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CAMPINAS
2016
MARÍLIA MARTINS BANDEIRA
CAMPINAS
2016
Ficha catalográfica no verso
Folha de aprovação
Comissão examinadora
Orientadora:
Profa. Dra. Sílvia Cristina Franco Amaral
Titulares:
Prof. Dr. Jocimar Daólio
Prof. Dr. Giuliano Pimentel
Profa. Dra. Olivia Cristina Ferreira Ribeiro
Prof. Dr. Ricardo Uvinha
Suplentes:
Prof. Dr. Edivaldo Góes
Prof. Dr. Cléber Dias
Prof. Dr. Martin Curi
A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida
acadêmica do aluno.
Para meus pais, Valter e Fátima,
por toda privação,
para que eu pudesse ter escolha.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profa. Dra. Sílvia Cristina Franco Amaral, por ter aceitado orientar
alguém que não conhecia, com um objeto de estudo menos familiar e um método de pesquisa
diferente do seu. Agradeço a oportunidade e confiança, em um momento em que a corrida da
produtividade acadêmica tem imposto o fechamento dos círculos de orientação e o replicar dos
processos de pesquisa em nome de maiores chances de publicação. Agradeço também por liderar
um grupo de estudos extremamente receptivo e incentivar o ambiente de colaboração mútua
entre seus orientandos. Este texto se beneficiou imensamente das leituras teóricas
compartilhadas, dos debates e dos comentários dos colegas que leram suas partes. Entre eles,
agradeço a Dirceu Silva, por me mostrar o caminho das pedras da FEF, pelos forrós e
gargalhadas na “gelasqueira”; a Alexandre Bastos pela cumplicidade, namorado e delícias
paraenses; a Olivia Ferreira Ribeiro pelas piadas, pouso e tapioca; a Regiane Galante pela
parceria, pró atividade e generosa organização de tudo; a Bruno Modesto pelos socorros, aulas
de marxismo e as nuvens; a Flávio Benini Filho pela atenção, calma e doçura; a Rafaela Peres
pela companhia e revisão do espanhol para o encontro da ALAS; a Viviane Paes pela irmandade
e alegria, e a Priscila Campos pelas trocas e o cachorro quente. Agradeço também o carinho e
presença Juliana Saneto, e simpatia e disposição de Ana Beatriz Porelli, imprescindíveis para
atravessar os momentos de dificuldade emocional que um doutorado conforma.
À Profa. Dra. Heloisa Reis pela generosidade em ter assumido o trâmite burocrático de
minha pesquisa quando do pós-doutorado no exterior da minha orientadora e por me receber em
sua disciplina e incentivar minha participação nos debates. Ao Prof. Dr. Jocimar Daólio que me
recebeu como estagiária docente voluntária em sua disciplina, mesmo quando não precisava de
uma e quando os prazos do processo de inscrição não permitiram tornar esta atividade oficial,
apenas para que eu tivesse o privilégio de acompanha-lo em atuação, e pelo seu trato sempre tão
amigável e encorajador.
À Simone Malfatti Ganade Ide, pelo secretariado eficiente e solidário, por entender a
importância que têm para nós os processos de tramitação das bolsas e cuidar de maneira
extremamente competente dos detalhes burocráticos de todo este processo de pesquisa, sempre
pronta a tirar nossas dúvidas e ajudar. À Andreia Manzato, também sempre pronta a contribuir
com a boa apresentação de nossos trabalhos, por oferecer voluntariamente revisão das normas
APA e ABNT nas minhas publicações.
À Profa. Dra. Belinda Wheaton, que, também sem me conhecer, recebeu-me de braços
abertos, facilitou tanto quanto pode os trâmites e foi sempre presente em orientar e auxiliar-me a
aproveitar ao máximo a oportunidade do estágio docente na Universidade de Waikato. À Profa.
Dra. Rebecca Olive, Profa. Dra. Holly Thorpe, Profa. Dra. Marg Cosgriff e Profa. Dra. Karen
Barbour por sua disponibilidade em discutir meus problemas metodológicos e todo o incentivo.
E à Heather Morell pela paixão pela biblioteca e por seu interesse pela pesquisa de cada aluno,
que fizeram toda a diferença em como me relacionei com as referências lá disponíveis.
Aos voluntários inomináveis que aceitaram participar da pesquisa por disponibilizarem
seu tempo e contribuir com esta reflexão, mesmo cientes do risco de se exporem em seus campos
de atuação. Aos meus pais, Valter e Fátima, irmã, Mariana, e namorado, Juliano Groppo, que
nunca me cobraram nada diferente do que pude oferecer tendo escolhido a carreira acadêmica,
sempre prontos a auxiliar neste processo, mesmo sofrendo as consequências de minha ausência,
cansaço, nervosismo e atrapalhação. Gratidão!
RESUMO
Práticas recreativas e eventos esportivos de aventura, relacionados à exposição ao meio ambiente
natural e enfrentamento de riscos, obtiveram grande aumento no número de adeptos na virada do
milênio, o que criou novas demandas ao poder público. No Brasil, a proposição de leis
regulamentadoras e a parceria do Ministério do Turismo com a Associação de Empresas de
Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA) para a implementação de um programa nacional
chamado Aventura Segura levou à contestação de entidades esportivas que solicitaram ao
Ministério do Esporte a criação de uma Comissão de Esportes de Aventura (CEAV). Este estudo
teve, portanto, como objetivo geral investigar quais são os agentes, as preocupações e interesses
em embate na constituição de políticas públicas para atividades de aventura. Para atingi-lo, a
triangulação das técnicas de análise documental, entrevistas abertas e observação direta foi
utilizada. Foram investigados documentos governamentais, publicações oficiais e reações a eles
na mídia especializada digital, testemunhos de envolvidos e registros em caderno de campo
sobre dois eventos. A análise dos dados foi descritiva, dialética, interpretativa, dialógica e crítica,
confrontando as decisões oficiais com reações das comunidades de prática, não apenas a partir de
suas convergências e homogeneidades, mas também das divergências e mudanças que
conformam este fenômeno social. Os resultados encontrados no Brasil sinalizam que a
motivação dos parlamentares que propuseram leis para a regulamentação do campo dos esportes
e turismo de aventura foi garantir a segurança nos serviços de aventura, pressionados por
familiares de vítimas de acidentes fatais. Este processo instaurou uma disputa entre entidades do
esporte e do turismo pelo direito de regulamentar e explorar comercialmente o campo. Conflito
que tomou mais espaço na agenda política do que a questão dos acidentes, enquanto as práticas
de lazer perdiam espaço no Ministério do Esporte, que priorizou esportes convencionais de alto
rendimento ao sediar a Copa FIFA e os Jogos Olímpicos. Na Nova Zelândia, caso investigado
em estágio de pesquisa no exterior, observou-se que acidentes fatais também deflagraram
políticas públicas. Mas, são entidades de recreação e educação ao ar livre que disputam com
empresas turísticas os termos e verba para a regulamentação do campo. Seu órgão federal de
administração esportiva, Sport New Zealand, também prioriza o esporte convencional de alto
rendimento, embora disponha de políticas de fomento à recreação ao ar livre mais expressivas e
intersetoriais. Conclui-se que, no Brasil, as políticas de fomento às práticas de aventura são
majoritariamente voltadas ao setor turístico e seu potencial econômico enquanto nicho de
mercado. O incentivo à dimensão recreativa e esportiva do fenômeno é escasso e a intenção de
democratizar o acesso e potencializar suas características educativas é restrita.
Palavras chave: lazer, políticas públicas, práticas de aventura
ABSTRACT
Adventure recreational practices and sporting events, related to exposure to natural environments
and facing of risks, have achieved great increase in the number of participants in the millennium
turn, what created new demands to public power. In Brazil, the proposition of regulatory laws
and the partnership of the Ministry of Tourism with the Association of Ecotourism and
Adventure Tourism Companies (ABETA) for the implementation of a national program called
Aventura Segura (Safe Adventure) led to sport organizations requesting the creation of an
Adventure Sports Commission (CEAV) inside the Ministry of Sport. This study, therefore, aimed
to investigate what are the concerns and interests in conflict within the elaboration of public
policies for adventure activities. To achieve it, the triangulation of the techniques of documentary
analysis, open interviews and direct observation was used. Government documents, official
publications and reactions to them in digital specialized media, involved social agents’
testimonies and records on two events in field diary were analyzed. Data analysis was
descriptive, interpretive, critical, and dialectic, confronting official decisions with communities of
practice reactions, not only their convergences and homogeneities, but the differences and
changes that make this social phenomenon. The results show that, in Brazil, the motivation of
parliamentarians proposing laws for the regulation of the field of sports and adventure tourism
was to ensure safety in adventure services, pressured by the relatives of victims of fatal accidents.
This process brought a dispute between sport and tourism entities regarding the right to regulate
and commercially exploit the field. Conflict that took more space on the political agenda than the
accidents question, while leisure practices lost space in the Ministry of Sport, which prioritized
conventional high performance sports, as hosting the FIFA World Cup and the Olympic Games.
In New Zealand, case investigated in overseas research internship, fatal accidents also triggered
public policies. Although, recreation and outdoor education entities are the ones that dispute with
tourism companies the terms and funds for the regulation of the field. Their federal agency of
sports administration, Sport New Zealand, also prioritizes conventional high performance sport,
although it has more expressive and cross-sectoral policies on outdoor recreation. We conclude
that, in Brazil, promoting policies on adventure practices are mainly focused on the tourism
sector and its economic potential as a niche market. Encouraging recreational and sporting
dimension of the phenomenon is scarce and the intention to democratize access and enhance its
educational features is restricted.
Key words: leisure, public policies, adventure practices
SUMÁRIO
1. Introdução ....................................................................................................................... 10
1.1 Trajetória acadêmica e conformação deste estudo .......................................................... 10
1.2 Identificação do problema de pesquisa ............................................................................. 15
1.3 Objetivos e justificativa ....................................................................................................... 16
2. Aventura enquanto objeto de estudo e de política: uma revisão crítica .................... 17
2.1 Caracterização e problematização do objeto .................................................................... 18
2.2 Práticas características de uma época ................................................................................ 22
2.3 Debate terminológico e a centralidade do risco ............................................................... 32
2.4 Consolidação do termo aventura ........................................................................................ 46
2.5 Dimensões políticas da aventura ........................................................................................ 51
3. Quando o trabalho de campo não sai como o esperado: metodologia ....................... 56
3.1 Pressupostos para o trabalho de campo ............................................................................. 57
3.2 Quando o campo diz não à etnografia clássica ............................................................... 61
3.3 Pesquisa social na era digital ............................................................................................. 66
3.4 Documentos e análise de dados .......................................................................................... 77
3.5 Aspectos Éticos .................................................................................................................... 82
4. O campo político da aventura no Brasil ....................................................................... 83
4.1 Primeiros projetos de lei para controle do risco e a Associação Férias Vivas ............ 86
4.2 A ABETA, o CONFEF e o PLS 403/05 ........................................................................... 98
4.3 A CEAV, as audiências públicas e o PL 7288/10.......................................................... 112
4.4 A centralidade da natureza junto ao risco e os projetos de lei que garantem
acesso a ambientes naturais ..................................................................................................... 135
4.5 Desdobramentos mais atuais no campo político da aventura ....................................... 143
5. Considerações Finais: Perspectivas para um campo compartilhado ...................... 145
Posfácio: O caso das políticas públicas para práticas de aventura na Nova Zelândia como
exercício de estranhamento ao caso brasileiro ............................................................... 148
Contexto sócio-histórico: De Aotearoa à Nova Zelândia .................................................... 148
Tragédias e a revisão das políticas públicas .......................................................................... 153
Considerações finais sobre o Brasil e a Nova Zelândia....................................................... 169
Referências ........................................................................................................................ 174
Lista de Fontes .................................................................................................................. 188
10
1. Introdução
Esta tese é composta por cinco capítulos. Nesta introdução, apresento o percurso
conceitual e metodológico que culminou neste trabalho de doutorado de forma biográfica,
demonstrando como surgiu o problema de pesquisa em trabalho de campo prévio e como seu
desdobramento levou à construção dos seus objetivos. O segundo capítulo “Aventura enquanto
objeto de pesquisa e de política: uma revisão crítica” reconstrói cronologicamente o debate
acadêmico sobre o objeto específico desta pesquisa e a situa na discussão terminológica existente
detalhando quais pressupostos teórico-metodológicos foram adotados e por quê. O capítulo três,
“Quando o trabalho de campo não sai como o esperado: metodologia”, remonta os passos do
trabalho de campo empreendido relacionando as principais circunstâncias que se conformaram à
busca de bibliografia para fundamentar as ações de pesquisa em sua resposta e à consequente
reflexão sobre os limites da etnografia. O quarto capítulo, “O campo político da aventura no
Brasil”, apresenta resultados e discussão situando as atividades de aventura no país enquanto
campo político, apontando seus agentes (individuais e institucionais), suas principais ações
formais e seus interesses em disputa e analisa os conteúdos dos projetos de lei e programas
nacionais criados sobre/para práticas de aventura, além do peculiar conflito judicial travado entre
entidades esportivas e turísticas pelo direito à exploração comercial e regulação do campo. O
quinto capítulo, “Considerações Finais: Perspectivas de um campo compartilhado”, retoma os
principais achados, principalmente no que diz respeito às preocupações das políticas públicas e
sugere o que podemos aprender para melhores intervenções políticas, além de apontar as
limitações desta pesquisa e sugestões para pesquisas futuras. O posfácio, “O caso das políticas
públicas para práticas de aventura na Nova Zelândia como exercício de estranhamento ao caso
brasileiro”, faz movimento descritivo-analítico semelhante, apontando agentes, ações e interesses,
mas problematizando em especial o fato de que a política neozelandesa, foi considerada
inadequada e reformulada em 2009 após inúmeras tragédias. Ele complementa esta tese com uma
ponderação sobre divergências e semelhanças com o caso brasileiro.
Comecei meu percurso acadêmico com uma iniciação científica1 e uma monografia2 de
conclusão do bacharelado em Educação Física3 que tinham como objeto práticas alternativas aos
esportes convencionais. Meu pressuposto inicial e esperança pedagógica eram que, apesar do uso
do termo esporte, tais práticas se apropriavam e eram apropriadas de/por movimentos sociais que
procuravam romper com padrões de dominação e valores negativos reproduzidos por esportes
convencionais.
Sua popularização na virada do milênio me parecia indicativo de mudanças de
sensibilidades e mentalidades, em específico, da busca pela superação de entraves identificados
no esporte de inspiração aristocrática, androcêntrica, eurocêntrica, capitalista, institucional,
burocrática e olímpica. Minha curiosidade sobre como se constituíam e viabilizavam práticas de
lazer que me pareciam e se divulgavam deliberadamente como mais espontâneas e/ou informais -
no sentido de não serem vinculadas a pertencimentos grupais institucionais como escolas, clubes
ou academias, mas também, e principalmente, por não poderem ser oferecidas em uma agenda
regular já que dependem de fenômenos naturais para acontecer - se tornaram perguntas de
pesquisa. Em especial, interessou-me saber como se de fato há uma orientação ambientalista
nestas práticas e como os praticantes operam torções nas noções de tempo e espaço e de tempo de
trabalho e não trabalho.
O surfe se conformou como campo de minha primeira pesquisa quando, ao procurar
saber mais sobre a modalidade, em 2003, percebi que a biblioteca da Faculdade de Educação
Física da USP só possuía um livro sobre o tema. Ao reportar tal fato ao Grupo de Estudos em
História e Antropologia do Movimento Humano, do qual participava, fui incentivada pela
Professora Doutora Cláudia Maria Guedes a tomar esta lacuna como uma das justificativas para
adotar tal modalidade enquanto objeto de estudo. Além disso, quando conheci um grupo de
surfistas que se encontrava no estacionamento da mesma faculdade, percebi que acompanhá-los
poderia ser uma estratégia que facilitaria meu acesso ao campo, dado meu não pertencimento a
nenhuma modalidade alternativa e a falta de verba para realização de um trabalho de campo de
imersão total em uma cidade litorânea.
1
Surfe no Brasil: primeiras ondas.
2
Práticas Corporais e Aventura: considerações acerca do surfe no Brasil, publicada em artigo (BANDEIRA e
RUBIO, 2011) e desdobrada em estudos subsequentes (BANDEIRA, 2012a; 2014).
3
Realizadas na Universidade de São Paulo sob orientação da Profa. Dra. Cláudia Maria Guedes com bolsa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq) e, depois de sua mudança para os Estados
Unidos, assumida pela Profa. Dra. Katia Rubio.
12
4
Comunicação, contemporaneidade e os novos esportes: a cobertura da Folha de São Paulo, realizada na Fundação
Cásper Líbero sob orientação do Prof. Dr.Cláudio Novaes Pinto Coelho e publicada como capítulo de livro
(BANDEIRA, 2009).
5
‘No galejo da remada’: estudo etnográfico sobre a noção de aventura em Brotas/SP, defendida na Universidade
Federal de São Carlos sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Henrique de Toledo com bolsa da Coordenação de
13
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), publicada em Bandeira e Ribeiro (2015) e Bandeira, Amaral
e Bastos (no prelo).
6
Apenas estive ausente na edição de Vitória em 2014.
14
7
É preciso considerar que, dependendo do tipo de cidade, certas práticas na natureza também são possíveis, assim
como analisa Dias e Alves Junior (2007) em Entre o mar e a montanha: esporte, aventura e natureza no Rio de
Janeiro e Urbanidades da natureza: o montanhismo, o surfe e as novas configurações do esporte no Rio de Janeiro
(Dias, 2008), entretanto, estas modalidades ainda são menos debatidas desde a perspectiva da antropologia,
majoritariamente focada no futebol e, ultimamente, nos megaeventos esportivos sediados no Brasil.
15
pessoas reais em sociedades reais, vivendo em termos de culturas reais procurando tanto o seu
estímulo como a sua validade, irá afastar-nos dos argumentos abstratos e muito escolásticos nos
quais um número limitado de posições clássicas é repetido sempre e sempre (p. 103)”, construo
meu lugar nos Estudos do Lazer, como aquele que se propõe a trazer de realidades empíricas,
questões não previstas pela teoria. Na Antropologia, procuro investigar objetos desprivilegiados
por sua ramificação. Objetos que estão na interface com a Educação Física, mas por sua natureza
subversiva e híbrida, também com tantas outras disciplinas, no caso do objeto desta tese, como a
gestão e educação ambiental, por exemplo. Por isso, na Educação Física, enquanto área de
intervenção, adoto a abordagem transdisciplinar.
8
Operar nestes contextos significa atuar junto aos turistas, mas com a especificidade que a aventura traz: a
necessidade de avaliação meteorológica, a administração de equipamentos de segurança e a introdução dos turistas às
técnicas necessárias ao passeio.
16
Embora muitos acadêmicos, como se verá na revisão bibliográfica a seguir, falem sobre
como o risco pode ser simulado ou excessivamente calculado nos serviços de aventura oferecidos
a leigos, em Brotas a tensão é real, como descrevemos em Bandeira e Ribeiro (2015). Tão intenso
quanto o medo de se acidentar, para estes trabalhadores da aventura era o medo de perder um
cliente em um acidente fatal.
Descobri, então, que modalidades que eu imaginava engajadas em soluções mais
humanas e para uma melhor vida no planeta, não só podem reproduzir problemas antigos, como
estigmas e exclusões de gênero (BANDEIRA & RUBIO, 2011 e BANDEIRA, 2012b), conflitos
de classe e étnicos (BANDEIRA, 2014), e de exploração trabalhista (BANDEIRA e RIBEIRO,
2015), como também produzem novos problemas com os quais lidar. Um deles é que, com o
aumento do interesse pelo apelo das práticas arriscadas, os acidentes também proliferaram.
There is now a body of academic literature examining the phenomena of what has been
variously termed ‘extreme’, ‘alternative’, ‘lifestyle’, ‘whiz’, ‘action-sports’, ‘panic
sport’, ‘postmodern sport’, ‘post-industrial’ and ‘new’ sports. Such labels encompass a
wide range of mostly individualised sporting activities, from established practices like
surfing and skateboarding, to new emergent activities like B.A.S.E jumping and kite-
surfing. While these labels are used synonymously by some commentators, there are
18
differences which signal distinct emphases or expressions of the activities (p.2) […]
However, to understand their meaning we need to move beyond simplistic dichotomies
such as traditional versus new, mainstream versus emergent, or other related binaries
such as sport versus art. Alternative sport, and so called mainstream sport, can have
elements of […] dominant sport culture (WHEATON, 2004, p.3).
A autora sugere, diante de tamanha variedade de formas de nomear estas práticas, que
é preciso explicitar quais ênfases se quer dar com a adoção de dado conceito. Seguindo esta
premissa, esta revisão apresentará cronologicamente as principais vertentes em estudos destes
tipos de práticas e situará sua opção conceitual face às diferentes ênfases, contextos e críticas.
[...] [os jogos de inlix] consistem na tentativa de destruir por um instante a estabilidade
da percepção e infligir à consciência lúcida uma espécie de voluptuoso pânico. Em todos
os casos, trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de transe ou de estonteamento que
desvanece a realidade com uma imensa brusquidão. A perturbação provocada pela
vertigem é um fim em si mesma (p.43).
9
Para toda esta revisão entre parênteses apresento o ano da edição da obra a que tive acesso, em sua tradução para o
português, em colchetes apresento a data de publicação do original.
19
máquinas de parques de diversão para estimular este estado de fuga e de evasão e depois sentir
prazer em recobrar a nitidez e o equilíbrio:
Tais engenhos ultrapassam a sua legítima finalidade se pretendessem algo mais que
enlouquecer os órgãos do ouvido interno, dos quais depende o sentido do equilíbrio. Mas
é todo o corpo que se submete a tratamentos tais que qualquer um recearia, se não visse
que todos se atropelam para experimentar. O resultado são indivíduos pálidos, inseguros,
no limiar da náusea. Deram gritos de pavor, ficaram sem fôlego [...]. Todavia, a maior
parte, antes mesmo de se acalmar, já se precipita para a bilheteria para comprar o direito
de experimentar mais uma vez o suplício a tão desejada fruição (p.46).
Callois (1990) problematiza a presença do risco e do medo nos jogos, mas apesar de
escolher termo que se refere a um fenômeno natural que os proporciona, inlix, concentra sua
análise na sua reprodução artificial. Diferentemente, Bourdieu (1990 [1980/1983], p.209; 2007
[1979], p.204) já sinalizava para a importância do estudo do conjunto das modalidades esportivas
de “combate contra a natureza”, que o autor chamou de “esportes californianos”10, reduzindo-as
ao gosto por atividades individuais, num contexto de análise que o levava a inferir que tais
modalidades eram importadas dos Estados Unidos pela burguesia francesa.
Elias e Dunning (1992 [1985], p.83/84), de maneira semelhante, encaixam tais práticas
como parte de sua teoria totalizante em um contínuo e não se propõem a esmiuçar suas
particularidades também as reduzindo a uma luta com elementos da natureza:
O desporto pode traduzir-se num combate entre seres humanos que lutam
individualmente ou em equipes. Pode ser uma luta de cavaleiros e de uma matilha de
cães em perseguição a uma raposa veloz. Pode assumir a forma de uma corrida de esqui
desde o cimo da montanha até o vale, um tipo de desporto que não é só um confronto
entre seres humanos, mas é, também, um desafio com a própria montanha coberta de
neve. Assim é o montanhismo, em que os seres humanos podem ser derrotados por uma
montanha ou, depois de muitos esforços, podem atingir o topo e gozar a sua vitória. O
desporto é sempre, em todas as suas variedades, uma luta controlada, num quadro
10
Eu não adoto esta terminologia, porque o povo polinésio já deixou claro seu descontentamento com o surfe sendo
caracterizado como californiano. Para uma melhor apreensão desta tensão, assistir o documentário Busting Down the
Door. Nele o surfe é reivindicado como havaiano contra sua apropriação, primeiro estadunidense e depois australiana
e sul africana. Entretanto, outros povos do triângulo polinésio (como o taitiano e o peruano) também reivindicam
para si a criação do surfe. Embora a contextualização da criação de uma prática corporal possa dizer muito sobre ela,
acredito que tentar determinar uma origem única para certas práticas, que podem ter aparecido, em versões muito
semelhantes, geográfica e temporalmente em lugares muito diferentes, leva à especulação e perda de tempo. É
importante reconhecer que a criação do skate e do windsurfe sejam estadunidenses, já que há registros em vídeo,
assistir Dog Town and Z-boys, mas não podemos realizar tal redução quando falamos de um conjunto de práticas que
inclui o montanhismo, sistematizado na Europa, especialmente nos países alpinos, com ingleses expandindo a prática
de alpinismo para montanhismo, o bungee jumping sendo desenvolvido na Nova Zelândia a partir de um rito de
passagem de pequenas ilhas do pacífico sul, assim como modalidades de canoagem que adotaram embarcações de
povos tradicionais, como o kayak.
20
imaginário, quer o adversário seja a montanha, o mar, a raposa ou outros seres humanos
11
(ELIAS E DUNNING, 1985, p. 83-84).
11
Esta descrição de Elias e Dunnning, sobre a natureza como adversário, não é a única encontrada por Costa (2000)
entre praticantes destes tipos de prática. Além de vencer o ambiente, a autora encontrou entre seus entrevistados a
ideia de vencer a si mesmo e a seus medos e: “evidencia o equilíbrio do homem que não luta mais com a natureza,
mas que conseguiu reconhecer-lhe a força e harmonizar-se com ela, desfrutando suas energias” (p.156). É importante
balizar esta afirmação lembrando que a Antropologia não organiza a complexidade das manifestações culturais em
termos cronológicos. Deste modo é importante lembrar, para não correr o risco de soar evolucionista, que este
“homem” de que ela fala precisa ser entendido como os humanos ocidentais, de origem europeia, e nem todos eles,
visto que diferentes povos tradicionais continuam se relacionando de maneira distinta com a natureza e não podem
ser situados no passado.
21
12
Esta preocupação e disciplina registrada em muitas modalidades levou autores subsequentes (tais como Costa,
2000) a afirmar que o risco buscado em tais práticas seria apenas um risco imaginário ou calculado, já que segundo
sua interpretação, o risco total seria aquele corrido sem tais prescrições de segurança.
22
esporte e uma esportização da aventura. Esse duplo movimento sendo o motor da popularidade da
última, juntamente ao apelo da imagem do aventureiro esportista como um sobrevivente, segundo
ele, facilmente disseminável porque metáfora para tudo na vida, “uma passagem para a lógica do
desafio em que se deve produzir sua própria liberdade” (p.43):
Se, por um lado, é importante ser crítico na análise de um fenômeno social e este perfil
de praticantes de aventura analisado por Ehrenberg é inegável, por outro, sua interpretação é
simplista e homogeneizante, para não dizer julgadora, porque faz uma análise da apropriação que
a publicidade fez das práticas de aventura e não dos praticantes autônomos. Quando tenta trazer
alguma complexidade à análise, o autor separa a aventura em apenas dois tipos, de elite e
popular, e não leva em consideração a miríade de diferentes apropriações possíveis de tão
distintas práticas por divergentes perfis de praticantes.
Diferentemente, Towards an Anthropological Analysis of New Sport Cultures: The Case
of Whiz Sports in France (MIDOL, e BROYER, 1995) se dedica a investigar em profundidade
ocaso de apenas um grupo específico de praticantes na França, um movimento entre os esportes
de deslize na neve, e não a criar uma teoria geral. O texto introduz-se perguntando ao leitor
porque mais uma abordagem destas práticas, a antropológica, seria frutífera quando já se dispõe
de outros estudos na literatura, a que os autores respondem afirmando que a inovação e
importância da abordagem antropológica seria traçar uma interpretação intermediária entre o polo
individual ou psicológico e o social ou sociológico. Ao ter como referência Mauss, que advoga
25
em favor de uma interpretação biopsicossocial da vida humana, Midol e Broyer (1995) acreditam
que a antropologia ao fazer essa tripla consideração do fenômeno, atenta para lacunas de outros
modelos explicativos: as dinâmicas entre habilidades motoras, motivações pessoais e valores e
organização coletivos destas práticas.
Segundo Midol (1993) e Midol e Broyer (1995) o movimento “Whiz” se deu na França a
partir de um conflito entre atletas profissionais e os técnicos da Federação Francesa de Esqui.
Alguns atletas se opunham a métodos de treinamento que não permitiam o divertimento (o termo
“fun” é uma noção muito presente nas investigações sobre as modalidades aqui consideradas em
países anglo-saxões e na tradução de tais artigos para o inglês). Segundo os autores:
The coaches were from a generation that had shared certain sexual taboos and
internalized the values of work, willpower and self-sacrifice, and the feeling of guilt
associated with inactivity. The skiers were from a generation that had seen sexual
liberation […] For them, defence mechanisms that once applied to sexual taboos, now
applied to taboos about death; a similar transition gave birth to new sport forms free
from restrictions based on safety. Skiers freed themselves from the guilt complex linked
to Christianity […] This new generation replaced the morality of guilt (born of original
sin) by a pleasure-seeking in the present moment, a search for the thrills experienced by
athletes as they go even faster or higher […] We must also note that this culture has
defined itself through the appearance of newly created objects. Sport equipment such as
surfboards and mono-skis have ushered in the transition, leading to new kinds of
exchanges and relations (p.207)
Ao optar pelo termo “whiz”, estes esquiadores criaram uma entidade paralela à
Federação Francesa de Esqui e organizaram competições inovadoras de diferentes formatos, sem
separação por gênero, por exemplo, e incentivaram o esqui de exploração fora das pistas. Embora
estas vivências alternativas persistam, e o snowboarding tenha sido, antes de ser incorporado
pelos Jogos Olímpicos de Inverno, associado à anarquia e androgenia, a entidade não sobreviveu
aos anos 1980. Mas os autores, ao evitarem a estigmatização deste movimento, penderam para
uma análise elogiosa, representando-o romantizado, o que será criticado pela literatura mais
concentrada nos anos 2000.
Além da centralidade do prazer, divertimento e hedonismo, reflexões sobre a
importância dos ambientes naturais para estes tipos de práticas – bem como a valorização da
postura ambientalista de certos praticantes e destas modalidades como opção pedagógica para
incentivar a educação ambiental e opções mais sustentáveis de vida - foram partilhadas desde
Vanrenseul e Renson (1982) até trabalhos brasileiros mais recentes como Lazer e meio ambiente:
corpos buscando o verde e a aventura (BRUHNS, 1997) e Corpo, lazer e natureza: elementos
26
para uma discussão ética (VILLAVERDE, 2001). Diferente dos autores anteriormente
apresentados, nestes trabalhos, realizados na fronteira dos estudos do lazer com o turismo, as
viagens e práticas esportivas são descritas como comunhão com a natureza, e não confronto com
ela. Segundo os autores, nestas práticas, não se pretende conquistar a natureza, mas fruí-la. O
“ecologismo” é identificado como opção política dos adeptos, além do potencial educativo
contido na máxima “conhecer para conservar”.
Entretanto, esta vertente de pensamento, mais propositiva e menos crítica, em torno de
tais práticas não é a única, e o final dos anos 1990 é marcado pelas primeiras dissertações e teses
sobre modalidades específicas com mais dados empíricos associados a uma discussão
terminológica. Lazer na adolescência: uma análise sobre os skatistas do ABC paulista
(UVINHA, 1997), publicada em 2001 com o título Juventude, lazer e esportes radicais, e
Esportes radicais: referências para um estudo acadêmico (FERNANDES, 1998), fazem a opção
por termo utilizado mais particularmente pela mídia brasileira.
Segundo os autores, o termo radical remete ao gosto pelo risco e pela aventura, e uma
tendência relacionada à conservação ecológica13, jovialidade, inovação e negação dos valores
tradicionais. Os entrevistados de Uvinha (2001) explicam a radicalidade em termos de
complexidade e dificuldade das manobras que executam, mas também exposição à altura e
velocidade, por exemplo, e o consequente perigo de se machucar gravemente em uma queda (p.
24-25).
O termo esportes radicais pode ser visto, então, como um equivalente ao termo esportes
extremos, mais usado pela mídia norte americana. Uvinha (1997) e Fernandes (1998), entretanto,
não problematizam, segundo Sydnor e Rinehart (2003), que o canal ESPN, criador dos Extreme
Games (em 1996 apelidados de X Games), tenha inaugurado neste evento uma série de
modalidades moldadas para a televisão (p.4). Ou seja, usar este termo poderia remeter mais a
modalidades praticadas em arenas artificias, nas quais o eixo de significados é o enfrentamento
do risco em manobras agudas e arrojadas e não necessariamente os fenômenos naturais e seus
imponderáveis, ou uma bandeira política alternativa de apropriação do espaço público das
cidades.
13
Esta afirmação está mais embasada na revisão bibliográfica feita pelo autor, já que no estudo de caso que o autor
empreende sobre skatistas se evidencia mais o ambiente urbano e a conquista da rua, a possibilidade de
“ressignificar” um espaço tido como impessoal, hostil ou estranho (p.31).
27
abordagem do presente estudo. Como afirmo em Bandeira (2012), não se pode negar a
importância das grandes teorias e da busca de convergências entre dados de diferentes contextos
e das generalizações para a solução de certos problemas como a concepção de raça (Lévi-Strauss,
1976), por exemplo. Entretanto, esta não é a única forma de se fazer antropologia e ela pode
forçar a redução de dados inovadores a teorias que precisam ser superadas. Por isso, no presente
trabalho priorizo o que há de divergente e conflituoso no fenômeno ou contexto social das
práticas de aventura de forma dialética, buscando não apenas sua compreensão teórica, mas
também colaborar com a solução de problemas concretos, mais especificamente oferecer
conteúdo e informações para a mediação das disputas políticas neste campo.
Seguirei a partir da segunda perspectiva. Concordo com Costa (2000) quando ela afirma
que o fenômeno da aventura está muito associado ao ecoturismo e com outras formas de
experimentar o medo e o arriscar-se, como os parques de diversão (como já diziam Callois, 1990
e Sevcenko, 2001), os pegas ou rachas de carro e o surfe de trem. Para tais afirmações Costa
(2001) se baseia na vasta obra de Le Breton sobre a sociologia do risco e a antropologia das
emoções e do corpo. Porém, antes de debatermos a obra do último autor, é preciso sinalizar para
aquilo com que não concordo em Costa (2001). É preciso parcimônia quando ela afirma que estes
tipos de esporte resgatam:
A autora ignora que algumas modalidades destes esportes já têm suas versões
competitivas e espetacularizadas, como já ponderava Rinehart (2000), e ela mesma afirma ter
selecionado montanhistas de lazer e autônomos, não escaladores competitivos ou turistas.
Ademais, a relação com a natureza como ela bem notou pode ser diversa, alguns grupos a
sacralizam e protegem, outros a usam como cenário para suas façanhas físicas sem se importar
com o impacto de suas atividades. Também citada por Costa, está Mary Jane Spink que, desde a
psicologia social, se dedica a investigar o enfrentamento de riscos no período que escolhe chamar
29
Csikszentmihalyi (1975) é muito utilizado como referência nos estudos sobre estes tipos
de práticas, visto que as descrições dos praticantes sobre as sensações de suas modalidades são
muito semelhantes à teoria do autor. O automatismo da resposta do corpo aos fenômenos da
natureza são vividos por eles como fina harmonia com o mundo. A excelência dos gestos e do
condicionamento físico garantem a sobrevivência nesta interação fluida. Le Breton, que publica
em 2002 o original de Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver, traduzido para o
português em 2009, também o cita.
Para Le Breton (2002) a natureza no imaginário ocidental é vista como instrumento de
autoconhecimento habitando tanto as paixões físicas e esportivas radicais, como a formação ao ar
livre em empresas. Ele dialoga com Ehrenberg (2010), mas vai além da exposição enojada do
outro autor sobre estas práticas, ele situa seu apelo em uma longa tradição:
30
14
Le Breton dá continuidade a este trecho mencionando que Kurt Hahn fundara a Outward Bound. Segundo website
da Outward Bound Brasil, a Outward Bound foi fundada em 1941 no Reino Unido por Kurt Hahn, pioneiro da
Educação Experiencial ao Ar Livre e Sir Lawrence Holt, proprietário de uma companhia de navegação britânica. Sir
Lawrence preocupado com o fato que os marinheiros mais jovens, em melhor forma física, tinham uma taxa de
sobrevivência menor que os marinheiros mais velhos, depois que os seus navios eram torpedeados por submarinos
alemães. Kurt Hahn estudou a situação e concluiu que o problema eram a falta de autoconfiança e a dificuldade em
lidar com situações de estresse entre os marinheiros mais jovens. Assim, eles criaram juntos um programa no qual
jovens recrutas marinheiros eram expostos a tarefas progressivamente mais desafiadoras num ambiente ao ar livre,
fazendo-os perceber o seu potencial e confiar nele. O nome “Outward Bound” se origina do termo de navegação
usado para designar o momento em que um navio deixa o porto seguro rumo aos desafios do mar aberto. Entretanto a
instituição expandiu sua atuação. Ainda segundo o website oficial da Outward Bound Brasil: “A Outward Bound é a
maior instituição de Educação Experiencial ao Ar Livre do mundo, tendo colaborado com o desenvolvimento de
mais de 2 milhões de pessoas e inúmeras organizações, em seus mais de 70 anos de história. Está presente em 32
países e, no Brasil, atua desde 2000. Como entidade sem fins lucrativos, fornece todos os anos a milhares de jovens e
adultos experiências inesquecíveis e desafiadoras desenvolvidas na natureza, visando desenvolver as potencialidades
pessoais e as qualidades de liderança dos participantes, tendo muitas vezes um duradouro impacto positivo no seu
futuro” (Disponível em: http://www.obb.org.br/, acesso em 27/02/2016).
31
15
Em seu primeiro uso, esta gíria em português estava relacionada à alteração da consciência provocada pelo uso de
drogas e suas sensações, incorporada pelo vocabulário dos esportistas sobre os quais versa este estudo, ela se refere à
combinação da noção de diversão com o efeito da adrenalina no organismo.
32
modalidades elegidas. O que ele, entre outros autores chamam de simulacros de risco, são as
atividades mais efêmeras, oferecidas principalmente no turismo, nas quais não se dá nem esse
grau de envolvimento físico/técnico, nem a exposição a um ambiente tão inóspito e isolado.
Nestes casos, o leigo contrata o praticante experiente para conduzí-lo e responsabilizar-se pela
gestão do risco. Entretanto, nesta terceirização da aventura, tão estimulada pelo marketing e pelo
alvoroço em relação ao potencial econômico do turismo, o potencial pedagógico do risco é
diminuído e a não autorresponsabilização e não aprendizado técnico podem deixar os clientes da
aventura muito vulneráveis ao erro do trabalhador de aventura contratado.
Extreme sports are sometimes connected to a new world order, a transnational village,
the peaceful brotherhood of our planet. The beautiful choreography of X-Sport scenes
may evince an otherworldly utopia. And extreme sports are truly international. But
extreme sports are also mostly ‘white’, ‘wealthy’, and exclusionary. Enthusiasts of many
33
of the newer extreme sports must have funds, leisure time, and access to specialized
environments in order to participate […] Travel itself may characterize the postmodern
condition and is certainly a form of conspicuous consumption. Like many tourists, the
X-athlete traveller seeks the exotic […] certainly, for many participants, part of being an
extreme athlete is to be less common than others, to privilege “insiders’ expertise” and
disdain mere “tourists” of extreme sport (p.10)
There are athletes who seek back regions, privacy, health and/or healing from their
alternative sports ventures, who might not be included as `registered´ participants. Some
athletes may practice their sports as regimens of asceticism, or outrightly decry the
promotion of their activity into the mainstream (p.3) […] Residual connections to New
Age, Earth Day, and Green movements exist for some sports; others may embody urban
sprawl [However] The Disney Corporation, ESPN, ESPN2, ABC, MTV, the Discovery
Channel, and large corporations such as Pepsi, Coke, and Nike, have essentially
appropriated and determined much of the electronic imaging of extreme sports to the
world (p.4).
Embora Rinehart e Sydnor (2003) alertem que pode haver uma oposição conceitual
entre, por exemplo, o que seria chamado escalada esportiva versus escalada de aventura, a última
indicando não competição, eu adicionaria a esta reflexão, que alguns praticantes destas
modalidades não se consideram atletas competitivos, mas consideram sua modalidade um
esporte, mesmo que não competitivo e expedicionário.
Como encontrei em Brotas (BANDEIRA, 2012), em alguns contextos, a palavra atleta
pode ser associada a competição e ao desejável, nem sempre alcançado, profissionalismo,
enquanto o termo esportista seria mais abrangente e também incluiria o praticante amador e não
competitivo. Mas nos dois casos, dos atletas e dos esportistas, a prática é vista como esporte.
Neste caso, a concepção de esporte também é mais abrangente, não necessariamente corresponde
a institucionalização, medição e comparação formal de performances, mas sim a qualquer desafio
físico e/ou divertimento corporal.
Entretanto, esta concepção abrangente de esporte, não pode perder de vista a diferença
prática entre turistas e esportistas nas atividades de aventura, assim como o faz a dissertação O
imaginário no rafting: uma busca pelos sentidos da aventura, do risco e da vertigem (SOUSA,
2004), publicada em formato de livro. Nela, a autora analisa narrativas de pessoas que
participavam do rafting pela primeira vez da mesma forma e com o mesmo peso interpretativo
16
Além das terminologias já apresentadas na epígrafe deste capítulo, os autores discutem a possibilidade do recorte
das modalidades com prancha, que teriam conexões de sentido e dinâmica entre si, e também a possibilidade de
situar os esportes alternativos em antigos (surfe e montanhismo) e novos (aqueles criados a partir de 1960).
35
que as de alguém que era responsável por guiar a atividade. Aí está dado um problema analítico.
É preciso dar tratamento metodológico aos significados atribuídos ao rafting por diferentes perfis
de participantes: praticantes autônomos experientes, entre eles expedicionários e/ou
competidores, que eventualmente podem se tornar guias, e os participantes do rafting
tecnicamente dependentes dos guias, que o vivem pontualmente como um passeio turístico.
Neste sentido usarei o termo atividades de aventura quando me refiro a qualquer nível de
envolvimento e participação com tais modalidades, podendo ser um passatempo ou um passeio.
O termo práticas de aventura será usado quando quiser conotar envolvimento técnico mais
duradouro com relação ensino-aprendizagem implicada.
A dissertação Popularização da canoagem como esporte e lazer - o caso de
Piracicaba (TEREZANI, 2004), também adota e problematiza a noção de aventura, e é uma das
pioneiras em discutir a dimensão política das práticas na natureza. Tendo como objetivos
identificar os fatores sócio-econômicos, políticos e culturais que provocam o impedimento da
popularização da canoagem - mesmo em municípios com condições naturais favoráveis à prática
da modalidade - pretendeu verificar até que ponto a existência de uma política pública de esporte
e lazer municipal contribui, ou não, para minimizar esse impedimento. O autor conclui que as
políticas públicas fazem diferença na disseminação da canoagem, mas que ela deve ser concebida
como esporte em sua acepção mais ampla, no sentido de lazer, não exclusivamente competitivo,
para atingir maior número de adeptos.
Wheaton (2004), na abertura da coletânea Understanding Lifestyle Sports:
consumption, identity and difference, propõe que essa maneira ampliada de conceber o esporte
seria uma característica da pós modernidade. No mesmo ano, Guttmann, sociólogo do esporte
conhecido pelo livro From Ritual to Record (1978), considerado clássico no Brasil, escreve um
tipo de posfácio de duas páginas, chamado “Postmodernism and les sports californiens”, em seu
livro Sports: the first five millennia. Nele o autor introduz os elementos diferenciais dos esportes
de que trata este estudo para depois desconstruí-los e argumentar que tais modalidades não
passam de apenas mais tipos de esportes modernos e não esportes pós-modernos:
Embora a literatura mais atual concorde com o autor sobre um processo de esportização
(institucionalização, regramento, burocratização e competitividade) das práticas de aventura, é
preciso fazer duas ressalvas sobre sua proposição. Primeiro, que ela se presta muito mais a negar
a existência de um período histórico chamado por alguns autores de pós modernidade do que a
problematizar as práticas objeto desta tese. Ao fazê-lo, Guttmann (2004) apenas enfatiza a
apropriação das práticas de aventura pelo sistema esportivo convencional, mas ignora aquelas
versões que se pretendem deliberadamente resistentes a ele.
A ruptura ou não com o período chamado modernidade, é uma divergência entre
correntes teóricas que antecede e transcende a discussão sobre a natureza de tais práticas, mas
que está muito presente enquanto pressuposto dos estudos sobre elas. Do meu ponto de vista,
embora veja a revolução dos estudantes de 1968, a revolução feminista, a massificação da
tecnologia digital e a consciência sobre a crise ecológica e aquecimento global como fenômenos
marcantes da contemporaneidade, que promoveram mudanças significativas nos modos de vida
ocidentais, ainda é complicado realizar tal julgamento, em termos de ruptura ou continuidade,
visto que um processo de séculos, como a chamada modernidade, não pode ser comparado a um
intervalo de décadas, como o que seria (ou que será) a pós modernidade. A propósito, Latour
(1994) afirma que jamais fomos modernos.
Prefiro não tomar partido em relação a estes paradigmas, visto que muito tempo já foi
dedicado a eles em uma discussão muito especulativa. Como meu objeto são as políticas públicas
brasileiras para práticas de aventura, e não o momento histórico mais geral no qual se
37
vida”, embora tenham surgido entre, ou atraído, gerações mais jovens, acompanharam estas
pessoas em suas fases seguintes de vida, tornando-se esportes para a vida inteira.
A autora ainda se apoia em Rojek (1995) quando afirma que o lazer não pode ser
analisado apartado das lógicas do trabalho e contexto mais amplo no qual está inserido,
principalmente o consumo, para explicar estes tipos de identidade produzidas na eleição de um
estilo de vida e não mais necessariamente determinada por pertencimento de classe e em Stebbins
(1992), em sua ideia de lazer sério, para explicar o comprometimento dos adeptos a suas
modalidades, devido à necessidade de dedicação técnica para a gestão do risco, até se tornarem
tão centrais que configuram estilos de vida.
A noção de estilo de vida, também era operada com frequência pelos estudados de meus
trabalhos anteriores, seja nas representações destas práticas na mídia (BANDEIRA, 2009), no
surfe (BANDEIRA, 2011) e na ideia mais geral de aventura em um destino turístico
multiesportivo (BANDEIRA, 2012b). Entretanto, e a partir destes campos empíricos, é
importante ressaltar duas divergências que tenho com a autora.
A primeira, é que, na maioria das vezes, ao menos em português, o termo usado pelos
praticantes ou adeptos é estilo de vida, e não esporte de estilo de vida. Em minhas pesquisas notei
que eles diziam que sua prática é seu esporte, seu turismo, seu lazer e, eventualmente, seu
trabalho, quando a importância do trabalho não é secundarizada em relação à prática. Portanto,
estilo de vida era usado com o intuito de esclarecer que concebem tal prática como mais que um
esporte, não restrita a ideia de esporte, como noção maior do que qualquer uma das categorias
acima listadas. Seria, deste modo, uma distorção realizar esta redução.
Minha segunda crítica, no que tange o meu campo atual de pesquisa, é que a noção de
estilo de vida não se aplica a todos os adeptos. Em tempos de massificação, quando a
preocupação dos estudos científicos também precisa se voltar para a iniciação de leigos e a
audiência, não se pode mais investigar apenas grupos de praticantes experientes e exóticos,
fechados em suas “subculturas”. Aliás, a própria Wheaton (2004) concorda com a expansão da
prática destes tipos de atividades e diversificação de perfis de participantes.
Mas, mesmo com estas divergências conceituais, ao apresentar sua primeira
coletânea, Wheaton (2004) faz um balanço de todos os capítulos sobre diversas modalidades e
interpretações de seus diferentes autores que resulta em uma boa lista de características para tais
tipos de modalidades, que sintetizo aqui:
39
para investigar o aspecto ambiental das atividades aqui discutidas. Diferentemente, voltada à
aventura enquanto mercado turístico, em 2005, a coletânea Turismo de aventura: reflexões e
tendências (UVINHA, 2005) apresenta uma série de trabalhos distribuídos entre os temas:
Aspectos legais e políticos do turismo de aventura, O turismo de aventura e suas interfaces
acadêmicas, Turismo de aventura e o contexto regional e Perspectivas mercadológicas do turismo
de aventura. O primeiro merece destaque visto a relação dos capítulos Políticas de Incentivo ao
Turismo de aventura no Brasil: o papel do Ministério do Turismo e Normalização17 e certificação
em turismo de aventura no Brasil com o tema específico desta tese. Seu conteúdo será trazido na
discussão com os dados. Aqui cabe trazer a definição de turismo de aventura contida no capítulo
do organizador de tal coletânea:
17
Note o leitor que este é o termo utilizado nos relatórios de participação do CBCE na CEAV e também nos projetos
de lei, mas o INMETRO e, portanto, a ABNT e ABETA utilizam o termo normalização, que é definido como: “fixar
padrões para garantir a qualidade industrial, a racionalização da produção, transporte e consumo de bens, a segurança
das pessoas e a proteção do meio ambiente. Para a elaboração de uma norma é imprescindível a participação de todos
os setores interessados (fabricantes, consumidores, governo e entidades neutras, como universidades e centros de
pesquisa), de modo a que sejam contemplados os diferentes interesses e, portanto, seja obtido o consenso”
(Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/qualidade/pdf/termoReferencia.pdf, acesso em 27/03/2014). Segundo
esclarecimentos de entrevistados, embora muito confundidos como sinônimos no senso comum os termos regulação
e regulamentação são atribuições exclusivas do Estado e interferências no mercado. A normalização envolve regras
estabelecidas pela sociedade civil junto com os fornecedores, consumidores e instituições neutras. Já a normatização
é o estabelecimento pelo Estado de leis baseadas nas normas estabelecidas.
41
There has been a proliferation of new sporting forms over the two decades that have
challenged traditional ways of conceptualising and practicing sport. These new forms,
variously labelled ‘action’, ‘new’, ‘wizz’, ‘extreme’ and ‘lifestyle’ sports, have
commercial and competitive dimensions, but are essentially understood by participants
as bodily experiences [...] While challenging mainstream sport in terms of cultural
significance, participation figures are hard to establish, as are recognised forms of
regulation and governance [...] In contrast to the regulation of conventional sports,
alternative or lifestyle sports are characterised by a relative lack of regulation and a
customary refusal by participants to follow regulatory codes. Paradoxically, however,
commercialisation and competition have led to a need to establish some codes and
boundaries, although these subsequently act as markers for the extreme practice of the
elite participants (TOMLINSON, et al, 2005, p.2)
Note que a lista de termos apresentada neste excerto não traz a expressão aventura.
Entretanto, aventura é usada ao longo da obra como outro sinônimo para lifestyle sports. De
forma semelhante ao Reino Unido, como relatam Tomlinson et al (2005), no Brasil tais esportes
eram caracterizados pela literatura pioneira como avessos à institucionalização e regulação:
2006) retomam a centralidade do espaço natural na prática deste tipo de lazer. Na última, a
presença de pesquisadores internacionais como Javier e Alberto Betrán, David Le Breton, e
Barbara Humberstone, da Espanha, França e Inglaterra respectivamente, influenciam
sobremaneira a produção brasileira futura sobre o tema. Entretanto, a última não goza de tanta
expressividade como os primeiros, talvez porque Humberstone se dedica especificamente à
educação ao ar livre e ao ecofeminismo, enquanto Le Breton cria grandes teorias gerais sobre o
risco e tenha uma relação estreita com o Brasil, tendo visitado o país, em diversas oportunidades,
ministrando palestras e cursos e sendo bastante traduzido e o espanhol seja mais fácil de ler entre
brasileiros.
A questão do risco é central na tese Risco, corpo e socialidade no vôo livre
(PIMENTEL, 2006). Mas antes de discuti-lo é preciso problematizar a opção do autor pelo termo
AFAN. Pimentel rejeita a denominação esporte por ser restritiva e por pretender abranger
manifestações como campismo. Entretanto, sua opção por um termo que recorta o fenômeno em
atividades físicas não é menos restritiva, embora a relacione também com o turismo:
Outra característica de grande parte das AFAN é estar ligada ao turismo na natureza.
Acertadamente já se observou que a oferta da maioria das práticas corporais de aventura
na natureza se dá em agências de ecoturismo ao invés de subordinadas às federações e
confederações (BRUHNS, 2003). Isso não significa negar ser o esporte ou o jogo
esportivo a roupagem mais evidente dessas manifestações. Aliás, são comuns termos
como “esportes de “aventura”, “esportes californianos”, “esportes alternativos” ou
“esportes radicais”. Porém, a palavra esporte pode confundir e reduzir o tipo de
fenômeno que acontece no meio ambiente natural. Afinal, exploração de cavernas ou
acampar, por exemplo, estão longe do que se convencionou chamar esportes. Como o
contato com a natureza se faz com um corpo e esse corpo produz um sistema lógico de
interações com o meio, através de movimentos e posturas, o desfrutar – lúdico – da
natureza depende de uma gama muito ampla de atividades corporais sistematizadas –
boa parte sem a codificação esportiva. Não obstante essas considerações, empiricamente
se evidenciam diferenças entre o “esportista” e o “turista” na prática das AFAN. Embora
uma forma se alimente da outra, sendo ambas as experiências de lazer, trespassadas
muitas vezes pelo viés mercadológico, no uso esportivo o praticante opta pelo
treinamento e, via de regra, aquisição do próprio material, visando contínuo domínio
sobre o equipamento e autonomia sobre a atividade. Quanto mais o esportista de
aventura se torna responsável pelas próprias ações, mais intensa é a sensação de desafio,
pois a experiência lhe permite gerenciar os riscos de sua atividade em níveis crescentes.
(p.14)
A adoção do conceito proposto por Betrán (2003) nesta argumentação não se faz
necessária, sequer faz sentido, visto que Pimentel (2006) pretendia uma abordagem não restritiva
baseada em Maffesoli, para quem a redução que se faz num objeto para percebê-lo “puro”,
isolado e abstraído de sua totalidade acabaria criando uma representação irreal, desperdiçando
43
sua concretude (p.23). Em minha experiência, os praticantes não sabem o que AFAN quer dizer e
não se reconhecem na sigla18.
É claro que a teoria está para superar o senso comum, mas não pode desconectar-se
da realidade empírica. Termos como lazer de aventura, práticas de aventura ou atividades de
aventura seriam mais adequados ao referencial que sustenta o estudo de Pimentel (2006). Esta é a
estratégia que sigo no presente trabalho, lanço mão das três expressões para evitar a
repetitividade, mas também para dar ênfase às pequenas diferenças de sentido entre elas, como
exposto anteriormente.
Isto posto, o excerto de Pimentel (2006) escolhido para esta discussão terminológica
também dá a pensar a relação esporte/turismo no âmbito da aventura. Diferentemente de outros
autores como Dias, Mello e Alves Junior (2007), Pimentel (2006) opta por incluir as
manifestações turísticas em sua explanação, entretanto não avança sobre os problemas desta
relação, apenas salienta que tanto as atividades esportivas, quanto as turísticas deste tipo estão
centradas na relação com certos riscos.
Para os estudados de Pimentel (2006), a percepção do risco produz adrenalina, mas
este estresse é positivado pelos pilotos, entendido como em Le Breton (2009 [2002]), buscado
como forma de intensificar o sentimento de estar vivo. O medo de algo dar errado, já que todo dia
a natureza muda e não permite rotina, permite sentir-se capaz de sobreviver, renovando a
existência.
Também centrada na ideia de risco, no ano seguinte, é publicada a Berkshire
Encyclopedia of Extreme Sports (BOOTH e THORPE, 2007). Como toda enciclopédia, uma boa
indicação para o leitor não familiarizado com todas as modalidades citadas até aqui em busca de
descrições, mas bastante fragmentada visto que cada vocábulo é apresentado por um autor,
muitos dos quais praticantes e não acadêmicos. Embora sejam renomados historiadores do
esporte, na introdução do livro, a definição historiograficamente continuísta de Booth e Thorpe
(2007) não ajudou a delimitar o objeto de estudo em sua especificidade:
Taking risks with one’s life in sports competitions is nothing new in the human
experience. Gladiatorial competitions in ancient Rome and jousts in medieval Europe are
two examples of sports that fit the modern definition of extreme. Extreme sports in their
18
Pimentel (2006) mesmo pondera que o conceito AFAN é pouco crítico: “reproduz uma certa ingenuidade ou
romantismo sobre as práticas na natureza, ignorando ou minimizando a relevância das condições materiais de
obtenção dos serviços e produtos” (p.54).
44
modern form are a recent development and the list of pursuits and sports categorized as
“extreme” is long and growing as in number of athletes and spectators. Extreme sports
now form a distinct sector within the large sports industry […] have diffused around the
world at a phenomenal rate and far faster then established sports […] have benefited
from historically unique conjuncture of mass communications, corporate sponsors,
entertainment industries, political aspirations of cities, and a growing affluent young
population […] Extreme sports are about taking risks, pushing the limits, breaking rules,
and – at least sometimes- about having fun. They are also a major cultural, commercial,
and media phenomenon whose importance far transcends the relatively few active
participants. Culturally, extreme sports are seen as representing values such as fierce
individualism, civil disobedience, the quest for human potential, taking control of one´s
own life, and intimate engagement with the environment. Commercially, extreme is the
password for corporations and advertisers to access young people, specially men […]
The media, notably ESPN, sponsors and broadcasters of Summer X Games and Winter
X games, has played a critical role in the diffusion and popularization of extreme sports.
(p. ix).
através do arriscar-se progressivo para criar aprendizados e níveis mais elevados de estabilidade.
Neste sentido, o risco seria um conteúdo central da educação humana e deveria estar prescrito
ensinar a lidar com ele. Entretanto, o autor afirma, que as sociedades modernas obcecadas por
controle desenvolveram uma “cultura do medo” que faz decrescer a capacidade de resolução de
problemas das pessoas:
The quest for risk, the breaking records, the test of human limits, the exploration of
wilderness, is at least partly explained by our past. Our evolutionary background made
us more active than other animals, we need greater areas to explore, because we seem to
feed, not only on food, but on novelty […] human kind is adapted to a life that involves
challenges and risks (p. 17).
Bridges, cars, atom reactors, airplanes should be safe […] at the same time people want
to take risks. But risks should be taken in the right or relevant manner. We do not want
to get hurt or die because of irrelevant risks. Risks must come with the right and relevant
way […] the relevant risks are the ones that can be predicted, controlled, mastered, and
dealt with by me through my skills (p.19).
Krein (2007) é mais específico na sua definição. Para ele aventura e esportes
extremos se sobrepõe e coexistem, mas nem todos os esportes extremos são esportes de aventura
porque não acontecem em ambiente natural:
One of the characteristic features of adventure sports is the level and type of risk
encountered […] It is not so much the frequency of injuries, that is most noticeable, but
the possibility of very serious injury, even death […] the remoteness of the settings in
which they typically take place and the factors that are beyond the control of
participants, such as weather… (p.80).
46
Além disso, para o autor, não é a busca do risco que explica a motivação para os
esportes de aventura. Seu argumento contra a caracterização destes tipos de atletas como
“viciados em perigo” contrapõe Breivik (2007). Krein (2007) pondera que há formas mais fáceis
de se expor a riscos do que estas atividades tão complexas. E que a maior parte do tempo de
prática dos atletas de aventura é dedicada a minimizar o risco a ser corrido. Portanto, ele conclui
que o apelo dos esportes de aventura não está apenas no seu status de coragem, mas muito mais
no tipo peculiar de interação com o mundo natural que não pode ser encontrado em outras
atividades:
[…] said that those kinds of athletes compete against nature […] Many contemporary
athletes would not accept this type of characterization […] the idea of conquering some
aspect of the natural environment has largerly been replaced by the idea of interactively
harmonizing with it (p.88).
Esta orientação “eco-friendly” pode ser uma tendência entendida como o significado
relevante das práticas de aventura (Breivik, 2007). Entretanto, Breedie (2007) alerta que sempre
haverá diferentes ideologias em tensão dentro de uma mesma modalidade.
O autor usa o montanhismo como exemplo em sua clássica discussão sobre se seria
ética a fixação permanente de sinalização, trilhas, degraus, grampos e/ou cordas. Este é um
debate sempre ativo entre uma vertente mais romântica e purista, que acredita que o desafio físico
deve estar associado ao desenvolvimento pessoal, criatividade, surpresa, autenticidade, liberdade
e heroísmo (que não se pode alterar a montanha, portanto) e uma vertente mais racionalista para
quem o controle, a organização, a medição sistemática, a checagem dupla, os registros detalhados
e os equipamentos sofisticados são o que garantem não só a segurança das pessoas, como
também a preservação do ambiente, já que direcionariam os praticantes evitando alargamentos de
trilhas, e outras consequências do tipo. Breedie (2007) conclui que as montanhas podem ser a um
só tempo, lugar de educação e metáforas para a vida, lugar de experiências sublimes e catarse ou
um campo de contestação política.
One of the aspects of adventure sport that caused my initial interest was its potential to
attract people who are either disinterested in, excluded from, or even disenfranchised by
traditional institutional ‘sport’[…] My own work has illustrated how surfers have
embraced forms of identity politics, challenging the ideologies and practices of neo-
liberal capitalism through environmental activism […] Nonetheless, the overwhelming
evidence from researchers in North America, Australia and Europe seems to be that,
despite the potential for sporting identities to be different, many of these sports have
remained the playgrounds of affluent western white man (WHEATON, 2009. p.131).
One consequence of this globalization for largely ‘wealthy’ westerns is their ability to
travel to ‘exotic’ places in search of ‘authentic’ adventure and in particular experience
activities which require specific geographical landscapes, for example snow-based or
water-based adventure sports […] However, this tourism discourse puts a gloss on or
hides aspects of local culture and environment. The tourist may be unaware of local
concerns and issues which are exacerbated by tourist influx (p.102).
O capítulo de L'Etang (2009) também usa o termo aventura, pois afirma que tais
práticas procuram diferenciar-se dos esportes mais convencionais em todos os aspectos da vida,
tendo o risco de acidentes e perigos intrínsecos como centrais (p.45). Porém, ao contrário de
Humberstone, sua definição é imprecisa:
19
O aventureiro confia, de algum modo, em sua própria força; antes de tudo, porém, confia em sua própria sorte; no
fundo, ele se fia em uma singular união não diferenciada de ambas. A força, da qual ele está seguro, e a sorte, da qual
ele não está seguro, convergem nele - subjetivamente - em direção a um sentimento de segurança. Se a essência do
gênio é caracterizada por uma relação imediata com as unidades misteriosas, que na experiência e na decomposição
operada pela razão se separam em fenômenos completamente isolados, então, o aventureiro genial vive, como que
com um instinto místico, no ponto onde a marcha do mundo e o destino individual por assim dizer ainda não se
diferenciaram um do outro (SIMMEL, 1971 [1911], p.194).
49
formality which structures events. Nevertheless, each adventure sport has its own unique
characteristics and micro-culture derived from the activity (p. 44).
Esta definição, não ajuda a construir a precisão conceitual que busco neste capítulo, e
na presente pesquisa, pois confunde uma série de diferentes ênfases terminológicas. Além de usar
o termo lifestyle sem considerar a crítica da própria abertura do livro que compõe (que ele se
restringe a certos tipos de praticantes experientes e que era característica de tais atividades
quando elas não eram massificadas), no final de sua explanação a autora inclui uma gama de
práticas que remetem à definição abrangente de esportes alternativos de Rinehart (2000).
Apesar do efervescente debate conceitual que acontecia em língua inglesa, é a
tradução de Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver, de David Le Breton (2009),
entre outros livros e artigos do autor publicados em português, que influencia mais a produção
brasileira sobre o tema deste estudo. Além dele, outro referencial privilegiado são os trabalhos de
Javier Betrán, que tem sua proposta de terminologia, AFAN (actividades físicas de aventura em
la naturaleza), adotada como referencial pelo Laboratório dos Estudos do Lazer da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), entre outros pólos brasileiros de produção científica. Apesar das
traduções para o português e participação em eventos brasileiros de Barbara Humberstone e
Michael Boyes, é possível notar menor penetração de autores anglófonos na produção brasileira.
E é exatamente a produção em inglês que tem apresentado estudos mais críticos no que se refere
a questões como classe, gênero e raça e as dimensões políticas do fenômeno aqui estudado.
Notas conceituais sobre os esportes na natureza (DIAS E ALVES JUNIOR, 2007),
Lazer, aventura e risco: reflexões sobre atividades realizadas na natureza (MARINHO, 2008),
Esportes radicais de aventura e ação: conceitos, classificações e características (PEREIRA
ARMBRUST E RICARDO, 2008), entre muitos outros artigos deste ínterim são uma amostra do
intenso debate conceitual que ainda está em curso. Enquanto Dias e colaboradores defendem a
adoção do termo esportes na natureza e Pereira e colaboradores advogam em favor do termo
esportes radicais como termo “guarda-chuva”, Uvinha já deixava de publicar sobre esportes
radicais e passava a optar pelo termo aventura na sua transição acadêmica para a área do turismo
e na organização de Turismo de Aventura: reflexões e tendências (2005). Mas, apesar de sua
transição profissional para o turismo, embora dada via estudos do lazer, o autor nos furta a
oportunidade de conhecer, ao menos nos textos publicados, sua posição acerca dos problemas da
interface do turismo de aventura com o esporte e a educação física.
50
(...) é um termo amplo que abrange todos os tipos comerciais de turismo e recreação ao
ar livre com um elemento significativo de emoção. Está intimamente relacionado ao
turismo na natureza, confundindo-se com ele em algumas ocasiões. Contudo, os
produtos de turismo na natureza enfocam a observação, enquanto os de turismo de
aventura, a ação. Um grande leque de atividades de lazer ao ar livre tem sido rotulado
como como produtos comerciais de turismo de aventura, desde caminhadas curtas e de
baixo impacto até passeios caros que requerem o uso intensivo de equipamentos, como
helicópteros e navios de cruzeiro para expedições. O turismo de aventura também tende
a incluir, algumas vezes, viagens independentes que proporcionam ou são percebidas
pelos próprios participantes como provedoras da experiência de aventura (p.3)
O livro, contudo, foca os “pacotes comerciais de turismo de aventura que podem ser
comprados por consumidores individuais” (p.3) e não se dedica à interface com a dimensão
esportiva ou política do fenômeno. Na virada para a segunda década dos anos 2000, no Brasil,
coletâneas também passaram a ser regularmente organizadas como produtos do Congresso
Brasileiro de Atividades de Aventura, que se torna também Congresso Internacional de
Atividades de Aventura em 2010, trazendo como título o tema geral do evento e capítulos de seus
conferencistas, organizadores, palestrantes e oficineiros. São elas: Entre o urbano e a natureza:
inclusão na Aventura (MARINHO, COSTA, SCHWARTZ, 2011), Esporte e Turismo: parceiros
da sustentabilidade nas atividades de aventura (PEREIRA, SCHWARTZ, FREITAS E
TEIXEIRA, 2012) e Tecnologias e atividades de aventura (SCHWARTZ, et al, 2012).
Além delas, estudos de docentes e egressos do curso de pós-graduação em Esportes e
Atividades de Aventura do Complexo Educacional FMU: Pedagogia da aventura: os esportes
radicais, de aventura e de ação na escola (PEREIRA E ARMBRUST, 2010) e Atividades de
aventura: em busca do conhecimento (PEREIRA, 2013) reforçam a prevalência do termo
aventura para a nomeação deste campo de atuação profissional e acadêmica no Brasil e marcam a
51
transição de Cleber Dias20 e Dimitri Pereira, o primeiro defensor do termo esportes na natureza e
o segundo de esportes radicais, também para o uso do termo aventura.
Neste ínterim, além da produção itinerante do CBAA, outras publicações se dão fora
do Sudeste. Memórias, Olhares e Aventuras: a experiência do excursionismo na formação em
Educação Física, dissertação de Ênio Pereira defendida em 2009, publicada em livro em 2011,
registra um trabalho pioneiro de inserção do excursionismo e práticas de aventura nos currículos
de cursos de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas ao analisar os significados
destas disciplinas retidos por seus alunos. A dissertação Cidade Sustentável, Políticas Públicas e
Esporte de Natureza: um caminho a se trilhar (2011) de Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá,
defendida na Universidade Federal da Paraíba investiga João Pessoa e é publicada como parte do
livro Esporte de Natureza, Políticas Públicas e Sustentabilidade: Reflexões para Gestão Pública
das Cidades (2015). Os artigos O lazer e as relações socioambientais em Belém – Pará (BAHIA, 2012)
e Lazer em áreas verdes públicas urbanas: as vivências na praça Batista Campos em Belém
(BAHIA e FIGUEIREDO, 2014) também são exemplos. Entretanto, eu buscava referências para
discutir políticas nacionais para práticas de aventura.
Definir o que são essas modalidades de aventura é certamente uma questão de poder. Por
isso, mesmo para o mercado, não se trata de meras palavras. Elas vêm subsidiando
projetos de lei (como 7.288/2010), com fins pragmáticos e consequências na atuação
profissional em Educação Física. Ao dizer, por exemplo, se o trekking é turismo ou
esporte, se legaliza a quem o profissional de aventura deve sujeitar-se (ou à Associação
Brasileira de Empresas de Turismo de Aventura ou às entidades esportivas ou ao
Conselho Federal de Educação Física) e, consequentemente, quais normalizações irá
seguir (p.697)
Entretanto, embora plante a semente, o autor não desenvolve uma análise de tais
processos. Fato também ignorado pela dissertação Formação e atuação profissional em atividade
de aventura no âmbito do lazer (AURICCHIO, 2013), realizada em programa de educação física,
20
Pimentel (2013a) critica a opção de Dias (2007) pelo termo esportes na natureza e dialoga com ele.
52
mas que usa a ABETA como fonte indiscutível de códigos de conduta a serem seguidos pelo
professor de educação física.
Em capítulo de livro, fruto de pós doutorado realizado na Universidade do Porto,
intitulado “Mecanismos de controle dos riscos em esportes de aventura”, Pimentel (2013b)
avança em relação a seu artigo. O autor afirma que em consequência do crescimento das práticas
de aventura, especialmente no mercado turístico, acidentes se tornaram mais frequentes, com
ampla divulgação na mídia, a ponto de familiares de vítimas do turismo de aventura criarem a
Associação Férias Vivas (AFV) para realizar o monitoramento dos acidentes envolvendo
atividades de aventura, campanhas de prevenção e políticas públicas a segurança em atividades
de aventura. Ainda segundo Pimentel (2013b) tal movimento desencadeou as primeiras ações de
normalização da aventura, que vêm sendo incorporadas ao Projeto de Normalização e
Certificação em Turismo de Aventura no âmbito da Associação Brasileira de Normas
Técnicas/Comitê Brasileiro de Turismo – ABNT/CB54. De acordo com o autor, em
complemento, a ABETA – Associação Brasileira de Empresas de Turismo de Aventura –
desenvolveu um programa denominado Sistema de Gestão do Risco e da Segurança.
Entretanto, Pimentel (2013b) alerta que apesar de produzir conhecimentos que
convençam a população que tais normas visam o bem dos cidadãos, elas foram feitas para o
turista de aventura, sob jurisdição de empresas, e não para o universo do esportista. Segundo o
autor, esse diferencial leva as entidades desportivas da aventura a interpretarem a normalização
do turismo de aventura como uma ingerência em seu campo. Havia, de acordo com Pimentel
(2013b), um amplo debate entre ABETA e Confederações a respeito dos limites entre turismo e
esporte de aventura, resultando em embates significativos em torno do Projeto de Lei n°
7.288/2010 que, segundo o autor, em termos pragmáticos, visava definir a quem o profissional de
aventura deve sujeitar-se (ou à ABETA ou às entidades esportivas) e, consequentemente, quais
normalizações irá seguir.
Pimentel (2013b) também cita Spink et al. (2005), que afirma que o turista tem o
risco controlado pelo profissional, enquanto o esportista se capacita para ser gestor do próprio
risco assumido. No último caso, é preciso considerar como o autor, que grupos que detêm mais
capital econômico, social e cultural são capazes de se prevenir com melhores equipamentos de
segurança, conhecimento mais detalhados sobre os riscos (instrução de experts, equipe de apoio)
e suporte mais eficiente em caso de danos (seguros de vida, planos de saúde que incluem resgate
53
em helicóptero). Por isso, o autor afirma ser importante que a gestão dos riscos esportivos seja
estudada no Brasil, traçando paralelos com a experiência de outros países, o que pode ser dar de
forma documental. Sugestão que foi levada à cabo no presente estudo.
Além deste estudo de Pimentel, encontrei no cenário anglófono a maior concentração
de estudos sobre as dimensões políticas de tais práticas, tais como Leisure and the politics of the
environment (MANSFIELD e WHEATON, 2011) e The cultural politics of lifestyle sports
(WHEATON, 2013), com a particularidade de que na virada de década o termo aventura entre em
desuso em trabalhos em inglês. O uso do termo esportes estilo de vida (lifestyle sports),
começando a aparecer em sua forma abreviada (LS) e acrescido do termo esportes informais
(informal sports) é crescente e vamos tomá-los como sinônimos quando os esportes estilo de vida
e/ou informais contém o risco como componente central.
Gilchrist e Wheaton (2011) afirmam que os esportes informais têm uma importância
crescente no campo das atividades físicas, chegando a desafiar e substituir os esportes
tradicionais em equipe em certas partes da Inglaterra. Eles fazem tal afirmação baseados em
estudos de programas esportivos em periferias do Reino Unido que não interessavam à população
e não encontravam o número de adeptos esperado. Isto porque, entre os jovens daquelas
localidades, o interesse e procura maiores eram por skate e le parkour. Deste modo Gilchrist e
Wheaton (2011) afirmam que existe uma falta de integração entre sociedade civil e os feitores das
políticas (policymakers) e eles e os acadêmicos que poderiam oferecer diagnósticos sobre
demandas e significados de modalidades para informar a elaboração de políticas públicas. Mas
neste artigo, eles propõem o esporte estilo de vida como uma ferramenta para que os objetivos de
outras políticas sejam alcançados (p.112) de maneira um tanto funcionalista e baseada no
discurso da saúde.
Para incentivar que mais pessoas adotem estilos de vida ativos, além de prevenção de
uso de drogas e envolvimento com crime21, por exemplo, os autores reconhecem a importância
do Sport England ter trabalhado em projetos do Active England com uma concepção mais ampla
de esporte, para além da participação em clubes tradicionais, tendo construído novos tipos de
equipamentos esportivos para esportes informais e iniciativas tais como os StreetGames.
Entretanto, segundo os autores, iniciativas mais locais têm acontecido isoladamente sem
21
Apesar das críticas já tão conhecidas a estas formulações, esta parece ser a concepção inglesa sobre para que
servem as políticas públicas de esportes, segundo Gilchrist e Wheaton (2011).
54
consciência de seus problemas e pontos positivos, ou seja, sem análise e sem registro e
compartilhamento do aprendizado para políticas futuras ou em outros espaços. Além disso, ao
entrevistarem gestores envolvidos em tais iniciativas eles encontraram que a impressão de que o
risco de lesões é mais elevado nestes esportes dificulta justificar políticas de fomento:
Even though public health institutions are engaged in unprecedented efforts to counter
the sedentariness of youth, the promotion of lifestyle sport has been and remains
tempered by the view of them having high risk of injuries […] “We know how long it
took to get us to this stage, and a lot of that was around the questions of qualifications,
insurance... you’ve got your liability, and is this sport safe?” For sport development
professionals, establishing parkour as a legitimate sporting activity with recognized
training and teaching structures was essential. To this end, Westminster Sport
Development Unit, in conjunction with Parkour Generations, who deliver the teaching in
Westminster and are one of the premier groups of parkour participants/teachers in the
United Kingdom (and internationally), are creating a parkour national governing body
(NGB) with support from Sport England. In contrast to the Westminster Sport
Development Unit, provision for parkour in Brighton is based around a theatre company,
funded through the arts. The Urban Playground (UPG) team teach and practice parkour
under the remit of ‘physical theatre’; they initially gained funding for parkour training
and to develop a training facility involving a set of movable stages from the Brighton
and Hove Arts Commission under an initiative called Making a Difference. The movable
facility has since been used in schools across Brighton, and for a number of public
performances. UPG consider the arts ‘the most natural’ place for parkour, and have used
their former training as physical theatre practitioners to create parkour as an ‘artistic
discipline’ by defining parkour as an artistic practice, UPG felt it helped to circumvent
health and safety concerns, which are overly restrictive when labelled as a sport…
Although participants remain resistant to having regulations imposed on them, most
acknowledged the need for training and teaching to be regulated. However, akin to many
other risky lifestyle sports including mountaineering and surfing, subcultural codes,
rather than imposed sport rules, are seen to ensure the safety of participants (p.127)
Note o leitor a tensão estabelecida na Inglaterra entre praticantes experientes que não
querem ser regulados (embora reconheçam a necessidade de regulação do ensino do parkour) e os
órgãos de administração esportiva, encontrando na classificação como arte uma forma de se
esquivar das exigências de segurança do cenário esportivo.
Os autores deste estudo, Paul Gilchrist e Belinda Wheaton, têm articulado uma série
de iniciativas em relação ao estudo de políticas públicas para as práticas que estamos
investigando. Ao longo do ano de 2015 e 2016, eles organizaram o seminário acadêmico
Exploring the Social Benefits of Informal and Lifestyle Sports, com financiamento do Economic
and Social Research Council (ESCR) e em parceria de sua University of Brighton com a Brunel
University e a Bournemouth University. O evento foi organizado em seções temáticas de um a
dois dias cada, realizadas alternadamente, cada uma em uma das universidades envolvidas. Os
55
dois primeiros encontros foram dedicados às políticas públicas22. A programação pode ser vista
na tabela abaixo:
Seminar 1 (2 day) Mapping the Policy Context. 24th & 25th University of Brighton
April 2015
Seminar 2 Institutionalisation and Regulation 15th June University of Brunel,
2015 London
Seminar 3 Informal Sport in School and the PE 27th January University of
curriculum 2016 Brighton, Eastbourne
Campus
Seminar 4 (day 1: gender) & Minority Participants in Informal Sporting July 2016 Bournemouth
Seminar 5 (day 2: Spaces: Inclusion, Exclusion and University
racialisation). Strategies for Change.
Seminar 6 Key findings and Lifestyle Sports Summer University of Brighton
Festival. 2017
Tabela 1. Programação do evento Exploring the Social Benefits of Informal and Lifestyle Sports
22
Todas as falas foram filmadas e podem ser encontradas em: http://www.informalandlifestylesports.org.uk/, assim
como o encerramento, com os principais pontos tirados dos debates, que acontecerá em 2017.
56
Além disto, para os autores, a escrita etnográfica precisa apresentar a descrição local
cotejando-a com a situação de outros grupos, outras realidades ou outras subjetividades, para não
se constituir em descrição que se encerra nela mesma; o que será feito nesta pesquisa não apenas
com a apresentação dos resultados e discussão combinados em um mesmo capítulo, mas também
com o trabalho de campo sobre mesmo tema realizado na Nova Zelândia e apresentado no
posfácio. Ainda seguindo os autores, procurei ponderar entre conclusões sobre o particular e o
geral, para evitar particularismos exagerados e universalidades absolutas no processo de:
Acredito, portanto, assim como Clifford (2008), que a etnografia é uma forma de
escrita que congrega todos estes elementos e que os dados não são coletados, mas sim
construídos. E não só na relação do pesquisador de campo com aqueles que estuda, mas também,
como é o caso de um doutorado, na relação do pesquisador com seu orientador, com os membros
de suas bancas de qualificação e defesa, com seus professores23, com colegas de seus grupos de
estudo e seus campos e com as expectativas das agências financiadoras (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo) e seus pareceristas. Escrevo em primeira pessoa assumindo o
ônus autoral, mas não por desconsiderar a colaboração de todos os envolvidos.
23
No primeiro semestre cursei as disciplinas Análise de Políticas Públicas, com o Prof. Dr. Geraldo Di Giovanni, na
Faculdade de Economia da Unicamp e Imagens, Corpo e Educação, com a Profa. Dra. Carmen Lucia Soares, na
Faculdade de Educação da Unicamp, além de realizar estágio docente voluntário na Faculdade de Educação Física
em Fundamentos de Antropologia e Educação Física com Prof. Dr. Jocimar Daólio e em Fundamentos Teóricos do
Lazer com a Profa. Dra. Sílvia Cristina Franco Amaral. No segundo semestre, na Faculdade de Educação Física
cursei História do Corpo e da Educação Física, com o Prof. Dr. Edivaldo Góis Junior e Seminários Avançados em
Lazer e Sociedade com a Profa. Dra. Silvia Cristina Franco Amaral. No terceiro semestre, cursei Filosofia e Estética
do Corpo e do Movimento, com o Prof. Dr. Odilon José Roble e Estágio de Capacitação Docente – com a Profa. Dra.
Olivia Ferreira Ribeiro na disciplina Lazer e Sociedade. No quarto semestre, como aluna ouvinte, cursei as
disciplinas Sociologia do Esporte, com a Profa. Dra. Heloisa Helena Baldy dos Reis e Antropologia do Lazer,
disciplina concentrada oferecida pelo Prof. Dr. José Guilherme Magnani, na UFMG. No quinto semestre realizei
estágio de pesquisa na Universidade de Waikato, em Hamilton, na Nova Zelândia, na Faculdade de Educação, junto
ao Departamento Sport and Leisure Studies, sob supervisão da Profa. Dra. Belinda Wheaton. Além de assistir como
ouvinte sua disciplina de método científico: Researching Sport and Leisure, tive reuniões de aconselhamento, sobre
os problemas da metodologia deste trabalho, com a Profa. Dra. Rebecca Olive, Profa. Dra. Holly Thorpe e Profa.
Dra. Karen Barbour.
59
Toda esta conjuntura leva a assumir a não neutralidade científica, enquanto permite
admitir, assim como já feito em Bandeira (2012b), que os dados emergem do estabelecimento de
relações sempre interessadas entre pesquisador e pesquisados e que suas descobertas são sempre
incompletas e provisórias, já que, como afirma Fonseca (1999), nossas análises sempre vão ser
uma simplificação grosseira da realidade, ou Geertz (1989), uma interpretação de “segunda mão”.
Por isso, um estudo etnográfico é também, na minha concepção e neste momento, aquele que não
nega seus vieses e limitações, ao contrário, deve esforçar-se por conhecê-los e mostrá-los ao
leitor para que ele saiba das condições de produção de cada pesquisa e porque dispõe de tais
dados ao invés de outros. Cabe aqui, então, explicitar minha posição no campo.
Eu sou uma entusiasta das práticas de aventura por acreditar em sua potencialidade
subversiva. Entretanto, não sou praticante autônoma, nem profissional da área. Não tenho nem
tive afiliação ou relação que não fosse de pesquisa com nenhuma das entidades mencionadas
neste trabalho. Não parto, portanto, de nenhum ponto de vista de dentro do fenômeno, nem de
uma modalidade, nem de uma filiação. Minha posição neste campo é a de uma “outsider”24,
alguém que procura entender como se iniciar na prática. Minhas primeiras experiências práticas
com modalidades de aventura coincidiram com minhas pesquisas, mas ao experimentar períodos
de boa frequência na prática, tanto do surfe, quanto do rafting durante os trabalhos de campo, fui
afastada de ambos por lesões (tímpano e joelho no primeiro e punho e coluna no segundo).
Também por isso, sinto a urgência de uma discussão sobre risco e segurança que englobe sujeitos
que precisam de mediação pedagógica para optar por alguma modalidade de aventura em seu
lazer25.
Somando-se a isso, para Riles (2006), fazer etnografia em condições nas quais a
distância entre antropólogo e informante, bem como entre teoria e dado não podem mais ser auto
24
Embora meu pai tenha sido adepto de caça e pesca e tenha levado nosso núcleo familiar a acampar algumas vezes
na praia do Cassino, não fui incentivada a praticar esportes de aventura autonomamente, visto que eles eram
entendidos como atividades exclusivamente masculinas na minha casa. Aderi ao handebol competitivo desde os nove
anos de idade e, depois de nos mudarmos de Pelotas para São Paulo, joguei o campeonato paulista, representando sua
seleção, até entrar na faculdade. A partir da perspectiva de atleta de uma modalidade convencional, que mantive
durante a graduação representando a Faculdade de Educação Física e a seleção da USP, a curiosidade sobre os
diferentes valores e como os adeptos de práticas tão diferentes da minha viabilizam suas modalidades, que processos
permitiram que se tornassem proficientes e adquirissem tão complexos conhecimentos em ambientes de prática tão
informais, tornou-se interesse de pesquisa.
25
Não estou afirmando com isto que estas práticas precisam ser reguladas de fora, muito menos advogo em favor de
uma institucionalização imposta, visto que foi exatamente a ausência delas que me despertou interesse de pesquisa.
O que me instiga são exatamente os novos arranjos e soluções que tais dinâmicas inspiram e demandam para
acomodar seus valores.
60
the social sciences have engaged two arguments at once around purpose, namely,
whether social science should serve larger social ends such as social justice and
egalitarianism and how and under what circumstances social science can feed into policy
arenas more directly to achieve these ends. One thing is clear: Among a large segment of
interpretative and qualitative community, social science research can and should serve
far broader interests and stakeholders than the disciplinary communities alone
(LINCOLN e DENZIN, 2003, p.11).
Além disto, em acordo com Rinehart, Barbour e Pope (2014) entendo esta tentativa
de etnografia não só como “accross the disciplines” (título de Conferência Internacional
itinerante criada na Universidade de Waikato por etnógrafos da educação, do esporte e do lazer,
em 2010), mas também como comprometida com a transformação social. Neste sentido, esta
pesquisa assume uma postura mediadora, sua construção dialética presará pela exposição dos
diferentes pontos de vista em conflito no campo, com o intuito de que possam informar
negociações. Seguindo estas premissas, o texto final desta tese será oferecido à leitura dos
envolvidos no processo de sua feitura.
Escrevo “tentativa de etnografia” porque meu campo de pesquisa não possibilitou a
imersão total e interação duradoura com os pesquisados, assim como será esmiuçado no tópico a
seguir. Os dados desta pesquisa foram, então, construídos via triangulação de métodos. Análise
documental, entrevistas e observação direta foram aplicadas segundo pressupostos da pesquisa
etnográfica na esperança pela oportunidade do estabelecimento de vínculos com os pesquisados e
convite a suas rotinas.
Por isso, defino este trabalho de maneira mais geral como uma pesquisa qualitativa
exploratória. Por pesquisa qualitativa entendo o empreendimento investigativo que privilegia a
construção de conhecimento contextualizado, aprofundado e significativo, que objetiva capturar
elementos cuja relevância independe da frequência quantitativa e por isso demanda abordagens
interpretativistas. Por pesquisa exploratória entendo a pesquisa sobre um campo com nenhuma ou
poucas referências e que precisa fazer as vezes de levantamento de ideias e padrões. Entretanto, o
investimento em leituras sobre etnografia para partir para o campo e lidar com os problemas dele
advindos não pôde ser por mim ignorado. Como estas leituras foram intensivas, informando
sobremaneira toda a feitura da pesquisa, julguei inadequado omiti-las.
61
sabiam do que se tratava e o secretário de esporte de alto rendimento, que deveria ser seu
presidente, segundo sua composição divulgada pelo diário oficial, tampouco. Li para elas, então,
os nomes dos membros fundadores da comissão em 2006 e elas puderam apenas me fornecer
contatos telefônicos e/ou endereços eletrônicos das secretárias dos poucos que eram ainda
funcionários do Ministério.
Ao contatá-los, apenas dois responderam dispostos a colaborar com a pesquisa em
forma de entrevista. Outros dois membros, não empregados pelo ME, preferiram o contato online
e encaminharam por e-mail documentos digitalizados e links para documentos elaborados ou
relacionados à comissão ou à tramitação de projetos de lei sobre aventura. Assim que tomei
conhecimento do projeto de lei PL7288/10, único ainda em trâmite na época, tomei sua
tramitação na Comissão de Esportes e Turismo da Câmara dos Deputados como campo
alternativo, já que a CEAV nunca mais se reunira. Entretanto, nesta mesma semana de primeira
incursão ao campo ele fora rejeitado.
Foi assim que os arquivos da Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos
Deputados se tornaram uma fonte de dados. Neles encontrei os registros das diferentes fases de
tramitação de cada projeto de lei sobre o tema, além de transcrições de audiências públicas
convocadas para informar a votação do último. Busquei publicações sobre o tema nos sites
oficiais e blogs pessoais dos participantes destas audiências: O Conselho Nacional de Educação
Física (CONFEF), o Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte (CBCE), a Associação Brasileira
de Parapente (ABP), a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), a
Confederação Brasileira de Pesca Esportiva e Desporto Subaquático (CBPES), a Confederação
Brasileira de Orientação (CBO), e a Confederação Brasileira de Esportes Radicais (CBER). Os
documentos analisados nesta primeira fase da pesquisa encontram-se listados em ordem
cronológica na tabela a seguir:
Tendo os agentes do campo sinalizando que a maioria dos documentos oficiais acerca
do problema estudado está disponível online e também se apresentando atuantes na mídia
especializada, em sua maioria digital, procurei e precisei traçar nova estratégia metodológica: a
netnografia ou etnografia digital pareciam um caminho.
Estas circunstâncias fizeram pensar a necessidade de a Educação Física atualizar sua
inspiração antropológica. Para além da já consagrada etnografia sobre o contexto escolar
(DAOLIO, 1994) e observação participante e da importância do corpo do pesquisador nas
análises de esportes, lutas e danças (WACQUANT, 2002), a etnografia pode informar a
Educação Física em seus mais distintos formatos. Primeiro porque a realidade social das práticas
corporais não se conforma apenas nos momentos específicos de prática e, segundo, porque estas
duas tendências do uso da etnografia em educação física se apoiam grandemente no conceito de
cultura.
Apesar da inegável contribuição do conceito antropológico de cultura para a
constituição de uma Educação Física mais humana, existe uma antropologia pós-cultural e uma
antropologia pós-social que problematizam o conceito de cultura e de sociedade como datados e
consideram suas apropriações indevidas dependendo do objeto que investigam (INGOLD, 1996).
Elas são raramente levadas em consideração nos estudos etnográficos ou que clamam inspiração
antropológica conduzidos na educação física brasileira.
Embora o original de A Invenção da Cultura de Roy Wagner seja de 1981 e não tão
distante do original de a Interpretação das Culturas de Geertz, de 1973, muito frequentemente o
último autor é o único levado em consideração em estudos da Educação Física na interface com a
Antropologia. Os livros Cultura com aspas de Manuela Carneiro da Cunha (2009) e O efeito
Etnográfico de Marilyn Strathern (2014), bem como a antropologia simétrica26 (LATOUR, 1994)
26
A proposta da antropologia simétrica é dissolver a desigualdade implicada nos processos de pesquisa em
antropologia, tais como pressupostos do tipo: “os outros creem, nós sabemos”, “nós temos a ciência, eles visões de
mundo”. Os pioneiros da antropologia simétrica no Brasil são Eduardo Viveiros de Castro e Márcio Goldman que
criaram a rede Abaeté de Antropologia Simétrica. Para saber mais:
http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/viewFile/50105/54225, acesso em 11/3/2016.
66
mails a deputados e assinar abaixo assinado e petição online. Exemplo de como o mundo em rede
não apenas é influenciado, como também influencia nossas rotinas e modos de viver (WESCH,
2008).
Considerando, então, a “computadorização” de nossas “sociedades da informática”
(SCHAFF, 1991), o amplo acesso à internet atualmente na vida ocidental e globalizada (JONES,
1999), ainda mais depois de recentes invenções como o tablet e o smartphone, e que práticas de
aventura tem íntima relação com produção e distribuição de conteúdo e mídia especializada
digital (WHEATON, 2013), entendo que não só os documentos e sites oficiais são
imprescindíveis para a análise da repercussão acerca da disputa pela legislação sobre aventura,
como também sua apreensão pela sociedade civil via internet. Ou seja, imaginei que uma
etnografia pela interação digital seria possível.
Apesar da maioria dos estudos que se auto intitulam “de internet” serem
desenvolvidos sobre cyberculturas, identidades virtuais e sociabilidade em uma era digital com
uso de avatares e jogos de realidades paralelas (NICOLACI-DA-COSTA, 2006), este não é o
foco deste trabalho. Não buscamos comunidades fechadas de comportamento peculiarmente
construído por sua interação online, mas ao contrário, o uso da internet nas ações corriqueiras de
pessoas que não se veem predominantemente a partir de sua participação digital.
Castells (2013) afirma que a comunicação via internet tem reacendido a participação
política popular na américa latina. Silveiras (2014) demonstra como o uso político da internet tem
se disseminado, em específico no Brasil, com análises sobre direitos autorais e o marco civil da
internet e o uso de petições e consultas online. Wilson (2008) aproxima esta reflexão do objeto
específico da presente pesquisa e atenta para a importância do uso político da internet como
resistência em fenômenos esportivos. Bandeira (2014) problematiza a íntima relação entre
esportes recentes, a produção de imagens e a mídia digital, e até mesmo o surgimento de um novo
tipo de cinema e jornalismo esportivo com o uso de câmeras de dimensões reduzidas, como a Go
Pro.
Hine (2000) acrescenta que a internet muda relações de tempo/espaço. Segundo ela,
as crises da etnografia (ter culturas distantes como objetos privilegiados, relegar a autoridade do
antropólogo em ter estado lá, visto e vivido e a centralidade da interação face a face) precisam ser
superadas. O texto etnográfico precisa agora mostrar ao leitor não só como e o que fizemos na
68
pesquisa, mas também convencer o leitor que galgamos profundidade de reflexão, o que nos
autoriza a falar sobre o assunto, por meio de outros recursos (p. 46).
Isto será feito na presente pesquisa com citações literais de trechos dos documentos
analisados e imediato oferecimento de suas respectivas fontes, em formato de links, para a
consulta da íntegra. As conversas informais em bate papos ou dispositivos de chamadas online
serão diluídas nas conexões entre argumentos, quando o pesquisado tiver solicitado anonimato.
Visto que uma etnografia tradicional em seu plano de ser uma etnografia institucional
não foi possível com o cessar das atividades da Comissão de Esporte de Aventura, repensei meu
campo a partir de princípios de etnografia virtual Hine (2000), etnografia digital (WESCH, 2008;
UNDERBERG E ZORN, 2013) e netnografia (KOZINETS, 2008), mas prefiro evitar a alusão à
oposição real/virtual deixada por Hine (2000), apesar de tê-la como uma das referências centrais.
As ideias de cyberespaço e hipermídia também são evitadas neste trabalho por soarem como algo
muito peculiar e distante da vida prática de pessoas comuns, talvez até refletindo alguma
exotização de seus usuários ou adeptos.
Acredito como Kendall (1999), Hine (2000) e Wesch (2008), que a internet não é
apenas uma paisagem ou plataforma, mas tampouco é um outro mundo, alheio aos
pertencimentos global, regional, local, comunitário, familiar, clubístico e etc. de seus usuários ou
adeptos. Concebo a internet como um meio social, ou mais uma dimensão da vida humana. Esta é
uma análise que se viabiliza pela internet e não uma análise da internet, por isso, seu recorte não
será apenas um site ou um tipo de página ou dispositivo online, mas sim as conexões entre os
diversos meios engendrados na discussão do tema. Segundo Hine (2000), o espaço da internet:
Is the space of flows, which, in contrast to the space of place, is organized around
connection rather then location … By analogy, the field site of ethnography could
become a field flow, wich is organized around tracing connections rather than about
location in a singular bounded way (HINE, 2000, p.61).
Para Mitra e Cohen (1999), devido ao grande volume de textos da World Wide Web,
as questões: por onde começar, como selecionar um ponto de partida, quantos links seguir e
quando parar, podem ser imobilizantes. Como este estudo trata da dimensão formal da política, o
ponto de partida foram os documentos oficiais, matérias jornalísticas e comentários pessoais em
blogs (que possuíam links que levavam a outros, as quais segui, no modelo “bola-de-neve”)
sugeridos pelos agentes sociais contatados na primeira incursão a campo. Além disso, alguns
69
2 Projeto de lei vai na contramão da defesa do consumidor e isenta Associação Férias Vivas 04/2003
agências de turismo de responsabilidade
3 Turismo Brasileiro com marca de segurança Sílvia Basile/Associação 11/2003
Férias Vivas
4 A segurança no turismo como fator de sustentabilidade Ieda Lima/Associação 06/2004
Férias Vivas
5 O poder público como responsável por acidentes com turistas Ieda Lima/Associação 09/2004
Férias Vivas
6 Para uma aventura mais segura Pedro 02/2005
Cavalcanti/Associação
Férias Vivas/Outward
Bound Brasil
7 Esportes de Aventura Contra o Ministério do Turismo Claudio Consolo 18/05/05
8 Turista é diferente de esportista Jean Claude s/d
Razel/ABETA
9 Projeto de normalização e certificação em turismo de aventura Associação Férias Vivas 09/2005
10 Em busca de um final feliz: Normas de qualidade e segurança Sergio Brasil/ Associação 09/2005
colocam o Brasil na rota internacional do turismo de aventura Férias Vivas
11 A responsabilidade do estado por danos causados por acidentes de Mônica 03/2006
recreação, lazer e turismo Garcia/Associação Férias
Vivas
12 A questão das agências de turismo de aventura promoverem esportes Carlos Vageler 18/5/2006
de aventura
13 Leis de mais, aventura de menos André Ilha 5/03/2007
14 Projeto Sem Noção: Especialistas defendem mais debate sobre Altamontanha.com 4/6/2008
projeto de lei
15 Carta aberta ao Sr. Presidente da República Ieda Lima/ Associação 09/2008
Férias Vivas
16 Especial 10 anos: Simplesmente Alexandre Freitas Lilian Araujo 20/10/2008
17 Você sabia que os esportes de aventura e radical possuem definição? Cláudio Consolo 18/09/2009
18 Você conhece os posicionamentos do Confef e Conferências Cláudio Consolo 18/9/2009
Nacionais do esporte sobre os esportes de aventura e turismo de
aventura?
19 Conhecendo o$ numero$ do esporte brasileiro Cláudio Consolo 19/09/2009
20 Manual de Boas Práticas Aventura Segura de Escalada ABETA e Ministério do 2009
Turismo
21 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 1 Cláudio Consolo 28/09/2009
22 “R$15.000.000,00” – Não são... Cláudio Consolo 29/09/2009
23 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 2 Cláudio Consolo 29/9/2009
24 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 3 Cláudio Consolo 29/9/2009
25 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 4 Cláudio Consolo 30/9/2009
26 ABETA – E o Tribunal de Contas da União - 5 Cláudio Consolo 1/10/2009
27 “A Lógica”- “O Absurdo” e “A Ilegalidade” Cláudio Consolo 4/10/2009
28 Esporte Radical é Turismo? Eliseu Freichou 5/10/2009
29 ABETA - Presença nas Audiências sobre a COPA e Olímpiada Claudio Consolo 15/10/2009
30 “Convênios” – Do poder público com entidades esportivas Cláudio Consolo 21/10/2009
31 Parabéns aos senadores Efraim Morais e Raimundo Colombo Cláudio Consolo 5/12/2009
32 Autonomia à CBME: projeto de lei estabelece normas para a pratica Altamontanha.com 5/12/2009
de esportes de aventura
33 Aprovada regulamentação de esportes radicais e de aventura Agência Senado 6/4/2010
34 III Conferência Nacional do Esporte . 3 Cláudio Consolo 9/6/2010
35 Comissão discutirá regulamentação de esportes de aventura Agência Câmara Notícias 30/6/2010
36 Deputado defende novas regras para a prática de esporte de aventura Carolina Pompeu/Câmara 30/6/2010
Notícias
71
É importante ressaltar que não lanço mão dos trechos destes documentos como se eles
fossem referências. Eles foram analisados por mim como fontes primárias e secundárias e ações
textuais dos agentes do campo, porque produzidos para causarem efeito nele. Quando os citar,
eles não terão peso teórico, mas sim de dado empírico.
Procurei, além disto, relacionar-me com seus autores, em específico este outro perfil
de agentes do campo, os esportistas experientes/jornalistas e comentadores das políticas nas
mídias especializadas, por meio de rede social, através da qual eu imaginava poder estabelecer
contato mais permanente. Entretanto, apesar de se disporem a manter conversas de
esclarecimento e aprofundamento sobre suas publicações e entrevistas, aqueles que aceitaram
colaborar saíram do Brasil em expedições de muitos meses de duração e tiveram sinal de internet
limitado durante o período de que dispunha para realizar este trabalho de campo.
Na rede social Facebook, encontrei uma comunidade de condutores de turismo de
aventura que tinha 490 membros em 27 de Março de 2015 e como descrição: “este grupo tem
como objetivo discutir sobre os conhecimentos dos condutores e discutir sobre a NBR15285:
72
Turismo de aventura- condutores-competência pessoal”. Esta citada no objetivo do grupo foi uma
das primeiras normas ABNT/ABETA a ser criada. Embora meu enfoque fossem os agentes
esportivos do campo político da aventura, devido as negativas que recebia deles, julguei
produtivo conhecer as opiniões daqueles que atuavam no turismo de aventura antes das normas.
Solicitei acesso ao criador do grupo que me adicionou gentilmente.
Ao notar que alguns questionários haviam sido elaborados e respondidos com as
próprias ferramentas da plataforma, me apresentei no mural do grupo e solicitei participação dos
membros nesta pesquisa por três vezes. Entretanto, apenas o criador da comunidade aceitou
participar deste estudo. Coube-me analisar retrospectivamente as postagens. Neste processo
percebi que o grupo divulgara normas em elaboração em fase de consulta pública e reivindicou
um encontro nacional dos condutores de aventura, visto que julgava o Summit anual da ABETA
voltado para o empreendedor. Mas desde meados de 2014 a participação de seus membros se
resumia em divulgar propagandas de suas empresas, eventos comerciais e promoções.
Fui, então, alertada em meu exame de qualificação que este estudo não constituía uma
etnografia digital devido à falta de interação duradoura com os pesquisados. De fato, a produção
de documentos, fóruns de discussão e debates em blogs foi mais ativa no recorte temporal entre
os anos de 2003 a 2013. O que não permitiu minha entrada em comunidades ou fóruns de
discussão em tempo real, mas uma análise retrospectiva daquele período de efervescência.
A posteriori percebi que isto se deu porque o primeiro ano é marcado pela separação
dos Ministérios do Turismo e do Esporte, que antes dividiam pasta e por ações que formalizaram
a criação da ABETA, agente institucional central no conflito com as entidades esportivas de
aventura, no ano seguinte. O último ano marca a rejeição do projeto de lei mais discutido na
mídia especializada e combatido por comunidades de prática relacionado a este tema em trâmite
na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados que, em fevereiro de 2014,
também foi dissolvida em duas, para acomodar atribuições partidárias, a exemplo dos
Ministérios. Em 2014, André Ilha e Silvério Nery, montanhistas muito ativos na representação do
campo esportivo, também deixaram a gestão de suas instituições de representação, o que
enfraqueceu ainda mais o debate, embora outro PL tenha sido proposto em 2015 a pedido de
montanhistas. Mas, neste último ano Pedro Hauck e Pedro Sibahi, publicadores críticos sobre o
assunto, saíram do país para longas expedições em suas modalidades de aventura.
73
O que faz a vez de uma ideia chegar? Essa pergunta é na verdade, parte de um quebra-
cabeça maior: O que faz com que pessoas do e em torno do governo atentem em dado
momento para alguns assuntos e não outros? Os cientistas políticos aprenderam sobre
uma quantidade razoável de promulgações de legislações finais, e mais amplamente
sobre decisões autoritárias tomadas em diversas instâncias do governo. Porém, processos
de predecisão permanecem um território relativamente desconhecido [tradução minha]
(KINGDOM, 1984, p.1).
explorador europeu: branco, jovem, solteiro e hábil. Este tipo de pessoa ocupou por muito tempo
o topo da cadeia científica, o que talvez tenha contribuído para cristalizar o hábito antropológico
de não publicar em coautoria, visto que o trabalho de campo era tomado como empreendimento
extremamente pessoal. Ao contrário, Gingrich (2013), advoga em favor de etnografias
desenvolvidas das mais distintas formas. Ele menciona que etnografias feitas em duplas ou
grupos não têm porque não serem aceitáveis quando bem feitas, e para possibilitar alguma
etnografia ou outros pontos de vista sobre campos nos quais é inseguro para o pesquisador estar
sozinho, como contextos de guerra ou nos quais a condição feminina é vista como
vulnerabilidade.
Lincoln e Denzin (2003) afirmam que as ciências sociais criadas na tradição ocidental
masculina foram desafiadas por múltiplos discursos nas últimas décadas: colonos, subalternos,
indígenas, feministas e refugiados. Tais inputs fizeram com que os métodos qualitativos e
também a etnografia experimentassem crises epistemológicas que os levaram a múltiplas
soluções: novos métodos e revisões diversas de técnicas já bem disseminadas, novas fontes de
dados e/ou novas formas de registrá-los e analisá-los. Por isso é preciso repensar a etnografia
clássica, excessivamente escolástica e anterior às reivindicações destes movimentos.
From cinema to advertising, management studies, and even military and police Science,
ethnography is enjoying of a renaissance […] In the academy in particular, in disciplines
from law, sociology, and economics, to literary criticism, scholars are turning to
ethnographic work as a way out of overdetermined paradigms, as a theoretically
sophisticated antidote to the excess of theory (RILES, 2006, p.1).
Gingrich (2013) afirma que certos temas, questões ou contextos como o militar, o
médico, o científico, e, acrescento aqui, o político, permitem pouquíssima participação (p. 119).
Assim, ele afirma que um trabalho de observação limitada não pode ser considerado inferior ou
incompetência, mas que a etnografia deve buscar sempre ao menos uma mínima observação junto
do uso de outras técnicas.
Diferentemente, Riles (1994) em seu estudo sobre Antropologia Legal ou do Direito
afirma que está fazendo um estudo etnográfico mesmo quando compara dois autores já falecidos
através de seus textos. A autora afirma que a etnografia não é mais estar lá, entre os pesquisados,
mas promover uma virada interpretativa, olhar diferentemente para nós mesmos e inaugurar
novos pontos de vista sobre um fenômeno (p.598). Gingrich (2013) afirma, entretanto, que a
etnografia não é o único produto da antropologia, mas também a comparação antropológica (que
busca abstrações no confrontar de etnografias já realizadas) e também a antropologia histórica
(que organiza cronologicamente acontecimentos, valores e simbologias com o intuito de
compreender como se conformam dadas realidades). Talvez este trabalho se identifique mais com
a última.
De qualquer forma, mantive o uso complementar de técnicas distintas de construção
de dados já que Sugden e Tomlinson (2002), Lincon e Denzin (2003), Flick (2009) e Wheaton
(2013) concordam em um aspecto: quanto mais comprometida com a apreensão e compreensão
de um objeto de forma complexa uma pesquisa se propõe a ser, mais técnicas de pesquisa
precisam ser empregadas na construção dos dados. A chamada triangulação, também é
considerada uma estratégia para assegurar qualidade na pesquisa qualitativa já que permite a
abordagem de um mesmo problema a partir de diferentes ângulos e modos de conhecê-lo e
diferentes níveis de informação podem se complementar em prol de uma compreensão mais
aprofundada do fenômeno em estudo.
A entrevista foi um dos métodos somados à análise dos documentos. Entretanto,
houve bastante hesitação dos agentes do campo em me conceder entrevistas. Comecei a me
perguntar, então, sobre o porquê de tamanha hesitação e sobre os limites éticos da insistência do
pesquisador em convencer um informante a colaborar com a investigação, já que era notório certo
cansaço e decepção em relação ao tema por parte dos voluntários. Esta situação promoveu uma
reflexão, baseada em Fonseca e Frey (2000), sobre o cuidado que se deve tomar para que a
76
Como o número de entrevistados foi baixo, a entrevista foi concebida para este estudo
como não redutiva, interessada nas nuances e particularidades de cada entrevistado e não houve
preocupação em controlar seu tempo máximo, ao contrário, me preocupei em receber o máximo
possível de informações e detalhes sobre a relação do agente com (ou o que sabia sobre) o
77
processo de feitura das políticas públicas para atividades de aventura. Desta forma, como as
durações foram muito longas, procedi de forma a realizar uma imersão auditiva na narrativa do
entrevistado, transcrevendo os trechos exemplares, que selecionei para a ilustração dos dados.
Isto foi feito ouvindo o conteúdo das entrevistas criticamente, não como uma representação
estável sobre dado objeto, mas sim como uma representação criada com intencionalidades desde
um ponto de vista e em relação a uma suposta audiência, de forma a complementar o pouco que
pode ser observado.
As observações diretas aconteceram em visitas de dois dias ao Ministério do Esporte
em Agosto de 2013 e à Adventure Sports Fair em 2014. Eu planejara observar a Adventure
Sports Fair de 2015, mas o evento fora cancelado pela primeira vez, desde 1998. Uma das
limitações deste trabalho é, portanto, que as interações e observações (presenciais e online)
acabaram por ter menor parte na construção dos dados.
Neste contexto político oficial (já imaginava que autorizações para observar e
entrevistar poderiam ser negadas especialmente por políticos de carreira), mas me surpreendi com
a dificuldade em obter a participação dos outros perfis de agentes sociais. Entretanto, entendi que
em um ambiente no qual processos na justiça e acusações criminais já foram deflagrados, é
esperado e compreensível o receio em se expor em um trabalho acadêmico, mesmo com o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido garantindo anonimato. Entendi eticamente correto cessar a
insistência dos pedidos de participação e focar nos documentos encontrados. Como método mais
extensivo nesta pesquisa, a análise documental merece tópico à parte, a seguir.
Concluí desta experiência metodológica que, embora Frey (2000) e Freeman e
Mayben (2011), entre outros autores da Ciência Política, incentivem estudos etnográficos da
política, que revelem os processos obscuros e não apenas interprete os produtos do fazer
governamental, conduzidos desde dentro de suas estruturas e órgãos, que de fato são minoria;
este acesso, dependendo do país e do contexto, pode não ser conseguido. Espero que esta situação
melhore com governos cada vez mais democráticos e as prerrogativas da transparência. E até que
políticas públicas que garantam o acesso de pesquisadores a esses contextos possam ser
elaboradas.
Why documents, of all things, a subject Bruno Latour has termed ‘the most despised of
all ethnographic subjects’ (1988, p.54)? Documents provide a useful point of entry into
contemporary problems of ethnographic method for a number of reasons. First, there is a
long and rich tradition of studies of documents in the humanities and social sciences.
Second documents are paradigmatic artefacts of the modern knowledge practices.
Indeed, ethnographers working in any corner of the world almost invariably must
contend with documents of some kind or another. Documents thus provide a ready-made
ground for experimentation with how to apprehend the modernity ethnographically (p.1).
Sem negar que os documentos permitem apenas certos tipos de interpretações, Riles
(2006) propõe a análise de documentos em termos de performances textuais. Ela relembra
Foucault, para quem os documentos não só são produzidos por pessoas, como também produzem
pessoas ao serem prescrições de comportamentos, principalmente no caso de manuais e leis. E
não é novidade que a produção de textos é condição sinequanon no campo político estatal.
27
Os capítulos da coletânea Documents: artefacts of modern knowledge versam sobre diferentes contextos: registros
de uma prisão de segurança máxima em papua Nova Guiné e seus usos pelos prisioneiros, estética de formulários de
uma fundação norte-americana e os diferentes modos de preenche-los, redação da missão de uma universidade,
autoria em artigos científicos, documentos médicos e familiares em uma unidade neo-natal e documentos em rituais
mortuários em Fiji.
79
Data analysis approaches based on segmenting, coding, and categorization are valuable
in attempts to find regularities in the data. But they by no means exhaust the data, or
possibilities for its exploration. Also, they break data into small pieces, risking the
development of a culture of fragmentation […] In doing this they can also
decontextualize the data (p. 222).
Neste sentido, acredito que novamente a triangulação pode ser uma alternativa para
garantir qualidade ao processo analítico. Se estamos cientes dos aspectos fortes e fracos de
diferentes formas de análise de dados, e os cruzarmos complementarmente, as chances de esta
análise ser de melhor qualidade são maiores. Adicionalmente, tenho a impressão que alguns
estudos adotam uma única forma de análise dos dados confiando em seu bom uso prévio.
Entretanto, não se preocupam em adaptar tal técnica a sua realidade de pesquisa específica, nem a
refletir sobre as críticas que tal técnica recebe e suas limitações. Quero dizer com isso que utilizar
os termos “análise de discurso” ou “análise de conteúdo”, bastante adotadas em pesquisas
qualitativas na Educação Física, sem detalhar como eles são operados em cada estudo específico,
não garante a coerência dos procedimentos de análise. Um dos procedimentos muito utilizados
nestas duas técnicas de análise é a codificação, sobre ela, Lee e Fielding (2004) afirmam:
81
debates over the status of qualitative data revealed disagreement over the very use of the
term ‘code’, which to some bore unfortunate resonances of survey-type research [...] to
them the meaning of qualitative data was more complicated and unstable then the things
which could be captured in a code […], could mean more then one thing at once […]
multiple meanings cannot comfortably be accommodated by manual code-based
procedures (p.533).
[...] deveríamos nos perguntar sobre [...] as condições sociais que tornam possível a
constituição do sistema de instituições e de agentes diretamente ou indiretamente ligados
à existência de práticas e de costumes esportivos, desde os agrupamentos “esportivos”,
públicos ou privados, que têm como função assegurar a representação e a defesa dos
interesses dos praticantes de um esporte determinado e, ao mesmo tempo, elaborar e
aplicar as normas que regem estas práticas, até os produtores e vendedores de bens
(equipamentos, instrumentos, vestimentas especiais, etc.) e de serviços necessários à
prática do esporte (professores, instrutores, treinadores, médicos, especialistas,
jornalistas esportivos, etc.) e produtores e vendedores de espetáculos esportivos e bens
associados (malhas, fotos dos campeões ou loterias esportivas, por exemplo). Como foi
se constituindo, progressivamente, este corpo de especialistas que vive diretamente ou
indiretamente do esporte (corpo do qual fazem parte os sociólogos e historiadores do
esporte – o que sem dúvida não facilita a colocação do problema)? E mais precisamente,
quando foi que este sistema de agentes e de instituições começou a funcionar como um
campo de concorrência onde se defrontam agentes com interesses específicos, ligados às
posições que aí ocupam? (BOURDIEU, 1983, p. 137).
Bourdieu, pressupõe uma lógica interna aos campos, mas também uma lógica da
relação entre campos (WACQUANT, 2005), e é da relação entre campos que trata o presente
estudo. Há quem pense a aventura como parte ou conteúdo do campo esportivo ou turístico,
exclusivamente. Entretanto, ao pretender investigar a disputa entre entidades de ambos os campos
pela aventura, propomos conceber a aventura, ela mesma, enquanto campo híbrido.
No campo da aventura, as disputas são tanto ideológicas quanto técnicas e se dão
devido às concorrências entre diferentes conhecimentos, necessidades, interesses e valores dos
distintos agentes que o compõem, a exemplo da epígrafe deste capítulo. É notório também,
embora pertencentes a uma tradição de organização e transmissão menos institucionalizada que
os esportes convencionais, segundo Tomlinson et al (2005), que os diferentes interessados em
regulamentar a aventura têm procurado nas últimas décadas, diante do aumento do interesse e
adesão da população em geral, vias estatais para legitimação do campo em âmbito nacional e a
criação de entidades públicas.
Para Bourdieu (2005), as práticas de Estado afetam sobremaneira os campos, pois ele
seria um campo de concentração de poderes, que monopoliza a violência material e simbólica
(WACQUANT, 2005, p.29), um tipo de jogador que também arbitra os conflitos entre capitais
em disputa. Entretando, Bourdieu não entende as intervenções do Estado Nação Moderno, ou
Estado Burocrático, como ele prefere, apenas como golpes de tirania (como podiam ser nos
Estados Dinásticos), fazendo valer suas tomadas de decisão, independente das lógicas internas
dos campos. Mas sim, a partir da ideia de um jogo de influências entre uma constelação de
instituições interligadas:
85
A Constituição Brasileira, no seu artigo sexto, define o lazer como um dos direitos
sociais junto a outros direitos, como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a
segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância e a assistência aos
desamparados. E no parágrafo terceiro do artigo 217, destinado ao “desporto”, define
ainda que “O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social”.
Diferentemente dos outros direitos, na CF/88 [Constituição Federal de 1988] não foram
definidos os princípios, diretrizes, objetivos, os mecanismos e as regras institucionais
que deveriam orientar a concretização do direito ao lazer (MENICUCCI, 2006, p.136-
137).
formulado. Para endereçar não só estes problemas descritivos e de caracterização, como também
o problema do privilégio dos esportes competitivos e de espetáculo (BRACHT, 2011), agentes
acadêmicos articularam no governo do Partido dos Trabalhadores as Conferências Nacionais do
Esporte, eventos realizados periodicamente com o objetivo de discutir políticas públicas para o
setor. Neste contexto, um Plano Nacional de Esporte e Lazer começou a ser pensado.
Contudo, em meio a este processo a imposição governamental em sediar os
megaeventos Copa do Mundo FIFA de futebol profissional masculino de 2014 e Jogos Olímpicos
de 2016, fez com que as Conferências deixassem de ser convocadas e o Ministério do Esporte
fosse reformado, o que pode ter influenciado a constituição de políticas públicas para esportes de
aventura. Segundo Mascarenhas (2012), o Ministério criado em 01 de janeiro de 2003, dispunha
de quatro secretarias: Secretaria Executiva; Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento;
Secretaria Nacional de Esporte Educacional; e Secretaria Nacional de Desenvolvimento de
Esporte e Lazer. Com o intuito de atender a nova agenda política, o Governo Federal a partir do
Decreto nº. 7.529, de julho de 2011, reestruturou as secretarias. Duas foram mantidas: a
Secretaria Executiva e a Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento. A Secretaria
Nacional de Esporte Educacional e a Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e Lazer
foram agrupadas em Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social, além
disso, foi criada a Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor.
É neste cenário de perda de espaço para o esporte educativo e de lazer, que aumenta
ainda mais o incentivo ao futebol profissional masculino, já tão desproporcionalmente maior,
devido à elite política corrupta do Brasil que lucra com ele (Francischini, 2009). Além disso,
contrariando as decisões das Conferências, que mostravam demanda por esporte de participação e
lazer, o governo também impôs como prioridade atingir o ranking entre os 10 maiores
medalhistas nos Jogos Olímpicos que serão sediados no Brasil. Neste contexto, de ênfase no
esporte convencional de alto rendimento, se inserem as negociações por políticas públicas para as
práticas de aventura, como será demonstrado a seguir.
4.1 Primeiros projetos de lei para controle do risco e a Associação Férias Vivas
Com a popularização das atividades de aventura no país na virada do milênio, uma
série de incidentes e acidentes fatais, levaram deputados e senadores a proporem projetos de lei
sobre tais práticas. O projeto de lei, ora PL, 3439-A que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de
87
Este PL corrobora Douglas e Wildavisky (1982), para quem riscos que são
impostos ou ocultados são inaceitáveis. Por isso, segundo os autores, a informação é o
mecanismo de conversão de um perigo em risco. A informação permitiria administrar variáveis e
criar compensações ao se expor. O propositor do PL 3439-A, ao justificar sua iniciativa, utiliza o
exemplo de um incidente acontecido na modalidade corrida de aventura:
A eventual assinatura de termos de responsabilidade por parte dos atletas que praticam
esportes de aventura ou radicais, deve ocorrer para salvaguardar os promotores de
eventos dessa natureza, à medida em que seja formalizado o entendimento de que o
atleta tem consciência do risco da atividade que se propõe a exercer. Assim, as
dificuldades que caracterizam as provas não poderão ser consideradas como negligência
da entidade promotora em caso de eventuais acidentes. Por outro lado, não se deve,
simplesmente, eximir de toda a responsabilidade as entidades promotoras. Estas,
freqüentemente, obtém algum tipo de vantagem financeira com o esporte radical. É o
que ocorre, por exemplo, com a “corrida de aventura”, há cinco anos vem sendo
realizada com respaldo de patrocinadores e da mídia. Neste evento, o atleta Alexandre
Freitas contraiu moléstia que o deixou em estado de coma por quatro meses. Desta
forma, é razoável que seja contratado seguro em benefício dos atletas que praticam
modalidades como o rafting, o páraquedismo ou a corrida de aventura. A legislação
esportiva brasileira vem evoluindo no sentido de conferir segurança ao atleta. Assim, a
Lei Pelé prevê que as entidades de prática desportiva contratem seguro de acidentes de
trabalho para os atletas profissionais a ela vinculados (art.45). Este dispositivo não é
aplicado aos esportes de aventura, uma vez que os atletas não são necessariamente
vinculados a uma entidade de prática desportiva e não tendo também vínculo
empregatício. Tal situação assemelha-se àquela dos peões de rodeio, que tiveram o
direito ao seguro garantido pela lei nº 10.220/01, que estabelece a obrigação da entidade
promotora do evento. Com a presente proposição, visamos dar mais um passo em
direção à garantia de segurança a nossos intrépidos atletas do esporte de aventura
(Disponível em:
88
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CBB3FDA
8F35F9FF6828A7E966FA236F0.proposicoesWeb1?codteor=299114&filename=Avulso
+-PL+3439/2004, acesso em: 02/03/2016).
28
Narrativas disponíveis em: http://www.adventuremag.com.br/noticias/5/2099/especial-10-anos-simplesmente-
alexandre-freitas.html#sthash.29xkR7Jy.dpbs, e em: http://gooutside.com.br/849-ema-reloaded acesso em:
08/03/2016.
89
se tiver liberdade para escolher entre a prática do esporte radical acompanhada ou não da
contratação de seguros de vida e de acidentes. Não consideramos adequado que pessoas
menos avessas ao risco tenham que arcar, contra sua vontade, com a elevação dos preços
cobrados para a prática de esportes radicais, em decorrência da incorporação dos custos
para a contratação de seguros ao preço final do produto. No limite e sem a necessidade
de interferência na atividade econômica, pode-se chegar a uma situação em que os
consumidores, em sua maioria, prefiram os serviços de entidades promotoras de esportes
radicais que contratem seguros de vida e de acidentes, retirando do mercado aquelas que
não ofereçam essa condição (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CBB3FDA
8F35F9FF6828A7E966FA236F0.proposicoesWeb1?codteor=299114&filename=Avulso
+-PL+3439/2004, acesso em: 02/03/2016).
A Soma Seguros saiu na frente, vamos dizer, criando um produto específico de vida para
riscos gravados, e aí nos dois sentidos do risco agravado: [...] por doença, que eu já falei,
que é preexistência, que pode ser um fator para recusa do seguro, e o risco agravado pelo
esporte radical, que também é um fator, que na modalidade normal que existe no
mercado, pode ser um fator de recusa desse seguro. (...). Abriu esse nicho para esportes
radicais e para preexistentes, foi buscar um ressegurador lá fora, que já tem a experiência
da carteira: vale a pena? Me dá prejuízo? Não dá? Essa avaliação a Soma foi buscar num
ressegurador, que provavelmente tem essa especialização, que não é o caso do
UNIVIDA [...] o pessoal que não é da área [Embratur], coloca lá uma exigência, vamos
dizer assim, sem conhecer efetivamente como é que é o produto, o produto seguro num
todo, porque são empresas que são montadas para gerar lucro, para administrar uma
carteira; eu tenho um produto mas a finalidade dessa empresa, o final dessa conta é para
que a empresa tenha lucro; ninguém está aí para fazer benevolência ou cobrir algo que,
de repente, você é obrigado a fazer. É um pouco o que está acontecendo na área de
saúde. A ANS veio para regulamentar; maravilha! Era um setor absolutamente
desregulamentado, uma falta de profissionalismo total. Então vem a ANS, que é
organismo governamental, para botar ordem e acaba, de repente, fazendo [...] uma
imposição, porque precisa regulamentar; dá umas atropeladas, transfere para as empresas
o que seria responsabilidade social. Porque nós temos carência, o nosso cobertor é curto,
o cobertor-Brasil: se cobre o dedão o narizinho fica de fora, e vice-versa. Não tem
recursos para tudo. [...] eu levo para a área comercial: o interesse do negócio, vale a
90
pena, não vale a pena. Olha, até agora, faz dois anos, ainda não tivemos nenhum caso;
teve só uma raspadinha de joelho. É um seguro com indenizações pequenas; você tem
diluição de risco. É um seguro que tem uma arrecadação razoável porque você tem um
grande número de pessoas [que fazem seguro]. (Entrevista com o Vicepresidente do
UNIVIDA, agosto de 2002, In: SPINK, et al, 2004)
Isto porque, a atuação da, primeiro ONG, depois, Associação Férias Vivas (AFV),
criada em 2002 pela mãe de uma vítima de cavalgada de 9 anos, é baseada no direito do
consumidor e incentiva a contratação de seguros. A AFV afirma ainda não acreditar que as
atividades de turismo devam ser reguladas, ou seja que o estado não deve interferir na atividade
econômica. Mas sim que é favorável à regulamentação através de políticas públicas de incentivo,
promoção e fiscalização da atividade.
91
Políticos de vários estados vêm defendendo projetos de lei para regulamentar esportes ou
atividades turísticas de aventura, sem buscar embasamento técnico nem tampouco
envolver nesse processo os especialistas dessas atividades. Tudo começou com os
últimos dois acidentes que chamaram atenção da mídia. O primeiro, ocorrido em Minas
gerais, ocasionou a morte de uma jovem durante um salto de bungee jump, realizado em
ponte ferroviária. O outro foi próximo do Distrito Federal e levou a morte de outro
jovem, desta vez durante a prática de rapel. Entretanto, a grande questão é que os
projetos de lei em curso, mesmo que tenham boas intenções, comprovam o despreparo
de nossos representantes no entendimento dos problemas e na elaboração de propostas
para solucioná-los. Devemos também ser realistas e perguntar se essas iniciativas não
são apenas uma tentativa de busca de visibilidade política, cuja consequência é a
informalidade, a corrupção, e a burocracia sem viabilidade prática. Essa é a razão pela
qual defendo com veemência o desenvolvimento da regulamentação no âmbito da
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Fundada em 1940, a ABNT é uma
entidade privada, sem fins lucrativos [...] sua principal característica é que as normas são
elaboradas de forma voluntária, por consenso de representantes de consumidores,
representantes de fornecedores e representantes neutros, abrangendo a sociedade como
um todo (BASILE, 2005).
do turismo de aventura em parceria com o Ministério do Turismo, afirma que oficinas para a
definição do segmento de aventura foram realizadas em 2001, ainda durante o governo Fernando
Henrique, quando o Ministério era do Turismo e Esporte, e que nesta iniciativa se procurou
participar da Adventure Sports Fair para promover o diálogo com todos os agentes envolvidos
(p.36). Na mesma coletânea, tanto uma fundadora da AFV, quanto um fundador da ABETA
também têm capítulos publicados. No segundo, Abreu e Timo (2005), ao discorrerem sobre
certificação e normalização em turismo de aventura, apresentam conceitos e pressupostos deste
movimento no Brasil e confirmam o exposto no excerto acima com um relato das primeiras ações
do Ministério do Turismo nesta direção, afirmando que a Lei no. 10.683, de 28 de Maio de 2003,
que dispõe sobre a organização dos ministérios, estabeleceu como uma das cinco competências
básicas do Ministério do Turismo o desenvolvimento de um Sistema Brasileiro de Certificação e
Classificação das atividades, empreendimentos e equipamentos fornecedores de serviços
turísticos (p. 55). Os autores declaram ainda que em 2002 a Comissão de Estudos do Turismo foi
estabelecida na ABNT, que em Dezembro de 2003 o Ministério do Turismo estabeleceu convênio
com o Instituto de Hospitalidade com o objetivo de estabelecer normas técnicas para o segmento
e que em 2004 o turismo de aventura foi considerado prioritário neste processo.
Entretanto, ao relatar que o IH realizou um diagnóstico sobre o setor em 2004 e ao
apresentar as 11 subcomissões29 que se destinaram a este fim, os autores referenciam o IH
apenas afirmam que a ABETA “teve papel essencial na demanda por uma ação do governo no
segmento de turismo de aventura”, mas não explica como a responsabilidade de executor de tal
política passou do Instituto de Hospitalidade para ela, nem citam a AFV. Atualmente, o website
do IH encontra-se fora do ar e seu número de telefone não atende. Por este motivo, este processo
não pode ser esclarecido e pode ser uma sugestão para estudo futuro. Voltemos, então, à
discussão do excerto do texto de Basile, anteriormente citado.
O primeiro comentado no excerto anterior, fora o caso do PL5592/05. A fatalidade em
bungee jumping, no dia 3 de Julho de 2005, em Araguari (MG), filmada pelo pai da vítima (a
estudante Letícia Santarém Amaro Rodrigues, de 20 anos) tendo circulado abertamente pela
internet, incentivou o Deputado João Paulo Gomes da Silva (PL/MG), a apresenta-lo em 5 de
29
Sistema de Gestão da Segurança, Competências Mínimas para Condutores de Turismo de Aventura, Informações
Mínimas para clientes, Terminologia, Turismo com atividade de montanhismo, Turismo Veículos fora de estrada,
Turismo com atividades de rafting, Espeleotuirsmo e Turismo com atividades de Canyoning, Turismo com
atividades de técnicas verticais, Cicloturismo e Turismo com atividades de Caminhada e cavalgada, e Turismo com
atividades de arvorismo.
93
Julho de 2005 sob o título “Tipifica como Contravenção Penal, nos termos do Decreto-lei nº
3.688 de 03 de outubro de 1941, a prática do esporte conhecido como "bungee jump', e dá outras
providências. Entendendo o "bungee jump" ou "bungy jumping" como salto de pontes, viadutos,
torres, guindastes, balões dirigíveis, dentre outras elevações, amarrado por cordas elásticas ou
não, sua breve justificativa afirmava que no caso desta atividade a falha de equipamento não
poderia ser remediada, sendo sempre fatal. Pela falta de informações técnicas, tal PL fora
rejeitado e arquivado.
Já o PL5609/05, apresentado em 06/07/2005 pelo deputado Capitão Wayne com o
título “Dispõe sobre a regulamentação para prática de esportes de aventura ou radicais e dá outras
providências”, parece versar sobre o último aspecto da justificativa da rejeição do PL3439-A/04:
a normatização e fiscalização como meios de evitar acidentes:
Note-se nesta iniciativa, que os termos eventos, atletas e provas que aparecem no
princípio da redação remetem a contextos competitivos ou campeonatos organizados aos quais
participantes supostamente experientes seriam “submetidos”, embora, ao final do excerto as
expressões: “funcionamento das atividades esportivas” e “instrutores” pareçam ampliar o escopo
da lei para contextos de iniciação esportiva e esporte de participação. Já sua justificativa é
bastante objetiva e reforça os acidentes e consequente necessidade de controle do risco como
motivações e importância de tal iniciativa.
Segundo o relator, o projeto de lei foi distribuído à apreciação da Comissão de
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, à Comissão de Turismo e Desporto e à
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, assim como determina o Regimento Interno
da Câmara dos Deputados (RICD). A proposta recebeu duas emendas durante sua tramitação de
autoria do Deputado Alberto Fraga: uma, obrigando que os equipamentos a serem utilizados na
prática desportiva radical tenham o selo do INMETRO; e a outra, imputando ao proprietário, ou
ao responsável constituído, a responsabilidade pela prática em local particular sem a autorização
do órgão público pertinente. Os esportistas, principalmente montanhistas e surfistas, se opuseram
à proibição da prática para menores de idade e também à necessidade de certificação dos
equipamentos pelo INMETRO. Especialmente os primeiros, que dependem de uma grande
variedade de equipamentos para sua prática, alguns não produzidos no país ou tendo preferência
por marcas estrangeiras, afirmaram que os equipamentos já eram certificados por órgãos
internacionais. Diante deste debate, tanto o projeto quanto suas emendas foram rejeitados e
arquivados, segundo o voto do relator:
remete para que órgãos regulamentadores ou outras normas o façam, deixando um vácuo
legal considerável. Em que pese, intuitivamente, a nossa inteligência perceber o que
sejam “esportes de aventura ou radicais”, a aplicação da lei não pode ficar ao sabor de
percepções intuitivas, exigindo uma perfeita definição nesse sentido. Por outro lado,
ainda que façamos uma lista exaustiva do que são esportes radicais, não é garantia
absoluta que outras modalidades não venham a surgir, deixando a lei desatualizada. Na
verdade, esse tipo de normatização quer nos parecer uma interferência indevida do Poder
Público nas relações que se estabelecem entre pessoas: o que oferece a prestação de uma
atividade esportiva, que nada tem a ver com a prestação de um serviço público, e aquele
que pretende usufruir dessa prestação. Não cabe ao Estado interferir nessas relações. Se
alguém se permite a correr determinados riscos inerentes a uma atividade a que
voluntariamente se submete, que o faça livremente, no uso da liberdade que lhe é
constitucionalmente assegurada. E mais, diante de um Poder Público que já não
consegue atender, razoavelmente, a outras imposições mais graves e tipicamente
públicas, não se justifica sobrecarregá-lo ainda mais com responsabilidades outras e
menores no campo regulatório e fiscalizatório. Não bastasse, se implementadas as ideias
trazidas pela proposição, inevitavelmente haverá um aumento do custo da prática dos
chamados “esportes de aventura ou radicais”, em particular quando se tratar da
contratação de seguro de vida e de acidentes, que deverá alcançar cifras astronômicas
diante dos riscos maiores que essa atividade representa. Além disso, retomamos a ideia
de que o Estado deve ficar fora de determinadas relações entre pessoas de direito
privado, deixando-as livres; no caso, agora, para contratar ou não seguro de vida e de
acidentes (Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=421955&filen
ame=Tramitacao-PRL+1+CSPCCO+%3D%3E+PL+5609/2005, acesso em 15/11/2013).
Este voto também está em acordo com as ideias de Douglas e Wildavisky (1982),
para quem há no senso comum uma diferença na aceitação entre riscos voluntários e
involuntários. Os autores utilizam a escalada como exemplo em sua explanação, para eles, os
riscos que conhecemos, mas escolhemos correr, por exemplo, ao optar por esportes, comida ou
bebida perigosos, seriam aceitáveis. Neste sentido, o relator entende o direito ao arriscar-se como
uma opção pessoal, exercício da liberdade de cada um, e o acesso a práticas esportivas deste tipo
como uma opção de consumo.
Ilustração exemplar da manifestação dos esportistas autônomos são os comentários de
André Ilha, em 04 de março de 2007, matéria intitulada “Leis de mais, aventura de menos”, para
a coluna Opinião do Carta Maior, publicada também, no dia seguinte, no Webventure, sobre leis
que tramitavam no Brasil em níveis locais:
A ser observado estritamente o texto de lei recentemente aprovada em Minas Gerais, por
exemplo, quem for jogar uma pelada no Parque das Mangabeiras estará sujeito à
aprovação prévia do Corpo de Bombeiros e de um "órgão competente", a assinar um
termo de responsabilidade e, ainda, deverá estar acompanhado de "monitores
habilitados", uma vez que, de acordo com este diploma legal, esportes de aventura são
todas as "modalidades esportivas de recreação que ofereçam riscos controlados à
integridade física de seus praticantes e exijam o uso de técnicas e equipamentos
especiais", definição que se aplica perfeitamente ao futebol (muito mais pessoas se
96
lesionam jogando bola do que escalando montanhas, e bola e chuteiras nada mais são do
que equipamentos especiais para este esporte) (Disponível:
http://webventure.com.br/h/noticias/andre-ilha-leis-de-mais-aventura-de-
menos/19129?pag=3 acesso em 03/04/2014).
Além de negar que as práticas de aventura sejam mais arriscadas, porque, segundo
ele, lesões acontecem com menos frequência que em esportes competitivos convencionais, André
Ilha contesta a regulamentação imposta por agentes externos ao campo de prática, por vezes,
inadequada tecnicamente. Segundo a interpretação do autor, além de impor burocracias e dar
brechas a corrupções:
Pela versão original de projeto que tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro,
seria exigido dos escaladores o uso de luvas, algo como obrigar mergulhadores a usar
pés-de-pato de chumbo [...] Por fim, mesmo no tocante à prática comercial, alguns
destes atos trazem embutidas uma burocratização excessiva e a ostensiva cartorialização
da atividade. O exemplo mais desanimador nesse sentido nos foi dado pela Lei 2353/06
da cidade de Niterói, que determina que só se usem equipamentos certificados por
entidade ligada à Empresa de Lazer e Turismo do Município e que só possam atuar no
ramo profissionais oriundos de cursos previamente aprovados por ela, além de
estabelecer uma inacreditável reserva de mercado para "profissionais já em atividade no
Município"! Alguém ganhará com isso, mas este alguém não será, decerto, os esportes
de aventura e nem mesmo o turismo de aventura, pois o programa do curso estipulado
para os seus "profissionais" está muito aquém do currículo exigido há décadas pelos
clubes amadores para os seus próprios guias. É natural que atividades novas gerem
novas demandas e desafios para o legislador, e os dispositivos acima elencados devem
ser entendidos como os inevitáveis tropeços iniciais em uma longa caminhada que
apenas se inicia e que deveria estar voltada apenas para as práticas comerciais. Pois, no
tocante à prática amadora, fazemos nossas as sensatas palavras do deputado Otávio
Germano, relator do Projeto de Lei Federal nº 5609/05, no voto que levou ao seu
arquivamento definitivo: "Não cabe ao Estado interferir nessas relações. Se alguém
se permite correr determinados riscos inerentes a uma atividade a que
voluntariamente se submete, que o faça livremente, no uso da liberdade que lhe é
constitucionalmente assegurada. E mais, diante de um Poder Público que já não
consegue atender, razoavelmente, a outras imposições mais graves e tipicamente
públicas, não se justifica sobrecarregá-lo ainda mais com responsabilidades outras
e menores no campo regulatório e fiscalizatório"[grifo meu] (Disponível:
http://webventure.com.br/h/noticias/andre-ilha-leis-de-mais-aventura-de-
menos/19129?pag=3 acesso em 03/04/2014).
uma política nacional para as atividades de aventura sustentar-se-ia, por pretender garantir a
todos os cidadãos, apesar da desigualdade de recursos financeiros que dispõem, as mesmas
condições de segurança durante sua prática.
Entretanto, as relações de consumo e não as relações de ensino-aprendizagem de
práticas de aventura têm sido privilegiadas pelas políticas públicas brasileiras, assim como ilustra
o mesmo André Ilha, na introdução de sua coluna:
Quando comecei a escalar montanhas, em meados dos anos 70, passei a integrar uma
reduzida confraria de pessoas consideradas exóticas pela maioria da população, que
saíam muito cedo de casa nos finais de semana, mochila às costas, para percorrer trilhas
e vias de escalada escassamente visitadas. O montanhismo era então domínio exclusivo
de amadores, o que lhe valia, inclusive, o apelido de esporte diferente por inexistir
competição direta entre os seus praticantes. Sua memória e tradições sempre foram
mantidas por um bem organizado sistema de clubes, o primeiro deles fundado em 1919 e
em funcionamento até os dias atuais. Uma década depois alguns enxergaram a
possibilidade de ganhar a vida oferecendo serviços de guias e instrutores de escalada, na
esteira do emergente turismo ecológico, um fato cujo sucesso teria uma profunda
influência tanto no número como no próprio perfil dos frequentadores de nossas até
então tranquilas montanhas. Pois se antes os clubes divulgavam suas atividades com
parcimônia, buscando atrair novos adeptos em números compatíveis com a possibilidade
de lhes proporcionar uma adequada formação técnica e ética, além de rudimentos de
educação ambiental, os novos profissionais, na ânsia de ampliar o mercado de forma a
lhes assegurar um fluxo contínuo de clientes, passaram a divulgar o esporte de forma
bem mais intensa, o que levou às montanhas levas crescentes de pessoas ávidas por
experimentar as emoções únicas que aquele ambiente proporciona. Houve então um
boom do montanhismo, paralelo à expansão de outros esportes diretamente ligados à
natureza e que também oferecem adrenalina garantida aos seus praticantes, como o voo
livre, o parapentismo, a canoagem e outros, o que abriu espaço para o aparecimento de
lojas e publicações especializadas, algo até então inexistente. Curiosamente, meras
técnicas de escalada, como o rapel e a tirolesa, foram alçadas à condição de esportes na
disputa por um mercado cada vez mais atraente. Toda esta efervescência levou, de forma
não surpreendente, a um sensível aumento do número de acidentes, por diversas razões.
Primeiro, por mera decorrência estatística, já que mais pessoas praticando uma atividade
de risco implicam em uma maior probabilidade da ocorrência de acidentes. Segundo,
porque a ampla divulgação destes esportes pelos meios de comunicação levou pessoas
despreparadas a praticá-los por conta própria, sem prévio treinamento, receita segura
para o surgimento de problemas. Por fim, o desejo de abocanhar uma fatia deste
segmento em franca expansão propiciou uma multiplicação de empresas e operadores
autônomos, alguns dos quais sem tradição e experiência na área e que, eventualmente,
colocam seus clientes em risco. A grande repercussão de acidentes deste tipo na mídia
que, salvo exceções, sempre carrega nas tintas do sensacionalismo levou muitos
políticos, em todos os níveis administrativos e em diversos pontos do país, a se
preocupar com a questão e a pensar regras que minimizassem a possibilidade de sua
ocorrência. Entretanto, tal preocupação, legítima e compreensível, tem, por vezes,
incorrido em equívocos, alguns dos quais tão sérios que chegam a colocar em xeque a
própria existência das atividades que pretendem ver salvaguardadas. Como muitos destes
equívocos foram gerados por desconhecimento dos princípios básicos que regem tais
atividades e das motivações de seus praticantes, cabe aqui entendê-los para que futuras
normas não os repitam e mesmo para que algumas já aprovadas possam sofrer
aperfeiçoamentos que as convertam em um benefício, e não uma ameaça, a esta
98
Fato é que as ações da segunda eclipsaram as da primeira. Em seu site, a AFV afirma ter o
Ministério do Turismo como parceiro, e ter participado dos trabalhos junto à ABNT como
representante dos consumidores, enquanto a ABETA seria representante dos fornecedores e o
Instituto de Hospitalidade (IH) a instituição neutra executora. Entretanto, por motivos que os
documentos encontrados não permitiram vislumbrar, a ABETA passa a entidade executora e o
acordado o com IH e a AFV na divisão de responsabilidade pelos diferentes projetos a serem
implementados deixam de ser mencionados nos documentos, os dois últimos sequer sendo
convidados a participar das audiências públicas que informaram sua votação, como se verá a
seguir.
Ainda de acordo com a versão oficial divulgada pela entidade, a ABETA tem como
objetivos qualificar e promover seus associados e tornar estas empresas mais competitivas e
referências mundiais na qualidade da prestação de serviços, consequentemente consolidando o
mercado da vida ao ar livre no Brasil e disseminando uma oferta mais segura e sustentável de
atividades de aventura. A ABETA procurou, então, integrar o Conselho Nacional de Turismo e
coordenar o Grupo de Trabalho de Turismo de Aventura do Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia (INMETRO), estabelecendo uma parceria inédita com o Ministério do
Turismo, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), o
Instituto de Hospitalidade, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Serviço
Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
A emblemática publicação, intitulada “Esportes de Aventura Contra o Ministério do
Turismo”, de autoria de Cláudio Consolo, na época presidente da Associação Brasileira de
Parapente (ABP), para o site especializado 360 graus30, em 18 de maio de 2005, exemplifica a
rejeição desta iniciativa. Segundo ele:
30
Este site atualmente está dentro do Portal Terra.
100
Art 13. O Sistema Nacional do Desporto tem por finalidade promover e aprimorar as
práticas desportivas de rendimento.
Parágrafo único. O Sistema Nacional do Desporto congrega as pessoas físicas e jurídicas
de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação,
administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da
Justiça Desportiva e, especialmente: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
I - o Comitê Olímpico Brasileiro-COB;
II - o Comitê Paraolímpico Brasileiro;
III - as entidades nacionais de administração do desporto;
IV - as entidades regionais de administração do desporto;
V - as ligas regionais e nacionais;
VI - as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos
incisos anteriores.
103
Apesar de todo o exposto contra a ABETA, os vereditos foram favoráveis a ela e não
foi possível evitar a publicação das normas ABNT e a implantação do Programa Aventura
Segura, visto que o artigo citado versa sobre os esportes de rendimento, ou seja, competitivos. E,
apesar de não ser uma unanimidade, a ABETA não só encontra aceitação entre profissionais da
aventura que não têm formação superior e/ou vínculo com as entidades esportivas, que se
beneficiam do oferecimento de processos de capacitação para galgarem inserção no mercado de
trabalho (BANDEIRA, 2012), como suas normas também são citadas como referências para
atuação de profissionais de Educação Física em distintas localidades e em trabalhos científicos
realizados na Educação Física, tais como Correa (2008) e Auricchio (2013). Entretanto, acredito
que é preciso refletir criticamente sobre o último fato.
Sem considerar o controverso processo analisado nesta pesquisa, Correa (2008) e
Auricchio (2013) apresentam tímidas críticas aos conteúdos das normas ABNT. O primeiro
critica-as por não conterem elementos da educação ambiental e o segundo por não conterem
fundamentos dos estudos do lazer, mas nenhum dos dois problematiza sua adequação em termos
técnicos, questionada por praticantes experientes, principalmente os montanhistas, nem sua
vinculação institucional e as relações de poder que permearam seu processo de confecção, a
última, interesse específico deste trabalho.
Vejamos, então, como a entidade representativa da Educação Física no país, o
Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), se posiciona sobre o tema. Em matéria de sua
revista EF, em 18 de novembro de 2005, o CONFEF traz duas entrevistas que ilustram
exemplarmente dois pontos de vista diferentes de agentes sociais do campo do esporte. A revista
apresenta o problema com uma lista de diferentes agentes sociais em conflito na constituição do
campo das práticas de aventura:
muito bem recebido, caso houvesse o entendimento de que a atividade turística deve,
para sua própria longevidade e para a segurança da sociedade, estar atrelada à orientação
de profissionais qualificados e habilitados para a realização das atividades esportivas que
constituem seu objeto. A Revista E.F. apresenta diversos posicionamentos a respeito da
matéria e abre espaço para a categoria discutir e se posicionar a respeito. Entre no portal
CONFEF (www.confef.org.br) e deixe a sua opinião. Na nossa próxima edição
apresentaremos o posicionamento do CONFEF, que espelhará o da própria categoria, e
apresentaremos o panorama atual das atividades em questão
(http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acessado em 25/06/2013).
Note que Consolo situa a situação das políticas públicas para esportes de aventura no
cenário mais geral das políticas públicas de esporte e lazer no Brasil de forma coerente com o que
já concluíam as investigações apresentadas na introdução deste capítulo. Além disto, a
centralidade do risco como preocupação daqueles que reivindicam o direito de elaborar as normas
para as práticas das quais trata este estudo pode ser pensada à luz de Douglas e Wildavisky
(1982), que alertam que, em uma teoria cultural da percepção de risco, a política não pode ser
evitada. A contribuição das relações de poder nos padrões de risco define quem determina o que é
ou não arriscado, quem pode ou não ser culpado ou protegido por/em situações de risco, como
também, quem tem o direito de se arriscar. Ou seja, estes processos de disputa não se dão apenas
pelo direito de decidir como controlar o risco na prática de aventura, mas também porque quem o
tiver deterá o direito de sua exploração comercial.
A outra entrevistada da mesma matéria, entretanto, apresenta um contraponto ao
excerto anterior. Vera Lucia de Menezes Costa, autora da primeira e premiada tese de doutorado
sobre uma modalidade de aventura no país (o montanhismo), na época desta entrevista, era
docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho. Veio
a se tornar, um ano mais tarde, representante do CONFEF junto à Comissão de Esporte de
Aventura do Ministério do Esporte (CEAV):
EF: Existe uma disputa entre os setores de Esporte e de Turismo no sentido de tomar
para si a atividade. Como a senhora entende esta questão?
Vera Lúcia: Não vejo disputa. O Ministério do Turismo está promovendo uma
certificação do Turismo de Aventura no Brasil [...] buscando qualidade na oferta dessas
atividades e esbarrou com a área afim - o esporte de aventura. Mas é importante frisar
que o fez com legitimidade e transparência junto ao Ministério do Esporte e aos
pequenos empresários que atuavam nessa área. Como os atores que transitam no esporte
de aventura formaram-se na prática da atividade, a experiência é que lhes confere
credibilidade. O fato é que não temos órgãos reguladores esportivos no Brasil para tal
setor. Apenas algumas confederações esportivas o fazem, em especial aquelas
vinculadas a esportes aéreos e aquáticos, que têm algumas parcerias internacionais. Nas
demais, que se vinculam a esportes terrestres, instala-se o caos, ficando todos os usuários
sujeitos às más condições de atendimento e a predações à vida e ao meio ambiente.
Trata-se de um território vazio, onde quem se instalar primeiro leva a melhor e, por
tradição e competência, será reconhecido pelos pares e pelos consumidores [...] Nossa
área, a Educação Física, no entanto, não dimensionou o crescimento do esporte de
aventura e de risco calculado no Brasil e no mundo. Priorizou a atividade física urbana e
em estabelecimentos, como academias, escolas e outros. Não vejo disputa com o
turismo. Nosso condutor esportivo, em sua maioria, não se profissionalizou ainda. O
praticante não é, muitas vezes, profissional de Educação Física, mas profissional ou
universitário de geologia, biologia, engenharia e de outras áreas, ou não tem formação
acadêmica alguma, praticando a atividade como lazer, acompanhando outros que têm
106
interesses comuns aos seus. Sua atividade é lúdica, no sentido estético, exploradora de
outros territórios. Com a pressão por segurança e qualidade da certificação do turismo,
os condutores da área esportiva também precisarão se reordenar. A técnica da condução
na área (trekking, escalada, canoagem, rafting, arvorismo, cavalgada, e outros) é
esportiva (http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3602, acessado em
25/06/2013).
CONFEF, não aparece em nenhum documento para esta tese analisado. Ele gera uma contração
entre os termos instrutor de esporte de aventura e condutor de turismo de aventura cunhados para
dar especificidade à função de cada um e sanar a confusão preexistente entre os termos guia e
monitor, que será debatida a seguir.
No intuito de confrontar outras duas opiniões sobre o tema, a revista EF procurou o
Instituto de Hospitalidade, que afirmou seguir tendências internacionais, em que o
desenvolvimento de normas técnicas tem sido utilizado como ferramenta de organização e
desenvolvimento do setor de turismo. Teria também como objetivos identificar os aspectos
críticos da operação responsável e segura do turismo de aventura para prevenir acidentes e tornar
o Brasil um dos principais destinos internacionais de turismo de aventura.
Como contraponto, a revista procurou também o Secretário Nacional de Esporte de
Alto Rendimento da época, André Arantes, que informou que foi realizada uma discussão sobre
as ações que o segmento esportivo entende como necessárias para este setor na Adventure Sports
Fair. A feira, criada por Sérgio Franco, é um evento anual que acontece em São Paulo (SP), desde
199831, e foi um ponto de encontro de vários agentes do campo, englobando além de iniciativas
comerciais, como exposição de produtos e destinos, palestras, debates, congressos e reuniões
políticas, também a primeira edição do Festival de Filmes de Aventura e Turismo (FATU), atual
Festival de Filmes de Aventura, Turismo e Sustentabilidade. Segundo André Arantes, foram
convidadas todas as entidades que envolvem a prática de esportes de aventura, radicais e esportes
ligados à natureza. Assim como o cita a matéria:
31
Até 2014, pois em 2015 foi cancelado de acordo com comunicado oficial devido à crise econômica e baixa procura
por estandes, mas a de 2016 está prevista para o segundo semestre.
108
[...] o esporte, de maneira geral, oferece riscos e benefícios. Não é sempre, e nem em
todas as condições, benéfico e saudável. Portanto, as premissas relativas à preocupação
de cunho direcional e à vinculação com a saúde e integridade do cidadão requerem
regulação e controle[...] O Atlas do Esporte no Brasil comprova o impacto do esporte
na prevenção de doenças; na promoção da saúde; na educação/formação; no
desenvolvimento social; a economia; na geração de empregos; no turismo; na segurança.
Evidentemente, o esporte radical, o esporte na natureza e/ou o esporte de aventura faz,
devido à própria arquitetura que possui, com que gravitem em seu entorno outras fontes
de renda, tais como a necessidade de hospedagens, de alimentação (restaurantes e bares),
de transporte, de trilhas, de materiais e utensílios para sua prática, que não estão
diretamente vinculados ao esporte, mas que necessitam de regulamentação, visando que
se estabeleça minimamente a qualidade dos serviços e a segurança dos praticantes.
Assim, há que se identificar que o esporte de aventura tem seu viés vinculado tanto ao
Esporte propriamente dito como ao Turismo, em termos de atividade agregada.
Defendemos que a parte de ensino das atividades físicas, orientação e dinamização das
mesmas deva ser realizada obrigatoriamente por profissional qualificado em curso de
ensino superior e habilitado pelo Sistema CONFEF/CREFs e que as normas de
competição e/ou eventos sejam estabelecidas pelas respectivas Confederações,
Federações e/ou Associações específicas de cada modalidade. Dessa forma, somos
partidários da sinergia entre a formação, a habilitação e as entidades nacionais e
regionais de administração das respectivas modalidades de esporte de aventura. Cabe
ressaltar que as normas de segurança, tanto do esporte em si como do material e
equipamento utilizado na sua prática, deva ser da competência das entidades
representantes das respectivas manifestações do esporte de aventura. Quanto às normas
relativas à preservação da natureza, das hospedagens, dos estabelecimentos de
alimentação, do licenciamento para esses funcionamentos, da segurança dos turistas e de
outros aspectos inerentes não à prática em si, mas ao seu contexto, entendemos caber ao
Ministério do Turismo. Daí nosso entendimento de que deva haver sintonia entre os
órgãos públicos para o benefício da sociedade. Queremos acreditar que a criação da
Comissão Especial de Esporte de Aventura, no âmbito do Ministério do esporte, cuja
composição segue adiante, deva efetuar a discussão e reflexão sobre todos os aspectos
inerentes ao desenvolvimento desses esportes que a cada dia ganham adeptos e novos
horizontes, além do surgimento de novas modalidades
(http://www.confef.org.br/revistasWeb/n19/07_TURISMO_DE_AVENTURA.pdf.>
acesso em 25/06/2013).
Entretanto, o CONFEF ignora que a oferta inicial destes tipos de atividades no país se deu por
meio de empresas que se autodenominam agências turísticas. Segundo Bandeira (2012), para os
empreendedores do segmento, o turismo de aventura é um turismo de ação, no qual os turistas
não ficam passivos a receber informações ou contemplar as paisagens, mas sim ativos na fruição
das mesmas, enquanto percorrem o local a ser visitado, utilizando-se de alguma técnica corporal
específica. Entretanto, eles não buscam a atividade para aprendizado técnico ou iniciação
esportiva, porém como passeio e forma de conhecer o local.
Segundo a ABETA, o turismo de aventura surgiu como um ramo do ecoturismo, mas
sua concepção se expandiu. Não mais restrito ao ambiente natural, corresponderia atualmente à
visita a ambientes naturais e/ou não controláveis e/ou fruição da paisagem desde o seu interior,
em interação com as forças geográficas e fauna e flora locais, por isso, em alguma medida
arriscado. Desse modo, exigiria um tipo de guia diferente da designação oficial brasileira de guia
turístico, porque supõe certa disposição atlética, mas que não irá iniciar seus clientes na prática
esportiva. Ele iria conduzi-los no sentido de viabilizar tecnicamente o passeio, daí o termo
condutor de turismo de aventura ter sido cunhado (Bandeira, 2012).
Publicada no site 360 graus em 18 de maio de 2006, a matéria intitulada “A questão
das agências de turismo de aventura promoverem esportes de aventura”, de autoria de Carlos
Vageler, replica a comunicação oficial do CONFEF e corrobora sua posição. O autor tem
formação acadêmica em Educação Física, Fisiologia e Turismo. Em 1990 tornou-se colunista do
jornal "Diário do Povo" de Campinas (SP) escrevendo relatos de viagens que fazia. Em 1997,
passou a colaborar com a revista eletrônica "360 graus Esportes e Aventura", o que fez por oito
anos. Posteriormente trabalhou com produção editorial na AVENTURAcomBR Edições32:
Sinto-me a vontade para discutir este assunto, principalmente pelo fato de pertencer as
duas áreas em questão, o esporte e o turismo. Para quem não está acompanhando, não é
nada mais do que um processo natural onde, quando se cria algo novo, querem dar
nomes e descobrir quem é o pai da criança. Por um lado, o pessoal do turismo e de outro
o do esporte. As agências e operadoras de turismo saíram na frente e organizaram
associações de empresas de turismo ecológico e de aventura e, junto a Embratur, fizeram
várias reuniões para definir caminhos para organizar o setor. Isso começou a tomar
corpo, mais sério, de cinco anos para cá. Com a ocorrência de acidentes fatais em
algumas atividades de esportes radicais, mediados por supostas “agencias” de turismo de
aventura, o setor de turismo se organizou novamente para compreender normas e
credenciamento para as operadoras de “Turismo de aventura”. Fato louvável este, visto
32
Atual Aventura Produções, de Vera e Yuri Sanada, autodenominados expedicionários, filmakers e criadores do
FATU.
110
que a atividade requer competência comprovada, pois se trata de atividade de alto risco.
Mas, se estamos falando de atividades esportivas, algumas delas olímpicas, como no
caso da canoagem, devemos entender que a responsabilidade em se definir normas,
competências e credenciamento para as mesmas, cabe ao setor esportivo. A competência
de um setor termina onde começa a do outro. São atividades compartilhadas e que cada
órgão envolvido trabalhará junto. Quanto ao nome da “criança” gerada, isso é apenas um
detalhe. O CONFEF, Conselho Federal de Educação Física, em sua publicação trimestral
em revista, colocou em suas ultimas duas edições em discussão o assunto, de forma clara
e objetiva (Disponível em:
http://360graus.terra.com.br/montanhismo/default.asp?did=18686&action=coluna,
acesso em 26/06/2013).
seleção brasileira nos jogos olímpicos de Barcelona), Carlos Zaith (espeleólogo, presidente da
Associação Brasileira de Canionismo) e Jean Claude Razel (montanhista francês que se
autodenomina simultaneamente esportista, guia de montanha formado em Chamonix e
empreendedor de turismo de aventura, que assumiu a presidência da ABETA durante o conflito
aqui investigado)33 identificavam-se como esportistas, mas a seus negócios como turísticos. Os
dois primeiros fundaram respectivamente as empresas Canoar e H2Omem para oferecer iniciação
técnica nas modalidades. Contudo, segundo eles, por demanda espontânea, os turistas (saídas de
campo para leigos), se tornaram seu principal público. Com o aumento no número de clientes,
não foi possível que eles fossem os únicos a trabalhar diretamente na prática e não havia muita
oferta de outros esportistas capacitados para fazê-lo, então, começaram a capacitar brotenses
interessados no trabalho técnico (BANDEIRA, 2012).
Isto quer dizer que cursos começaram a ser oferecidos, demandados e ministrados
primeiro por eles e depois por suas empresas, não necessariamente associados às entidades
esportivas de cada modalidade. A segunda geração de profissionais da aventura, formados por
estes esportistas pioneiros, ao alcançar notoriedade, também foi convidada a oferecer cursos
organizados das maneiras mais diversas, mas, principalmente, a perpetuar os cursos gratuitos
oferecidos pelas próprias agências turísticas nas quais trabalhavam para atrair e formar mão de
obra, quando o número de condutores disponíveis nos destinos propícios para as práticas de
aventura diminuía. E assim se constituiu o campo profissional da aventura no Brasil, do meu
ponto de vista, na intersecção entre turismo e esporte.
É claro que há contextos diferenciados por todo o Brasil, como os clubes de
montanhismo e escalada cariocas, que se estruturaram segundo princípios esportivos, do
amadorismo e do voluntariado (Dias, 2007). Entretanto, muitos dos profissionais de cidades
interioranas que se constituíram enquanto destinos turísticos multimodalidades da segunda
geração, que chamo em minha dissertação de “trabalhadores da aventura”, não eram mais
esportistas amadores das classes sociais privilegiadas que adquiriam seus conhecimentos em
viagens nacionais e internacionais, mas membros das classes baixas que buscaram sua iniciação
nelas via relações de trabalho, a única viável para seu perfil socioeconômico, e como alternativa à
construção civil e a colheita de cana e laranja. Alguns deles aprenderam primeiro a conduzir
33
Ele comprou a Mata Dentro, primeira agência criada na cidade de Brotas com o intuito de oferecer trilhas a
cachoeiras e que já havia incorporado o bóiacross como produto “tipicamente brotense. O empreendedor Francês
somou a isto seu escopo em técnicas verticais e criou circuitos de arvorismo e tirolesa.
112
como turismo e depois a fruir suas modalidades como lazer ou esporte. Especialmente no rafting,
alguns chegaram a competir em suas modalidades e alguns até galgaram vínculos com as
entidades esportivas ou acesso a cursos de Educação Física, embora ainda exceções. (Bandeira,
2012; Bandeira e Ribeiro, 2015).
Segundo Vera Lucia Costa no excerto antes citado e Bandeira (2012) e Figueiredo
(2012), ainda é comum que as pessoas que detêm expertise nas práticas de aventura não sejam
profissionais de educação física. Talvez este ponto polêmico (exigência de que apenas formados
em educação física possam trabalhar com estas atividades em um momento histórico em que
raríssimos cursos de educação física dispunham de disciplinas sobre o tema) tenha enfraquecido a
atuação do CONFEF junto às entidades esportivas, e vice-versa.
O próprio Cláudio Consolo, em princípio aliado do CONFEF, é advogado e não
professor de educação física. E não há como discordar dele sobre em quem confiar um voo duplo
de parapente, por exemplo, se em um professor de educação física ou em um piloto experiente,
logicamente ficamos com o segundo. Visto que a exigência do CONFEF seria impossível de
levar a cabo imediatamente e deixando, então, a discussão sobre a Educação Física e o Esporte,
retomamos a discussão acerca do conflito entre entidades do Esporte e Turismo.
apoio nesta ocasião, os defensores da regulamentação das práticas de aventura enquanto esportes
conseguiram que a CEAV fosse tornada permanente e assim instituída pela Resolução nº 15, de
19 de setembro de 2006:
revisão de literatura, por não possuírem versão competitiva ou viverem mais fortemente versões
alternativas a ela, como as expedicionárias, por exemplo. A explicação obtida em entrevista
realizada por mim é que, por ser triatleta, admirador de práticas ao ar livre e acadêmico na
Educação Física, ele teve interesse pessoal em trabalhar por elas.
Note que a extinção da CEAV também tem a ver com a mudança de cargo deste
agente e do Ministro Agnelo de Queirós, que apoiou sua criação. O Secretário Nacional de
Esporte de Alto Rendimento de 2013, consultado sobre a CEAV, via secretária, assumiu não
fazer ideia que ela existia, o que demonstra que a comissão foi um esforço pontual de poucos
interessados, que se extinguiu quando eles não puderam mais trabalhar pela causa.
Não foram encontradas evidências sobre como a composição da comissão foi
decidida ou como foram selecionados, por exemplo, os representantes dos ministérios e do
esporte nacional. De qualquer forma, a primeira formação da Comissão foi assim composta:
A discussão sobre o projeto de lei do Senado que estabelece regras para a prática de
esportes radicais ou de aventura deve ser ampliada para que pontos da proposta sejam
mais bem esclarecidos. Essa foi a manifestação de especialistas em esportes radicais que
participaram, nesta quarta-feira (4), de um debate sobre a matéria na Comissão de
Educação, Cultura e Esporte (CE). O relator, senador Raimundo Colombo (DEM-SC),
prometeu promover novas discussões, mas afirmou que os esportes radicais e de
aventura necessitam ser regulamentados. [...]. O presidente da Confederação Brasileira
de Montanhismo e Escalada (CBME), Silvério José Nery Filho, disse que os
equipamentos usados no país para a prática de esportes radicais ou de aventura são de
boa qualidade e estão de acordo com os padrões da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT). Ele informou que, de acordo com estatísticas, dentro do setor de
montanhismo e escalada, em cada seis anos é registrada apenas uma fatalidade. Já o
presidente da Confederação Brasileira de Paraquedismo (CBPQ), Jorge Derviche Filho,
informou que o esporte já possui regulamentação, enquanto Flávio Padaratz - o Teco -
bicampeão mundial de surfe, advertiu que o projeto, como está elaborado, poderia gerar
"consequências drásticas" para o esporte. Ele observou que o surfe é considerado
também um esporte livre, que se confunde com um lazer. No Brasil, conforme informou,
há cerca de 3,5 milhões de praticantes dessa modalidade, sendo muito difícil, conforme
reconheceu, o credenciamento de instrutores para ministrar aulas de surfe, conforme
determina o projeto. O representante do Ministério do Turismo Diogo Demarco
reconheceu que o setor deve ser normatizado, desde que em comum acordo com
federações, associações e entidades ligadas aos esportes radicais e de aventura
118
Note o leitor que na fala de Teco Padaratz a ideia de liberdade junto à de natureza
também é cara aos praticantes autônomos destas modalidades. O risco seria o preço da
experiência de liberdade, que é subjetiva, mas também é muito orgânica, pois sentida no frio da
barriga, ou seja, na secreção de adrenalina, como discutido por Pimentel (2006). A tradição de
transmissão técnica (ou relação ensino-aprendizagem) informal nestas práticas teme pela
excessiva rigidez e subversão de valores que a regulação do campo poderia promover. E neste
momento histórico é a institucionalização do turismo de aventura que aparece como o mecanismo
de imposição de um controle indevido.
Em entrevista à Eliseu Frechou - que se apresenta como guia de montanha, instrutor
de escalada, fundador da primeira escola de escalada em rocha do Brasil e atleta patrocinado com
30 anos de experiência - intitulada “Esporte Radical é Turismo?”, para o blog EXPN do canal de
televisão ESPN Brasil, em 05 de outubro de 2009 e compartilhada no Centro Esportivo Virtual
(cev.org.br), quando perguntado sobre o conflito com a ABETA, Cláudio Consolo diz que
transformaram uma associação de pessoas que comercializam atividades esportivas de aventura
“em uma espécie de ‘Secretaria Nacional de Esportes de Aventura’ e é preciso ficar claro que
apesar da propaganda, trata-se de uma associação e não do Poder Público”. E ainda:
[...] ABETA que até agora recebeu R$ 15.000.000,00. Existe um dado que não pode ser
desprezado. Nem nos últimos 20 anos foi disponibilizado esse dinheiro para todas as
modalidades dos esportes não-Olímpicos. Veja bem: todas as não olímpicas, isto é,
quase 90% da atividade esportiva no Brasil
E o interessante é que a Lei de Diretriz Orçamentária de 2004 vedava destinação de
recursos para entidades com menos de três anos de existência e a ABETA com 4 meses
já havia recebido milhões. E o argumento que o TCU usou para justificar esta
irregularidade grave foi que não existia na época nenhuma entidade nas modalidades
esportivas de aventura aptas. E este foi um dos motivos que me fez levar a decisão do
TCU para ser apreciada pelo Ministério Público Federal (Disponível em:
http://espn.uol.com.br/post/78130_esporte-radical-e-turismo, acesso em 23/06/2013).
Para este agente, as entidades aptas a criar normas seriam as esportivas, cada uma em
sua respectiva modalidade. Em entrevista a mim concedida, o representante da ABETA justifica
o estatuto de exceção no recebimento da verba por tão jovem associação visto que, segundo ele,
como não existia nenhuma outra entidade do turismo especificamente de aventura, esta exceção
não seria irregular. Entretanto, pode-se questionar, porque a AFV não foi cogitada. Além desta,
119
Claudio Consolo faz outra denúncia em seu blog, com o post intitulado “ABETA - Presença nas
Audiências sobre a COPA e Olímpiada”, no dia 15 de outubro de 2009:
O autor não pondera neste argumento que isto se dá devido ao projeto Bem Receber
Copa, política para a retenção do turista estrangeiro, esperado como audiência dos megaeventos
e, especificamente, uma de suas estratégias, definida pelo slogan: “Brazil land of nature and
adventure”. O Ministério do Turismo criou materiais de capacitação e incentivo a adoção de
certos termos em inglês para o tratamento do turista estrangeiro, até mesmo televisionados em
canais abertos, mas também, e em específico, de material audiovisual de divulgação da
exuberância das belezas naturais brasileiras divulgado no site oficial do país, no site de vídeos
Youtube e na página da ABETA, que tinha por objetivo reter e direcionar o turista vindo para os
megaeventos, mas também interessado nos destinos propícios para o segmento de aventura e
situar o Brasil como destino internacional para a práticas de aventura. Contudo, isto também não
anula a possibilidade de estranhamento e crítica das ações da ABETA.
Neste ínterim, outra audiência pública foi convocada em 10/06/2009 e uma versão do
PLS com texto modificado, de forma a se tornar adequado para as entidades esportivas, foi
publicada no blog de Cláudio Consolo, sob o título “Parabéns aos senadores Efraim Morais e
Raimundo Colombo”, como se vê abaixo. Além de esmiuçar o porquê das alterações solicitadas,
ao final do post ele incitou os agentes do campo esportivo ao envio de e-mails de apoio à
incorporação destas emendas aos deputados, disponibilizando seus endereços eletrônicos:
120
Art. 1º Esta Lei estabelece normas para a prática de esportes radicais ou de aventura no
País. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, consideram-se: I – esporte de
aventura: prática esportiva não formal, vivenciada em interação com a natureza a
partir de sensações e de emoções, sob condições de risco calculado e de
incerteza em relação ao meio, sendo realizada em ambientes naturais como
forma de exploração das possibilidades da condição humana em resposta aos
desafios desses ambientes, exigindo-se para a sua prática o controle das
condições de uso dos equipamentos, a formação de seus recursos humanos
e a sustentabilidade socioambiental; II – esporte radical: prática esportiva formal ou
não formal, vivenciada em interação com a natureza a partir de sensações e de
emoções, sob condições de risco calculado, sendo realizada por meio de
manobras arrojadas e controladas como forma de superação de habilidades de
desafio extremo em ambientes controlados, exigindo-se para a sua prática o controle
das condições de uso dos equipamentos, a formação de seus recursos humanos e a
sustentabilidade socioambiental.” (Comentário: O artigo primeiro absorveu os
conceitos de esporte de aventura e radical, da Comissão Especial de Esportes de
Aventura do Ministério do Esporte, da qual fiz parte e comentei no “post” inicial
deste blog) Art. 2º A prestação de serviços que ofereçam a prática de esporte de
aventura ou radical fica condicionada à comprovação, na entidade de administração do
desporto, de qualificação específica de instrutores e profissionais responsáveis pela
preparação de locais e operação de equipamentos. Parágrafo único. As regras para
a certificação de qualificação a que se refere o caput e para a renovação periódica
dessa certificação serão definidas em regulamento. (Comentário: neste artigo fica
explícita a competência (sic) determinada pelas Leis Esportivas às Entidades
Nacionais do Segmento, afinal, esporte de aventura praticado a qualquer título que
for, é esporte) Art. 3º Os equipamentos a serem utilizados na prática de esporte de
aventura ou radical deverão seguir as normas de segurança definidas pela
entidade nacional de administração do desporto.(Comentário: aqui os comentários
acima se encaixam como luva) Art. 4º A inobservância das determinações desta Lei
pelos prestadores de serviços que ofereçam a prática de esporte de aventura
ou radical sujeita o infrator a sanções civis e penais cabíveis. (Comentário: este
artigo tem função pedagógica ao lembrar a quem pratica ou administra atividade
de risco, que existem sanções civis e criminais pesadíssimas, para quem não garante
a segurança de terceiros) (grifos dele) (Disponível em:
https://cconsolo.wordpress.com/2009/12/05/parabens-aos-senadores-efrain-morais-e-
raimundo-colombo/, acesso em 19/03/2014).
Uma das lacunas deste trabalho é entender o porquê de tantas mudanças de relator na
tramitação deste PL. Mas, fato é que, com as modificações comentadas incorporadas, o PLS é
aprovado no Senado, o que é interpretado pelos representantes das entidades esportivas como
uma vitória e uma garantia da continuidade de seu trabalho. Em 06 de abril de 2010, o Portal de
Notícias da Agência Senado publicou a cobertura “Aprovada regulamentação de esportes radicais
e de aventura”. Note-se o tom de urgência e a preocupação com a segurança no discurso oficial:
(DEM-PB), que foi aprovado nesta terça-feira (6), em decisão terminativa, pela
Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). Segundo o projeto, que teve como
relator o senador Raimundo Colombo (DEM-SC), "os equipamentos a serem utilizados
na prática de esporte de aventura ou radical deverão seguir normas de segurança
definidas pela entidade nacional de administração do desporto". O voto de Colombo, que
incluiu a elaboração de um substitutivo ao projeto original, foi lido, no início da reunião,
pelo senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS). Durante a discussão, o senador Flávio Arns
(PSDB-PR) recordou que o projeto foi apresentado depois da ocorrência de graves
acidentes na prática de esportes considerados de aventura ou radicais. O autor da
proposta, Efraim Morais, elogiou as mudanças feitas no texto pelo relator, no sentido de
"oferecer segurança" à prática desses esportes. Por sua vez, o senador Romeu Tuma
(PTB-SP) previu que a futura entrada em vigor das novas normas "dará mais
tranquilidade aos pais que autorizam os seus filhos a praticar esses esportes" (Disponível
em:http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/04/06/aprovada-regulamentacao-
de-esportes-radicais-e-de-aventura, acesso em 22/11/2013).
Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – esporte de aventura: prática esportiva não
formal, vivenciada em interação com a natureza a partir de sensações e de emoções, sob
condições de risco calculado e de incerteza em relação ao meio, sendo realizada em
ambientes naturais como forma de exploração das possibilidades da condição humana
em resposta aos desafios desses ambientes, exigindo-se para a sua prática o controle das
condições de uso dos equipamentos, a formação de seus recursos humanos e a
sustentabilidade socioambiental; II – esporte radical: prática esportiva formal ou não
formal, vivenciada em interação com a natureza a partir de sensações e de emoções, sob
condições de risco calculado, sendo realizada por meio de manobras arrojadas e
controladas como forma de superação de habilidades de desafio extremo em ambientes
controlados, exigindo-se para a sua prática o controle das condições de uso dos
equipamentos, a formação de seus recursos humanos e a sustentabilidade
socioambiental. Art. 2º A prestação de serviços que ofereçam a prática de esporte de
aventura ou radical é condicionada à comprovação, na entidade de administração do
desporto, de qualificação específica dos instrutores e profissionais responsáveis pela
preparação de locais e operação de equipamentos. Parágrafo único. As regras para a
certificação de qualificação a que se refere o caput e para a renovação periódica dessa
certificação serão definidas em regulamento. Art. 3º Os equipamentos a serem utilizados
na prática de esporte de aventura ou radical deverão seguir as normas de segurança
definidas pela entidade nacional de administração do desporto. Art. 4º A inobservância
das determinações desta Lei pelos prestadores de serviços que ofereçam a prática de
esporte de aventura ou radical sujeita o infrator às sanções civis e penais cabíveis. Art. 5º
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (Disponível em:
http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=76819&tp=1 , acesso
em 23/11/2013).
excluir a atividade de aventura turística do escopo deste PL. Além de a lei geral do turismo já ter
sido criticada pela Associação Férias Vivas, em sua “Carta Aberta ao Sr. Presidente da
República”:
Nesta época já se sabia que Marcelo Teixeira era empresário do setor turístico e
proprietário de hotéis, mas a Lei Geral do Turismo foi aprovada, apesar de ser contestada pela
AFV. Em 12/09/2010, Pedro Hauck publica “Ficha Limpa! Deputado que propôs emendas do
PL7288 tem candidatura impugnada”:
de mestrado (BANDEIRA, 2012), mas mais que isso, ele a acusa de ser uma forma de burlar a
regulamentação vigente na Embratur e criar uma reserva de mercado.
Além disso, Claudio Consolo manifesta sua maior preocupação: acredita que as
normas ABNT/ABETA não são adequadas tecnicamente e que a capacitação profissional que
oferecem é superficial, em sua maioria à distância. Ao mesmo tempo, teme que as novíssimas
normas ABNT tirem de circulação protocolos mais antigos criados pelas entidades esportivas já
que, segundo Cláudio, embora a ABETA se defenda de sua acusação de inconstitucionalidade
alegando que a adoção das normas ABNT é de caráter voluntário, o código de defesa do
consumidor, em seu artigo 39 veda ao fornecedor de produtos e serviços “Colocar, no mercado de
consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas (...) pela
ABNT”34, o que as converteria em obrigatórias.
É neste sentido que, para este agente, as normas das entidades esportivas e aquelas da
ABETA são mutuamente excludentes, e por isso as últimas precisam ser combatidas sem
parcimônia. Em sua interpretação, segundo o trecho citado por ele, não há caminho do meio. Se
estiverem em voga as últimas (as normas turísticas), as primeiras (regulamentações esportivas)
são invalidadas. Por isso, para Claudio Consolo, visto que o princípio da autonomia esportiva é
constitucional e anterior, se há normas que devem ser anuladas são aquelas que vieram depois.
Silvério Nery, presidente da CBME, na mesma ocasião e documento, afirma que o
problema maior é que o Ministério do Turismo define turismo de aventura como prática
recreativa e não competitiva e cria normas para praticantes leigos. Entretanto, ele argumenta que
o montanhismo e a escalada têm sua vertente competitiva como a menos representativa de seu
universo. É o montanhismo excursionista e expedicionário o mais praticado. Afirma ainda que,
além de sua entidade não ter sido consultada, essas normas criadas para leigos, assim como estão
redigidas pela ABNT, se entrassem em vigor, poderiam ser impostas a praticantes pioneiros,
autônomos e experientes, que não precisam e discordam delas. Ele acrescenta que, com um
décimo do valor destinado à ABETA, poderia ter feito um trabalho muito melhor via CBME, já
que a mesma já vinha fazendo isso em regime voluntário.
Em resposta, José Wagner Fernandes, representante da ABNT, afirmou que as
normas criadas para o turismo de aventura não são obrigatórias e sim voluntárias e não foram
34
(http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ctur/documentos/notas-
taquigraficas/notas-taquigraficas-de-2010/300610Esportesdeaventura.pdf> acesso em 30/06/2013, p.14)
126
criadas sem embasamento, mas sim com a consulta de cerca de 3 mil pessoas que já atuavam no
segmento nos principais destinos de aventura do país nos quais foram organizados seminários
técnicos para identificar as prescrições de segurança mais utilizadas e as padronizar. Além disto,
ele afirma que a participação ativa das entidades esportivas - Confederação Brasileira de
Canoagem, Associação Brasileira de Canionismo, Associação Profissional dos Instrutores de
Mergulho, entre outras (p.23) - fora solicitada. E alertou que o órgão máximo de padronização
internacional, a ISO, criou, em 2005, uma comissão de turismo com participação de 60 países
cujo representante indicado pelo Brasil foi a ABNT. Esta Comissão tem se ocupado do turismo
de aventura, tendo finalizado o trabalho sobre mergulho35, cujas normas internacionais foram
traduzidas pela ABNT e adotadas aqui.
Jean Claude Razel, então, pede que os presidentes das entidades esportivas
mencionadas por José Wagner Fernandes presentes na audiência confirmem ter participado e
concordem com a iniciativa ABETA. Depois que eles confirmam, o representante da ABETA faz
uma proposta de conciliação com as entidades esportivas contestadoras afirmando que algumas
delas não foram convidadas a participar do processo porque não se mostravam presentes nos
principais destinos de aventura envolvidos e/ou nas relações pessoais e profissionais daqueles que
tiveram a iniciativa. Assume que foi um erro, mas acrescenta que a ABETA estaria disposta a
repará-lo, o que não é aceito pelo representante da ABP.
Na análise deste documento, fica claro que a opinião das entidades esportivas de
aventura sobre a ABETA e a relação dos esportistas com o turismo não é homogênea. Há
diferentes concepções de esporte e turismo em jogo e relações de poder estabelecidas não apenas
entre os dois campos, mas também dentro de uma mesma modalidade, dependendo dos perfis e
histórias de vida dos envolvidos. Além disso, visto que as modalidades de aventura entre si são
muito diferentes tecnicamente e em tempo de existência, para algumas, as normas ABETA
podem ser menos profícuas e perigosas, mas para outras, elas ofereceram um primeiro referencial
a um setor que não tinha nenhuma regulamentação. Ou seja, não é possível formular julgamento
único sobre todas as iniciativas ABETA, a análise do caso de cada modalidade demandaria um
trabalho de pesquisa.
35
Já em 1986, Vanrenseul e Renson (1982) caracterizam o mergulho como em conformidade com a norma e a lei,
em oposição à escalada e ao cavernismo que seriam práticas não conformistas e contestadoras.
127
36
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,acao-do-turismo-para-copa-tem-ongs-suspeitas,763205
37
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entidades-e-ministerio-do-turismo-negam-irregularidade,763206
128
Aventura Segura, que culminaram em mais de 9138 empresas com Sistemas de Gestão da
Segurança certificados, perderam força e credibilidade neste processo. No ano de 2014, o número
de empresas certificadas caiu drasticamente. Constam no último folder de divulgação da ABETA
apenas 12 empresas certificadas.
Sem os subsídios do governo, muitas empresas desistiram de renovar sua certificação
por não terem condições financeiras e não verem a valorização e o retorno econômico do custo
envolvido. A ABETA também é acusada de ser corporativista e ter perdido sua capacidade de
diálogo por outras entidades do próprio setor turístico. Outro caso é o de empresas descontentes
por terem como certificador um funcionário de seu concorrente. Além disso, há denúncias de que
a ABETA procura omitir a ocorrência de acidentes que uma empresa associada sua,
principalmente se seu proprietário é membro do corpo diretor, tenha sofrido.
Percebe-se por todo o exposto neste tópico que as práticas de aventura tornaram-se
tema caro à agenda política do Ministério do Turismo a ponto de mantê-las mesmo diante de uma
série de contestações a sua adequação e de polêmicas envolvendo acusações de ilegalidade e
irregularidade no uso do dinheiro público. Além disso, como também denuncia Claudio Consolo,
o Ministério do Esporte não as tomou como pauta, apenas dando espaço a uma iniciativa (CEAV)
que, com mudanças de posição dos agentes no campo, perdeu força.
Arretche (2001) lembra que a incongruência de objetivos, interesses, lealdades e
visões de mundo entre agentes formuladores e implementadores implica que dificilmente uma
política pública atinja plenamente seus objetivos. Além disso, ela alerta que políticas públicas não
são formuladas em condições irrestritas de liberdade, mas sim em um processo de negociações e
barganhas. Sua proposta final não será a mais adequada, mas sim aquela na qual for possível
obter algum grau de acordo. Porém, a autora não traz dados sobre como lidar teoricamente com
os casos de distorções, regimes de excessão, irregularidades e corrupção.
Em resposta a acusação de Consolo, a ABETA publica em seu site o histórico de sua
atuação na tramitação do PL 7288/10 e anexa todos os documentos oficiais a ela relacionados:
Problema: Não possui uma distinção clara entre esporte de aventura e turismo de
aventura. Dessa forma, acarreta em prejuízos para o desenvolvimento da atividade de
turismo de aventura no País, bem como coloca em risco todo o investimento do
Programa Aventura Segura do Ministério do Turismo e SEBRAE, que foi executado
pela ABETA. Ações da ABETA: 1) Envio de ofício ao Senhor Relator do então PLS
38
Disponível em: http://www.abntcatalogo.com.br/mtur/noticia.aspx?ID=20, acesso em 17/02/2016.
129
Além disso, para diminuir a tensão estabelecida, a ABETA modifica seus discursos
substituindo a expressão esporte de aventura por turismo de aventura. Publica em seu website
uma carta em resposta às acusações sofridas na mídia especializada e às ações das associações
esportivas, sob o título “Turista é diferente de Esportista”:
39
Publicado no DO. nº 237 , Seção 1, págs. 137 a 143, 13/12/2010. Disponível em:
http://www.confef.org.br/extra/conteudo/default.asp?id=471, acesso em: 10/2/2016.
131
enviamos ofício para o dep. (sic) Walter Feldman, relator do PL na Câmara, mostrando
os defeitos das emendas e procurando influenciá-lo a melhorar a redação do PL,
incluindo um dispositivo sobre programas de incentivo para as entidades esportivas, de
modo a capacitá-las a exercer a função de certificação de pessoas [...] Compartilhe!
(Disponível em: http://www.cbme.org.br/noticias/noticias/27-legislacao/48-projeto-de-
lei-72882010-da-camara-federal> acesso em 12/01/2014).
Note o leitor que Silvério Nery não defende apenas a atuação da CBME, defende
também o montanhismo independente. O abaixo assinado a que ele se refere, que rejeita as
emendas ao PL 7288/10, é divulgado na mídia especializada, e até mesmo no Grupo de Escalada
Esportiva da Unicamp40. Assinado por 1162 pessoas o abaixo assinado dizia assim:
Há no Paraná o PL 120/11 de Osmar Bertoldi. Este PL prevê que os locais para pratica
de esportes de aventura devem estar preparados para receber resgatistas em caso de
urgência e também obriga os praticantes a pedir uma permissão aos bombeiros. É um PL
novo, que ainda não foi discutido onde faz-se urgente um contato com o deputado para
que os montanhistas coloquem em pauta suas reais demandas para que esta PL seja
retransformada em algo que de fato ajude o montanhismo. Fora estas leis, há uma
Instrução normativa do ICMbio sobre uso e captação de imagens em UC´s federais que
podem atingir indiretamente o montanhista. Esta Instrução normativa está em fase de
consulta pública, onde (sic) é necessário nossa contribuição para que ela não seja
40
Disponível em: https://www.listas.unicamp.br/pipermail/geeu-l/2010-August/008043.html , acesso em 12/03/2016.
132
aprovada como está proposta atualmente. Os pontos polêmicos fica (sic) por parte da
necessidade de autorização para captação de imagens com a chefia dos parques para
publicação de matéria jornalística. Este termo “matéria jornalística", é vago e qualquer
blog ou site de montanhismo pode ser considerado como tal. Além disso, parques sem
plano de manejo podem não autorizar a captação de imagens sem que para isso haja
justificativa e o uso de imagens dos parques para educação e cultura deverão passar por
um processo burocrático de autorização para serem publicadas [...] É muito importante a
participação de todos neste processo de cerceamento do montanhismo e de nossa
liberdade. Já existem movimentos contrários à estas propostas originais, como o abaixo
assinado contra as emendas do PL7288. Apesar de alguns céticos acharem que estas leis,
se aprovadas, nunca funcionarão, temos que pensar no futuro. Hoje sabemos da
dificuldade dos parques fiscalizarem e colocarem na prática estas normas, porém não
será assim pra sempre. Temos que garantir nossa liberdade e a aventura do futuro. O
Montanhismo evoluiu em técnicas e no processo de preservação da natureza, mas ainda
é baseado em valores que vêm desde a época de Gabriel Paccard e Jacques Balmat:
Aventura é Liberdade! Assinem, participem e divulguem! (Disponível em:
http://altamontanha.com/Colunas/2938/projetos-de-lei-que-atingem-o-montanhismo,
acesso em: 18/06/2014)
Depois de uma lei estadual que regulamenta as atividades de aventura ser sancionada no
Paraná, no último dia 23 de janeiro, o Rio de Janeiro também corre o risco de ter uma lei
similar. O projeto fluminense foi apresentado em setembro de 2011 pelo deputado Átila
Nunes (PSL) e atualmente se encontra em tramitação na assembleia legislativa do
estado. De acordo com Kika Bradford, vice-presidente da Federação de Montanhistas do
Rio de Janeiro, a entidade já pediu apoio do secretário do Meio Ambiente do Estado,
Carlos Minc, para tentar derrubar a lei. “Ele é a favor da livre prática de esportes ao ar
livre e nos ajudará a fazer com que essa proposta seja retirada”, disse a montanhista.
Kika também tentará viabilizar ações contra as leis de outros estados, via Confederação
Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME). No Paraná, o autor da proposta foi o ex-
deputado Osmar Bertoldi (DEM), atual Secretário de Política Habitacional de Curitiba.
Entre as obrigações da lei nº 17.052 está a necessidade de os praticantes obterem uma
“autorização do Corpo de Bombeiros Militar para a realização da atividade” e a
“autorização do órgão competente para a utilização de locais públicos ou privados”.
Além disso, ela cria a necessidade de um certificado estadual ou federal para os
equipamentos utilizados e impõe o dever de seguir normas da Associação Brasileira de
133
Normas Técnicas, a ABNT, durante as atividades. O que está causando confusão é que
texto não deixa claro se a lei vale apenas às empresas que oferecem serviços ligados às
atividades – como agências de turismo e empresas de trabalho em altura – ou vale para
qualquer praticante amador. O texto diz que ela vale para as “modalidades esportivas de
recreação que ofereçam riscos controlados à integridade física de seus praticantes e
exijam o uso de técnicas e equipamentos especiais”, e se aplicaria a atividades
comerciais, coletivas, públicas ou privadas [...] avalia Natan Fabrício, presidente da
Federação Paraense de Montanhistas (Fepam), que vai tentar cancelar a lei. “Ela pode
prejudicar os montanhistas e abrir precedentes para que isso aconteça em outros
estados”, disse ao Webventure, antes mesmo de saber do projeto no Rio de Janeiro.
Segundo Natan, não houve nenhum tipo de consulta pública sobre o conteúdo do
documento. A Fepam se reúne na sexta-feira (3) com advogados para discutir questões
técnicas e, na próxima semana, irá se juntar a outras federações esportivas, antes de
buscar apoio na Secretaria de Esportes de seu estado. No Ceará, a tal lei foi aprovada em
dezembro de 2011, com um texto muito parecido com o do Paraná. A lei n.º 15.071,
proposta por Paulo Facó (PT do B), tem apenas seis artigos e mantém a obrigatoriedade
de se obedecer às normas da ABNT. Minas Gerais, por sua vez, também possui uma lei
de conteúdo similar datada de 2007 e apresentada pelo deputado Dalmo Ribeiro Silva
(PSDB) (Disponível em http://www.webventure.com.br/h/noticias/depois-de-parana-
minas-e-ceara-rio-tambem-pode-ter-lei-que-regulamenta-as-atividades-de-
aventura/31057; acesso em 23/11/2014).
Webventure: Fizemos uma reportagem sobre uma lei estadual que acabou de ser
sancionada no Paraná, que regulamenta as atividades praticadas ao ar livre. Gostaria de
saber qual é a relação da Abeta com essa lei?
Jean-Claude: Não existe nenhuma relação. Do que fala essa lei?
Webventure: A lei cria a necessidade de normas ABNT para a prática de atividades,
obriga a certificação por órgão federal ou estadual e a autorização do Corpo de
Bombeiros para a prática. O problema é que as pessoas não entenderam se a lei se aplica
somente às empresas de turismo e afins ou à prática do esporte em geral.
Jean-Claude: É aquela velha confusão. Uma coisa é o esporte de aventura. Outra coisa é
turismo de aventura. Hoje, as normas que existem no Brasil, assim como a certificação,
são para turismo, não para o esporte. Imagino que se essa lei faça referência a isso: ela
deve estar falando do turismo. Só que o pessoal insiste em fazer a confusão entre as duas
coisas. Lógico que tem alguma área de superposição, mas em termos de trabalho, ou
negócios, são coisas muito diferentes.
Webventure: Em listas de discussão de montanhismo, há comentários de que essas leis
estaduais tem relação com ações da Abeta. Não têm, então?
Jean-Claude: É claro que não têm. A Abeta não quer misturar esporte e turismo. Quem
insiste em misturar as duas coisas são as pessoas do esporte, do montanhismo. Porque
eles esperam que assim eles consigam derrubar as normas [da ABNT]. Mas, nós não
134
estamos por trás dessas leis e achamos que elas só confundem. Para nós, a única lei que
vale, e que ajudamos a criar, é a Lei Geral do Turismo [n.º 11.771], que regulamenta as
atividades de turismo em geral. Como ela é uma lei federal, ela se superpõe às leis
estaduais. A Abeta é contra todas as iniciativas estaduais. A única iniciativa que a Abeta
apoia é esta lei geral e seu decreto de aplicação [n.º 7.381], que tem um artigo que se
aplica ao turismo de aventura. Isso não tem nada a ver com esporte, que é outra coisa,
que tem seu lugar, sua pertinência, que a gente gosta e apoia e quer ver memorar.
Webventure: E você sabe quem está tomando essas iniciativas estaduais? Jean-Claude:
Geralmente é um deputado, que tomou a iniciativa por que viu alguma coisa e quer
mostrar serviço. Isso não é iniciativa da Abeta e a associação não quer isso (Disponível
em http://webventureuol.uol.com.br/h/noticias/abeta-diz-que-nao-tem-nada-a-ver-com-
as-novas-leis-estaduais-/31058, acesso em: 23/11/2014).
A ABETA não confirma sua atuação direta na elaboração de leis estaduais, entretanto
confirma sua atuação na elaboração do PL 7288/10, como já exposto anteriormente, através da
proposição de três emendas. Porém, apesar dos esforços de todos os agentes envolvidos, tanto da
ABETA, quanto das entidades esportivas, no dia seis de agosto de 2013, o deputado André
Figueiredo (PDT-CE) emitiu parecer em favor da rejeição das três emendas, mas também do PL
7288. Sua justificativa é apresentada a seguir, assim como divulgada pelo site da Câmara dos
Deputados:
Este projeto tem por objetivo regulamentar a prática de esportes radicais e de aventura.
A matéria é relevante haja vista a segurança se constituir em um dos princípios basilares
do direito individual ao desporto, conforme definido no art. 3º da Lei nº 9.615, de 1998,
que dispõe sobre as normas gerais de desporto no País. Cabe considerar, que, sem
dúvida, é direito de todo praticante de esporte a sua integridade física, mental ou
sensorial nas atividades esportivas, sejam elas quais forem. Assim, qualquer ato que
coloque isto em risco na prática de esporte de aventura é ilegal, sujeito às sanções civis,
consumeristas e criminais conforme as leis vigentes no país. É posto também que, com o
advento da Lei Geral de Turismo, é irrefutável a edificação de que as atividades
turísticas estão inseridas como prestação de serviço. Consequentemente, as diretrizes
estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, juntamente com a legislação penal
vigente, já impõem a responsabilidade necessária e suficiente aos empreendedores de
turismo de aventura, cabendo cautela na inovação legislativa neste âmbito. Além disso, o
teor do PL nº 7.288, de 2010, incluídas as emendas nºs 01 e 02, enfrenta óbice
incontornável, na medida em que afronta a autonomia das entidades desportivas quanto à
sua organização e funcionamento. Apesar de muitos desportistas profissionais, e suas
respectivas federações, terem condições de qualificar as prestadoras de turismo de
aventura, tanto na prática quanto no que se refere às normas de segurança de sua
modalidade, não há como obrigá-los, já que isto está assegurado no art. 217 da
Constituição Federal e no art. 16 da Lei nº 9.615, de 1998. Apesar do interesse de
determinadas entidades do esporte de aventura, temos em nosso ordenamento jurídico
que a lei não deve lhes impor competências, pois não são órgãos estatais, mas entes
privados organizados sob o princípio da autonomia de vontade. Se essas entidades
desejam participar do processo de formação dos profissionais que exploram o turismo de
aventura, devem fazê-lo por meio de parcerias, aprovadas em seus estatutos, ou seja, por
meio do exercício da sua autonomia, sem a coerção do Estado. Quanto à emenda nº 3,
ela não resolve a inconstitucionalidade e impropriedade do desrespeito ao princípio da
135
autonomia das entidades desportivas. Diante do exposto, voto pela rejeição do Projeto de
Lei n.º 7.288, de 2010, do Senado Federal, e das emendas apresentadas.
4.4 A centralidade da natureza junto ao risco e os projetos de lei que garantem acesso a
ambientes naturais
Apesar de rejeitado o PL7288/10, André Ilha, publica em O Globo, em 26 de
Dezembro de 2013, o manifesto “Direito ao risco”, que diz assim:
Não existe aventura com resultados garantidos nem sem alguma dose de risco. Esta
afirmação, consagrada nos verbetes dos melhores dicionários, é também espelhada na
ótima definição oficial para os esportes de aventura dada pelo Ministério do Esporte.
Emoções fortes, até bem fortes, (quase) sem risco e com desfecho assegurado, consegue-
se nos parques de diversões, mas não descendo de caiaque um rio turbulento, pulando de
parapente do topo de uma montanha ou explorando uma caverna submersa. Esta
característica dos esportes de aventura, todavia, nem sempre é bem compreendida pela
maioria da população, que preza, sobretudo, o conforto e a relativa segurança do mundo
moderno. Isso de certa forma se reflete em recorrentes projetos de lei que, apesar de
bem-intencionados, se aprovados descaracterizariam, ou mesmo eliminariam, aquilo que
pretendem regular. Apesar de normalmente voltados para a prática comercial destas
atividades — portanto, tendo como alvo primário o chamado turismo de aventura —, tais
projetos, por redação deficiente, respingam também, e de forma desastrosa, sobre os
praticantes amadores. Tais projetos são estruturados sobre duas linhas bem definidas: a
busca obsessiva por certificações e registros formais, numa lucrativa (para alguém)
cartorialização que nem sempre apresenta alguma utilidade concreta; e restrições
manietantes, inclusive quanto ao livre acesso aos locais de prática destes esportes,
136
muitos deles em parques naturais públicos, que equivaleriam, se aprovados, à sua virtual
eliminação, ainda que não explicitamente declarada. O medo de responsabilização civil e
mesmo penal no caso da ocorrência de um acidente, sempre maior devido ao viés
paternalista da legislação brasileira, potencializa este processo, e hoje o maior risco
enfrentado por um escalador ou b.a.s.e. jumper talvez não seja a sua atividade em si, mas
sim advogados que incitam alguém a mover processos judiciais se um acidente ocorre.
Ou, pior, por praticantes eventuais que, se algo acontece, alegam desconhecer, como se
isso fosse possível, que estas atividades são de fato arriscadas, e buscam dividir uma
responsabilidade que deveria ser só sua com mais alguém, não raro para tentar obter
alguma vantagem financeira. Como montanhista inveterado, e praticante circunstancial
de outros esportes de aventura, pleiteio o direito de atender a esta pulsão ancestral com a
plena consciência dos riscos envolvidos, assumindo integralmente as consequências da
decisão de praticá-los e não esperando jamais, por coerência, que alguém, indivíduo ou
instituição, venha a ser responsabilizado na hipótese de que algo dê errado. Não é
pretensão exagerada, nem descabida, e precisamos caminhar para uma jurisprudência
que assegure este direito (Disponível em:http://oglobo.globo.com/opiniao/o-direito-ao-
risco-11146466#ixzz4207LQnuM, acesso em 4/12/2014).
A preocupação com o risco pode ser pensada segundo Douglas e Wildavsky (1982)
para quem os riscos são um construto coletivo e um diálogo político. Para os autores, ninguém
pode calcular precisamente os riscos totais com os quais se depara em vida. Ninguém consegue
tomar conhecimento de todos os riscos que corremos e, por isso, o que acontece é uma decisão
cultural ou uma seleção em favor do enfrentamento de alguns riscos e ocultação de outros. Riscos
aceitáveis são assim avaliados conforme crenças, valores e julgamentos morais.
Entre os outros tipos de riscos enunciados pelos autores (ambientais, microscópicos,
financeiros, tecnológicos), o objeto desta pesquisa nos dá a pensar a realidade da preocupação
com os riscos ao corpo humano da profundidade, da altura e velocidade dos elementos
naturais/fenômenos climáticos. Mas com uma peculiaridade: na circunstância de sua fruição
lúdica.
Segundo Le Breton (2009) risco, antes entendido como probabilidade de algo
acontecer, foi negativado em sua significação se aproximando muito da ideia de perigo. Para
Rocha (2008), risco seria relacionado com os danos resultantes de decisão e ação próprias do
agente, enquanto perigo seria aquilo que pode provocar danos de modo independente do controle
do agente. Entretanto, o que se vê no discurso dos praticantes autônomos de aventura é uma
137
Note que esta matéria traz em pauta o PL 7014/10 como contraponto ao 7288/10,
percebido o primeiro como o único que de fato beneficiaria o montanhismo. Este PL “Dispõe
sobre o trânsito por propriedades privadas para o acesso a sítios naturais públicos”. Em sua
argumentação, o deputado opera uma concepção de aventura como propícia a uma educação para
a preservação da natureza que aparece pela primeira vez em PL sobre o tema e está em acordo
138
com a relação esporte/ecologia apontada por Costa (1999) e Marinho (2008), assim como
demonstra sua justificativa:
Note o leitor que este PL além de não ser discutido na mídia especializada, tramitou
em comissões diferentes dos primeiros PLs analisados nesta pesquisa, fato que precisa ser
esclarecido, já que, apesar de a Comissão de Turismo e Esporte não mais existir, há atualmente
uma comissão de Esporte e outra de Turismo em separado. Outro fato para análise futura é que,
apesar de aprovado nas duas comissões, o PL fora arquivado. Em 14 de Maio de 2015, o
deputado Celso Jacob (PMBD-RJ) propõe-no pela terceira vez, com a numeração 1562/15
adicionando à sua justificação:
Este projeto foi originalmente apresentado pelos Deputados Fernando Gabeira e Alfredo
Sirkis, em legislaturas anteriores, aos quais rendemos nosso respeito e admiração pela
iniciativa e temos a satisfação em atender ao clamor da sociedade e reapresentá-lo [...]
Mencione-se, a título de exemplo, recente relatório sobre o acesso de montanhas em
Petrópolis, elaborado pelo Centro Excursionista Petropolitano, que identificou nada
menos do que vinte três cumes de montanhas cujo acesso vem sendo dificultado ou
impedido em função da constituição de condomínios nos vales do Município. A página
na internet da Federação de Montanhismo do Estado do Rio de Janeiro apresenta uma
lista com mais vinte três sítios com problemas de acesso no Estado do Rio de Janeiro. É
evidente, portanto, que o problema demanda urgente regulamentação. Com esse
propósito estamos propondo o presente projeto, por meio do qual pretendemos assegurar
o livre acesso do cidadão aos sítios naturais localizados em área pública, quando for
necessário transitar por terrenos privados [...] Convém lembrar que há iniciativas
municipais reconhecendo a importância de se regular o acesso a alguns ambientes
naturais específicos, entre os quais podemos citar o Zoneamento do Município da
Estância Balneária de Caraguatatuba e também a Política Urbana do município do Rio
de Janeiro. Em nível Federal merece menção as iniciativas legislativas que proíbem a
construção de loteamentos que impeçam o livre acesso às praias. Diante destas
argumentações, conclamamos os nobres pares a aprovação desta matéria (Disponível
em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C0B8D
F5A3D273FD6DD27DFC3F8460605.proposicoesWeb1?codteor=1338707&filename=
Avulso+-PL+1562/2015, acesso em 04/03/2016).
Em meu voto original, coloquei-me pela aprovação do projeto, mas sugeri a inserção de
um dispositivo prevendo que o direito ao livre trânsito não impeça a eventual cobrança
de taxa de manutenção pelo proprietário privado, desde que devidamente justificada por
obras civis e serviços de manutenção do acesso ao sítio de visitação pública. Revisitando
a matéria, notei que outras modificações seriam necessárias para aperfeiçoar o projeto do
ilustre autor: a de que o acesso aos sítios naturais situados dentro de unidades de
conservação, sejam elas federais, estaduais ou municipais, possa ser feito sem
acompanhamento ou a contratação de guias locais, desde que o turista solicite
autorização à administração da unidade, declare possuir a necessária capacidade técnica
para realizar o acesso pretendido, de acordo com o seu nível de risco ou dificuldade,
disponha dos equipamentos e sistema de apoio logístico adequados, respeite o plano de
manejo da unidade, se existente, bem como outras normas regulamentares pertinentes, e
assine Termo de Reconhecimento de Risco, declarando ciência dos possíveis riscos
associados. Além disso, a administração da unidade deve poder exigir o pagamento de
seguro por dano pessoal ou para o resgate do turista em caso de acidente. Desta forma,
sou pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.562, de 2015, com as emendas aditivas anexas
(Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D5771D1D
FA06E4A71215D88808666FEE.proposicoesWeb2?codteor=1402454&filename=Tramit
acao-PL+1562/2015, acesso em 04/03/2016).
O seguro como solução para arcar com custos de resgates e eventuais acidentes
novamente é trazido em pauta. Spink et al (2004) já investigavam como a indústria de seguros
vem respondendo “a essa crescente exposição deliberada ao risco, seja na modalidade dos
seguros de vida personalizados ou em resposta às demandas das operadoras de turismo sob
pressão da atividade fiscalizadora e reguladora do Estado” (p.81). Os autores concluem que:
Na medida em que o risco aventura sai do âmbito das vontades singulares e das relações
interindividuais e se torna uma oferta de mercadoria num mercado crescente, sofisticam-
se as demandas por estratégias de gestão de caráter coletivo. Saímos das relações
interpessoais envolvendo poucos, para o nível das populações. Cria-se, assim, um
cenário de ambivalências entre a positividade dos riscos vistos na esfera das posições de
pessoas disponíveis na modernidade tardia e a responsabilidade estatal por seu controle
(p. 87).
Na lógica dos PLs aqui analisados, os seguros parecem ser o recurso de indenização
privilegiado para evitar sobrecarregar o orçamento do Estado com estes “novos” tipos de
incidentes. Além disto, apesar de a redação do voto ao PL1562/15 trazer novamente o termo
turista, junto de uma reivindicação de montanhistas esportivos independentes, o Deputado Daniel
Vilela (PMDB/GO), relator das emendas n.1 e n.2, propõe acrescentar:
§ 3º O direito ao livre trânsito previsto no caput deste artigo não impede a eventual
cobrança de taxa de manutenção pelo proprietário privado, desde que módica, e
devidamente justificada por obras civis e serviços de manutenção do acesso ao sítio de
visitação pública.” [...] se ao projeto de lei o seguinte art. 5º, renumerando-se o anterior:
142
“Art. 5º O acesso aos sítios naturais situados dentro de unidades de conservação, sejam
elas federais, estaduais ou municipais, pode ser feito sem acompanhamento ou a
contratação de guias locais, desde que o turista:
I – solicite autorização à administração da unidade;
II – declare possuir a necessária capacidade técnica para realizar o acesso pretendido, de
acordo com o seu nível de risco ou dificuldade;
III – disponha dos equipamentos e sistema de apoio logístico adequados;
IV – respeite o plano de manejo da unidade de conservação, se existente, e outras
normas regulamentares pertinentes; e
V – assine Termo de Reconhecimento de Risco, declarando ciência dos possíveis riscos
associados. Parágrafo único. A administração da unidade de conservação pode exigir o
pagamento de seguro por dano pessoal ou para o resgate do turista em caso de acidente”
(Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D3FCF673
7F0F17389FED23509A98AEC1.proposicoesWeb1?codteor=1404390&filename=Avuls
o+-PL+1562/2015, acessado em 04/03/2016).
Mas, façamos o exercício da crítica de nós mesmos proposto pela antropologia pós
moderna. No discurso das entidades esportivas envolvidas na elaboração de políticas públicas de
aventura, o esporte, como direito, passa a dogma e tudo justifica. Entretanto, esta perspectiva
maniqueísta do esporte voluntário como direito social versus o turismo atividade de mercado
perversa, muito presente nos excertos apresentados, parece esquecer que também tem como parte
de sua reivindicação e luta a manutenção do direito de exploração comercial do campo da
aventura. Ora, o esporte é o que fazemos dele, ele não é naturalmente educacional e não é porque
a relação ensino-aprendizagem é oferecida como serviço que ele deixaria de ser educacional. Por
isso, a definição de esporte não pode ser essencializada. É preciso refletir sobre as diversas
concepções de esporte e fazer uma opção coerente com a atuação pretendida ou elaborar uma
definição pertinente e realizar um esforço constante de fundamentação e manutenção de seus
princípios na prática esportiva.
Em suma, proteger as pessoas é argumento facilmente aceitável na moral ocidental
em geral e na discussão política formal e especificamente no que concerne a práticas esportivas
no Brasil, já que a Constituição Federal determina na lei 9.615 de março de 1998, no Capítulo II,
que um dos princípios fundamentais da prática de desportos no país é a segurança41. O senso
comum confere muito rapidamente certa legitimidade às entidades que se dispõem a fazê-lo.
Contudo, não se dá conta que estas propostas eclipsam a disputa pelo direito de exploração
comercial das atividades de aventura.
41
“XI - da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física,
mental ou sensorial” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm).
42
O Segundo Tempo, lançado em 2003, de acordo com o governo, é destinado a democratizar o acesso à prática e à
cultura do esporte educacional, segundo a Lei n. 9.615/98, aquele praticado nos sistemas de ensino e formas
assistemáticas de educação, evitando a seletividade e a hipercompetitividade, com a finalidade de alcançar o
desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. O público
alvo seriam crianças e adolescentes, prioritariamente em áreas de vulnerabilidade social e regularmente matriculados
na rede pública de ensino. O programa é oferecido por meio do estabelecimento de alianças e parcerias institucionais
com entidade públicas e privadas sem fins lucrativos que tenham, comprovadamente, mais de três anos de atuação na
área de abrangência do programa.
144
são incluídas como conceito na publicação de uma cartilha43 para os educadores (na coleção
Práticas Corporais e a Organização do Conhecimento, junto das lutas e da capoeira). Mas, note o
leitor que os autores do material não estiveram citados nos documentos envolvidos no cenário
político específico da aventura, as implicações legais destas práticas não são trabalhadas e a
Comissão de Esportes de Aventura não é citada.
Tendo como justificativa que a importância do tema transversal educação ambiental e
que as práticas de aventura são na educação física aquelas que mais possibilitam o trabalho de tal
conteúdo, é coerente que os autores da publicação sejam Suraya Darido, especialista em educação
física escolar e currículo, Laércio Franco, experiente e estudioso em atividades de aventura no
contexto escolar e Rodrigo Cavasani especialista e pesquisador na interface da educação física
com a educação ambiental. Entretanto, as referências bibliográficas utilizadas no material são
limitadas e a introdução ao tema traz uma contextualização histórica do surfe e do montanhismo
que é bastante controversa e referencia fontes primárias, não estudos científicos e deixa de levar
em consideração a complexidade e o rico debate que vem sendo estabelecido sobre o tema pela
literatura acadêmica.
No que se refere ao Ministério do Turismo, apesar de a justiça não ter anulado o
programa “Aventura Segura”, com exceção do sistema de certificação, ele foi considerado
terminado. Um motivo possível é a ABETA ter sido acusada de irregularidades no uso do
dinheiro público, situação que enfraqueceu a entidade, embora tenha conseguido assento na
Comissão de Turismo de Aventura da International Standards Organization (ISO).
Entretanto, em 27 de Janeiro de 2015, o Ministério do Turismo reconheceu
oficialmente a função de condutor de turismo de aventura como ocupação44. No mesmo ano, a
ABETA firmou parceria com a Outward Bound Brasil45, como apresentado anteriormente neste
texto, entidade sem fins lucrativos que se dedica à educação experiencial ao ar livre. Ambas
ações podem engatilhar novo ciclo de crescimento e poder de influência futuramente.
43
http://www.esporte.gov.br/arquivos/snelis/segundoTempo/livros/lutasCapoeiraPraticasCorporais.pdf
44
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/turismo/2015/01/condutor-de-turismo-entra-em-classificacao-oficial-de-
ocupacoes, acesso em 29/01/2015.
45
Segundo seu website oficial, a Outward Bound Brasil é uma entidade de educação ao ar livre. Angelika Heuchert e
Márcia Kodama, após contato com o escritório internacional, receberam a tarefa de procurar Ninian Richardson, um
irlandês residente no Brasil que já tinha participado de cursos da Outward Bound no continente africano para criar a
filial no país. O processo de formação foi concluído no ano 2000 quando Isabel Barros, James Lynch, Fabio Raimo,
Tomas Lind e Robert Hewett juntaram-se ao grupo.
145
acesso a ambientes naturais de geografia adequada a estas modalidades. Entretanto, nestes dez
anos de debate, a disputa pelo direito a exploração comercial das atividades de aventura tomou
maior tempo e espaço que a preocupação com as vítimas e suas famílias e o aspecto ambiental de
tais atividades. Uma longa discussão sobre a definição de aventura exclusivamente como esporte
ou turismo dominou a arena política com o intuito de pretender determinar a que setor
“pertenceria” o trabalho com aventura.
Já que o setor esportivo sofre com a falta de espaço e incentivo por parte de seu
ministério, um trabalho conjunto e colaborativo, construído pelas entidades do turismo e do
esporte e com distribuição de iguais recursos públicos entre elas teria sido menos imobilizante. O
reparte de verba poderia ser interpretado como mais justo e poder-se-ia avançar
cooperativamente.
Contudo, da forma como vem sendo implementada no Brasil, o privilégio do setor
turístico no campo das atividades de aventura prioriza a proteção do empreendedor, ao isentar-se
legalmente das possíveis consequências das atividades que oferece, e do consumidor ou cliente,
ao dedicar-se a manter sua integridade física. Assistematicamente, iniciativas do setor esportivo
tentam evitar que o praticante autônomo seja submetido a protocolos de que não precisa ou com
os quais não concorda tecnicamente e também que possua o direito de explorar a prática
comercialmente. Todavia, dois perfis de agentes do campo são esquecidos nas discussões:
aqueles que se prestaram a trabalhadores da aventura, vide as condições de trabalho precárias das
populações absorvidas na corrida da exploração comercial da aventura turística como os
carregadores Sherpa do Himalaia, de Macchu Picchu ou dos condutores de Brotas; e os leigos, ou
iniciantes, que precisam de mediação pedagógica com a prática.
Do ponto de vista democrático, o papel do Estado deveria ser incentivar iniciativas
relacionadas à segurança e boas práticas para garantir a integridade dos cidadãos e fomentar a
prática de forma a equilibrar o acesso a tais modalidades, com qualidade, a todos os perfis da
população e não apenas relega-las à suposta “auto regulação” do mercado e do consumo. Para
fazê-lo de forma intersetorial e multidisciplinar, como requer um campo híbrido, esta pesquisa
sugere que o conceito de lazer, práticas e/ou atividades de aventura, abrangendo o esporte e o
turismo seriam mais operacionais na mediação dos conflitos. Além disto, o Estado deveria zelar
por versões de atividades de aventura que tragam benefícios educacionais à população para além
dos exclusivamente econômicos.
148
Entretanto, esta sugestão é feita com limites da interpretação dos dados, tais como a
não interação rotineira com os agentes e não observação direta dos processos de elaboração de
políticas públicas sobre atividades de aventura e a baixa adesão dos envolvidos às entrevistas que
poderiam esclarecê-las. Ficam como sugestões para pesquisas futuras, então, buscar este acesso
junto ao projeto de lei que está atualmente em tramitação (o PL 1562/15) e/ou futuros PLs que
venham a surgir. Devido ao teor do PL1562/15, investigar a concepção de natureza relacionada
àquela de espaço público e privado e discutir a questão do acesso e democratização das práticas
de aventura também se faz imprescindível, junto do estudo dos processos de formação e
qualificação dos profissionais de aventura e sua possível relação com o meio acadêmico46.
46
Como se verá a seguir, assunto caro na Nova Zelândia.
149
47
Embora aclamado por seus idealizadores como uma “colonização mais humana” por seu caráter de acordo, o texto
em duas versões (inglês e maori), segundo o Museu de Auckland, apresentava problemas de tradução, provavelmente
propositais, que permitiram a submissão dos povos Maori ao garantir aos chefes tribais a continuidade da chefia e a
pertença das suas terras e recursos naturais e a todos os Maori os mesmos direitos que os colonos britânicos, ao
mesmo tempo que também assegurava soberania à coroa Britânica (palavra que na versão maori estava substituída
por proteção). No século XIX, então, a maioria das terras Maori foram tomadas e dominadas e após muita luta e uma
marcha que atravessou o país, em 1975, foi estabelecido o Tribunal de Waitangi. Nele foram ouvidas reivindicações
de iwi (tribos) maoris e, em muitos casos, houve a concessão de indenização. Embora tenham sofrido também muita
violência e ainda sofram segregação, em geral, ocupando os empregos menos remunerados e vivendo nas periferias,
é nítido no dia a dia neozelandês atual que políticas públicas de inclusão dos nativos são muito mais ostensivas que
150
Em específico, nos textos das políticas públicas de esportes, turismo e lazer este
imaginário de povo destemido, expedicionário e vanguardista é reforçado, principalmente pela
primeira conquista do monte Everest pelo kiwi Edmund Hillary junto de Tenzing Norgay do
Nepal, em 29 de maio de 1953.
Sir Edmund Hillary também teria sido pioneiro em expedições nos polos norte e sul,
conquistou quase todos os picos mais importantes dos Southern Alps neozelandeses e deu nome,
mesmo em vida, a inúmeros estabelecimentos e iniciativas relacionadas a motivos
expedicionários. Um deles, e um tipo de estabelecimento muito peculiar, o Outdoor Pursuit
Center (OPC) mais influente do país. Os OPC são um tipo de centro de educação ao ar livre sem
fins lucrativos. Este, criado em 1972 serviu de inspiração para outros.
Muitas escolas fazem parcerias com este OPC para saídas de campo com seus alunos
baseadas em princípios da educação experiencial e educação ao ar livre com pitadas de educação
ambiental. A frequente menção à recreação e educação ao ar livre, embora alguns pensem que
esteja perdendo espaço, ainda é relacionada à identidade nacional neozelandesa e estimulada no
ensino básico. Esta OPC também oferece cursos de formação profissional
Para alimentar este setor, cursos de formação em recreação ao ar livre e liderança ao ar
livre são difundidos por todo o país. Encontrei na revista New Zealand Adventure de junho/julho
de 1999 (n.94), uma reportagem especial sobre formação e treinamento para o trabalho em
recreação ao ar livre. A reportagem é assim apresentada:
Many people dream of working in the outdoors, guiding people up mountains, taking
school kids on wilderness adventures, raft guiding down a river, patching up injuries on
a ski field, But, although a lot of people are passionate about the outdoors, it takes a
special breed of person to successfully make a career in outdoor recreation, education, or
adventure. Together with the Sport, Fitness and Recreation Industry Training
Organization [SFRITO], NZ Adventure takes a look at some people who are working
and training in the outdoors, and provides a guide on training opportunities (p.41).
aqui. Por exemplo, as sinalizações em inglês e maori, cursos sobre a cultura maori nas universidades, nos ambientes
universitários os professores em geral, mesmo os pakeha, costumam abrir suas aulas ou falas com uma pequena
introdução em maori, e quando não proficientes na língua ao menos com a saudação maori Kia Ora, que quer dizer
bem vindo/esteja bem. E os exemplos mais difundidos midiaticamente, a integração de maoris e pakeha na seleção
neozelandesa de rugby com a adoção do haka, sua dança ritual, como preparação para as partidas; e a adoção pelos
pakeha das tatuagens maori, padronagens baseadas nas folhas da “samambaia de prata” (silver fern), planta muito
significativa pois utilizada na orientação na mata e também utilizada como símbolo do país.
151
e/ou em vínculos informais com outros praticantes ou guias de turismo locais formados pelas
empresas nas quais trabalham, e mais recentemente, condutores de turismo, fundamentados pelas
normas técnicas ABNT/ABETA, na Nova Zelândia uma gama de instituições de ensino oferece
estes conhecimentos sistematizados em títulos em recreação e/ou educação e/ou liderança ao ar
livre.
Naquele contexto a palavra líder equivale à ideia de guia e/ou condutor e também coexiste
com a palavra instrutor. A diferença seria que o primeiro está formado em uma abordagem do
turismo, enquanto o segundo da educação. Entretanto, na prática as categorias são embaralhadas,
inclusive na New Zealand Outdoor Instructor Association (NZOIA), criada em 1987, que afirma
em seu website:
We've developed New Zealand outdoor instructing and guiding into a profession with
our commitment to training, standards, currency, and a code of conduct. Assessment,
through formal peer review of our instruction and guiding practices, has improved our
way of working. We're responsible for promoting the highest standards of outdoor
instruction and guiding, and striving to ensure that outdoor activities participants enjoy
quality experiences (Disponível em: http://www.nzoia.org.nz/about/about-nzoia, acesso
em 30 de Julho de 2015).
Da lista de 19 instituições que oferecem formação citadas pela matéria aqui analisada, 2
citaram estar conforme os critérios e avaliações exigidos para se tornar membro da NZOIA. 10
eram escolas politécnicas, 3 institutos de tecnologia, 1 college, 1 universidade, 2 OPCs e 2
associações esportivas. Os cursos tinham duração de 1 a 3 anos, equivalentes a um superior
técnico brasileiro, em acordo com o National Qualifications Framework (NQF) neozelandês: 1
ano equivalente a certificado, 2 anos equivalente a diploma, e 3 anos equivalente a bacharelado
(este último o mais raro de encontrar, embora nos bacharelados em educação física, havia muitas
opções de disciplinas sobre o tema).
Quase todos os cursos combinavam conceitos gerais em lazer e recreação com aqueles do
esporte e/ou turismo (algum separavam em dois cursos diferentes dependendo da ênfase, o
primeiro mais voltado à fisiologia, didática e teoria do treinamento e o segundo à administração e
planejamento). Eram também combinados o treinamento prático multimodalidades (técnicas
verticais, orientação e canoagem, pelo menos) com socorros de urgência, meteorologia e
ecologia/conservação.
152
Embora fosse desta lista aquele que oferecia o maior número de cursos de formação, de
atividades para jovens e o que recebia o maior número de clientes, infelizmente, Sir Edmund
Hillary Outdoor Pursuit Centre, a OPC pioneira e mais reconhecida do país, era a operadora de
uma atividade em Mangatepopo na qual faleceram, devido a uma tromba d´água, seis alunos de
ensino médio e uma professora em 2008. Talvez não por acaso, a entidade tenha mudado de
nome para Hillary Outdoors Education Centre.
Neste sentido, os acadêmicos que se dedicam à educação ao ar livre estão em debate sobre
a necessidade de envolver o risco nestas iniciativas. Westbury (1995) defende que a percepção do
risco, sua avaliação e gestão são habilidades fundamentais para o desenvolvimento integral do ser
humano. O autor advoga em favor do potencial pedagógico das atividades arriscadas tais como:
uma educação para a sobrevivência, a coragem, a persistência, a resiliência, a pró-atividade e a
tomada de decisões em situações de emergência que promoveriam, a confiança, a autoestima e a
capacidade de liderança. Já Cosgriff (2008) e Brown (2009) interpretam tais iniciativas como
resíduos de uma mentalidade colonizadora, acostumada a ver a natureza como lugar para ser
conquistado e possuído, um cenário para magnificar as habilidades humanas, ou mais
recentemente, para nutrir um mercado de entretenimento com o apelo do medo e do arrojo ou um
modismo em formação empresarial, muito em acordo com a crítica de Ehrenberg (2010)
apresentada na revisão de literatura desta tese.
Os textos das políticas públicas analisadas reforçam o senso comum de que a Nova
Zelândia é um país geograficamente adequado, até privilegiado, para tais práticas, não só por não
ter ameaças de animais terrestres48, mas também por seu território ser compacto e ao mesmo
tempo tão diverso. Segundo meu trabalho de campo, há a impressão por grande parte da
população, de que os mais diferentes ambientes naturais (lagos, mar, montanhas, mata,
semiáridos vulcânicos, picos nevados) são acessíveis porque próximos e pela quantidade de
parques nacionais que dispõem de boa sinalização, programa online de previsão do tempo e
atualização de mapeamento e, até mesmo, estrutura de cozinha e/ou cabanas gratuitas para
pernoite.
Adicionalmente, o ethos inovador da Nova Zelândia, alimenta o mercado de novos
equipamentos e atividades configurados como produtos e serviços de lazer, como o primeiro
48
Os tubarões são parte da fauna marinha do país, embora de espécies que raramente atacam, situação bem diferente
da vizinha Austrália.
153
bungee jumping comercial do mundo e, mais recentemente, o Zorb49. Mas isto tudo não foi
suficiente para evitar acidentes fatais em atividades de aventura. Já em 1995, Graham Egarr
(“New Zealand Water Safety Council education officer”) em entrevista à Mark McLauchlan para
a reportagem White Water Death: why is the Shootover New Zealand´s most lethal river? afirma:
“If there’s a way to trim costs to make better profit, then most [operators] will do it” (Revista
North and South, dezembro de 1995).
49
Bolha plástica dentro da qual se pode rolar por uma ladeira ou andar sobre a água.
154
Safety audit standard for Adventure Activities: Ministry of Business, Innovation & 03/2013
requirements for a safety audit of operators Employment/ Health and safety
Fact Sheet: Adventure Activities Worksafe New Zealand 07/2014
Adventure Activities Update Worksafe New Zealand 02/2015
Website presentation Supportadventure.co.nz s/d
Website presentation Outdoor Education new Zealand (OENZ) s/d
Constitution ONZ Outdoors New Zealand (ONZ) s/d
Website presentation New Zealand Outdoor Instructors s/d
Association (NZOIA)
Website presentation Education outdoors new Zealand (EONZ) s/d
Website presentation Adventuresmart (outdoor safety code) s/d
Website presentation SkillsActive s/d
EOTC guidelines: bringing the curriculum alive 2009
Sport and Recreation New Zealand´s (SPARC´s) 2009
Strategic plan: 2009-2015
Tabela 6. Documentos analisados sobre o caso da Nova Zelândia
50
Education Outside The Classroom.
155
51
Descer um rio de corredeira com uma prancha pequena, chamada bodyboard ou prancha de peito, também
chamado de aquaride.
52
Disponível online em: http://www.3news.co.nz/tvshows/3d/adventure-tourism-are-we-any-safer-
2014050717#axzz3jnj6myIU (acesso em25/08/15)
156
resultado em uma ação política relacionada à nacionalidade da vítima, já que a Nova Zelândia
ainda é submissa à coroa britânica e porque turistas do Reino Unido tem grande poder aquisitivo
e são o maior número a visitar a Nova Zelândia, apenas atrás dos australianos (o último dado
encontrado no Stock-take of risk management and safety provisions in the adventure and outdoor
commercial sectors in New Zealand 2009/10, Department of Labour, p.21), sendo um importante
público alvo. É importante lembrar, diante desta reflexão, da crítica à ocultação das identidades
de vítimas de homicídio e acidentes fatais pelo jornalismo, segundo a qual não mencionar nomes
e histórias de vida faz desumanizar o incidente, tornando a notícia menos impactante
emocionalmente.
Sejam quais forem as razões para a ocultação dos outros acidentes nos documentos
oficiais, uma revisão em duas fases foi implementada. A fase 1 (de 21 de setembro a 29 de
janeiro de 2010) correspondeu ao levantamento de conceitos e mapeamento do escopo da revisão
baseados na aplicação de questionários e a fase 2 (de 1 de fevereiro a 31 de maio de 2010) definiu
os problemas do setor e elaborou os relatórios com sugestões de possíveis soluções baseados nos
documentos produzidos por investigadores e juízes sobre os acidentes e em entrevistas em
profundidade com os familiares das vítimas). Para viabilizar tal revisão, foram formados três
grupos multissetoriais e multidisciplinares. O grupo diretor, formado por membros sênior de
diferentes ministérios e secretarias, um grupo de trabalho, composto de maneira semelhante e um
grupo de referência, formado por sessenta e sete membros externos ao governo, representantes de
entidades do setor, empresários, acadêmicos e pessoas reconhecidas como experts técnicos em
recreação ao ar livre e atividades de aventura.
No que se refere à fase dos questionários, em acordo com o Summary of Consultation
Responses (Department of Labour, 2010), uma consulta pública em forma de survey foi
conduzida entre os agentes do campo da recreação ao ar livre e dos esportes e turismo de
aventura. 16 de dezembro de 2009 foi a data limite para a entrega dos questionários respondidos
(que foram formulados em dois tipos: individuais ou institucionais). Cento e quarenta e duas
respostas correspondentes a diversos perfis de respondentes/agentes do campo retornaram:
operadores comerciais, funcionários, associações e organizações. Quarenta e quatro tipos de
atividades comerciais de aventura e trezentas e cinquenta e oito empresas que oferecem esses
serviços foram identificadas como fazendo parte do escopo da revisão. De acordo com os
relatórios produtos da análise deste material, o setor ao ar livre e de aventura foi definido como:
157
“all recreational-type activities offered on a fee for service basis that carry heightened inherent
risks that must be managed” (Review of Risk Management and safety in the adventure and
outdoor commercial sectors in New Zealand 2009/10, Department of Labour, p. 43).
Um dos termos mais encontrados em todos estes documentos como preocupação e
motivação maior para políticas públicas sobre o setor foi risco. Por risco, a revisão entende “risco
de dano grave”, dano grave tendo sido definido pela legislação trabalhista neozelandesa em 1992
(Health and Safety in Employment Act) como “perda permanente de função corporal, ou perda
temporária severa de função corporal”.
Os documentos conclusivos da revisão observaram que não se pode esperar que todos os
acidentes deste setor sejam eliminados, já que o risco é um elemento central que caracteriza estes
tipos de atividades. Ao invés disto, é esperado que todos os esforços práticos sejam feitos para
gerir o risco eficientemente e minimizar as possibilidades de acidentes ou suas consequências.
Além do risco e da segurança, os outros termos de maior incidência nos documentos
governamentais neozelandeses sobre práticas de aventura são: atividades e setor. Este fato,
somado à composição institucionalmente heterogênea dos grupos de trabalho da revisão (seus
membros serem representantes de entidades de campos diversos), levou-me a pensar que as
políticas públicas neozelandesas eram elaboradas desde uma perspectiva intersetorial e/ou
multidisciplinar (evitando definir tais práticas apenas como esportes ou turismo). Entretanto, na
definição do escopo da revisão está muito clara a exclusão de clubes, escolas, entidades
esportivas e atividades não pagas. O que deixa basicamente apenas o turismo como escopo de
tamanha revisão. As conclusões da revisão foram:
- É mais positivo agir na prevenção e não na punição por acidentes depois que o dano é
irreversível;
- Grande variedade de órgãos produzindo protocolos de segurança gera confusão e deixa brechas
para operações abaixo da qualidade esperada;
- O sistema de certificação em turismo Qualmark (o mais popular até então) era insuficiente para
negócios de aventura, já que seu foco era o atendimento ao cliente e não questões técnicas de
segurança;
158
- Seria necessário criar um único sistema obrigatório de registro, audição e certificação para
empresas do setor e disponibilizar educação aos clientes sobre como avaliar os serviços de
aventura;
53
No seu website oficial a instituição se apresenta assim: “Created in 1828, Bureau Veritas is a global leader in
Testing, Inspection and Certification (TIC), delivering high quality services to help clients meet the growing
challenges of quality, safety, environmental protection and social responsibility” (Disponível em
http://www.bureauveritas.com.au/home/about-us/, acesso em 5/7/2015).
54
“QSI is an operational risk management company based in Hawke's Bay, New Zealand. We provide safety and
risk management services to a range of clients in New Zealand and internationally, specialising in support to
operations in hazardous environments and high-risk industries” (Disponível em: http://www.qsi-global.com/about,
acesso em 5/7/2015).
55
“Telarc SAI is a Crown Entity Subsidiary owned by the Accreditation Council (75%) and SAI Global Limited,
Sydney, Australia (25%). We are recognised as a Certification /Registration Body by JAS-ANZ (Joint Accreditation
System - Australia and New Zealand). Our vision is to continue to excel as New Zealand’s leading provider of
systems assurance and training services” (Disponível em: http://www.telarc.co.nz/who-are-we/, acesso em 5/7/2015)
159
seu equipamento fora comprado por outra empresa que estava operando exatamente com os
mesmos coletes salva-vidas considerados inadequados pelo pai da vítima e b) que as entidades de
audição, menos a ONZ, deixaram de atuar com a diminuição do suporte do governo, deixando a
última sobrecarregada e incapaz de auditar todas as empresas faltantes dentro do prazo
determinado.
Depois desta reportagem, que entrevistou a presidente da ONZ, a Skills Active Aotearoa
comprou o programa Outdooorsmark, formulado por ela. A Skills Active, era a antiga SFRITO
(Sport, Fitness, and Recreation Industry Training Organization) e justifica que tem uma relação
mais próxima com a New Zealand Qualifications Authority (NZQA) já tendo promovido cursos e
qualificações em aventura antes.
Embora não esteja claro através dos documentos encontrados o que aconteceu com a ONZ
e os outros auditores, o relatório de atualização da WorkSafe New Zealand sobre Atividades de
Aventura em 23 de fevereiro de 2015 afirma que de 352 operadores notificados sobre a
obrigatoriedade da audição, até aquela data, 80%, ou 283, estavam certificados e registrados. O
que significa que o prazo para certificação (que seria novembro de 2014) fora estendido para
alguns operadores que não tinham conseguido agendar sua auditoria. Não está claro nos
documentos se estes operadores foram autorizados a continuar trabalhando sem dispor da
certificação. Mas, em fevereiro de 2016, o registro continha 318 companhias certificadas56.
Apesar de que a revisão e sua ênfase no turismo de aventura tenham ficado muito
conhecidas da sociedade civil através da televisão e seus documentos acessíveis via internet, é
menos frequente observar sendo citados os documentos ou políticas produzidos por outros órgãos
governamentais, como o Department of Conservation, equivalente ao nosso Ministério do Meio
Ambiente, e a SPARC57, que estão disponíveis gratuitamente para consulta da população em
geral.
O primeiro oferece instruções sobre caminhadas ao ar livre e em trilhas, tais como mapas,
clima da região, intensidade, tempo de duração, o que levar, e disponibilidade de trilhas
demarcadas, sinalização e cabanas para pernoite. Além disso, recruta e organiza voluntários para
a manutenção de trilhas e cabanas e de jardins em parques públicos. Também é o órgão
56
http://www.dol.govt.nz/Tools/AAOAudit/Audit/register/%22 acesso em 18/2/2016.
57
É importante ressaltar que a Sport and Recreation New Zealand passou a ser chamada Sports New Zealand desde
2012, fato que será problematizado a seguir.
160
responsável pela licença de pesca e, mais recentemente, tem oferecido bolsas de estudos em
cursos da Outward Bound New Zealand para 7 jovens (de 13 a 18 anos e de 18 a 26 anos), com o
intuito de estimular a educação ao livre para a conservação do meio ambiente.
Já a SPARC produziu o guia Outdoor Activities: guidelines for leaders (SPARC, 2005)
em colaboração com o Ministério da Educação, a ONZ e a EONZ (Education Outdoors New
Zealand). Em 2007, uma revisão em parceria com o Department of Conservation levou à
atualização do guia em 2009.
Outdoor Recreation Strategy: 2009-2015 (SPARC, 2009) define como prioridade da
SPARC (em recreação) a recreação ao ar livre, enfatizando a importância de promover
habilidades, conhecimentos e etiqueta sobre meio ambiente. Segundo o documento, seu objetivo
é encorajar e habilitar mais pessoas a participarem da recreação ao ar livre dando suporte a seus
diversos formatos, formais ou informais. O documento define recreação ao ar livre como:
[...] acontecem no tempo livre das pessoas; têm um componente físico; requerem acesso
a espaços abertos naturais, rurais ou urbanos; não são primariamente focados em
objetivos competitivos; têm uma série de propósitos que são determinados pelas
necessidades dos participantes individualmente. Recreação ao ar livre não inclui:
atividades esportivas; atividades indoor; ou atividades que não têm um componente
físico (p.3).
Sport is used in its broadest sense. Sport includes active recreation, casual pick-up
games, and organized competitions. It includes both community and high performance
sport (p.3).
Sport is increasingly being produced and sold as a product and service and consumers
are increasingly demanding offerings which are tailored to their needs. And the world of
high performance is getting more competitive and more expansive each day (p.1).
Outdoor activities are an exciting means of providing opportunities for huge learning
and personal growth. These opportunities involve risk, which is an integral and
positive part of outdoor activities. Managing the balance of risk and safety is a
dilemma for those people who govern, manage and instruct outdoor activities. Keeping
up to date with current, accepted practice in managing this balance is a challenge, which
this resource addresses (p. 2).
Por isto, este é um guia apresentado como um “documento vivo”, qualquer feedback sobre
seu conteúdo é incentivado e recebido por email pela ONZ, que assina a introdução da publicação
com Garth Gulley, gerente de Programação de Segurança da ONZ. O documento também diz que
sua primeira edição foi muito bem recebida pela comunidade “outdoor” e cópias impressas
esgotaram em janeiro de 2009. Com a necessidade de uma nova impressão, a decisão de conduzir
uma revisão foi tomada, graças à Lawrie Stwart e SPARC.
Contudo, apesar de a recreação ao ar livre ser um dos cinco pilares listados pelo plano
estratégico da SPARC: 2009-2015, em fevereiro de 2012, o órgão se torna Sport New Zealand,
suprimindo o termo recreação de sua designação. Tal movimento é ambíguo já que, ao analisar o
website da Sport NZ, é possível encontrar abas sobre recreação, quais são as entidades nacionais
de recreação que recebem verba da Sport NZ e também uma biblioteca com estudos sobre esporte
e recreação, uma ferramenta para que o público possa desenvolver seu próprio estudo de caso
sobre esporte e recreação e um programa permanente de financiamento chamado Hillary
Expeditions, que é assim apresentado:
During 2009, New Zealand’s outdoor sector came together to collaborate on an initiative
aimed at bringing consistency to preventative outdoor safety messaging. This initiative
produced New Zealand’s Outdoor Safety Code, which is formed of 5 simple rules to
help people plan and prepare before engaging in land-based outdoor activities. Since
then, the New Zealand Search and Rescue Council (NZSAR) has collaborated with other
sectors to produce further codes including the Boat Safety Code and Water Safety
Code. It was further recognised that visitors to New Zealand often engaged in a variety
of outdoors activities and that whilst there is excellent safety information available,
it could be time consuming to locate it all quickly. Research also indicated that the
majority of unfortunate incidents in New Zealand are avoidable with good planning,
knowledge and skills. This resulted in the creation of the AdventureSmart website (based
on the Canadian model of the same name) which was designed to provide both visitors
and native New Zealanders with a centralised online location for safety information and
planning support, prior to engaging in outdoors activities in New Zealand. The site links
to existing safety information for land, snow, water, boating and air activities together
under one umbrella with the aim of making it easier for people to plan and prepare their
adventures and ultimately take responsibility for their own safety.
www.adventuresmart.org.nz was initially launched in December 2010 and in
September 2011 v.2.0 was revised to include an increased number of activities, plus
significantly more content and links (http://www.adventuresmart.org.nz/about-us/ acesso
em 10/2/2016).
Além de um formulário Outdoor Intentions a ser preenchido por quem vai se engajar em
qualquer atividade de aventura e entregue a pessoa de confiança, que estará alerta para o
comprimento do plano dentro do prazo e eventual necessidade de resgate, este programa oferece
os códigos de conduta em quinze idiomas além do inglês e maori e também sugere links
específicos e outras fontes de informações sobre as atividades de aventura organizadas em acordo
com o meio em que ocorrem: terra, ar, água, neve e (exceção na classificação) barco. As
instituições envolvidas na elaboração do material síntese ou apoiadoras da AdventureSmart, são
listadas no site:
Federated Mountain Clubs of New Zealand (FMC) Greater Wellington Regional Council
We use a wide definition of Community Sport. It includes play (age and stage
appropriate development opportunities for young people), active and outdoor recreation,
and competitive sport taking place through clubs and events (including talent
development). Community sport does not include passive recreation such as gardening
or elite (international) competition (p.3).
58
Médico que também acumula a função de Ministro da Saúde.
59
Esta é a terceira vez que a Nova Zelândia desenvolve uma pesquisa nacional deste tipo. Segundo a introdução do
documento, esta pesquisa foi uma colaboração do National Research Bureau (NRB) com Alister Gray (Statistics
Research Associated Limited). O trabalho de campo levou 12 meses para ser concluído e entrevistou 6.000 pessoas
acima de 16 anos.
60
Esta iniciativa teve como objetivo identificar padrões e mudanças através de uma análise das bases de dados
estatísticos, relatórios e censos neozelandeses e sua problematização a partir de comparação com documentos
australianos e ingleses, artigos de jornalismo e blogs, somada a pesquisa bibliográfica acadêmica e 14 entrevistas
com líderes do setor esportivo e mídia digital.
166
- A Nova Zelândia recebe cada vez mais imigrantes e o aumento da diversidade étnica da
população neozelandesa (apenas 37% dos habitantes de Auckland são nascidos na Nova Zelândia
e 213 grupos étnicos foram identificados no país pelas pesquisas com aumento no número de
indivíduos que se identificam como multiétnicos) demanda uma gama mais diversa de opções de
atividades físicas com as quais se identificar;
- As pessoas têm precisado encaixar a prática esportiva em agendas cada vez mais
ocupadas e precisam de uma oportunidade de participação mais individualizada e flexível em
termos de horário e local, por isso, a demanda por esportes institucionalizados e em equipe e a
adesão a clubes têm caído nos últimos seis anos, enquanto a adesão a academias de ginástica e a
práticas alternativas tem aumentado;
- Os estilos de vida sedentários estão aumentando entre os jovens devido à indústria do
entretenimento tecnológico, ligado a equipamentos com tela como videogames, smartphones e
tablets; por isso, nunca foi tão imprescindível oferecer o número adequado de horas-aula na
educação física escolar;
- As práticas com aumento no número de participantes foram: ciclismo, corrida/jogging,
pesca, pilates/yoga, trilhas, ginástica, canoagem/caiaque, caça;
- As práticas com queda no número de participantes foram: caminhada, natação,
musculação, dança, golfe, tênis, futebol, touch rugby, cricket, basquete.
É claro que se pode argumentar que, frente à individualização da prática esportiva e
recreativa, cabe ao poder público e educadores incentivar os esportes em equipe e contra um
adversário, visto que eles promovem aprendizados e valores que também são importantes na vida
social e sua falta pode levar a maior dificuldade no trato coletivo. Entretanto, nada nas pesquisas
aponta para a relação direta destas atividades consideradas mais convencionais com a
necessidade de ter como prioridade o esporte de alto rendimento.
O Future of Sport in New Zealand: a report by Sinergia for Sport New Zealand (2015)
encontrou dados semelhantes com um adicional, a tendência “greening of sport” (“esverdeamento
do esporte”). Entretanto, a publicação ignora os esportes de contato com a natureza como
possível demanda desta tendência e apenas remete a como os consumidores de espetáculos
esportivos convencionais têm se preocupado com o gasto de energia e produção de lixo, por
exemplo. Ou seja, parece haver uma incongruência entre as ações das secretarias que têm a
167
recreação no seu escopo, em direção a uma recreação ao ar livre democrática, com o discurso
mais geral da Sports New Zealand preocupado em agradar o cidadão como consumidor.
Voltando à observação do evento, é preciso considerar que esta edição específica tinha
como tema “Walking in your costumers´s shoes”, ou seja, ele foi realizado com foco nos
empreendedores e consumidores do setor e grandes mercados esportivos e pode-se ponderar que
o esporte competitivo e não o de recreação é aquele que movimenta as maiores cifras, além de o
mercado da aventura ser relativamente novo. Ainda assim, em conversa comigo, a Profa. Dra.
Holly Thorpe da Universidade de Waikato, organizadora das duas primeiras sessões em um
evento deste tipo sobre os, chamados na ocasião, esportes de ação, afirmou que mesmo em outro
tipo de evento, estas práticas seriam exceção no programa. Segundo a professora, estas sessões de
debate foram fruto de muito investimento e trabalho de convencimento de sua parte junto à
Sports New Zealand, pois ela mesma fora uma atleta de snowboard que se ressentia de falta de
suporte.
A atividade proposta pela Dra. Thorpe foi dividida em dois dias. No primeiro dia, atletas
e/ou líderes de projetos sociais com esportes de ação/aventura contavam sobre suas demandas e
dificuldades e eram filmados em uma sala mediados por ela. Em outra sala, empreendedores do
setor esportivo especulavam sobre o que achavam que eram estas demandas e dificuldades
mediados pela Profa. Dra Belinda Wheaton, e também eram filmados. No segundo dia, o material
analisado pelas duas fora apresentado, para os dois grupos e o público em geral, composto de
servidores e gestores além de empreendedores, em clipe de melhores momentos cotejado com
conhecimento acumulado pela produção acadêmica com o intuito de esclarecer a natureza e
realidade dos esportes de ação, como o prefere a Dra. Thorpe, para que sejam mais
adequadamente incluídos na agenda política da Sports New Zealand.
Comparando o debate desta ocasião aos resultados de pesquisas lançados no evento pela
Sport NZ, percebe-se que os últimos manifestam a preocupação da Sport NZ com o aumento do
sedentarismo e uma epidemia de obesidade que crescia no país e sua relação com as mudanças de
gostos e valores acerca de atividade física. As pesquisas teriam sido desenvolvidas para
identificar as novas demandas e tendências a serem incentivadas pela Sport NZ, para que a
adesão a estilos de vida ativos não decrescesse no país. Entretanto, ao passo que os especialistas
ou líderes comunitários de esportes de ação testemunhavam sobre como certos perfis de jovens
não mais se interessam por modalidades convencionais, mas são tocados pelo skate ou o surfe,
168
por exemplo, isto não se encaixava ao outro objetivo declarado da Sport New Zealand: “to be the
world’s most successful sporting nation”.
Segundo o plano estratégico, construir um “sistema esportivo líder mundial” inspiraria a
nação: “We believe that if New Zealanders are to continue to participate and win in sport all
young people must develop the skills and confidence needed for lifelong involvement” (Sport NZ
Group Strategic Plan 2015-2020, 2015, p.5). É curioso encontrar tal afirmação em um material
tão baseado em dados empíricos e pesquisa de campo, já que a crítica a esta crença e ao modelo
piramidal de políticas esportivas é tão conhecido da sociologia do esporte (Bracht, 2011). O que
me leva a pensar que o interesse pelo potencial econômico do esporte espetáculo, em detrimento
do esporte de participação, está sendo mascarado por este discurso da representação nacional
também na Nova Zelândia, apesar de ser inegável seu maior investimento em recreação não
competitiva e ao ar livre.
Apesar de a Nova Zelândia possuir políticas de incentivo à recreação e educação ao ar
livre, em diversos setores do governo, muito mais extensas e difundidas do que no Brasil,
Cosgriff (2008) e Brown (2009) alertam que seu componente educacional ainda é o menos
privilegiado. Segundo os autores, incentivando mais as atividades de aventura em sua versão
turística, por seu potencial lucrativo, o governo acaba encorajando que pessoas despreparadas se
lancem em atividades de risco que reforçam aspectos como individualismo e benefícios ego
centrados ou centrados no mercado, no capitalismo e no modo de vida empresarial, em
detrimento de valores tais como sensibilidade ambiental e intercultural.
Os autores também levam em consideração, como bem demonstrou a tragédia de
Mangatepopo, que a intenção educativa não basta para evitar tragédias quando há exposição a
condições meteorológicas imprevisíveis. Não é porque uma atividade é ministrada por uma
entidade que se situa no campo da educação, ou do esporte, no caso do Brasil, e não do turismo,
que seus serviços serão necessariamente de melhor qualidade e mais seguros. É preciso debate
acumulado e fundamentação em gestão de risco para que a segurança se dê.
Concluo, então, que, visto que o apelo, os motivos e valores da aventura têm interessado
crescentemente à população, é imprescindível também fomentar um sistema de debates sobre
segurança e boas práticas para esporte, recreação e educação em aventura. E isto passa pela
formação profissional, aspecto que tem sido negligenciado no Brasil.
169
- evitar acidentes fatais e graves à medida que a popularidade destas práticas aumenta;
- consequentemente, definir quem tem o direito e como deve explorar comercialmente tais
práticas garantindo segurança e a qualidade de serviços de aventura;
- para dar vazão ao aumento do número de praticantes e democratizar o acesso a tais
práticas é preciso criar parques públicos nos quais o lazer e a recreação ao ar livre estejam
previstos.
Como os dois primeiros temas foram, de longe, os mais debatidos e polêmicos nos
últimos anos, procurei identificar suas especificidades e desdobramentos:
- centralidade da definição de risco e como lidar com ele ou como implementar uma
“cultura de segurança”;
- estabelecer critérios para a formação, qualificação e avaliação dos profissionais;
- a importância de um sistema de auditoria/certificação para operadores;
- educação dos clientes para que tenham informações sobre como escolher e/ou avaliar um
serviço e como se ajudarem em uma situação de emergência;
- ter estratégias e treinamento em resgate e definir e manter atualizado quem deve ser
responsável por isso;
- um sistema honesto de registro de acidentes, acessível a todo o campo para que haja
aprendizado com cada incidente e seja possível evitar qualquer outro semelhante.
Embora no Brasil o discurso oficial seja ainda orgulhoso de seus recursos naturais únicos
(principalmente a Floresta Amazônica e Atlântica), atrativos de que lança mão para atrair o
turista internacional, parece-me que não há um debate tão sistematizado sobre educação e
recreação ao ar livre como na Nova Zelândia. Isto se reflete no número de associações e
organizações voltados a estes tipos de práticas e que são mencionados, quando não chamados a
170
Justificativa e objetivos:
O objetivo desta pesquisa é investigar como são promovidas e reguladas pelo governo atividades
de lazer na natureza, em especial, práticas que têm sido chamadas oficialmente em nosso país de aventura.
Esta pesquisa justifica-se devido ao crescimento do número de adeptos destes tipos de atividades e ao
possível aumento da frequência de acidentes devido a peculiaridade da interação com fenômenos naturais.
Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidado a conversar. Esta conversa será registrada em
áudio por gravador ou por escrito, digitalmente, e estruturada em formato de perguntas e respostas. As
perguntas estarão organizadas em um pré-roteiro de dez questões. Mas a entrevista será aberta, ou seja,
não corresponde a um roteiro rígido. Este pré-roteiro, apresentado em anexo, pode, portanto, ser
complementado com indagações espontâneas, na intenção de obter detalhamento, quando necessário, e se
autorizado por você. Por isso, não há duração precisa para cada entrevista. Se realizada pessoalmente,
estima-se em no mínimo uma hora. Você escolherá o dia, horário e local da entrevista, portanto, como a
pesquisadora se deslocará até você, a pesquisa não arcará com o seu deslocamento. Se realizada pela
internet, pode ser arranjada como você preferir: via bate-papo, chamadas online com ou sem vídeo ou
email, ou sua combinação para conciliar limitações de horário.
Desconfortos e riscos:
O desconforto envolvido nesse procedimento são perguntas que, ao fazerem lembrar possíveis
desentendimentos, conflitos trabalhistas e/ou processos jurídicos, possam provocar sentimentos ruins
(como constrangimento, medo, tristeza, arrependimento ou raiva). Caso avalie que estes questionamentos
são perturbadores, você pode não aceitar participar da pesquisa.
O risco envolvido nesse procedimento é que suas respostas tragam consequências negativas para
sua atuação profissional e prosseguimento de carreira.
Para minimizar os possíveis desconforto e risco, você pode solicitar não responder todas as
perguntas. Podendo excluir aquelas que perturbem ou comprometam e/ou se retirar da pesquisa como um
todo em qualquer momento da entrevista. Além disso, se você sente que é importante e quer participar,
mas teme consequências, sua participação poderá ser anônima, ou seja, não identificaremos quem
respondeu tais perguntas. Solicite marcando um “X” no final desse documento e seu nome e imagem não
serão expostos. Os trechos da entrevista que venham a ilustrar o texto final da pesquisa serão identificados
com combinações aleatórias de letras e números.
Benefícios:
O beneficio desta pesquisa não será direto a você, voluntário, mas à população em geral, na
medida em que pretende contribuir para o debate sobre a elaboração de um sistema nacional para a
regulação da qualidade dos serviços de aventura oferecidos comercialmente.
Acompanhamento e assistência:
172
O voluntário poderá se retirar da pesquisa a qualquer tempo, basta solicitar a pesquisadora através
dos contatos oferecidos neste TCLE. Caso isso aconteça, a entrevista concedida por você não será
incorporada ao texto final.
Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será
dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse
estudo, seu nome somente será citado se constar em documentos públicos.
Ressarcimento:
Não haverá ressarcimento de despesas (por exemplo, transporte, alimentação, diárias etc.),
referentes à concessão da entrevista. Por isso, recomenda-se ao entrevistado escolher local que faça parte
de sua rotina e não altere seus gastos no dia da entrevista.
Contato: Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com
Profa. Ma. Marília Martins Bandeira, fone: (11) 98420 – 4994; e-mail:
mariliamartinsbandeira@gmail.com e/ou Profa. Dra. Silvia Cristina Franco Amaral, fone: (19) 3521 –
6635; e-mail: scfa@fef.unicamp.br, Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de
Campinas, Av. Érico Veríssimo, 701 - Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo. CEP 13083-
851, Campinas/SP, Brasil.
Em caso de denúncias ou reclamações sobre este estudo, você pode entrar em contato com a
secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp (CEP): Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126;
CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; e-mail: cep@fcm.unicamp.br.
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro,
também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi
aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os
dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o
consentimento dado pelo participante.
Pré-roteiro de entrevista
Idade:
Etnia:
Profissão:
Escolaridade:
Afiliação Institucional:
1) Para você, o que é aventura? Qual a relação destas práticas com o risco?
2) As práticas de aventura precisam ser reguladas? Por quê? Como deve ser sua regulação?
4) Você ou a instituição que representa participou nos debates e/ou ações para a regulação destas práticas?
Como?
7) Você conhece a Comissão de Esportes de Aventura? O que pensa dela? Sabe o que aconteceu com ela?
8) Você conhece os projetos de lei que tramitaram sobre o tema? O que pensa deles? Sabe o que motivou
deputados e senadores a os proporem?
9) A organização da Copa do Mundo Fifa de Futebol em 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil
trouxe consequências para as práticas de aventura? Quais?
10) Quais são as ações mais atuais e desdobramentos futuros nesse debate?
174
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