.
Em monografia de pós-graduação lato sensu em Comunicação Social4, investiguei como
a mídia escrita convencional (com recorte dos jornais de maior tiragem no país: O Globo, O
Estado de SP e A Folha de São Paulo) representava tais tipos de práticas. O objetivo oculto desta
pesquisa era fundamentar a opção por um termo a ser usado em projeto de mestrado futuro. Entre
todas as possíveis nominações e caracterizações, os termos de maior frequência de publicação
nestas mídias foram “esportes radicais” e “esportes de aventura”, usados na maioria das vezes
como sinônimos, por remeterem a situações arriscadas de prática, seguidos do uso dos termos
“esportes de risco”, “esportes de ação”, “esportes na natureza”, “esportes ao ar livre”, “esportes
extremos”. Na maioria destas matérias, a ideia de aventura tinha relação com a de exposição ao
ambiente natural (incontrolável), enquanto esportes radicais poderiam remeter a práticas mais
urbanas. Porém, o que mais surpreendeu foi que poucas matérias eram encontradas nos cadernos
de esportes - isto acontecia, quase sempre, quando notificavam resultados de competições. Em
qualquer outro caso, e na grande maioria das vezes, estavam nos cadernos de cotidiano e turismo.
Em minha dissertação de mestrado em Antropologia Social5, quis deixar a representação
escrita e voltar a problematizar rotinas práticas, a fim de verificar suas correspondências. Além

4
Comunicação, contemporaneidade e os novos esportes: a cobertura da Folha de São Paulo, realizada na Fundação
Cásper Líbero sob orientação do Prof. Dr.Cláudio Novaes Pinto Coelho e publicada como capítulo de livro
(BANDEIRA, 2009).
5
‘No galejo da remada’: estudo etnográfico sobre a noção de aventura em Brotas/SP, defendida na Universidade
Federal de São Carlos sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Henrique de Toledo com bolsa da Coordenação de
13

disto, também me interessava a tendência multiesportiva de certos praticantes, então busquei um


campo em que pudesse compreender rotinas práticas de modalidades diversas operadas como
conjunto. O campo selecionado foi a cidade de Brotas, no estado de São Paulo, autodenominada
capital brasileira da aventura. Naquela ocasião, o ambiente interiorano apresentou-me outras
modalidades que não o surfe e, novamente, lancei mão da participação observante, focada no
rafting, para compreender que os residentes de Brotas operam suas práticas simultaneamente
como esporte e turismo.
Optei, então, pelo termo aventura, assim como é utilizado na realidade empírica de
Brotas, e já que ele se difundia na mídia especializada, nas políticas públicas e no meio
acadêmico, nomeando o primeiro congresso específico sobre o assunto: o Congresso Brasileiro
de Atividades de Aventura, do qual participo desde a primeira edição em 20066. Como meus
pesquisados em diferentes épocas e lugares transitavam em suas práticas entre esporte e turismo,
propus que aventura seja entendida no sentido amplo de lazer.
Lazer, assim como concebido nesta tese, é a categoria mais abrangente para aquilo que
se faz no tempo de não trabalho e é escolhido sem obrigação e por prazer. Com a especificidade
de que o lazer de aventura é fundamentalmente corporal e realizado em contato com o meio
ambiente natural como fonte específica de desafio que é o risco da relação com o incontrolável.
Apesar de suas vertentes higienista e funcionalista, entendo, como Sant’Anna (1994), que
os Estudos do Lazer se fortaleceram na luta pela humanização das condições de trabalho pós
revolução industrial, em específico pela necessidade da redução da jornada de trabalho, e que o
lazer como reivindicação foi fundamental para a conquista, em nossas sociedades, de uma série
de direitos e possibilidade de expressão criativa. Advogo nesta tese, portanto, em favor da
importância de se cristalizar uma Antropologia do Lazer no Brasil, visto que iniciativas sobre o
tema foram levadas a cabo na década de 1980 (MAGNANI, 2012), mas foram eclipsadas pela
antropologia urbana e o interesse central na dinâmica das/nas cidades ou pelos estudos da
juventude. Embora os estudos das cidades e da juventude tenham capital importância, certas
manifestações de lazer não são limitadas a suas dinâmicas ou a uma faixa etária, o que demanda
uma investigação de suas práticas a partir de outros pressupostos.

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), publicada em Bandeira e Ribeiro (2015) e Bandeira, Amaral
e Bastos (no prelo).
6
Apenas estive ausente na edição de Vitória em 2014.
14

Práticas de lazer alternativo acontecidas nas cidades, chamadas comumente de esportes


radicais, têm encontrado algum espaço, embora pequeno, na investigação antropológica, como o
skate (Machado, 2012a e 2012b e Moda, 2014) e o parkour (Marques, 2010) 7. Já aquelas
acontecidas no ambiente não urbano, chamadas esportes de aventura, especialmente as que
embaralham noções como esporte e turismo ou negam os dois (como os caminhantes, viajantes
ou expedicionários), não encontram linhas de pesquisa nas quais se encaixem, entre uma
antropologia do corpo e uma antropologia do esporte.
Estudar um tipo de lazer situado na fronteira do esporte com o turismo desde uma
faculdade em Educação Física, ter como recorte de campo políticas públicas e a Antropologia
como escopo metodológico fazem deste trabalho inevitavelmente interdisciplinar. Além das áreas
citadas, a investigação de um fenômeno recente e de mutação acelerada também não pode
dispensar referências bibliográficas da Sociologia, Ciência Política, Filosofia, História e
Psicologia Social, ou ficaria sem ter com quem dialogar sobre sua questão específica de pesquisa.
Esta opção é incentivada por Wheaton (2013), para quem o ecletismo teórico e conceitual e
abordagens metodológicas multidimensionais são profícuas no estudo de objetos sociais recentes
e muito dinâmicos, e em especial, das peculiares práticas de que trata esta pesquisa. Este estudo
privilegia, então, a questão de pesquisa, em detrimento da ortodoxia disciplinar em uma
abordagem adaptativa, mais que interdisciplinar, transdisciplinar.
Por transdisciplinaridade entendo não só o uso e colaboração das diversas tradições
disciplinares que podem informar a investigação sobre dado objeto, mas como uma
transformação na forma como construímos conhecimento, deflagrada por fenômenos que se
situam fora e além do âmbito das disciplinas existentes. O que implica uma postura investigativa
aberta ao que as atravessa e as ultrapassa, prezando pela não redução do objeto em teorias
preexistentes (FREITAS, MORIN e NICOLESCU, 1994).
Proponho, portanto, que o diferencial da pesquisa antropológica para o estudo do lazer é
ser menos propositivo e mais aberto a perceber as formas criativas pelas quais a vida real
transcende e provoca torções e subversões em categorias acadêmicas estabelecidas. Inspirada em
Geertz (1989), para quem “(...) a abordagem de uma teoria de valor que olhe o comportamento de

7
É preciso considerar que, dependendo do tipo de cidade, certas práticas na natureza também são possíveis, assim
como analisa Dias e Alves Junior (2007) em Entre o mar e a montanha: esporte, aventura e natureza no Rio de
Janeiro e Urbanidades da natureza: o montanhismo, o surfe e as novas configurações do esporte no Rio de Janeiro
(Dias, 2008), entretanto, estas modalidades ainda são menos debatidas desde a perspectiva da antropologia,
majoritariamente focada no futebol e, ultimamente, nos megaeventos esportivos sediados no Brasil.
15

pessoas reais em sociedades reais, vivendo em termos de culturas reais procurando tanto o seu
estímulo como a sua validade, irá afastar-nos dos argumentos abstratos e muito escolásticos nos
quais um número limitado de posições clássicas é repetido sempre e sempre (p. 103)”, construo
meu lugar nos Estudos do Lazer, como aquele que se propõe a trazer de realidades empíricas,
questões não previstas pela teoria. Na Antropologia, procuro investigar objetos desprivilegiados
por sua ramificação. Objetos que estão na interface com a Educação Física, mas por sua natureza
subversiva e híbrida, também com tantas outras disciplinas, no caso do objeto desta tese, como a
gestão e educação ambiental, por exemplo. Por isso, na Educação Física, enquanto área de
intervenção, adoto a abordagem transdisciplinar.

1.2 Identificação do problema de pesquisa


Em pesquisas anteriores, principalmente no contexto específico de meu campo de
mestrado, as modalidades de aventura na cidade de Brotas, não só a ideia de aventura era
embaralhada as categorias esporte e turismo, como a categoria lazer era embaralhada com a
categoria trabalho por aqueles que se designam adeptos ou praticantes, mas principalmente,
profissionais de aventura. Por isso, além do termo lazer de aventura, usarei o termo atividades ou
práticas de aventura, como justificarei no capítulo seguinte, quando também quero me referir,
além do contexto do lazer de aventura, ao contexto do trabalho com aventura.
Meus pesquisados anteriores, ensinaram-me que sua única forma de viabilizar a desejada
aventura fora trabalhar com ela, já que os custos com equipamentos e viagens seriam muito
elevados apenas enquanto lazer para aqueles perfis socioeconômicos. E, neste contexto de
trabalho braçal, pouca escolaridade, sazonalidade, informalidade e baixa remuneração, meio a
delicadas relações trabalhistas, os trabalhadores da aventura muitas vezes sentiam-se
pressionados pelos donos das agências turísticas a operar8, como eles diziam, em condições não
ideais.
Durante meu trabalho de campo, um especialista em técnicas verticais brotense faleceu
em um acidente de trabalho com alpinismo industrial. Embora tabu, a comoção e conversas sobre
esta ocasião me deram a conhecer que outros dois acidentes fatais em rapel haviam acontecido
em atividades de turismo de aventura em Brotas. Um vitimou uma turista, o outro, um condutor.

8
Operar nestes contextos significa atuar junto aos turistas, mas com a especificidade que a aventura traz: a
necessidade de avaliação meteorológica, a administração de equipamentos de segurança e a introdução dos turistas às
técnicas necessárias ao passeio.
16

Embora muitos acadêmicos, como se verá na revisão bibliográfica a seguir, falem sobre
como o risco pode ser simulado ou excessivamente calculado nos serviços de aventura oferecidos
a leigos, em Brotas a tensão é real, como descrevemos em Bandeira e Ribeiro (2015). Tão intenso
quanto o medo de se acidentar, para estes trabalhadores da aventura era o medo de perder um
cliente em um acidente fatal.
Descobri, então, que modalidades que eu imaginava engajadas em soluções mais
humanas e para uma melhor vida no planeta, não só podem reproduzir problemas antigos, como
estigmas e exclusões de gênero (BANDEIRA & RUBIO, 2011 e BANDEIRA, 2012b), conflitos
de classe e étnicos (BANDEIRA, 2014), e de exploração trabalhista (BANDEIRA e RIBEIRO,
2015), como também produzem novos problemas com os quais lidar. Um deles é que, com o
aumento do interesse pelo apelo das práticas arriscadas, os acidentes também proliferaram.

1.3 Objetivos e justificativa


A totalidade da aventura na vida das pessoas que tanto trabalhavam quanto se divertiam
com ela, trazia à tona também a sua concepção de estilo de vida. As expressões turismo e/ou
esporte eram muitas vezes suprimidas por meus estudados, quando o que importava era viabilizar
uma vida de aventuras, independentemente de sua institucionalidade. Porém, apesar do foco da
pesquisa anterior estar na dimensão corporal da aventura e nas rotinas práticas dentro do rio de
corredeira, foi possível notar uma tensão institucional e estatal.
Enquanto em Brotas, percebi reclamações e viagens de alguns donos de agências
turísticas, membros da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de
Aventura (ABETA), a São Paulo e Brasília para responderem a intimações, depor e também a
convite da câmara dos deputados para participar de audiências públicas para informar a votação
de projetos de lei sobre o tema.
Até então, eu não sabia do que se tratava a associação, mas ouvi que uma contestação
jurídica de sua legitimidade fora deflagrada por entidades esportivas, as Confederações e
Associações nacionais de parapente, paraquedismo, corrida de orientação e pesca
esportiva/desporto subaquático, que também reivindicavam maior suporte do Ministério do
Esporte e a criação de uma Comissão de Esportes de Aventura (CEAV) em seu quadro, diante da,
em sua opinião, apropriação indevida dos esportes de aventura pelo mercado turístico.
17

Entretanto, para o propósito a que me dispunha no mestrado, uma etnografia sobre os


significados da noção de aventura focada na relação ser humano/meio ambiente, acabei por não
ter tempo para me dedicar às questões políticas que emergiam. Este doutorado se justifica por
preencher esta lacuna e investigar uma questão que emergiu do campo e que é relevante para
aqueles que o compõe. Além de endereçar uma lacuna também bibliográfica, como demonstrará
o capítulo a seguir.
Este projeto teve, portanto, como objetivo geral analisar quais são os agentes, as
preocupações e interesses políticos em embate no campo do lazer de aventura e como têm se
constituído em políticas públicas. Ou seja, como o Estado tem absorvido seus conteúdos e lidado
com as diferentes, por vezes opostas, demandas acerca destas práticas na disputa não só
simbólica e técnica como também jurídica entre agentes do turismo e do esporte pela regulação
deste campo no Brasil.
Enquanto desdobramentos da primeira fase de trabalho de campo, os objetivos
específicos deste estudo que se conformaram foram: a) problematizar a criação da Comissão de
Esporte de Aventura (CEAV) do Ministério do Esporte, em resposta à criação da Associação
Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA), e compreender porque a primeira
deixou de atuar e b) investigar quais foram os processos que levaram à rejeição dos projetos de
lei em trâmite na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados que versavam
sobre o tema.

2. Aventura enquanto objeto de estudo e de política: uma revisão crítica


To date, however, no research – by academics or policy analysts – has focussed on
lifestyle sport and its implications for national sport policy (TOMLINSON, et al, 2005,
p.9)

Em 2004, Belinda Wheaton realizou um balanço das diferentes terminologias utilizadas


para nomear as práticas das quais trata este estudo e alertou que nem todas elas são, de fato,
alternativas à cultura esportiva dominante, como era comum as caracterizar:

There is now a body of academic literature examining the phenomena of what has been
variously termed ‘extreme’, ‘alternative’, ‘lifestyle’, ‘whiz’, ‘action-sports’, ‘panic
sport’, ‘postmodern sport’, ‘post-industrial’ and ‘new’ sports. Such labels encompass a
wide range of mostly individualised sporting activities, from established practices like
surfing and skateboarding, to new emergent activities like B.A.S.E jumping and kite-
surfing. While these labels are used synonymously by some commentators, there are
18

differences which signal distinct emphases or expressions of the activities (p.2) […]
However, to understand their meaning we need to move beyond simplistic dichotomies
such as traditional versus new, mainstream versus emergent, or other related binaries
such as sport versus art. Alternative sport, and so called mainstream sport, can have
elements of […] dominant sport culture (WHEATON, 2004, p.3).

A autora sugere, diante de tamanha variedade de formas de nomear estas práticas, que
é preciso explicitar quais ênfases se quer dar com a adoção de dado conceito. Seguindo esta
premissa, esta revisão apresentará cronologicamente as principais vertentes em estudos destes
tipos de práticas e situará sua opção conceitual face às diferentes ênfases, contextos e críticas.

2.1 Caracterização e problematização do objeto


Encontram-se trabalhos acadêmicos monográficos sobre práticas corporais de lazer
caracterizadas como diferentes dos esportes convencionais desde a década de setenta, tais como A
Sociological Study of the Surfing Subculture in the Santa Cruz Area (HULL, 1976). Este estudo
detalha rotinas de uma única modalidade, o surfe, e se debruça sobre a especificidade da relação
entre praticantes e ambiente. Entretanto, foram os clássicos da filosofia do jogo e da sociologia
do esporte - que se pretendiam teorias gerais - os mais usados como referência no estudo destas
práticas ditas alternativas. Embora levando-as em consideração apenas em comentários breves e
simplistas influenciaram a produção acadêmica sobre elas durante muito tempo.
Callois (1990 [1958])9 é muito citado, e, muitas vezes, apenas suas palavras, sem ser
referenciado, porque discorre sobre jogos ao ar livre e também jogos que chama de inlix.
Segundo o autor este termo significa turbilhão de águas em grego e deu origem à palavra
vertigem (p. 45):

[...] [os jogos de inlix] consistem na tentativa de destruir por um instante a estabilidade
da percepção e infligir à consciência lúcida uma espécie de voluptuoso pânico. Em todos
os casos, trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de transe ou de estonteamento que
desvanece a realidade com uma imensa brusquidão. A perturbação provocada pela
vertigem é um fim em si mesma (p.43).

O autor cita movimentos giratórios, velocidade, acrobacias, saltos, projeções no espaço,


voos, ou sua combinação como característicos desta categoria de jogos, além da invenção de

9
Para toda esta revisão entre parênteses apresento o ano da edição da obra a que tive acesso, em sua tradução para o
português, em colchetes apresento a data de publicação do original.
19

máquinas de parques de diversão para estimular este estado de fuga e de evasão e depois sentir
prazer em recobrar a nitidez e o equilíbrio:

Tais engenhos ultrapassam a sua legítima finalidade se pretendessem algo mais que
enlouquecer os órgãos do ouvido interno, dos quais depende o sentido do equilíbrio. Mas
é todo o corpo que se submete a tratamentos tais que qualquer um recearia, se não visse
que todos se atropelam para experimentar. O resultado são indivíduos pálidos, inseguros,
no limiar da náusea. Deram gritos de pavor, ficaram sem fôlego [...]. Todavia, a maior
parte, antes mesmo de se acalmar, já se precipita para a bilheteria para comprar o direito
de experimentar mais uma vez o suplício a tão desejada fruição (p.46).

Callois (1990) problematiza a presença do risco e do medo nos jogos, mas apesar de
escolher termo que se refere a um fenômeno natural que os proporciona, inlix, concentra sua
análise na sua reprodução artificial. Diferentemente, Bourdieu (1990 [1980/1983], p.209; 2007
[1979], p.204) já sinalizava para a importância do estudo do conjunto das modalidades esportivas
de “combate contra a natureza”, que o autor chamou de “esportes californianos”10, reduzindo-as
ao gosto por atividades individuais, num contexto de análise que o levava a inferir que tais
modalidades eram importadas dos Estados Unidos pela burguesia francesa.
Elias e Dunning (1992 [1985], p.83/84), de maneira semelhante, encaixam tais práticas
como parte de sua teoria totalizante em um contínuo e não se propõem a esmiuçar suas
particularidades também as reduzindo a uma luta com elementos da natureza:

O desporto pode traduzir-se num combate entre seres humanos que lutam
individualmente ou em equipes. Pode ser uma luta de cavaleiros e de uma matilha de
cães em perseguição a uma raposa veloz. Pode assumir a forma de uma corrida de esqui
desde o cimo da montanha até o vale, um tipo de desporto que não é só um confronto
entre seres humanos, mas é, também, um desafio com a própria montanha coberta de
neve. Assim é o montanhismo, em que os seres humanos podem ser derrotados por uma
montanha ou, depois de muitos esforços, podem atingir o topo e gozar a sua vitória. O
desporto é sempre, em todas as suas variedades, uma luta controlada, num quadro

10
Eu não adoto esta terminologia, porque o povo polinésio já deixou claro seu descontentamento com o surfe sendo
caracterizado como californiano. Para uma melhor apreensão desta tensão, assistir o documentário Busting Down the
Door. Nele o surfe é reivindicado como havaiano contra sua apropriação, primeiro estadunidense e depois australiana
e sul africana. Entretanto, outros povos do triângulo polinésio (como o taitiano e o peruano) também reivindicam
para si a criação do surfe. Embora a contextualização da criação de uma prática corporal possa dizer muito sobre ela,
acredito que tentar determinar uma origem única para certas práticas, que podem ter aparecido, em versões muito
semelhantes, geográfica e temporalmente em lugares muito diferentes, leva à especulação e perda de tempo. É
importante reconhecer que a criação do skate e do windsurfe sejam estadunidenses, já que há registros em vídeo,
assistir Dog Town and Z-boys, mas não podemos realizar tal redução quando falamos de um conjunto de práticas que
inclui o montanhismo, sistematizado na Europa, especialmente nos países alpinos, com ingleses expandindo a prática
de alpinismo para montanhismo, o bungee jumping sendo desenvolvido na Nova Zelândia a partir de um rito de
passagem de pequenas ilhas do pacífico sul, assim como modalidades de canoagem que adotaram embarcações de
povos tradicionais, como o kayak.
20

imaginário, quer o adversário seja a montanha, o mar, a raposa ou outros seres humanos
11
(ELIAS E DUNNING, 1985, p. 83-84).

Em esforço semelhante, Parlebas (1988) classifica jogos e esportes em relação ao


entorno. Tendo como critério a possibilidade de o jogador controlar as informações do meio, ele
os organiza em três tipos: domesticado, semidomesticado e selvagem. As práticas das quais trata
este estudo seriam, segundo ele, jogos e esportes em ambiente selvagem. O aumento da
popularidade desta combinação de práticas em ambiente “selvagem” com a provocação da perda
do controle corporal, ou vertigem, é investigada em termos da busca do risco no lazer.
É na década de 1980 que a preocupação em não só tipificar, mas problematizar esses
conjuntos de práticas corporais começa a se configurar. Social Stigma of High-Risk Sport
Subcultures (VANREUSEL, B., RENSON, R., 1982) é um dentre estudos pioneiros que
caracterizavam tais práticas por sua relação deliberada com o risco. Ele é exemplar porque,
naquela época, a maioria dos estudos sobre práticas de lazer não inglesas correspondia a
monografias sobre uma única modalidade, tomada como um todo cultural, já este,
diferentemente, apresenta-se como um estudo comparativo de três modalidades diferentes.
No bojo de uma sociologia do desvio preocupada com comportamentos juvenis
arriscados, os autores situam o que chamam de esportes arriscados ou esportes de alto risco entre
atitudes que são consideradas desviantes ou não conforme os valores dos grupos de
pertencimento de cada pessoa. Vanrenseul e Renson (1982) afirmam que tais esportes são
procurados não porque seus adeptos não se sentiram suficientemente desafiados em outras esferas
de suas vidas, já que nossas sociedades seriam de controle, mas porque encontraram nestas
práticas um meio de se dissociar da sociedade hegemônica e constituir uma subcultura ou
identidade diferencial.
Vanrenseul e Renson (1982) afirmam que a sociologia do esporte não se dedicara a
estudar tais tipos de prática, até então, por três motivos principais: seu caráter informal e estrutura

11
Esta descrição de Elias e Dunnning, sobre a natureza como adversário, não é a única encontrada por Costa (2000)
entre praticantes destes tipos de prática. Além de vencer o ambiente, a autora encontrou entre seus entrevistados a
ideia de vencer a si mesmo e a seus medos e: “evidencia o equilíbrio do homem que não luta mais com a natureza,
mas que conseguiu reconhecer-lhe a força e harmonizar-se com ela, desfrutando suas energias” (p.156). É importante
balizar esta afirmação lembrando que a Antropologia não organiza a complexidade das manifestações culturais em
termos cronológicos. Deste modo é importante lembrar, para não correr o risco de soar evolucionista, que este
“homem” de que ela fala precisa ser entendido como os humanos ocidentais, de origem europeia, e nem todos eles,
visto que diferentes povos tradicionais continuam se relacionando de maneira distinta com a natureza e não podem
ser situados no passado.
21

volátil dificultavam sua circunscrição; as modalidades não comportavam espectadores (não


aconteciam em arenas ou espaços bem definidos de fácil acesso para não iniciados); e porque os
praticantes frequentemente desenvolviam mecanismos de defesa contra intrusos. Não eram
receptivos àqueles que não estavam interessados em se tornarem praticantes, pois suas práticas
eram estigmatizadas e até mesmo ilegais. Por isso, tendiam a publicar seus próprios registros e
reflexões e a compor a inicial mídia especializada.
Vanrenseul e Renson (1982) corroboram a revisão de literatura realizada para esta
pesquisa e afirmam que os primeiros estudos sistemáticos sobre tais práticas foram desenvolvidos
na década de setenta. Observações diretas de modalidades tais como escalada, surfe, mergulho,
cavernismo e paraquedismo, segundo os autores, tinham como questão principal de pesquisa a
relação com o risco e sua abordagem a partir da psicologia. Para Vanrenseul e Renson (1982), a
maioria destes pioneiros estudos tinha como interesse traçar os perfis de personalidade e as
motivações dos voluntários a exposição a riscos desnecessários.
Ao identificar que a maioria destes estudos abordara tais práticas e o risco a partir da
individualidade, os autores sugerem que seja investigada sua dimensão compartilhada, coletiva,
social. Especialmente em um contexto no qual tais praticantes estavam sendo marginalizados,
não como atletas, mas como “fanatic with a suicidal drive” (p.188), “adrenaline junkies”, ou
“outlaws” (p.189). Estigmas que, segundo Vanrenseul e Renson (1982), foram alimentados por
alguns dos próprios praticantes em nome de um desejado status subversivo e para sua dissociação
proposital do lazer convencional.
Por outro lado, as observações de participantes adeptos de escalada em rocha,
cavernismo e mergulho livre realizadas no registro acadêmico pelos autores atestam constantes
treinamentos em segurança e sobrevivência, socorros de urgência e rigorosa e permanente
checagem da meteorologia e manutenção dos equipamentos12. Embora, segundo Vanrenseul e
Renson (1982), os praticantes negligentes com a segurança sejam fortemente repreendidos,
atividades tecnicamente mais desafiadoras, e consequentemente arriscadas, como a escalada solo
(sem equipamentos de segurança), são extremamente respeitadas e conferem status positivo a
seus adeptos, reportados como heróis, que não são menos que isto caso, eventualmente, morram
durante a atividade. Esta ambiguidade demonstra a complexidade da relação com o risco que é

12
Esta preocupação e disciplina registrada em muitas modalidades levou autores subsequentes (tais como Costa,
2000) a afirmar que o risco buscado em tais práticas seria apenas um risco imaginário ou calculado, já que segundo
sua interpretação, o risco total seria aquele corrido sem tais prescrições de segurança.
22

aumentado não aleatoriamente, mas conforme a proficiência e o comprometimento técnico do


praticante com a modalidade.
Outros aspectos também afirmados por Vanrenseul e Renson (1982) como eixos nestas
“subculturas” foram a relação com equipamentos tecnológicos sofisticados, refletida como
“highly specialized techno talk” (p. 194) e o respeito e preocupação com a natureza, contidos em
estudos sistemáticos de fauna, flora, geologia e meteorologia (em geral, mas com especial
atenção às regiões onde a prática acontece). Os autores afirmam, comparativamente, que
dependendo da modalidade, esta relação pode assumir diferentes significações.
Segundo Vanrenseul e Renson (1982), enquanto mergulhadores e cavernistas atribuem à
sua relação com a natureza um sentido de desconhecido a se tornar conhecimento, os escaladores
a interpretavam como obstáculo desafiador a ser conquistado. Por outro lado, no que se refere à
relação com outros membros da sociedade, cavernismo e escalada compartilhavam apreciação
pelo não conformismo e pela quebra de regras, enquanto o mergulho operaria em acordo com a
“law and order”, em rituais disciplinantes, quase militares, segundo palavras dos autores.

2.2 Práticas características de uma época


As investigações subsequentes seguem, em sua maioria, duas vertentes de paradigmas
ou pressupostos teóricos para explicar esta proliferação de adeptos e tipos de modalidades. Há
aquelas apoiadas na ideia sociológica clássica de que o contrato social, a expansão das cidades, o
imperativo do modo de vida urbano e o aumento da segurança em diversos âmbitos da vida
provocariam o desejo de fugir da burocratização e alienação e a consequente busca da natureza
no lazer, como forma de se desafiar, seria uma alternativa (LYNG, 1990). Há, por outro lado,
aquelas que veem as sociedades ocidentais atuais como sociedades de risco (BECK, 1990;
GUIDDENS, 1991), em que tantos aspectos são tão dinâmicos, efêmeros e descontrolados, que é
preciso se expor ao risco para aprender a lidar com ele.
Lyng (1990) e Le Breton (1991) produzem uma análise mais geral sobre a voluntária
exposição ao risco, não limitada apenas ao lazer ou práticas esportivas, mas, posteriormente,
acabam por realizar análises com este foco mais específico. O primeiro autor trata de ofícios
arriscados e cunha o conceito de edgework, ou seja, trabalho no limite, para caracterizar aquelas
pessoas que aceitam funções sociais temerárias à grande maioria. O segundo, desde uma
antropologia do corpo e uma sociologia do risco, analisa o que chama de condutas de risco,
23

principalmente em jovens, incorporando a este cenário consumo de drogas, automutilações e


manifestações recentes como jogos de desmaio. Porém, suas obras que se dedicam a aplicar as
teorias mais amplas à análise de contextos esportivos são publicadas posteriormente e por isso
serão discutidas a seguir, em ordem cronológica. Continuemos a discutir as obras do princípio da
década de noventa, época em que a literatura acadêmica internacional sobre o tema chega
traduzida ao Brasil.
“Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação”, de Christian Pociello,
capítulo da coletânea Políticas do Corpo (SANT’ANNA, 1995), que já havia sido publicado em
francês na revista Esprit em 1993, ressalta, além das práticas expedicionárias investigadas por
Vanrenseul e Renson (1982), a importância do voo, das quedas e do deslize em práticas
esportivas contemporâneas. O autor considera central o interesse por sofisticados equipamentos
tecnológicos e sua manipulação sensorial na fruição de fenômenos naturais como ondas,
corredeiras e correntes de vento. Pociello (1995) considera que estes desafios esportivos diferem
daqueles mais convencionais ou olímpicos por trocarem as demonstrações de força e potência
exclusivamente musculares por aquelas de controle informacional do corpo na interação com
fenômenos naturais e criatividade constante na invenção de novos equipamentos e gestos
esportivos, mais adequados a este fim.
Outro francês a abordar tais práticas como um conjunto é o sociólogo Alain Ehrenberg
que, em 1995, publica o original de O culto da performance: da aventura empreendedora à
depressão nervosa, publicado em português no Brasil em 2010. O autor situa os esportes de
aventura em uma análise mais geral da contemporaneidade, caracterizada por ele segundo três
peculiaridades: o quanto é esportiva, consumista e empresarial.
Segundo afirma Ehrenberg (2010 [1995]), a década de 1980 testemunhou a ascensão do
individualismo, a celebração da figura do empreendedor e a vitória da paixão pela empresa sobre
a política da cidadania. Em sua análise crítica radical, ele lista os esportes de aventura como
características de uma França que tem os “homens de negócio” como modelo ideal de conduta,
pautado em ser obstinado, assumir riscos e desfrutar de si mesmo. Tudo isso em regime de
excelência promovido por uma importância crescente do esporte performático como modelo para
outras esferas da vida social.
Em específico no seu primeiro capítulo intitulado “O esporte-aventura: nova maneira de
se pensar”, Ehrenberg (2010 [1995]) afirma haver uma multiplicação dos usos não esportivos do
24

esporte e uma esportização da aventura. Esse duplo movimento sendo o motor da popularidade da
última, juntamente ao apelo da imagem do aventureiro esportista como um sobrevivente, segundo
ele, facilmente disseminável porque metáfora para tudo na vida, “uma passagem para a lógica do
desafio em que se deve produzir sua própria liberdade” (p.43):

A aventura é utilizada [até] no contexto de sessões de formação [profissional...] em


percursos audaciosos em que se pratica, rafting, saltos no vazio e paraquedismo com a
intenção de fazer [...] aprender a assumir riscos, tanto individualmente, quanto
coletivamente num ambiente econômico imprevisível. Há algumas décadas, eram tão
pouco comuns os que utilizavam o esporte como símbolo da competitividade de uma
empresa que ninguém jamais teria pensado em empregá-lo como método de gestão de
pessoal. Hoje a referência ao esporte está baseada na banalidade mais degradante, e sua
inserção nas técnicas de motivação dos empregados não causa nenhum espanto. A
prática esportiva e a linguagem do esporte penetraram a tal ponto em todos os poros da
sociedade que está em via de se tornar uma passagem obrigatória para os valores da
ação. Entramos numa nova era do esporte. Ao contrário, os esportistas e os aventureiros
estão inclinados a adotar um modo de ação empresarial para administrar sua imagem [...]
Esse ir-e-vir permanente entre esporte, aventura e empresa, esse espírito de conquista
que nos invade, é a marca de uma mudança decisiva na mitologia da auto realização. O
homem de massa, tanto na sua versão classes populares, como na versão classes médias,
contentava-se em admirar seus heróis [...] hoje o indivíduo comum não deve mais se
acomodar com esses devaneios: exige-se dele que aceda verdadeiramente à
individualidade por meio de uma passagem à ação [ser seu próprio herói] (p.10-11).

Se, por um lado, é importante ser crítico na análise de um fenômeno social e este perfil
de praticantes de aventura analisado por Ehrenberg é inegável, por outro, sua interpretação é
simplista e homogeneizante, para não dizer julgadora, porque faz uma análise da apropriação que
a publicidade fez das práticas de aventura e não dos praticantes autônomos. Quando tenta trazer
alguma complexidade à análise, o autor separa a aventura em apenas dois tipos, de elite e
popular, e não leva em consideração a miríade de diferentes apropriações possíveis de tão
distintas práticas por divergentes perfis de praticantes.
Diferentemente, Towards an Anthropological Analysis of New Sport Cultures: The Case
of Whiz Sports in France (MIDOL, e BROYER, 1995) se dedica a investigar em profundidade
ocaso de apenas um grupo específico de praticantes na França, um movimento entre os esportes
de deslize na neve, e não a criar uma teoria geral. O texto introduz-se perguntando ao leitor
porque mais uma abordagem destas práticas, a antropológica, seria frutífera quando já se dispõe
de outros estudos na literatura, a que os autores respondem afirmando que a inovação e
importância da abordagem antropológica seria traçar uma interpretação intermediária entre o polo
individual ou psicológico e o social ou sociológico. Ao ter como referência Mauss, que advoga
25

em favor de uma interpretação biopsicossocial da vida humana, Midol e Broyer (1995) acreditam
que a antropologia ao fazer essa tripla consideração do fenômeno, atenta para lacunas de outros
modelos explicativos: as dinâmicas entre habilidades motoras, motivações pessoais e valores e
organização coletivos destas práticas.
Segundo Midol (1993) e Midol e Broyer (1995) o movimento “Whiz” se deu na França a
partir de um conflito entre atletas profissionais e os técnicos da Federação Francesa de Esqui.
Alguns atletas se opunham a métodos de treinamento que não permitiam o divertimento (o termo
“fun” é uma noção muito presente nas investigações sobre as modalidades aqui consideradas em
países anglo-saxões e na tradução de tais artigos para o inglês). Segundo os autores:

The coaches were from a generation that had shared certain sexual taboos and
internalized the values of work, willpower and self-sacrifice, and the feeling of guilt
associated with inactivity. The skiers were from a generation that had seen sexual
liberation […] For them, defence mechanisms that once applied to sexual taboos, now
applied to taboos about death; a similar transition gave birth to new sport forms free
from restrictions based on safety. Skiers freed themselves from the guilt complex linked
to Christianity […] This new generation replaced the morality of guilt (born of original
sin) by a pleasure-seeking in the present moment, a search for the thrills experienced by
athletes as they go even faster or higher […] We must also note that this culture has
defined itself through the appearance of newly created objects. Sport equipment such as
surfboards and mono-skis have ushered in the transition, leading to new kinds of
exchanges and relations (p.207)

Ao optar pelo termo “whiz”, estes esquiadores criaram uma entidade paralela à
Federação Francesa de Esqui e organizaram competições inovadoras de diferentes formatos, sem
separação por gênero, por exemplo, e incentivaram o esqui de exploração fora das pistas. Embora
estas vivências alternativas persistam, e o snowboarding tenha sido, antes de ser incorporado
pelos Jogos Olímpicos de Inverno, associado à anarquia e androgenia, a entidade não sobreviveu
aos anos 1980. Mas os autores, ao evitarem a estigmatização deste movimento, penderam para
uma análise elogiosa, representando-o romantizado, o que será criticado pela literatura mais
concentrada nos anos 2000.
Além da centralidade do prazer, divertimento e hedonismo, reflexões sobre a
importância dos ambientes naturais para estes tipos de práticas – bem como a valorização da
postura ambientalista de certos praticantes e destas modalidades como opção pedagógica para
incentivar a educação ambiental e opções mais sustentáveis de vida - foram partilhadas desde
Vanrenseul e Renson (1982) até trabalhos brasileiros mais recentes como Lazer e meio ambiente:
corpos buscando o verde e a aventura (BRUHNS, 1997) e Corpo, lazer e natureza: elementos
26

para uma discussão ética (VILLAVERDE, 2001). Diferente dos autores anteriormente
apresentados, nestes trabalhos, realizados na fronteira dos estudos do lazer com o turismo, as
viagens e práticas esportivas são descritas como comunhão com a natureza, e não confronto com
ela. Segundo os autores, nestas práticas, não se pretende conquistar a natureza, mas fruí-la. O
“ecologismo” é identificado como opção política dos adeptos, além do potencial educativo
contido na máxima “conhecer para conservar”.
Entretanto, esta vertente de pensamento, mais propositiva e menos crítica, em torno de
tais práticas não é a única, e o final dos anos 1990 é marcado pelas primeiras dissertações e teses
sobre modalidades específicas com mais dados empíricos associados a uma discussão
terminológica. Lazer na adolescência: uma análise sobre os skatistas do ABC paulista
(UVINHA, 1997), publicada em 2001 com o título Juventude, lazer e esportes radicais, e
Esportes radicais: referências para um estudo acadêmico (FERNANDES, 1998), fazem a opção
por termo utilizado mais particularmente pela mídia brasileira.
Segundo os autores, o termo radical remete ao gosto pelo risco e pela aventura, e uma
tendência relacionada à conservação ecológica13, jovialidade, inovação e negação dos valores
tradicionais. Os entrevistados de Uvinha (2001) explicam a radicalidade em termos de
complexidade e dificuldade das manobras que executam, mas também exposição à altura e
velocidade, por exemplo, e o consequente perigo de se machucar gravemente em uma queda (p.
24-25).
O termo esportes radicais pode ser visto, então, como um equivalente ao termo esportes
extremos, mais usado pela mídia norte americana. Uvinha (1997) e Fernandes (1998), entretanto,
não problematizam, segundo Sydnor e Rinehart (2003), que o canal ESPN, criador dos Extreme
Games (em 1996 apelidados de X Games), tenha inaugurado neste evento uma série de
modalidades moldadas para a televisão (p.4). Ou seja, usar este termo poderia remeter mais a
modalidades praticadas em arenas artificias, nas quais o eixo de significados é o enfrentamento
do risco em manobras agudas e arrojadas e não necessariamente os fenômenos naturais e seus
imponderáveis, ou uma bandeira política alternativa de apropriação do espaço público das
cidades.

13
Esta afirmação está mais embasada na revisão bibliográfica feita pelo autor, já que no estudo de caso que o autor
empreende sobre skatistas se evidencia mais o ambiente urbano e a conquista da rua, a possibilidade de
“ressignificar” um espaço tido como impessoal, hostil ou estranho (p.31).
27

Entretanto, embora Rinehart (2000) opte pelo termo esportes alternativos e os


caracterize como qualquer prática deliberadamente diferente dos esportes convencionais ou
hegemônicos, segundo Wheaton (2004), a extrema abrangência do conceito “alternativo” (que,
segundo Rinehart, englobaria de esportes indígenas, MMA e ultimate frisbee até os X-Games) o
torna impreciso para delimitar o objeto específico deste estudo.
Esportes de aventura e risco na montanha: uma trajetória de jogo com limites e
incertezas (COSTA, 1999), publicada em livro em 2000 com o título Esportes de aventura e
risco na montanha: um mergulho no imaginário, traz a opção pelo conceito aventura, além dos
termos esportes de risco, esportes na natureza e esportes ecoturísticos (p.162), mas também o usa
com abrangência como experiência incerta ou arriscada, sem excluir modalidades urbanas, apesar
de escolher recortar aquelas praticadas na natureza e que compõem a ideia mais ampla de
montanhismo: escalada, trekking, rapel e canoagem.
Para Costa (2000) a etimologia da palavra aventura remete à ruptura da rotina, àquilo
que provoca espanto, surpresa e se torna memorável. Com uma abordagem do imaginário na
interface da antropologia filosófica com a psicologia social, a autora se propõe a interpretar mitos
e símbolos associados à aventura como arte de viver que, para Costa (2000), seriam produtos de
uma crise de valores e do aumento da incerteza nas sociedades ocidentais globalizadas, que
provocam a necessidade de incorporar e tratar o risco e a natureza como forma de acessar o
sagrado sem, entretanto, deixar as cidades.

Dentre a multiplicidade de sentidos que pertencem à substância da vida espiritual, está o


sentido do espírito aventureiro, que se apresenta nas atividades esportivas ecoturísticas.
Assim, o homem do final do século XX, às portas do século XXI, avança com o espírito
de aventura tão presente nas grandes conquistas da humanidade, em especial no século
XVI, quando o homem desbravou os mares e foi ao encontro de outras civilizações. Hoje
tão ou mais presente nas atividades esportivas de aventura e risco calculado, permite ao
homem jogar com as chances de conquistar, com o destino e com as adversidades,
imprimindo outros sentidos que se distanciam dos antepassados do século XVI. Se
aqueles eram movidos por interesses econômicos expansionistas ou por sonhos de
conquistas, estes, hoje, conquistam de modo simbólico, a si mesmos, desafiando seus
próprios limites (COSTA, 2000, p.5).

Embora concorde com a interpretação da autora sobre o fenômeno, buscando


compreendê-lo em sua importância para os adeptos, sem julgá-lo, e que a difusão de tais práticas
promova uma renovação simbólica no campo dos esportes; a antropologia universalista, como a
concebe Costa (2000) baseada em Jung, Elíade Bachelard e Durand, não é a utilizada na
28

abordagem do presente estudo. Como afirmo em Bandeira (2012), não se pode negar a
importância das grandes teorias e da busca de convergências entre dados de diferentes contextos
e das generalizações para a solução de certos problemas como a concepção de raça (Lévi-Strauss,
1976), por exemplo. Entretanto, esta não é a única forma de se fazer antropologia e ela pode
forçar a redução de dados inovadores a teorias que precisam ser superadas. Por isso, no presente
trabalho priorizo o que há de divergente e conflituoso no fenômeno ou contexto social das
práticas de aventura de forma dialética, buscando não apenas sua compreensão teórica, mas
também colaborar com a solução de problemas concretos, mais especificamente oferecer
conteúdo e informações para a mediação das disputas políticas neste campo.
Seguirei a partir da segunda perspectiva. Concordo com Costa (2000) quando ela afirma
que o fenômeno da aventura está muito associado ao ecoturismo e com outras formas de
experimentar o medo e o arriscar-se, como os parques de diversão (como já diziam Callois, 1990
e Sevcenko, 2001), os pegas ou rachas de carro e o surfe de trem. Para tais afirmações Costa
(2001) se baseia na vasta obra de Le Breton sobre a sociologia do risco e a antropologia das
emoções e do corpo. Porém, antes de debatermos a obra do último autor, é preciso sinalizar para
aquilo com que não concordo em Costa (2001). É preciso parcimônia quando ela afirma que estes
tipos de esporte resgatam:

[...] valores de beleza, autorrealização, liberdade, cooperação e solidariedade, valores


omitidos pelas práticas mecanizadas do esporte-espetáculo, em que preponderam a
eficácia do rendimento corporal e a produção e consumo de bens e serviços [...] uma
atitude de seriedade em torno do seu caráter recreativo. Esta seriedade exige uma
extensa dedicação de tempo e reserva um estado de interação com os elementos da
natureza e suas variações (sol, vento, montanha, rios, vegetação densa, lua, chuva,
tempestade), desencadeando, em relação a eles, atitudes de admiração, respeito e
preservação (p. 26-27).

A autora ignora que algumas modalidades destes esportes já têm suas versões
competitivas e espetacularizadas, como já ponderava Rinehart (2000), e ela mesma afirma ter
selecionado montanhistas de lazer e autônomos, não escaladores competitivos ou turistas.
Ademais, a relação com a natureza como ela bem notou pode ser diversa, alguns grupos a
sacralizam e protegem, outros a usam como cenário para suas façanhas físicas sem se importar
com o impacto de suas atividades. Também citada por Costa, está Mary Jane Spink que, desde a
psicologia social, se dedica a investigar o enfrentamento de riscos no período que escolhe chamar
29

modernidade tardia. Especialmente a crescente e significativa exposição deliberada ao risco nas


práticas de lazer, que a autora chama de risco-aventura.
A autora e diversos colaboradores investigam as origens históricas do conceito de risco e
seu papel como estratégia de governamentalidade (SPINK, 2001a), o papel metafórico do risco
na modernidade tardia (SPINK, 2001b), os repertórios sobre risco que circulam na mídia
jornalística (SPINK, MEDRADO & MELLO, 2002), a busca de risco pelo prazer da adrenalina
(SPINK et al., 2003), os seguros de vida e contra acidentes como tecnologia de gestão do risco no
turismo de aventura e o conjunto de práticas que recuperam a dimensão positiva dos riscos na
interface dos esportes radicais com o turismo de aventura, caracterizados pela promoção da
ousadia, que pode levar a descobertas e superação de limites (SPINK, ARAGAKI e ALVES,
2005). Ela afirma ter cunhado uma

definição abrangente de risco-aventura que incluísse os componentes que a literatura


parece dar destaque ao referir-se a risco, radicalismo ou aventura: atividades (1) que
tragam desafios aos limites físicos ou de habilidades; (2) que possam ser caracterizadas
como fateful activities na acepção de Goffman (1972): eventos que são simultaneamente
conseqüentes (têm desfechos que se estendem para além do evento propriamente dito) e
problemáticos (têm um grau de incerteza quanto aos resultados) e (3) que sejam
passíveis de gerar a fusão entre ação e consciência, que Csikszentmihalyi (1975)
denomina flow e Caillois (1958) refere como sensação de vertigem. Essas atividades
podem ser realizadas dentro ou fora de esquemas comerciais de aventura; podem
envolver ou não competição e podem enfatizar mais especificamente algum dos
componentes acima discriminados. Mas, de maneira geral, serão consideradas risco-
aventura, se envolverem desafios consideráveis (e até extremos) às habilidades que
podem gerar conseqüências pessoais graves (especialmente a morte) no caso de erro
(SPINK et al, 2004, p.82).

Csikszentmihalyi (1975) é muito utilizado como referência nos estudos sobre estes tipos
de práticas, visto que as descrições dos praticantes sobre as sensações de suas modalidades são
muito semelhantes à teoria do autor. O automatismo da resposta do corpo aos fenômenos da
natureza são vividos por eles como fina harmonia com o mundo. A excelência dos gestos e do
condicionamento físico garantem a sobrevivência nesta interação fluida. Le Breton, que publica
em 2002 o original de Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver, traduzido para o
português em 2009, também o cita.
Para Le Breton (2002) a natureza no imaginário ocidental é vista como instrumento de
autoconhecimento habitando tanto as paixões físicas e esportivas radicais, como a formação ao ar
livre em empresas. Ele dialoga com Ehrenberg (2010), mas vai além da exposição enojada do
outro autor sobre estas práticas, ele situa seu apelo em uma longa tradição:
30

No final do século XIX, a preocupação em moralizar a juventude em um contexto de


crise social suscitou o desenvolvimento de Boys Brigades e, posteriormente, do
escotismo, a partir de 1908, sob a égide de Baden Powell, para envolver os jovens em
uma relação concreta com a natureza, apoiando-se simultaneamente sobre a disciplina
consentida e sobre o desejo de aventura, de autonomia, o gosto pelo esforço físico.
Muitas outras experiências se utilizaram desses métodos de imersão, conjugando
trabalho escolar e envolvimento real no mundo para dar responsabilidade ao jovem,
temperar seu caráter, levá-lo à cooperação com os outros. Mas o escotismo alcançava
sobretudo os mais jovens, os mais velhos não aceitavam os jogos propostos ou o
moralismo que os envolvia. Primeiro na Alemanha, em Salem, às margens do lago de
Constance, no castelo dos marqueses de Baden, depois na Grã-Bretanha após seu exílio,
Kurt Hahn desenvolveu a École du Grand Large. “O amor pela aventura, pelo perigo e
pelo risco era a maior das grandes paixões que podiam proteger a juventude e inspirá-
la”, comenta R. Skindeslsky. “Navegar sobre mares perigosos, tomar parte em
expedições difíceis, praticar o alpinismo – essas atividades de homens ajudariam
também os jovens a desenvolver um ideal, a vencer múltiplos obstáculos e a estabelecer
amizades capazes de transformar sua concepção de vida” [...] Importante polo de
14
educação da Grã-Bretanha no pós guerra, a escola de Hahn radicaliza o escotismo [...]
sendo que se punha mais ênfase nos rapazes que nas moças [...] trata-se, sobretudo, de
restaurar a forma física, a autoconfiança, o prazer de empreender, a cooperação, etc. A
formação do caráter predomina sobre qualquer outra consideração. [...] A aventura
erigiu-se em princípio educativo (p.154-155).

Encontrei muitas correspondências entre esta passagem e o trabalho de campo realizado


na Nova Zelândia, onde a educação e recreação ao ar livre são muito praticadas, como se verá
discutido no posfácio. Porém, o que importa agora é que, em sua obra, Le Breton conclui que tais

14
Le Breton dá continuidade a este trecho mencionando que Kurt Hahn fundara a Outward Bound. Segundo website
da Outward Bound Brasil, a Outward Bound foi fundada em 1941 no Reino Unido por Kurt Hahn, pioneiro da
Educação Experiencial ao Ar Livre e Sir Lawrence Holt, proprietário de uma companhia de navegação britânica. Sir
Lawrence preocupado com o fato que os marinheiros mais jovens, em melhor forma física, tinham uma taxa de
sobrevivência menor que os marinheiros mais velhos, depois que os seus navios eram torpedeados por submarinos
alemães. Kurt Hahn estudou a situação e concluiu que o problema eram a falta de autoconfiança e a dificuldade em
lidar com situações de estresse entre os marinheiros mais jovens. Assim, eles criaram juntos um programa no qual
jovens recrutas marinheiros eram expostos a tarefas progressivamente mais desafiadoras num ambiente ao ar livre,
fazendo-os perceber o seu potencial e confiar nele. O nome “Outward Bound” se origina do termo de navegação
usado para designar o momento em que um navio deixa o porto seguro rumo aos desafios do mar aberto. Entretanto a
instituição expandiu sua atuação. Ainda segundo o website oficial da Outward Bound Brasil: “A Outward Bound é a
maior instituição de Educação Experiencial ao Ar Livre do mundo, tendo colaborado com o desenvolvimento de
mais de 2 milhões de pessoas e inúmeras organizações, em seus mais de 70 anos de história. Está presente em 32
países e, no Brasil, atua desde 2000. Como entidade sem fins lucrativos, fornece todos os anos a milhares de jovens e
adultos experiências inesquecíveis e desafiadoras desenvolvidas na natureza, visando desenvolver as potencialidades
pessoais e as qualidades de liderança dos participantes, tendo muitas vezes um duradouro impacto positivo no seu
futuro” (Disponível em: http://www.obb.org.br/, acesso em 27/02/2016).
31

desafios se autonomizaram das escolas e o enfrentamento destes tipos de riscos em jornadas


ordálicas passaram a ritos de passagem contemporâneos, jogo de provações com a morte (mesmo
que simbolicamente) para uma magnificação da vida.
Segundo Le Breton (2009 [2002]), como compensação à excessiva calma da sociedade
civil é preciso se lançar à natureza para reencontrar a graça da vida no imprevisto. Entretanto,
também é preciso receber esta formulação com parcimônia. Embora embasado em entrevistas e
análise de relatos de aventureiros - ou seja, ele toma o discurso dos praticantes como a explicação
que eles dão sobre o que fazem - não se pode deixar de considerar que eles são franceses. Nem
todos os países do mundo que têm experimentado a popularidades destes tipos de lazer são
pacíficos, organizados e seguros quanto a França. É por isso que prefiro rejeitar as explicações
únicas.
De uma forma ou de outra, concordo com Le Breton (2009) que, para certos perfis de
praticantes o ambiente selvagem é uma arena ambivalente: sagrada e impiedosa, na qual o
adversário é si mesmo. Nesta procura de emoção, o vocabulário dos praticantes dá aos
pesquisadores pensar os termos: fun (que eu traduziria como curtição15), adrenalina, fluxo, fusão.
A aliança com o mundo, e/ou a excelência humana, são confirmadas pela sobrevivência, mas o
autor não nega que certos “novos aventureiros”, fartamente patrocinados, exibem sua paixão
inútil procurando os melhores ângulos para a câmera, do sofrimento ao êxtase:

Se a “natureza radical” se converte em adversidade deliberadamente escolhida por seus


rigores, o corpo é a outra peça mestra desse jogo sutil com os limites e a morte. Nessas
atividades, o corpo é colocado como alter ego, objeto privilegiado da atenção do ator que
dele passa a cuidar, dele exige o melhor resultado na procura do suplemento da alma (de
sentido) que lhe falta. Metamorfoseado em adversário mais ou menos obstinado em
reduzir e até mesmo a leva-lo a ficar nauseado com o desempenho, ele é instrumento que
deve ser vigiado em suas reações, seus parâmetros, a fim de contrapor-se a suas
fraquezas. A determinação do caráter, a ambivalência, o sofrimento tem livre curso por
ocasião desta busca. Durante essa luta íntima, e muitas vezes feroz, trata-se de conter o
próprio corpo, sabendo que quanto mais marcado ele estiver ao final, mais significativo
será o ganho esperado do acontecimento (p.111).

Entretanto, toda esta explanação de Le Breton (2009) se encaixa nos perfis de


praticantes e adeptos regulares e/ou autônomos, comprometidos tecnicamente com as

15
Em seu primeiro uso, esta gíria em português estava relacionada à alteração da consciência provocada pelo uso de
drogas e suas sensações, incorporada pelo vocabulário dos esportistas sobre os quais versa este estudo, ela se refere à
combinação da noção de diversão com o efeito da adrenalina no organismo.
32

modalidades elegidas. O que ele, entre outros autores chamam de simulacros de risco, são as
atividades mais efêmeras, oferecidas principalmente no turismo, nas quais não se dá nem esse
grau de envolvimento físico/técnico, nem a exposição a um ambiente tão inóspito e isolado.
Nestes casos, o leigo contrata o praticante experiente para conduzí-lo e responsabilizar-se pela
gestão do risco. Entretanto, nesta terceirização da aventura, tão estimulada pelo marketing e pelo
alvoroço em relação ao potencial econômico do turismo, o potencial pedagógico do risco é
diminuído e a não autorresponsabilização e não aprendizado técnico podem deixar os clientes da
aventura muito vulneráveis ao erro do trabalhador de aventura contratado.

2.3 Debate terminológico e a centralidade do risco


A virada do milênio inaugurou um tempo de coletâneas internacionais e nacionais que -
apesar de congregarem os autores que se dedicavam ao tema com pioneirismo compilando as
mais diversas abordagens, versões e contextos do objeto em uma mesma publicação -
priorizavam como estudados os esportistas de aventura. Apesar do ecletismo das edições, é
possível notar que as coletâneas nacionais se dedicaram mais à relação ser humano e meio
ambiente através do potencial educativo do lazer e como implementá-la na educação física,
trazendo estudos que versavam sobre esportes e turismo, sem maiores preocupações em
diferenciá-los. Turismo, lazer e natureza (MARINHO e BRUHNS, 2003), traz em português um
capítulo do Espanhol Javier Betrán - Rumo a um novo conceito de ócio ativo e turismo na
Espanha: as atividades físicas de aventura na natureza (AFAN), que passa a influenciar
sobremaneira a produção nacional com a proposta da sigla AFAN. Nela, mesmo autores
vinculados institucionalmente na Educação Física escreviam sobre turismo. Veremos no capítulo
quatro desta tese como esta não diferenciação acadêmica se constituiu como problema no campo
político.
As coletâneas internacionais dedicaram-se mais à centralidade do risco desde uma
perspectiva da sociologia do esporte. Comparando suas introduções escritas pelos organizadores,
entretanto, as coletâneas anglófonas se apresentam como mais críticas, assim como se vê em To
The Extreme: alternative sports inside and out (RINEHART e SYDNOR, 2003):

Extreme sports are sometimes connected to a new world order, a transnational village,
the peaceful brotherhood of our planet. The beautiful choreography of X-Sport scenes
may evince an otherworldly utopia. And extreme sports are truly international. But
extreme sports are also mostly ‘white’, ‘wealthy’, and exclusionary. Enthusiasts of many
33

of the newer extreme sports must have funds, leisure time, and access to specialized
environments in order to participate […] Travel itself may characterize the postmodern
condition and is certainly a form of conspicuous consumption. Like many tourists, the
X-athlete traveller seeks the exotic […] certainly, for many participants, part of being an
extreme athlete is to be less common than others, to privilege “insiders’ expertise” and
disdain mere “tourists” of extreme sport (p.10)

Rinehart e Sydnor (2003) ponderam a respeito da importância da viagem nestes tipos de


práticas, ao considera-las um tipo de ostentação praticado pelas elites quando da procura de
ambientes exóticos os mais exclusivos possível. Além disto, os autores ponderam sobre a suposta
quebra com o sistema de representação nacional na prática esportiva, para além da ideia de que
estes esportes promovem livre circulação mundial de praticantes não competitivos ou, no caso
competitivo, de algumas modalidades, como a corrida de aventura, por exemplo, que são
praticadas por equipes compostas por membros de diferentes países, ao lembrarem que raça e
classe social afetam as possibilidades de viagem.
Adiciono a esta reflexão uma peculiaridade encontrada em minha pesquisa de mestrado
(BANDEIRA, 2012), devido ao campo se tratar de um destino turístico. Os atletas e esportistas
em Brotas são aqueles que também são guias turísticos. Os turistas não são considerados
esportistas visto que são dependentes deles tanto tecnicamente, em termos das habilidades
motoras envolvidas em cada modalidade (e também em avaliar as condições climáticas e de
orientação), quanto no que se refere ao condicionamento físico necessário para realizar a visita a
certos ambientes. Há uma clara dissociação entre estes perfis de adeptos que não pode ser
confundida.
O primeiro é aquele que se compromete com a modalidade e produz para ela
referenciais, o segundo terceiriza sua aventura e a gestão do risco, não se responsabiliza por si, e
pode não estar interessado em aprender a (ou com a) atividade. Mas esta não pode ser vista como
uma dicotomia simples entre esportista produtor de cultura e turista consumidor de um mercado.
Rinehart e Sydnor (2003) já alertavam que a questão do consumo é inevitável também nas
práticas mais pioneiras, inovadoras e autônomas:

There is an irony to extreme sports: that ‘authentic’, alternative, ‘pure’, avant-garde,


forms quickly become mainstream and ‘corrupted’. Consequently, associated with
alternative cultures also contribute to the growth and homogenizing of specific tastes of
unique cultures into society. Many extreme athletes desire to be unique outsiders and
nonconformists, yet […] this too becomes an invented ‘conformist’ rhetoric. As many
note, the entrepreneurial business quickly elides into multimillion dollar consumptive
activity (p.10).
34

Os autores utilizam a expressão esportes extremos para chamar atenção do público, ao


mesmo tempo que propõe esportes alternativos, por vezes como sinônimo, por vezes como
conceito mais adequado. Enquanto problematizam as diferentes terminologias usadas16, afirmam
que a clássica questão “o que é esporte?” é novamente confrontada por estas modalidades (p.2):

There are athletes who seek back regions, privacy, health and/or healing from their
alternative sports ventures, who might not be included as `registered´ participants. Some
athletes may practice their sports as regimens of asceticism, or outrightly decry the
promotion of their activity into the mainstream (p.3) […] Residual connections to New
Age, Earth Day, and Green movements exist for some sports; others may embody urban
sprawl [However] The Disney Corporation, ESPN, ESPN2, ABC, MTV, the Discovery
Channel, and large corporations such as Pepsi, Coke, and Nike, have essentially
appropriated and determined much of the electronic imaging of extreme sports to the
world (p.4).

Embora Rinehart e Sydnor (2003) alertem que pode haver uma oposição conceitual
entre, por exemplo, o que seria chamado escalada esportiva versus escalada de aventura, a última
indicando não competição, eu adicionaria a esta reflexão, que alguns praticantes destas
modalidades não se consideram atletas competitivos, mas consideram sua modalidade um
esporte, mesmo que não competitivo e expedicionário.
Como encontrei em Brotas (BANDEIRA, 2012), em alguns contextos, a palavra atleta
pode ser associada a competição e ao desejável, nem sempre alcançado, profissionalismo,
enquanto o termo esportista seria mais abrangente e também incluiria o praticante amador e não
competitivo. Mas nos dois casos, dos atletas e dos esportistas, a prática é vista como esporte.
Neste caso, a concepção de esporte também é mais abrangente, não necessariamente corresponde
a institucionalização, medição e comparação formal de performances, mas sim a qualquer desafio
físico e/ou divertimento corporal.
Entretanto, esta concepção abrangente de esporte, não pode perder de vista a diferença
prática entre turistas e esportistas nas atividades de aventura, assim como o faz a dissertação O
imaginário no rafting: uma busca pelos sentidos da aventura, do risco e da vertigem (SOUSA,
2004), publicada em formato de livro. Nela, a autora analisa narrativas de pessoas que
participavam do rafting pela primeira vez da mesma forma e com o mesmo peso interpretativo

16
Além das terminologias já apresentadas na epígrafe deste capítulo, os autores discutem a possibilidade do recorte
das modalidades com prancha, que teriam conexões de sentido e dinâmica entre si, e também a possibilidade de
situar os esportes alternativos em antigos (surfe e montanhismo) e novos (aqueles criados a partir de 1960).
35

que as de alguém que era responsável por guiar a atividade. Aí está dado um problema analítico.
É preciso dar tratamento metodológico aos significados atribuídos ao rafting por diferentes perfis
de participantes: praticantes autônomos experientes, entre eles expedicionários e/ou
competidores, que eventualmente podem se tornar guias, e os participantes do rafting
tecnicamente dependentes dos guias, que o vivem pontualmente como um passeio turístico.
Neste sentido usarei o termo atividades de aventura quando me refiro a qualquer nível de
envolvimento e participação com tais modalidades, podendo ser um passatempo ou um passeio.
O termo práticas de aventura será usado quando quiser conotar envolvimento técnico mais
duradouro com relação ensino-aprendizagem implicada.
A dissertação Popularização da canoagem como esporte e lazer - o caso de
Piracicaba (TEREZANI, 2004), também adota e problematiza a noção de aventura, e é uma das
pioneiras em discutir a dimensão política das práticas na natureza. Tendo como objetivos
identificar os fatores sócio-econômicos, políticos e culturais que provocam o impedimento da
popularização da canoagem - mesmo em municípios com condições naturais favoráveis à prática
da modalidade - pretendeu verificar até que ponto a existência de uma política pública de esporte
e lazer municipal contribui, ou não, para minimizar esse impedimento. O autor conclui que as
políticas públicas fazem diferença na disseminação da canoagem, mas que ela deve ser concebida
como esporte em sua acepção mais ampla, no sentido de lazer, não exclusivamente competitivo,
para atingir maior número de adeptos.
Wheaton (2004), na abertura da coletânea Understanding Lifestyle Sports:
consumption, identity and difference, propõe que essa maneira ampliada de conceber o esporte
seria uma característica da pós modernidade. No mesmo ano, Guttmann, sociólogo do esporte
conhecido pelo livro From Ritual to Record (1978), considerado clássico no Brasil, escreve um
tipo de posfácio de duas páginas, chamado “Postmodernism and les sports californiens”, em seu
livro Sports: the first five millennia. Nele o autor introduz os elementos diferenciais dos esportes
de que trata este estudo para depois desconstruí-los e argumentar que tais modalidades não
passam de apenas mais tipos de esportes modernos e não esportes pós-modernos:

Another way to understand postmodernism in domain of sports – one that I prefer – is to


look for “family resemblance” (Wittgenteirn´s term) among a set of activities that
French sociologists call les sports californiens, sports that represent a regrettable
submission to American cultural influence. (It is specially annoying that skateboarders
speak of mon skate instead of ma planche à roulettes). Among the most frequently cited
of these “Californian” sports are the activities of motorcyclists, skateboarders,
36

rollerbladers, hang gliders, windsurfers, snowboarders, acrobatic skiers, and other


nonconformist adventurers. What these sports seem to have in common is that most of
them began as informally structured, individual activities that took place in urban and
natural space (rather than in the specialized, built-to-order venues of most modern
sports). They rely on new technologies and call for acrobatic moves. They attract young
people of both sexes […] also offer a frissom of risk. As Alain Loret notes, these new
sports renounce measurement and “valorize delirium” […] These new sports do seem to
be ubiquitous. Must we conclude that we live in the era of postmodern sports? Perhaps
not. We should recall that many of novel characteristics of postmodern sports are not all
that novel. Consider the automobile races of the fin de siècle. They relied on
technologically sophisticated equipment; their heady velocity offered the vertiginous
pleasures of risk; and they were especially attractive to young people. There is another
reason to be sceptical about the claim that we have moved into postmodernity. We
should note another “family resemblance” among “Californian” sports: most of them
have made – or seem about to make – the familiar transition from more or less
spontaneous play to the rules and regulations of an institutionalized sports contest. There
has, admittedly, been ambivalence about commercial sponsorship, about the formation
of bureaucratic organizations, and about participation in national and international
championships (p. 323-324).

Embora a literatura mais atual concorde com o autor sobre um processo de esportização
(institucionalização, regramento, burocratização e competitividade) das práticas de aventura, é
preciso fazer duas ressalvas sobre sua proposição. Primeiro, que ela se presta muito mais a negar
a existência de um período histórico chamado por alguns autores de pós modernidade do que a
problematizar as práticas objeto desta tese. Ao fazê-lo, Guttmann (2004) apenas enfatiza a
apropriação das práticas de aventura pelo sistema esportivo convencional, mas ignora aquelas
versões que se pretendem deliberadamente resistentes a ele.
A ruptura ou não com o período chamado modernidade, é uma divergência entre
correntes teóricas que antecede e transcende a discussão sobre a natureza de tais práticas, mas
que está muito presente enquanto pressuposto dos estudos sobre elas. Do meu ponto de vista,
embora veja a revolução dos estudantes de 1968, a revolução feminista, a massificação da
tecnologia digital e a consciência sobre a crise ecológica e aquecimento global como fenômenos
marcantes da contemporaneidade, que promoveram mudanças significativas nos modos de vida
ocidentais, ainda é complicado realizar tal julgamento, em termos de ruptura ou continuidade,
visto que um processo de séculos, como a chamada modernidade, não pode ser comparado a um
intervalo de décadas, como o que seria (ou que será) a pós modernidade. A propósito, Latour
(1994) afirma que jamais fomos modernos.
Prefiro não tomar partido em relação a estes paradigmas, visto que muito tempo já foi
dedicado a eles em uma discussão muito especulativa. Como meu objeto são as políticas públicas
brasileiras para práticas de aventura, e não o momento histórico mais geral no qual se
37

popularizam, com o objetivo de aprofundar questões práticas desde uma abordagem


antropológica, parto do pressuposto que é mais profícuo focar nas motivações e interesses dos
praticantes em disputa, pois independentemente de seu estatuto de verdade, estas práticas existem
em seus termos e criam demandas públicas.
Os estudos que se debruçam sobre tal discussão são em sua maioria de dois tipos:
aqueles que, usualmente realizados por cientistas das humanidades, utilizam os esportes de
aventura como ilustração ou mais uma manifestação característica do período histórico pós 1960
(tais como EHRENBERG, 1995 e MAFFESOLI, 2000) e aqueles que, usualmente realizados por
pesquisadores da educação física, se apoiam em grandes teorias sobre tal período como pano de
fundo para explicar as práticas de aventura (tais como MARINHO, 2003). O diferencial do
presente estudo é que ele evita caracterizações prontas, sejam de qualquer um dos tipos, e foca o
recorte empírico selecionado.
Esta discussão em suspensão por hora, voltemos a Guttmann (2004). O autor dedica
apenas duas páginas para um conjunto imenso de modalidades complexas e realiza
generalizações como a de gênero e faixa etária (“They attract young people of both sexes”), que
soam no mínimo apressadas. Há autores que se dedicaram a estudar a fundo a questão de gênero
e faixa etária nestas modalidades que não são considerados por ele. Segundo estes autores, apesar
de em um primeiro momento os esportes na neve, principalmente o snowboarding, terem sido
caracterizados como andrógenos (THORPE, 2006), e de esportes como a corrida de aventura
terem se perpetuado com equipes mistas, trazendo em sua regra a obrigatoriedade de um membro
de sexo diferente dos demais, estudos específicos em gênero (tais como HUMBERSTONE, 2000
e, posteriormente, THORPE, 2006 e BANDEIRA e RUBIO, 2011), têm mostrado a exclusão,
preconceito ou condições desiguais de prática para as mulheres em inúmeras modalidades de
aventura.
Além disso, Wheaton (2004) derruba o estigma de idade associado a estas modalidades,
demonstrando que não podem mais ser consideradas interesses restritos à juventude. Segundo a
autora, a opção pelo termo “esportes estilo de vida” se dá quando ela nota que esta é a forma
como os praticantes definem sua modalidade e a diferenciam de outros tipos de esportes, porque
tal expressão enfatiza a busca distintiva por uma identidade, mas também porque ela registra um
movimento que perdura durante todo ciclo de vida dos praticantes, como práticas que vieram para
ficar, estabilizadas também entre adultos e idosos. Para Wheaton (2004), os esportes “estilo de
38

vida”, embora tenham surgido entre, ou atraído, gerações mais jovens, acompanharam estas
pessoas em suas fases seguintes de vida, tornando-se esportes para a vida inteira.
A autora ainda se apoia em Rojek (1995) quando afirma que o lazer não pode ser
analisado apartado das lógicas do trabalho e contexto mais amplo no qual está inserido,
principalmente o consumo, para explicar estes tipos de identidade produzidas na eleição de um
estilo de vida e não mais necessariamente determinada por pertencimento de classe e em Stebbins
(1992), em sua ideia de lazer sério, para explicar o comprometimento dos adeptos a suas
modalidades, devido à necessidade de dedicação técnica para a gestão do risco, até se tornarem
tão centrais que configuram estilos de vida.
A noção de estilo de vida, também era operada com frequência pelos estudados de meus
trabalhos anteriores, seja nas representações destas práticas na mídia (BANDEIRA, 2009), no
surfe (BANDEIRA, 2011) e na ideia mais geral de aventura em um destino turístico
multiesportivo (BANDEIRA, 2012b). Entretanto, e a partir destes campos empíricos, é
importante ressaltar duas divergências que tenho com a autora.
A primeira, é que, na maioria das vezes, ao menos em português, o termo usado pelos
praticantes ou adeptos é estilo de vida, e não esporte de estilo de vida. Em minhas pesquisas notei
que eles diziam que sua prática é seu esporte, seu turismo, seu lazer e, eventualmente, seu
trabalho, quando a importância do trabalho não é secundarizada em relação à prática. Portanto,
estilo de vida era usado com o intuito de esclarecer que concebem tal prática como mais que um
esporte, não restrita a ideia de esporte, como noção maior do que qualquer uma das categorias
acima listadas. Seria, deste modo, uma distorção realizar esta redução.
Minha segunda crítica, no que tange o meu campo atual de pesquisa, é que a noção de
estilo de vida não se aplica a todos os adeptos. Em tempos de massificação, quando a
preocupação dos estudos científicos também precisa se voltar para a iniciação de leigos e a
audiência, não se pode mais investigar apenas grupos de praticantes experientes e exóticos,
fechados em suas “subculturas”. Aliás, a própria Wheaton (2004) concorda com a expansão da
prática destes tipos de atividades e diversificação de perfis de participantes.
Mas, mesmo com estas divergências conceituais, ao apresentar sua primeira
coletânea, Wheaton (2004) faz um balanço de todos os capítulos sobre diversas modalidades e
interpretações de seus diferentes autores que resulta em uma boa lista de características para tais
tipos de modalidades, que sintetizo aqui:
39

a) são um fenômeno historicamente recente, seja em sua criação ou adaptação a partir de


formas culturais não europeias;
b) diferentemente de alguns esportes extremos que podem ser definidos pelos
consumidores de suas imagens e objetos, esportes estilo de vida são definidos
essencialmente pela participação frequente e proficiência técnica, sintetizadas em
comprometimento com a modalidade;
c) são muito relacionadas à criação e consumo de novas tecnologias, o que leva a
constante diversificação e fragmentação de modalidades;
d) são formas de expressão coletivas, atitudes e identidade social que extrapolam a
sessão de prática e tematizam toda a vida do praticante;
e) promovem um tipo de divertimento hedonista, especificamente relacionado com as
sensações proporcionadas pela adrenalina, que enfatiza a estética, fluidez,
expressividade e criatividade em detrimento de competição, institucionalização,
regulação e comercialização;
f) perfil de participantes predominantemente de homens, brancos, ocidentais de classe
média (embora algumas modalidades sejam menos gênero-diferenciadas do que os
esportes convencionais);
g) predominantemente, embora não exclusivamente, práticas individuais [ela sugere que
a corrida de aventura e o ultimate frisbee são duas exceções interessantes, eu incluiria o
rafting e a canoagem polinésia, como modalidades crescentes no cenário brasileiro];
h) são modalidades não agressivas, que não envolvem contato corporal, embora
mantenham e fetichizem noções de risco e perigo;
i) estas noções propiciadas pela sua ocorrência em espaços liminares, sem fronteiras
fixas, em sua maioria não urbanas, carregadas de nostalgia por um imaginário melhor
passado rural ou de um senso de natureza como algo misterioso, sagrado e/ou espiritual,
a ser reverenciado, protegido e nutrido, quando urbanas são transgressoras dos usos
prescritos para os espaços das cidades (p.12).

Contudo, o fato de ser uma caracterização abrangente não elimina a necessidade de


atualizá-la, embora a própria autora já o tenha feito não sistematicamente na continuidade de sua
obra, em publicações mais recentes. O item b, já fora discutido anteriormente. A prática destes
tipos de modalidades não é mais exclusividade de uma confraria de excêntricos, de difícil acesso,
que precisava ser desvendada por um trabalho de campo pioneiro e ousado. Atualmente o
engajamento nestas modalidades, nos mais diversos níveis, é incentivado pela mídia e por
Estados, não só como potencial para a educação e construção de valores que se tornam
importantes, como os ambientais ou a vida ativa, mas principalmente porque visto como nicho de
mercado promissor, capaz de enriquecer economias. O item e, por sua vez, já mereceu críticas de
outros autores que analisaram processos de incorporação de modalidades ditas alternativas tanto
por sistemas esportivos conservadores, como por mídias televisivas, que se apresentavam como
subversivas, mas estavam muito comprometidas com a forja de um mercado lucrativo.
LAZER – MEIO AMBIENTE: em busca das atitudes vivenciadas nos Esportes de
Aventura, a dissertação de Mirleide Chaar Bahia, defendida em 2005, utiliza Brotas como campo
40

para investigar o aspecto ambiental das atividades aqui discutidas. Diferentemente, voltada à
aventura enquanto mercado turístico, em 2005, a coletânea Turismo de aventura: reflexões e
tendências (UVINHA, 2005) apresenta uma série de trabalhos distribuídos entre os temas:
Aspectos legais e políticos do turismo de aventura, O turismo de aventura e suas interfaces
acadêmicas, Turismo de aventura e o contexto regional e Perspectivas mercadológicas do turismo
de aventura. O primeiro merece destaque visto a relação dos capítulos Políticas de Incentivo ao
Turismo de aventura no Brasil: o papel do Ministério do Turismo e Normalização17 e certificação
em turismo de aventura no Brasil com o tema específico desta tese. Seu conteúdo será trazido na
discussão com os dados. Aqui cabe trazer a definição de turismo de aventura contida no capítulo
do organizador de tal coletânea:

O turismo de aventura é um segmento em que se pode verificar uma relação


oferta/demanda característica, próxima da prática dos ditos esportes de aventura e
realizada por um público com motivações peculiares, viabilizada com infraestrutura e
recursos humanos especializados, a fim de implementar uma experiência desafiadora e
passível de certificação específica nos mais distintos ambientes e localidades, seja na
atividade do excursionismo (sem pernoite), seja na atividade do turismo (UVINHA,
2005, p.271)

Note o leitor que, embora o autor problematize criticamente a rubrica “eco” e os


riscos das atividades de aventura ao longo do capítulo, os termos segmento e oferta/demanda
caracterizam uma definição reduzida as suas relações de consumo. Diferentemente, neste mesmo
ano, Lifestyle sports and national sport policy: an agenda for research de Alan Tomlinson, Neil
Ravenscroft, Belinda Wheaton e Paul Gilchrist é publicada online enquanto relatório para a Sport
England, órgão governamental responsável pela prática esportiva na Inglaterra. Este estudo
inaugural propõe que as atividades de Aventura são vividas enquanto experiências corporais que
desafiam as formas estabelecidas de conceber o esporte:

17
Note o leitor que este é o termo utilizado nos relatórios de participação do CBCE na CEAV e também nos projetos
de lei, mas o INMETRO e, portanto, a ABNT e ABETA utilizam o termo normalização, que é definido como: “fixar
padrões para garantir a qualidade industrial, a racionalização da produção, transporte e consumo de bens, a segurança
das pessoas e a proteção do meio ambiente. Para a elaboração de uma norma é imprescindível a participação de todos
os setores interessados (fabricantes, consumidores, governo e entidades neutras, como universidades e centros de
pesquisa), de modo a que sejam contemplados os diferentes interesses e, portanto, seja obtido o consenso”
(Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/qualidade/pdf/termoReferencia.pdf, acesso em 27/03/2014). Segundo
esclarecimentos de entrevistados, embora muito confundidos como sinônimos no senso comum os termos regulação
e regulamentação são atribuições exclusivas do Estado e interferências no mercado. A normalização envolve regras
estabelecidas pela sociedade civil junto com os fornecedores, consumidores e instituições neutras. Já a normatização
é o estabelecimento pelo Estado de leis baseadas nas normas estabelecidas.
41

There has been a proliferation of new sporting forms over the two decades that have
challenged traditional ways of conceptualising and practicing sport. These new forms,
variously labelled ‘action’, ‘new’, ‘wizz’, ‘extreme’ and ‘lifestyle’ sports, have
commercial and competitive dimensions, but are essentially understood by participants
as bodily experiences [...] While challenging mainstream sport in terms of cultural
significance, participation figures are hard to establish, as are recognised forms of
regulation and governance [...] In contrast to the regulation of conventional sports,
alternative or lifestyle sports are characterised by a relative lack of regulation and a
customary refusal by participants to follow regulatory codes. Paradoxically, however,
commercialisation and competition have led to a need to establish some codes and
boundaries, although these subsequently act as markers for the extreme practice of the
elite participants (TOMLINSON, et al, 2005, p.2)

Note que a lista de termos apresentada neste excerto não traz a expressão aventura.
Entretanto, aventura é usada ao longo da obra como outro sinônimo para lifestyle sports. De
forma semelhante ao Reino Unido, como relatam Tomlinson et al (2005), no Brasil tais esportes
eram caracterizados pela literatura pioneira como avessos à institucionalização e regulação:

In contrast to the regulation of conventional sports, alternative or lifestyle sports are


characterised by a relative lack of regulation and a customary refusal by participants to
follow regulatory codes. Paradoxically, however, commercialisation and competition
have led to a need to establish some codes and boundaries, although these subsequently
act as markers for the extreme practice of the elite participants (p.2). There is also a
broader need to recognise that lifestyle sports span a number of policy and bureaucratic
arenas – particularly sports, tourism and consumption. This has a number of
implications, relating to the ways in which different policy agendas can be influenced
through these sporting forms. For example, the relationship between sport, lifestyle and
tourism is in need of analysis, in terms of the type of people who go on such holidays
and how their holiday activity relate to their lifestyle practices at home (p.3) […]
Participation takes place in spaces that often lack regulation and control. The sports tend
to have a participatory ideology that promotes fun, hedonism, involvement, self
actualisation, ‘flow’(Csikzentminalyi, 1990), living for the moment, adrenalin and other
intrinsic rewards. They often denounce, and in some cases even resist,
institutionalisation, regulation and commercialisation (p.4).

Entretanto, estudos posteriores, até mesmo de coautores de Tomlinson, tais como


Wheaton (2013), reconhecem a adesão das práticas de aventura ao processo de
institucionalização e regramento, já mencionado por Guttmman (2004). Por um lado, a
elaboração de políticas institucionalizadas para tais modalidades apareceu como questão urgente
para os agentes do campo, mas, por outro, não encontrei estudos aprofundados em políticas
nacionais sobre o tema. Menos ainda estudos que se debrucem sobre a relação política entre
esporte e turismo, assim como demandam os autores.
No Brasil, em 2006, as coletâneas Aventuras na natureza: consolidando significados
(SCHWARTZ, 2006) e Viagens, lazer e esporte: o espaço da natureza (MARINHO E BRUHNS,
42

2006) retomam a centralidade do espaço natural na prática deste tipo de lazer. Na última, a
presença de pesquisadores internacionais como Javier e Alberto Betrán, David Le Breton, e
Barbara Humberstone, da Espanha, França e Inglaterra respectivamente, influenciam
sobremaneira a produção brasileira futura sobre o tema. Entretanto, a última não goza de tanta
expressividade como os primeiros, talvez porque Humberstone se dedica especificamente à
educação ao ar livre e ao ecofeminismo, enquanto Le Breton cria grandes teorias gerais sobre o
risco e tenha uma relação estreita com o Brasil, tendo visitado o país, em diversas oportunidades,
ministrando palestras e cursos e sendo bastante traduzido e o espanhol seja mais fácil de ler entre
brasileiros.
A questão do risco é central na tese Risco, corpo e socialidade no vôo livre
(PIMENTEL, 2006). Mas antes de discuti-lo é preciso problematizar a opção do autor pelo termo
AFAN. Pimentel rejeita a denominação esporte por ser restritiva e por pretender abranger
manifestações como campismo. Entretanto, sua opção por um termo que recorta o fenômeno em
atividades físicas não é menos restritiva, embora a relacione também com o turismo:

Outra característica de grande parte das AFAN é estar ligada ao turismo na natureza.
Acertadamente já se observou que a oferta da maioria das práticas corporais de aventura
na natureza se dá em agências de ecoturismo ao invés de subordinadas às federações e
confederações (BRUHNS, 2003). Isso não significa negar ser o esporte ou o jogo
esportivo a roupagem mais evidente dessas manifestações. Aliás, são comuns termos
como “esportes de “aventura”, “esportes californianos”, “esportes alternativos” ou
“esportes radicais”. Porém, a palavra esporte pode confundir e reduzir o tipo de
fenômeno que acontece no meio ambiente natural. Afinal, exploração de cavernas ou
acampar, por exemplo, estão longe do que se convencionou chamar esportes. Como o
contato com a natureza se faz com um corpo e esse corpo produz um sistema lógico de
interações com o meio, através de movimentos e posturas, o desfrutar – lúdico – da
natureza depende de uma gama muito ampla de atividades corporais sistematizadas –
boa parte sem a codificação esportiva. Não obstante essas considerações, empiricamente
se evidenciam diferenças entre o “esportista” e o “turista” na prática das AFAN. Embora
uma forma se alimente da outra, sendo ambas as experiências de lazer, trespassadas
muitas vezes pelo viés mercadológico, no uso esportivo o praticante opta pelo
treinamento e, via de regra, aquisição do próprio material, visando contínuo domínio
sobre o equipamento e autonomia sobre a atividade. Quanto mais o esportista de
aventura se torna responsável pelas próprias ações, mais intensa é a sensação de desafio,
pois a experiência lhe permite gerenciar os riscos de sua atividade em níveis crescentes.
(p.14)

A adoção do conceito proposto por Betrán (2003) nesta argumentação não se faz
necessária, sequer faz sentido, visto que Pimentel (2006) pretendia uma abordagem não restritiva
baseada em Maffesoli, para quem a redução que se faz num objeto para percebê-lo “puro”,
isolado e abstraído de sua totalidade acabaria criando uma representação irreal, desperdiçando
43

sua concretude (p.23). Em minha experiência, os praticantes não sabem o que AFAN quer dizer e
não se reconhecem na sigla18.
É claro que a teoria está para superar o senso comum, mas não pode desconectar-se
da realidade empírica. Termos como lazer de aventura, práticas de aventura ou atividades de
aventura seriam mais adequados ao referencial que sustenta o estudo de Pimentel (2006). Esta é a
estratégia que sigo no presente trabalho, lanço mão das três expressões para evitar a
repetitividade, mas também para dar ênfase às pequenas diferenças de sentido entre elas, como
exposto anteriormente.
Isto posto, o excerto de Pimentel (2006) escolhido para esta discussão terminológica
também dá a pensar a relação esporte/turismo no âmbito da aventura. Diferentemente de outros
autores como Dias, Mello e Alves Junior (2007), Pimentel (2006) opta por incluir as
manifestações turísticas em sua explanação, entretanto não avança sobre os problemas desta
relação, apenas salienta que tanto as atividades esportivas, quanto as turísticas deste tipo estão
centradas na relação com certos riscos.
Para os estudados de Pimentel (2006), a percepção do risco produz adrenalina, mas
este estresse é positivado pelos pilotos, entendido como em Le Breton (2009 [2002]), buscado
como forma de intensificar o sentimento de estar vivo. O medo de algo dar errado, já que todo dia
a natureza muda e não permite rotina, permite sentir-se capaz de sobreviver, renovando a
existência.
Também centrada na ideia de risco, no ano seguinte, é publicada a Berkshire
Encyclopedia of Extreme Sports (BOOTH e THORPE, 2007). Como toda enciclopédia, uma boa
indicação para o leitor não familiarizado com todas as modalidades citadas até aqui em busca de
descrições, mas bastante fragmentada visto que cada vocábulo é apresentado por um autor,
muitos dos quais praticantes e não acadêmicos. Embora sejam renomados historiadores do
esporte, na introdução do livro, a definição historiograficamente continuísta de Booth e Thorpe
(2007) não ajudou a delimitar o objeto de estudo em sua especificidade:

Taking risks with one’s life in sports competitions is nothing new in the human
experience. Gladiatorial competitions in ancient Rome and jousts in medieval Europe are
two examples of sports that fit the modern definition of extreme. Extreme sports in their

18
Pimentel (2006) mesmo pondera que o conceito AFAN é pouco crítico: “reproduz uma certa ingenuidade ou
romantismo sobre as práticas na natureza, ignorando ou minimizando a relevância das condições materiais de
obtenção dos serviços e produtos” (p.54).
44

modern form are a recent development and the list of pursuits and sports categorized as
“extreme” is long and growing as in number of athletes and spectators. Extreme sports
now form a distinct sector within the large sports industry […] have diffused around the
world at a phenomenal rate and far faster then established sports […] have benefited
from historically unique conjuncture of mass communications, corporate sponsors,
entertainment industries, political aspirations of cities, and a growing affluent young
population […] Extreme sports are about taking risks, pushing the limits, breaking rules,
and – at least sometimes- about having fun. They are also a major cultural, commercial,
and media phenomenon whose importance far transcends the relatively few active
participants. Culturally, extreme sports are seen as representing values such as fierce
individualism, civil disobedience, the quest for human potential, taking control of one´s
own life, and intimate engagement with the environment. Commercially, extreme is the
password for corporations and advertisers to access young people, specially men […]
The media, notably ESPN, sponsors and broadcasters of Summer X Games and Winter
X games, has played a critical role in the diffusion and popularization of extreme sports.
(p. ix).

Booth e Thorpe (2007) afirmam que os esportes extremos têm semelhanças e


diferenças com os esportes da antiguidade e da modernidade. As principais semelhanças são uma
disposição em correr certos riscos. O que eles têm de mais diferente, segundo os autores, seria a
interação próxima com fenômenos naturais e forças do planeta. Este último ponto me parece
muito importante na especificação dos tipos de risco que os praticantes destas atividades se
propõem correr. Não são riscos de qualquer sorte, são desafios muito específicos aqueles
significativos para seus adeptos. Como demonstrarei no capítulo de resultados, o campo empírico
desta pesquisa fez-me notar que o risco é preocupação e motivo central n(d)as políticas públicas
formuladas sobre tais práticas. Por isso, aprofundemos a revisão sobre ele.
A coletânea Philosophy, Risk and Adventure Sports (MCNAMEE, 2007), sinaliza
para a preferência destes autores pelo termo aventura, que congregaria na definição de tais
práticas a centralidade do risco àquela da natureza. A edição apresenta capítulos como o de
Breivik (2007), que articula o que chama de “a inevitável busca por excitação” (que ele considera
profundamente enraizada na natureza humana), fundamentada em Elias e Dunning (1985), com o
estabelecimento de “sociedades de segurança” (estados modernos de bem estar) e a emergência
dos esportes de aventura. Ele acredita que a necessidade da espécie humana por estimulação e
novidade engatilharam o “lazer de perseguição de sensações” (sensation seeking leisure).
Em uma explicação um tanto biologicista ele cita teorias da psicologia para
demonstrar como nós necessitamos de segurança básica e ontológica para nos desenvolvermos,
mas como também é impossível crescer e amadurecer sob total segurança. Segundo Breivik
(2007), nossas vidas deveriam apresentar uma dinâmica espiral de um nível de segurança a outro
45

através do arriscar-se progressivo para criar aprendizados e níveis mais elevados de estabilidade.
Neste sentido, o risco seria um conteúdo central da educação humana e deveria estar prescrito
ensinar a lidar com ele. Entretanto, o autor afirma, que as sociedades modernas obcecadas por
controle desenvolveram uma “cultura do medo” que faz decrescer a capacidade de resolução de
problemas das pessoas:

The quest for risk, the breaking records, the test of human limits, the exploration of
wilderness, is at least partly explained by our past. Our evolutionary background made
us more active than other animals, we need greater areas to explore, because we seem to
feed, not only on food, but on novelty […] human kind is adapted to a life that involves
challenges and risks (p. 17).

Breivik (2007) também menciona que já há identificado um gene relacionado ao


comportamento de buscar riscos, portanto, há pessoas mais propensas que outras a desejarem
arriscar-se. Para o autor, as pessoas do tipo propensas ao enfrentamento de riscos precisam ter
garantidas oportunidades e espaços para viverem riscos positivos e potencializarem esta sua
propensão para fins significativos e esta seria uma questão, segundo Breivik (2007), de política
pública. Isto porque para o autor, toda existência humana está submetida ao paradoxo da
monotonia. Se a sociedade se torna excessivamente segura, as pessoas forjarão novas arenas de
emoção e desafios, e em termos de saúde e administração pública, é melhor que não seja o vício
em drogas e/ou direção perigosa. O risco positivo, de acordo com Breivik, seria aquele no qual há
uma experiência significativa e aprendizado e que não coloque em risco terceiros.

Bridges, cars, atom reactors, airplanes should be safe […] at the same time people want
to take risks. But risks should be taken in the right or relevant manner. We do not want
to get hurt or die because of irrelevant risks. Risks must come with the right and relevant
way […] the relevant risks are the ones that can be predicted, controlled, mastered, and
dealt with by me through my skills (p.19).

Krein (2007) é mais específico na sua definição. Para ele aventura e esportes
extremos se sobrepõe e coexistem, mas nem todos os esportes extremos são esportes de aventura
porque não acontecem em ambiente natural:

One of the characteristic features of adventure sports is the level and type of risk
encountered […] It is not so much the frequency of injuries, that is most noticeable, but
the possibility of very serious injury, even death […] the remoteness of the settings in
which they typically take place and the factors that are beyond the control of
participants, such as weather… (p.80).
46

Além disso, para o autor, não é a busca do risco que explica a motivação para os
esportes de aventura. Seu argumento contra a caracterização destes tipos de atletas como
“viciados em perigo” contrapõe Breivik (2007). Krein (2007) pondera que há formas mais fáceis
de se expor a riscos do que estas atividades tão complexas. E que a maior parte do tempo de
prática dos atletas de aventura é dedicada a minimizar o risco a ser corrido. Portanto, ele conclui
que o apelo dos esportes de aventura não está apenas no seu status de coragem, mas muito mais
no tipo peculiar de interação com o mundo natural que não pode ser encontrado em outras
atividades:

[…] said that those kinds of athletes compete against nature […] Many contemporary
athletes would not accept this type of characterization […] the idea of conquering some
aspect of the natural environment has largerly been replaced by the idea of interactively
harmonizing with it (p.88).

Esta orientação “eco-friendly” pode ser uma tendência entendida como o significado
relevante das práticas de aventura (Breivik, 2007). Entretanto, Breedie (2007) alerta que sempre
haverá diferentes ideologias em tensão dentro de uma mesma modalidade.
O autor usa o montanhismo como exemplo em sua clássica discussão sobre se seria
ética a fixação permanente de sinalização, trilhas, degraus, grampos e/ou cordas. Este é um
debate sempre ativo entre uma vertente mais romântica e purista, que acredita que o desafio físico
deve estar associado ao desenvolvimento pessoal, criatividade, surpresa, autenticidade, liberdade
e heroísmo (que não se pode alterar a montanha, portanto) e uma vertente mais racionalista para
quem o controle, a organização, a medição sistemática, a checagem dupla, os registros detalhados
e os equipamentos sofisticados são o que garantem não só a segurança das pessoas, como
também a preservação do ambiente, já que direcionariam os praticantes evitando alargamentos de
trilhas, e outras consequências do tipo. Breedie (2007) conclui que as montanhas podem ser a um
só tempo, lugar de educação e metáforas para a vida, lugar de experiências sublimes e catarse ou
um campo de contestação política.

2.4 Consolidação do termo aventura


No Brasil, o termo aventura ganha espaço nos títulos dos trabalhos científicos e como
conceito principalmente a partir de 2006 com a criação do Congresso Brasileiro de Atividades de
47

Aventura, a implementação do programa Aventura Segura pelo Ministério do Turismo e a criação


da Comissão de Esporte de Aventura pelo Ministério do Esporte e subsequente publicação, em
2007, da definição oficial brasileira para esportes de aventura e esportes radicais (processo que
será analisado nesta tese).
No cenário internacional, a coletânea On the edge: leisure, consumption and the
representation of adventure sports (ORMROD e WHEATON, 2009) problematiza o conceito.
Ormrod (2009), na apresentação do livro, adota o termo aventura com o sentido de incluir não só
os participantes do núcleo, como o faz a teoria de Wheaton (2004) sobre esportes estilo de vida,
mas também uma variedade de agentes sociais envolvidos de formas diferentes com tais
modalidades. A própria Wheaton (2009) oferece um capítulo chamado “The Cultural Politics of
Lifestyle Sports (re) visited: beyond white male lifestyles”, no qual considera os esportes estilo
de vida apenas uma das versões ou possibilidades dos esportes de aventura.
Em nota de rodapé ela situa estas duas terminologias muito brevemente, sem
aprofundar explicações. Mas sua afirmação parece corroborar a apresentação do livro. No
capítulo, ela pondera mais uma vez sobre quão alternativos podem ser atividades vividas
predominantemente por dominâncias econômicas, étnicas e de gênero:

One of the aspects of adventure sport that caused my initial interest was its potential to
attract people who are either disinterested in, excluded from, or even disenfranchised by
traditional institutional ‘sport’[…] My own work has illustrated how surfers have
embraced forms of identity politics, challenging the ideologies and practices of neo-
liberal capitalism through environmental activism […] Nonetheless, the overwhelming
evidence from researchers in North America, Australia and Europe seems to be that,
despite the potential for sporting identities to be different, many of these sports have
remained the playgrounds of affluent western white man (WHEATON, 2009. p.131).

O capítulo de Humberstone (2009), que usualmente prefere o termo esportes na


natureza (nature-based sports) por sua posição ecofeminista, também adota o termo aventura não
só em um esforço de se adequar à coletânea, mas também para versar sobre um dos termos que
tem sido mais adotados comercialmente e pensar a centralidade do risco de forma crítica focando:
“the ways in wich consumers are encouraged to buy into the product without fully understanding
the skills and experience needed to participate with, on ocasions, dire consequences” (p.97).
48

A autora parte da definição de Simmel19 para aventura e das noções de globalização,


“comodificação”, “estandardização” e “macdonaldização” para afirmar que, o aclamado pela
literatura em educação ao ar livre, potencial educacional do risco para o ensino de tomada de
decisões, liderança, coragem e vida fisicamente ativa, são perdidos com a “pacotização” da
aventura - ou, pior ainda, podem colocar clientes despreparados em situações nas quais o manejo
do risco é necessário e pode se converter em tragédia. Além disso, ela explora os nexos entre as
formas estrangeira e local de se relacionar com as práticas de aventura em um destino consagrado
por windsurfistas, mas cujos nativos ainda não se identificam com a modalidade, para lembrar
que os locais têm suas próprias concepções de risco e formas de lidar com ele e que o turismo de
aventura pode ser ofensivo a certas populações tradicionais:

One consequence of this globalization for largely ‘wealthy’ westerns is their ability to
travel to ‘exotic’ places in search of ‘authentic’ adventure and in particular experience
activities which require specific geographical landscapes, for example snow-based or
water-based adventure sports […] However, this tourism discourse puts a gloss on or
hides aspects of local culture and environment. The tourist may be unaware of local
concerns and issues which are exacerbated by tourist influx (p.102).

O capítulo de L'Etang (2009) também usa o termo aventura, pois afirma que tais
práticas procuram diferenciar-se dos esportes mais convencionais em todos os aspectos da vida,
tendo o risco de acidentes e perigos intrínsecos como centrais (p.45). Porém, ao contrário de
Humberstone, sua definição é imprecisa:

My understanding and definition of ‘adventure sports’ is rather catholic and includes


non-competitive activities such as rock-climbing as well as competitive sports such as
adventure Racing. Many activities have close engagement with nature, which contrasts
with more traditional or more urban sports such as tennis or football. Others are
distinguished by their creative fluidity and reinterpretation of urban space – for example
the use of garden furniture in freestyle BMX and skating […] adventure sports seek to
distinguish themselves from more traditional sports cultures such as those of football and
rugby, not only in terms of their attitudes to competitiveness, but also in terms of their
approach to life in general or ‘lifestyle’. These alternative sports, with sometimes merge
with play (for example, Brazilian capoeira) can be seen along a continuum in terms of
the degree of convention that shape their happenings and the extent of regulation and

19
O aventureiro confia, de algum modo, em sua própria força; antes de tudo, porém, confia em sua própria sorte; no
fundo, ele se fia em uma singular união não diferenciada de ambas. A força, da qual ele está seguro, e a sorte, da qual
ele não está seguro, convergem nele - subjetivamente - em direção a um sentimento de segurança. Se a essência do
gênio é caracterizada por uma relação imediata com as unidades misteriosas, que na experiência e na decomposição
operada pela razão se separam em fenômenos completamente isolados, então, o aventureiro genial vive, como que
com um instinto místico, no ponto onde a marcha do mundo e o destino individual por assim dizer ainda não se
diferenciaram um do outro (SIMMEL, 1971 [1911], p.194).
49

formality which structures events. Nevertheless, each adventure sport has its own unique
characteristics and micro-culture derived from the activity (p. 44).

Esta definição, não ajuda a construir a precisão conceitual que busco neste capítulo, e
na presente pesquisa, pois confunde uma série de diferentes ênfases terminológicas. Além de usar
o termo lifestyle sem considerar a crítica da própria abertura do livro que compõe (que ele se
restringe a certos tipos de praticantes experientes e que era característica de tais atividades
quando elas não eram massificadas), no final de sua explanação a autora inclui uma gama de
práticas que remetem à definição abrangente de esportes alternativos de Rinehart (2000).
Apesar do efervescente debate conceitual que acontecia em língua inglesa, é a
tradução de Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver, de David Le Breton (2009),
entre outros livros e artigos do autor publicados em português, que influencia mais a produção
brasileira sobre o tema deste estudo. Além dele, outro referencial privilegiado são os trabalhos de
Javier Betrán, que tem sua proposta de terminologia, AFAN (actividades físicas de aventura em
la naturaleza), adotada como referencial pelo Laboratório dos Estudos do Lazer da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), entre outros pólos brasileiros de produção científica. Apesar das
traduções para o português e participação em eventos brasileiros de Barbara Humberstone e
Michael Boyes, é possível notar menor penetração de autores anglófonos na produção brasileira.
E é exatamente a produção em inglês que tem apresentado estudos mais críticos no que se refere
a questões como classe, gênero e raça e as dimensões políticas do fenômeno aqui estudado.
Notas conceituais sobre os esportes na natureza (DIAS E ALVES JUNIOR, 2007),
Lazer, aventura e risco: reflexões sobre atividades realizadas na natureza (MARINHO, 2008),
Esportes radicais de aventura e ação: conceitos, classificações e características (PEREIRA
ARMBRUST E RICARDO, 2008), entre muitos outros artigos deste ínterim são uma amostra do
intenso debate conceitual que ainda está em curso. Enquanto Dias e colaboradores defendem a
adoção do termo esportes na natureza e Pereira e colaboradores advogam em favor do termo
esportes radicais como termo “guarda-chuva”, Uvinha já deixava de publicar sobre esportes
radicais e passava a optar pelo termo aventura na sua transição acadêmica para a área do turismo
e na organização de Turismo de Aventura: reflexões e tendências (2005). Mas, apesar de sua
transição profissional para o turismo, embora dada via estudos do lazer, o autor nos furta a
oportunidade de conhecer, ao menos nos textos publicados, sua posição acerca dos problemas da
interface do turismo de aventura com o esporte e a educação física.
50

As coletâneas subsequentes organizadas pelos mesmos autores, abandonam a


utilização dos termos esportes radicais e esportes na natureza e passam também ou somente a
utilizar o termo aventura, como em: Em busca da aventura: múltiplos olhares sobre esporte,
lazer e natureza (DIAS E ALVES JUNIOR, 2009), Lazer, esporte, turismo e aventura: a
natureza em foco (MARINHO E UVINHA, 2009) e Turismo de aventura: gestão e atuação
profissional (BUCKLEY e UVINHA, 2011). O último voltado para a administração, gestão e
operacionalização de serviços de aventura traz definição diferente de Uvinha (2005) para turismo
de aventura. Sua introdução assim define:

(...) é um termo amplo que abrange todos os tipos comerciais de turismo e recreação ao
ar livre com um elemento significativo de emoção. Está intimamente relacionado ao
turismo na natureza, confundindo-se com ele em algumas ocasiões. Contudo, os
produtos de turismo na natureza enfocam a observação, enquanto os de turismo de
aventura, a ação. Um grande leque de atividades de lazer ao ar livre tem sido rotulado
como como produtos comerciais de turismo de aventura, desde caminhadas curtas e de
baixo impacto até passeios caros que requerem o uso intensivo de equipamentos, como
helicópteros e navios de cruzeiro para expedições. O turismo de aventura também tende
a incluir, algumas vezes, viagens independentes que proporcionam ou são percebidas
pelos próprios participantes como provedoras da experiência de aventura (p.3)

O livro, contudo, foca os “pacotes comerciais de turismo de aventura que podem ser
comprados por consumidores individuais” (p.3) e não se dedica à interface com a dimensão
esportiva ou política do fenômeno. Na virada para a segunda década dos anos 2000, no Brasil,
coletâneas também passaram a ser regularmente organizadas como produtos do Congresso
Brasileiro de Atividades de Aventura, que se torna também Congresso Internacional de
Atividades de Aventura em 2010, trazendo como título o tema geral do evento e capítulos de seus
conferencistas, organizadores, palestrantes e oficineiros. São elas: Entre o urbano e a natureza:
inclusão na Aventura (MARINHO, COSTA, SCHWARTZ, 2011), Esporte e Turismo: parceiros
da sustentabilidade nas atividades de aventura (PEREIRA, SCHWARTZ, FREITAS E
TEIXEIRA, 2012) e Tecnologias e atividades de aventura (SCHWARTZ, et al, 2012).
Além delas, estudos de docentes e egressos do curso de pós-graduação em Esportes e
Atividades de Aventura do Complexo Educacional FMU: Pedagogia da aventura: os esportes
radicais, de aventura e de ação na escola (PEREIRA E ARMBRUST, 2010) e Atividades de
aventura: em busca do conhecimento (PEREIRA, 2013) reforçam a prevalência do termo
aventura para a nomeação deste campo de atuação profissional e acadêmica no Brasil e marcam a
51

transição de Cleber Dias20 e Dimitri Pereira, o primeiro defensor do termo esportes na natureza e
o segundo de esportes radicais, também para o uso do termo aventura.
Neste ínterim, além da produção itinerante do CBAA, outras publicações se dão fora
do Sudeste. Memórias, Olhares e Aventuras: a experiência do excursionismo na formação em
Educação Física, dissertação de Ênio Pereira defendida em 2009, publicada em livro em 2011,
registra um trabalho pioneiro de inserção do excursionismo e práticas de aventura nos currículos
de cursos de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas ao analisar os significados
destas disciplinas retidos por seus alunos. A dissertação Cidade Sustentável, Políticas Públicas e
Esporte de Natureza: um caminho a se trilhar (2011) de Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá,
defendida na Universidade Federal da Paraíba investiga João Pessoa e é publicada como parte do
livro Esporte de Natureza, Políticas Públicas e Sustentabilidade: Reflexões para Gestão Pública
das Cidades (2015). Os artigos O lazer e as relações socioambientais em Belém – Pará (BAHIA, 2012)
e Lazer em áreas verdes públicas urbanas: as vivências na praça Batista Campos em Belém
(BAHIA e FIGUEIREDO, 2014) também são exemplos. Entretanto, eu buscava referências para
discutir políticas nacionais para práticas de aventura.

2.5 Dimensões políticas da aventura


Pimentel (2013a) ao dialogar com Dias (2007) sobre as limitações do conceito
esportes na natureza, propondo atividades de aventura como definição mais abrangente, alerta
sobre as implicações de uma política nacional e as relações de poder envolvidas na definição
terminológica. Ele encerra seu artigo com a seguinte afirmação:

Definir o que são essas modalidades de aventura é certamente uma questão de poder. Por
isso, mesmo para o mercado, não se trata de meras palavras. Elas vêm subsidiando
projetos de lei (como 7.288/2010), com fins pragmáticos e consequências na atuação
profissional em Educação Física. Ao dizer, por exemplo, se o trekking é turismo ou
esporte, se legaliza a quem o profissional de aventura deve sujeitar-se (ou à Associação
Brasileira de Empresas de Turismo de Aventura ou às entidades esportivas ou ao
Conselho Federal de Educação Física) e, consequentemente, quais normalizações irá
seguir (p.697)

Entretanto, embora plante a semente, o autor não desenvolve uma análise de tais
processos. Fato também ignorado pela dissertação Formação e atuação profissional em atividade
de aventura no âmbito do lazer (AURICCHIO, 2013), realizada em programa de educação física,
20
Pimentel (2013a) critica a opção de Dias (2007) pelo termo esportes na natureza e dialoga com ele.
52

mas que usa a ABETA como fonte indiscutível de códigos de conduta a serem seguidos pelo
professor de educação física.
Em capítulo de livro, fruto de pós doutorado realizado na Universidade do Porto,
intitulado “Mecanismos de controle dos riscos em esportes de aventura”, Pimentel (2013b)
avança em relação a seu artigo. O autor afirma que em consequência do crescimento das práticas
de aventura, especialmente no mercado turístico, acidentes se tornaram mais frequentes, com
ampla divulgação na mídia, a ponto de familiares de vítimas do turismo de aventura criarem a
Associação Férias Vivas (AFV) para realizar o monitoramento dos acidentes envolvendo
atividades de aventura, campanhas de prevenção e políticas públicas a segurança em atividades
de aventura. Ainda segundo Pimentel (2013b) tal movimento desencadeou as primeiras ações de
normalização da aventura, que vêm sendo incorporadas ao Projeto de Normalização e
Certificação em Turismo de Aventura no âmbito da Associação Brasileira de Normas
Técnicas/Comitê Brasileiro de Turismo – ABNT/CB54. De acordo com o autor, em
complemento, a ABETA – Associação Brasileira de Empresas de Turismo de Aventura –
desenvolveu um programa denominado Sistema de Gestão do Risco e da Segurança.
Entretanto, Pimentel (2013b) alerta que apesar de produzir conhecimentos que
convençam a população que tais normas visam o bem dos cidadãos, elas foram feitas para o
turista de aventura, sob jurisdição de empresas, e não para o universo do esportista. Segundo o
autor, esse diferencial leva as entidades desportivas da aventura a interpretarem a normalização
do turismo de aventura como uma ingerência em seu campo. Havia, de acordo com Pimentel
(2013b), um amplo debate entre ABETA e Confederações a respeito dos limites entre turismo e
esporte de aventura, resultando em embates significativos em torno do Projeto de Lei n°
7.288/2010 que, segundo o autor, em termos pragmáticos, visava definir a quem o profissional de
aventura deve sujeitar-se (ou à ABETA ou às entidades esportivas) e, consequentemente, quais
normalizações irá seguir.
Pimentel (2013b) também cita Spink et al. (2005), que afirma que o turista tem o
risco controlado pelo profissional, enquanto o esportista se capacita para ser gestor do próprio
risco assumido. No último caso, é preciso considerar como o autor, que grupos que detêm mais
capital econômico, social e cultural são capazes de se prevenir com melhores equipamentos de
segurança, conhecimento mais detalhados sobre os riscos (instrução de experts, equipe de apoio)
e suporte mais eficiente em caso de danos (seguros de vida, planos de saúde que incluem resgate
53

em helicóptero). Por isso, o autor afirma ser importante que a gestão dos riscos esportivos seja
estudada no Brasil, traçando paralelos com a experiência de outros países, o que pode ser dar de
forma documental. Sugestão que foi levada à cabo no presente estudo.
Além deste estudo de Pimentel, encontrei no cenário anglófono a maior concentração
de estudos sobre as dimensões políticas de tais práticas, tais como Leisure and the politics of the
environment (MANSFIELD e WHEATON, 2011) e The cultural politics of lifestyle sports
(WHEATON, 2013), com a particularidade de que na virada de década o termo aventura entre em
desuso em trabalhos em inglês. O uso do termo esportes estilo de vida (lifestyle sports),
começando a aparecer em sua forma abreviada (LS) e acrescido do termo esportes informais
(informal sports) é crescente e vamos tomá-los como sinônimos quando os esportes estilo de vida
e/ou informais contém o risco como componente central.
Gilchrist e Wheaton (2011) afirmam que os esportes informais têm uma importância
crescente no campo das atividades físicas, chegando a desafiar e substituir os esportes
tradicionais em equipe em certas partes da Inglaterra. Eles fazem tal afirmação baseados em
estudos de programas esportivos em periferias do Reino Unido que não interessavam à população
e não encontravam o número de adeptos esperado. Isto porque, entre os jovens daquelas
localidades, o interesse e procura maiores eram por skate e le parkour. Deste modo Gilchrist e
Wheaton (2011) afirmam que existe uma falta de integração entre sociedade civil e os feitores das
políticas (policymakers) e eles e os acadêmicos que poderiam oferecer diagnósticos sobre
demandas e significados de modalidades para informar a elaboração de políticas públicas. Mas
neste artigo, eles propõem o esporte estilo de vida como uma ferramenta para que os objetivos de
outras políticas sejam alcançados (p.112) de maneira um tanto funcionalista e baseada no
discurso da saúde.
Para incentivar que mais pessoas adotem estilos de vida ativos, além de prevenção de
uso de drogas e envolvimento com crime21, por exemplo, os autores reconhecem a importância
do Sport England ter trabalhado em projetos do Active England com uma concepção mais ampla
de esporte, para além da participação em clubes tradicionais, tendo construído novos tipos de
equipamentos esportivos para esportes informais e iniciativas tais como os StreetGames.
Entretanto, segundo os autores, iniciativas mais locais têm acontecido isoladamente sem

21
Apesar das críticas já tão conhecidas a estas formulações, esta parece ser a concepção inglesa sobre para que
servem as políticas públicas de esportes, segundo Gilchrist e Wheaton (2011).
54

consciência de seus problemas e pontos positivos, ou seja, sem análise e sem registro e
compartilhamento do aprendizado para políticas futuras ou em outros espaços. Além disso, ao
entrevistarem gestores envolvidos em tais iniciativas eles encontraram que a impressão de que o
risco de lesões é mais elevado nestes esportes dificulta justificar políticas de fomento:

Even though public health institutions are engaged in unprecedented efforts to counter
the sedentariness of youth, the promotion of lifestyle sport has been and remains
tempered by the view of them having high risk of injuries […] “We know how long it
took to get us to this stage, and a lot of that was around the questions of qualifications,
insurance... you’ve got your liability, and is this sport safe?” For sport development
professionals, establishing parkour as a legitimate sporting activity with recognized
training and teaching structures was essential. To this end, Westminster Sport
Development Unit, in conjunction with Parkour Generations, who deliver the teaching in
Westminster and are one of the premier groups of parkour participants/teachers in the
United Kingdom (and internationally), are creating a parkour national governing body
(NGB) with support from Sport England. In contrast to the Westminster Sport
Development Unit, provision for parkour in Brighton is based around a theatre company,
funded through the arts. The Urban Playground (UPG) team teach and practice parkour
under the remit of ‘physical theatre’; they initially gained funding for parkour training
and to develop a training facility involving a set of movable stages from the Brighton
and Hove Arts Commission under an initiative called Making a Difference. The movable
facility has since been used in schools across Brighton, and for a number of public
performances. UPG consider the arts ‘the most natural’ place for parkour, and have used
their former training as physical theatre practitioners to create parkour as an ‘artistic
discipline’ by defining parkour as an artistic practice, UPG felt it helped to circumvent
health and safety concerns, which are overly restrictive when labelled as a sport…
Although participants remain resistant to having regulations imposed on them, most
acknowledged the need for training and teaching to be regulated. However, akin to many
other risky lifestyle sports including mountaineering and surfing, subcultural codes,
rather than imposed sport rules, are seen to ensure the safety of participants (p.127)

Note o leitor a tensão estabelecida na Inglaterra entre praticantes experientes que não
querem ser regulados (embora reconheçam a necessidade de regulação do ensino do parkour) e os
órgãos de administração esportiva, encontrando na classificação como arte uma forma de se
esquivar das exigências de segurança do cenário esportivo.
Os autores deste estudo, Paul Gilchrist e Belinda Wheaton, têm articulado uma série
de iniciativas em relação ao estudo de políticas públicas para as práticas que estamos
investigando. Ao longo do ano de 2015 e 2016, eles organizaram o seminário acadêmico
Exploring the Social Benefits of Informal and Lifestyle Sports, com financiamento do Economic
and Social Research Council (ESCR) e em parceria de sua University of Brighton com a Brunel
University e a Bournemouth University. O evento foi organizado em seções temáticas de um a
dois dias cada, realizadas alternadamente, cada uma em uma das universidades envolvidas. Os
55

dois primeiros encontros foram dedicados às políticas públicas22. A programação pode ser vista
na tabela abaixo:

Seminar 1 (2 day) Mapping the Policy Context. 24th & 25th University of Brighton
April 2015
Seminar 2 Institutionalisation and Regulation 15th June University of Brunel,
2015 London
Seminar 3 Informal Sport in School and the PE 27th January University of
curriculum 2016 Brighton, Eastbourne
Campus
Seminar 4 (day 1: gender) & Minority Participants in Informal Sporting July 2016 Bournemouth
Seminar 5 (day 2: Spaces: Inclusion, Exclusion and University
racialisation). Strategies for Change.
Seminar 6 Key findings and Lifestyle Sports Summer University of Brighton
Festival. 2017
Tabela 1. Programação do evento Exploring the Social Benefits of Informal and Lifestyle Sports

Segundo os organizadores do evento, na apresentação para o website, os primeiros


seminários tiveram como objetivo mapear as políticas públicas existentes e suas principais
questões: em que diferentes contextos políticos os esportes informais vêm emergindo (incluindo
políticas públicas em esporte, arte, atividade física, educação, planejamento urbano e saúde)?
Como um trabalho intersetorial pode ser desenvolvido? E, como os esportes estilo de vida podem
promover inclusão?
Por todo este envolvimento com estudos sobre políticas públicas, a Universidade de
Brighton e a Profa. Dra. Belinda Wheaton foram procuradas para a realização de estágio de
pesquisa no exterior a complementar esta tese. Entretanto, após enviar toda a documentação e
receber a carta de aceite, a Profa. Dra. Wheaton recebeu um convite para transferir-se à
Universidade de Waikato, na Nova Zelândia.
Ponderando que a Nova Zelândia, foi citada por Farah (in Uvinha, 2005) como a
capital mundial da aventura e, portanto, um dos destinos visitados pelos envolvidos na
constituição de uma política brasileira para turismo de aventura ao buscarem referências (p.38 e
40) e que teríamos acesso online ao evento e à bibliografia do Reino Unido, julgamos producente
que eu a acompanhasse. Este período de doutorado sanduíche resultou em trabalho de campo que
será apresentado como posfácio desta tese.

22
Todas as falas foram filmadas e podem ser encontradas em: http://www.informalandlifestylesports.org.uk/, assim
como o encerramento, com os principais pontos tirados dos debates, que acontecerá em 2017.
56

Para encerrar esta revisão bibliográfica organizada mais ou menos cronologicamente


é interessante registrar algo sobre o futuro próximo. Durante meu intercâmbio, uma chamada
pública de capítulos para compor uma coletânea, intitulada Lifestyle Sports and Public Policies,
da editora Routledge, organizada por Daniel Turner e Sandro Carnicelli, aconteceu no ano de
2015. O corpo editorial solicitou que não usássemos o termo aventura, sem maiores explicações,
apenas afirmando que era superado e considerado problemático, apesar de a mesma editora ter
publicado o livro Adventure Tourism: meanings experience and learning (TAYLOR, VARLEY,
JOHNSTON, 2013). Entretanto, um capítulo baseado nesta tese foi contemplado e o livro deve
ser publicado ainda em 2016.
Para encerrar, é importante que fique claro com esta revisão, que não defendo o uso
do termo aventura indiscriminadamente porque é a terceira vez que o adoto em um projeto. Não
acho que ele sirva para todos os objetos que tangem estes grupos terminológicos que estão sendo
analisados. O que defendo é a boa circunscrição do objeto específico de cada pesquisa e adoção
de um conceito que seja duplamente operacional: tenha especificidade teórica para o que se
propõe a discutir, mas que emerja do campo, seja reconhecido e significativo entre aqueles que
vivem o fenômeno, de maneira que a teorização sobre ele possa retornar ao campo e auxiliar nas
suas questões.

3. Quando o trabalho de campo não sai como o esperado: metodologia


Neste capítulo demonstrarei como e porque as decisões metodológicas tiveram que
ser tomadas no enfrentamento das situações que se conformaram no campo. Este registro é
crucial para que o leitor entenda as condições de produção dos dados e também para informar
pesquisas futuras sobre as limitações dos resultados, características e obstáculos do recorte de
campo ao ser confrontado com a pesquisa científica.
Acredito que em uma tese de doutorado não basta expor o produto da reflexão e
percurso metodológicos. Isto não só porque sou adepta de uma concepção de ciência na qual se
entende impossível atingir uma única verdade e, portanto, é ético ser honesto sobre o processo de
pesquisa, mas também porque é no detalhar do processo de elaboração e ajuste metodológico que
se pode explicitar aos pares da pesquisa social que tipos de acessos ao campo foram permitidos
ou não, para que os mesmos possam desenvolver estratégias em pesquisas subsequentes que
57

aumentem as chances de estabelecer conexões complementares ou mais profundas com os


pesquisados, que resultem em novos dados e avanço na compreensão do fenômeno.

3.1 Pressupostos para o trabalho de campo


A pesquisa etnográfica foi concebida para este trabalho como a análise social
descritiva detalhada a partir do ponto de vista dos pesquisados (GEERTZ, 1989), com especial
enfoque nas relações entre pessoas, método que, em suas versões contemporâneas, procura ser
dialético, ou seja, não só registrar em texto convergências e homogeneidades de “um todo
cultural”, mas sim os processos controversos, ambíguos e divergentes que conformam fenômenos
sociais (STRATHERN, 2014). Para tanto, e ciente da crítica sobre as descrições excessivamente
lógicas e homogêneas dos clássicos etnográficos, esta pesquisa zelou pela continuidade de
trabalho de campo até que permitisse o registro de movimentos conceituais, mudanças políticas e
transformações técnicas, em oposição a tentar defender uma interpretação estática, funcionalista e
excessivamente coerente, incompatível com a vida humana.
Além disto, concebo a etnografia como uma pesquisa dialógica, no sentido do diálogo
com o conhecimento acumulado pela academia, visto que, sem o esforço teórico, ela se reduziria
a mero relato jornalístico (PEIRANO, 1995). Segundo a autora, atingir o detalhamento descritivo
e compreender as concepções dos pesquisados depende de interação duradoura, coexistência
diária, imersão total do pesquisador em campo. Por isto, concebo-a também como pesquisa
reflexiva, na qual o envolvimento inevitável do pesquisador com os estudados não seja omitido,
mas também esteja a serviço da pesquisa e promova uma reflexão sobre seus afetos e suas
diferenças que resulte na crítica de nós mesmos (MARCUS e FISHER, 1986) e também dos
afetos do pesquisador e dos modos de fazer pesquisa (FAVRET-SAADA, 2005).
Apesar de também se caracterizar enquanto pesquisa qualitativa multimétodos,
Oliveira e Daólio afirmam em Pesquisa Etnográfica em Educação Física: uma (re)leitura
possível (2007) em acordo com Peirano (1995) que a pesquisa etnográfica não pode ser reduzida
nem ao uso de variadas técnicas (dentre as quais a combinação de observação participante,
entrevistas intensivas e análise documental seriam as preferidas), nem à descrição cultural pura e
simples do que ocorreu na coleta de dados, precedida por uma introdução teórica ao tema, pois
sem diálogo com a teoria ela se resume ao mero conteúdo do relato em caderno de campo, sem se
converter em etnografia.
58

Além disto, para os autores, a escrita etnográfica precisa apresentar a descrição local
cotejando-a com a situação de outros grupos, outras realidades ou outras subjetividades, para não
se constituir em descrição que se encerra nela mesma; o que será feito nesta pesquisa não apenas
com a apresentação dos resultados e discussão combinados em um mesmo capítulo, mas também
com o trabalho de campo sobre mesmo tema realizado na Nova Zelândia e apresentado no
posfácio. Ainda seguindo os autores, procurei ponderar entre conclusões sobre o particular e o
geral, para evitar particularismos exagerados e universalidades absolutas no processo de:

(...) decifrar “estranhos” códigos, ler entrelinhas, perceber comportamentos, “pescar”


discursos e falas, interpretar significados, enfim, filtrar o dito e o não dito [...] pensar não
apenas, realista e concretamente, sobre os participantes da pesquisa, mas, criativa e
imaginativamente, com eles. Isso não significa entender o “campo” como fonte de
verificação empírica - validando ou não supostas hipóteses -, mas como fonte de
informação a partir da qual o diálogo com a literatura é construído. Isso porque a teoria
não é “profética”, determinante do que será visto e/ou comprovado (OLIVEIRA e
DAOLIO, 2007, p.141).

Acredito, portanto, assim como Clifford (2008), que a etnografia é uma forma de
escrita que congrega todos estes elementos e que os dados não são coletados, mas sim
construídos. E não só na relação do pesquisador de campo com aqueles que estuda, mas também,
como é o caso de um doutorado, na relação do pesquisador com seu orientador, com os membros
de suas bancas de qualificação e defesa, com seus professores23, com colegas de seus grupos de
estudo e seus campos e com as expectativas das agências financiadoras (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo) e seus pareceristas. Escrevo em primeira pessoa assumindo o
ônus autoral, mas não por desconsiderar a colaboração de todos os envolvidos.

23
No primeiro semestre cursei as disciplinas Análise de Políticas Públicas, com o Prof. Dr. Geraldo Di Giovanni, na
Faculdade de Economia da Unicamp e Imagens, Corpo e Educação, com a Profa. Dra. Carmen Lucia Soares, na
Faculdade de Educação da Unicamp, além de realizar estágio docente voluntário na Faculdade de Educação Física
em Fundamentos de Antropologia e Educação Física com Prof. Dr. Jocimar Daólio e em Fundamentos Teóricos do
Lazer com a Profa. Dra. Sílvia Cristina Franco Amaral. No segundo semestre, na Faculdade de Educação Física
cursei História do Corpo e da Educação Física, com o Prof. Dr. Edivaldo Góis Junior e Seminários Avançados em
Lazer e Sociedade com a Profa. Dra. Silvia Cristina Franco Amaral. No terceiro semestre, cursei Filosofia e Estética
do Corpo e do Movimento, com o Prof. Dr. Odilon José Roble e Estágio de Capacitação Docente – com a Profa. Dra.
Olivia Ferreira Ribeiro na disciplina Lazer e Sociedade. No quarto semestre, como aluna ouvinte, cursei as
disciplinas Sociologia do Esporte, com a Profa. Dra. Heloisa Helena Baldy dos Reis e Antropologia do Lazer,
disciplina concentrada oferecida pelo Prof. Dr. José Guilherme Magnani, na UFMG. No quinto semestre realizei
estágio de pesquisa na Universidade de Waikato, em Hamilton, na Nova Zelândia, na Faculdade de Educação, junto
ao Departamento Sport and Leisure Studies, sob supervisão da Profa. Dra. Belinda Wheaton. Além de assistir como
ouvinte sua disciplina de método científico: Researching Sport and Leisure, tive reuniões de aconselhamento, sobre
os problemas da metodologia deste trabalho, com a Profa. Dra. Rebecca Olive, Profa. Dra. Holly Thorpe e Profa.
Dra. Karen Barbour.
59

Toda esta conjuntura leva a assumir a não neutralidade científica, enquanto permite
admitir, assim como já feito em Bandeira (2012b), que os dados emergem do estabelecimento de
relações sempre interessadas entre pesquisador e pesquisados e que suas descobertas são sempre
incompletas e provisórias, já que, como afirma Fonseca (1999), nossas análises sempre vão ser
uma simplificação grosseira da realidade, ou Geertz (1989), uma interpretação de “segunda mão”.
Por isso, um estudo etnográfico é também, na minha concepção e neste momento, aquele que não
nega seus vieses e limitações, ao contrário, deve esforçar-se por conhecê-los e mostrá-los ao
leitor para que ele saiba das condições de produção de cada pesquisa e porque dispõe de tais
dados ao invés de outros. Cabe aqui, então, explicitar minha posição no campo.
Eu sou uma entusiasta das práticas de aventura por acreditar em sua potencialidade
subversiva. Entretanto, não sou praticante autônoma, nem profissional da área. Não tenho nem
tive afiliação ou relação que não fosse de pesquisa com nenhuma das entidades mencionadas
neste trabalho. Não parto, portanto, de nenhum ponto de vista de dentro do fenômeno, nem de
uma modalidade, nem de uma filiação. Minha posição neste campo é a de uma “outsider”24,
alguém que procura entender como se iniciar na prática. Minhas primeiras experiências práticas
com modalidades de aventura coincidiram com minhas pesquisas, mas ao experimentar períodos
de boa frequência na prática, tanto do surfe, quanto do rafting durante os trabalhos de campo, fui
afastada de ambos por lesões (tímpano e joelho no primeiro e punho e coluna no segundo).
Também por isso, sinto a urgência de uma discussão sobre risco e segurança que englobe sujeitos
que precisam de mediação pedagógica para optar por alguma modalidade de aventura em seu
lazer25.
Somando-se a isso, para Riles (2006), fazer etnografia em condições nas quais a
distância entre antropólogo e informante, bem como entre teoria e dado não podem mais ser auto

24
Embora meu pai tenha sido adepto de caça e pesca e tenha levado nosso núcleo familiar a acampar algumas vezes
na praia do Cassino, não fui incentivada a praticar esportes de aventura autonomamente, visto que eles eram
entendidos como atividades exclusivamente masculinas na minha casa. Aderi ao handebol competitivo desde os nove
anos de idade e, depois de nos mudarmos de Pelotas para São Paulo, joguei o campeonato paulista, representando sua
seleção, até entrar na faculdade. A partir da perspectiva de atleta de uma modalidade convencional, que mantive
durante a graduação representando a Faculdade de Educação Física e a seleção da USP, a curiosidade sobre os
diferentes valores e como os adeptos de práticas tão diferentes da minha viabilizam suas modalidades, que processos
permitiram que se tornassem proficientes e adquirissem tão complexos conhecimentos em ambientes de prática tão
informais, tornou-se interesse de pesquisa.
25
Não estou afirmando com isto que estas práticas precisam ser reguladas de fora, muito menos advogo em favor de
uma institucionalização imposta, visto que foi exatamente a ausência delas que me despertou interesse de pesquisa.
O que me instiga são exatamente os novos arranjos e soluções que tais dinâmicas inspiram e demandam para
acomodar seus valores.
60

evidentes, ou sequer eticamente defensáveis, a emergência de questões de recepção e apreciação


tornam-se aspectos integrais da empreitada etnográfica (p.5). Lincoln e Denzin (2003) afirmam:

the social sciences have engaged two arguments at once around purpose, namely,
whether social science should serve larger social ends such as social justice and
egalitarianism and how and under what circumstances social science can feed into policy
arenas more directly to achieve these ends. One thing is clear: Among a large segment of
interpretative and qualitative community, social science research can and should serve
far broader interests and stakeholders than the disciplinary communities alone
(LINCOLN e DENZIN, 2003, p.11).

Além disto, em acordo com Rinehart, Barbour e Pope (2014) entendo esta tentativa
de etnografia não só como “accross the disciplines” (título de Conferência Internacional
itinerante criada na Universidade de Waikato por etnógrafos da educação, do esporte e do lazer,
em 2010), mas também como comprometida com a transformação social. Neste sentido, esta
pesquisa assume uma postura mediadora, sua construção dialética presará pela exposição dos
diferentes pontos de vista em conflito no campo, com o intuito de que possam informar
negociações. Seguindo estas premissas, o texto final desta tese será oferecido à leitura dos
envolvidos no processo de sua feitura.
Escrevo “tentativa de etnografia” porque meu campo de pesquisa não possibilitou a
imersão total e interação duradoura com os pesquisados, assim como será esmiuçado no tópico a
seguir. Os dados desta pesquisa foram, então, construídos via triangulação de métodos. Análise
documental, entrevistas e observação direta foram aplicadas segundo pressupostos da pesquisa
etnográfica na esperança pela oportunidade do estabelecimento de vínculos com os pesquisados e
convite a suas rotinas.
Por isso, defino este trabalho de maneira mais geral como uma pesquisa qualitativa
exploratória. Por pesquisa qualitativa entendo o empreendimento investigativo que privilegia a
construção de conhecimento contextualizado, aprofundado e significativo, que objetiva capturar
elementos cuja relevância independe da frequência quantitativa e por isso demanda abordagens
interpretativistas. Por pesquisa exploratória entendo a pesquisa sobre um campo com nenhuma ou
poucas referências e que precisa fazer as vezes de levantamento de ideias e padrões. Entretanto, o
investimento em leituras sobre etnografia para partir para o campo e lidar com os problemas dele
advindos não pôde ser por mim ignorado. Como estas leituras foram intensivas, informando
sobremaneira toda a feitura da pesquisa, julguei inadequado omiti-las.
61

3.2 Quando o campo diz não à etnografia clássica


Mesmo se o leitor julgar que esta não pôde ser uma pesquisa etnográfica no senso
metodológico, pois teve interação reduzida e não alcançou imersão no dia a dia dos pesquisados,
mantive presentes as referências que a tratam, na medida em que, apesar de não poder
empreender relações pessoais rotineiras com os estudados, privilegiei seus pontos de vista, suas
categorias, e tratei não apenas de analisar o conteúdo dos documentos que produziram, mas as
relações entre seus diversos autores, procurando explicitar os processos de sua elaboração.
No presente trabalho, quis dar ênfase à face esportiva da regulação do campo das
atividades de aventura, priorizando o ponto de vista dos agentes que se auto identificam com os
esportes de aventura, não apenas por me encontrar em uma faculdade de Educação Física, mas
porque esta é a menos explorada academicamente, configurando uma lacuna de reflexão.
Entretanto, as entidades e informações sobre o campo esportivo foram mais difíceis de acessar.
Explico.
Selecionei a Comissão de Esporte de Aventura do Ministério do Esporte (CEAV)
como recorte desta investigação para contrapor o campo de meu mestrado, um destino turístico
muito influenciado pela Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA) e
porque a última é a única citada nos trabalhos acadêmicos sobre regulação e aventura que
encontrei na área de Educação Física: Auricchio (2013) e Correa (2008), que ignoram a primeira.
Ainda no campo do mestrado eu ficara sabendo que a CEAV era uma reação de resistência à
ABETA e que as duas polarizaram o conflito político em torno das políticas públicas para
práticas de aventura.
Pensei que observar a CEAV seria viável por acreditar que ganharia acesso a ela,
visto que três de seus membros eram acadêmicos. Não só imaginei que a Comissão seria
receptiva à pesquisa porque acostumada à presença deles, como também pensei que eles
mediariam, por solidariedade de ofício, minha aceitação junto aos outros membros, já que
havíamos nos conhecido em congressos anteriormente.
Entretanto, ao visitar o Ministério do Esporte em agosto de 2013, com o intuito de
entender a estrutura e dinâmica do que eu imaginava ser seu órgão de representação mais geral, a
Comissão de Esporte de Aventura (CEAV) e solicitar autorização para observar suas atividades,
encontrei a comissão dissolvida e inoperante. As recepcionistas do Ministério do Esporte sequer
62

sabiam do que se tratava e o secretário de esporte de alto rendimento, que deveria ser seu
presidente, segundo sua composição divulgada pelo diário oficial, tampouco. Li para elas, então,
os nomes dos membros fundadores da comissão em 2006 e elas puderam apenas me fornecer
contatos telefônicos e/ou endereços eletrônicos das secretárias dos poucos que eram ainda
funcionários do Ministério.
Ao contatá-los, apenas dois responderam dispostos a colaborar com a pesquisa em
forma de entrevista. Outros dois membros, não empregados pelo ME, preferiram o contato online
e encaminharam por e-mail documentos digitalizados e links para documentos elaborados ou
relacionados à comissão ou à tramitação de projetos de lei sobre aventura. Assim que tomei
conhecimento do projeto de lei PL7288/10, único ainda em trâmite na época, tomei sua
tramitação na Comissão de Esportes e Turismo da Câmara dos Deputados como campo
alternativo, já que a CEAV nunca mais se reunira. Entretanto, nesta mesma semana de primeira
incursão ao campo ele fora rejeitado.
Foi assim que os arquivos da Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos
Deputados se tornaram uma fonte de dados. Neles encontrei os registros das diferentes fases de
tramitação de cada projeto de lei sobre o tema, além de transcrições de audiências públicas
convocadas para informar a votação do último. Busquei publicações sobre o tema nos sites
oficiais e blogs pessoais dos participantes destas audiências: O Conselho Nacional de Educação
Física (CONFEF), o Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte (CBCE), a Associação Brasileira
de Parapente (ABP), a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), a
Confederação Brasileira de Pesca Esportiva e Desporto Subaquático (CBPES), a Confederação
Brasileira de Orientação (CBO), e a Confederação Brasileira de Esportes Radicais (CBER). Os
documentos analisados nesta primeira fase da pesquisa encontram-se listados em ordem
cronológica na tabela a seguir:

Documento Autoria Data


1 PL3439-A/04 Dispõe sobre a obrigatoriedade de assinatura de Deputado Elimar Máximo 29/04/2004
termo de responsabilidade e de contratação de seguro obrigatório Damasceno (PRONA-SP)
para a prática de esportes de aventura ou radicais
2 Voto do relator ao PL3439-A/04 Deputado Enio Tatico 20/10/2004
(PSC/GO)
3 PL5609/05 Dispõe sobre a regulamentação para prática de Deputado Capitão Wayne 06/07/2005
esportes de aventura ou radicais e dá outras providências (PSDB-GO)
4 Emendas 1 e 2 ao PL5609/05 Deputado Alberto Fraga 12/08/2005
5 Esporte de Aventura é diferente de turismo de aventura Revista E.F/CONFEF 11/2005
6 PLS 403/05 Estabelece regras para a prática de esportes radicais Senador Efraim Morais 06/12/2005
63

ou de aventura no País. (DEM/PB)


7 Turismo de Aventura: a posição do CONFEF Revista E.F/CONFEF 03/2006
8 Portaria nº 14 de 06/03/2006 / MEsp - Ministério do Esporte: DIÁRIO OFICIAL DA 08/03/2006
Constitui, pelo prazo de vinte e quatro meses, a Comissão UNIÃO
Especial de Esporte de Aventura
9 Relatório de atividade: 1ª. Reunião da Comissão de Esporte de Profa. Dra. Alcyane 23/03/2006
Aventura do Ministério do esporte Marinho/CBCE
10 Relatório de atividade: 2ª. Reunião da Comissão de Esporte de Profa. Dra. Alcyane 05/04/2006
Aventura do Ministério do esporte Marinho/CBCE
11 II Conferência Nacional do Esporte: texto final Ministério do Esporte 2006
12 Parecer do Relator ao PL5609/05 Dep. José Otávio 24/10/2006
Germano (PP-RS)
13 Resolução CNE nº 15 de 19/09/2006: Institui a Comissão de DIÁRIO OFICIAL DA 08/11/2006
Esporte de Aventura. UNIÃO
14 Relatório de atividade: 3ª. Reunião da Comissão de Esporte de Profa. Dra. Alcyane 24/11/2006
Aventura do Ministério do esporte Marinho/CBCE
15 Relato da Participação do CBCE na Comissão de Esporte de Profa. Dra. Alcyane 26/04/2007
Aventura do Ministério do esporte Marinho/CBCE
16 Parecer e emendas 1 e 2 do Relator ao PLS 403/05 Relator Sen. Wellington 27/06/2007
Salgado (PMDB-
MG)/Relator “ad hoc”
Senador Cícero Lucena
(PSDB-PB)
17 Resolução nº 18, de 9 de abril de 2007: Recomenda a adoção dos DIÁRIO OFICIAL DA 11/10/2007
conceitos de esporte de aventura e esporte radical UNIÃO
18 PL7014/10 Dispõe sobre o trânsito por propriedades privadas Fernando Gabeira 23/03/2010
para o acesso a sítios naturais públicos (PV-RJ)
19 PL7288/10 texto final como veio aprovado pelo Senado (antigo Senado Federal 11/05/2010
403/05)
20 Parecer do relator ao PL7014/10 Deputado Cassio 26/05/2010
Taniguchi (DEM-PR)
21 3 emendas ao PL7288/10 Deputado Marcelo 10/06/2010
Teixeira (PR-CE)
22 Transcrição da Audiência Pública da Comissão de Turismo e Departamento de 30/6/2010
Desporto n.0918/10 Taquigrafia, revisão e
redação/Câmara dos
Deputados
23 Esclarecimentos sobre o Projeto de lei 7288/10 da câmara federal Silvério Nery/CBME 11/09/2010
24 Livreto Turismo de Aventura: orientações básicas Ministério do Turismo 2010
25 Parecer n.2 do relator com substitutivo ao PL7014/10 Deputado Cassio 01/12/2010
Taniguchi (DEM-PR)
26 Resolução CONFEF nº 206/2010: Dispõe sobre o Estatuto do DIÁRIO OFICIAL DA 13/12/2010
Conselho Federal de Educação Física – CONFEF (inclui esportes UNIÃO
de aventura e na natureza na definição de esporte)
27 Relatório de Auditoria Especial nº 00190.020860/2011-31 Controladoria Geral da 12/2011
Ministério do Turismo União
28 PL4009/12 Dispõe sobre o trânsito por propriedades privadas Deputado Alfredo Sirkis 05/06/2012
para o acesso a sítios naturais públicos (PV-RJ)

29 Parecer do Relator ao PL7288/10 Deputado André 06/08/2013


Figueiredo (PDT-CE)
30 Parecer do relator ao PL4009/12 Deputado Ricardo Tripoli 14/08/2013
(PSDB-SP)
31 Parecer n.2 do Relator ao PL4009/12 Deputado Márcio Macêdo 09/12/2014
(PT-SE)
64

32 Condutor de turismo entra em classificação oficial de ocupações Ministério do Turismo 27/1/2015


33 PL 1562/15 Disciplina o trânsito por propriedades privadas para o Dep. Celso Jacob 14/05/2015
acesso a sítios naturais públicos (PMDB –RJ)

34 Parecer do Relator n. 1 ao PL1562/15 Deputado Daniel Vilela 03/09/2015


(PMDB-GO)
35 Complementação do voto/Emenda aditiva ao PL 1562/15 Deputado Daniel Vilela 21/10/2015
(PMDB-GO)
36 Lei no. 9.650 Institui normas gerais sobre desporto e dá outras BRASIL 24/03/1998
providências
Tabela 2. Documentos Oficiais Analisados

Como as reuniões da CEAV e a tramitação do PL7288 haviam cessado, investi em


solicitar entrevistas aos seus membros e propositores dos diferentes PLs que versavam sobre o
tema, esperando estabelecer um primeiro contato para depois galgar acesso a possíveis eventos de
suas entidades de representação que pudessem dar-me a observar ações sobre políticas públicas
no formato de uma etnografia multissituada, no sentido de Marcus (1995, 1999). O autor já dizia
que o campo do estudo etnográfico não mais pode ser visto exclusivamente como uma localidade,
entendido como um espaço físico delimitado ou o recorte temporal do presente, já que a
globalização e a circulação intensificada de pessoas implicam perseguir as relações que fazem
dada questão ser significativa, no sentido de circular com elas. Para ele, para estudar certos
fenômenos contemporâneos é imprescindível focar na conectividade, nas relações e em uma
questão temática, ao invés do holismo culturalista que caracterizava as etnografias de
antigamente, já que são arenas interdisciplinares que formam os objetos de estudo da
antropologia atual.
Contudo, entre os políticos que propuseram os PLs, apenas um respondeu à primeira
tentativa e nunca mais consegui contato. Os acadêmicos que esperava entrevistar com facilidade,
não consegui contatar, pois um estava aposentado, outro em viagem ao exterior e outro com
incompatibilidade de horário. Os representantes de entidades esportivas demonstraram grande
resistência em participar da pesquisa e os poucos que aceitaram preferiam o contato digital.
Ciente de que:

A principal característica da pesquisa nas humanidades é justamente a lentidão inerente à


construção de seu objeto de pesquisa e a consequente lentidão de seus procedimentos
metodológicos. Diferentemente das ciências naturais, os objetos a serem investigados
pelas humanidades não são dados de natureza em si, mas dependem da relação dinâmica
com o pesquisador. Por exemplo, os atores sociais de uma instituição escolhida para ser
pesquisada podem recusar-se a fornecer informações, ou mascará-las, ou, ainda, boicotar
a pesquisa, gerando a necessidade de escolha de outra instituição ou o atraso no tempo
65

previsto para o trabalho de campo. Uma etnografia profunda ou uma pesquisa-ação de


um dado grupo pode levar meses para ser realizada, além do fato de que o tempo
previsto para sua realização não pode ser previamente definido. O tempo de inserção do
pesquisador no grupo a ser estudado pode prolongar-se antes mesmo do início da
pesquisa propriamente dita. As fontes documentais de uma pesquisa histórica podem não
estar em condições de investigação e atrasar o processo (DAOLIO, 2007)

Tendo os agentes do campo sinalizando que a maioria dos documentos oficiais acerca
do problema estudado está disponível online e também se apresentando atuantes na mídia
especializada, em sua maioria digital, procurei e precisei traçar nova estratégia metodológica: a
netnografia ou etnografia digital pareciam um caminho.
Estas circunstâncias fizeram pensar a necessidade de a Educação Física atualizar sua
inspiração antropológica. Para além da já consagrada etnografia sobre o contexto escolar
(DAOLIO, 1994) e observação participante e da importância do corpo do pesquisador nas
análises de esportes, lutas e danças (WACQUANT, 2002), a etnografia pode informar a
Educação Física em seus mais distintos formatos. Primeiro porque a realidade social das práticas
corporais não se conforma apenas nos momentos específicos de prática e, segundo, porque estas
duas tendências do uso da etnografia em educação física se apoiam grandemente no conceito de
cultura.
Apesar da inegável contribuição do conceito antropológico de cultura para a
constituição de uma Educação Física mais humana, existe uma antropologia pós-cultural e uma
antropologia pós-social que problematizam o conceito de cultura e de sociedade como datados e
consideram suas apropriações indevidas dependendo do objeto que investigam (INGOLD, 1996).
Elas são raramente levadas em consideração nos estudos etnográficos ou que clamam inspiração
antropológica conduzidos na educação física brasileira.
Embora o original de A Invenção da Cultura de Roy Wagner seja de 1981 e não tão
distante do original de a Interpretação das Culturas de Geertz, de 1973, muito frequentemente o
último autor é o único levado em consideração em estudos da Educação Física na interface com a
Antropologia. Os livros Cultura com aspas de Manuela Carneiro da Cunha (2009) e O efeito
Etnográfico de Marilyn Strathern (2014), bem como a antropologia simétrica26 (LATOUR, 1994)

26
A proposta da antropologia simétrica é dissolver a desigualdade implicada nos processos de pesquisa em
antropologia, tais como pressupostos do tipo: “os outros creem, nós sabemos”, “nós temos a ciência, eles visões de
mundo”. Os pioneiros da antropologia simétrica no Brasil são Eduardo Viveiros de Castro e Márcio Goldman que
criaram a rede Abaeté de Antropologia Simétrica. Para saber mais:
http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/viewFile/50105/54225, acesso em 11/3/2016.
66

também discutem os limites e distorções do conceito antropológico de cultura e propõe


alternativas a ele, como por exemplo, o foco nas relações entre pessoas, mas a Educação Física
parece ignorar estes desdobramentos e possibilidades da pesquisa antropológica.
Enquanto Oliveira e Daolio (2007) afirmam que a etnografia pode contribuir para a
pesquisa em Educação Física, pois propicia o encontro com o Outro e, portanto, o exercício da
alteridade, eu proponho complementarmente que a etnografia também contribui com a Educação
Física quando feita como crítica de nós mesmos. Especificamente sobre o objeto do presente
estudo, práticas de lazer de aventura, Pavlidis e Olive (2013) apontam que as observações
participantes são maioria. Entretanto, as autoras afirmam, que isso não garante qualidade e
profundidade ao empreendimento investigativo. Pavlidis e Olive (2013) sugerem que, sejam os
pesquisadores antigos praticantes já inseridos em comunidades, sejam neófitos beneficiando-se
do estranhamento do aprendizado, a pesquisa é conduzida de um ponto de vista e a partir de
dimensões semelhantes do fenômeno: aqueles do praticante. As autoras realizaram, então, um
experimento que se mostrou interessante no confrontar de informações: uma pesquisou a
patinação de dentro, como participante, e a outra de fora, como espectadora. Elas consideraram
seus dados complementares e sua interação benéfica para o entendimento do objeto, sem
possibilidade de gradação sobre qual seria a melhor abordagem.
Além de não demandar que o conceito de cultura fosse central e não permitir
observação participante, o campo desta pesquisa também me confrontou com a dificuldade de
tratar etnograficamente uma realidade que não é circunscrita por um espaço e tempo definidos, no
qual as relações face a face são muito esporádicas, dificultando até mesmo a observação direta e
rejeitando entrevistas. Entretanto, o campo da aventura deu-me que pessoas podem se reunir em
torno de interesses, agindo, militando e compartilhando valores, motivos, símbolos e práticas,
sem compartilhar fisicamente um mesmo local geográfico, via internet.

3.3 Pesquisa social na era digital


Além de serem autores ou entrevistados em postagens sobre o tema na mídia
especializada, os agentes deste campo também se utilizam de ferramentas da World Wide Web
para a mobilização de seus pares. Divulgaram os conteúdos dos projetos de lei e das normas
ABNT em listas de e-mail, fóruns de discussão online, comunidades em redes sociais, website
oficial de usas entidades de representação e blogs pessoais e convidaram seus leitores a enviar e-
67

mails a deputados e assinar abaixo assinado e petição online. Exemplo de como o mundo em rede
não apenas é influenciado, como também influencia nossas rotinas e modos de viver (WESCH,
2008).
Considerando, então, a “computadorização” de nossas “sociedades da informática”
(SCHAFF, 1991), o amplo acesso à internet atualmente na vida ocidental e globalizada (JONES,
1999), ainda mais depois de recentes invenções como o tablet e o smartphone, e que práticas de
aventura tem íntima relação com produção e distribuição de conteúdo e mídia especializada
digital (WHEATON, 2013), entendo que não só os documentos e sites oficiais são
imprescindíveis para a análise da repercussão acerca da disputa pela legislação sobre aventura,
como também sua apreensão pela sociedade civil via internet. Ou seja, imaginei que uma
etnografia pela interação digital seria possível.
Apesar da maioria dos estudos que se auto intitulam “de internet” serem
desenvolvidos sobre cyberculturas, identidades virtuais e sociabilidade em uma era digital com
uso de avatares e jogos de realidades paralelas (NICOLACI-DA-COSTA, 2006), este não é o
foco deste trabalho. Não buscamos comunidades fechadas de comportamento peculiarmente
construído por sua interação online, mas ao contrário, o uso da internet nas ações corriqueiras de
pessoas que não se veem predominantemente a partir de sua participação digital.
Castells (2013) afirma que a comunicação via internet tem reacendido a participação
política popular na américa latina. Silveiras (2014) demonstra como o uso político da internet tem
se disseminado, em específico no Brasil, com análises sobre direitos autorais e o marco civil da
internet e o uso de petições e consultas online. Wilson (2008) aproxima esta reflexão do objeto
específico da presente pesquisa e atenta para a importância do uso político da internet como
resistência em fenômenos esportivos. Bandeira (2014) problematiza a íntima relação entre
esportes recentes, a produção de imagens e a mídia digital, e até mesmo o surgimento de um novo
tipo de cinema e jornalismo esportivo com o uso de câmeras de dimensões reduzidas, como a Go
Pro.
Hine (2000) acrescenta que a internet muda relações de tempo/espaço. Segundo ela,
as crises da etnografia (ter culturas distantes como objetos privilegiados, relegar a autoridade do
antropólogo em ter estado lá, visto e vivido e a centralidade da interação face a face) precisam ser
superadas. O texto etnográfico precisa agora mostrar ao leitor não só como e o que fizemos na
68

pesquisa, mas também convencer o leitor que galgamos profundidade de reflexão, o que nos
autoriza a falar sobre o assunto, por meio de outros recursos (p. 46).
Isto será feito na presente pesquisa com citações literais de trechos dos documentos
analisados e imediato oferecimento de suas respectivas fontes, em formato de links, para a
consulta da íntegra. As conversas informais em bate papos ou dispositivos de chamadas online
serão diluídas nas conexões entre argumentos, quando o pesquisado tiver solicitado anonimato.
Visto que uma etnografia tradicional em seu plano de ser uma etnografia institucional
não foi possível com o cessar das atividades da Comissão de Esporte de Aventura, repensei meu
campo a partir de princípios de etnografia virtual Hine (2000), etnografia digital (WESCH, 2008;
UNDERBERG E ZORN, 2013) e netnografia (KOZINETS, 2008), mas prefiro evitar a alusão à
oposição real/virtual deixada por Hine (2000), apesar de tê-la como uma das referências centrais.
As ideias de cyberespaço e hipermídia também são evitadas neste trabalho por soarem como algo
muito peculiar e distante da vida prática de pessoas comuns, talvez até refletindo alguma
exotização de seus usuários ou adeptos.
Acredito como Kendall (1999), Hine (2000) e Wesch (2008), que a internet não é
apenas uma paisagem ou plataforma, mas tampouco é um outro mundo, alheio aos
pertencimentos global, regional, local, comunitário, familiar, clubístico e etc. de seus usuários ou
adeptos. Concebo a internet como um meio social, ou mais uma dimensão da vida humana. Esta é
uma análise que se viabiliza pela internet e não uma análise da internet, por isso, seu recorte não
será apenas um site ou um tipo de página ou dispositivo online, mas sim as conexões entre os
diversos meios engendrados na discussão do tema. Segundo Hine (2000), o espaço da internet:

Is the space of flows, which, in contrast to the space of place, is organized around
connection rather then location … By analogy, the field site of ethnography could
become a field flow, wich is organized around tracing connections rather than about
location in a singular bounded way (HINE, 2000, p.61).

Para Mitra e Cohen (1999), devido ao grande volume de textos da World Wide Web,
as questões: por onde começar, como selecionar um ponto de partida, quantos links seguir e
quando parar, podem ser imobilizantes. Como este estudo trata da dimensão formal da política, o
ponto de partida foram os documentos oficiais, matérias jornalísticas e comentários pessoais em
blogs (que possuíam links que levavam a outros, as quais segui, no modelo “bola-de-neve”)
sugeridos pelos agentes sociais contatados na primeira incursão a campo. Além disso, alguns
69

voluntários aceitaram responder a um roteiro de entrevista e dar continuidade ao nosso contato


em conversas informais via redes sociais para maiores detalhamentos e esclarecimentos.
Mitra e Cohen (1999) lembram que a hipertextualidade e intertextualidade são
características da internet e demandam uma reflexão sobre como recortar o campo ou selecionar
o corpus de um estudo. Para os autores, devido à abundância de textos, links e sua produção
incessante, é preciso decidir os critérios de seleção de quais e/ou quantos textos analisar. A
sugestão dos autores é que para assuntos de grande abrangência e exposição, o número de
visualizações de cada página dimensiona a sua representatividade, no sentido de sinalizar por
quantas pessoas foram lidas, ou quantas pessoas se manifestaram sobre seu conteúdo.
Este não foi o caso deste estudo, pois as páginas online consultadas não eram de um
mesmo tipo, não podendo ser comparadas. Porém, foi possível notar quando as publicações sobre
o tema escassearam e os links começaram a referenciar uns aos outros e isto circunscreveu o
corpus a ser analisado. Entretanto, os contatos estabelecidos através de email, como sugeriram
alguns voluntários, se limitaram ao envio de mais documentos e a entrevistas bastante sucintas.
Uma ideia permeava este comportamento dos membros da CEAV: “tudo que deveria ter sido dito
sobre o tema, já o tinha sido, e estava registrado em documentos oficiais, sites de suas entidades
de representação, blogs pessoais ou mídia especializada”.
Além disto, como os documentos por eles enviados poderiam ser uma seleção muito
enviesada em acordo com suas próprias interpretações e interesses, decidi complementar o corpus
documental a ser analisado com documentos encontrados aleatoriamente em sites de busca da
internet. Devido a sua vinculação comercial, utilizei diferentes ferramentas de busca (Google,
Yahoo Search, e Ask.com) para mapear publicações que não estivessem entre as sugestões dos
entrevistados. As palavras chave utilizadas nesta busca foram tiradas da análise preliminar do
material anteriormente recebido: aventura/política, aventura/lei, aventura/legislação,
aventura/regulação, aventura/normalização, esporte de aventura/turismo de aventura e os
números dos projetos de lei encontrados no site da Câmara dos Deputados e acompanhei seus
desdobramentos conforme os links que ofereciam ou caso citavam outros agentes. Nesta fase, eu
encontrei as manifestações em texto que estão apresentadas em ordem cronológica na tabela a
seguir.

Documento Autoria Data


1 Sobre nós Associação Férias Vivas 2002
70

2 Projeto de lei vai na contramão da defesa do consumidor e isenta Associação Férias Vivas 04/2003
agências de turismo de responsabilidade
3 Turismo Brasileiro com marca de segurança Sílvia Basile/Associação 11/2003
Férias Vivas
4 A segurança no turismo como fator de sustentabilidade Ieda Lima/Associação 06/2004
Férias Vivas
5 O poder público como responsável por acidentes com turistas Ieda Lima/Associação 09/2004
Férias Vivas
6 Para uma aventura mais segura Pedro 02/2005
Cavalcanti/Associação
Férias Vivas/Outward
Bound Brasil
7 Esportes de Aventura Contra o Ministério do Turismo Claudio Consolo 18/05/05
8 Turista é diferente de esportista Jean Claude s/d
Razel/ABETA
9 Projeto de normalização e certificação em turismo de aventura Associação Férias Vivas 09/2005
10 Em busca de um final feliz: Normas de qualidade e segurança Sergio Brasil/ Associação 09/2005
colocam o Brasil na rota internacional do turismo de aventura Férias Vivas
11 A responsabilidade do estado por danos causados por acidentes de Mônica 03/2006
recreação, lazer e turismo Garcia/Associação Férias
Vivas
12 A questão das agências de turismo de aventura promoverem esportes Carlos Vageler 18/5/2006
de aventura
13 Leis de mais, aventura de menos André Ilha 5/03/2007
14 Projeto Sem Noção: Especialistas defendem mais debate sobre Altamontanha.com 4/6/2008
projeto de lei
15 Carta aberta ao Sr. Presidente da República Ieda Lima/ Associação 09/2008
Férias Vivas
16 Especial 10 anos: Simplesmente Alexandre Freitas Lilian Araujo 20/10/2008
17 Você sabia que os esportes de aventura e radical possuem definição? Cláudio Consolo 18/09/2009
18 Você conhece os posicionamentos do Confef e Conferências Cláudio Consolo 18/9/2009
Nacionais do esporte sobre os esportes de aventura e turismo de
aventura?
19 Conhecendo o$ numero$ do esporte brasileiro Cláudio Consolo 19/09/2009
20 Manual de Boas Práticas Aventura Segura de Escalada ABETA e Ministério do 2009
Turismo
21 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 1 Cláudio Consolo 28/09/2009
22 “R$15.000.000,00” – Não são... Cláudio Consolo 29/09/2009
23 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 2 Cláudio Consolo 29/9/2009
24 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 3 Cláudio Consolo 29/9/2009
25 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 4 Cláudio Consolo 30/9/2009
26 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 5 Cláudio Consolo 1/10/2009
27 “A Lógica”- “O Absurdo” e “A Ilegalidade” Cláudio Consolo 4/10/2009
28 Esporte Radical é Turismo? Eliseu Freichou 5/10/2009
29 ABETA - Presença nas Audiências sobre a COPA e Olímpiada Claudio Consolo 15/10/2009
30 “Convênios” – Do poder público com entidades esportivas Cláudio Consolo 21/10/2009
31 Parabéns aos senadores Efraim Morais e Raimundo Colombo Cláudio Consolo 5/12/2009
32 Autonomia à CBME: projeto de lei estabelece normas para a pratica Altamontanha.com 5/12/2009
de esportes de aventura
33 Aprovada regulamentação de esportes radicais e de aventura Agência Senado 6/4/2010
34 III Conferência Nacional do Esporte . 3 Cláudio Consolo 9/6/2010
35 Comissão discutirá regulamentação de esportes de aventura Agência Câmara Notícias 30/6/2010
36 Deputado defende novas regras para a prática de esporte de aventura Carolina Pompeu/Câmara 30/6/2010
Notícias
71

37 Emendas na Câmara dificultarão a prática livre de montanhismo e Altamontanha.com 12/7/2010


escalada
38 Esporte de Aventura – Audiência – Câmara dos Deputados Claudio Consolo 18/07/2010
39 Esportista de Aventura – É Claudio Consolo 25/07/2010
40 Rejeição às emedas do PL 7288/2010/Destinatário: Deputados Abaixoassinado.org 05/08/2010
Federais
41 Abaixo assinado contra as emendas da PL 7288/2010 Altamontanha.com 8/8/2010
42 Como seria o montanhismo com a aprovação da PL 7288 com as Pedro Hauck 10/8/2010
emendas?
43 GEEU - emendas ao projeto de lei 7288/2010 Davi Augusto Marski 11/8/2010
Filho
44 Ficha Limpa! Deputado que propôs emendas do PL7288 tem Altamontanha.com 12/9/2010
candidatura impugnada
45 Projetos de Lei que atingem o montanhismo Pedro Hauck 9/06/2011
46 EMA Reloaded: Depois de quase perder a vida para um parasita, Maria Clara 10/08/2011
Alexandre Freitas, o homem que trouxe a corrida de aventura ao Vergueiro/Go Outside
Brasil, está de volta
47 Ação do Turismo para Copa tem ONGs suspeitas Fernando Gallo 24/08/2011
48 Entidades e Ministério do Turismo negam irregularidade Fernando Gallo 24/08/2011
49 TCU vê irregularidade em ação do Turismo com ONGs Agência Estado 25/08/2011
50 Depois de Paraná, Minas e Ceará, Rio também pode ter lei que Pedro Sibahi 2/2/2012
regulamenta as atividades de aventura
51 Abeta diz que não tem nada a ver com leis estaduais de Pedro Sibahi 3/2/2012
regulamentação das atividades de aventura
52 Câmara rejeita certificação para instrutores de turismo de aventura Murilo Souza/Câmara 09/09/2013
Notícias
53 Institucional/História Outward Bound Brasil s/d
54 Direito ao risco André Ilha 26/12/2013
Tabela 3. Publicações institucionais, pessoais e midiáticas analisadas

É importante ressaltar que não lanço mão dos trechos destes documentos como se eles
fossem referências. Eles foram analisados por mim como fontes primárias e secundárias e ações
textuais dos agentes do campo, porque produzidos para causarem efeito nele. Quando os citar,
eles não terão peso teórico, mas sim de dado empírico.
Procurei, além disto, relacionar-me com seus autores, em específico este outro perfil
de agentes do campo, os esportistas experientes/jornalistas e comentadores das políticas nas
mídias especializadas, por meio de rede social, através da qual eu imaginava poder estabelecer
contato mais permanente. Entretanto, apesar de se disporem a manter conversas de
esclarecimento e aprofundamento sobre suas publicações e entrevistas, aqueles que aceitaram
colaborar saíram do Brasil em expedições de muitos meses de duração e tiveram sinal de internet
limitado durante o período de que dispunha para realizar este trabalho de campo.
Na rede social Facebook, encontrei uma comunidade de condutores de turismo de
aventura que tinha 490 membros em 27 de Março de 2015 e como descrição: “este grupo tem
como objetivo discutir sobre os conhecimentos dos condutores e discutir sobre a NBR15285:
72

Turismo de aventura- condutores-competência pessoal”. Esta citada no objetivo do grupo foi uma
das primeiras normas ABNT/ABETA a ser criada. Embora meu enfoque fossem os agentes
esportivos do campo político da aventura, devido as negativas que recebia deles, julguei
produtivo conhecer as opiniões daqueles que atuavam no turismo de aventura antes das normas.
Solicitei acesso ao criador do grupo que me adicionou gentilmente.
Ao notar que alguns questionários haviam sido elaborados e respondidos com as
próprias ferramentas da plataforma, me apresentei no mural do grupo e solicitei participação dos
membros nesta pesquisa por três vezes. Entretanto, apenas o criador da comunidade aceitou
participar deste estudo. Coube-me analisar retrospectivamente as postagens. Neste processo
percebi que o grupo divulgara normas em elaboração em fase de consulta pública e reivindicou
um encontro nacional dos condutores de aventura, visto que julgava o Summit anual da ABETA
voltado para o empreendedor. Mas desde meados de 2014 a participação de seus membros se
resumia em divulgar propagandas de suas empresas, eventos comerciais e promoções.
Fui, então, alertada em meu exame de qualificação que este estudo não constituía uma
etnografia digital devido à falta de interação duradoura com os pesquisados. De fato, a produção
de documentos, fóruns de discussão e debates em blogs foi mais ativa no recorte temporal entre
os anos de 2003 a 2013. O que não permitiu minha entrada em comunidades ou fóruns de
discussão em tempo real, mas uma análise retrospectiva daquele período de efervescência.
A posteriori percebi que isto se deu porque o primeiro ano é marcado pela separação
dos Ministérios do Turismo e do Esporte, que antes dividiam pasta e por ações que formalizaram
a criação da ABETA, agente institucional central no conflito com as entidades esportivas de
aventura, no ano seguinte. O último ano marca a rejeição do projeto de lei mais discutido na
mídia especializada e combatido por comunidades de prática relacionado a este tema em trâmite
na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados que, em fevereiro de 2014,
também foi dissolvida em duas, para acomodar atribuições partidárias, a exemplo dos
Ministérios. Em 2014, André Ilha e Silvério Nery, montanhistas muito ativos na representação do
campo esportivo, também deixaram a gestão de suas instituições de representação, o que
enfraqueceu ainda mais o debate, embora outro PL tenha sido proposto em 2015 a pedido de
montanhistas. Mas, neste último ano Pedro Hauck e Pedro Sibahi, publicadores críticos sobre o
assunto, saíram do país para longas expedições em suas modalidades de aventura.
73

As mudanças de estrutura, o desgaste judicial e as diferentes fases de vida dos agentes


deste campo parecem ter desarticulado a arena política esportiva das práticas de aventura. Os
processos de votação e rejeição dos projetos de lei e as mobilizações online prévias parecem ter
exaurido os agentes centrais do conflito e por isso a participação nesta pesquisa foi tímida e as
circunstâncias para a observação e participação não se conformaram como o esperado para uma
pesquisa etnográfica.
Entretanto, os “nãos” também serão tomados nesta investigação como dados de
pesquisa. Kingdom (1984), sugere que o estudo da não iniciação de políticas públicas ou sua
retirada da agenda política formal são tão relevantes quanto o daquelas que são implementadas:

O que faz a vez de uma ideia chegar? Essa pergunta é na verdade, parte de um quebra-
cabeça maior: O que faz com que pessoas do e em torno do governo atentem em dado
momento para alguns assuntos e não outros? Os cientistas políticos aprenderam sobre
uma quantidade razoável de promulgações de legislações finais, e mais amplamente
sobre decisões autoritárias tomadas em diversas instâncias do governo. Porém, processos
de predecisão permanecem um território relativamente desconhecido [tradução minha]
(KINGDOM, 1984, p.1).

Ademais, Peirano (1995) apesar de afirmar que a etnografia depende da coexistência


diária, também afirma que ela deve repelir e resistir a modelos rígidos e que agora “que não se
faz etnografia apenas em ilhas distantes”, a etnografia depende da habilidade do pesquisador de
se surpreender com o próximo e ficar curioso sobre o familiar, não se conformando com
predefinições. Complementarmente, Gingrich (2013) analisa a tendência da etnografia clássica
em “estudar para baixo”, ou seja, estudar pessoas em desvantagem nas relações de poder com os
pesquisadores. O etnógrafo era quase sempre um invasor, no sentido de pertencer à sociedade
colonizadora, como resultado, era mais fácil impor acesso ao campo.
O autor também afirma que “estudar para cima” é mais raro porque o etnógrafo
precisa convencer pessoas mais poderosas que ele a autorizarem sua presença e a se exporem e a
seu status quo ao escrutínio público, o que seria o caso desta pesquisa. Por isto, ele diz que
embora hoje em dia “estudar para os lados”, etnografar pessoas de contextos sociais, familiares,
classe, ofício, etnia ou trajetória semelhantes, já seja mais comum, a etnografia sempre vai
encontrar mais dificuldade em determinados campos.
Além disso, Gingrich (2013) afirma que o etnógrafo ideal, que corajosamente sempre
conquista sua sobrevivência em campo, se encaixa em um perfil muito problemático: o corajoso
74

explorador europeu: branco, jovem, solteiro e hábil. Este tipo de pessoa ocupou por muito tempo
o topo da cadeia científica, o que talvez tenha contribuído para cristalizar o hábito antropológico
de não publicar em coautoria, visto que o trabalho de campo era tomado como empreendimento
extremamente pessoal. Ao contrário, Gingrich (2013), advoga em favor de etnografias
desenvolvidas das mais distintas formas. Ele menciona que etnografias feitas em duplas ou
grupos não têm porque não serem aceitáveis quando bem feitas, e para possibilitar alguma
etnografia ou outros pontos de vista sobre campos nos quais é inseguro para o pesquisador estar
sozinho, como contextos de guerra ou nos quais a condição feminina é vista como
vulnerabilidade.
Lincoln e Denzin (2003) afirmam que as ciências sociais criadas na tradição ocidental
masculina foram desafiadas por múltiplos discursos nas últimas décadas: colonos, subalternos,
indígenas, feministas e refugiados. Tais inputs fizeram com que os métodos qualitativos e
também a etnografia experimentassem crises epistemológicas que os levaram a múltiplas
soluções: novos métodos e revisões diversas de técnicas já bem disseminadas, novas fontes de
dados e/ou novas formas de registrá-los e analisá-los. Por isso é preciso repensar a etnografia
clássica, excessivamente escolástica e anterior às reivindicações destes movimentos.

From cinema to advertising, management studies, and even military and police Science,
ethnography is enjoying of a renaissance […] In the academy in particular, in disciplines
from law, sociology, and economics, to literary criticism, scholars are turning to
ethnographic work as a way out of overdetermined paradigms, as a theoretically
sophisticated antidote to the excess of theory (RILES, 2006, p.1).

Adicionalmente, Gingrich (2013) discute a inviabilidade de certas etnografias e


também como a maioria dos antropólogos mundialmente conhecidos realizaram apenas um ou
dois trabalhos de campo extensivos sobre os quais publicaram durante toda sua carreira. O autor
afirma que: “In some instances and contexts, long term, single sited ethnographic fieldwork
strictu sensu may in fact, not be possible at all, and the available alternatives might render
valuable results” (p. 114):

An example […] is Oracles an Demons of Tibet, by René Nebesky-Wojkowitz (1956)


[…] Since Nebesky embarked upon this research when the Chinese administration and
army were about to take over the tibetan plateau, he had to compile his material
primarily through interviews […] and by reading religious manuscripts” (GINGRICH,
2013, p. 114).
75

Gingrich (2013) afirma que certos temas, questões ou contextos como o militar, o
médico, o científico, e, acrescento aqui, o político, permitem pouquíssima participação (p. 119).
Assim, ele afirma que um trabalho de observação limitada não pode ser considerado inferior ou
incompetência, mas que a etnografia deve buscar sempre ao menos uma mínima observação junto
do uso de outras técnicas.
Diferentemente, Riles (1994) em seu estudo sobre Antropologia Legal ou do Direito
afirma que está fazendo um estudo etnográfico mesmo quando compara dois autores já falecidos
através de seus textos. A autora afirma que a etnografia não é mais estar lá, entre os pesquisados,
mas promover uma virada interpretativa, olhar diferentemente para nós mesmos e inaugurar
novos pontos de vista sobre um fenômeno (p.598). Gingrich (2013) afirma, entretanto, que a
etnografia não é o único produto da antropologia, mas também a comparação antropológica (que
busca abstrações no confrontar de etnografias já realizadas) e também a antropologia histórica
(que organiza cronologicamente acontecimentos, valores e simbologias com o intuito de
compreender como se conformam dadas realidades). Talvez este trabalho se identifique mais com
a última.
De qualquer forma, mantive o uso complementar de técnicas distintas de construção
de dados já que Sugden e Tomlinson (2002), Lincon e Denzin (2003), Flick (2009) e Wheaton
(2013) concordam em um aspecto: quanto mais comprometida com a apreensão e compreensão
de um objeto de forma complexa uma pesquisa se propõe a ser, mais técnicas de pesquisa
precisam ser empregadas na construção dos dados. A chamada triangulação, também é
considerada uma estratégia para assegurar qualidade na pesquisa qualitativa já que permite a
abordagem de um mesmo problema a partir de diferentes ângulos e modos de conhecê-lo e
diferentes níveis de informação podem se complementar em prol de uma compreensão mais
aprofundada do fenômeno em estudo.
A entrevista foi um dos métodos somados à análise dos documentos. Entretanto,
houve bastante hesitação dos agentes do campo em me conceder entrevistas. Comecei a me
perguntar, então, sobre o porquê de tamanha hesitação e sobre os limites éticos da insistência do
pesquisador em convencer um informante a colaborar com a investigação, já que era notório certo
cansaço e decepção em relação ao tema por parte dos voluntários. Esta situação promoveu uma
reflexão, baseada em Fonseca e Frey (2000), sobre o cuidado que se deve tomar para que a
76

entrevista não se torne uma imposição da forma de comunicação do pesquisador e um


constrangimento para o voluntário.
Não só pela questão ética, mas também porque pode suscitar melhores respostas,
experimentei que formatos alternativos de entrevista podem ser elaborados em acordo com as
particularidades de cada campo de pesquisa e preferência dos voluntários. Já que a participação
dos agentes era escassa, para não perder os voluntários que apenas aceitavam participar via meios
digitais, decidi aceitar suas sugestões sobre como poderíamos nos comunicar. O email foi
sugerido por alguns, mas foram raros os que retornaram o TCLE assinado escaneado. O email,
então, não pareceu ser uma ferramenta que facilita a interação, já que alguns voluntários,
preferiram abrir mão do anonimato e partir para uma interação diretamente via rede social.
Na tabela a seguir apresento os perfis sociológicos dos entrevistados e nossa forma
de contato. Os detalhes variam conforme sua publicação fora permitida pelo voluntário. Alguns
deles também são autores de documentos que estão citados na análise que segue. Caso o leitor
consiga identificá-los depois de ler esta tabela, isto significa que eles se entendem como pessoas
públicas, se posicionam abertamente no debate sobre políticas públicas para lazer de aventura e
não solicitaram anonimato.

Perfil do voluntário Tipo de contato


1 Membro da CEAV/carreira pública no Ministério do Esporte/ entrevista formal presencial
acadêmico na área de Educação Física
2 Jornalista da mídia especializada/cicloturista/publicou contra entrevista e continuidade do contato por
as normas ABNT/ABETA e projetos de lei sobre o tema rede social
3 Guia de turismo/graduado em Educação Física/competidor de entrevista por email e continuidade do
corrida de aventura/criador de comunidade em mídia social contato por rede social
que tem como objetivo discutir as normas propostas pela
ABETA
4 Membro da CEAV/atleta de corrida de aventura/empresário entrevista formal presencial
5 Montanhista experiente/ autor de blog/ publicou sobre normas entrevista e continuidade do contato por
ABNT e projetos de lei sobre o tema rede social
6 Representante e membro fundador da ABETA entrevista formal presencial
7 Representante da Associação Férias Vivas conversa por telefone e entrevista por e-
mail
Tabela 4: Perfil dos entrevistados e forma de contato

Como o número de entrevistados foi baixo, a entrevista foi concebida para este estudo
como não redutiva, interessada nas nuances e particularidades de cada entrevistado e não houve
preocupação em controlar seu tempo máximo, ao contrário, me preocupei em receber o máximo
possível de informações e detalhes sobre a relação do agente com (ou o que sabia sobre) o
77

processo de feitura das políticas públicas para atividades de aventura. Desta forma, como as
durações foram muito longas, procedi de forma a realizar uma imersão auditiva na narrativa do
entrevistado, transcrevendo os trechos exemplares, que selecionei para a ilustração dos dados.
Isto foi feito ouvindo o conteúdo das entrevistas criticamente, não como uma representação
estável sobre dado objeto, mas sim como uma representação criada com intencionalidades desde
um ponto de vista e em relação a uma suposta audiência, de forma a complementar o pouco que
pode ser observado.
As observações diretas aconteceram em visitas de dois dias ao Ministério do Esporte
em Agosto de 2013 e à Adventure Sports Fair em 2014. Eu planejara observar a Adventure
Sports Fair de 2015, mas o evento fora cancelado pela primeira vez, desde 1998. Uma das
limitações deste trabalho é, portanto, que as interações e observações (presenciais e online)
acabaram por ter menor parte na construção dos dados.
Neste contexto político oficial (já imaginava que autorizações para observar e
entrevistar poderiam ser negadas especialmente por políticos de carreira), mas me surpreendi com
a dificuldade em obter a participação dos outros perfis de agentes sociais. Entretanto, entendi que
em um ambiente no qual processos na justiça e acusações criminais já foram deflagrados, é
esperado e compreensível o receio em se expor em um trabalho acadêmico, mesmo com o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido garantindo anonimato. Entendi eticamente correto cessar a
insistência dos pedidos de participação e focar nos documentos encontrados. Como método mais
extensivo nesta pesquisa, a análise documental merece tópico à parte, a seguir.
Concluí desta experiência metodológica que, embora Frey (2000) e Freeman e
Mayben (2011), entre outros autores da Ciência Política, incentivem estudos etnográficos da
política, que revelem os processos obscuros e não apenas interprete os produtos do fazer
governamental, conduzidos desde dentro de suas estruturas e órgãos, que de fato são minoria;
este acesso, dependendo do país e do contexto, pode não ser conseguido. Espero que esta situação
melhore com governos cada vez mais democráticos e as prerrogativas da transparência. E até que
políticas públicas que garantam o acesso de pesquisadores a esses contextos possam ser
elaboradas.

3.4 Documentos e análise de dados


78

O projeto para este doutorado previa observar diretamente o funcionamento de uma


instituição, a atuação de seus membros, suas reuniões e processos burocráticos, procurando nas
suas ações, falas e escritos os valores e significados que compõem preocupações e interesses no
campo político das atividades de aventura. Entretanto, diante da inoperância da CEAV em
Brasília e da resistência de seus membros em conceder entrevistas e estabelecer contato rotineiro,
os documentos apareceram como via privilegiada para esta investigação.
Uma antropologia dos documentos enquanto artefatos do conhecimento moderno
(RILES, 2006)27, principalmente em sociedade literatas (FETTERMAN, 2010) e em contextos
burocratizados como a política formal, complementaram a fundamentação do tratamento
metodológico que pude dar ao fenômeno aqui analisado. Segundo Hine (2000) as interações orais
foram privilegiadas no fazer etnográfico clássico, além de sua origem no estudo de populações
não alfabetizadas, para uma diferenciação da historiografia, e os textos, embora incorporados,
foram secundários nas análises antropológicas até aqui, mas não podem mais ser.
No campo do presente estudo o contrário se apresenta como condição da pesquisa. E
por isso, precisa se fundamentar em Riles (2006), que na introdução de sua coletânea, advoga em
favor da centralidade do documento na etnografia de contextos globalizados:

Why documents, of all things, a subject Bruno Latour has termed ‘the most despised of
all ethnographic subjects’ (1988, p.54)? Documents provide a useful point of entry into
contemporary problems of ethnographic method for a number of reasons. First, there is a
long and rich tradition of studies of documents in the humanities and social sciences.
Second documents are paradigmatic artefacts of the modern knowledge practices.
Indeed, ethnographers working in any corner of the world almost invariably must
contend with documents of some kind or another. Documents thus provide a ready-made
ground for experimentation with how to apprehend the modernity ethnographically (p.1).

Sem negar que os documentos permitem apenas certos tipos de interpretações, Riles
(2006) propõe a análise de documentos em termos de performances textuais. Ela relembra
Foucault, para quem os documentos não só são produzidos por pessoas, como também produzem
pessoas ao serem prescrições de comportamentos, principalmente no caso de manuais e leis. E
não é novidade que a produção de textos é condição sinequanon no campo político estatal.

27
Os capítulos da coletânea Documents: artefacts of modern knowledge versam sobre diferentes contextos: registros
de uma prisão de segurança máxima em papua Nova Guiné e seus usos pelos prisioneiros, estética de formulários de
uma fundação norte-americana e os diferentes modos de preenche-los, redação da missão de uma universidade,
autoria em artigos científicos, documentos médicos e familiares em uma unidade neo-natal e documentos em rituais
mortuários em Fiji.
79

Segundo Freeman e Maybin (2011), governos são inexistentes e impraticáveis sem


documentos, mas o documento antecede os Estados: ele está na fundação de tradições religiosas,
especialmente a judaico-cristã. Os autores afirmam que a autoridade, tanto religiosa como
governamental, foram sustentadas, em diversos contextos, pelo monopólio da leitura e da escrita.
De acordo com a revisão de Freeman e Maybin (2011), pesquisadores de políticas públicas, em
sua maioria, focaram os conteúdos dos documentos e sua linguagem, tratados como veículos de
mensagens, intenções, objetivos e/ou posições oficiais de alguém, no caso, o governo. Entretanto,
eles alertam para os complexos processos de negociação e autoria compartilhada que não são
problematizados. Outro aspecto pouco problematizado pelos cientistas políticos, em acordo com
estes autores, é a leitura desses documentos, sua recepção e resposta pelas comunidades que
afetam. Freeman e Maybin (2011) enfatizam, então, que, antes da implementação, fazer política
pública é escrever e reescrever, e os produtos da escrita, leitura e reescrita precisam ser
analisados como documentos em cadeia.
Freeman e Mayben (2011) reconhecem que apesar de documentos em política ainda
significarem palavras em um papel, e da tecnologia digital (Word) imitar um papel para sua
aceitação e disseminação em processos mais cristalizados, suas versões eletrônicas tornam-se
mais acessíveis e circuláveis. Eu acrescento aqui a possibilidade da população se comunicar com
os redatores das políticas públicas via e-mail, redes sociais, petições públicas, surveys online,
entre outras ferramentas. Se os políticos estão de fato interessados e comprometidos com a
recepção dos documentos, as novas tecnologias podem influenciar muito os processos de feitura
das políticas públicas, os informando sobre sua adequação antes mesmo de sua implementação.
Riles (2006) considera que vivemos uma “era eletrônica”, tempo no qual valores tais
como responsabilidade e transparência, são, em termos práticos, documentações disponíveis na
internet (p.6). Segundo a autora, a importância da documentação tem suas raízes na era vitoriana
e na celebração do arquivo público, mas também no capitalismo como potencializador do projeto
documentador. E para ela, outra faceta do fetiche do documento, e o aspecto mais recente da
documentação, são os resultados de incessantes inovações em tecnologias da informação.
Mas, enquanto Freeman e Mayben (2011) elogiam os estudos de políticas públicas
daqueles autores que puderam “estar lá” observando os trâmites, e Riles (2006) e seus
colaboradores focam a criação de documentos; como os trâmites dos documentos em questão no
presente trabalho cessaram em minha primeira semana de campo, ao contrário, eu tive que partir
80

da resposta aos documentos retrospectivamente para uma reconstrução de seu processo de


criação.
Procurei, para tanto, aplicar o olhar etnográfico aos documentos em acordo com o
pressuposto de Geertz (1989). Se, para ele, é possível que o antropólogo leia uma realidade (ele
prefere o termo cultura) como texto, é possível que um conjunto de textos seja lido como uma
realidade.
Apesar de manter vários pressupostos etnográficos nesta investigação senti como
outra limitação da etnografia a explicitação sobre análise dos dados. Hardy e Bryman (2004)
corroboram minha impressão ao problematizarem o fato de que a antropologia está tão convicta
que cada trabalho de campo é tão particular e que a disciplina é tão múltipla, que a resistência em
generalizar manteve os processos de análise de dados em etnografia ocultos por muito tempo.
Segundo os autores, a pesquisa qualitativa pós disciplinar parece ter desencadeado uma
preocupação maior com os aspectos procedimentais da análise de dados. Enquanto trabalhos
como Boeijie (2010) apresentam a análise de dados qualitativos exclusivamente como
codificação, Punch (1998) já afirmava:

Data analysis approaches based on segmenting, coding, and categorization are valuable
in attempts to find regularities in the data. But they by no means exhaust the data, or
possibilities for its exploration. Also, they break data into small pieces, risking the
development of a culture of fragmentation […] In doing this they can also
decontextualize the data (p. 222).

Neste sentido, acredito que novamente a triangulação pode ser uma alternativa para
garantir qualidade ao processo analítico. Se estamos cientes dos aspectos fortes e fracos de
diferentes formas de análise de dados, e os cruzarmos complementarmente, as chances de esta
análise ser de melhor qualidade são maiores. Adicionalmente, tenho a impressão que alguns
estudos adotam uma única forma de análise dos dados confiando em seu bom uso prévio.
Entretanto, não se preocupam em adaptar tal técnica a sua realidade de pesquisa específica, nem a
refletir sobre as críticas que tal técnica recebe e suas limitações. Quero dizer com isso que utilizar
os termos “análise de discurso” ou “análise de conteúdo”, bastante adotadas em pesquisas
qualitativas na Educação Física, sem detalhar como eles são operados em cada estudo específico,
não garante a coerência dos procedimentos de análise. Um dos procedimentos muito utilizados
nestas duas técnicas de análise é a codificação, sobre ela, Lee e Fielding (2004) afirmam:
81

debates over the status of qualitative data revealed disagreement over the very use of the
term ‘code’, which to some bore unfortunate resonances of survey-type research [...] to
them the meaning of qualitative data was more complicated and unstable then the things
which could be captured in a code […], could mean more then one thing at once […]
multiple meanings cannot comfortably be accommodated by manual code-based
procedures (p.533).

Baseada nesta crítica não utilizei o procedimento de codificação. Com o intuito de


evitar sua descontextualização, primeiro apliquei aos documentos completos os princípios mais
básicos da hermenêutica, ou interpretação de texto, perguntando a cada documento: o que, quem,
porque, para quem, com quem, contra quem. Quando impossível responder a todas as perguntas
priorizei na descrição os tópicos sugeridos por Cellard (2012): contexto em que o documento foi
produzido, caracterização dos autores, identificação da audiência e conceitos chave.
Entretanto, o autor não explica como identificar conceitos chave. Para tanto, utilizei a
contagem de palavras dos termos mais recorrentes no material analisado, com o intuito de
priorizar expressões emergentes do campo, evitando assim a imposição teórica sobre dada
realidade empírica inovadora. Contudo, como uma emergência absolutamente espontânea é
impossível, visto que é inevitavelmente informada pela pergunta de pesquisa, agrupei conceitos
chave relacionados em problemáticas. As mais relevantes foram: esportes radicais/esportes de
aventura/esportes na natureza; imprevisibilidade/risco/segurança; esporte/turismo/ecologia;
serviço/comercialização/regulação. Novamente, para evitar a descontextualização, a discussão
sobre cada uma delas será apresentada assim como a ordem cronológica dos fatos/documentos
aconteceu.
Por fim, selecionei narrativas exemplares, extraídas dos documentos, para, com sua
citação literal, demonstrar ao leitor de que base empírica vêm as abstrações deste estudo. O leitor
pode estranhar algumas citações mais longas, mas esta é uma característica do evitar da
fragmentação e da utilização de narrativas para demonstração empírica.
De acordo com Czarmiawska (2004), narrativas são um relato sobre um evento ou
uma explicação sobre um acontecimento, contém um enredo ou uma trama (p. 652) em forma de
história, crônica, mito, lenda, anedota, relatório, voto etc; sua força está no fato de que são teorias
nativas, ou seja elaboradas pelos pesquisados e que fazem sentido no campo de pesquisa.
Entretanto, como estudo crítico que se propõe a ser, as narrativas, mesmo as testemunhais
conhecidas pelas entrevistas, não são tomadas como retratos fiéis da realidade, mas sim como
82

uma interpretação possível da mesma, sob influência de contexto específico e formulada


intencionalmente em relação a um interlocutor pretendido.

3.5 Aspectos Éticos


Na busca pelas narrativas que conformam a arena política das atividades de aventura,
este estudo toma os documentos oficiais e publicações digitais abertas como material público e
por isso revela a identidade de seus autores com o intuito de contextualizar o leitor sobre os
diferentes perfis sociológicos (formação profissional, afiliação, gênero, breve histórico de
atividades) dos agentes sociais deste campo. Entretanto, o aprofundamento sobre os dados
realizado através das entrevistas e conversas informais com os voluntários desta pesquisa:
membros da Comissão de Esportes de Aventura do Ministério do Esporte, gestores e
representantes de entidades turísticas e esportivas envolvidos na elaboração de normas e projetos
de lei acerca das atividades de aventura no Brasil e os autores de críticas públicas a elas, foram
anonimizadas em acordo com exigências do Comitê de Ética da Unicamp. Para tanto os foi
apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em anexo, do qual
obtiveram uma cópia para si.
Imaginei que o trato com o TCLE fosse facilitado, pois não houve participação de
grupos vulneráveis, ou seja, todos os voluntários eram alfabetizados, fluentes em português e
respondem por si legalmente. Mas, uma das faces do fetiche do documento mencionado no tópico
anterior é a imposição de um modelo único de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na
pesquisa social, que não faz sentido, entedia e não é cara aos pesquisados.
Alguns dos voluntários desta pesquisa não estiveram dispostos a ler o TCLE por
completo, outros rejeitaram a sua cópia e/ou jogaram-na no lixo, outros ainda não quiseram
anonimato, porque julgaram que não precisavam dele, mas também para pular esta parte do
procedimento de entrevista. Em estágio de pesquisa na Nova Zelândia, conheci pesquisas
conduzidas online nas quais o termo de consentimento, bastante mais sucinto do que o exigido
para esta pesquisa, abria em um parágrafo o questionário a ser respondido em uma página da
internet, seguido de uma caixa de checagem na qual estava escrito: “entendo os procedimentos e
riscos e estou de acordo em participar desta pesquisa”, ou qualquer outra frase do tipo, que em
um click, significava consentimento do participante, não exigindo a assinatura de próprio punho
em documento original.
83

Esta forma de consentimento, ao passo que agiliza os processos de pesquisa e facilita


a participação aumentando o número de entrevistados, além de viabilizar pesquisas que
congreguem participantes em quaisquer distâncias, não fere em nada os princípios éticos da
ciência, pelo contrário, pode manter até mesmo o nome do voluntário oculto, o que resguarda
ainda mais seu anonimato. No caso de entrevistas abertas, via redes sociais, também encontrei na
literatura, que a pesquisa pode ser explicada ao voluntário pelo pesquisador e que sua aceitação
em participar, registrada em áudio ou por escrito, vale como consentimento esclarecido, de
maneira semelhante a como a pesquisa etnológica se dá entre povos de tradição oral.
Entretanto, para estar em acordo com a Plataforma Brasil, as perguntas desta pesquisa
foram organizadas em um pré-roteiro de dez questões, para que o voluntário as pudesse conhecer
antes de avaliar se deveria participar da pesquisa. Este pré-roteiro, apresentado em anexo, foi
complementado com indagações espontâneas, na intenção de obter detalhamento, quando
necessário e se autorizado. O voluntário escolheu o dia, horário, local ou meio das interações.
Os desconfortos envolvidos neste procedimento foram as perguntas que, ao fazerem
lembrar possíveis desentendimentos, conflitos trabalhistas e/ou processos jurídicos, poderiam
provocar sentimentos ruins (como constrangimento, medo, tristeza, arrependimento ou raiva). O
risco envolvido nesse procedimento foi que suas respostas trouxessem consequências negativas
para a atuação profissional e prosseguimento de carreira do voluntário. Para minimizar os
possíveis desconforto e risco, caso avaliasse que estes questionamentos eram perturbadores, o
voluntário podia não aceitar participar da pesquisa, interromper, pular questões e/ou retirar seu
consentimento durante qualquer momento da interação.

4. O campo político da aventura no Brasil


O conceito de campo, em Bourdieu, auxilia nesta investigação, pois segundo o autor
(1983), a condição para a existência de um campo é a presença de uma luta em seu interior. Ou
seja, um campo não é um conjunto homogêneo de pessoas em torno dos mesmos valores,
interesses e práticas, mas sim um conjunto heterogêneo disso tudo em disputa. “Em termos
analíticos um campo pode ser definido como uma rede, ou configuração de relações objetivas
entre posições”. E estas posições são definidas pelas determinações que impõem a seus
ocupantes, agentes ou instituições (BOURDIEU e WACQUANT, 1992, p.72):
84

[...] deveríamos nos perguntar sobre [...] as condições sociais que tornam possível a
constituição do sistema de instituições e de agentes diretamente ou indiretamente ligados
à existência de práticas e de costumes esportivos, desde os agrupamentos “esportivos”,
públicos ou privados, que têm como função assegurar a representação e a defesa dos
interesses dos praticantes de um esporte determinado e, ao mesmo tempo, elaborar e
aplicar as normas que regem estas práticas, até os produtores e vendedores de bens
(equipamentos, instrumentos, vestimentas especiais, etc.) e de serviços necessários à
prática do esporte (professores, instrutores, treinadores, médicos, especialistas,
jornalistas esportivos, etc.) e produtores e vendedores de espetáculos esportivos e bens
associados (malhas, fotos dos campeões ou loterias esportivas, por exemplo). Como foi
se constituindo, progressivamente, este corpo de especialistas que vive diretamente ou
indiretamente do esporte (corpo do qual fazem parte os sociólogos e historiadores do
esporte – o que sem dúvida não facilita a colocação do problema)? E mais precisamente,
quando foi que este sistema de agentes e de instituições começou a funcionar como um
campo de concorrência onde se defrontam agentes com interesses específicos, ligados às
posições que aí ocupam? (BOURDIEU, 1983, p. 137).

Bourdieu, pressupõe uma lógica interna aos campos, mas também uma lógica da
relação entre campos (WACQUANT, 2005), e é da relação entre campos que trata o presente
estudo. Há quem pense a aventura como parte ou conteúdo do campo esportivo ou turístico,
exclusivamente. Entretanto, ao pretender investigar a disputa entre entidades de ambos os campos
pela aventura, propomos conceber a aventura, ela mesma, enquanto campo híbrido.
No campo da aventura, as disputas são tanto ideológicas quanto técnicas e se dão
devido às concorrências entre diferentes conhecimentos, necessidades, interesses e valores dos
distintos agentes que o compõem, a exemplo da epígrafe deste capítulo. É notório também,
embora pertencentes a uma tradição de organização e transmissão menos institucionalizada que
os esportes convencionais, segundo Tomlinson et al (2005), que os diferentes interessados em
regulamentar a aventura têm procurado nas últimas décadas, diante do aumento do interesse e
adesão da população em geral, vias estatais para legitimação do campo em âmbito nacional e a
criação de entidades públicas.
Para Bourdieu (2005), as práticas de Estado afetam sobremaneira os campos, pois ele
seria um campo de concentração de poderes, que monopoliza a violência material e simbólica
(WACQUANT, 2005, p.29), um tipo de jogador que também arbitra os conflitos entre capitais
em disputa. Entretando, Bourdieu não entende as intervenções do Estado Nação Moderno, ou
Estado Burocrático, como ele prefere, apenas como golpes de tirania (como podiam ser nos
Estados Dinásticos), fazendo valer suas tomadas de decisão, independente das lógicas internas
dos campos. Mas sim, a partir da ideia de um jogo de influências entre uma constelação de
instituições interligadas:
85

Essa reconceitualização do Estado como “banco central do capital simbólico, garantidor


de todos os atos de autoridade”, situado no baricentro do campo do poder, permite a
Bourdieu romper com a visão unitarista de “Estado” como um monolito organizacional e
ligar as divisões e lutas internas que ele abriga [...] o Estado não existe apenas “lá fora”,
mascarado em burocracias, autoridades e cerimônias: ele também vive “aqui dentro”,
indelevelmente gravado em todos nós (WACQUANT, 2005, p.30-31).

Neste sentido, a concepção de Estado de Bourdieu e de políticas públicas de Di


Giovanni (2009) são adotadas neste estudo. Para além da ideia de que uma política pública é
simplesmente uma intervenção do Estado numa situação considerada problemática, o último
autor propõe pensar a política pública como uma forma contemporânea de exercício do poder nas
sociedades democráticas, resultante de uma complexa interação entre estado e sociedade, dada
pelas dinâmicas dos mais variados agentes. Como se verá no capítulo a seguir, o campo desta
pesquisa corrobora este pressuposto.
Santos e Amaral (2010), complementam que o campo específico das políticas
públicas de lazer no Brasil carece de análises sobre as arenas políticas, ou seja, quem são os
agentes e motivações que as compõem, o tópico a seguir procurará endereçar esta recomendação.
Antes, convém apresentar brevemente o que já é sabido sobre o tema das políticas públicas para
lazer e esporte no Brasil, pressupostos para a análise:

A Constituição Brasileira, no seu artigo sexto, define o lazer como um dos direitos
sociais junto a outros direitos, como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a
segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância e a assistência aos
desamparados. E no parágrafo terceiro do artigo 217, destinado ao “desporto”, define
ainda que “O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social”.
Diferentemente dos outros direitos, na CF/88 [Constituição Federal de 1988] não foram
definidos os princípios, diretrizes, objetivos, os mecanismos e as regras institucionais
que deveriam orientar a concretização do direito ao lazer (MENICUCCI, 2006, p.136-
137).

São inúmeros os autores que denunciam as consequências desta má formulação


constitucional sobre o lazer, principalmente suas políticas fragmentadas e funcionalistas
(MARCELINO, 1996; CASTELLANI FILHO, 2008; SANTOS e AMARAL, 2010), mas os
problemas conceituais não se restringem a ele.
Sobre o esporte, embora goze de maior atenção e espaço, o uso do termo desporto na
Constituição Federal de 1988 e sua definição ora como “direito individual”, ora como “direito de
cada um” e não como direito social, são indicativos do descaso conceitual com o qual foi
86

formulado. Para endereçar não só estes problemas descritivos e de caracterização, como também
o problema do privilégio dos esportes competitivos e de espetáculo (BRACHT, 2011), agentes
acadêmicos articularam no governo do Partido dos Trabalhadores as Conferências Nacionais do
Esporte, eventos realizados periodicamente com o objetivo de discutir políticas públicas para o
setor. Neste contexto, um Plano Nacional de Esporte e Lazer começou a ser pensado.
Contudo, em meio a este processo a imposição governamental em sediar os
megaeventos Copa do Mundo FIFA de futebol profissional masculino de 2014 e Jogos Olímpicos
de 2016, fez com que as Conferências deixassem de ser convocadas e o Ministério do Esporte
fosse reformado, o que pode ter influenciado a constituição de políticas públicas para esportes de
aventura. Segundo Mascarenhas (2012), o Ministério criado em 01 de janeiro de 2003, dispunha
de quatro secretarias: Secretaria Executiva; Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento;
Secretaria Nacional de Esporte Educacional; e Secretaria Nacional de Desenvolvimento de
Esporte e Lazer. Com o intuito de atender a nova agenda política, o Governo Federal a partir do
Decreto nº. 7.529, de julho de 2011, reestruturou as secretarias. Duas foram mantidas: a
Secretaria Executiva e a Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento. A Secretaria
Nacional de Esporte Educacional e a Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e Lazer
foram agrupadas em Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social, além
disso, foi criada a Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor.
É neste cenário de perda de espaço para o esporte educativo e de lazer, que aumenta
ainda mais o incentivo ao futebol profissional masculino, já tão desproporcionalmente maior,
devido à elite política corrupta do Brasil que lucra com ele (Francischini, 2009). Além disso,
contrariando as decisões das Conferências, que mostravam demanda por esporte de participação e
lazer, o governo também impôs como prioridade atingir o ranking entre os 10 maiores
medalhistas nos Jogos Olímpicos que serão sediados no Brasil. Neste contexto, de ênfase no
esporte convencional de alto rendimento, se inserem as negociações por políticas públicas para as
práticas de aventura, como será demonstrado a seguir.

4.1 Primeiros projetos de lei para controle do risco e a Associação Férias Vivas
Com a popularização das atividades de aventura no país na virada do milênio, uma
série de incidentes e acidentes fatais, levaram deputados e senadores a proporem projetos de lei
sobre tais práticas. O projeto de lei, ora PL, 3439-A que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de
87

assinatura de termo de responsabilidade e de contratação de seguro obrigatório para a prática de


esportes de aventura ou radicais” é proposto no ano de 2004 pelo Deputado Elimar Máximo
Damasceno (PRONA-SP) e assim decretaria:

Art. 1º As entidades promotoras de eventos de esportes de aventura ou radicais, são


obrigadas a contratar seguro de vida e acidentes em favor dos atletas, compreendendo
indenizações por invalidez ou morte em valor compatível com o risco assumido.
Parágrafo único. A apólice de seguro a que se refere o caput, deverá compreender o
ressarcimento de todas as despesas médicas e hospitalares decorrentes de eventuais
acidentes ocorridos no evento.
Art. 2º Sem prejuízo do disposto no artigo 1º, os atletas participantes de eventos de
esporte de aventura ou radicais, assinarão termo de responsabilidade no qual serão
indicadas as características das provas a que serão submetidos e seus riscos intrínsecos
(Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CBB3FDA
8F35F9FF6828A7E966FA236F0.proposicoesWeb1?codteor=299114&filename=Avulso
+-PL+3439/2004, acesso em: 02/03/2016).

Este PL corrobora Douglas e Wildavisky (1982), para quem riscos que são
impostos ou ocultados são inaceitáveis. Por isso, segundo os autores, a informação é o
mecanismo de conversão de um perigo em risco. A informação permitiria administrar variáveis e
criar compensações ao se expor. O propositor do PL 3439-A, ao justificar sua iniciativa, utiliza o
exemplo de um incidente acontecido na modalidade corrida de aventura:

A eventual assinatura de termos de responsabilidade por parte dos atletas que praticam
esportes de aventura ou radicais, deve ocorrer para salvaguardar os promotores de
eventos dessa natureza, à medida em que seja formalizado o entendimento de que o
atleta tem consciência do risco da atividade que se propõe a exercer. Assim, as
dificuldades que caracterizam as provas não poderão ser consideradas como negligência
da entidade promotora em caso de eventuais acidentes. Por outro lado, não se deve,
simplesmente, eximir de toda a responsabilidade as entidades promotoras. Estas,
freqüentemente, obtém algum tipo de vantagem financeira com o esporte radical. É o
que ocorre, por exemplo, com a “corrida de aventura”, há cinco anos vem sendo
realizada com respaldo de patrocinadores e da mídia. Neste evento, o atleta Alexandre
Freitas contraiu moléstia que o deixou em estado de coma por quatro meses. Desta
forma, é razoável que seja contratado seguro em benefício dos atletas que praticam
modalidades como o rafting, o páraquedismo ou a corrida de aventura. A legislação
esportiva brasileira vem evoluindo no sentido de conferir segurança ao atleta. Assim, a
Lei Pelé prevê que as entidades de prática desportiva contratem seguro de acidentes de
trabalho para os atletas profissionais a ela vinculados (art.45). Este dispositivo não é
aplicado aos esportes de aventura, uma vez que os atletas não são necessariamente
vinculados a uma entidade de prática desportiva e não tendo também vínculo
empregatício. Tal situação assemelha-se àquela dos peões de rodeio, que tiveram o
direito ao seguro garantido pela lei nº 10.220/01, que estabelece a obrigação da entidade
promotora do evento. Com a presente proposição, visamos dar mais um passo em
direção à garantia de segurança a nossos intrépidos atletas do esporte de aventura
(Disponível em:
88

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CBB3FDA
8F35F9FF6828A7E966FA236F0.proposicoesWeb1?codteor=299114&filename=Avulso
+-PL+3439/2004, acesso em: 02/03/2016).

O caso de Alexandre Freitas, acometido por um parasita endêmico de peixe


malcozido em Fiji, enquanto disputava a prova Eco-Challenge, em 2002, ficou muito conhecido,
pois o atleta pioneiro, após experimentar a modalidade na Nova Zelândia, em 1997, fora também
o organizador da primeira prova de corrida de aventura no Brasil: a Expedição Mata Atlântica
(EMA), em 1998. Analista financeiro, foi o grande empreendedor da modalidade no país, criou e
presidiu a Sociedade Brasileira de Corridas de Aventura (SBCA) articulando um crescente
circuito brasileiro de provas deste tipo. As sequelas o impuseram permanentes traqueostomia,
sonda para alimentação e a necessidade da cadeira de rodas, já que a coordenação motora,
equilíbrio, fala, audição e visão ficaram comprometidas28. Entretanto, enquanto o próprio atleta
não atribuiu à prova seu infortúnio, o relator Deputado Enio Tatico e a comissão de Turismo e
Desporto votam pela rejeição do PL em 20 de outubro de 2004, segundo justificado:

(...) acreditamos que a obrigatoriedade imposta pela proposição constitui uma


intervenção indevida na liberdade de atuação e de escolha dos agentes econômicos,
ferindo o princípio constitucional da livre iniciativa. [...] A presença de falhas de
mercado é apresentada na literatura econômica como razão para a intervenção do estado.
A esse respeito, acreditamos que a prática desportiva para atletas profissionais apresenta
circunstância e condições sob as quais a solução de mercado não é eficiente. Ao terem
que se sujeitar aos riscos de acidentes inerentes ao trabalho, os atletas profissionais
encontram-se impedidos de exercerem integralmente seu direito de livre escolha. Para
que sejam garantidos condições adequadas e seguras para o exercício de sua profissão, é,
então, necessário que o governo regule a atividade empresarial. É com este intuito que a
chamada Lei Pelé –Lei n.º 9.615, de 24 de março de 1998 -, em seu art. 45, prevê que
entidades de prática desportiva contratem seguro de acidente de trabalho para os atletas
profissionais a ela vinculados. Ao equiparar o peão de rodeio a atleta profissional, a Lei
n.º 10.220, de 2001, também obriga as entidades promotoras de provas de rodeios a
contratarem seguros de vida para os peões. Diferentemente dos atletas profissionais,
entretanto, os atletas amadores, praticantes ou não de esportes de aventura, podem
exercer seus direitos de livre escolha com total plenitude. Para a tomada de decisão
quanto à prática do esporte radical, podem, sem restrições, levar em conta o risco
associado ao esporte e os benefícios dele decorrentes e, eventualmente, optarem por não
participarem de tais eventos. Observa-se, assim, que a prática do esporte radical é
inversamente proporcional à aversão ao risco: quanto mais avessa ao risco, menor a
probabilidade de a pessoa praticar um esporte de aventura, haja vista a possibilidade de
se acidentar. [...] A contratação desses seguros tem por objetivo cobrir custos de
hospitalizações e outras despesas decorrentes de eventuais acidentes. Julgamos, portanto,
que o ideal é que o consumidor seja atendido conforme sua preferência, o que acontecerá

28
Narrativas disponíveis em: http://www.adventuremag.com.br/noticias/5/2099/especial-10-anos-simplesmente-
alexandre-freitas.html#sthash.29xkR7Jy.dpbs, e em: http://gooutside.com.br/849-ema-reloaded acesso em:
08/03/2016.
89

se tiver liberdade para escolher entre a prática do esporte radical acompanhada ou não da
contratação de seguros de vida e de acidentes. Não consideramos adequado que pessoas
menos avessas ao risco tenham que arcar, contra sua vontade, com a elevação dos preços
cobrados para a prática de esportes radicais, em decorrência da incorporação dos custos
para a contratação de seguros ao preço final do produto. No limite e sem a necessidade
de interferência na atividade econômica, pode-se chegar a uma situação em que os
consumidores, em sua maioria, prefiram os serviços de entidades promotoras de esportes
radicais que contratem seguros de vida e de acidentes, retirando do mercado aquelas que
não ofereçam essa condição (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CBB3FDA
8F35F9FF6828A7E966FA236F0.proposicoesWeb1?codteor=299114&filename=Avulso
+-PL+3439/2004, acesso em: 02/03/2016).

Spink et al (2004) em seu artigo “Onde está o risco? Os seguros no contexto do


turismo de aventura”, ao se dedicarem a compreender a celebração de seguros na regulamentação
do mercado de turismo de aventura, afirmam que após o credenciamento obrigatório de todas as
empresas, empreendimentos ou equipamentos turísticos que atuam no território nacional junto à
Embratur, em 1998, fez-se necessário que as operadoras de turismo celebrassem seguro de
responsabilidade para cobertura de dano, por parte do prestador direto e indireto. Os autores
investigam criticamente os seguros de vida e contra acidentes de um dia, elaborados para o
turismo de aventura como uma nova tecnologia de gerenciamento de riscos. Eles salientam que
ao entrevistar proprietários de agencias turísticas de Brotas e gestores de seguradoras que com
eles trabalham é possível concluir que tais seguros foram elaborados porque se mostraram
altamente lucrativos para as seguradoras:

A Soma Seguros saiu na frente, vamos dizer, criando um produto específico de vida para
riscos gravados, e aí nos dois sentidos do risco agravado: [...] por doença, que eu já falei,
que é preexistência, que pode ser um fator para recusa do seguro, e o risco agravado pelo
esporte radical, que também é um fator, que na modalidade normal que existe no
mercado, pode ser um fator de recusa desse seguro. (...). Abriu esse nicho para esportes
radicais e para preexistentes, foi buscar um ressegurador lá fora, que já tem a experiência
da carteira: vale a pena? Me dá prejuízo? Não dá? Essa avaliação a Soma foi buscar num
ressegurador, que provavelmente tem essa especialização, que não é o caso do
UNIVIDA [...] o pessoal que não é da área [Embratur], coloca lá uma exigência, vamos
dizer assim, sem conhecer efetivamente como é que é o produto, o produto seguro num
todo, porque são empresas que são montadas para gerar lucro, para administrar uma
carteira; eu tenho um produto mas a finalidade dessa empresa, o final dessa conta é para
que a empresa tenha lucro; ninguém está aí para fazer benevolência ou cobrir algo que,
de repente, você é obrigado a fazer. É um pouco o que está acontecendo na área de
saúde. A ANS veio para regulamentar; maravilha! Era um setor absolutamente
desregulamentado, uma falta de profissionalismo total. Então vem a ANS, que é
organismo governamental, para botar ordem e acaba, de repente, fazendo [...] uma
imposição, porque precisa regulamentar; dá umas atropeladas, transfere para as empresas
o que seria responsabilidade social. Porque nós temos carência, o nosso cobertor é curto,
o cobertor-Brasil: se cobre o dedão o narizinho fica de fora, e vice-versa. Não tem
recursos para tudo. [...] eu levo para a área comercial: o interesse do negócio, vale a
90

pena, não vale a pena. Olha, até agora, faz dois anos, ainda não tivemos nenhum caso;
teve só uma raspadinha de joelho. É um seguro com indenizações pequenas; você tem
diluição de risco. É um seguro que tem uma arrecadação razoável porque você tem um
grande número de pessoas [que fazem seguro]. (Entrevista com o Vicepresidente do
UNIVIDA, agosto de 2002, In: SPINK, et al, 2004)

O entrevistado de Spink el al (2004) corrobora a opinião de alguns praticantes de


modalidades de aventura, como André Ilha, ambientalista influente, coordenador do Grupo de
Ação Ecológica (GAE) e ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro. O
montanhista carioca pioneiro, que será citado a seguir, criou uma série de vias consagradas, e ao
rejeitar os PLs que pretendem regulamentar sua prática, argumenta que esportes como a escalada,
por exemplo, podem ser considerados não perigosos já que tem taxas de lesão muitíssimo
inferiores aos esportes convencionais populares como o futebol.
Mas o que chama atenção de Spink et al (2004) na fala de seu entrevistado, é o fato
de que a obrigatoriedade da contratação de seguros faz com que o poder público se exima de
fazer o seu papel de regulador. E, acrescento, que as seguradoras, por prezarem seus lucros,
podem tender a avaliações que evitem o pagamento das indenizações, o que deixa os contratantes
em situação vulnerável. Os autores concluem criticamente que a distribuição da responsabilidade
pelo risco nesta relação entre Embratur, agências turísticas, seguradoras e participantes das
atividades é desigual e está reduzida a uma relação de consumo, na qual:

A existência de uma organização não-governamental, como a Férias Vivas, por exemplo,


[...] reafirma sua existência: participa do mesmo esquema de poder. O recurso à
denúncia feito por organizações não-governamentais possivelmente conduzirá à maior
freqüência de uso da linguagem dos direitos ao lado dos repertórios associados à
linguagem da distribuição de danos e responsabilidades, característica do cálculo de
risco, introduzindo novos desdobramentos nos elementos que hoje integram o jogo que
marca a relação entre mercado de seguros e de turismo de aventura no Brasil (SPINK, et
al, p.87)

Isto porque, a atuação da, primeiro ONG, depois, Associação Férias Vivas (AFV),
criada em 2002 pela mãe de uma vítima de cavalgada de 9 anos, é baseada no direito do
consumidor e incentiva a contratação de seguros. A AFV afirma ainda não acreditar que as
atividades de turismo devam ser reguladas, ou seja que o estado não deve interferir na atividade
econômica. Mas sim que é favorável à regulamentação através de políticas públicas de incentivo,
promoção e fiscalização da atividade.
91

Entretanto, a instituição combateu o PL 5.120-C/01 que "Dispõe sobre as atividades


das Agências de Turismo". Segundo seu website, o PL tratava-se de um lobby das empresas de
turismo, na tentativa de subtraírem sua responsabilidade em relação a turistas lesados. Segundo
entrevista de seu representante e corroborando as publicações oficiais no site da instituição, a
AFV, ao passo que representa os turistas, vítimas e familiares, combate a regulação do setor por
projetos de lei, visto que os julga potencialmente inadequados, já que escritos por não
especialistas e não formulados em elaboração com colaboração da sociedade civil e dos
diferentes envolvidos nos campos de prática.
Para a AFV, no Brasil, devido à morosidade do poder público, a normalização seria
uma alternativa melhor pela sua capacidade de proporcionar troca de informação entre as partes
envolvidas, melhorando a confiabilidade das relações comerciais. O papel do poder público seria,
segundo a entidade, o de fomentar a prática das atividades de aventura com qualidade e
segurança, criando regulamentação específica e fiscalizando os operadores. É assim que a AFV
justifica seu entusiasmo quando da criação de normas técnicas ABNT para turismo de aventura.
A associação afirma ter participado do Comitê Brasileiro de Turismo CB-54, cujo executor seria
o Instituto de Hospitalidade (IH), desde antes da existência da ABETA, e que tal iniciativa partiu
do Ministério do Turismo:

Políticos de vários estados vêm defendendo projetos de lei para regulamentar esportes ou
atividades turísticas de aventura, sem buscar embasamento técnico nem tampouco
envolver nesse processo os especialistas dessas atividades. Tudo começou com os
últimos dois acidentes que chamaram atenção da mídia. O primeiro, ocorrido em Minas
gerais, ocasionou a morte de uma jovem durante um salto de bungee jump, realizado em
ponte ferroviária. O outro foi próximo do Distrito Federal e levou a morte de outro
jovem, desta vez durante a prática de rapel. Entretanto, a grande questão é que os
projetos de lei em curso, mesmo que tenham boas intenções, comprovam o despreparo
de nossos representantes no entendimento dos problemas e na elaboração de propostas
para solucioná-los. Devemos também ser realistas e perguntar se essas iniciativas não
são apenas uma tentativa de busca de visibilidade política, cuja consequência é a
informalidade, a corrupção, e a burocracia sem viabilidade prática. Essa é a razão pela
qual defendo com veemência o desenvolvimento da regulamentação no âmbito da
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Fundada em 1940, a ABNT é uma
entidade privada, sem fins lucrativos [...] sua principal característica é que as normas são
elaboradas de forma voluntária, por consenso de representantes de consumidores,
representantes de fornecedores e representantes neutros, abrangendo a sociedade como
um todo (BASILE, 2005).

Na coletânea de Uvinha (2005) Farah (2005), formada em ciências sociais,


especialista em ecoturismo e consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
92

do turismo de aventura em parceria com o Ministério do Turismo, afirma que oficinas para a
definição do segmento de aventura foram realizadas em 2001, ainda durante o governo Fernando
Henrique, quando o Ministério era do Turismo e Esporte, e que nesta iniciativa se procurou
participar da Adventure Sports Fair para promover o diálogo com todos os agentes envolvidos
(p.36). Na mesma coletânea, tanto uma fundadora da AFV, quanto um fundador da ABETA
também têm capítulos publicados. No segundo, Abreu e Timo (2005), ao discorrerem sobre
certificação e normalização em turismo de aventura, apresentam conceitos e pressupostos deste
movimento no Brasil e confirmam o exposto no excerto acima com um relato das primeiras ações
do Ministério do Turismo nesta direção, afirmando que a Lei no. 10.683, de 28 de Maio de 2003,
que dispõe sobre a organização dos ministérios, estabeleceu como uma das cinco competências
básicas do Ministério do Turismo o desenvolvimento de um Sistema Brasileiro de Certificação e
Classificação das atividades, empreendimentos e equipamentos fornecedores de serviços
turísticos (p. 55). Os autores declaram ainda que em 2002 a Comissão de Estudos do Turismo foi
estabelecida na ABNT, que em Dezembro de 2003 o Ministério do Turismo estabeleceu convênio
com o Instituto de Hospitalidade com o objetivo de estabelecer normas técnicas para o segmento
e que em 2004 o turismo de aventura foi considerado prioritário neste processo.
Entretanto, ao relatar que o IH realizou um diagnóstico sobre o setor em 2004 e ao
apresentar as 11 subcomissões29 que se destinaram a este fim, os autores referenciam o IH
apenas afirmam que a ABETA “teve papel essencial na demanda por uma ação do governo no
segmento de turismo de aventura”, mas não explica como a responsabilidade de executor de tal
política passou do Instituto de Hospitalidade para ela, nem citam a AFV. Atualmente, o website
do IH encontra-se fora do ar e seu número de telefone não atende. Por este motivo, este processo
não pode ser esclarecido e pode ser uma sugestão para estudo futuro. Voltemos, então, à
discussão do excerto do texto de Basile, anteriormente citado.
O primeiro comentado no excerto anterior, fora o caso do PL5592/05. A fatalidade em
bungee jumping, no dia 3 de Julho de 2005, em Araguari (MG), filmada pelo pai da vítima (a
estudante Letícia Santarém Amaro Rodrigues, de 20 anos) tendo circulado abertamente pela
internet, incentivou o Deputado João Paulo Gomes da Silva (PL/MG), a apresenta-lo em 5 de

29
Sistema de Gestão da Segurança, Competências Mínimas para Condutores de Turismo de Aventura, Informações
Mínimas para clientes, Terminologia, Turismo com atividade de montanhismo, Turismo Veículos fora de estrada,
Turismo com atividades de rafting, Espeleotuirsmo e Turismo com atividades de Canyoning, Turismo com
atividades de técnicas verticais, Cicloturismo e Turismo com atividades de Caminhada e cavalgada, e Turismo com
atividades de arvorismo.
93

Julho de 2005 sob o título “Tipifica como Contravenção Penal, nos termos do Decreto-lei nº
3.688 de 03 de outubro de 1941, a prática do esporte conhecido como "bungee jump', e dá outras
providências. Entendendo o "bungee jump" ou "bungy jumping" como salto de pontes, viadutos,
torres, guindastes, balões dirigíveis, dentre outras elevações, amarrado por cordas elásticas ou
não, sua breve justificativa afirmava que no caso desta atividade a falha de equipamento não
poderia ser remediada, sendo sempre fatal. Pela falta de informações técnicas, tal PL fora
rejeitado e arquivado.
Já o PL5609/05, apresentado em 06/07/2005 pelo deputado Capitão Wayne com o
título “Dispõe sobre a regulamentação para prática de esportes de aventura ou radicais e dá outras
providências”, parece versar sobre o último aspecto da justificativa da rejeição do PL3439-A/04:
a normatização e fiscalização como meios de evitar acidentes:

Mais importante do que a contratação de seguros, que protejam atletas de esportes


radicais das perdas e danos decorrentes de acidentes, é promover a normatização e
fiscalização desta prática, a fim de que ofereçam melhores condições de segurança,
evitando, assim, tais acidentes. A proteção à vida dos praticantes de esportes de aventura
depende de treinamento adequado e capacitação profissional de instrutores e guias, bem
como da disponibilidade de informação e conhecimento adequados sobre as normas que
regem esses esportes (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CBB3FDA
8F35F9FF6828A7E966FA236F0.proposicoesWeb1?codteor=299114&filename=Avulso
+-PL+3439/2004, acesso em: 02/03/2016).

A justificativa do PL5609/05 é que, concomitante ao aumento no número de


interessados, a ocorrência de acidentes impeliu proteger as pessoas com a discriminação de
responsabilidades mínimas, atribuição de competências a órgãos governamentais para o cunho
preventivo e até repressivo, se necessário, dada a inexistência de legislação que regulamentasse o
setor. O PL PL5609/05 decretaria:

Art. 1o As entidades promotoras de eventos de esportes de aventura ou radicais, são


obrigadas: I - a possuir registro comercial, em conformidade com as normas específicas,
nos Estados, Distrito Federal e Municípios da Federação. II - a registrar, nos órgãos
competentes, o responsável técnico pelos equipamentos a serem utilizados para prática
desportiva; III - a contratar seguro de vida e de acidentes em favor dos atletas,
compreendendo indenizações por invalidez ou morte, em valor compatível com o risco
assumido, prevendo, inclusive, cobertura de despesas médicas e hospitalares decorrentes
de eventuais acidentes ocorridos; IV - colher assinatura dos atletas em termo de
responsabilidade, onde deverão constar as características das provas a que serão
submetidos e seus riscos intrínsecos; V- a dispor, no local da prática desportiva, de
material e pessoal comprovadamente capacitado para atendimento pré-hospitalar de
natureza emergencial. VI - a obter autorização, do órgão público pertinente, para
94

utilização de locais públicos ou privados para prática desportiva, inclusive se


responsabilizando por danos ao patrimônio. VII - a proibir a prática desportiva por
menores de idade, salvo com autorização escrita dos pais ou responsáveis legais; Art. 2º
Os Corpos de Bombeiros Militares serão os agentes fiscalizadores, cabendo aos Estados,
e ao Distrito Federal, fixarem normas complementares para execução de suas
atribuições; Art. 3° A concessão para funcionamento das atividades desportivas serão
anuais, devendo o órgão fiscalizador criar mecanismos para autenticação de material
vistoriado, bem como aferição de capacidade técnica dos instrutores. Art 4° Fica vedada
a prática desportiva em locais que tragam risco a terceiros, ainda que em área particular,
cabendo ao poder público o levantamento quanto ao risco. Art 5º A inobservância do
disposto no Art 1º, por parte da entidade promotora, importará aos responsáveis a
incidência nas penas ao crime cominado na medida da sua culpabilidade (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=322043).

Note-se nesta iniciativa, que os termos eventos, atletas e provas que aparecem no
princípio da redação remetem a contextos competitivos ou campeonatos organizados aos quais
participantes supostamente experientes seriam “submetidos”, embora, ao final do excerto as
expressões: “funcionamento das atividades esportivas” e “instrutores” pareçam ampliar o escopo
da lei para contextos de iniciação esportiva e esporte de participação. Já sua justificativa é
bastante objetiva e reforça os acidentes e consequente necessidade de controle do risco como
motivações e importância de tal iniciativa.
Segundo o relator, o projeto de lei foi distribuído à apreciação da Comissão de
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, à Comissão de Turismo e Desporto e à
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, assim como determina o Regimento Interno
da Câmara dos Deputados (RICD). A proposta recebeu duas emendas durante sua tramitação de
autoria do Deputado Alberto Fraga: uma, obrigando que os equipamentos a serem utilizados na
prática desportiva radical tenham o selo do INMETRO; e a outra, imputando ao proprietário, ou
ao responsável constituído, a responsabilidade pela prática em local particular sem a autorização
do órgão público pertinente. Os esportistas, principalmente montanhistas e surfistas, se opuseram
à proibição da prática para menores de idade e também à necessidade de certificação dos
equipamentos pelo INMETRO. Especialmente os primeiros, que dependem de uma grande
variedade de equipamentos para sua prática, alguns não produzidos no país ou tendo preferência
por marcas estrangeiras, afirmaram que os equipamentos já eram certificados por órgãos
internacionais. Diante deste debate, tanto o projeto quanto suas emendas foram rejeitados e
arquivados, segundo o voto do relator:

[...] verifica-se que o autor se refere a entidades promotoras de eventos de esportes de


aventura ou radicais, mas não define o que sejam “esportes de aventura ou radicais” nem
95

remete para que órgãos regulamentadores ou outras normas o façam, deixando um vácuo
legal considerável. Em que pese, intuitivamente, a nossa inteligência perceber o que
sejam “esportes de aventura ou radicais”, a aplicação da lei não pode ficar ao sabor de
percepções intuitivas, exigindo uma perfeita definição nesse sentido. Por outro lado,
ainda que façamos uma lista exaustiva do que são esportes radicais, não é garantia
absoluta que outras modalidades não venham a surgir, deixando a lei desatualizada. Na
verdade, esse tipo de normatização quer nos parecer uma interferência indevida do Poder
Público nas relações que se estabelecem entre pessoas: o que oferece a prestação de uma
atividade esportiva, que nada tem a ver com a prestação de um serviço público, e aquele
que pretende usufruir dessa prestação. Não cabe ao Estado interferir nessas relações. Se
alguém se permite a correr determinados riscos inerentes a uma atividade a que
voluntariamente se submete, que o faça livremente, no uso da liberdade que lhe é
constitucionalmente assegurada. E mais, diante de um Poder Público que já não
consegue atender, razoavelmente, a outras imposições mais graves e tipicamente
públicas, não se justifica sobrecarregá-lo ainda mais com responsabilidades outras e
menores no campo regulatório e fiscalizatório. Não bastasse, se implementadas as ideias
trazidas pela proposição, inevitavelmente haverá um aumento do custo da prática dos
chamados “esportes de aventura ou radicais”, em particular quando se tratar da
contratação de seguro de vida e de acidentes, que deverá alcançar cifras astronômicas
diante dos riscos maiores que essa atividade representa. Além disso, retomamos a ideia
de que o Estado deve ficar fora de determinadas relações entre pessoas de direito
privado, deixando-as livres; no caso, agora, para contratar ou não seguro de vida e de
acidentes (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=421955&filen
ame=Tramitacao-PRL+1+CSPCCO+%3D%3E+PL+5609/2005, acesso em 15/11/2013).

Este voto também está em acordo com as ideias de Douglas e Wildavisky (1982),
para quem há no senso comum uma diferença na aceitação entre riscos voluntários e
involuntários. Os autores utilizam a escalada como exemplo em sua explanação, para eles, os
riscos que conhecemos, mas escolhemos correr, por exemplo, ao optar por esportes, comida ou
bebida perigosos, seriam aceitáveis. Neste sentido, o relator entende o direito ao arriscar-se como
uma opção pessoal, exercício da liberdade de cada um, e o acesso a práticas esportivas deste tipo
como uma opção de consumo.
Ilustração exemplar da manifestação dos esportistas autônomos são os comentários de
André Ilha, em 04 de março de 2007, matéria intitulada “Leis de mais, aventura de menos”, para
a coluna Opinião do Carta Maior, publicada também, no dia seguinte, no Webventure, sobre leis
que tramitavam no Brasil em níveis locais:

A ser observado estritamente o texto de lei recentemente aprovada em Minas Gerais, por
exemplo, quem for jogar uma pelada no Parque das Mangabeiras estará sujeito à
aprovação prévia do Corpo de Bombeiros e de um "órgão competente", a assinar um
termo de responsabilidade e, ainda, deverá estar acompanhado de "monitores
habilitados", uma vez que, de acordo com este diploma legal, esportes de aventura são
todas as "modalidades esportivas de recreação que ofereçam riscos controlados à
integridade física de seus praticantes e exijam o uso de técnicas e equipamentos
especiais", definição que se aplica perfeitamente ao futebol (muito mais pessoas se
96

lesionam jogando bola do que escalando montanhas, e bola e chuteiras nada mais são do
que equipamentos especiais para este esporte) (Disponível:
http://webventure.com.br/h/noticias/andre-ilha-leis-de-mais-aventura-de-
menos/19129?pag=3 acesso em 03/04/2014).

Além de negar que as práticas de aventura sejam mais arriscadas, porque, segundo
ele, lesões acontecem com menos frequência que em esportes competitivos convencionais, André
Ilha contesta a regulamentação imposta por agentes externos ao campo de prática, por vezes,
inadequada tecnicamente. Segundo a interpretação do autor, além de impor burocracias e dar
brechas a corrupções:

Pela versão original de projeto que tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro,
seria exigido dos escaladores o uso de luvas, algo como obrigar mergulhadores a usar
pés-de-pato de chumbo [...] Por fim, mesmo no tocante à prática comercial, alguns
destes atos trazem embutidas uma burocratização excessiva e a ostensiva cartorialização
da atividade. O exemplo mais desanimador nesse sentido nos foi dado pela Lei 2353/06
da cidade de Niterói, que determina que só se usem equipamentos certificados por
entidade ligada à Empresa de Lazer e Turismo do Município e que só possam atuar no
ramo profissionais oriundos de cursos previamente aprovados por ela, além de
estabelecer uma inacreditável reserva de mercado para "profissionais já em atividade no
Município"! Alguém ganhará com isso, mas este alguém não será, decerto, os esportes
de aventura e nem mesmo o turismo de aventura, pois o programa do curso estipulado
para os seus "profissionais" está muito aquém do currículo exigido há décadas pelos
clubes amadores para os seus próprios guias. É natural que atividades novas gerem
novas demandas e desafios para o legislador, e os dispositivos acima elencados devem
ser entendidos como os inevitáveis tropeços iniciais em uma longa caminhada que
apenas se inicia e que deveria estar voltada apenas para as práticas comerciais. Pois, no
tocante à prática amadora, fazemos nossas as sensatas palavras do deputado Otávio
Germano, relator do Projeto de Lei Federal nº 5609/05, no voto que levou ao seu
arquivamento definitivo: "Não cabe ao Estado interferir nessas relações. Se alguém
se permite correr determinados riscos inerentes a uma atividade a que
voluntariamente se submete, que o faça livremente, no uso da liberdade que lhe é
constitucionalmente assegurada. E mais, diante de um Poder Público que já não
consegue atender, razoavelmente, a outras imposições mais graves e tipicamente
públicas, não se justifica sobrecarregá-lo ainda mais com responsabilidades outras
e menores no campo regulatório e fiscalizatório"[grifo meu] (Disponível:
http://webventure.com.br/h/noticias/andre-ilha-leis-de-mais-aventura-de-
menos/19129?pag=3 acesso em 03/04/2014).

Note no grifo, que o autor enfatiza a justificativa do veto do PL analisado


anteriormente em termos de riscos pessoais, privados ou voluntários. Entretanto, segundo
Douglas e Wildasky (1982), os conceitos de riscos involuntários e voluntários ignoram que as
possibilidades de escolha de modos de vida em qualquer sociedade são raramente igualitárias. Há
classes de pessoas que são expostas a maiores riscos que outras. Para os autores, os pobres, em
média, adoecem mais que os ricos, morrem antes, têm mais acidentes. Nesta linha de raciocínio,
97

uma política nacional para as atividades de aventura sustentar-se-ia, por pretender garantir a
todos os cidadãos, apesar da desigualdade de recursos financeiros que dispõem, as mesmas
condições de segurança durante sua prática.
Entretanto, as relações de consumo e não as relações de ensino-aprendizagem de
práticas de aventura têm sido privilegiadas pelas políticas públicas brasileiras, assim como ilustra
o mesmo André Ilha, na introdução de sua coluna:

Quando comecei a escalar montanhas, em meados dos anos 70, passei a integrar uma
reduzida confraria de pessoas consideradas exóticas pela maioria da população, que
saíam muito cedo de casa nos finais de semana, mochila às costas, para percorrer trilhas
e vias de escalada escassamente visitadas. O montanhismo era então domínio exclusivo
de amadores, o que lhe valia, inclusive, o apelido de esporte diferente por inexistir
competição direta entre os seus praticantes. Sua memória e tradições sempre foram
mantidas por um bem organizado sistema de clubes, o primeiro deles fundado em 1919 e
em funcionamento até os dias atuais. Uma década depois alguns enxergaram a
possibilidade de ganhar a vida oferecendo serviços de guias e instrutores de escalada, na
esteira do emergente turismo ecológico, um fato cujo sucesso teria uma profunda
influência tanto no número como no próprio perfil dos frequentadores de nossas até
então tranquilas montanhas. Pois se antes os clubes divulgavam suas atividades com
parcimônia, buscando atrair novos adeptos em números compatíveis com a possibilidade
de lhes proporcionar uma adequada formação técnica e ética, além de rudimentos de
educação ambiental, os novos profissionais, na ânsia de ampliar o mercado de forma a
lhes assegurar um fluxo contínuo de clientes, passaram a divulgar o esporte de forma
bem mais intensa, o que levou às montanhas levas crescentes de pessoas ávidas por
experimentar as emoções únicas que aquele ambiente proporciona. Houve então um
boom do montanhismo, paralelo à expansão de outros esportes diretamente ligados à
natureza e que também oferecem adrenalina garantida aos seus praticantes, como o voo
livre, o parapentismo, a canoagem e outros, o que abriu espaço para o aparecimento de
lojas e publicações especializadas, algo até então inexistente. Curiosamente, meras
técnicas de escalada, como o rapel e a tirolesa, foram alçadas à condição de esportes na
disputa por um mercado cada vez mais atraente. Toda esta efervescência levou, de forma
não surpreendente, a um sensível aumento do número de acidentes, por diversas razões.
Primeiro, por mera decorrência estatística, já que mais pessoas praticando uma atividade
de risco implicam em uma maior probabilidade da ocorrência de acidentes. Segundo,
porque a ampla divulgação destes esportes pelos meios de comunicação levou pessoas
despreparadas a praticá-los por conta própria, sem prévio treinamento, receita segura
para o surgimento de problemas. Por fim, o desejo de abocanhar uma fatia deste
segmento em franca expansão propiciou uma multiplicação de empresas e operadores
autônomos, alguns dos quais sem tradição e experiência na área e que, eventualmente,
colocam seus clientes em risco. A grande repercussão de acidentes deste tipo na mídia
que, salvo exceções, sempre carrega nas tintas do sensacionalismo levou muitos
políticos, em todos os níveis administrativos e em diversos pontos do país, a se
preocupar com a questão e a pensar regras que minimizassem a possibilidade de sua
ocorrência. Entretanto, tal preocupação, legítima e compreensível, tem, por vezes,
incorrido em equívocos, alguns dos quais tão sérios que chegam a colocar em xeque a
própria existência das atividades que pretendem ver salvaguardadas. Como muitos destes
equívocos foram gerados por desconhecimento dos princípios básicos que regem tais
atividades e das motivações de seus praticantes, cabe aqui entendê-los para que futuras
normas não os repitam e mesmo para que algumas já aprovadas possam sofrer
aperfeiçoamentos que as convertam em um benefício, e não uma ameaça, a esta
98

instigante tendência de se unir a prática esportiva à natureza. O ponto central a ser


esclarecido é a diferença entre esportes de aventura e turismo de aventura (Disponível:
http://webventure.com.br/h/noticias/andre-ilha-leis-de-mais-aventura-de-
menos/19129?pag=3 acesso em 03/04/2014).

Segundo Tomlinson et al (2005) e Wheaton (2013), certos praticantes temem que o


aumento da regulamentação descaracterize sua prática e por isso são avessos a exibição de suas
performances para não serem estigmatizados como maus exemplos, incentivando quem não tem
proficiência técnica a acreditar que suas ações são corriqueiras e podem ser imitadas. A proibição
da prática de certas modalidades em espaços públicos e a imposição de regras que não fazem
sentido para os praticantes, restringindo sua sensação de liberdade, também não são
exclusividade do cenário brasileiro.
Este quadro inicial da elaboração de uma política pública brasileira para atividades de
aventura, assim como será demonstrado a seguir, nos apresenta a cadeia de relações e interesses
em disputa na sua constituição. Vítimas de acidentes e familiares solicitam providências aos
legisladores. Eles as elaboram, mas são consideradas inadequadas e rejeitadas por esportistas
pioneiros e experientes e por empresários do turismo. Cada um dos dois últimos tipos de agentes
passa a tentar influenciar a edição das políticas futuras em seu favor, enquanto os primeiros
agentes desencadeadores, as vítimas, são esquecidos no processo. Estas são políticas que se
justificam por sua intenção de evitar fatalidades e promover segurança, mas que se concentram na
disputa pelo direito à exploração comercial das práticas de aventura.
Outro ponto importante a ser destacado no voto do relator do PL 5609/05 é a rejeição
do projeto de lei devido à não definição do que seriam esportes de aventura ou radicais. Esta
afirmação concentrou os esforços daqueles que têm as práticas de aventura enquanto campo de
atuação profissional. Por um lado, algumas entidades de administração esportiva (associações
nacionais e confederações), por outro a recém-criada, em 2004, Associação Brasileira de
Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA).

4.2 A ABETA, o CONFEF e o PLS 403/05


Como a AFV tem como missão “defender, proteger e conscientizar o viajante
brasileiro”, talvez a ABETA, que afirma trabalhar em “defesa dos interesses de seus associados
perante o mercado, poderes público e privado”, articulada em 2003 e lançada em 2004, tenha sido
criada, além da autodeclarada solicitação do Ministério do Turismo, também como reação a ela.
99

Fato é que as ações da segunda eclipsaram as da primeira. Em seu site, a AFV afirma ter o
Ministério do Turismo como parceiro, e ter participado dos trabalhos junto à ABNT como
representante dos consumidores, enquanto a ABETA seria representante dos fornecedores e o
Instituto de Hospitalidade (IH) a instituição neutra executora. Entretanto, por motivos que os
documentos encontrados não permitiram vislumbrar, a ABETA passa a entidade executora e o
acordado o com IH e a AFV na divisão de responsabilidade pelos diferentes projetos a serem
implementados deixam de ser mencionados nos documentos, os dois últimos sequer sendo
convidados a participar das audiências públicas que informaram sua votação, como se verá a
seguir.
Ainda de acordo com a versão oficial divulgada pela entidade, a ABETA tem como
objetivos qualificar e promover seus associados e tornar estas empresas mais competitivas e
referências mundiais na qualidade da prestação de serviços, consequentemente consolidando o
mercado da vida ao ar livre no Brasil e disseminando uma oferta mais segura e sustentável de
atividades de aventura. A ABETA procurou, então, integrar o Conselho Nacional de Turismo e
coordenar o Grupo de Trabalho de Turismo de Aventura do Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia (INMETRO), estabelecendo uma parceria inédita com o Ministério do
Turismo, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), o
Instituto de Hospitalidade, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Serviço
Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
A emblemática publicação, intitulada “Esportes de Aventura Contra o Ministério do
Turismo”, de autoria de Cláudio Consolo, na época presidente da Associação Brasileira de
Parapente (ABP), para o site especializado 360 graus30, em 18 de maio de 2005, exemplifica a
rejeição desta iniciativa. Segundo ele:

O Ministério do Turismo está patrocinando um processo de certificação no turismo de


aventura, que além de ser incoerente, viola a autonomia das entidades nacionais de
administração dos esportes de aventura. Incoerente por que imaginar que empresas,
longe do universo dos clubes de prática e do meio esportivo de aventura, poderão atestar
se um esportista está apto para conduzir terceiros, utilizando técnicas e equipamentos
destes esportes, é desconhecer a realidade. Somente técnicos do governo, dentro de seus
gabinetes e distantes da realidade do meio esportivo de aventura, poderiam imaginar
que, por exemplo, seria possível certificar se um paraquedista está apto para realizar um
salto duplo longe dos clubes de paraquedismo e da Confederação Brasileira de
Paraquedismo. O mesmo diga-se em relação ao Parapente e a ABP [Associação

30
Este site atualmente está dentro do Portal Terra.
100

Brasileira de Parapente], Montanhismo e a CBME [Confederação Brasileira de


Montanhismo e Escalada] e assim por diante, esporte por esporte de aventura. Ao invés
do Ministério do Turismo procurar se aliar às entidades nacionais de administração dos
esportes de aventura e aparelhá-las para fazerem aquilo que pela lógica e pela legislação
esportiva pertencem a esferas das suas atribuições, optou por criar um sistema de
administração paralelo que viola sua autonomia administrativa. Autonomia esta que foi
elevada a categoria de direito constitucionalmente protegido através dos dispositivos do
artigo 217 da nossa Lei Maior, que foram disciplinado (sic) pela Lei 9615/98 [...]
(Disponível em:
http://www.360graus.terra.com.br/parapente/default.asp?did=13366&action=relato,
acesso em 12/5/2014)

O autor, além de ocupar a presidência da ABP, é advogado especialista em direito


esportivo e moveu ação judicial contra a ABETA. É importante registrar que ele fora
anteriormente membro da Associação Brasileira de Voo Livre (ABVL). A fundação da ABP é
considerada por ele uma necessidade, visto que a ABVL priorizava a asa delta, mantendo o
parapente como uma modalidade menor do voo livre - de forma semelhante ao que acontece entre
surfe e bodyboarding ou o rafting na Confederação Brasileira de Canoagem- e também por haver
divergências técnicas. Antes de criar a ABP, ele propôs à ABVL a criação de diretorias separadas
para asa delta e parapente com o intuito de diminuir os conflitos. Entretanto, ele é visto por
alguns agentes do campo como dissidente e sua figura é polêmica por seus escritos e falas sempre
muito enérgicos.
Este excerto apresenta a oposição do turismo versus o esporte como se ela fosse
absoluta, mas ela não é compartilhada por todos os agentes do campo esportivo. De qualquer
maneira, é inegável a capacidade de mobilização de grandes mídias e, por consequência, a
influência que Claudio Consolo teve como líder do movimento esportivo contra as políticas
turísticas. A mesma publicação continua detalhando as ações de oposição:

Recentemente a Associação Brasileira de Parapente, a Confederação Brasileira de


Paraquedismo e a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada se uniram e
protocolaram junto ao Presidente da Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos
Deputados, Deputado Antonio Cambraia, um pedido de sustação do ato normativo do
Ministério do Turismo que o autorizou a entrar na esfera de atribuição das entidades
nacionais de administração dos esportes de aventura. Com isso pretende-se que o
Ministério do Turismo passe a respeitar a legislação esportiva [...] Outras questões
também foram levantadas no documento, assim como [...] a substituição das entidades
de administração dos esportes de aventura por um grupo de empresários que foi criado
por iniciativa do próprio Ministério do Turismo. O atual processo de certificação no
turismo de aventura não será aceito pelas principais entidades esportivas do setor
[...](Disponível em:
http://www.360graus.terra.com.br/parapente/default.asp?did=13366&action=relato,
acesso em 12/5/2014)
101

Em meio a este processo de institucionalização dos envolvidos com práticas de


aventura, em seguida da rejeição do PL5609/05, outro projeto de lei, agora do senado, é
apresentado em 06/12/2005. O PLS 403/05, do senador Efraim Morais, já incluía as definições
faltantes no primeiro, mas não elaboradas a contento. Àquela época, o termo esportes de aventura
era indiscriminadamente utilizado como sinônimo de esportes radicais e no campo do turismo,
assim como revela seu texto de justificativa:

O presente projeto de lei intende oferecer, ao País, solução oportuna e adequada às


práticas inseguras, às vezes irresponsáveis, detectadas na oferta dos chamados esportes
radicais ou de aventura [...]. Nos últimos meses, têm sido largamente noticiados,
especialmente em [...] Bungee Jump e Rapel, acidentes muito graves, nos quais jovens
praticantes perderam suas vidas. Conquanto o risco à vida até possa ser apontado como
ingrediente emocional desses esportes, estamos convencidos de que a aventura pode e
deve coexistir com práticas salutares, sem que se descaracterize. Em verdade, o controle
de riscos tende a tornar-se, no futuro, importante atrativo e estímulo ao crescimento dos
esportes radicais. A propósito do desleixo com a segurança, e da consequente ocorrência
de acidentes na prática de esportes radicais, especialistas, desportistas e autoridades
governamentais têm demonstrado crescente preocupação com a lacuna na
regulamentação da matéria. Alguns representantes desses segmentos chegam a atribuir a
existência da aventura de risco à ausência de normativo legal prevendo a
responsabilização dos provedores desses esportes. Para eles, o recurso ao Código de
Defesa do Consumidor, objeto da Lei nº 8.078, de 1990, e à legislação penal vigente não
têm tido a força necessária para impedir a oferta irregular dos serviços. [...] estamos
convencidos de que a proibição absoluta da prática desses esportes, sem qualquer
alteração na capacidade de atuação do poder de polícia do Estado, não surtirá os
melhores resultados. Soa mais factível o caminho da normatização, que enseja, entre
outras medidas, o aumento dos cuidados para a prevenção de acidentes, a distribuição de
competências fiscalizatórias entre as diversas instâncias dos poderes públicos, a
constituição dos pertinentes aparatos de fiscalização e a previsão de responsabilização
das pessoas ou profissionais de algum modo envolvidos com a prestação de serviços de
esportes radicais. A nosso ver, a informação e a prevenção, per se, constituem medidas
apropriadas e suficientes para minimizar a ocorrência de acidentes. [...] Ademais, a lei
sugerida abre espaço para a expansão dos esportes radicais, com incisivo controle
de riscos, uma vez que a atividade, nessas condições, pode representar importante
fonte de incremento do turismo em todo o País, que conta, até aqui, segundo
diagnóstico do Ministério do Turismo, com cerca de 4 mil empreendimentos legalizados
atuando no setor (Disponível em: http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-
pdf/7348.pdf, acesso em 17/01/2014, grifo meu).

Note no grifo que a afirmação dos esportes de aventura enquanto atividade de


turismo promoveu nova comoção dos representantes de entidades esportivas em modificar esta
redação e emendas começaram a ser sugeridas aos senadores. Paralelamente, em 2006, um
programa nacional para o turismo de aventura chamado “Aventura Segura”, elaborado pela
ABETA em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para o Ministério
102

do Turismo, foi implementado. Consistia na criação de manuais de boas práticas, elaborados a


partir de fóruns com profissionais dos principais polos de turismo de aventura do país, publicação
de normas técnicas para as operações com as modalidades mais demandadas, material didático de
fácil circulação para a educação do consumidor e também um sistema de certificação voluntário.
Aquelas empresas que contratassem e fossem aprovadas nesta certificação recebiam um selo e
tinham sua publicidade subsidiada, sendo recomendadas ao turista no site e ações da ABETA.
Todas estas ações foram divulgadas em revistas e eventos especializados no setor de turismo.
Entretanto, como explícito no excerto do texto de Claudio Consolo, anteriormente
citado, a necessidade da existência e adequação do programa Aventura Segura é contestada não
só pelas entidades esportivas, quando argumentam que a associação ou confederação brasileira de
cada modalidade já têm, elaboradas ou adotadas de órgãos internacionais, suas próprias normas
de segurança, como também por alguns agentes do turismo que acusam a ABETA de monopólio
do mercado da certificação.
Claudio Consolo, então, moveu uma ação judicial contra a ABETA, representando as
entidades nacionais de administração das modalidades de parapente, paraquedismo, pesca
esportiva e corrida de orientação. Estes agentes reivindicaram que as normas ABNT fossem
tornadas nulas, visto sua inconstitucionalidade e ilegalidade em face da existência de normas
elaboradas previamente pelas entidades esportivas nacionais ou adotadas de organismos
internacionais. Também alegaram que é de exclusividade das entidades esportivas o direito de
emitir regras e normas que regulamentam suas modalidades, bem como o direito de fiscalizar e
punir as infrações disciplinares a estas. No processo, Consolo cita o mandamento constitucional
contido no artigo 217 da Constituição Federal e nas disposições da Lei 9.615, de 24 de março de
1988, no qual baseia seu argumento:

Art 13. O Sistema Nacional do Desporto tem por finalidade promover e aprimorar as
práticas desportivas de rendimento.
Parágrafo único. O Sistema Nacional do Desporto congrega as pessoas físicas e jurídicas
de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação,
administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da
Justiça Desportiva e, especialmente: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
I - o Comitê Olímpico Brasileiro-COB;
II - o Comitê Paraolímpico Brasileiro;
III - as entidades nacionais de administração do desporto;
IV - as entidades regionais de administração do desporto;
V - as ligas regionais e nacionais;
VI - as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos
incisos anteriores.
103

VII - a Confederação Brasileira de Clubes. (Incluído pela Lei nº 12.395, de


2011).(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9615consol.htm,
acesso em 23/10/2013)

Apesar de todo o exposto contra a ABETA, os vereditos foram favoráveis a ela e não
foi possível evitar a publicação das normas ABNT e a implantação do Programa Aventura
Segura, visto que o artigo citado versa sobre os esportes de rendimento, ou seja, competitivos. E,
apesar de não ser uma unanimidade, a ABETA não só encontra aceitação entre profissionais da
aventura que não têm formação superior e/ou vínculo com as entidades esportivas, que se
beneficiam do oferecimento de processos de capacitação para galgarem inserção no mercado de
trabalho (BANDEIRA, 2012), como suas normas também são citadas como referências para
atuação de profissionais de Educação Física em distintas localidades e em trabalhos científicos
realizados na Educação Física, tais como Correa (2008) e Auricchio (2013). Entretanto, acredito
que é preciso refletir criticamente sobre o último fato.
Sem considerar o controverso processo analisado nesta pesquisa, Correa (2008) e
Auricchio (2013) apresentam tímidas críticas aos conteúdos das normas ABNT. O primeiro
critica-as por não conterem elementos da educação ambiental e o segundo por não conterem
fundamentos dos estudos do lazer, mas nenhum dos dois problematiza sua adequação em termos
técnicos, questionada por praticantes experientes, principalmente os montanhistas, nem sua
vinculação institucional e as relações de poder que permearam seu processo de confecção, a
última, interesse específico deste trabalho.
Vejamos, então, como a entidade representativa da Educação Física no país, o
Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), se posiciona sobre o tema. Em matéria de sua
revista EF, em 18 de novembro de 2005, o CONFEF traz duas entrevistas que ilustram
exemplarmente dois pontos de vista diferentes de agentes sociais do campo do esporte. A revista
apresenta o problema com uma lista de diferentes agentes sociais em conflito na constituição do
campo das práticas de aventura:

O aparecimento e o crescimento das práticas esportivas de lazer sério e de competição


com aventura e risco, junto à natureza, ampliam a tensão entre esporte espetáculo,
realizado em ambientes cristalizados, e as práticas outdoor, bem como entre ambiente e
desenvolvimento, fazendo surgir na relação ecologia/esporte/turismo uma demanda de
diferentes grupos sociais: dos praticantes, de políticos, de movimentos preservacionistas,
de empresários, organizadores de passeios/excursões de aventura, de Profissionais de
Educação Física e outros. Neste contexto, o interesse do Ministério do Turismo no
desenvolvimento das vertentes comerciais dos chamados esportes de aventura seria
104

muito bem recebido, caso houvesse o entendimento de que a atividade turística deve,
para sua própria longevidade e para a segurança da sociedade, estar atrelada à orientação
de profissionais qualificados e habilitados para a realização das atividades esportivas que
constituem seu objeto. A Revista E.F. apresenta diversos posicionamentos a respeito da
matéria e abre espaço para a categoria discutir e se posicionar a respeito. Entre no portal
CONFEF (www.confef.org.br) e deixe a sua opinião. Na nossa próxima edição
apresentaremos o posicionamento do CONFEF, que espelhará o da própria categoria, e
apresentaremos o panorama atual das atividades em questão
(http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acessado em 25/06/2013).

O segundo entrevistado na matéria é Cláudio Consolo, agente já apresentado e central


neste campo de disputa pela regulação das práticas de aventura no Brasil. Ele reforça seu
argumento sobre a negligência do Ministério do Esporte para com as práticas de aventura,
apresentando uma contextualização, assim como o faz em diversas matérias para sites
especializados:

Infelizmente o esporte no Brasil é sempre o último da fila quando se trata de políticas


públicas. Não é por menos que distorções e mais distorções são encontradas em todos os
seus segmentos. Assim, antes de tratar do problema específico do segmento esportivo de
aventura, tenho que falar sobre o total abandono a que estão sujeitos os esportes não-
olímpicos no Brasil, por falta de mecanismos legais que os viabilizem. Os esportes não-
olímpicos respondem por quase 70% da atividade esportiva praticada no país e todos
sabem da dificuldade em administrá-los e a fragilidade das suas instituições. Quantas e
quantas federações, clubes de prática e entidades nacionais de administração deste
enorme segmento esportivo dependem exclusivamente da dedicação de apaixonados,
que na maioria das vezes acabam por colocar os seus familiares para trabalhar e dinheiro
do próprio bolso para manter vivas suas instituições esportivas! Os esportes de aventura
estão inseridos nos não-olímpicos e administrá-los nestas condições é um fardo bem
mais pesado do que os outros, por causa das suas especialidades e do fator de risco que é
inerente ao segmento [...] O Ministério de Turismo considera que a atividade é turística,
entendendo, assim, possuir poder para regulamentá-la a sua maneira. Segundo seus
representantes, os interlocutores naturais do Ministério do Turismo são os empresários
do setor e a eles cabe o trabalho de regulamentar as atividades esportivas recreativas que
desencadeiam o chamado turismo de aventura. Com isto, o Ministério do Turismo
patrocinou a criação de uma associação que reúne os donos das agências de turismo que
oferecem atividades recreativas em esportes de aventura. Nela, para cada modalidade
esportiva de aventura, foi criada uma comissão técnica. Ao mesmo tempo fechou-se
alguma forma de parceria com o Instituto de Hospitalidade, que é uma entidade sem fins
lucrativos, que mantém um comitê dentro da ABNT, produzindo Normas Técnicas para
o turismo [...] A inserção de elementos estranhos na administração dos esportes de
aventura é [...] manifestamente ilegal. É preciso que o esporte brasileiro se una contra
este tipo de situação [...]. Sabemos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) mantém um projeto no qual destina U$ 3,5 milhões para o Instituto de
Hospitalidade desenvolver várias ações no turismo brasileiro. Sabemos também que o
Ministério do Turismo está aplicando R$ 2,3 milhões no turismo de aventura. Se os
esportes de aventura desencadeiam uma atividade econômica, as entidades esportivas de
aventura é que deveriam estar sendo alvo das políticas públicas para o segmento. Elas é
que deveriam estar sendo aparelhadas para que pudessem realizar suas funções legais e
não a criação de um sistema administrativo paralelo
(http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acessado em 25/06/2013).
105

Note que Consolo situa a situação das políticas públicas para esportes de aventura no
cenário mais geral das políticas públicas de esporte e lazer no Brasil de forma coerente com o que
já concluíam as investigações apresentadas na introdução deste capítulo. Além disto, a
centralidade do risco como preocupação daqueles que reivindicam o direito de elaborar as normas
para as práticas das quais trata este estudo pode ser pensada à luz de Douglas e Wildavisky
(1982), que alertam que, em uma teoria cultural da percepção de risco, a política não pode ser
evitada. A contribuição das relações de poder nos padrões de risco define quem determina o que é
ou não arriscado, quem pode ou não ser culpado ou protegido por/em situações de risco, como
também, quem tem o direito de se arriscar. Ou seja, estes processos de disputa não se dão apenas
pelo direito de decidir como controlar o risco na prática de aventura, mas também porque quem o
tiver deterá o direito de sua exploração comercial.
A outra entrevistada da mesma matéria, entretanto, apresenta um contraponto ao
excerto anterior. Vera Lucia de Menezes Costa, autora da primeira e premiada tese de doutorado
sobre uma modalidade de aventura no país (o montanhismo), na época desta entrevista, era
docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho. Veio
a se tornar, um ano mais tarde, representante do CONFEF junto à Comissão de Esporte de
Aventura do Ministério do Esporte (CEAV):

EF: Existe uma disputa entre os setores de Esporte e de Turismo no sentido de tomar
para si a atividade. Como a senhora entende esta questão?
Vera Lúcia: Não vejo disputa. O Ministério do Turismo está promovendo uma
certificação do Turismo de Aventura no Brasil [...] buscando qualidade na oferta dessas
atividades e esbarrou com a área afim - o esporte de aventura. Mas é importante frisar
que o fez com legitimidade e transparência junto ao Ministério do Esporte e aos
pequenos empresários que atuavam nessa área. Como os atores que transitam no esporte
de aventura formaram-se na prática da atividade, a experiência é que lhes confere
credibilidade. O fato é que não temos órgãos reguladores esportivos no Brasil para tal
setor. Apenas algumas confederações esportivas o fazem, em especial aquelas
vinculadas a esportes aéreos e aquáticos, que têm algumas parcerias internacionais. Nas
demais, que se vinculam a esportes terrestres, instala-se o caos, ficando todos os usuários
sujeitos às más condições de atendimento e a predações à vida e ao meio ambiente.
Trata-se de um território vazio, onde quem se instalar primeiro leva a melhor e, por
tradição e competência, será reconhecido pelos pares e pelos consumidores [...] Nossa
área, a Educação Física, no entanto, não dimensionou o crescimento do esporte de
aventura e de risco calculado no Brasil e no mundo. Priorizou a atividade física urbana e
em estabelecimentos, como academias, escolas e outros. Não vejo disputa com o
turismo. Nosso condutor esportivo, em sua maioria, não se profissionalizou ainda. O
praticante não é, muitas vezes, profissional de Educação Física, mas profissional ou
universitário de geologia, biologia, engenharia e de outras áreas, ou não tem formação
acadêmica alguma, praticando a atividade como lazer, acompanhando outros que têm
106

interesses comuns aos seus. Sua atividade é lúdica, no sentido estético, exploradora de
outros territórios. Com a pressão por segurança e qualidade da certificação do turismo,
os condutores da área esportiva também precisarão se reordenar. A técnica da condução
na área (trekking, escalada, canoagem, rafting, arvorismo, cavalgada, e outros) é
esportiva (http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acessado em
25/06/2013).

A entrevistada é crítica do segmento esportivo e profere acusações semelhantes


àquelas lançadas por representantes de entidades esportivas à ABETA sobre os cursos oferecidos
por entidades esportivas serem breves e superficiais e o campo desorganizado enquanto conjunto.
Segundo ela, a iniciativa do Ministério do Turismo impulsionaria um movimento de melhorias no
campo esportivo, motivado pela competição por espaço de mercado. Além disso, ela situa o
Estado nesta reflexão:

É responsabilidade do Estado oferecer aos cidadãos condições para a execução de uma


atividade segura e de qualidade em parques públicos. Esses condutores se autoformam
ou recebem um curso de mínima duração de algumas confederações esportivas ou de
associações internacionais certificadoras. Ou seja, não temos formação oficial a oferecer
para essa especificidade. Pensar que o curso de graduação em Educação Física é
suficiente é ingenuidade. Pensar que se dará pelas vias acadêmicas comuns tradicionais
de especialização e pós-graduação é afastar-se da realidade e da cultura juvenil que
promove as ações nesses esportes. Para controle dos riscos a que a atividade é
submetida, faz-se necessário ter pessoal qualificado para conduzir as atividades, reunir
informações sobre o tema (dados de pesquisa), certificar os equipamentos e as condições
de resgates em casos de acidentes e estabelecer uma política de esportes de aventura e
risco calculado. A grande vantagem da iniciativa da certificação do turismo de aventura
foi trazer à tona a necessidade da especificação das competências de atuação do condutor
esportivo de aventura e, à luz, a necessidade de se debater, publicamente, o tipo de
formação adequada e necessária para esse condutor e apressar-lhe a condição de
profissionalizar-se. Mas, que formação oferecer-lhe? [...] À luz de formação em outros
países, penso ser necessário, após o debate com a comunidade, criar formas alternativas
num outro sistema vinculado às confederações e associações de cada um desses esportes
associadas às universidades, seja por meio de cursos ou de exames periódicos, com
escala e níveis diferenciados [...] Não pode sair das cabeças acadêmicas de poucas
pessoas, precisa vir da cultura desses atores [...]Sou capaz de visualizar que
conhecimento ele precisa, mas não sei como o Sistema CONFEF/ CREFs irá tratá-lo.
Nas condições atuais do curso de graduação em Educação Física, acho improvável
resolver o impasse. Só vai criar mais conflitos e a impossibilidade de fiscalização [...].
Tudo será a posteriori. Se houver acidente ou queixa, vai lá, multa, descredencia, mas e
daí? O estrago já foi feito, alguém já pode ter sido lesado. Acredito que teremos que
tratar o tema com a complexidade que o acompanha, debater amplamente e decidir uma
formação talvez até compartilhada
(http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acessado em 25/06/2013).

Apesar de concordar com ela quanto à complexidade do campo, necessidade de mais


debate público sobre formação profissional e atuação colaborativa de entidades do esporte e do
turismo, o termo condutor esportivo de aventura, mencionado pela entrevistada da revista do
107

CONFEF, não aparece em nenhum documento para esta tese analisado. Ele gera uma contração
entre os termos instrutor de esporte de aventura e condutor de turismo de aventura cunhados para
dar especificidade à função de cada um e sanar a confusão preexistente entre os termos guia e
monitor, que será debatida a seguir.
No intuito de confrontar outras duas opiniões sobre o tema, a revista EF procurou o
Instituto de Hospitalidade, que afirmou seguir tendências internacionais, em que o
desenvolvimento de normas técnicas tem sido utilizado como ferramenta de organização e
desenvolvimento do setor de turismo. Teria também como objetivos identificar os aspectos
críticos da operação responsável e segura do turismo de aventura para prevenir acidentes e tornar
o Brasil um dos principais destinos internacionais de turismo de aventura.
Como contraponto, a revista procurou também o Secretário Nacional de Esporte de
Alto Rendimento da época, André Arantes, que informou que foi realizada uma discussão sobre
as ações que o segmento esportivo entende como necessárias para este setor na Adventure Sports
Fair. A feira, criada por Sérgio Franco, é um evento anual que acontece em São Paulo (SP), desde
199831, e foi um ponto de encontro de vários agentes do campo, englobando além de iniciativas
comerciais, como exposição de produtos e destinos, palestras, debates, congressos e reuniões
políticas, também a primeira edição do Festival de Filmes de Aventura e Turismo (FATU), atual
Festival de Filmes de Aventura, Turismo e Sustentabilidade. Segundo André Arantes, foram
convidadas todas as entidades que envolvem a prática de esportes de aventura, radicais e esportes
ligados à natureza. Assim como o cita a matéria:

Como resultado deste encontro, representantes de todas as entidades assinaram um


documento intitulado Esporte de Aventura Carta de São Paulo. Os Ministérios do
Esporte, Turismo e Meio Ambiente, a Organização Nacional das Entidades Desportivas
(ONED) o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), a Associação de Gestores
Municipais de Esporte e Lazer (ASMEL), onze entidades nacionais de administração de
esportes e duas consultoras com notório conhecimento no assunto compareceram à
reunião. A Carta, enviada ao Ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, aponta a necessidade
da criação, no âmbito do Conselho Nacional do Esporte (CNE), de uma Comissão de
Esporte de Aventura, com o objetivo de discutir e propor ações que possibilitem a
conceituação, normatização e elaboração de propostas de legislação que estimulem a
organização e o desenvolvimento do esporte de aventura no País. Esta proposta já foi
submetida e aprovada pelo CNE, em sua última reunião, que ocorreu no dia 11 de
novembro de 2005. Assim sendo, em breve o Ministro já estará convocando os
participantes do segmento para as primeiras discussões. (Disponível em:
http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acesso em 07/072014)

31
Até 2014, pois em 2015 foi cancelado de acordo com comunicado oficial devido à crise econômica e baixa procura
por estandes, mas a de 2016 está prevista para o segundo semestre.
108

Como relata o excerto acima, encaminhada através do documento “Esporte de


Aventura: Carta de São Paulo” de 25 de agosto de 2005, a proposta de criação de uma comissão
especial para a conceituação, organização e desenvolvimento dos esportes de aventura no país,
ao CNE fora aceita. Diante da exposição de duas opiniões controversas, ao final da matéria
anteriormente analisada, o CONFEF promete a publicação de um posicionamento institucional
oficial para o próximo número da revista EF, o que acontecerá em março de 2006:

[...] o esporte, de maneira geral, oferece riscos e benefícios. Não é sempre, e nem em
todas as condições, benéfico e saudável. Portanto, as premissas relativas à preocupação
de cunho direcional e à vinculação com a saúde e integridade do cidadão requerem
regulação e controle[...] O Atlas do Esporte no Brasil comprova o impacto do esporte
na prevenção de doenças; na promoção da saúde; na educação/formação; no
desenvolvimento social; a economia; na geração de empregos; no turismo; na segurança.
Evidentemente, o esporte radical, o esporte na natureza e/ou o esporte de aventura faz,
devido à própria arquitetura que possui, com que gravitem em seu entorno outras fontes
de renda, tais como a necessidade de hospedagens, de alimentação (restaurantes e bares),
de transporte, de trilhas, de materiais e utensílios para sua prática, que não estão
diretamente vinculados ao esporte, mas que necessitam de regulamentação, visando que
se estabeleça minimamente a qualidade dos serviços e a segurança dos praticantes.
Assim, há que se identificar que o esporte de aventura tem seu viés vinculado tanto ao
Esporte propriamente dito como ao Turismo, em termos de atividade agregada.
Defendemos que a parte de ensino das atividades físicas, orientação e dinamização das
mesmas deva ser realizada obrigatoriamente por profissional qualificado em curso de
ensino superior e habilitado pelo Sistema CONFEF/CREFs e que as normas de
competição e/ou eventos sejam estabelecidas pelas respectivas Confederações,
Federações e/ou Associações específicas de cada modalidade. Dessa forma, somos
partidários da sinergia entre a formação, a habilitação e as entidades nacionais e
regionais de administração das respectivas modalidades de esporte de aventura. Cabe
ressaltar que as normas de segurança, tanto do esporte em si como do material e
equipamento utilizado na sua prática, deva ser da competência das entidades
representantes das respectivas manifestações do esporte de aventura. Quanto às normas
relativas à preservação da natureza, das hospedagens, dos estabelecimentos de
alimentação, do licenciamento para esses funcionamentos, da segurança dos turistas e de
outros aspectos inerentes não à prática em si, mas ao seu contexto, entendemos caber ao
Ministério do Turismo. Daí nosso entendimento de que deva haver sintonia entre os
órgãos públicos para o benefício da sociedade. Queremos acreditar que a criação da
Comissão Especial de Esporte de Aventura, no âmbito do Ministério do esporte, cuja
composição segue adiante, deva efetuar a discussão e reflexão sobre todos os aspectos
inerentes ao desenvolvimento desses esportes que a cada dia ganham adeptos e novos
horizontes, além do surgimento de novas modalidades
(http://www.confef.org.br/revistasWeb/n19/07_TURISMO_DE_AVENTURA.pdf.>
acesso em 25/06/2013).

Note-se neste posicionamento do CONFEF a divisão do que seria turístico e do que


seria esportivo na realidade das práticas de aventura. O âmbito esportivo relacionado a prática de
atividades e o campo turístico relacionado ao deslocamento e acomodação do participante.
109

Entretanto, o CONFEF ignora que a oferta inicial destes tipos de atividades no país se deu por
meio de empresas que se autodenominam agências turísticas. Segundo Bandeira (2012), para os
empreendedores do segmento, o turismo de aventura é um turismo de ação, no qual os turistas
não ficam passivos a receber informações ou contemplar as paisagens, mas sim ativos na fruição
das mesmas, enquanto percorrem o local a ser visitado, utilizando-se de alguma técnica corporal
específica. Entretanto, eles não buscam a atividade para aprendizado técnico ou iniciação
esportiva, porém como passeio e forma de conhecer o local.
Segundo a ABETA, o turismo de aventura surgiu como um ramo do ecoturismo, mas
sua concepção se expandiu. Não mais restrito ao ambiente natural, corresponderia atualmente à
visita a ambientes naturais e/ou não controláveis e/ou fruição da paisagem desde o seu interior,
em interação com as forças geográficas e fauna e flora locais, por isso, em alguma medida
arriscado. Desse modo, exigiria um tipo de guia diferente da designação oficial brasileira de guia
turístico, porque supõe certa disposição atlética, mas que não irá iniciar seus clientes na prática
esportiva. Ele iria conduzi-los no sentido de viabilizar tecnicamente o passeio, daí o termo
condutor de turismo de aventura ter sido cunhado (Bandeira, 2012).
Publicada no site 360 graus em 18 de maio de 2006, a matéria intitulada “A questão
das agências de turismo de aventura promoverem esportes de aventura”, de autoria de Carlos
Vageler, replica a comunicação oficial do CONFEF e corrobora sua posição. O autor tem
formação acadêmica em Educação Física, Fisiologia e Turismo. Em 1990 tornou-se colunista do
jornal "Diário do Povo" de Campinas (SP) escrevendo relatos de viagens que fazia. Em 1997,
passou a colaborar com a revista eletrônica "360 graus Esportes e Aventura", o que fez por oito
anos. Posteriormente trabalhou com produção editorial na AVENTURAcomBR Edições32:

Sinto-me a vontade para discutir este assunto, principalmente pelo fato de pertencer as
duas áreas em questão, o esporte e o turismo. Para quem não está acompanhando, não é
nada mais do que um processo natural onde, quando se cria algo novo, querem dar
nomes e descobrir quem é o pai da criança. Por um lado, o pessoal do turismo e de outro
o do esporte. As agências e operadoras de turismo saíram na frente e organizaram
associações de empresas de turismo ecológico e de aventura e, junto a Embratur, fizeram
várias reuniões para definir caminhos para organizar o setor. Isso começou a tomar
corpo, mais sério, de cinco anos para cá. Com a ocorrência de acidentes fatais em
algumas atividades de esportes radicais, mediados por supostas “agencias” de turismo de
aventura, o setor de turismo se organizou novamente para compreender normas e
credenciamento para as operadoras de “Turismo de aventura”. Fato louvável este, visto

32
Atual Aventura Produções, de Vera e Yuri Sanada, autodenominados expedicionários, filmakers e criadores do
FATU.
110

que a atividade requer competência comprovada, pois se trata de atividade de alto risco.
Mas, se estamos falando de atividades esportivas, algumas delas olímpicas, como no
caso da canoagem, devemos entender que a responsabilidade em se definir normas,
competências e credenciamento para as mesmas, cabe ao setor esportivo. A competência
de um setor termina onde começa a do outro. São atividades compartilhadas e que cada
órgão envolvido trabalhará junto. Quanto ao nome da “criança” gerada, isso é apenas um
detalhe. O CONFEF, Conselho Federal de Educação Física, em sua publicação trimestral
em revista, colocou em suas ultimas duas edições em discussão o assunto, de forma clara
e objetiva (Disponível em:
http://360graus.terra.com.br/montanhismo/default.asp?did=18686&action=coluna,
acesso em 26/06/2013).

Com esta posição ponderada, a possibilidade de coexistência e colaboração entre


entidades do turismo e do esporte seria complementar. Segundo este agente, é benvinda a
preocupação do turismo em criar protocolos para a gestão de risco, mas as normas técnicas de
cada modalidade cabem a sua instituição esportiva específica.
Vageler assinou como conteudista, em 2009, o Manual de Boas Práticas Aventura
Segura de Escalada, junto com Rodrigo Raineri (formado em engenharia pela Unicamp e ex-
professor de pós-graduação do Senac, conquistou cinco vezes o monte Everest; também é
proprietário da Grade 6, empresa que se apresenta como atuante em três frentes: viagens de
aventura, eventos, palestras e treinamentos corporativos e engenharia de segurança em altura).
Seu controverso tópico Histórico da Escalada como Produto de Turismo de Aventura no Brasil
(p.20), corrobora meus achados em pesquisa de mestrado sobre o surgimento de empresas de
turismo fundadas por esportistas. Os condutores, segundo esta lógica, seriam esportistas que
atestariam sua proficiência, em cada modalidade, vinculados às entidades esportivas e assim
contratados pelas agências turísticas.
Entretanto, esta não é a realidade da maioria dos destinos interioranos de aventura.
Muitos deles, como Brotas, no estado de São Paulo, se conformaram em um contexto no qual as
próprias agências, de propriedade ou contratante de um esportista experiente, precisaram recrutar
nativos com grande conhecimento sobre o meio ambiente local, mas desvinculados da prática
esportiva e para quem ela era inviável, para atender ao crescente número de clientes
(BANDEIRA, 2012).
Este primeiro momento histórico de atuação de esportistas oferecendo sua expertise
técnica e condicionamento físico para viabilizar passeios diferenciados, serviço vendido enquanto
turismo, complicou muito a tarefa de separar o que é turístico e o que é esportivo nos serviços de
aventura. No caso de Brotas, é preciso lembrar que os pioneiros José Pupo (canoísta e técnico da
111

seleção brasileira nos jogos olímpicos de Barcelona), Carlos Zaith (espeleólogo, presidente da
Associação Brasileira de Canionismo) e Jean Claude Razel (montanhista francês que se
autodenomina simultaneamente esportista, guia de montanha formado em Chamonix e
empreendedor de turismo de aventura, que assumiu a presidência da ABETA durante o conflito
aqui investigado)33 identificavam-se como esportistas, mas a seus negócios como turísticos. Os
dois primeiros fundaram respectivamente as empresas Canoar e H2Omem para oferecer iniciação
técnica nas modalidades. Contudo, segundo eles, por demanda espontânea, os turistas (saídas de
campo para leigos), se tornaram seu principal público. Com o aumento no número de clientes,
não foi possível que eles fossem os únicos a trabalhar diretamente na prática e não havia muita
oferta de outros esportistas capacitados para fazê-lo, então, começaram a capacitar brotenses
interessados no trabalho técnico (BANDEIRA, 2012).
Isto quer dizer que cursos começaram a ser oferecidos, demandados e ministrados
primeiro por eles e depois por suas empresas, não necessariamente associados às entidades
esportivas de cada modalidade. A segunda geração de profissionais da aventura, formados por
estes esportistas pioneiros, ao alcançar notoriedade, também foi convidada a oferecer cursos
organizados das maneiras mais diversas, mas, principalmente, a perpetuar os cursos gratuitos
oferecidos pelas próprias agências turísticas nas quais trabalhavam para atrair e formar mão de
obra, quando o número de condutores disponíveis nos destinos propícios para as práticas de
aventura diminuía. E assim se constituiu o campo profissional da aventura no Brasil, do meu
ponto de vista, na intersecção entre turismo e esporte.
É claro que há contextos diferenciados por todo o Brasil, como os clubes de
montanhismo e escalada cariocas, que se estruturaram segundo princípios esportivos, do
amadorismo e do voluntariado (Dias, 2007). Entretanto, muitos dos profissionais de cidades
interioranas que se constituíram enquanto destinos turísticos multimodalidades da segunda
geração, que chamo em minha dissertação de “trabalhadores da aventura”, não eram mais
esportistas amadores das classes sociais privilegiadas que adquiriam seus conhecimentos em
viagens nacionais e internacionais, mas membros das classes baixas que buscaram sua iniciação
nelas via relações de trabalho, a única viável para seu perfil socioeconômico, e como alternativa à
construção civil e a colheita de cana e laranja. Alguns deles aprenderam primeiro a conduzir

33
Ele comprou a Mata Dentro, primeira agência criada na cidade de Brotas com o intuito de oferecer trilhas a
cachoeiras e que já havia incorporado o bóiacross como produto “tipicamente brotense. O empreendedor Francês
somou a isto seu escopo em técnicas verticais e criou circuitos de arvorismo e tirolesa.
112

como turismo e depois a fruir suas modalidades como lazer ou esporte. Especialmente no rafting,
alguns chegaram a competir em suas modalidades e alguns até galgaram vínculos com as
entidades esportivas ou acesso a cursos de Educação Física, embora ainda exceções. (Bandeira,
2012; Bandeira e Ribeiro, 2015).
Segundo Vera Lucia Costa no excerto antes citado e Bandeira (2012) e Figueiredo
(2012), ainda é comum que as pessoas que detêm expertise nas práticas de aventura não sejam
profissionais de educação física. Talvez este ponto polêmico (exigência de que apenas formados
em educação física possam trabalhar com estas atividades em um momento histórico em que
raríssimos cursos de educação física dispunham de disciplinas sobre o tema) tenha enfraquecido a
atuação do CONFEF junto às entidades esportivas, e vice-versa.
O próprio Cláudio Consolo, em princípio aliado do CONFEF, é advogado e não
professor de educação física. E não há como discordar dele sobre em quem confiar um voo duplo
de parapente, por exemplo, se em um professor de educação física ou em um piloto experiente,
logicamente ficamos com o segundo. Visto que a exigência do CONFEF seria impossível de
levar a cabo imediatamente e deixando, então, a discussão sobre a Educação Física e o Esporte,
retomamos a discussão acerca do conflito entre entidades do Esporte e Turismo.

4.3 A CEAV, as audiências públicas e o PL 7288/10


Diante da dificuldade lógica da aliança com o CONFEF no combate às ações do
turismo, Cláudio Consolo buscou o Ministério do Esporte. A questão foi levada por ele para as
Conferências Nacionais do Esporte, e duas moções de apoio foram publicadas no documento
final da II Conferência Nacional do Esporte, em maio de 2006:

9) Os delegados da II Conferência Nacional do Esporte reconhecem que as atividades e


técnicas vinculadas à prática dos esportes de aventura são eminentemente esportivas
integrando, portanto, o conjunto das manifestações que constituem o Sistema Nacional
do Esporte e Lazer e a Política Nacional do Esporte.
10) Os delegados da II Conferência Nacional do Esporte manifestam apoio aos esportes
radicais – como surf, skate, body-board, e outros – bem como a todos os seus praticantes
em defesa de sua valorização e disseminação por todos os segmentos sociais (crianças,
jovens, adultos e idosos), tendo em vista os expressivos benefícios que esses esportes
oferecem aos seus praticantes no Brasil e no Mundo, em prol do bem estar social e da
qualidade de vida (BRASIL, 2007, p.37).

Esta publicação poderia ser um indicativo de que as práticas de aventura ganhariam


espaço e incentivo no novo Sistema Nacional de Esporte e Lazer. De fato, ao ampliar sua rede de
113

apoio nesta ocasião, os defensores da regulamentação das práticas de aventura enquanto esportes
conseguiram que a CEAV fosse tornada permanente e assim instituída pela Resolução nº 15, de
19 de setembro de 2006:

Art. 1° Instituir a Comissão de Esporte de Aventura, com a finalidade de:


I - definir ações que permitam conceituar esportes de aventura, esportes ligados à
natureza e esportes radicais;
II - propor ações para tornar possível a elaboração de regras que regerão a prática dos
esportes de aventura, esportes radicais e esportes ligados à natureza, incluindo-se
também ações de promoção do turismo de aventura e da convivência harmônica com o
meio ambiente, respeitadas as garantias constitucionais
III - estabelecer contato com o setor esportivo, nas esferas pública e privada, tendo por
objetivo desenvolver regras que se apliquem à prática das modalidades de esporte de
aventura, esportes radicais e esportes ligados à natureza;
IV - fazer observar, na elaboração das regras da prática dos esportes de aventura,
radicais e ligados à natureza, os acordos internacionais de que o Brasil seja signatário,
referentes a esporte, turismo e meio ambiente; e
V - propor programa de implantação das regras elaboradas.
Art. 2° Indicar, para compor a Comissão de Esporte de Aventura, os seguintes membros:
I - Secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento, que a presidirá;
II - um representante da Secretaria Executiva deste Ministério;
III - um representante da Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer;
IV - um representante do Ministério do Turismo;
V - um representante do Ministério do Meio Ambiente;
VI - um representante da Organização Nacional das Entidades Desportivas – ONED;
VII - um representante do Conselho Federal de Educação Física – CONFEF;
VIII - um representante do Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte – CBCE;
IX - um representante da Comissão Desportiva Militar do Brasil – CDMB;
X - quatro (4) dirigentes de entidades nacionais de esporte de aventura, esportes radicais
ou de esporte ligado à natureza, indicados por entidade de esporte aquático, de esporte
terrestre, de esporte aéreo e de esporte radical; e XI - dois (2) representantes do esporte
nacional, com notório conhecimento na área de esportes de aventura, esportes radicais e
esportes ligados à natureza.
§ 1º O Presidente da Comissão poderá convidar, para participar das reuniões de trabalho,
atletas, dirigentes, médicos, técnicos, personalidades e representantes de órgãos e
entidades públicas e privadas que, pela experiência profissional, possam contribuir para
as ações relacionadas ao esporte de aventura.
§ 2º As deliberações da Comissão de Esporte de Aventura serão aprovadas por maioria
simples.
Art. 3º Os membros da Comissão não farão jus a qualquer remuneração e os trabalhos
nela desenvolvidos são considerados prestação de relevante serviço público.
Art. 4° Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogada a Resolução
de nº 09, de 11 de novembro de 2005, publicado no Diário Oficial da União de 09 de
dezembro de 2005 (Disponível em: http://esporte.gov.br/index.php/institucional/o-
ministerio/ouvidoria/86-ministerio-do-esporte/institucional/o-ministerio/conselho-
nacional-do-esporte/21855-comissao-de-esporte-de-aventura, acesso em 24/05/2013).

Sobre esta estrutura, é pertinente nos perguntarmos, porque o presidente da comissão


é o Secretário de Alto Rendimento se seu objeto são práticas reconhecidas, como mostrou a
114

revisão de literatura, por não possuírem versão competitiva ou viverem mais fortemente versões
alternativas a ela, como as expedicionárias, por exemplo. A explicação obtida em entrevista
realizada por mim é que, por ser triatleta, admirador de práticas ao ar livre e acadêmico na
Educação Física, ele teve interesse pessoal em trabalhar por elas.
Note que a extinção da CEAV também tem a ver com a mudança de cargo deste
agente e do Ministro Agnelo de Queirós, que apoiou sua criação. O Secretário Nacional de
Esporte de Alto Rendimento de 2013, consultado sobre a CEAV, via secretária, assumiu não
fazer ideia que ela existia, o que demonstra que a comissão foi um esforço pontual de poucos
interessados, que se extinguiu quando eles não puderam mais trabalhar pela causa.
Não foram encontradas evidências sobre como a composição da comissão foi
decidida ou como foram selecionados, por exemplo, os representantes dos ministérios e do
esporte nacional. De qualquer forma, a primeira formação da Comissão foi assim composta:

André Arantes (presidente) Secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento


Carlos Magno Xavier Corrêa Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de
Lazer
Cláudio Rogério Consolo Associação Brasileira de Parapente (ABP)
Comandante José Ferreira de Barros Comissão Desportiva Militar (CDMB)
Eduardo Paim Bracony Comissão Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos
Fábio França Silva Araújo Ministério do Meio Ambiente
Giuseppe Maurício Fernandes Confederação Brasileira de Esportes Radicais
Humberto Aparecido Panzetti Organização Nacional das Entidades do Desporto
Júlio César Soares da Silva Secretaria Executiva
Kátia Passos Representante do Esporte Nacional
Leila Jinkings Ministério do Esporte
Leonardo B. de Freitas Ministério do Meio Ambiente
Maristela Medeiros N. Gonçalves Ministério do Esporte
Monclair Caetano Cammarota Representante do Esporte Nacional
Silvério José Nery Filho Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada
(CBME)
Tânia Arantes Ministério do Turismo
Vera Lúcia de Menezes Costa Conselho Nacional de Educação Física (CONFEF)
Alcyane Marinho Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE)
Tabela 5. Componentes da Comissão de Esporte de Aventura do Ministério do Esporte

A respeito desta comissão e a participação na mesma no site do CBCE, Alcyane


Marinho publica o que chama de “Relato da Participação do CBCE na Comissão de Esporte de
Aventura” no qual afirma que até a data da publicação (26 de abril de 2007) a Comissão havia se
reunido três vezes (23 de março de 2006, 5 de abril de 2006 e 24 de novembro de 2006).
Afirmava também que, com o objetivo geral de elaborar uma política nacional para o esporte de
115

aventura, um objetivo específico inicial foi elencado: mapear as normatizações, as conceituações


e as entidades a elas relacionadas (confederações e associações) já existentes no Brasil.
Segundo ela, tais investigações foram distribuídas como tarefas aos membros
presentes de acordo com os interesses e disponibilidade dos mesmos. A partir de então, foi
consenso entre os membros a criação de um grupo de discussões virtual, entendido como
ferramenta facilitadora nas trocas de informações e análises das propostas por vir. O material
preparado foi assim discutido pela CEAV, segundo o relatório, com base nas leis esportivas
consolidadas, e elaborados dois conceitos: um para “esportes de aventura” e outro para “esportes
radicais”.
O conceito “esportes na natureza”, previsto na resolução anteriormente citada, não foi
elaborado. Não há justificativas para tal fato nos documentos, talvez porque a pauta das políticas
públicas fosse a gestão do risco e regulação de alguns esportes na natureza, tais como o vôlei de
praia, por exemplo, não caracterizam o tipo arriscado.
De acordo com o mesmo relatório, o texto de justificação para as definições oficiais
de esportes de aventura e esportes radicais foi apresentado no V Congresso Internacional de
Educação Física e Motricidade Humana e XI Simpósio Paulista de Educação Física na Unesp de
Rio Claro em 28 de abril de 2007. Entretanto, limita-se a um resumo muito semelhante à redação
da publicação oficial recomendada no dia 09 de abril de 2007, na resolução de número 18, no
Diário Oficial:

Art. 1º Que se identifique no País como: I - Esporte de aventura: O conjunto de práticas


esportivas formais e não formais, vivenciadas em interação com a natureza, a partir de
sensações e de emoções, sob condições de incerteza em relação ao meio e de risco
calculado. Realizadas em ambientes naturais (ar, água, neve, gelo e terra), como
exploração das possibilidades da condição humana, em resposta aos desafios desses
ambientes, quer seja em manifestações educacionais, de lazer e de rendimento, sob
controle das condições de uso dos equipamentos, da formação de recursos humanos e
comprometidas com a sustentabilidade socioambiental. II - Esporte radical: O conjunto
de práticas esportivas formais e não formais, vivenciadas a partir de sensações e de
emoções, sob condições de risco calculado. Realizadas em manobras arrojadas e
controladas, como superação de habilidades de desafio extremo. Desenvolvidas em
ambientes controlados, podendo ser artificiais, quer seja em manifestações educacionais,
de lazer e de rendimento, sob controle das condições de uso dos equipamentos, da
formação de recursos humanos e comprometidas com a sustentabilidade socioambiental
(Disponível em: 11/10/2007.
http://www.esporte.gov.br/arquivos/conselhoEsporte/resolucoes/resolucaoN18.pdf,
acesso em 20/6/2013).
.
116

Paralelamente ao processo de significação da aventura, enquanto prática na natureza,


as modalidades radicais assumiram, nos textos das políticas públicas, conotação urbana.
Entretanto, esta diferenciação não é consenso nem entre os pesquisadores do tema e nos veículos
midiáticos especializados, nem mesmo entre os praticantes das diversas modalidades. Não ignoro
a discussão conceitual, assim como demonstrei na revisão de literatura, mas como tratamos neste
trabalho do recorte da política formal, tomo como termos “nativos” as definições oficiais e
aquelas em disputas que constituem políticas públicas para estas práticas e que culminaram com a
opção pela supressão das ideias de natureza e radicalidade na constituição da Comissão que delas
trata, embora sejam centrais nos textos explicativos, de caracterização ou justificativa de
programas e projetos de lei.
É importante ressaltar também que isto não significa que tais definições são tomadas
como a concepção definitiva para tais práticas. Não “compro”, nem apenas “elogio” o discurso
nativo. Tais definições são apreendidas como em tensão e passíveis de críticas. Uma delas seria o
quão vaga é a expressão “sensações e emoções”. Esta expressão apareceu na revisão de literatura
de Callois à Le Breton e de Bruhns e Schwartz à Marinho. Entretanto, nesta definição sucinta ela
perde sua especificidade. Ora, emoções e sensações são sentidas em quaisquer esportes e há uma
antropologia das emoções, feita inclusive por Le Breton (2009), que se dedica a temas muitos
diversos das emoções suscitadas nestas práticas, como por exemplo a tristeza e a dor. O crucial
nas atividades aqui estudadas são as sensações de risco e as emoções relacionadas à superação do
medo.
Embora depois desta publicação, a CEAV planejara disseminar estes conceitos a
partir da organização de dois eventos nacionais, um para os esportes radicais e outro para os
esportes de aventura, com a presença de confederações, federações, associações, clubes, parceiros
e demais “interessados na discussão de uma política nacional para o esporte de aventura e para o
esporte radical a partir da realidade já existente no segmento, com suas complexidades,
necessidades e potencialidades”, o que poderia ter resultado em maior debate e necessidade de
reformulação das definições oficiais. Entretanto, isto nunca aconteceu.
Segundo Rua (1997), uma decisão política representa um amontoado de decisões
sobre a solução de um problema, expressa na forma de determinações legais: decretos,
resoluções, etc. Todavia, segundo a autora, nada disso garante que a decisão se transforme em
ação e que a demanda que deu origem ao processo seja efetivamente atendida.
117

Apesar de estas definições oficiais terem sido utilizadas na reelaboração do


PLS403/05, e a despeito do Projeto Praça da Juventude, lançado em 2007, incluir em sua planta a
possibilidade de uma pista de skate, a CEAV deixou de atuar no mesmo ano, mesmo prevista no
quadro do Ministério. Neste ínterim, os representantes de entidades esportivas que fundaram a
CEAV passaram a se concentrar em tentar influenciar o projeto de lei que estava em trâmite a seu
favor e a combater judicialmente as ações da ABETA.
Em 04 de Junho de 2008, uma audiência pública foi convocada no senado para
informar aos deputados que votariam o PLS 403/05. Entre os convidados, estiveram Flávio
Padaratz, bicampeão mundial de surfe e proprietário da licença do antigo WCT (campeonato
mundial de surfe) no Brasil; o presidente da Confederação Brasileira de Surf, Antônio de Barros;
o diretor do Departamento de Qualificação, Certificação e de Produção Associada ao Turismo, do
Ministério do Turismo, Diogo Demarco; o presidente da Confederação Brasileira de
Paraquedismo, Jorge Derviche Filho; o diretor do Departamento de Esporte de Base e de Alto
Rendimento, do Ministério do Esporte, André Arantes; e o presidente da Confederação Brasileira
de Montanhismo e Escalada, Silvério Nery Filho.
Apesar do tom elogioso ao PLS na cobertura oficial, em 04 de junho de 2008, o site
Altamontanha.com publica “Projeto Sem Noção: Especialistas defendem mais debate sobre
projeto de lei”, que problematiza a iniciativa e destaca seus problemas:

A discussão sobre o projeto de lei do Senado que estabelece regras para a prática de
esportes radicais ou de aventura deve ser ampliada para que pontos da proposta sejam
mais bem esclarecidos. Essa foi a manifestação de especialistas em esportes radicais que
participaram, nesta quarta-feira (4), de um debate sobre a matéria na Comissão de
Educação, Cultura e Esporte (CE). O relator, senador Raimundo Colombo (DEM-SC),
prometeu promover novas discussões, mas afirmou que os esportes radicais e de
aventura necessitam ser regulamentados. [...]. O presidente da Confederação Brasileira
de Montanhismo e Escalada (CBME), Silvério José Nery Filho, disse que os
equipamentos usados no país para a prática de esportes radicais ou de aventura são de
boa qualidade e estão de acordo com os padrões da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT). Ele informou que, de acordo com estatísticas, dentro do setor de
montanhismo e escalada, em cada seis anos é registrada apenas uma fatalidade. Já o
presidente da Confederação Brasileira de Paraquedismo (CBPQ), Jorge Derviche Filho,
informou que o esporte já possui regulamentação, enquanto Flávio Padaratz - o Teco -
bicampeão mundial de surfe, advertiu que o projeto, como está elaborado, poderia gerar
"consequências drásticas" para o esporte. Ele observou que o surfe é considerado
também um esporte livre, que se confunde com um lazer. No Brasil, conforme informou,
há cerca de 3,5 milhões de praticantes dessa modalidade, sendo muito difícil, conforme
reconheceu, o credenciamento de instrutores para ministrar aulas de surfe, conforme
determina o projeto. O representante do Ministério do Turismo Diogo Demarco
reconheceu que o setor deve ser normatizado, desde que em comum acordo com
federações, associações e entidades ligadas aos esportes radicais e de aventura
118

(Disponível em: http://altamontanha.com/Noticia/319/especialistas-defendem-mais-


debate-sobre-projeto-de-lei, acesso em 13/12/2013).

Note o leitor que na fala de Teco Padaratz a ideia de liberdade junto à de natureza
também é cara aos praticantes autônomos destas modalidades. O risco seria o preço da
experiência de liberdade, que é subjetiva, mas também é muito orgânica, pois sentida no frio da
barriga, ou seja, na secreção de adrenalina, como discutido por Pimentel (2006). A tradição de
transmissão técnica (ou relação ensino-aprendizagem) informal nestas práticas teme pela
excessiva rigidez e subversão de valores que a regulação do campo poderia promover. E neste
momento histórico é a institucionalização do turismo de aventura que aparece como o mecanismo
de imposição de um controle indevido.
Em entrevista à Eliseu Frechou - que se apresenta como guia de montanha, instrutor
de escalada, fundador da primeira escola de escalada em rocha do Brasil e atleta patrocinado com
30 anos de experiência - intitulada “Esporte Radical é Turismo?”, para o blog EXPN do canal de
televisão ESPN Brasil, em 05 de outubro de 2009 e compartilhada no Centro Esportivo Virtual
(cev.org.br), quando perguntado sobre o conflito com a ABETA, Cláudio Consolo diz que
transformaram uma associação de pessoas que comercializam atividades esportivas de aventura
“em uma espécie de ‘Secretaria Nacional de Esportes de Aventura’ e é preciso ficar claro que
apesar da propaganda, trata-se de uma associação e não do Poder Público”. E ainda:

[...] ABETA que até agora recebeu R$ 15.000.000,00. Existe um dado que não pode ser
desprezado. Nem nos últimos 20 anos foi disponibilizado esse dinheiro para todas as
modalidades dos esportes não-Olímpicos. Veja bem: todas as não olímpicas, isto é,
quase 90% da atividade esportiva no Brasil
E o interessante é que a Lei de Diretriz Orçamentária de 2004 vedava destinação de
recursos para entidades com menos de três anos de existência e a ABETA com 4 meses
já havia recebido milhões. E o argumento que o TCU usou para justificar esta
irregularidade grave foi que não existia na época nenhuma entidade nas modalidades
esportivas de aventura aptas. E este foi um dos motivos que me fez levar a decisão do
TCU para ser apreciada pelo Ministério Público Federal (Disponível em:
http://espn.uol.com.br/post/78130_esporte-radical-e-turismo, acesso em 23/06/2013).

Para este agente, as entidades aptas a criar normas seriam as esportivas, cada uma em
sua respectiva modalidade. Em entrevista a mim concedida, o representante da ABETA justifica
o estatuto de exceção no recebimento da verba por tão jovem associação visto que, segundo ele,
como não existia nenhuma outra entidade do turismo especificamente de aventura, esta exceção
não seria irregular. Entretanto, pode-se questionar, porque a AFV não foi cogitada. Além desta,
119

Claudio Consolo faz outra denúncia em seu blog, com o post intitulado “ABETA - Presença nas
Audiências sobre a COPA e Olímpiada”, no dia 15 de outubro de 2009:

Certamente as audiências na Câmara dos Deputados são públicas, mas o Ministro do


Turismo registrar a presença da ABETA, numa audiência de ontem (14/10/09) que
estava tratando de esporte, é sintomático. Eles também estiveram na do Ministro do
Esporte. É preciso que o meio esportivo perceba a distorção que é uma associação de
comerciantes de atividades esportivas criar normas de cunho esportivo em
nossas modalidades, drenando milhões em recursos, que teriam que ter sido destinados
ao aparelhamento das entidades esportivas do segmento. Primeiro fizeram normas
esportivas, lembrando que as deles são as “oficias” e as das entidades [esportivas] não
servem para nada, segundo os seus argumentos que justificaram milhões para a criação
das normas esportivas do “turismo”. E em seguida que tal passar a “apoiar” competições
e eventos “esportivos” que “eles” entendam como “turísticos”? [...] Pessoal, é tão fácil
nesta situação e com tantos recursos desestruturarem de vez com o segmento que não sei
como tem gente que ainda não conseguiu perceber a gravidade da interferência que
estamos sofrendo. E mais uma vez a velha pergunta: Alguém sabe quem, por quanto e
para o quê foi contratado com este dinheiro que a ABETA recebeu? Algum associado da
ABETA poderia pedir que a ABETA publique as planilhas dos seus convênios?
(Disponível em https://cconsolo.wordpress.com/2009/10/15/abeta-presenca-nas-
audiencias-sobre-a-copa-e-olimpiada/, acesso em 18/03/2014).

O autor não pondera neste argumento que isto se dá devido ao projeto Bem Receber
Copa, política para a retenção do turista estrangeiro, esperado como audiência dos megaeventos
e, especificamente, uma de suas estratégias, definida pelo slogan: “Brazil land of nature and
adventure”. O Ministério do Turismo criou materiais de capacitação e incentivo a adoção de
certos termos em inglês para o tratamento do turista estrangeiro, até mesmo televisionados em
canais abertos, mas também, e em específico, de material audiovisual de divulgação da
exuberância das belezas naturais brasileiras divulgado no site oficial do país, no site de vídeos
Youtube e na página da ABETA, que tinha por objetivo reter e direcionar o turista vindo para os
megaeventos, mas também interessado nos destinos propícios para o segmento de aventura e
situar o Brasil como destino internacional para a práticas de aventura. Contudo, isto também não
anula a possibilidade de estranhamento e crítica das ações da ABETA.
Neste ínterim, outra audiência pública foi convocada em 10/06/2009 e uma versão do
PLS com texto modificado, de forma a se tornar adequado para as entidades esportivas, foi
publicada no blog de Cláudio Consolo, sob o título “Parabéns aos senadores Efraim Morais e
Raimundo Colombo”, como se vê abaixo. Além de esmiuçar o porquê das alterações solicitadas,
ao final do post ele incitou os agentes do campo esportivo ao envio de e-mails de apoio à
incorporação destas emendas aos deputados, disponibilizando seus endereços eletrônicos:
120

Art. 1º Esta Lei estabelece normas para a prática de esportes radicais ou de aventura no
País. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, consideram-se: I – esporte de
aventura: prática esportiva não formal, vivenciada em interação com a natureza a
partir de sensações e de emoções, sob condições de risco calculado e de
incerteza em relação ao meio, sendo realizada em ambientes naturais como
forma de exploração das possibilidades da condição humana em resposta aos
desafios desses ambientes, exigindo-se para a sua prática o controle das
condições de uso dos equipamentos, a formação de seus recursos humanos
e a sustentabilidade socioambiental; II – esporte radical: prática esportiva formal ou
não formal, vivenciada em interação com a natureza a partir de sensações e de
emoções, sob condições de risco calculado, sendo realizada por meio de
manobras arrojadas e controladas como forma de superação de habilidades de
desafio extremo em ambientes controlados, exigindo-se para a sua prática o controle
das condições de uso dos equipamentos, a formação de seus recursos humanos e a
sustentabilidade socioambiental.” (Comentário: O artigo primeiro absorveu os
conceitos de esporte de aventura e radical, da Comissão Especial de Esportes de
Aventura do Ministério do Esporte, da qual fiz parte e comentei no “post” inicial
deste blog) Art. 2º A prestação de serviços que ofereçam a prática de esporte de
aventura ou radical fica condicionada à comprovação, na entidade de administração do
desporto, de qualificação específica de instrutores e profissionais responsáveis pela
preparação de locais e operação de equipamentos. Parágrafo único. As regras para
a certificação de qualificação a que se refere o caput e para a renovação periódica
dessa certificação serão definidas em regulamento. (Comentário: neste artigo fica
explícita a competência (sic) determinada pelas Leis Esportivas às Entidades
Nacionais do Segmento, afinal, esporte de aventura praticado a qualquer título que
for, é esporte) Art. 3º Os equipamentos a serem utilizados na prática de esporte de
aventura ou radical deverão seguir as normas de segurança definidas pela
entidade nacional de administração do desporto.(Comentário: aqui os comentários
acima se encaixam como luva) Art. 4º A inobservância das determinações desta Lei
pelos prestadores de serviços que ofereçam a prática de esporte de aventura
ou radical sujeita o infrator a sanções civis e penais cabíveis. (Comentário: este
artigo tem função pedagógica ao lembrar a quem pratica ou administra atividade
de risco, que existem sanções civis e criminais pesadíssimas, para quem não garante
a segurança de terceiros) (grifos dele) (Disponível em:
https://cconsolo.wordpress.com/2009/12/05/parabens-aos-senadores-efrain-morais-e-
raimundo-colombo/, acesso em 19/03/2014).

Uma das lacunas deste trabalho é entender o porquê de tantas mudanças de relator na
tramitação deste PL. Mas, fato é que, com as modificações comentadas incorporadas, o PLS é
aprovado no Senado, o que é interpretado pelos representantes das entidades esportivas como
uma vitória e uma garantia da continuidade de seu trabalho. Em 06 de abril de 2010, o Portal de
Notícias da Agência Senado publicou a cobertura “Aprovada regulamentação de esportes radicais
e de aventura”. Note-se o tom de urgência e a preocupação com a segurança no discurso oficial:

A prestação de serviços que ofereçam a prática de esporte radical ou de aventura deverá


ser condicionada à comprovação de qualificação de instrutores e profissionais
responsáveis pela preparação de locais e operação de equipamentos. A obrigatoriedade
consta do Projeto de Lei do Senado (PLS) 403/05, de autoria do senador Efraim Morais
121

(DEM-PB), que foi aprovado nesta terça-feira (6), em decisão terminativa, pela
Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). Segundo o projeto, que teve como
relator o senador Raimundo Colombo (DEM-SC), "os equipamentos a serem utilizados
na prática de esporte de aventura ou radical deverão seguir normas de segurança
definidas pela entidade nacional de administração do desporto". O voto de Colombo, que
incluiu a elaboração de um substitutivo ao projeto original, foi lido, no início da reunião,
pelo senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS). Durante a discussão, o senador Flávio Arns
(PSDB-PR) recordou que o projeto foi apresentado depois da ocorrência de graves
acidentes na prática de esportes considerados de aventura ou radicais. O autor da
proposta, Efraim Morais, elogiou as mudanças feitas no texto pelo relator, no sentido de
"oferecer segurança" à prática desses esportes. Por sua vez, o senador Romeu Tuma
(PTB-SP) previu que a futura entrada em vigor das novas normas "dará mais
tranquilidade aos pais que autorizam os seus filhos a praticar esses esportes" (Disponível
em:http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/04/06/aprovada-regulamentacao-
de-esportes-radicais-e-de-aventura, acesso em 22/11/2013).

A proposta passa à tramitação na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos


Deputados, sob nova numeração: PL7288/10, em 11/05/2010, mesmo ano em que o Programa
Praça do PAC, também conhecido como Praça Esporte e Cultura (PEC) é lançado contendo pistas
de skate como possibilidade em sua planta. O texto final do projeto aprovado decretava:

Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – esporte de aventura: prática esportiva não
formal, vivenciada em interação com a natureza a partir de sensações e de emoções, sob
condições de risco calculado e de incerteza em relação ao meio, sendo realizada em
ambientes naturais como forma de exploração das possibilidades da condição humana
em resposta aos desafios desses ambientes, exigindo-se para a sua prática o controle das
condições de uso dos equipamentos, a formação de seus recursos humanos e a
sustentabilidade socioambiental; II – esporte radical: prática esportiva formal ou não
formal, vivenciada em interação com a natureza a partir de sensações e de emoções, sob
condições de risco calculado, sendo realizada por meio de manobras arrojadas e
controladas como forma de superação de habilidades de desafio extremo em ambientes
controlados, exigindo-se para a sua prática o controle das condições de uso dos
equipamentos, a formação de seus recursos humanos e a sustentabilidade
socioambiental. Art. 2º A prestação de serviços que ofereçam a prática de esporte de
aventura ou radical é condicionada à comprovação, na entidade de administração do
desporto, de qualificação específica dos instrutores e profissionais responsáveis pela
preparação de locais e operação de equipamentos. Parágrafo único. As regras para a
certificação de qualificação a que se refere o caput e para a renovação periódica dessa
certificação serão definidas em regulamento. Art. 3º Os equipamentos a serem utilizados
na prática de esporte de aventura ou radical deverão seguir as normas de segurança
definidas pela entidade nacional de administração do desporto. Art. 4º A inobservância
das determinações desta Lei pelos prestadores de serviços que ofereçam a prática de
esporte de aventura ou radical sujeita o infrator às sanções civis e penais cabíveis. Art. 5º
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (Disponível em:
http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=76819&tp=1 , acesso
em 23/11/2013).

Em contrapartida, a ABETA pede ao deputado Marcelo Teixeira (relator da Lei Geral


do Turismo, publicada em 17 de setembro de 2008) que apresente emendas com o intuito de
122

excluir a atividade de aventura turística do escopo deste PL. Além de a lei geral do turismo já ter
sido criticada pela Associação Férias Vivas, em sua “Carta Aberta ao Sr. Presidente da
República”:

O PL 3.118/2008 que se propõe a tratar da Política Nacional de Turismo, definir as


atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor
turístico, constitui-se em texto legislativo de marcada importância no sistema jurídico
nacional e, por essa razão, deveria ser largamente discutido pela sociedade civil. Sua
edição revogará textos que estão em vigor há mais de trinta anos, o que demonstra a
necessidade de ponderação e amadurecimento. Entretanto: 1. Apresentado em
27/03/2008, em regime de urgência, menos de 5 meses após, já resultou aprovado por
ambas as Casas do Congresso Nacional, surpreendendo a todos e especialmente, as
entidades de defesa do consumidor. Resta evidente que os srs. parlamentares não tiveram
tempo para a devida análise, tanto que ainda nem se aperceberam de que estão,
concomitantemente, aprovando dois textos cujos dispositivos se confrontam
irremediavelmente. Com efeito, tramita paralelamente no Congresso, o PL 5.120/2001,
que dispõe sobre as atividades das agências de turismo. Esse PL, atualmente na Câmara
dos Deputados, já recebeu aprovação do Senado e é inconciliável com dispositivos do
PL 3.118/2008. 2. Por outro lado, destaca-se no PL 3.118/08, o parágrafo sexto do artigo
27, que afronta o princípio da igualdade e da proteção ao consumidor consagrados na
Constituição Federal (arts. 5°, caput e inciso XXXII e art. 170, V), portanto, está eivado
de inconstitucionalidade: “Art. 27. (…) § 6º A agência de turismo é responsável
objetivamente pela intermediação ou execução direta dos serviços ofertados e
solidariamente pelos serviços de fornecedores que não puderem ser identificados, ou, se
estrangeiros, não possuírem representantes no País.(…)”; 3. Além da Constituição,
também o Código do Consumidor é afrontado na sua essência. Fundado na
vulnerabilidade do consumidor, o CDC adotou os princípios da responsabilidade
objetiva e solidária de forma que o prejudicado pode pleitear ressarcimento de danos
materiais e morais, de todos os que integram a cadeia produtiva do bem ou serviço (arts.
7°, § único; 12, caput, 14, caput, 18, caput, 25, § 1° e 34). Trata-se de um elemento
equilibrador da desigualdade de forças na relação consumerista e, portanto, não pode ser
eliminado; 4. Ao retirar a aplicação dos princípios da responsabilidade objetiva e
solidária das agências de turismo, o PL 3.118/08 cria o consumidor de segunda classe –
o turista – já que nas demais relações de consumo, aplica-se o CDC. E, em contra-
partida, cria privilégio inaceitável às agências de turismo, que se eximem da aplicação
do código do consumidor, nessa parte. O consumidor que confia na agência de turismo,
terá suas portas fechadas quando sofrer qualquer lesão a seus direitos. Terá que procurar
por terceiros que não conhece, que foram escolhidos pela agência que, malgrado ter
recebido sua comissão, não se responsabiliza por nada (Disponível em:
http://www.feriasvivas.org.br/biblioteca/, acesso em 14/03/2016).

Nesta época já se sabia que Marcelo Teixeira era empresário do setor turístico e
proprietário de hotéis, mas a Lei Geral do Turismo foi aprovada, apesar de ser contestada pela
AFV. Em 12/09/2010, Pedro Hauck publica “Ficha Limpa! Deputado que propôs emendas do
PL7288 tem candidatura impugnada”:

O Pleno do Tribunal Regional Eleitoral votou em Agosto, com placar de 5 a 1, pela


rejeição do registro do deputado federal Marcelo Teixeira (PR). O indeferimento foi
123

baseada em decisão do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), que desaprovou


contas de Marcelo, quando ele era secretário de Obras da gestão do ex-prefeito de
Fortaleza, Juraci Magalhães (DEM). Por meio de sua assessoria, o deputado Marcelo
Teixeira informou, que seus advogados vão recorrer da decisão junto ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Marcelo Teixeira é autor das emendas do projeto de lei
7288/10, que é uma ameaça à liberdade de praticar de forma amadora esportes de
aventura. De acordo com as emendas, praticantes amadores seriam obrigados a ser
certificados para praticar seus esportes, mas empresas de turismo de aventura, que
oferecem atividades esportivas, não. Reservado à elas o mercado esportivo para pessoas
sem certificação (Disponível em: http://altamontanha.com/Noticia/2610/deputado-que-
propos-emendas-do-pl7288-tem-candidatura-impugnada, acesso em: 12/03/16).

Posteriormente, no ano de 2011, a Operação Voucher é deflagrada pela Polícia


Federal, que prende o ex-presidente da Embratur e derruba o Ministro do Turismo. Neste ínterim,
em 2008, o Ministério do Turismo lança a segunda edição do livreto Turismo de Aventura:
orientações básicas, cujo original havia sido publicado em 2006. Em 2010, este livreto foi
novamente atualizado para sua terceira edição com colaboração do Prof. Dr. Ricardo Uvinha, o
que agregou fundamentação teórica e discussão acadêmica ao documento, mas não modificou sua
definição para turismo de aventura: “Turismo de Aventura compreende os movimentos turísticos
decorrentes da prática de atividades de aventura de caráter recreativo e não competitivo” (p.14),
em vigor desde a publicação de Segmentação do Turismo: Marcos Conceituais, pelo Ministério
do Turismo, em 2006.
Esta definição de turismo de aventura enquanto atividade recreativa é considerada
excessivamente abrangente e danosa por agentes do campo esportivo, especialmente os
montanhistas não competitivos que não se identificam como turistas. Encontram-se evidências de
que as entidades que propuseram a criação da CEAV e a compuseram, realizaram ampla
mobilização junto de seus membros, principalmente montanhistas e pilotos de voo livre, para que
eles demandassem dos deputados garantir que as práticas de aventura fossem entendidas pela
legislação como exclusivamente esportivas. Diante desta dupla e contrária mobilização, para
revisão e votação do PL7288/10, nova audiência pública foi convocada. Assim como cobre a
Agência Câmara Notícias, em 30 de junho de 2010, sob o título “Comissão discutirá
regulamentação de esportes de aventura”:

Recentemente o Ministério do Turismo definiu regras para a prática desse tipo de


esporte. Especialistas da área e praticantes de turismo de aventura, no entanto, reclamam
das normas propostas. A Comissão de Turismo e Desporto realiza audiência pública hoje
para discutir a regulamentação de esportes de aventura pelo Ministério do Turismo. O
debate foi proposto pelo deputado Silvio Torres (PSDB-SP). O parlamentar lembra que o
124

Ministério do Turismo estabeleceu recentemente regras para a prática de esportes de


aventura com o objetivo de regulamentar a certificação de operadoras desse tipo de
esporte. As regras foram elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT). Especialistas da área e praticantes de turismo de aventura se manifestaram, no
entanto, contrários às regras. Eles argumentam que o Ministério do Turismo e ABNT
não têm condições técnicas para regular esses esportes. Algumas entidades já contestam
judicialmente as regras. Foram convidados para a audiência: o presidente da
Confederação Brasileira de Orientação, José Otavio Franco Dornelles; o presidente do
Conselho Federal de Educação Física, Jorge Steinhilber; o presidente da Associação
Brasileira de Parapente, Cláudio Rogério Consolo; o presidente da Associação Brasileira
das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, Jean-Claude Marc Razel; o
presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, Silvério Nery; o
gestor do Comitê Brasileiro de Turismo da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), José Wagner Fernandes; o assessor Jurídico da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) Cláudio Lúcio Dundes; a diretora do Departamento de
Qualificação e Certificação e de Produção Associada ao Turismo da Secretaria Nacional
de Programas de Desenvolvimento do Turismo, Regina Cavalcante e a coordenadora
Geral de Segmentação da Secretaria Nacional de Políticas de Turismo, Saskia Freire
Lima (Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ESPORTES/149215-COMISSAO-
DISCUTIRA-REGULAMENTACAO-DE-ESPORTES-DE-AVENTURA.html, acesso
em 25/03/2014).

O jornalista da agência da Câmara confunde esporte e turismo de aventura em sua


redação assim como não desejam os agentes políticos em disputa. Nesta audiência, cuja
transcrição está disponível online, Claudio Consolo acusa os agentes de turismo de cunhar termos
inéditos para o segmento com o objetivo de driblar as normas esportivas e turísticas já existentes
e forçar a necessidade da ABETA. Ele cita trechos de e-mails trocados por diretores da ABETA,
que utiliza como provas, assim como estão reproduzidos abaixo:

“Conhecendo a burocracia de Brasília e os corporativismos desse pessoal acho difícil


lutar contra uma regulamentação já existente e oficial (...) nas comunicações oficiais o
nome condutor tem que ser utilizado. Mas na prática, para o grande público, continuará
sendo guia” [...]“Novamente volto ao lado legalista que odeio, mas que justamente para
escapar dele, temos que tomar as precauções. Guia é uma palavra proibida em tudo que
estamos pensando em fazer. Isto porque é uma palavra já apropriada por uma legislação
manejada pelo MEC. Qualquer palavra não regulamentada serve”. “Para mim a solução
é simples (...) Oficialmente, é condutor ou monitor. Todos os papeis oficiais estarão
assim. Na prática, é guia. Os clientes vão chamar de guia. Se as burocracias reclamarem,
os grunhidos caem no vazio, pois não há papeis oficiais chamando de guia. Com isso,
ganha-se tempo. Se houver briga pelo uso indiscriminado será depois da certificação
implantada” (http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/ctur/documentos/notas-taquigraficas/notas-taquigraficas-de-
2010/300610Esportesdeaventura.pdf> acesso em 30/06/2013, p.12-13).

Segundo Claudio Consolo, a criação do termo condutor de turismo de aventura, não


fora apenas uma adequação técnica e conceitual, como eu havia entendido em minha dissertação
125

de mestrado (BANDEIRA, 2012), mas mais que isso, ele a acusa de ser uma forma de burlar a
regulamentação vigente na Embratur e criar uma reserva de mercado.
Além disso, Claudio Consolo manifesta sua maior preocupação: acredita que as
normas ABNT/ABETA não são adequadas tecnicamente e que a capacitação profissional que
oferecem é superficial, em sua maioria à distância. Ao mesmo tempo, teme que as novíssimas
normas ABNT tirem de circulação protocolos mais antigos criados pelas entidades esportivas já
que, segundo Cláudio, embora a ABETA se defenda de sua acusação de inconstitucionalidade
alegando que a adoção das normas ABNT é de caráter voluntário, o código de defesa do
consumidor, em seu artigo 39 veda ao fornecedor de produtos e serviços “Colocar, no mercado de
consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas (...) pela
ABNT”34, o que as converteria em obrigatórias.
É neste sentido que, para este agente, as normas das entidades esportivas e aquelas da
ABETA são mutuamente excludentes, e por isso as últimas precisam ser combatidas sem
parcimônia. Em sua interpretação, segundo o trecho citado por ele, não há caminho do meio. Se
estiverem em voga as últimas (as normas turísticas), as primeiras (regulamentações esportivas)
são invalidadas. Por isso, para Claudio Consolo, visto que o princípio da autonomia esportiva é
constitucional e anterior, se há normas que devem ser anuladas são aquelas que vieram depois.
Silvério Nery, presidente da CBME, na mesma ocasião e documento, afirma que o
problema maior é que o Ministério do Turismo define turismo de aventura como prática
recreativa e não competitiva e cria normas para praticantes leigos. Entretanto, ele argumenta que
o montanhismo e a escalada têm sua vertente competitiva como a menos representativa de seu
universo. É o montanhismo excursionista e expedicionário o mais praticado. Afirma ainda que,
além de sua entidade não ter sido consultada, essas normas criadas para leigos, assim como estão
redigidas pela ABNT, se entrassem em vigor, poderiam ser impostas a praticantes pioneiros,
autônomos e experientes, que não precisam e discordam delas. Ele acrescenta que, com um
décimo do valor destinado à ABETA, poderia ter feito um trabalho muito melhor via CBME, já
que a mesma já vinha fazendo isso em regime voluntário.
Em resposta, José Wagner Fernandes, representante da ABNT, afirmou que as
normas criadas para o turismo de aventura não são obrigatórias e sim voluntárias e não foram

34
(http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ctur/documentos/notas-
taquigraficas/notas-taquigraficas-de-2010/300610Esportesdeaventura.pdf> acesso em 30/06/2013, p.14)
126

criadas sem embasamento, mas sim com a consulta de cerca de 3 mil pessoas que já atuavam no
segmento nos principais destinos de aventura do país nos quais foram organizados seminários
técnicos para identificar as prescrições de segurança mais utilizadas e as padronizar. Além disto,
ele afirma que a participação ativa das entidades esportivas - Confederação Brasileira de
Canoagem, Associação Brasileira de Canionismo, Associação Profissional dos Instrutores de
Mergulho, entre outras (p.23) - fora solicitada. E alertou que o órgão máximo de padronização
internacional, a ISO, criou, em 2005, uma comissão de turismo com participação de 60 países
cujo representante indicado pelo Brasil foi a ABNT. Esta Comissão tem se ocupado do turismo
de aventura, tendo finalizado o trabalho sobre mergulho35, cujas normas internacionais foram
traduzidas pela ABNT e adotadas aqui.
Jean Claude Razel, então, pede que os presidentes das entidades esportivas
mencionadas por José Wagner Fernandes presentes na audiência confirmem ter participado e
concordem com a iniciativa ABETA. Depois que eles confirmam, o representante da ABETA faz
uma proposta de conciliação com as entidades esportivas contestadoras afirmando que algumas
delas não foram convidadas a participar do processo porque não se mostravam presentes nos
principais destinos de aventura envolvidos e/ou nas relações pessoais e profissionais daqueles que
tiveram a iniciativa. Assume que foi um erro, mas acrescenta que a ABETA estaria disposta a
repará-lo, o que não é aceito pelo representante da ABP.
Na análise deste documento, fica claro que a opinião das entidades esportivas de
aventura sobre a ABETA e a relação dos esportistas com o turismo não é homogênea. Há
diferentes concepções de esporte e turismo em jogo e relações de poder estabelecidas não apenas
entre os dois campos, mas também dentro de uma mesma modalidade, dependendo dos perfis e
histórias de vida dos envolvidos. Além disso, visto que as modalidades de aventura entre si são
muito diferentes tecnicamente e em tempo de existência, para algumas, as normas ABETA
podem ser menos profícuas e perigosas, mas para outras, elas ofereceram um primeiro referencial
a um setor que não tinha nenhuma regulamentação. Ou seja, não é possível formular julgamento
único sobre todas as iniciativas ABETA, a análise do caso de cada modalidade demandaria um
trabalho de pesquisa.

35
Já em 1986, Vanrenseul e Renson (1982) caracterizam o mergulho como em conformidade com a norma e a lei,
em oposição à escalada e ao cavernismo que seriam práticas não conformistas e contestadoras.
127

De qualquer forma, parte da denúncia sobre ilegalidades na atuação da ABETA foi


confirmada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em 24 de agosto de 2011, o site do jornal
O Estado de São Paulo publica a matéria “Ação do Turismo para a Copa tem ONGS suspeitas”,
na qual afirma que o Tribunal de Contas da União encontrou irregularidades em convênios
firmados pelo Ministério do Turismo com duas associações que recebem verba do mesmo e
fazem parte do projeto Bem Receber Copa: ABrasel e ABETA.
Também em matéria de 24 de agosto de 201136, intitulada “Entidades e Ministério do
Turismo negam a irregularidade”37, novamente do site de O Estado de SP, é afirmado que as duas
associações tiveram sede em Belo Horizonte, terra do ex ministro do turismo Walfrido Mares
Guia, segundo a publicação, amigo pessoal do presidente da ABrasel, Paulo Solomucci.
O coordenador da ABETA, Gustavo Timo, entrevistado pelo jornalista, negou as
acusações e afirmou que todas as contratações feitas pela ABETA acontecem por licitação
divulgada em diário oficial, mas a sede da mesma mudou para São Paulo depois do ocorrido. O
representante da ABETA que me concedeu entrevista, afirmou que irregularidades de fato
aconteceram, mas que elas foram as mais banais e fora do controle da ABETA.
Segundo ele, a falta de um comprovante de embarque do voo de retorno de um
jornalista inglês, que fora trazido para divulgar o turismo de aventura brasileiro em seu país e que
nunca o enviou, mesmo com a solicitação da ABETA, ou a prestação de contas de um outro voo
para o mesmo perfil de passageiro, que foi cancelado, pois o mesmo confirmara sua vinda, mas
posteriormente teve um contratempo, são exemplos citados. Na entrevista a mim concedida, a
ABETA afirma que a burocracia não permitia registrar o custo de cancelamento do segundo voo,
e o sistema não entendeu o porquê de o valor total do voo não ter sido devolvido. Este membro
diretor da ABETA afirmou, na mesma ocasião, que estas acusações custaram muito ao setor e
quase acabaram com a associação e que ela não pretende mais firmar parcerias com o poder
público.
Apesar do abrangente trabalho das pesquisas diagnósticas e das 11 comissões criadas
dentro do ABNT/CB54, discussão de amplitude sem precedentes, e da qualidade visual dos
manuais de boas práticas produzidos em parceria com especialistas renomados e acadêmicos e
disponibilizados gratuitamente no site da ABETA, os esforços realizados por meio do Programa

36
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,acao-do-turismo-para-copa-tem-ongs-suspeitas,763205
37
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entidades-e-ministerio-do-turismo-negam-irregularidade,763206
128

Aventura Segura, que culminaram em mais de 9138 empresas com Sistemas de Gestão da
Segurança certificados, perderam força e credibilidade neste processo. No ano de 2014, o número
de empresas certificadas caiu drasticamente. Constam no último folder de divulgação da ABETA
apenas 12 empresas certificadas.
Sem os subsídios do governo, muitas empresas desistiram de renovar sua certificação
por não terem condições financeiras e não verem a valorização e o retorno econômico do custo
envolvido. A ABETA também é acusada de ser corporativista e ter perdido sua capacidade de
diálogo por outras entidades do próprio setor turístico. Outro caso é o de empresas descontentes
por terem como certificador um funcionário de seu concorrente. Além disso, há denúncias de que
a ABETA procura omitir a ocorrência de acidentes que uma empresa associada sua,
principalmente se seu proprietário é membro do corpo diretor, tenha sofrido.
Percebe-se por todo o exposto neste tópico que as práticas de aventura tornaram-se
tema caro à agenda política do Ministério do Turismo a ponto de mantê-las mesmo diante de uma
série de contestações a sua adequação e de polêmicas envolvendo acusações de ilegalidade e
irregularidade no uso do dinheiro público. Além disso, como também denuncia Claudio Consolo,
o Ministério do Esporte não as tomou como pauta, apenas dando espaço a uma iniciativa (CEAV)
que, com mudanças de posição dos agentes no campo, perdeu força.
Arretche (2001) lembra que a incongruência de objetivos, interesses, lealdades e
visões de mundo entre agentes formuladores e implementadores implica que dificilmente uma
política pública atinja plenamente seus objetivos. Além disso, ela alerta que políticas públicas não
são formuladas em condições irrestritas de liberdade, mas sim em um processo de negociações e
barganhas. Sua proposta final não será a mais adequada, mas sim aquela na qual for possível
obter algum grau de acordo. Porém, a autora não traz dados sobre como lidar teoricamente com
os casos de distorções, regimes de excessão, irregularidades e corrupção.
Em resposta a acusação de Consolo, a ABETA publica em seu site o histórico de sua
atuação na tramitação do PL 7288/10 e anexa todos os documentos oficiais a ela relacionados:

Problema: Não possui uma distinção clara entre esporte de aventura e turismo de
aventura. Dessa forma, acarreta em prejuízos para o desenvolvimento da atividade de
turismo de aventura no País, bem como coloca em risco todo o investimento do
Programa Aventura Segura do Ministério do Turismo e SEBRAE, que foi executado
pela ABETA. Ações da ABETA: 1) Envio de ofício ao Senhor Relator do então PLS

38
Disponível em: http://www.abntcatalogo.com.br/mtur/noticia.aspx?ID=20, acesso em 17/02/2016.
129

403/205 e ao Senhor Secretário da Comissão de Educação, Cultura e Esporte pontuando


a necessidade de incluir a distinção de esporte de aventura e turismo de aventura neste
projeto de lei, com sugestão de um substitutivo. Não obtivemos sucesso; 2) Mobilização
de todos as associados da ABETA para envio de e-mail aos parlamentares para
aprovação de substitutivo ao então PLS 403/2005; 3) Quando o PLS 403/2005 chegou à
câmara dos deputados, sendo então identificado como PL 7288/2010, conseguimos que o
Deputado Marcelo Teixeira propusesse três Emendas para este projeto de lei que agora
aguarda aprovação; 4) Nova mobilização de todos os associados ABETA para envio de
e-mail aos parlamentares da Comissão de Turismo e Desporto para o apoio às Emendas
apresentadas e 5) Articulação para participação na Audiência Pública no dia 30/06 para
discutir sobre a regulamentação e o estabelecimento de normas para os esportes de
aventura. Conseguimos que o Deputado Marcelo Teixeira apresentasse 03 emendas a
este PL (Disponível em http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:-9b-
HnaNCbsJ:xa.yimg.com/kq/groups/18960303/945976307/name/Hist%25C3%25B3rico
%2BPL%2B7288%2B2010.doc+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br; acesso em ).

Além disso, para diminuir a tensão estabelecida, a ABETA modifica seus discursos
substituindo a expressão esporte de aventura por turismo de aventura. Publica em seu website
uma carta em resposta às acusações sofridas na mídia especializada e às ações das associações
esportivas, sob o título “Turista é diferente de Esportista”:

A Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura – ABETA


apresenta aqui suas considerações sobre o Projeto de Lei n° 7.288/2010, em trâmite na
Câmara dos Deputados e que estabelece regras para a prática de esportes radicais ou de
aventura no País. A ABETA, por intermédio do seu Presidente, participou de audiência
pública na Câmara dos Deputados no dia 30 de junho de 2010, onde foi discutido o
Projeto de Lei n° 7.288/2010, discussão importante que possibilitou esclarecer os
conceitos de esporte radical, esporte de aventura e turismo de aventura, bem como
diferenciar as particularidades do turismo de aventura e de seus consumidores, em vista
às peculiaridades dos esportes e dos atletas que praticam atividades esportivas de
aventura de modo formal ou informal. Esta foi a primeira oportunidade na qual a
ABETA atuou efetivamente frente a este Projeto de Lei, com o qual em nada concorreu.
Para a ABETA, equiparar turistas a atletas é desrespeitar os atletas e também os turistas
e por isto se manifesta a favor da diferenciação entre o atleta e o turista, o que será
possível com o registro claro de que o Projeto de Lei em questão não deva tratar das
atividades oferecidas comercialmente no mercado, por já serem reguladas pelas leis de
proteção ao consumidor e pela Lei Geral do Turismo. Assim, a ABETA é favorável à
emenda enviada pelo Deputado Marcelo Teixeira, que propõe que o Projeto de Lei,
concebido e defendido por algumas entidades esportivas, não equipare erroneamente os
atletas e os turistas consumidores de serviços turísticos. Isto faria com que os atletas,
bem como os consumidores, perdessem direitos, bem como conquistas históricas, como
o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Pelé. Este é o interesse defendido pela
ABETA! Que os atletas tenham seus direitos reconhecidos e que não sejam tratados
como consumidores, perdendo a essência de suas práticas esportivas; e que os
consumidores não sejam alijados de seus direitos ao serem erroneamente equiparados a
atletas. Com isso ganha o esporte, ganha o turismo e ganham os atletas, as empresas e os
profissionais ligados ao esporte e ao turismo. (Jean-Claude Marc Razel Presidente da
Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura – ABETA)
(Disponível em http://www.regenciaecotur.com.br/novidades.asp?id=152, acesso em
15/05/2014).
130

Enquanto as entidades turísticas se articulavam via internet para aprovar suas


emendas ao PL 7288/10 e o CONFEF atualiza em seu estatuto a definição de esporte incluindo as
práticas na natureza e de aventura39, a CBME publica, em 11 de agosto de 2010, esclarecimentos
sobre sua atuação na elaboração do PL, seguido de posicionamento conceitual e político oficial
da CBME e incitação aos montanhistas:

Em 30 de junho de 2010 participei novamente de uma audiência pública no Congresso,


em Brasília, desta vez na Câmara dos Deputados. O convite para participar na condição
de palestrante veio para a CBME através da Comissão de Turismo e Deporto e a
passagem aérea foi paga pela Comissão. O convite dizia que o objetivo era discutir a
regulamentação e o estabelecimento de normas para os esportes de aventura pelo
Ministério do Turismo. Não havia qualquer menção a um Projeto de Lei e só ficamos
sabendo que o PL 7288/2010 estava em pauta pouco antes da audiência. Foi somente
nessa hora também que ficamos sabendo das emendas apresentadas pelo Deputado
Marcelo Teixeira. A posição que apresentamos, na audiência foi baseada no teor do
convite e pode ser resumida no seguinte: Historicamente, no mundo inteiro, as entidades
de administração esportiva definem os critérios de qualificação adotados por praticantes
amadores e profissionais. O Esporte de Aventura é a atividade que deu origem ao
segmento comercial denominado Turismo de Aventura; Consideramos equivocado o
conceito de Turismo de Aventura adotado pelo Ministério do Turismo (“Turismo de
Aventura compreende os movimentos turísticos decorrentes da prática de atividades de
aventura de caráter recreativo e não competitivo”) pois confunde turismo com atividade
esportiva de caráter recreativo; O modelo de certificação adotado pelo Ministério do
Turismo poderá sujeitar esportistas a Normas e Regulamentos incompatíveis com suas
aptidões técnicas e com as características da atividade; O sistema ABNT-Inmetro foi
desenvolvido para a indústria e não é adequado para regulamentar a formação de
pessoas; Reivindicamos a criação de uma política de incentivo para as estruturas de
qualificação de pessoas adotadas pelas entidades de administração esportiva, ampliando
suas possibilidades de atuação. Situação atual: O Projeto de Lei em tramitação na
Câmara é o mesmo que foi aprovado no Senado com nova numeração: 7288/2010.
Considerando o andamento do processo, parece claro que esse Projeto não será
simplesmente cancelado e o que estamos tentando fazer é tentar influenciar os
Deputados na defesa dos interesses do Montanhismo independente. Nesse sentido é
muito importante evitar a aprovação das emendas apresentadas pelo dep. Marcelo
Teixeira. As emendas podem ser vistas nos links a seguir:
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=480753
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=480754
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=480755
Caso essas emendas sejam aprovadas e incorporadas ao PL, o texto aprovado no Senado
ficará completamente descaracterizado, pois a futura Lei seria aplicável apenas aos
praticantes não profissionais. Isso poderá obrigar qualquer pessoa que queira praticar
atividades aventura a procurar certificação em alguma entidade esportiva, ou seja, todos
que quiserem escalar ou caminhar terão que ser certificados por algum clube ou
federação [...] Considerando essa situação e por entender que é fundamental batalhar
pela existência do Montanhismo independente, a atuação da CBME neste momento é a
seguinte: 1- estamos procurando evitar as emendas através de um manifesto endereçado
aos Deputados, cujo modelo foi distribuído nas listas de montanhismo e escalada. 2-

39
Publicado no DO. nº 237 , Seção 1, págs. 137 a 143, 13/12/2010. Disponível em:
http://www.confef.org.br/extra/conteudo/default.asp?id=471, acesso em: 10/2/2016.
131

enviamos ofício para o dep. (sic) Walter Feldman, relator do PL na Câmara, mostrando
os defeitos das emendas e procurando influenciá-lo a melhorar a redação do PL,
incluindo um dispositivo sobre programas de incentivo para as entidades esportivas, de
modo a capacitá-las a exercer a função de certificação de pessoas [...] Compartilhe!
(Disponível em: http://www.cbme.org.br/noticias/noticias/27-legislacao/48-projeto-de-
lei-72882010-da-camara-federal> acesso em 12/01/2014).

Note o leitor que Silvério Nery não defende apenas a atuação da CBME, defende
também o montanhismo independente. O abaixo assinado a que ele se refere, que rejeita as
emendas ao PL 7288/10, é divulgado na mídia especializada, e até mesmo no Grupo de Escalada
Esportiva da Unicamp40. Assinado por 1162 pessoas o abaixo assinado dizia assim:

Aos excelentíssimos senhores Deputados Federais.


Os cidadãos abaixo-assinados, praticantes de montanhismo e escalada, manifestamos
nosso descontentamento com as emendas apresentadas ao Projeto de Lei 7288/10.
As técnicas, formação pessoal e equipamentos na comercialização dos esportes de
aventura são esportivas. Suas particularidades exigem habilidades que, necessariamente,
devem ser aferidas pelas entidades esportivas que as organizam. Conto com o seu apoio
para a REJEIÇÂO das Emendas apresentadas pelo Deputado Marcelo Teixeira, pela
manutenção do texto aprovado pelo Senado e pela modificação da política para o
segmento esportivo de aventura, mantendo a liberdade do praticante independente dos
Esportes de Aventura, os quais inclui a escalada e o montanhismo.
Atenciosamente. (Disponível em:
https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/6740#inicio
Acesso em 12/03/2016).

No mesmo sentido, Pedro Hauck, geólogo acadêmico e montanhista que conquistou


todos os cumes não escalados dos Andes em uma única expedição em 2015, colunista na mídia
especializada, em matéria intitulada “Projetos de Lei que atingem o montanhismo”, de 09 de
junho de 2011, está em acordo com o posicionamento da CBME e comenta também projetos de
lei que foram propostos em âmbito local e relacionadas ao uso dos parques nacionais e ao
controle do risco, incitando seus pares a assinarem abaixo assinados contra elas:

Há no Paraná o PL 120/11 de Osmar Bertoldi. Este PL prevê que os locais para pratica
de esportes de aventura devem estar preparados para receber resgatistas em caso de
urgência e também obriga os praticantes a pedir uma permissão aos bombeiros. É um PL
novo, que ainda não foi discutido onde faz-se urgente um contato com o deputado para
que os montanhistas coloquem em pauta suas reais demandas para que esta PL seja
retransformada em algo que de fato ajude o montanhismo. Fora estas leis, há uma
Instrução normativa do ICMbio sobre uso e captação de imagens em UC´s federais que
podem atingir indiretamente o montanhista. Esta Instrução normativa está em fase de
consulta pública, onde (sic) é necessário nossa contribuição para que ela não seja

40
Disponível em: https://www.listas.unicamp.br/pipermail/geeu-l/2010-August/008043.html , acesso em 12/03/2016.
132

aprovada como está proposta atualmente. Os pontos polêmicos fica (sic) por parte da
necessidade de autorização para captação de imagens com a chefia dos parques para
publicação de matéria jornalística. Este termo “matéria jornalística", é vago e qualquer
blog ou site de montanhismo pode ser considerado como tal. Além disso, parques sem
plano de manejo podem não autorizar a captação de imagens sem que para isso haja
justificativa e o uso de imagens dos parques para educação e cultura deverão passar por
um processo burocrático de autorização para serem publicadas [...] É muito importante a
participação de todos neste processo de cerceamento do montanhismo e de nossa
liberdade. Já existem movimentos contrários à estas propostas originais, como o abaixo
assinado contra as emendas do PL7288. Apesar de alguns céticos acharem que estas leis,
se aprovadas, nunca funcionarão, temos que pensar no futuro. Hoje sabemos da
dificuldade dos parques fiscalizarem e colocarem na prática estas normas, porém não
será assim pra sempre. Temos que garantir nossa liberdade e a aventura do futuro. O
Montanhismo evoluiu em técnicas e no processo de preservação da natureza, mas ainda
é baseado em valores que vêm desde a época de Gabriel Paccard e Jacques Balmat:
Aventura é Liberdade! Assinem, participem e divulguem! (Disponível em:
http://altamontanha.com/Colunas/2938/projetos-de-lei-que-atingem-o-montanhismo,
acesso em: 18/06/2014)

As narrativas aqui expostas, explicitam a autonomia e a liberdade como valores mais


centrais do que nos esportes convencionais, corroborando Costa (1999), Marinho (2008) e
Pimentel (2006), mas este campo mostra que as noções de autonomia e liberdade não são
concebidas apenas como condição propiciada pela natureza no exercício da lida com as incertezas
do ambiente natural, mas também no tocante à autonomia e à liberdade administrativa e legal.
Em 03 de fevereiro de 2012, uma preocupação com as regulações em instâncias
locais volta à cena na mídia especializada, assim como ilustram matéria do Webventure intitulada
“Depois de Paraná, Minas e Ceará, Rio também pode ter lei que regulamenta as atividades de
aventura”, de Pedro Sibahi, jornalista interessado por aventura, adepto do cicloturismo, que
atravessou o continente americano em uma expedição de bicicleta:

Depois de uma lei estadual que regulamenta as atividades de aventura ser sancionada no
Paraná, no último dia 23 de janeiro, o Rio de Janeiro também corre o risco de ter uma lei
similar. O projeto fluminense foi apresentado em setembro de 2011 pelo deputado Átila
Nunes (PSL) e atualmente se encontra em tramitação na assembleia legislativa do
estado. De acordo com Kika Bradford, vice-presidente da Federação de Montanhistas do
Rio de Janeiro, a entidade já pediu apoio do secretário do Meio Ambiente do Estado,
Carlos Minc, para tentar derrubar a lei. “Ele é a favor da livre prática de esportes ao ar
livre e nos ajudará a fazer com que essa proposta seja retirada”, disse a montanhista.
Kika também tentará viabilizar ações contra as leis de outros estados, via Confederação
Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME). No Paraná, o autor da proposta foi o ex-
deputado Osmar Bertoldi (DEM), atual Secretário de Política Habitacional de Curitiba.
Entre as obrigações da lei nº 17.052 está a necessidade de os praticantes obterem uma
“autorização do Corpo de Bombeiros Militar para a realização da atividade” e a
“autorização do órgão competente para a utilização de locais públicos ou privados”.
Além disso, ela cria a necessidade de um certificado estadual ou federal para os
equipamentos utilizados e impõe o dever de seguir normas da Associação Brasileira de
133

Normas Técnicas, a ABNT, durante as atividades. O que está causando confusão é que
texto não deixa claro se a lei vale apenas às empresas que oferecem serviços ligados às
atividades – como agências de turismo e empresas de trabalho em altura – ou vale para
qualquer praticante amador. O texto diz que ela vale para as “modalidades esportivas de
recreação que ofereçam riscos controlados à integridade física de seus praticantes e
exijam o uso de técnicas e equipamentos especiais”, e se aplicaria a atividades
comerciais, coletivas, públicas ou privadas [...] avalia Natan Fabrício, presidente da
Federação Paraense de Montanhistas (Fepam), que vai tentar cancelar a lei. “Ela pode
prejudicar os montanhistas e abrir precedentes para que isso aconteça em outros
estados”, disse ao Webventure, antes mesmo de saber do projeto no Rio de Janeiro.
Segundo Natan, não houve nenhum tipo de consulta pública sobre o conteúdo do
documento. A Fepam se reúne na sexta-feira (3) com advogados para discutir questões
técnicas e, na próxima semana, irá se juntar a outras federações esportivas, antes de
buscar apoio na Secretaria de Esportes de seu estado. No Ceará, a tal lei foi aprovada em
dezembro de 2011, com um texto muito parecido com o do Paraná. A lei n.º 15.071,
proposta por Paulo Facó (PT do B), tem apenas seis artigos e mantém a obrigatoriedade
de se obedecer às normas da ABNT. Minas Gerais, por sua vez, também possui uma lei
de conteúdo similar datada de 2007 e apresentada pelo deputado Dalmo Ribeiro Silva
(PSDB) (Disponível em http://www.webventure.com.br/h/noticias/depois-de-parana-
minas-e-ceara-rio-tambem-pode-ter-lei-que-regulamenta-as-atividades-de-
aventura/31057; acesso em 23/11/2014).

Note o teor negativo da reportagem na expressão “o Rio de Janeiro também corre o


risco de ter uma lei similar”. Entretanto, mais do que a inadequação aleatória dos projetos de lei,
uma desconfiança sobre possível atuação local da ABETA com o intuito de influenciar a
proposição e elaboração destes tipos de lei levou o jornalista a procurar seu presidente na época.
A entrevista com Jean-Claude Razel intitulada “Abeta diz que não tem nada a ver com leis
estaduais de regulamentação das atividades de aventura”, por Pedro Sibahi, em 03 de fevereiro de
2012, ilustra outro ponto de vista sobre a concepção das práticas de aventura:

Webventure: Fizemos uma reportagem sobre uma lei estadual que acabou de ser
sancionada no Paraná, que regulamenta as atividades praticadas ao ar livre. Gostaria de
saber qual é a relação da Abeta com essa lei?
Jean-Claude: Não existe nenhuma relação. Do que fala essa lei?
Webventure: A lei cria a necessidade de normas ABNT para a prática de atividades,
obriga a certificação por órgão federal ou estadual e a autorização do Corpo de
Bombeiros para a prática. O problema é que as pessoas não entenderam se a lei se aplica
somente às empresas de turismo e afins ou à prática do esporte em geral.
Jean-Claude: É aquela velha confusão. Uma coisa é o esporte de aventura. Outra coisa é
turismo de aventura. Hoje, as normas que existem no Brasil, assim como a certificação,
são para turismo, não para o esporte. Imagino que se essa lei faça referência a isso: ela
deve estar falando do turismo. Só que o pessoal insiste em fazer a confusão entre as duas
coisas. Lógico que tem alguma área de superposição, mas em termos de trabalho, ou
negócios, são coisas muito diferentes.
Webventure: Em listas de discussão de montanhismo, há comentários de que essas leis
estaduais tem relação com ações da Abeta. Não têm, então?
Jean-Claude: É claro que não têm. A Abeta não quer misturar esporte e turismo. Quem
insiste em misturar as duas coisas são as pessoas do esporte, do montanhismo. Porque
eles esperam que assim eles consigam derrubar as normas [da ABNT]. Mas, nós não
134

estamos por trás dessas leis e achamos que elas só confundem. Para nós, a única lei que
vale, e que ajudamos a criar, é a Lei Geral do Turismo [n.º 11.771], que regulamenta as
atividades de turismo em geral. Como ela é uma lei federal, ela se superpõe às leis
estaduais. A Abeta é contra todas as iniciativas estaduais. A única iniciativa que a Abeta
apoia é esta lei geral e seu decreto de aplicação [n.º 7.381], que tem um artigo que se
aplica ao turismo de aventura. Isso não tem nada a ver com esporte, que é outra coisa,
que tem seu lugar, sua pertinência, que a gente gosta e apoia e quer ver memorar.
Webventure: E você sabe quem está tomando essas iniciativas estaduais? Jean-Claude:
Geralmente é um deputado, que tomou a iniciativa por que viu alguma coisa e quer
mostrar serviço. Isso não é iniciativa da Abeta e a associação não quer isso (Disponível
em http://webventureuol.uol.com.br/h/noticias/abeta-diz-que-nao-tem-nada-a-ver-com-
as-novas-leis-estaduais-/31058, acesso em: 23/11/2014).

A ABETA não confirma sua atuação direta na elaboração de leis estaduais, entretanto
confirma sua atuação na elaboração do PL 7288/10, como já exposto anteriormente, através da
proposição de três emendas. Porém, apesar dos esforços de todos os agentes envolvidos, tanto da
ABETA, quanto das entidades esportivas, no dia seis de agosto de 2013, o deputado André
Figueiredo (PDT-CE) emitiu parecer em favor da rejeição das três emendas, mas também do PL
7288. Sua justificativa é apresentada a seguir, assim como divulgada pelo site da Câmara dos
Deputados:

Este projeto tem por objetivo regulamentar a prática de esportes radicais e de aventura.
A matéria é relevante haja vista a segurança se constituir em um dos princípios basilares
do direito individual ao desporto, conforme definido no art. 3º da Lei nº 9.615, de 1998,
que dispõe sobre as normas gerais de desporto no País. Cabe considerar, que, sem
dúvida, é direito de todo praticante de esporte a sua integridade física, mental ou
sensorial nas atividades esportivas, sejam elas quais forem. Assim, qualquer ato que
coloque isto em risco na prática de esporte de aventura é ilegal, sujeito às sanções civis,
consumeristas e criminais conforme as leis vigentes no país. É posto também que, com o
advento da Lei Geral de Turismo, é irrefutável a edificação de que as atividades
turísticas estão inseridas como prestação de serviço. Consequentemente, as diretrizes
estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, juntamente com a legislação penal
vigente, já impõem a responsabilidade necessária e suficiente aos empreendedores de
turismo de aventura, cabendo cautela na inovação legislativa neste âmbito. Além disso, o
teor do PL nº 7.288, de 2010, incluídas as emendas nºs 01 e 02, enfrenta óbice
incontornável, na medida em que afronta a autonomia das entidades desportivas quanto à
sua organização e funcionamento. Apesar de muitos desportistas profissionais, e suas
respectivas federações, terem condições de qualificar as prestadoras de turismo de
aventura, tanto na prática quanto no que se refere às normas de segurança de sua
modalidade, não há como obrigá-los, já que isto está assegurado no art. 217 da
Constituição Federal e no art. 16 da Lei nº 9.615, de 1998. Apesar do interesse de
determinadas entidades do esporte de aventura, temos em nosso ordenamento jurídico
que a lei não deve lhes impor competências, pois não são órgãos estatais, mas entes
privados organizados sob o princípio da autonomia de vontade. Se essas entidades
desejam participar do processo de formação dos profissionais que exploram o turismo de
aventura, devem fazê-lo por meio de parcerias, aprovadas em seus estatutos, ou seja, por
meio do exercício da sua autonomia, sem a coerção do Estado. Quanto à emenda nº 3,
ela não resolve a inconstitucionalidade e impropriedade do desrespeito ao princípio da
135

autonomia das entidades desportivas. Diante do exposto, voto pela rejeição do Projeto de
Lei n.º 7.288, de 2010, do Senado Federal, e das emendas apresentadas.

A mesma autonomia administrativa que argumenta contra a legislação turística,


impede a regulamentação como desejariam as entidades esportivas envolvidas neste debate.
Talvez a inflexibilidade do campo esportivo, insistindo em considerar qualquer atividade de
aventura um esporte, tenha dificultado manter na agenda da Comissão de Turismo e Desporto
suas reivindicações e tenha minado a continuidade da CEAV, que não voltou a se reunir.
Rua (1997) chama este tipo de situação de obstrução. Uma paralisia decisória, quando
o uso de recursos de poder para impedir, atrasar ou confundir um processo se dá de maneira tão
custosa, que os agentes, impossibilitados de obter uma solução possível, abandonam, ao menos
temporariamente, a luta em torno de uma determinada demanda.

4.4 A centralidade da natureza junto ao risco e os projetos de lei que garantem acesso a
ambientes naturais
Apesar de rejeitado o PL7288/10, André Ilha, publica em O Globo, em 26 de
Dezembro de 2013, o manifesto “Direito ao risco”, que diz assim:

Não existe aventura com resultados garantidos nem sem alguma dose de risco. Esta
afirmação, consagrada nos verbetes dos melhores dicionários, é também espelhada na
ótima definição oficial para os esportes de aventura dada pelo Ministério do Esporte.
Emoções fortes, até bem fortes, (quase) sem risco e com desfecho assegurado, consegue-
se nos parques de diversões, mas não descendo de caiaque um rio turbulento, pulando de
parapente do topo de uma montanha ou explorando uma caverna submersa. Esta
característica dos esportes de aventura, todavia, nem sempre é bem compreendida pela
maioria da população, que preza, sobretudo, o conforto e a relativa segurança do mundo
moderno. Isso de certa forma se reflete em recorrentes projetos de lei que, apesar de
bem-intencionados, se aprovados descaracterizariam, ou mesmo eliminariam, aquilo que
pretendem regular. Apesar de normalmente voltados para a prática comercial destas
atividades — portanto, tendo como alvo primário o chamado turismo de aventura —, tais
projetos, por redação deficiente, respingam também, e de forma desastrosa, sobre os
praticantes amadores. Tais projetos são estruturados sobre duas linhas bem definidas: a
busca obsessiva por certificações e registros formais, numa lucrativa (para alguém)
cartorialização que nem sempre apresenta alguma utilidade concreta; e restrições
manietantes, inclusive quanto ao livre acesso aos locais de prática destes esportes,
136

muitos deles em parques naturais públicos, que equivaleriam, se aprovados, à sua virtual
eliminação, ainda que não explicitamente declarada. O medo de responsabilização civil e
mesmo penal no caso da ocorrência de um acidente, sempre maior devido ao viés
paternalista da legislação brasileira, potencializa este processo, e hoje o maior risco
enfrentado por um escalador ou b.a.s.e. jumper talvez não seja a sua atividade em si, mas
sim advogados que incitam alguém a mover processos judiciais se um acidente ocorre.
Ou, pior, por praticantes eventuais que, se algo acontece, alegam desconhecer, como se
isso fosse possível, que estas atividades são de fato arriscadas, e buscam dividir uma
responsabilidade que deveria ser só sua com mais alguém, não raro para tentar obter
alguma vantagem financeira. Como montanhista inveterado, e praticante circunstancial
de outros esportes de aventura, pleiteio o direito de atender a esta pulsão ancestral com a
plena consciência dos riscos envolvidos, assumindo integralmente as consequências da
decisão de praticá-los e não esperando jamais, por coerência, que alguém, indivíduo ou
instituição, venha a ser responsabilizado na hipótese de que algo dê errado. Não é
pretensão exagerada, nem descabida, e precisamos caminhar para uma jurisprudência
que assegure este direito (Disponível em:http://oglobo.globo.com/opiniao/o-direito-ao-
risco-11146466#ixzz4207LQnuM, acesso em 4/12/2014).

A preocupação com o risco pode ser pensada segundo Douglas e Wildavsky (1982)
para quem os riscos são um construto coletivo e um diálogo político. Para os autores, ninguém
pode calcular precisamente os riscos totais com os quais se depara em vida. Ninguém consegue
tomar conhecimento de todos os riscos que corremos e, por isso, o que acontece é uma decisão
cultural ou uma seleção em favor do enfrentamento de alguns riscos e ocultação de outros. Riscos
aceitáveis são assim avaliados conforme crenças, valores e julgamentos morais.
Entre os outros tipos de riscos enunciados pelos autores (ambientais, microscópicos,
financeiros, tecnológicos), o objeto desta pesquisa nos dá a pensar a realidade da preocupação
com os riscos ao corpo humano da profundidade, da altura e velocidade dos elementos
naturais/fenômenos climáticos. Mas com uma peculiaridade: na circunstância de sua fruição
lúdica.
Segundo Le Breton (2009) risco, antes entendido como probabilidade de algo
acontecer, foi negativado em sua significação se aproximando muito da ideia de perigo. Para
Rocha (2008), risco seria relacionado com os danos resultantes de decisão e ação próprias do
agente, enquanto perigo seria aquilo que pode provocar danos de modo independente do controle
do agente. Entretanto, o que se vê no discurso dos praticantes autônomos de aventura é uma
137

positivação do risco. É no enfrentamento dele, ou melhor, na sua gestão, que se dá o aprendizado,


o crescimento pessoal, a superação e a valorização da vida. Neste campo político, contudo, estas
elaborações acadêmicas são ignoradas e os termos risco e perigo parecem ser usados como
sinônimos nos PL, embora a maior frequência do termo risco se adeque à ideia de regular a forma
como as pessoas realizam suas práticas e não os fenômenos naturais.
Eu não entendia a atualidade do manifesto de André Ilha “O Direito ao risco”, dada a
rejeição do PL7288/10, até que me lembrei da matéria de Pedro Hauck, anteriormente citada, que
problematizou não só a tramitação do PL7288, mas também leis estaduais e municipais. Ao
retornar à matéria, percebi que ela também deu a conhecer a opinião dos praticantes de
montanhismo sobre outros projetos de lei:

Existem alguns projetos de lei em tramitação que atingem diretamente a prática de


montanhismo. Neste artigo eu irei citar estes projetos, suas propostas e a situação em que
se encontram com o objetivo de informar a comunidade da montanha e conscientizar que
na ausência de interesse, seremos legislados por quem não entende de montanhismo e
quem tem outros interesses que são opostos aos nossos. Às vezes os projetos vêm de
acordo com nossas demandas, porém, o único Projeto de Lei (PL) que estaria de acordo
com nossas necessidades foi arquivado na Câmara. Tratava-se do PL 7014/10, de autoria
de Fernando Gabeira. Esta lei dispunha sobre o acesso à trilhas, montanhas, cavernas e
outros monumentos naturais onde existia uma tradição de visitação, mas que estão
situados no interior de propriedades particulares que atualmente proíbem o acesso. Era
uma lei superimportante que precisava voltar a ser discutida. Inversamente proporcional,
existe a lei 7288/10. Esta lei, que foi criada no Senado por Efraim Moraes (DEM, PB)
evoluiu com os debates e foi aprovada no Senado de maneira bastante favorável aos
Esportes de Aventura, pois criava uma normatização que garantia a estes esportes
autonomia e auto regulamentação. Quando esta lei chegou à Câmera (sic), no entanto,
ela sofreu modificações com as emendas apresentadas pelo deputado Marcelo Teixeira
(PR-CE). De acordo com as emendas, as entidades que administram o deporto (EAD´s)
serão obrigadas a certificar os praticantes de esporte, sejam amadores ou profissionais.
Esta certificação, no entanto, não é válida para as empresas de turismo de aventura, que
por terem leis próprias de autorregulamentação, ficam fora de serem certificadas pelas
EAD´s. Ou seja, de um lado a lei força o praticante amador e profissional a passarem por
um processo burocrático que dá responsabilidade civil às EAD´s (no caso do
montanhismo, a CBME) e por outro garante um supermercado para as empresas de
turismo de aventura, onde a burocracia não existe. É uma lei tendenciosa e perigosa [...]
(Disponível em http://altamontanha.com/Colunas/2938/projetos-de-lei-que-atingem-o-
montanhismo, acesso em 18/06/2014).

Note que esta matéria traz em pauta o PL 7014/10 como contraponto ao 7288/10,
percebido o primeiro como o único que de fato beneficiaria o montanhismo. Este PL “Dispõe
sobre o trânsito por propriedades privadas para o acesso a sítios naturais públicos”. Em sua
argumentação, o deputado opera uma concepção de aventura como propícia a uma educação para
a preservação da natureza que aparece pela primeira vez em PL sobre o tema e está em acordo
138

com a relação esporte/ecologia apontada por Costa (1999) e Marinho (2008), assim como
demonstra sua justificativa:

A prática dessas atividades tem grande valor cultural e esportivo, propicia o


conhecimento dos ambientes naturais e contribui de forma decisiva para o
desenvolvimento sustentável local. As pessoas que praticam esses esportes desenvolvem
uma plena consciência da importância da preservação dos ambientes naturais e, através
das ações das instituições historicamente existentes e organizadas para a promoção
dessas atividades, têm contribuído de forma efetiva para a promoção da conservação da
natureza e do desenvolvimento social e econômico de inúmeras localidades.
Infelizmente, o intenso processo de apropriação privada de áreas naturais, em particular
a constituição de loteamentos e condomínios, vem dificultando e, muitas vezes,
impedindo, de forma crescente, o acesso dos cidadãos às montanhas e a outros sítios
naturais de grande interesse público, o que, não raro, vem gerando conflito entre
proprietários privados e esportistas. É evidente, portanto, que o problema demanda
urgente regulamentação. Com esse propósito estamos propondo o presente projeto, por
meio do qual pretendemos assegurar o livre acesso do cidadão aos sítios naturais
localizados em área pública, quando for necessário transitar por terrenos privados. Pela
proposta apresentada, fica assegurado ao praticante de esportes de natureza e cidadãos
em geral o trânsito pelos caminhos, trilhas, travessias e escaladas já constituídas que
conduzem a esses sítios e, também, por caminhos novos, necessários para dar acesso a
sítios ainda inexplorados. Em uma e outra situação, em havendo conflito entre o
proprietário privado e os interessados em acessar os sítios naturais, o órgão ambiental
municipal ou estadual, conforme o caso, deverá intervir e delimitar as vias de acesso
mais adequadas.

O PL704/10 foi rejeitado sem dificuldade. Entretanto, os montanhistas do Rio de


Janeiro não desistiram de reivindicá-lo junto aos parlamentares do estado. Apesar de não
comentado na mídia especializada, em 5 de Junho de 2012 ele é novamente proposto por Alfredo
Sirkis (PV-RJ) com o título “Dispõe sobre o trânsito por propriedades privadas para o acesso a
sítios naturais públicos”; tendo parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, por sua aprovação, sob numeração PL4.009-a/12 segundo voto do relator, Deputado
Ricardo Tripoli (PSDB-SP):

As atividades em contato com a natureza, tenham ou não um caráter esportivo, são


importantes sob muitos aspectos. Nunca na história humana a conscientização e a
educação ambiental foram tão importantes como nos dias de hoje. A conservação da
natureza é condição fundamental para o desenvolvimento social e econômico sustentável
do País. O Poder Público e, também, em grande medida, a iniciativa privada, respondem
às demandas da sociedade. Uma sociedade consciente da importância da conservação da
natureza é a melhor garantia para um desenvolvimento em bases sustentáveis. O contato
com a natureza, sobretudo quando ocorre por meio de atividades de visitação e
esportivas organizadas, contribui para a formação de milhares de cidadãos conscientes
da importância da conservação. Outro aspecto importante é o fato de que o turismo
ecológico e os esportes de natureza constituem um mercado de grande importância, que
gera emprego e assegura a renda de milhares ou milhões de brasileiros. Muitos
municípios dependem economicamente do turismo ecológico. Além disso, a prática em
139

si da visitação e do esporte em contato com a natureza é extremamente benéfica para a


saúde, física e psíquica, dos seus praticantes, benefício este que não deve ser
negligenciado, inclusive porque também produz resultados positivos do ponto de vista
econômico. É de grande importância, portanto, assegurar as condições necessárias para
que a visitação e os esportes de natureza possam acontecer e crescer no País. E, de fato,
como observa muito bem o ilustre autor da proposição em debate, a ocupação crescente
dos terrenos no entorno de sítios de grande interesse para a visitação e a prática de
esporte de natureza tem gerado dificuldades crescentes para o desenvolvimento dessas
atividades. No nosso entendimento, o proprietário privado não pode impedir que os
cidadãos interessados possam ter acesso aos sítios naturais. Por outro lado, o trânsito
pelas propriedades privadas, por questões de segurança, privacidade ou outras, não pode
ser feito sem nenhum controle, a critério exclusivo dos visitantes. Muito feliz, portanto, a
proposição em questão, na medida em que, se de um lado estabelece o direito de trânsito
pela propriedade privada, de outro estabelece regras para a delimitação e conservação
dos caminhos e para a proteção da propriedade. Diante do exposto, votamos pela
aprovação do Projeto de Lei nº 4.009, de 2012 (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7902B35B0
D5634C7F06CC9F702E6D047.proposicoesWeb1?codteor=1032113&filename=Avulso
+-PL+4009/2012, acesso em 3/3/206).

Costa (1999) já afirmava que o crescimento das práticas esportivas de aventura


amplia a tensão entre esporte espetáculo institucionalizado e as práticas outdoor, fazendo surgir
“na relação ecologia/esporte demandas de diferentes grupos sociais: a dos praticantes, de
políticos, de movimentos preservacionistas e de empresários/organizadores de
passeios/excursões” (p.96). A autora, contudo, prefere priorizar o que eles têm em comum e fazer
generalizações sobre tais práticas, perdendo a dimensão das divergências entre estes agentes do
campo. Depois do voto em favor da aprovação do PL na Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, ele foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e
Cidadania, que também o aprovou:

O projeto encontra-se compreendido na competência privativa da União para legislar


sobre Direito Civil, sendo legítima a iniciativa e adequada a elaboração de lei ordinária
(artigos 22, XI e 61 da Constituição Federal). O pressuposto da juridicidade se acha
igualmente preenchido. A técnica legislativa merece reparo para se adaptar aos
comandos da Lei Complementar nº 95/98, que, editada em respeito ao artigo 59,
parágrafo único, da Carta Magna, dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis. O projeto não se coaduna com a exigência do artigo 7º, da LC nº
95/98, segundo o qual a estruturação da lei compreenderá um artigo 1º que trate do
alcance da alteração normativa pretendida. Quanto ao mérito, o projeto ora em debate
deve prosperar. É inegável o valor da presente reforma legislativa, uma vez que promove
o acesso a sítios naturais públicos. O contato com a natureza, além de fomentar a
conscientização e a educação ambiental das pessoas, é atividade que movimenta um
mercado de grandes proporções. Permitir o livre trânsito, nas propriedades privadas, por
caminhos, trilhas, travessias e escaladas que conduzam a montanhas, paredes rochosas,
praias, rios, cachoeiras, cavernas e outros sítios de grande beleza cênica e interesse para
a visitação pública é medida salutar que realiza concretamente os mandamentos
insculpidos no art. 225 da Carta Maior: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
140

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade


de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações." Portanto, é de grande importância assegurar as
condições necessárias para que a visitação e os esportes de natureza possam acontecer e
crescer no País [...] Acrescente-se ao projeto o seguinte artigo 1º, renumerando-se os
demais: “Art. 1°. Esta lei disciplina o trânsito por propriedades privadas para o acesso a
sítios naturais públicos” (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1115743&file
name=Tramitacao-PL+4009/2012, acesso em 03/03/2016).

Note o leitor que este PL além de não ser discutido na mídia especializada, tramitou
em comissões diferentes dos primeiros PLs analisados nesta pesquisa, fato que precisa ser
esclarecido, já que, apesar de a Comissão de Turismo e Esporte não mais existir, há atualmente
uma comissão de Esporte e outra de Turismo em separado. Outro fato para análise futura é que,
apesar de aprovado nas duas comissões, o PL fora arquivado. Em 14 de Maio de 2015, o
deputado Celso Jacob (PMBD-RJ) propõe-no pela terceira vez, com a numeração 1562/15
adicionando à sua justificação:

Este projeto foi originalmente apresentado pelos Deputados Fernando Gabeira e Alfredo
Sirkis, em legislaturas anteriores, aos quais rendemos nosso respeito e admiração pela
iniciativa e temos a satisfação em atender ao clamor da sociedade e reapresentá-lo [...]
Mencione-se, a título de exemplo, recente relatório sobre o acesso de montanhas em
Petrópolis, elaborado pelo Centro Excursionista Petropolitano, que identificou nada
menos do que vinte três cumes de montanhas cujo acesso vem sendo dificultado ou
impedido em função da constituição de condomínios nos vales do Município. A página
na internet da Federação de Montanhismo do Estado do Rio de Janeiro apresenta uma
lista com mais vinte três sítios com problemas de acesso no Estado do Rio de Janeiro. É
evidente, portanto, que o problema demanda urgente regulamentação. Com esse
propósito estamos propondo o presente projeto, por meio do qual pretendemos assegurar
o livre acesso do cidadão aos sítios naturais localizados em área pública, quando for
necessário transitar por terrenos privados [...] Convém lembrar que há iniciativas
municipais reconhecendo a importância de se regular o acesso a alguns ambientes
naturais específicos, entre os quais podemos citar o Zoneamento do Município da
Estância Balneária de Caraguatatuba e também a Política Urbana do município do Rio
de Janeiro. Em nível Federal merece menção as iniciativas legislativas que proíbem a
construção de loteamentos que impeçam o livre acesso às praias. Diante destas
argumentações, conclamamos os nobres pares a aprovação desta matéria (Disponível
em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C0B8D
F5A3D273FD6DD27DFC3F8460605.proposicoesWeb1?codteor=1338707&filename=
Avulso+-PL+1562/2015, acesso em 04/03/2016).

Em 21 de outubro de 2015, uma complementação do voto do relator e a proposição


de duas emendas somam-se à redação do PL, mas a comissão ainda assim o aprova, conforme
voto do relator:
141

Em meu voto original, coloquei-me pela aprovação do projeto, mas sugeri a inserção de
um dispositivo prevendo que o direito ao livre trânsito não impeça a eventual cobrança
de taxa de manutenção pelo proprietário privado, desde que devidamente justificada por
obras civis e serviços de manutenção do acesso ao sítio de visitação pública. Revisitando
a matéria, notei que outras modificações seriam necessárias para aperfeiçoar o projeto do
ilustre autor: a de que o acesso aos sítios naturais situados dentro de unidades de
conservação, sejam elas federais, estaduais ou municipais, possa ser feito sem
acompanhamento ou a contratação de guias locais, desde que o turista solicite
autorização à administração da unidade, declare possuir a necessária capacidade técnica
para realizar o acesso pretendido, de acordo com o seu nível de risco ou dificuldade,
disponha dos equipamentos e sistema de apoio logístico adequados, respeite o plano de
manejo da unidade, se existente, bem como outras normas regulamentares pertinentes, e
assine Termo de Reconhecimento de Risco, declarando ciência dos possíveis riscos
associados. Além disso, a administração da unidade deve poder exigir o pagamento de
seguro por dano pessoal ou para o resgate do turista em caso de acidente. Desta forma,
sou pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.562, de 2015, com as emendas aditivas anexas
(Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D5771D1D
FA06E4A71215D88808666FEE.proposicoesWeb2?codteor=1402454&filename=Tramit
acao-PL+1562/2015, acesso em 04/03/2016).

O seguro como solução para arcar com custos de resgates e eventuais acidentes
novamente é trazido em pauta. Spink et al (2004) já investigavam como a indústria de seguros
vem respondendo “a essa crescente exposição deliberada ao risco, seja na modalidade dos
seguros de vida personalizados ou em resposta às demandas das operadoras de turismo sob
pressão da atividade fiscalizadora e reguladora do Estado” (p.81). Os autores concluem que:

Na medida em que o risco aventura sai do âmbito das vontades singulares e das relações
interindividuais e se torna uma oferta de mercadoria num mercado crescente, sofisticam-
se as demandas por estratégias de gestão de caráter coletivo. Saímos das relações
interpessoais envolvendo poucos, para o nível das populações. Cria-se, assim, um
cenário de ambivalências entre a positividade dos riscos vistos na esfera das posições de
pessoas disponíveis na modernidade tardia e a responsabilidade estatal por seu controle
(p. 87).

Na lógica dos PLs aqui analisados, os seguros parecem ser o recurso de indenização
privilegiado para evitar sobrecarregar o orçamento do Estado com estes “novos” tipos de
incidentes. Além disto, apesar de a redação do voto ao PL1562/15 trazer novamente o termo
turista, junto de uma reivindicação de montanhistas esportivos independentes, o Deputado Daniel
Vilela (PMDB/GO), relator das emendas n.1 e n.2, propõe acrescentar:

§ 3º O direito ao livre trânsito previsto no caput deste artigo não impede a eventual
cobrança de taxa de manutenção pelo proprietário privado, desde que módica, e
devidamente justificada por obras civis e serviços de manutenção do acesso ao sítio de
visitação pública.” [...] se ao projeto de lei o seguinte art. 5º, renumerando-se o anterior:
142

“Art. 5º O acesso aos sítios naturais situados dentro de unidades de conservação, sejam
elas federais, estaduais ou municipais, pode ser feito sem acompanhamento ou a
contratação de guias locais, desde que o turista:
I – solicite autorização à administração da unidade;
II – declare possuir a necessária capacidade técnica para realizar o acesso pretendido, de
acordo com o seu nível de risco ou dificuldade;
III – disponha dos equipamentos e sistema de apoio logístico adequados;
IV – respeite o plano de manejo da unidade de conservação, se existente, e outras
normas regulamentares pertinentes; e
V – assine Termo de Reconhecimento de Risco, declarando ciência dos possíveis riscos
associados. Parágrafo único. A administração da unidade de conservação pode exigir o
pagamento de seguro por dano pessoal ou para o resgate do turista em caso de acidente”
(Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D3FCF673
7F0F17389FED23509A98AEC1.proposicoesWeb1?codteor=1404390&filename=Avuls
o+-PL+1562/2015, acessado em 04/03/2016).

No dia 23 de Fevereiro de 2016 encerrou-se o prazo para que a Comissão de


Constituição Justiça e Cidadania propusesse emendas a este texto. Embora as emendas tragam de
volta algumas antigas questões de outros PLs, como a do seguro, o estado atual da tramitação do
PL 1562/15 é aguardando parecer. Este projeto, se aprovado, será um grande avanço em termos
de direitos dos esportistas autônomos e de garantia de acesso da população em geral aos
ambientes naturais reivindicados. Me parece fundamental para a compreensão deste objeto,
discutir a concepção de natureza relacionada àquela de espaço público e privado, o que sugiro
como possível tema para outra investigação. Porém, é notório que a natureza é central nestas
práticas de lazer, o que implica uma interface muito íntima com a ecologia, a educação, gestão e
engenharia ambientais. O que está refletido na revisão de literatura, já que nestes últimos anos de
produção acadêmica mais pesquisadores tem atuado nesta interface, tais como Bahia (2005, 2012,
2014) e Bittencourt de Sá (2011, 2015).
Entretanto, isto é tema para outro estudo. Cabe aqui encerrar com uma reflexão crítica
acerca da definição de esporte que os agentes políticos das práticas de aventura colocam em
circulação. No que compete à sua esfera política, segundo Proni (2013), foi com a adoção da
Unesco da Carta Internacional de Educação Física e Esporte, em 1978, enfatizando a importância
do esporte para o desenvolvimento integral do ser humano, que a prática esportiva foi alçada à
condição de direito fundamental de todos e implicou reconhecer que é incumbência do governo
proporcionar a participação esportiva. No Brasil, isto passa a ser previsto pela Constituição
Federal de 1988.
143

Mas, façamos o exercício da crítica de nós mesmos proposto pela antropologia pós
moderna. No discurso das entidades esportivas envolvidas na elaboração de políticas públicas de
aventura, o esporte, como direito, passa a dogma e tudo justifica. Entretanto, esta perspectiva
maniqueísta do esporte voluntário como direito social versus o turismo atividade de mercado
perversa, muito presente nos excertos apresentados, parece esquecer que também tem como parte
de sua reivindicação e luta a manutenção do direito de exploração comercial do campo da
aventura. Ora, o esporte é o que fazemos dele, ele não é naturalmente educacional e não é porque
a relação ensino-aprendizagem é oferecida como serviço que ele deixaria de ser educacional. Por
isso, a definição de esporte não pode ser essencializada. É preciso refletir sobre as diversas
concepções de esporte e fazer uma opção coerente com a atuação pretendida ou elaborar uma
definição pertinente e realizar um esforço constante de fundamentação e manutenção de seus
princípios na prática esportiva.
Em suma, proteger as pessoas é argumento facilmente aceitável na moral ocidental
em geral e na discussão política formal e especificamente no que concerne a práticas esportivas
no Brasil, já que a Constituição Federal determina na lei 9.615 de março de 1998, no Capítulo II,
que um dos princípios fundamentais da prática de desportos no país é a segurança41. O senso
comum confere muito rapidamente certa legitimidade às entidades que se dispõem a fazê-lo.
Contudo, não se dá conta que estas propostas eclipsam a disputa pelo direito de exploração
comercial das atividades de aventura.

4.5 Desdobramentos mais atuais no campo político da aventura


No que se refere ao Ministério do Esporte, apesar de o Programa Segundo Tempo42
(PST) afirmar implementar no PST Navegar as modalidades de remo, vela e canoagem como
opção para atividades no contra turno escolar desde 2003, é em 2014 que as práticas de aventura

41
“XI - da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física,
mental ou sensorial” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm).
42
O Segundo Tempo, lançado em 2003, de acordo com o governo, é destinado a democratizar o acesso à prática e à
cultura do esporte educacional, segundo a Lei n. 9.615/98, aquele praticado nos sistemas de ensino e formas
assistemáticas de educação, evitando a seletividade e a hipercompetitividade, com a finalidade de alcançar o
desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. O público
alvo seriam crianças e adolescentes, prioritariamente em áreas de vulnerabilidade social e regularmente matriculados
na rede pública de ensino. O programa é oferecido por meio do estabelecimento de alianças e parcerias institucionais
com entidade públicas e privadas sem fins lucrativos que tenham, comprovadamente, mais de três anos de atuação na
área de abrangência do programa.
144

são incluídas como conceito na publicação de uma cartilha43 para os educadores (na coleção
Práticas Corporais e a Organização do Conhecimento, junto das lutas e da capoeira). Mas, note o
leitor que os autores do material não estiveram citados nos documentos envolvidos no cenário
político específico da aventura, as implicações legais destas práticas não são trabalhadas e a
Comissão de Esportes de Aventura não é citada.
Tendo como justificativa que a importância do tema transversal educação ambiental e
que as práticas de aventura são na educação física aquelas que mais possibilitam o trabalho de tal
conteúdo, é coerente que os autores da publicação sejam Suraya Darido, especialista em educação
física escolar e currículo, Laércio Franco, experiente e estudioso em atividades de aventura no
contexto escolar e Rodrigo Cavasani especialista e pesquisador na interface da educação física
com a educação ambiental. Entretanto, as referências bibliográficas utilizadas no material são
limitadas e a introdução ao tema traz uma contextualização histórica do surfe e do montanhismo
que é bastante controversa e referencia fontes primárias, não estudos científicos e deixa de levar
em consideração a complexidade e o rico debate que vem sendo estabelecido sobre o tema pela
literatura acadêmica.
No que se refere ao Ministério do Turismo, apesar de a justiça não ter anulado o
programa “Aventura Segura”, com exceção do sistema de certificação, ele foi considerado
terminado. Um motivo possível é a ABETA ter sido acusada de irregularidades no uso do
dinheiro público, situação que enfraqueceu a entidade, embora tenha conseguido assento na
Comissão de Turismo de Aventura da International Standards Organization (ISO).
Entretanto, em 27 de Janeiro de 2015, o Ministério do Turismo reconheceu
oficialmente a função de condutor de turismo de aventura como ocupação44. No mesmo ano, a
ABETA firmou parceria com a Outward Bound Brasil45, como apresentado anteriormente neste
texto, entidade sem fins lucrativos que se dedica à educação experiencial ao ar livre. Ambas
ações podem engatilhar novo ciclo de crescimento e poder de influência futuramente.

43
http://www.esporte.gov.br/arquivos/snelis/segundoTempo/livros/lutasCapoeiraPraticasCorporais.pdf
44
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/turismo/2015/01/condutor-de-turismo-entra-em-classificacao-oficial-de-
ocupacoes, acesso em 29/01/2015.
45
Segundo seu website oficial, a Outward Bound Brasil é uma entidade de educação ao ar livre. Angelika Heuchert e
Márcia Kodama, após contato com o escritório internacional, receberam a tarefa de procurar Ninian Richardson, um
irlandês residente no Brasil que já tinha participado de cursos da Outward Bound no continente africano para criar a
filial no país. O processo de formação foi concluído no ano 2000 quando Isabel Barros, James Lynch, Fabio Raimo,
Tomas Lind e Robert Hewett juntaram-se ao grupo.
145

5. Considerações Finais: Perspectivas para um campo compartilhado


O objetivo geral deste estudo foi analisar a arena política constituída em torno das
atividades de aventura e identificar seus agentes, valores e interesses em disputa na elaboração
das primeiras políticas públicas brasileiras para tais práticas. Os resultados mostraram que os
primeiros projetos de lei elaborados foram iniciativas de parlamentares, sensibilizados por
acidentes fatais em tais práticas, que tinham como intuito a regulação do campo para a garantia
da segurança.
Entretanto, sua redação não foi considerada adequada nem pelos pioneiros nestes
esportes, nem pela ONG criada para proteger os turistas. Após esforços de mobilização de suas
comunidades de prática para comunicarem seu descontentamento aos parlamentares, alguns
destes agentes foram convocados a expor seus pontos de vista em audiências públicas acontecidas
no Senado e na Câmara dos deputados com o intuito de informar a votação dos projetos de lei. Os
principais perfis de contestadores e/ou colaboradores destes projetos de lei, foram, então:
esportistas autônomos e experientes que vivem suas modalidades de aventura como práticas de
liberdade e reivindicam o direito ao risco, representantes de entidades esportivas de aventura e
empreendedores do turismo de aventura. A complexidade deste campo se dá, entretanto, no fato
de que um mesmo agente social pode ter os três perfis simultaneamente. E é por isto que este
estudo conclui que políticas colaborativas seriam mais adequadas a este campo híbrido.
Para fins analíticos e de mediação, entretanto, privilegiei investigar mais a fundo as
ações dos perfis de agentes que se posicionaram isoladamente em relação aos outros e encontrei
que cada conjunto de agentes procurou mobilizar suas comunidades de prática para influenciar a
modificação dos projetos de lei em favor de suas formas de se relacionar com e/ou de operar suas
modalidades, mas principalmente de explorá-las comercialmente, ao oferecer sua expertise
técnica enquanto serviço. Este processo foi concluído com voto em favor da rejeição dos projetos
de lei. Neste ínterim, outras iniciativas se conformavam.
A Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura
(ABETA) foi criada com o intuito de informar o Ministério do Turismo sobre as características
do setor e as necessidades dos empresários. Iniciativa começada com o Instituto de Hospitalidade,
seguido da participação da Associação Férias Vivas. Entretanto, a ABETA se fez influente e
assinou o convênio final com o Sebrae Nacional e Inmetro/ABNT para a elaboração de um
programa nacional chamado Aventura Segura, que criou normas técnicas para a operação de
146

determinadas atividades de aventura enquanto passeios turísticos. Já a Comissão de Esportes de


Aventura (CEAV) foi criada no Ministério do Esporte como uma solicitação das entidades
nacionais de representação do parapente, montanhismo, orientação, pesca desportiva e desporto
subaquático para resistir às ações da ABETA e reivindicar para si o direito de elaborar políticas
públicas, programas nacionais e sistemas de regulação do campo.
As duas entidades perderam força no embate pelo direito de liderar a elaboração de
políticas. A primeira, devido a denúncias de irregularidade no uso do dinheiro público e a
segundo, devido as mudanças estruturais que fizeram seu ministro e secretário incentivadores
deixarem seus cargos e, posteriormente, na reestruturação de todo o Ministério do Esporte para
priorizar o esporte convencional de alto rendimento e espetáculo. Entretanto, os detalhes destes
processos não puderam ser encontrados nos documentos acessados e nas entrevistas conseguidas,
ficando como pendência e sugestão para futuras pesquisas.
Além disto, outro tipo de projeto de lei federal tem sido regularmente proposto com o
intuito de garantir o acesso do público a ambientes naturais de grande importância simbólica e
esportiva que têm sido cercados por condomínios fechados. Embora sua primeira versão tenha
sido facilmente rejeitada, este PL foi proposto ainda mais duas vezes com aperfeiçoamentos em
sua redação e ainda está em trâmite.
Apesar de terem sido os montanhistas que demandaram PL de tal tipo, os projetos de
lei para regulação do campo não tem sido considerados adequados pelos praticantes autônomos,
representantes de entidades esportivas e turísticas e pela mídia especializada. Quase todos
considerados inadequados por serem escritos por não especialistas em ambiente de não
participação popular. Alguns, acusados de promover reservas de mercado e entraves à
participação não consumista nas práticas de aventura. Como alternativa, as entidades turísticas
encontraram a criação de normas técnicas ABNT/INMETRO, já as entidades esportivas
demandam programas de incentivo com manutenção da autonomia administrativa das entidades
nacionais de representação de cada modalidade. Apesar das divergências simbólicas e técnicas na
aventura como turismo e esporte, é inegável que as noções de risco e natureza são as mais
presentes em ambas.
Concluo, portanto, que as principais preocupações em embate na formulação de
políticas públicas para atividades de aventura são, por um lado, o controle do risco e a garantia da
segurança através da regulação do campo, e, por outro, a garantia da liberdade na prática e do
147

acesso a ambientes naturais de geografia adequada a estas modalidades. Entretanto, nestes dez
anos de debate, a disputa pelo direito a exploração comercial das atividades de aventura tomou
maior tempo e espaço que a preocupação com as vítimas e suas famílias e o aspecto ambiental de
tais atividades. Uma longa discussão sobre a definição de aventura exclusivamente como esporte
ou turismo dominou a arena política com o intuito de pretender determinar a que setor
“pertenceria” o trabalho com aventura.
Já que o setor esportivo sofre com a falta de espaço e incentivo por parte de seu
ministério, um trabalho conjunto e colaborativo, construído pelas entidades do turismo e do
esporte e com distribuição de iguais recursos públicos entre elas teria sido menos imobilizante. O
reparte de verba poderia ser interpretado como mais justo e poder-se-ia avançar
cooperativamente.
Contudo, da forma como vem sendo implementada no Brasil, o privilégio do setor
turístico no campo das atividades de aventura prioriza a proteção do empreendedor, ao isentar-se
legalmente das possíveis consequências das atividades que oferece, e do consumidor ou cliente,
ao dedicar-se a manter sua integridade física. Assistematicamente, iniciativas do setor esportivo
tentam evitar que o praticante autônomo seja submetido a protocolos de que não precisa ou com
os quais não concorda tecnicamente e também que possua o direito de explorar a prática
comercialmente. Todavia, dois perfis de agentes do campo são esquecidos nas discussões:
aqueles que se prestaram a trabalhadores da aventura, vide as condições de trabalho precárias das
populações absorvidas na corrida da exploração comercial da aventura turística como os
carregadores Sherpa do Himalaia, de Macchu Picchu ou dos condutores de Brotas; e os leigos, ou
iniciantes, que precisam de mediação pedagógica com a prática.
Do ponto de vista democrático, o papel do Estado deveria ser incentivar iniciativas
relacionadas à segurança e boas práticas para garantir a integridade dos cidadãos e fomentar a
prática de forma a equilibrar o acesso a tais modalidades, com qualidade, a todos os perfis da
população e não apenas relega-las à suposta “auto regulação” do mercado e do consumo. Para
fazê-lo de forma intersetorial e multidisciplinar, como requer um campo híbrido, esta pesquisa
sugere que o conceito de lazer, práticas e/ou atividades de aventura, abrangendo o esporte e o
turismo seriam mais operacionais na mediação dos conflitos. Além disto, o Estado deveria zelar
por versões de atividades de aventura que tragam benefícios educacionais à população para além
dos exclusivamente econômicos.
148

Entretanto, esta sugestão é feita com limites da interpretação dos dados, tais como a
não interação rotineira com os agentes e não observação direta dos processos de elaboração de
políticas públicas sobre atividades de aventura e a baixa adesão dos envolvidos às entrevistas que
poderiam esclarecê-las. Ficam como sugestões para pesquisas futuras, então, buscar este acesso
junto ao projeto de lei que está atualmente em tramitação (o PL 1562/15) e/ou futuros PLs que
venham a surgir. Devido ao teor do PL1562/15, investigar a concepção de natureza relacionada
àquela de espaço público e privado e discutir a questão do acesso e democratização das práticas
de aventura também se faz imprescindível, junto do estudo dos processos de formação e
qualificação dos profissionais de aventura e sua possível relação com o meio acadêmico46.

Posfácio: O caso das políticas públicas para práticas de aventura na Nova


Zelândia como exercício de estranhamento ao caso brasileiro
Contexto sócio-histórico: De Aotearoa à Nova Zelândia
Como são citadas por nossas políticas públicas pioneiras em turismo como referência para
o caso brasileiro, é interessante conhecermos mais a fundo as políticas públicas neozelandeas
para práticas de aventura. Meu trabalho de campo na Nova Zelândia deu-se de 28 de fevereiro à 1
de setembro de 2015. A breve introdução sobre o país que se segue corresponde a uma
compilação de narrativas informais sobre sua história geral assim como observei e registrei em
caderno de campo quando das visitas ao Museu de Auckland, Museu de Wellington, Aldeia
Whakarewarewa, Vila Maori Mitai, Te Puia Instituto de Arte Maori, Parlamento neozelandês e
Otorohanga Kiwi House, além de conversas com as neozelandesas com quem dividi casa e
famílias.
A Nova Zelândia, ou Aotearoa, a terra da grande nuvem branca em maori, seu idioma
nativo, é um país da Oceania, situado no Oceano Pacífico Sul, à sudeste da Austrália. É composto
por duas ilhas, chamadas Norte e Sul e possui, segundo Synergia (2015), baseada no censo de
2013, 4.242.000 habitantes. Embora Wellington seja a capital do país, Auckland é sua maior
cidade com 1.415.50 habitantes. Sua pequena e envelhecida população tem feito o poder público
incentivar a imigração, iniciativa que tem sido correspondida principalmente por asiáticos

46
Como se verá a seguir, assunto caro na Nova Zelândia.
149

(principalmente chineses, indianos e filipinos) e como eles os chamam, islanders, os habitantes


de outras ilhas menores do Pacífico Sul, tais como Samoa, Fiji, Tonga e Vanuatu, além do
próprio Reino Unido, a quem ainda são submetidos politicamente como parlamentarismo ligado a
coroa britânica. Tal fato têm resultado em políticas públicas que incentivam a ideia de uma nação
multicultural. Nas principais estações de transporte de Auckland, por exemplo, há sinalização em
maori, inglês e chinês.
Porém, a matriz maori-pakeha (nativos/brancos do Reino Unido) ainda é predominante e
produz narrativas sobre como o país, formado por ilhas vulcânicas, foi uma das partes mais
jovens do planeta a se formar. Separado da Pangeia, e como ficou desconhecido dos navegadores,
sendo um dos últimos pontos alcançados por populações humanas, conformando flora e fauna
únicas. A princípio recebido por mim como curiosidade, o fato de não haver grandes predadores
mamíferos, nem répteis, nem animais peçonhentos na Nova Zelândia, pode estar relacionado à
disposição pelo “ar livre” neozelandesa. Sua fauna foi composta basicamente por aves, que, sem
predadores, chegaram a perder a capacidade de voar. Uma delas, o pássaro Kiwi, típico e restrito
ao país, é um de seus símbolos, sendo também um apelido dos nascidos em Aotearoa, mas está
ameaçado de extinção pelos pequenos roedores que foram introduzidos acidentalmente pelos
europeus idos nos navios de mamíferos de corte.
Os povos Moriori, em muito menor número, e Maori, considerados nativos, são
reportados como corajosos exploradores do Pacífico Sul que ousaram navegar nesta parte tão
mais fria que suas ilhas de origem e a se instalarem em um ponto tão próximo da Antártida.
Somado a isto, os exploradores europeus que lá chegaram, no princípio caçadores de focas e
baleias, depois famílias, principalmente irlandesas e escocesas, devido à resistência guerreira dos
Maori, estabeleceram um acordo por escrito com os nativos: o tratado de Waitangi, controverso
embora pioneiro47. A Nova Zelândia também foi o primeiro país a liberar o voto feminino, a
ressarcir os nativos pelos saques e invasões que sofreram.

47
Embora aclamado por seus idealizadores como uma “colonização mais humana” por seu caráter de acordo, o texto
em duas versões (inglês e maori), segundo o Museu de Auckland, apresentava problemas de tradução, provavelmente
propositais, que permitiram a submissão dos povos Maori ao garantir aos chefes tribais a continuidade da chefia e a
pertença das suas terras e recursos naturais e a todos os Maori os mesmos direitos que os colonos britânicos, ao
mesmo tempo que também assegurava soberania à coroa Britânica (palavra que na versão maori estava substituída
por proteção). No século XIX, então, a maioria das terras Maori foram tomadas e dominadas e após muita luta e uma
marcha que atravessou o país, em 1975, foi estabelecido o Tribunal de Waitangi. Nele foram ouvidas reivindicações
de iwi (tribos) maoris e, em muitos casos, houve a concessão de indenização. Embora tenham sofrido também muita
violência e ainda sofram segregação, em geral, ocupando os empregos menos remunerados e vivendo nas periferias,
é nítido no dia a dia neozelandês atual que políticas públicas de inclusão dos nativos são muito mais ostensivas que
150

Em específico, nos textos das políticas públicas de esportes, turismo e lazer este
imaginário de povo destemido, expedicionário e vanguardista é reforçado, principalmente pela
primeira conquista do monte Everest pelo kiwi Edmund Hillary junto de Tenzing Norgay do
Nepal, em 29 de maio de 1953.
Sir Edmund Hillary também teria sido pioneiro em expedições nos polos norte e sul,
conquistou quase todos os picos mais importantes dos Southern Alps neozelandeses e deu nome,
mesmo em vida, a inúmeros estabelecimentos e iniciativas relacionadas a motivos
expedicionários. Um deles, e um tipo de estabelecimento muito peculiar, o Outdoor Pursuit
Center (OPC) mais influente do país. Os OPC são um tipo de centro de educação ao ar livre sem
fins lucrativos. Este, criado em 1972 serviu de inspiração para outros.
Muitas escolas fazem parcerias com este OPC para saídas de campo com seus alunos
baseadas em princípios da educação experiencial e educação ao ar livre com pitadas de educação
ambiental. A frequente menção à recreação e educação ao ar livre, embora alguns pensem que
esteja perdendo espaço, ainda é relacionada à identidade nacional neozelandesa e estimulada no
ensino básico. Esta OPC também oferece cursos de formação profissional
Para alimentar este setor, cursos de formação em recreação ao ar livre e liderança ao ar
livre são difundidos por todo o país. Encontrei na revista New Zealand Adventure de junho/julho
de 1999 (n.94), uma reportagem especial sobre formação e treinamento para o trabalho em
recreação ao ar livre. A reportagem é assim apresentada:

Many people dream of working in the outdoors, guiding people up mountains, taking
school kids on wilderness adventures, raft guiding down a river, patching up injuries on
a ski field, But, although a lot of people are passionate about the outdoors, it takes a
special breed of person to successfully make a career in outdoor recreation, education, or
adventure. Together with the Sport, Fitness and Recreation Industry Training
Organization [SFRITO], NZ Adventure takes a look at some people who are working
and training in the outdoors, and provides a guide on training opportunities (p.41).

Diferentemente do Brasil, onde os profissionais da aventura ainda são geralmente


esportistas autônomos experientes, que desenvolveram suas habilidades de maneira autodidata

aqui. Por exemplo, as sinalizações em inglês e maori, cursos sobre a cultura maori nas universidades, nos ambientes
universitários os professores em geral, mesmo os pakeha, costumam abrir suas aulas ou falas com uma pequena
introdução em maori, e quando não proficientes na língua ao menos com a saudação maori Kia Ora, que quer dizer
bem vindo/esteja bem. E os exemplos mais difundidos midiaticamente, a integração de maoris e pakeha na seleção
neozelandesa de rugby com a adoção do haka, sua dança ritual, como preparação para as partidas; e a adoção pelos
pakeha das tatuagens maori, padronagens baseadas nas folhas da “samambaia de prata” (silver fern), planta muito
significativa pois utilizada na orientação na mata e também utilizada como símbolo do país.
151

e/ou em vínculos informais com outros praticantes ou guias de turismo locais formados pelas
empresas nas quais trabalham, e mais recentemente, condutores de turismo, fundamentados pelas
normas técnicas ABNT/ABETA, na Nova Zelândia uma gama de instituições de ensino oferece
estes conhecimentos sistematizados em títulos em recreação e/ou educação e/ou liderança ao ar
livre.
Naquele contexto a palavra líder equivale à ideia de guia e/ou condutor e também coexiste
com a palavra instrutor. A diferença seria que o primeiro está formado em uma abordagem do
turismo, enquanto o segundo da educação. Entretanto, na prática as categorias são embaralhadas,
inclusive na New Zealand Outdoor Instructor Association (NZOIA), criada em 1987, que afirma
em seu website:

We've developed New Zealand outdoor instructing and guiding into a profession with
our commitment to training, standards, currency, and a code of conduct. Assessment,
through formal peer review of our instruction and guiding practices, has improved our
way of working. We're responsible for promoting the highest standards of outdoor
instruction and guiding, and striving to ensure that outdoor activities participants enjoy
quality experiences (Disponível em: http://www.nzoia.org.nz/about/about-nzoia, acesso
em 30 de Julho de 2015).

Da lista de 19 instituições que oferecem formação citadas pela matéria aqui analisada, 2
citaram estar conforme os critérios e avaliações exigidos para se tornar membro da NZOIA. 10
eram escolas politécnicas, 3 institutos de tecnologia, 1 college, 1 universidade, 2 OPCs e 2
associações esportivas. Os cursos tinham duração de 1 a 3 anos, equivalentes a um superior
técnico brasileiro, em acordo com o National Qualifications Framework (NQF) neozelandês: 1
ano equivalente a certificado, 2 anos equivalente a diploma, e 3 anos equivalente a bacharelado
(este último o mais raro de encontrar, embora nos bacharelados em educação física, havia muitas
opções de disciplinas sobre o tema).
Quase todos os cursos combinavam conceitos gerais em lazer e recreação com aqueles do
esporte e/ou turismo (algum separavam em dois cursos diferentes dependendo da ênfase, o
primeiro mais voltado à fisiologia, didática e teoria do treinamento e o segundo à administração e
planejamento). Eram também combinados o treinamento prático multimodalidades (técnicas
verticais, orientação e canoagem, pelo menos) com socorros de urgência, meteorologia e
ecologia/conservação.
152

Embora fosse desta lista aquele que oferecia o maior número de cursos de formação, de
atividades para jovens e o que recebia o maior número de clientes, infelizmente, Sir Edmund
Hillary Outdoor Pursuit Centre, a OPC pioneira e mais reconhecida do país, era a operadora de
uma atividade em Mangatepopo na qual faleceram, devido a uma tromba d´água, seis alunos de
ensino médio e uma professora em 2008. Talvez não por acaso, a entidade tenha mudado de
nome para Hillary Outdoors Education Centre.
Neste sentido, os acadêmicos que se dedicam à educação ao ar livre estão em debate sobre
a necessidade de envolver o risco nestas iniciativas. Westbury (1995) defende que a percepção do
risco, sua avaliação e gestão são habilidades fundamentais para o desenvolvimento integral do ser
humano. O autor advoga em favor do potencial pedagógico das atividades arriscadas tais como:
uma educação para a sobrevivência, a coragem, a persistência, a resiliência, a pró-atividade e a
tomada de decisões em situações de emergência que promoveriam, a confiança, a autoestima e a
capacidade de liderança. Já Cosgriff (2008) e Brown (2009) interpretam tais iniciativas como
resíduos de uma mentalidade colonizadora, acostumada a ver a natureza como lugar para ser
conquistado e possuído, um cenário para magnificar as habilidades humanas, ou mais
recentemente, para nutrir um mercado de entretenimento com o apelo do medo e do arrojo ou um
modismo em formação empresarial, muito em acordo com a crítica de Ehrenberg (2010)
apresentada na revisão de literatura desta tese.
Os textos das políticas públicas analisadas reforçam o senso comum de que a Nova
Zelândia é um país geograficamente adequado, até privilegiado, para tais práticas, não só por não
ter ameaças de animais terrestres48, mas também por seu território ser compacto e ao mesmo
tempo tão diverso. Segundo meu trabalho de campo, há a impressão por grande parte da
população, de que os mais diferentes ambientes naturais (lagos, mar, montanhas, mata,
semiáridos vulcânicos, picos nevados) são acessíveis porque próximos e pela quantidade de
parques nacionais que dispõem de boa sinalização, programa online de previsão do tempo e
atualização de mapeamento e, até mesmo, estrutura de cozinha e/ou cabanas gratuitas para
pernoite.
Adicionalmente, o ethos inovador da Nova Zelândia, alimenta o mercado de novos
equipamentos e atividades configurados como produtos e serviços de lazer, como o primeiro

48
Os tubarões são parte da fauna marinha do país, embora de espécies que raramente atacam, situação bem diferente
da vizinha Austrália.
153

bungee jumping comercial do mundo e, mais recentemente, o Zorb49. Mas isto tudo não foi
suficiente para evitar acidentes fatais em atividades de aventura. Já em 1995, Graham Egarr
(“New Zealand Water Safety Council education officer”) em entrevista à Mark McLauchlan para
a reportagem White Water Death: why is the Shootover New Zealand´s most lethal river? afirma:
“If there’s a way to trim costs to make better profit, then most [operators] will do it” (Revista
North and South, dezembro de 1995).

Tragédias e a revisão das políticas públicas


Todas estas narrativas me fizeram imaginar que encontraria lá um modelo de excelência.
Entretanto, quando cheguei ao país me surpreendi ao saber pela televisão que uma revisão nas
políticas públicas para práticas de aventura havia sido levada a cabo nos últimos cinco anos, meio
a muitas polêmicas, devido a 21 mortes e que seus desdobramentos estavam sendo considerados
insuficientes.
Após me certificar da correspondência de certos termos do português para o inglês, com
duas pequenas diferenças, a presença maior por lá dos termos recreação ao ar livre e setor de
aventura, documentos sobre o caso da Nova Zelândia foram, então, coletados através de pesquisa
online. As buscas foram realizadas utilizando as categorias previamente identificadas no material
brasileiro: aventura e políticas públicas, legislação e aventura, lei e aventura, aventura e
regulação; publicações acompanhadas através da técnica bola de neve.
Os documentos encontrados, apresentados na tabela abaixo, foram analisados da mesma
forma como descrito no capítulo de metodologia, entretanto, com auxílio do software NVivo
(disponibilizado pela Universidade de Waikato) para a contagem dos termos usados com maior
frequência nos documentos, devido a maior quantidade e número de páginas dos documentos
encontrados na Nova Zelândia e ao tempo de pesquisa de campo mais curto. Pelo mesmo motivo,
entrevistas não puderam ser realizadas.

Documentos Autoria Data


Outdoor Recreation Strategy: 2009-2015 Sport and Recreation New Zealand 2009
(SPARC)
Outdoor Activities: Guidelines for Leaders Sport and Recreation New Zealand 2009
(SPARC)
Education outside the classroom guidelines Ministry of Education 2009

49
Bolha plástica dentro da qual se pode rolar por uma ladeira ou andar sobre a água.
154

(EOTC): bringing the curriculum alive

Summary of consultation responses: A Department of Labour 01/2010


contributing paper for the review of risk
management and safety in the adventure and
outdoor commercial sectors in New Zealand
2009/10
Review of risk management and safety in the Department of Labour/ Health and safety 06/2010
adventure and outdoor commercial sectors in
New Zealand 2009/10: FINAL REPORT
Health and safety in employment (Adventure Department of Labour/Health and Safety 03/2012
Activities) regulations 2011: guidance for
operators

Safety audit standard for Adventure Activities: Ministry of Business, Innovation & 03/2013
requirements for a safety audit of operators Employment/ Health and safety
Fact Sheet: Adventure Activities Worksafe New Zealand 07/2014
Adventure Activities Update Worksafe New Zealand 02/2015
Website presentation Supportadventure.co.nz s/d
Website presentation Outdoor Education new Zealand (OENZ) s/d
Constitution ONZ Outdoors New Zealand (ONZ) s/d
Website presentation New Zealand Outdoor Instructors s/d
Association (NZOIA)
Website presentation Education outdoors new Zealand (EONZ) s/d
Website presentation Adventuresmart (outdoor safety code) s/d
Website presentation SkillsActive s/d
EOTC guidelines: bringing the curriculum alive 2009
Sport and Recreation New Zealand´s (SPARC´s) 2009
Strategic plan: 2009-2015
Tabela 6. Documentos analisados sobre o caso da Nova Zelândia

De acordo com estes documentos, embora a recreação ao ar livre seja mencionada em


políticas anteriores publicadas pelo Ministério da Educação (2002) como parte da educação fora
da sala de aula, como no documento Safety and EOTC50: a good practice guide for New Zealand
Schools (desde setembro de 2009 substituído pelo EOTC guidelines: bringing the curriculum
alive); Sport and Recreation New Zealand´s (SPARC´s) Strategic plan: 2009-2015; e Outdoor
Activities: guidelines for Leaders (2005; 2009), em 16 de setembro de 2009, o primeiro ministro
escreveu uma carta para a Ministra do Trabalho solicitando uma revisão interdepartamental sobre
gestão de risco e segurança nos setores ao ar livre e de aventura devido a um “número de
incidentes”. Estes incidentes incluem vinte e uma mortes acidentais registradas entre 1º de julho
de 2004 à 30 de junho de 2009 (o número de mortes foi encontrado no Review of Risk
Management and Safety in the adventure and outdoor comercial sectors in New Zealand,
2009/10, Department of Labour, p.72).

50
Education Outside The Classroom.
155

Investigar e reportar a situação corrente da gestão de risco nos setores ao ar livre e de


aventura e maneiras de melhorá-lo para evitar novos acidentes foram solicitados pela revisão
implementada. O propósito de tal revisão foi identificar quais padrões, códigos, guias de conduta,
procedimentos operacionais locais, regimes de licenciamento, auditoria e monitoria, protocolos
de associações industriais ou entidades representativas e sistemas de relatos de acidentes estavam
disponíveis para determinar se, e de que forma, seria apropriado realizar mudanças em critérios
anteriores para gestão de risco.
Relatos midiáticos tornaram evidente que o primeiro ministro, que também acumulava o
cargo de ministro do turismo, foi pressionado pelos familiares das vítimas para implementar tal
revisão. Especialmente o pai de Emily Jordan, uma mochileira britânica, morta num acidente de
51
riverboarding em Queenstown. Embora outros acidentes tenham acontecido com grupos e
vitimado muitas pessoas de uma só vez (antes da carta do primeiro ministro 6 estudantes e 1
professora faleceram em Mangatepopo, um rio em garganta, em uma atividade ministrada pelo
Sir Edmund Hillary Outdoor Pursuit Centre e depois da carta nove pessoas faleceram em um
acidente com avião de salto duplo de paraquedas e onze pessoas faleceram na queda de um
balão), os documentos oficiais da revisão apenas nomeiam uma vítima: “a trágica morte da jovem
mochileira britânica”. Evidências de porque este foi o único nome de vítima mencionado em
todos os documentos foram encontradas em um programa de televisão sobre o tema “Adventure
Tourism: are we any safer?”52 (programa 3D, com Samanta Hayes, de 7 de Maio de 2014).
A jornalista afirmava que o pai da vítima investiu em transformar a perda de sua filha em
uma missão. Segundo ele, para evitar que outras famílias percam seus filhos em situações banais,
ele se determinou a pressionar o primeiro ministro da Nova Zelândia a regular melhor o setor de
aventura através de frequentes correspondências pessoais e mobilização da mídia internacional.
Outras razões possíveis pelas quais o nome de Emily foi o único mencionado podem ser:
porque este foi o último em uma série de acidentes que aconteceram em um pequeno intervalo de
tempo e criaram comoção pública; porque é menos danoso para a imagem do país enquanto
destino turístico citar apenas o acidente com uma vítima a assumir vários acidentes com múltiplas
vítimas; porque em termos de relações de poder, a repercussão sobre a fatalidade pode ter

51
Descer um rio de corredeira com uma prancha pequena, chamada bodyboard ou prancha de peito, também
chamado de aquaride.
52
Disponível online em: http://www.3news.co.nz/tvshows/3d/adventure-tourism-are-we-any-safer-
2014050717#axzz3jnj6myIU (acesso em25/08/15)
156

resultado em uma ação política relacionada à nacionalidade da vítima, já que a Nova Zelândia
ainda é submissa à coroa britânica e porque turistas do Reino Unido tem grande poder aquisitivo
e são o maior número a visitar a Nova Zelândia, apenas atrás dos australianos (o último dado
encontrado no Stock-take of risk management and safety provisions in the adventure and outdoor
commercial sectors in New Zealand 2009/10, Department of Labour, p.21), sendo um importante
público alvo. É importante lembrar, diante desta reflexão, da crítica à ocultação das identidades
de vítimas de homicídio e acidentes fatais pelo jornalismo, segundo a qual não mencionar nomes
e histórias de vida faz desumanizar o incidente, tornando a notícia menos impactante
emocionalmente.
Sejam quais forem as razões para a ocultação dos outros acidentes nos documentos
oficiais, uma revisão em duas fases foi implementada. A fase 1 (de 21 de setembro a 29 de
janeiro de 2010) correspondeu ao levantamento de conceitos e mapeamento do escopo da revisão
baseados na aplicação de questionários e a fase 2 (de 1 de fevereiro a 31 de maio de 2010) definiu
os problemas do setor e elaborou os relatórios com sugestões de possíveis soluções baseados nos
documentos produzidos por investigadores e juízes sobre os acidentes e em entrevistas em
profundidade com os familiares das vítimas). Para viabilizar tal revisão, foram formados três
grupos multissetoriais e multidisciplinares. O grupo diretor, formado por membros sênior de
diferentes ministérios e secretarias, um grupo de trabalho, composto de maneira semelhante e um
grupo de referência, formado por sessenta e sete membros externos ao governo, representantes de
entidades do setor, empresários, acadêmicos e pessoas reconhecidas como experts técnicos em
recreação ao ar livre e atividades de aventura.
No que se refere à fase dos questionários, em acordo com o Summary of Consultation
Responses (Department of Labour, 2010), uma consulta pública em forma de survey foi
conduzida entre os agentes do campo da recreação ao ar livre e dos esportes e turismo de
aventura. 16 de dezembro de 2009 foi a data limite para a entrega dos questionários respondidos
(que foram formulados em dois tipos: individuais ou institucionais). Cento e quarenta e duas
respostas correspondentes a diversos perfis de respondentes/agentes do campo retornaram:
operadores comerciais, funcionários, associações e organizações. Quarenta e quatro tipos de
atividades comerciais de aventura e trezentas e cinquenta e oito empresas que oferecem esses
serviços foram identificadas como fazendo parte do escopo da revisão. De acordo com os
relatórios produtos da análise deste material, o setor ao ar livre e de aventura foi definido como:
157

“all recreational-type activities offered on a fee for service basis that carry heightened inherent
risks that must be managed” (Review of Risk Management and safety in the adventure and
outdoor commercial sectors in New Zealand 2009/10, Department of Labour, p. 43).
Um dos termos mais encontrados em todos estes documentos como preocupação e
motivação maior para políticas públicas sobre o setor foi risco. Por risco, a revisão entende “risco
de dano grave”, dano grave tendo sido definido pela legislação trabalhista neozelandesa em 1992
(Health and Safety in Employment Act) como “perda permanente de função corporal, ou perda
temporária severa de função corporal”.
Os documentos conclusivos da revisão observaram que não se pode esperar que todos os
acidentes deste setor sejam eliminados, já que o risco é um elemento central que caracteriza estes
tipos de atividades. Ao invés disto, é esperado que todos os esforços práticos sejam feitos para
gerir o risco eficientemente e minimizar as possibilidades de acidentes ou suas consequências.
Além do risco e da segurança, os outros termos de maior incidência nos documentos
governamentais neozelandeses sobre práticas de aventura são: atividades e setor. Este fato,
somado à composição institucionalmente heterogênea dos grupos de trabalho da revisão (seus
membros serem representantes de entidades de campos diversos), levou-me a pensar que as
políticas públicas neozelandesas eram elaboradas desde uma perspectiva intersetorial e/ou
multidisciplinar (evitando definir tais práticas apenas como esportes ou turismo). Entretanto, na
definição do escopo da revisão está muito clara a exclusão de clubes, escolas, entidades
esportivas e atividades não pagas. O que deixa basicamente apenas o turismo como escopo de
tamanha revisão. As conclusões da revisão foram:

- É mais positivo agir na prevenção e não na punição por acidentes depois que o dano é
irreversível;
- Grande variedade de órgãos produzindo protocolos de segurança gera confusão e deixa brechas
para operações abaixo da qualidade esperada;
- O sistema de certificação em turismo Qualmark (o mais popular até então) era insuficiente para
negócios de aventura, já que seu foco era o atendimento ao cliente e não questões técnicas de
segurança;
158

- Seria necessário criar um único sistema obrigatório de registro, audição e certificação para
empresas do setor e disponibilizar educação aos clientes sobre como avaliar os serviços de
aventura;

Como referência operacional sobre a revisão e seus desdobramentos para o empreendedor


ou trabalhador de aventura, foi criado o website SupportAdventure
(http://www.supportadventure.co.nz/), uma parceria da Tourism Industry Association New
Zealand (TIANZ) com a New Zealand Recreation Association (NZRA) financiada pelo governo
federal. O governo estabeleceu 1 de novembro de 2014 como data limite para os operadores se
registrarem na WorkSafe, órgão do Departamento do Trabalho responsável por segurança do
trabalho. Isto implicava que passassem por auditoria e, caso necessário, realizadas as
modificações indicadas, completassem sua certificação com entidade autorizada pela Worksafe,
que deveria ser renovada a cada três anos. As entidades auditoras autorizadas pela WorkSafe
eram: Outdoor New Zealand - ONZ (que chamou sua certificação de Outdoorsmark), Bureau
Veritas53, Quality Solutions International – QSI54 (que chamou sua certificação de
Adventuremark) e TELARC55.
Este modelo de certificação, com mais de uma entidade certificadora disponível, mas
todos alinhados com critérios padronizados pela revisão interdepartamental promovida pelo
governo, pareceu-me, à primeira vista, muito positivo, visto que a empresa a passar pela
certificação poderia escolher quem contratar. Assim, acusações de reserva de mercado e
monopólio, como àquelas endereçadas à ABETA não seriam cabíveis.
Os termos da revisão também pareciam razoáveis nas comunicações oficiais até eu
conhecer as denúncias do programa de televisão 3D, como citado anteriormente: a) que a
companhia de riverboarding envolvida no acidente com Emily Jordan fora fechada, mas que todo

53
No seu website oficial a instituição se apresenta assim: “Created in 1828, Bureau Veritas is a global leader in
Testing, Inspection and Certification (TIC), delivering high quality services to help clients meet the growing
challenges of quality, safety, environmental protection and social responsibility” (Disponível em
http://www.bureauveritas.com.au/home/about-us/, acesso em 5/7/2015).
54
“QSI is an operational risk management company based in Hawke's Bay, New Zealand. We provide safety and
risk management services to a range of clients in New Zealand and internationally, specialising in support to
operations in hazardous environments and high-risk industries” (Disponível em: http://www.qsi-global.com/about,
acesso em 5/7/2015).
55
“Telarc SAI is a Crown Entity Subsidiary owned by the Accreditation Council (75%) and SAI Global Limited,
Sydney, Australia (25%). We are recognised as a Certification /Registration Body by JAS-ANZ (Joint Accreditation
System - Australia and New Zealand). Our vision is to continue to excel as New Zealand’s leading provider of
systems assurance and training services” (Disponível em: http://www.telarc.co.nz/who-are-we/, acesso em 5/7/2015)
159

seu equipamento fora comprado por outra empresa que estava operando exatamente com os
mesmos coletes salva-vidas considerados inadequados pelo pai da vítima e b) que as entidades de
audição, menos a ONZ, deixaram de atuar com a diminuição do suporte do governo, deixando a
última sobrecarregada e incapaz de auditar todas as empresas faltantes dentro do prazo
determinado.
Depois desta reportagem, que entrevistou a presidente da ONZ, a Skills Active Aotearoa
comprou o programa Outdooorsmark, formulado por ela. A Skills Active, era a antiga SFRITO
(Sport, Fitness, and Recreation Industry Training Organization) e justifica que tem uma relação
mais próxima com a New Zealand Qualifications Authority (NZQA) já tendo promovido cursos e
qualificações em aventura antes.
Embora não esteja claro através dos documentos encontrados o que aconteceu com a ONZ
e os outros auditores, o relatório de atualização da WorkSafe New Zealand sobre Atividades de
Aventura em 23 de fevereiro de 2015 afirma que de 352 operadores notificados sobre a
obrigatoriedade da audição, até aquela data, 80%, ou 283, estavam certificados e registrados. O
que significa que o prazo para certificação (que seria novembro de 2014) fora estendido para
alguns operadores que não tinham conseguido agendar sua auditoria. Não está claro nos
documentos se estes operadores foram autorizados a continuar trabalhando sem dispor da
certificação. Mas, em fevereiro de 2016, o registro continha 318 companhias certificadas56.
Apesar de que a revisão e sua ênfase no turismo de aventura tenham ficado muito
conhecidas da sociedade civil através da televisão e seus documentos acessíveis via internet, é
menos frequente observar sendo citados os documentos ou políticas produzidos por outros órgãos
governamentais, como o Department of Conservation, equivalente ao nosso Ministério do Meio
Ambiente, e a SPARC57, que estão disponíveis gratuitamente para consulta da população em
geral.
O primeiro oferece instruções sobre caminhadas ao ar livre e em trilhas, tais como mapas,
clima da região, intensidade, tempo de duração, o que levar, e disponibilidade de trilhas
demarcadas, sinalização e cabanas para pernoite. Além disso, recruta e organiza voluntários para
a manutenção de trilhas e cabanas e de jardins em parques públicos. Também é o órgão

56
http://www.dol.govt.nz/Tools/AAOAudit/Audit/register/%22 acesso em 18/2/2016.
57
É importante ressaltar que a Sport and Recreation New Zealand passou a ser chamada Sports New Zealand desde
2012, fato que será problematizado a seguir.
160

responsável pela licença de pesca e, mais recentemente, tem oferecido bolsas de estudos em
cursos da Outward Bound New Zealand para 7 jovens (de 13 a 18 anos e de 18 a 26 anos), com o
intuito de estimular a educação ao livre para a conservação do meio ambiente.
Já a SPARC produziu o guia Outdoor Activities: guidelines for leaders (SPARC, 2005)
em colaboração com o Ministério da Educação, a ONZ e a EONZ (Education Outdoors New
Zealand). Em 2007, uma revisão em parceria com o Department of Conservation levou à
atualização do guia em 2009.
Outdoor Recreation Strategy: 2009-2015 (SPARC, 2009) define como prioridade da
SPARC (em recreação) a recreação ao ar livre, enfatizando a importância de promover
habilidades, conhecimentos e etiqueta sobre meio ambiente. Segundo o documento, seu objetivo
é encorajar e habilitar mais pessoas a participarem da recreação ao ar livre dando suporte a seus
diversos formatos, formais ou informais. O documento define recreação ao ar livre como:

[...] acontecem no tempo livre das pessoas; têm um componente físico; requerem acesso
a espaços abertos naturais, rurais ou urbanos; não são primariamente focados em
objetivos competitivos; têm uma série de propósitos que são determinados pelas
necessidades dos participantes individualmente. Recreação ao ar livre não inclui:
atividades esportivas; atividades indoor; ou atividades que não têm um componente
físico (p.3).

A definição do que não é recreação ao ar livre deixa a pesquisadora estrangeira em dúvida


sobre a concepção neozelandesa oficial de esporte. O foco na não competitividade da recreação
leva a entender que o esporte seria exclusivamente competitivo, mas outros documentos não o
definem desta forma. Em Future of Sport in New Zealand: a report by Sinergia for Sport New
Zealand (2015) esporte é definido assim:

Sport is used in its broadest sense. Sport includes active recreation, casual pick-up
games, and organized competitions. It includes both community and high performance
sport (p.3).

Entretanto, a introdução deste mesmo documento, diferentemente dos documentos


produzidos pelas vertentes da recreação, enfatiza o esporte enquanto mercado e o praticante
enquanto consumidor:
161

Sport is increasingly being produced and sold as a product and service and consumers
are increasingly demanding offerings which are tailored to their needs. And the world of
high performance is getting more competitive and more expansive each day (p.1).

Este parágrafo é proferido com o intuito de introduzir dados de pesquisa capazes de


alimentar os empreendedores do mercado esportivo e não problematiza a questão do acesso pela
população em termos de direito, apenas de escolha de consumo. Ao contrário, a introdução de
Outdoor Activities: guidelines for leaders (SPARC, 2009) afirma que o material foi feito para
guias, incluindo instrutores voluntários e contratados, aspirantes, professores, líderes de
movimentos juvenis, organizadores de viagens de clubes:

Outdoor activities are an exciting means of providing opportunities for huge learning
and personal growth. These opportunities involve risk, which is an integral and
positive part of outdoor activities. Managing the balance of risk and safety is a
dilemma for those people who govern, manage and instruct outdoor activities. Keeping
up to date with current, accepted practice in managing this balance is a challenge, which
this resource addresses (p. 2).

A introdução afirma que entidades esportivas nacionais também contribuíram para os


critérios de segurança de cada modalidade apresentada no guia. Quando uma atividade não
possuía uma entidade de organização nacional, organizações locais e praticantes experientes,
ofereceram as informações e sempre quando possível experts revisaram os esboços. Desta forma,
este documento pretendeu atender as mais variadas comunidades neozelandesas envolvidas em
práticas ao ar livre. Esta política pública reconhece a complexidade do campo e a fluidez dos
padrões de prática.

These guidelines document current, accepted practice. However, accepted practice


evolves. Accepted practice in the past may not be current, accepted practice, and these
guidelines may not be future, accepted practice. Current, accepted practice in outdoor
activities is often difficult to define. Not only are practices and standards different ways
of conducting activities evolving, practitioners often debate the merits of it is not always
appropriate to take a prescriptive approach to leading outdoor activities. Sometimes,
codes of practice exist with a legislative basis. These codes mandate practices rather than
provide guidelines. Usually, national organisations agree on a range of acceptable
practices to run an activity safely and the guidelines in this resource outline these
practices. Organisations should be able to demonstrate that their activities follow
relevant codes of practice or current, accepted practice. If there are no formal, national
guidelines for specific activities, e.g. canyoning, organisations should establish that their
practices are consistent with those of their professional peers. Some publications use the
term ‘best practice’ to describe current, accepted practice (p.2)
162

Por isto, este é um guia apresentado como um “documento vivo”, qualquer feedback sobre
seu conteúdo é incentivado e recebido por email pela ONZ, que assina a introdução da publicação
com Garth Gulley, gerente de Programação de Segurança da ONZ. O documento também diz que
sua primeira edição foi muito bem recebida pela comunidade “outdoor” e cópias impressas
esgotaram em janeiro de 2009. Com a necessidade de uma nova impressão, a decisão de conduzir
uma revisão foi tomada, graças à Lawrie Stwart e SPARC.
Contudo, apesar de a recreação ao ar livre ser um dos cinco pilares listados pelo plano
estratégico da SPARC: 2009-2015, em fevereiro de 2012, o órgão se torna Sport New Zealand,
suprimindo o termo recreação de sua designação. Tal movimento é ambíguo já que, ao analisar o
website da Sport NZ, é possível encontrar abas sobre recreação, quais são as entidades nacionais
de recreação que recebem verba da Sport NZ e também uma biblioteca com estudos sobre esporte
e recreação, uma ferramenta para que o público possa desenvolver seu próprio estudo de caso
sobre esporte e recreação e um programa permanente de financiamento chamado Hillary
Expeditions, que é assim apresentado:

Previous expeditions have involved teams of trampers, mountaineers, rock climbers,


cross-country skiers, kayakers, mountain bikers, sailors and others. The expeditions are
one way in which we continue Sir Edmund Hillary’s tradition of lofty goals,
determination and skill, and inspiring others in the process. Expedition applications are
assessed under three main criteria. We look at the degree to which an expedition would
be: pioneering, innovative, and/or world first, while being feasible and realistic; well
planned, and; capable of inspiring New Zealanders to make more use of the outdoors.
Please note that we prefer to fund teams rather than individuals
(http://www.sportnz.org.nz/get-into-sport/get-outdoors/hillary-expeditions/ acesso em 20
de agosto de 2015).

Apesar de haver financiado as expedições selecionadas para o período de 2014 a 2016 o


website alertava que o programa Hillary Expeditions passava por uma revisão interna. Mas
dentro desta mesma aba, “get outdoors”, o site também oferecia um link sugerindo: “Take a look
at AdventureSmart. It'll point you in the right direction for being prepared for recreation
adventures in the outdoors, and for the kinds of outdoor recreation experiences possible”, que
encaminha o leitor para o site da AdventureSmart (http://www.adventuresmart.org.nz/), uma
campanha da New Zealand Search and Rescue Council (NZSAR) que tem como bordão: “Know
before you go” e “Tell someone your plans, it can save your life”. Segundo minha interpretação,
esta parece uma iniciativa colaborativa de entidades do setor ao ar livre voltada para o usuário,
participante, não necessariamente visto como cliente, mas sim como expedicionário autônomo,
163

diferentemente da SupportAdventure que é direcionada para o mercado e o empresário. De


acordo com o website:

During 2009, New Zealand’s outdoor sector came together to collaborate on an initiative
aimed at bringing consistency to preventative outdoor safety messaging. This initiative
produced New Zealand’s Outdoor Safety Code, which is formed of 5 simple rules to
help people plan and prepare before engaging in land-based outdoor activities. Since
then, the New Zealand Search and Rescue Council (NZSAR) has collaborated with other
sectors to produce further codes including the Boat Safety Code and Water Safety
Code. It was further recognised that visitors to New Zealand often engaged in a variety
of outdoors activities and that whilst there is excellent safety information available,
it could be time consuming to locate it all quickly. Research also indicated that the
majority of unfortunate incidents in New Zealand are avoidable with good planning,
knowledge and skills. This resulted in the creation of the AdventureSmart website (based
on the Canadian model of the same name) which was designed to provide both visitors
and native New Zealanders with a centralised online location for safety information and
planning support, prior to engaging in outdoors activities in New Zealand. The site links
to existing safety information for land, snow, water, boating and air activities together
under one umbrella with the aim of making it easier for people to plan and prepare their
adventures and ultimately take responsibility for their own safety.
www.adventuresmart.org.nz was initially launched in December 2010 and in
September 2011 v.2.0 was revised to include an increased number of activities, plus
significantly more content and links (http://www.adventuresmart.org.nz/about-us/ acesso
em 10/2/2016).

Além de um formulário Outdoor Intentions a ser preenchido por quem vai se engajar em
qualquer atividade de aventura e entregue a pessoa de confiança, que estará alerta para o
comprimento do plano dentro do prazo e eventual necessidade de resgate, este programa oferece
os códigos de conduta em quinze idiomas além do inglês e maori e também sugere links
específicos e outras fontes de informações sobre as atividades de aventura organizadas em acordo
com o meio em que ocorrem: terra, ar, água, neve e (exceção na classificação) barco. As
instituições envolvidas na elaboração do material síntese ou apoiadoras da AdventureSmart, são
listadas no site:

Accident Compensation Corporation (ACC) Adventure Magazine

Amateur Radio Emergency Communications (AREC) Ambulance New Zealand

Antarctica New Zealand Aries Publishing

Aviation Industry Association (AIA) Civil Aviation Authority (CAA)

Coastguard New Zealand Cycle Tour Operators New Zealand


164

Department of Conservation (DOC) The Drowning Prevention Council

Education Outdoors New Zealand (EONZ) Federation of Commercial Fishermen

Federated Mountain Clubs of New Zealand (FMC) Greater Wellington Regional Council

Girl Guiding New Zealand LandSAR

Learnz Leave No Trace (New Zealand)

Maritime New Zealand Maritime Operations Centre

Ministry of Transport Multisport.net.nz

New Zealand Association for Environmental Education


New Zealand Cycle Trail
(NZAEE)

New Zealand Defence Force New Zealand Fire Service

New Zealand Mountain Safety Council (MSC) New Zealand Police

New Zealand Search & Rescue Secretariat


New Zealand Recreation Association(NZRA)
(NZSAR)

Otago University Outdoors New Zealand (ONZ)

Search and Rescue Institute New Zealand


Rescue Coordination Centre of New Zealand
(SARINZ)

SportSmart Sunday Star Times

Tourism Industry Association New Zealand


Surf Life Saving NZ
(TIANZ)

Walking Access Commission Water Safety New Zealand

WaterSafe Auckland Wilderness Magazine

Tabela 7. Instituições participantes do programa nacional neozelandês AdventureSmart

Entretanto, algumas entidades não diretamente envolvidas na elaboração do código são


citadas com muita frequência como fontes de boas práticas, tais como o Mountain Safety Council
(MSC). Durante o mapeamento destas entidades, além do alto número de instituições envolvidas
neste campo na Nova Zelândia, na complexidade de suas relações foi percebido que alianças e
165

rupturas geraram fusões e desmembramentos, o que levou a inúmeras mudanças de nomes


durante esse processo, dificultando ainda mais esta interpretação.
Em 2015, foi publicado o Sport NZ Group: Strategic Plan 2015-2020, dividido em High
Performance Sport NZ Strategic Plan: 2013-2020 e Community Sport Strategy 2015-2020. No
segundo documento, encontrei a recreação mencionada na definição de esporte comunitário:

We use a wide definition of Community Sport. It includes play (age and stage
appropriate development opportunities for young people), active and outdoor recreation,
and competitive sport taking place through clubs and events (including talent
development). Community sport does not include passive recreation such as gardening
or elite (international) competition (p.3).

Entretanto, ao observar diretamente o evento Connections: critical thinking for leaders in


Sport, organizado pela Sports New Zealand, em Auckland, de 13 a 14 abril de 2015, esteve claro
que o foco do programa do evento e do discurso do Ministro do Esporte, Dr. Jonathan Coleman58,
eram os esportes competitivos e a participação da e/ou organização pela Nova Zelândia em/de
megaeventos esportivos (mais especificamente campeonatos mundiais de rugby, cricket, netball,
o campeonato mundial sub20 de futebol FIFA 2015 e os Jogos Olímpicos. O ministro comparava
o quadro de medalhas neozelandês com o de países semelhantes em número de habitantes, como
a Jamaica). Isso contraria pesquisas desenvolvidas ou encomendadas pelo próprio Sports NZ para
informar a confecção do Plano Estratégico 2015-2020 e cujos dados eram divulgados no evento:
Sport and active recreation in the lives of New Zealand adults 2013/2014: Active New Zealand
Survey Results59 e Future of Sport in New Zealand: a report by Sinergia for Sport New Zealand60.
Os principais achados do Sport and active recreation in the lives of New Zealand adults
2013/2014: Active New Zealand Survey Results foram:
- 74% dos adultos neozelandeses são ativos, uma das taxas mais altas no mundo, mas
mulheres, idosos e asiáticos ainda são os menos ativos;

58
Médico que também acumula a função de Ministro da Saúde.
59
Esta é a terceira vez que a Nova Zelândia desenvolve uma pesquisa nacional deste tipo. Segundo a introdução do
documento, esta pesquisa foi uma colaboração do National Research Bureau (NRB) com Alister Gray (Statistics
Research Associated Limited). O trabalho de campo levou 12 meses para ser concluído e entrevistou 6.000 pessoas
acima de 16 anos.
60
Esta iniciativa teve como objetivo identificar padrões e mudanças através de uma análise das bases de dados
estatísticos, relatórios e censos neozelandeses e sua problematização a partir de comparação com documentos
australianos e ingleses, artigos de jornalismo e blogs, somada a pesquisa bibliográfica acadêmica e 14 entrevistas
com líderes do setor esportivo e mídia digital.
166

- A Nova Zelândia recebe cada vez mais imigrantes e o aumento da diversidade étnica da
população neozelandesa (apenas 37% dos habitantes de Auckland são nascidos na Nova Zelândia
e 213 grupos étnicos foram identificados no país pelas pesquisas com aumento no número de
indivíduos que se identificam como multiétnicos) demanda uma gama mais diversa de opções de
atividades físicas com as quais se identificar;
- As pessoas têm precisado encaixar a prática esportiva em agendas cada vez mais
ocupadas e precisam de uma oportunidade de participação mais individualizada e flexível em
termos de horário e local, por isso, a demanda por esportes institucionalizados e em equipe e a
adesão a clubes têm caído nos últimos seis anos, enquanto a adesão a academias de ginástica e a
práticas alternativas tem aumentado;
- Os estilos de vida sedentários estão aumentando entre os jovens devido à indústria do
entretenimento tecnológico, ligado a equipamentos com tela como videogames, smartphones e
tablets; por isso, nunca foi tão imprescindível oferecer o número adequado de horas-aula na
educação física escolar;
- As práticas com aumento no número de participantes foram: ciclismo, corrida/jogging,
pesca, pilates/yoga, trilhas, ginástica, canoagem/caiaque, caça;
- As práticas com queda no número de participantes foram: caminhada, natação,
musculação, dança, golfe, tênis, futebol, touch rugby, cricket, basquete.
É claro que se pode argumentar que, frente à individualização da prática esportiva e
recreativa, cabe ao poder público e educadores incentivar os esportes em equipe e contra um
adversário, visto que eles promovem aprendizados e valores que também são importantes na vida
social e sua falta pode levar a maior dificuldade no trato coletivo. Entretanto, nada nas pesquisas
aponta para a relação direta destas atividades consideradas mais convencionais com a
necessidade de ter como prioridade o esporte de alto rendimento.
O Future of Sport in New Zealand: a report by Sinergia for Sport New Zealand (2015)
encontrou dados semelhantes com um adicional, a tendência “greening of sport” (“esverdeamento
do esporte”). Entretanto, a publicação ignora os esportes de contato com a natureza como
possível demanda desta tendência e apenas remete a como os consumidores de espetáculos
esportivos convencionais têm se preocupado com o gasto de energia e produção de lixo, por
exemplo. Ou seja, parece haver uma incongruência entre as ações das secretarias que têm a
167

recreação no seu escopo, em direção a uma recreação ao ar livre democrática, com o discurso
mais geral da Sports New Zealand preocupado em agradar o cidadão como consumidor.
Voltando à observação do evento, é preciso considerar que esta edição específica tinha
como tema “Walking in your costumers´s shoes”, ou seja, ele foi realizado com foco nos
empreendedores e consumidores do setor e grandes mercados esportivos e pode-se ponderar que
o esporte competitivo e não o de recreação é aquele que movimenta as maiores cifras, além de o
mercado da aventura ser relativamente novo. Ainda assim, em conversa comigo, a Profa. Dra.
Holly Thorpe da Universidade de Waikato, organizadora das duas primeiras sessões em um
evento deste tipo sobre os, chamados na ocasião, esportes de ação, afirmou que mesmo em outro
tipo de evento, estas práticas seriam exceção no programa. Segundo a professora, estas sessões de
debate foram fruto de muito investimento e trabalho de convencimento de sua parte junto à
Sports New Zealand, pois ela mesma fora uma atleta de snowboard que se ressentia de falta de
suporte.
A atividade proposta pela Dra. Thorpe foi dividida em dois dias. No primeiro dia, atletas
e/ou líderes de projetos sociais com esportes de ação/aventura contavam sobre suas demandas e
dificuldades e eram filmados em uma sala mediados por ela. Em outra sala, empreendedores do
setor esportivo especulavam sobre o que achavam que eram estas demandas e dificuldades
mediados pela Profa. Dra Belinda Wheaton, e também eram filmados. No segundo dia, o material
analisado pelas duas fora apresentado, para os dois grupos e o público em geral, composto de
servidores e gestores além de empreendedores, em clipe de melhores momentos cotejado com
conhecimento acumulado pela produção acadêmica com o intuito de esclarecer a natureza e
realidade dos esportes de ação, como o prefere a Dra. Thorpe, para que sejam mais
adequadamente incluídos na agenda política da Sports New Zealand.
Comparando o debate desta ocasião aos resultados de pesquisas lançados no evento pela
Sport NZ, percebe-se que os últimos manifestam a preocupação da Sport NZ com o aumento do
sedentarismo e uma epidemia de obesidade que crescia no país e sua relação com as mudanças de
gostos e valores acerca de atividade física. As pesquisas teriam sido desenvolvidas para
identificar as novas demandas e tendências a serem incentivadas pela Sport NZ, para que a
adesão a estilos de vida ativos não decrescesse no país. Entretanto, ao passo que os especialistas
ou líderes comunitários de esportes de ação testemunhavam sobre como certos perfis de jovens
não mais se interessam por modalidades convencionais, mas são tocados pelo skate ou o surfe,
168

por exemplo, isto não se encaixava ao outro objetivo declarado da Sport New Zealand: “to be the
world’s most successful sporting nation”.
Segundo o plano estratégico, construir um “sistema esportivo líder mundial” inspiraria a
nação: “We believe that if New Zealanders are to continue to participate and win in sport all
young people must develop the skills and confidence needed for lifelong involvement” (Sport NZ
Group Strategic Plan 2015-2020, 2015, p.5). É curioso encontrar tal afirmação em um material
tão baseado em dados empíricos e pesquisa de campo, já que a crítica a esta crença e ao modelo
piramidal de políticas esportivas é tão conhecido da sociologia do esporte (Bracht, 2011). O que
me leva a pensar que o interesse pelo potencial econômico do esporte espetáculo, em detrimento
do esporte de participação, está sendo mascarado por este discurso da representação nacional
também na Nova Zelândia, apesar de ser inegável seu maior investimento em recreação não
competitiva e ao ar livre.
Apesar de a Nova Zelândia possuir políticas de incentivo à recreação e educação ao ar
livre, em diversos setores do governo, muito mais extensas e difundidas do que no Brasil,
Cosgriff (2008) e Brown (2009) alertam que seu componente educacional ainda é o menos
privilegiado. Segundo os autores, incentivando mais as atividades de aventura em sua versão
turística, por seu potencial lucrativo, o governo acaba encorajando que pessoas despreparadas se
lancem em atividades de risco que reforçam aspectos como individualismo e benefícios ego
centrados ou centrados no mercado, no capitalismo e no modo de vida empresarial, em
detrimento de valores tais como sensibilidade ambiental e intercultural.
Os autores também levam em consideração, como bem demonstrou a tragédia de
Mangatepopo, que a intenção educativa não basta para evitar tragédias quando há exposição a
condições meteorológicas imprevisíveis. Não é porque uma atividade é ministrada por uma
entidade que se situa no campo da educação, ou do esporte, no caso do Brasil, e não do turismo,
que seus serviços serão necessariamente de melhor qualidade e mais seguros. É preciso debate
acumulado e fundamentação em gestão de risco para que a segurança se dê.
Concluo, então, que, visto que o apelo, os motivos e valores da aventura têm interessado
crescentemente à população, é imprescindível também fomentar um sistema de debates sobre
segurança e boas práticas para esporte, recreação e educação em aventura. E isto passa pela
formação profissional, aspecto que tem sido negligenciado no Brasil.
169

Considerações finais sobre o Brasil e a Nova Zelândia


Os temas mais frequentes sobre os quais versam as políticas públicas para atividades de
aventura na Nova Zelândia encontrados nos documentos oficiais são consistentes com aqueles
encontrados no caso brasileiro. São eles:

- evitar acidentes fatais e graves à medida que a popularidade destas práticas aumenta;
- consequentemente, definir quem tem o direito e como deve explorar comercialmente tais
práticas garantindo segurança e a qualidade de serviços de aventura;
- para dar vazão ao aumento do número de praticantes e democratizar o acesso a tais
práticas é preciso criar parques públicos nos quais o lazer e a recreação ao ar livre estejam
previstos.

Como os dois primeiros temas foram, de longe, os mais debatidos e polêmicos nos
últimos anos, procurei identificar suas especificidades e desdobramentos:

- centralidade da definição de risco e como lidar com ele ou como implementar uma
“cultura de segurança”;
- estabelecer critérios para a formação, qualificação e avaliação dos profissionais;
- a importância de um sistema de auditoria/certificação para operadores;
- educação dos clientes para que tenham informações sobre como escolher e/ou avaliar um
serviço e como se ajudarem em uma situação de emergência;
- ter estratégias e treinamento em resgate e definir e manter atualizado quem deve ser
responsável por isso;
- um sistema honesto de registro de acidentes, acessível a todo o campo para que haja
aprendizado com cada incidente e seja possível evitar qualquer outro semelhante.

Embora no Brasil o discurso oficial seja ainda orgulhoso de seus recursos naturais únicos
(principalmente a Floresta Amazônica e Atlântica), atrativos de que lança mão para atrair o
turista internacional, parece-me que não há um debate tão sistematizado sobre educação e
recreação ao ar livre como na Nova Zelândia. Isto se reflete no número de associações e
organizações voltados a estes tipos de práticas e que são mencionados, quando não chamados a
170

participar ativamente, na elaboração de políticas públicas. Enquanto no caso neozelandês são


entidades de recreação e educação que disputam com o turismo os termos e dinheiro público, no
Brasil são entidades nacionais de administração de modalidades esportivas, e a definição oficial
de esporte é central nesta disputa. Outra diferença marcante é que, enquanto na Nova Zelândia
toda a revisão das políticas públicas para turismo de aventura se dá via órgão governamental de
segurança do trabalho, no Brasil, as relações trabalhistas são frágeis e a segurança do trabalhador
de aventura não aparece como preocupação central, mas sim a segurança financeira do
empreendedor e a segurança física do cliente.
Apesar destas diferenças institucionais entre os dois países é certo que a maior
preocupação das políticas públicas tanto no Brasil, quanto na Nova Zelândia é a gestão de risco
nas atividades de aventura, e a atuação voluntária de associações de montanhismo foi muito
importante nos dois países, assim como vem sendo a influência da Outward Bound. Porém,
enquanto no Brasil a gestão do risco é relegada ao mercado, na Nova Zelândia já se percebeu que
isto não é o suficiente. Nos dois países nota-se que, enquanto os órgãos federais do turismo
investem consistentemente no setor por identificarem seu potencial econômico, os órgãos
federais esportivos ainda têm iniciativas restritas enquanto a recreação e o lazer e perdem espaço
de representação frente à prioridade dada aos esportes convencionais de alto rendimento.
171

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


“Políticas Públicas para o lazer na natureza: entre o fomento e o controle do risco”
Responsável(is): Marília Martins Bandeira e Silvia Cristina Franco Amaral
Número do CAAE: 26135414.9.0000.5404
Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento, chamado
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos e deveres como participante.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora. Se preferir,
pode levar para casa ou trabalho e consultar seus familiares, colegas ou outras pessoas antes de decidir
participar. Se você não quiser participar ou retirar sua autorização durante a entrevista, não haverá nenhum
tipo de penalização ou prejuízo.

Justificativa e objetivos:
O objetivo desta pesquisa é investigar como são promovidas e reguladas pelo governo atividades
de lazer na natureza, em especial, práticas que têm sido chamadas oficialmente em nosso país de aventura.
Esta pesquisa justifica-se devido ao crescimento do número de adeptos destes tipos de atividades e ao
possível aumento da frequência de acidentes devido a peculiaridade da interação com fenômenos naturais.
Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidado a conversar. Esta conversa será registrada em
áudio por gravador ou por escrito, digitalmente, e estruturada em formato de perguntas e respostas. As
perguntas estarão organizadas em um pré-roteiro de dez questões. Mas a entrevista será aberta, ou seja,
não corresponde a um roteiro rígido. Este pré-roteiro, apresentado em anexo, pode, portanto, ser
complementado com indagações espontâneas, na intenção de obter detalhamento, quando necessário, e se
autorizado por você. Por isso, não há duração precisa para cada entrevista. Se realizada pessoalmente,
estima-se em no mínimo uma hora. Você escolherá o dia, horário e local da entrevista, portanto, como a
pesquisadora se deslocará até você, a pesquisa não arcará com o seu deslocamento. Se realizada pela
internet, pode ser arranjada como você preferir: via bate-papo, chamadas online com ou sem vídeo ou
email, ou sua combinação para conciliar limitações de horário.

Desconfortos e riscos:
O desconforto envolvido nesse procedimento são perguntas que, ao fazerem lembrar possíveis
desentendimentos, conflitos trabalhistas e/ou processos jurídicos, possam provocar sentimentos ruins
(como constrangimento, medo, tristeza, arrependimento ou raiva). Caso avalie que estes questionamentos
são perturbadores, você pode não aceitar participar da pesquisa.
O risco envolvido nesse procedimento é que suas respostas tragam consequências negativas para
sua atuação profissional e prosseguimento de carreira.
Para minimizar os possíveis desconforto e risco, você pode solicitar não responder todas as
perguntas. Podendo excluir aquelas que perturbem ou comprometam e/ou se retirar da pesquisa como um
todo em qualquer momento da entrevista. Além disso, se você sente que é importante e quer participar,
mas teme consequências, sua participação poderá ser anônima, ou seja, não identificaremos quem
respondeu tais perguntas. Solicite marcando um “X” no final desse documento e seu nome e imagem não
serão expostos. Os trechos da entrevista que venham a ilustrar o texto final da pesquisa serão identificados
com combinações aleatórias de letras e números.

Benefícios:
O beneficio desta pesquisa não será direto a você, voluntário, mas à população em geral, na
medida em que pretende contribuir para o debate sobre a elaboração de um sistema nacional para a
regulação da qualidade dos serviços de aventura oferecidos comercialmente.

Acompanhamento e assistência:
172

O voluntário poderá se retirar da pesquisa a qualquer tempo, basta solicitar a pesquisadora através
dos contatos oferecidos neste TCLE. Caso isso aconteça, a entrevista concedida por você não será
incorporada ao texto final.

Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será
dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse
estudo, seu nome somente será citado se constar em documentos públicos.

Ressarcimento:
Não haverá ressarcimento de despesas (por exemplo, transporte, alimentação, diárias etc.),
referentes à concessão da entrevista. Por isso, recomenda-se ao entrevistado escolher local que faça parte
de sua rotina e não altere seus gastos no dia da entrevista.

Contato: Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com

Profa. Ma. Marília Martins Bandeira, fone: (11) 98420 – 4994; e-mail:
mariliamartinsbandeira@gmail.com e/ou Profa. Dra. Silvia Cristina Franco Amaral, fone: (19) 3521 –
6635; e-mail: scfa@fef.unicamp.br, Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de
Campinas, Av. Érico Veríssimo, 701 - Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo. CEP 13083-
851, Campinas/SP, Brasil.

Em caso de denúncias ou reclamações sobre este estudo, você pode entrar em contato com a
secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp (CEP): Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126;
CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; e-mail: cep@fcm.unicamp.br.

Consentimento livre e esclarecido:


Após ter sido esclarecido sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos,
potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:

Nome do(a) participante: ________________________________________________________

( ) Preciso de anonimato ( ) Não preciso de anonimato

_______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do participante ou nome e assinatura do responsável)

Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro,
também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi
aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os
dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o
consentimento dado pelo participante.

______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do pesquisador)
173

Pré-roteiro de entrevista

Idade:

Etnia:

Profissão:

Escolaridade:

Afiliação Institucional:

1) Para você, o que é aventura? Qual a relação destas práticas com o risco?

2) As práticas de aventura precisam ser reguladas? Por quê? Como deve ser sua regulação?

3) Na sua opinião, qual o papel do Estado/governo nesse processo?

4) Você ou a instituição que representa participou nos debates e/ou ações para a regulação destas práticas?
Como?

5) Há diferença entre regulação, regulamentação, normalização e normatização? Qual?

6) Quem foram os principais envolvidos nesses processos? Quais seus pontos de


vista/preocupações/interesses?

7) Você conhece a Comissão de Esportes de Aventura? O que pensa dela? Sabe o que aconteceu com ela?

8) Você conhece os projetos de lei que tramitaram sobre o tema? O que pensa deles? Sabe o que motivou
deputados e senadores a os proporem?

9) A organização da Copa do Mundo Fifa de Futebol em 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil
trouxe consequências para as práticas de aventura? Quais?

10) Quais são as ações mais atuais e desdobramentos futuros nesse debate?
174

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SIBAHI, Pedro. Abeta diz que não tem nada a ver com leis estaduais de regulamentação das
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http://webventureuol.uol.com.br/h/noticias/abeta-diz-que-nao-tem-nada-a-ver-com-as-novas-leis-
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SIBAHI, Pedro. Depois de Paraná, Minas e Ceará, Rio também pode ter lei que regulamenta
as atividades de aventura. 2/2/2012 (Disponível em
http://www.webventure.com.br/h/noticias/depois-de-parana-minas-e-ceara-rio-tambem-pode-ter-
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VAGELER, Carlos. A questão das agências de turismo de aventura promoverem esportes de


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