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Os informantes que jornais e


fotografias revelam: para uma etnografia
da civilidade nas ruas do passado
Fraya Frehse

o objetivo deste artigo é demonstrar a importância que, também "quan­


do o campo é o arquivo", possuem os informantes, célebres personagens das et­
nografias realizadas a partir de interações face a face do antropólogo com os ter­
ceiros que ele investiga no chamado "presente etnográfico". Só que são infor­
mantes bem específicos: aqueles que se pode construir teoricamente a partir do
contato com a documentação contida nos arquivos.
A fim de desenvolver o argumento, parto de minha experiência com
conjuntos documentais no Arquivo do Estado de Sao Paulo no âmbito de uma
pesquisa sobre as transformações na civilidade entre transeuntes nas ruas da ci­
dade de São Paulo entre o início do século XIX e o início do século XX; ou seja,

Nota: Fraya Frehse é professora de antropologia da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e
pesquisadora do Núcleo de Anlropologia Urbana da USP.

Est/ldos Hisróricos, Rio de Janeiro, n" 36. julho-dezembro de 2005, p. 131·156.

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estudos fri.'tól'Ícos e 2005 - 36

mudanças nas regras de conduta que podem ter mediado os comportamentos


corporais (conjunto de técnicas corporais executadas periódica, excepcional ou
regularmente) e as interações dos transeuntes nas ruas paulistanas do período
(Frehse, 2004). O que implica, num primeiro momento, definir algumas peculi­
aridades que envolvem a investigação quando o arquivo é o campo, cenário físico

amplo e diversificado onde podem ser buscados os objetos de reflexão do antro-


pólogo. Veremos que se trata de um campo bem específico, que nutre muitas di­
ferenças, mas também possui algumas importantes semelhanças, com a noção de
"campo" em seu sentido clássico na antropologia: a de um cenário físico no qual
o antropólogo realiza, frente a frente com os sujeitos que esruda, a observação
participante das práticas culturais cujos significados lhe interessa apreender. I
Então ficará claro que, também "quando o campo é o arquivo", há como
distinguir analiticamente informantes. Mas eles não são dados prontos diante do
pesquisador. Será este o momento de explicitar como construí, no estudo em
questão (Frehse, 2004), os informantes necessários à investigação antropológica
que então visava a empreender. E aí há como abordar um aspecto adicional im­
plícito à pesquisa antropológica nos arquivos. Os informantes construídos carre­
gam entre si semelhanças em função da interlocução com a teoria, a partir da
qual foram construídos. No entanto, eles são, ao mesmo tempo, bastante diferen­
tes entre si justamente quando as fontes documentais que servem de base para a
sua construção englobam, ao lado de crônicas e notícias de jornal sobre as ruas
paulistanas em meados do século XIX, notadamentefotografias referidas ao mes­
mo espaço, naquele tempo.

Qual/do o arquiJlo é o campo

Pelo que pude perceber no contato com outros trabalhos apresentados



no seminário "Quando o campo é o arquivo", em boa parte deles os arquivos
constiruem, afora o campo, o objeto da reflexão dos respectivos autores. Além de
serem o cenário no interior do qual o antropólogo se move analiticamente para
realizar a sua investigação, os arquivos são o próprio foco da análise. Problemati­
za-se, então, o contexto histórico e antropológico de sua produção e organização:
'
os sujeitos e instituições que os fizeram e fazem ser como são.
Mas e quando o objeto da pesquisa foi construído independentemente
do arquivo, e contudo este é o único cenário possível para a reflexão antropológi-
,

ca sobre esse mesmo objeto? E o que ocorre no meu caso. Na pesquisa que subsi-
dia estas ponderações, o que me interessava, entre outras coisas, era compreen­
der as peculiaridades socioculturais das regras de conduta que podem ter media­
do os comportamentos corporais e as interações de representantes das camadas

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Os illfomlalltes que jomais e fotografias

médias nascentes com terceiros quaisquer nas ruas da cidade de São Paulo antes
da chegada da ferrovia na cidade, entre 1865 e 1867. Em meio à prosperidade das
exportações cafeeiras, lado a lado com a decadência da escravidão, São Paulo foi
incorporada à lógica econõmica e social do capitalismo internacional moderno.
Isso acarretou, entre outras coisas, que fossem se difundindo com intensidade
cada vez maior na cidade profissões ligadas à consolidação histórica das camadas
médias, o que implicou a presença, nas ruas, de tipos humanos até entao pratica­
mente inexistentes ali. Ganha sentido questionar: quais os padrões de civilidade
desses tipos humanos nesse espaço? A novidade histórica que eles representam
acarretaria novidades análogas quanto à maneira de movimentar-se fisicamente
e de interagir com terceiros, nas ruas?
No ãmbito dessas preocupações teóricas, tive de sair em busca de docu­
mentação de época referente aos meus objetivos de pesquisa: em relação ao con­
texto sócio-histórico em questão, especificamente textos e fotografias que, pro­
duzidos entre os anos 1850 e'1 860, tematizassem a movimentação humana de
membros das então incipientes camadas médias nas ruas da cidade. Para fins
metodológicos, concentrei-me em fontes de época referentes particularmente às
vias centrais paulistanas, tendo em mente, com base em fontes secundárias, que,
no momento em questao, - este era o penmetro que congregava as maiS Importan-
" . .

tes funções político-administrativas, religiosas e econômicas da cidade. Trata­


va-se, pois, de um local de encontro inevitável entre os mais diversos estratos so­
ciais; e, portanto, um local privilegiado para o desenvolvimento de regras de
conduta específicas para os diferentes grupos sociais, na movimentação fisica pe­
las ruas, se levamos em conta, com o historiador Keith Thomas ( 1 991: 7), que
movimentos corporais como gestos "sempre foram um importante ingrediente
na diferenciação social".
Para os fins deste artigo, importa assinalar que um arquivo específico de
São Paulo se tornou, assim, o campo mais amplo da pesquisa: a documentação
variegada contida no chamado Arquivo do Estado de São Paulo, o mais antigo
arquivo público da cidade ( 1 72 1 ), que reúne documentos referentes à capitania, à
província e ao estado de São Paulo (Fernandes et alii, 1998: 3ss). Foi nesse local
que, intermediada pela atuação de arquivistas dos mais diversos, em geral jovens
então recém-contratados que desconheciam os meandros do acervo que o Arqui­
vo abrigava, tive nos últimos anos contato com vários conjuntos documentais re­
feridos justamente à temática em questao, e que chegaram à instituição por vias
muitas vezes desconhecidas dos funcionários com os quais tive contato durante
a investigação. Refiro-me particularmente a relatos de viagem, memórias de ve­
lhos moradores paulistanos, jornais, fotografias e documentos oficiais dos mais
diversos tipos - de atas da Câmara Municipal a processos criminais cujo cenário
de referência são as ruas centrais paulistanas de meados do século XX.

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Se o arquivo abrangente reunido no Arquivo constitui o campo da pes­


quisa, a questão preliminar é saber se há como falar em campo em sua acepção
antropológica. Afinal, quem protagoniza o processo de investigação é uma an­
tropóloga, cuja formação foi pontuada pela ênfase no trabalho de campo marca­
do por interlocução direta com os sujeitos da pesquisa, no rastro de toda uma tra­
dição que, iniciada por Malinowski, tem sido posta em prática desde então e for­
nece um princípio metodológico que é crucial também para antropólogos brasi­
leiros da atualidade. Tal princípio consiste na concepção de que o estudioso de­
veria "tomar contato direto com seus pesquisados, obrigando-o a entrar num
processo profundamente relativizador de todo o conjunto de crenças e valores
que lhe é familiar" (DaMa na, [ 1 987] 1997: 144); ou, sinteticamente, na relevân­
cia do "concreto vivido" ao qual se poderia chegar a partir de "um olhar de peno e
de dentro" (Magnani, 2002: 17).
,

A luz dessas considerações, parece que imergir nos arquivos é afastar-se


diametralmente do trabalho de campo antropológico. Nada de "contato direto"
com os pesquisados; nada de "concreto vivido". Os sujeitos de minha investiga­
ção não existem mais. O que torna impossível observar, frente a frente, os respec­
tivos indivíduos se movendo pelas ruas. Há que se abdicar assim de uma condi­
ção que tem sido crucial nos estudos antropológicos e sociológicos que se preo­
cuparam com as regras de conduta ligadas à movimentação fisica e às interações
de pedestres nas ruas das metrópoles ocidentais, em particular norte-americanas
e européias (por exemplo, Dabbs Jr. e Stokes, 1975; Hill, 1984; Hine, 1995; Lo­
fland, 1998).
Significaria isso que não há como realizar uma investigação antropológica
das regras de conduta das então nascentes camadas médias paulistanas nas ruas,
uma vez que não há como levar adiante, no arquivo, o trabalho de pesquisa tal
como ele ocorre "quando o campo é o campo"? A meu ver, não se trata disso. E a
justificativa para tanto não advém de um pressuposto teórico-metodológico espe­
cífico, como, por exemplo, o princípio geertziano de que a vida social poderia ser
interpretada como um texto (Geertz, [1973]2000: 3 1 e 1983), o que me levaria a en­
xergar os documentos como "inscrições" de significados de regras de conduta vi­
gentes no contexto social paulistano. O historiador Giovanni Levi ( 1 985: 269-277)
mostrou com contundência as implicações teóricas e metodológicas problemáti­
cas que a aplicação mecânica do princípio traz para a pesquisa de arquivo.
O que de fato, no meu entender, justifica a possibilidade de uma investi­
gação antropológica nos arquivos sobre suje itos que não existem mais é a pers­
pectiva epistemológica subjacente ao trabalho do antropólogo. Penso no empenho
constante por um diálogo "para valer" nos termos do antropólogo Eduardo Vi­
veiros de Castro ([1999] 2002: 486): "Tratar as outras culturas não como objetos
da nossa teoria das relações sociais, mas como possíveis illterloClllores de uma teo-

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ria mais geral das relações sociais". E a existência desse plano epistemológico
que favorece, em relação às mais diversas temáticas investigativas, a constituição
de campos no sentido antropológico do termo, espaços sociais no interior dos
. quais.o diálogo "para valer" pode se dar e os dados etnográficos podem ser levan­
tados. Todavia, no caso dos arquivos, são campos específicos.
A principal dimensão da noção de campo predominante na tradição an­
tropológica consagrada por Malinowski é justamente a ênfase no contato direto
do antropólogo com os sujeitos que ele estuda. O "contato o mais íntimo possível
com os nativos" preconizado por esse autor tornou-se um lema do trabalho de
campo. Realmente, não se pode (jbliterar que, quando o arquivo é o campo da
pesquisa, o antropólogo é levado a uma dinãmica de levantamento de dados bem
diferente. E isso não somente pelo fato de ser impossível para o antropólogo o
contato físico com os sujeitos que lhe interessa compreender, mas também por­
que o seu contato com a documentação, via indireta de acesso aos seus "nativos",
está sujeito a não poucas interferências externas ao trabalho de campo propria­
mente dito.
A permanência nos arquivos é possível apenas em horários específicos,
predeterminados pelas respectivas instituições. Ou seja: existe uma rotina insti­
tucional, sujeita a vicissitudes como greves, por exemplo, que acabam interferin­
do no "convívio" do pesquisador com a documentação. Ademais, há a interfe­
rência da técnica, no caso de se depender de máquinas de microfilmagem, por
exemplo, para ler jornais; ou de lupas para apreender detalhes contidos em foto­
grafias de época. Enfim, certamente o mais determinante: se o campo conven­
cional do trabalho antropológico é inevitavelmente marcado pela presença de
intermediários - para a insatisfação de Malinowski, que sugeria que o antropólo­
go deveria tentar se afastar o máximo possível dos "homens brancos" -, no arqui­
vo o campo que o antropólogo tem à sua frente para investigação é, de fato, resul­
tante da in{!uência de intermediários vários. Quando Celso Castro, no seminário,
chamou a atenção para a importância de se "desnaturalizar" a existência do ar­
quivo, reconhecendo-o como aquilo que sobrou frente a opções específicas dos
sujeitos que o constituíram e organizaram (Castro, 2004), deixou entrever a ne­
cessidade de se levar em conta a interferência de diferentes intermediários - dos
proprietários primeiros do material aos arquivistas, passando pelos próprios
pesquisadores - sobre a documentação com a qual o antropólogo terá contato, ao
acessar determinado arquivo. Merece destaque também, nesse contexto, a me­
diação dos próprios arquivistas, que controlam o acesso físico às fontes e a "per­
manência" com a documentação. Fica claro então o caráter eminentemente
construído dos arquivos. E mais: o poder social que lhes subjaz, se recordamos,
com o historiador J acques Le Goff ([ 1988] 1992: 10), que o documento é expres­
são do "poder da sociedade sobre a memória e o futuro".

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Se essas mediações todas constituem o pressuposto daquilo que será o


,

trabalho antropológico de pesquisa nos arquivos, elas não o impedem. E a partir


desse ponto que o antropólogo, munido de uma perspectiva epistemológica bem
própria da disciplina, constituirá o "seu" campo. Embora sem poder participar fi­
sicamente, o pesquisador observa . . Lança mão da visão e, por meio dela, lê textos,
.

contempla imagens, i11quire a materialidade da documentação e o seu conteúdo.


Vai conformando assim, no corpo a corpo com o arquivo - cruzamento de dados
de fontes diversas entre si e com aqueles que a leitura das fontes secundárias lhe
fornece - um segundo campo, por assim dizer, campo mais restrito. Refiro-me a
um campo imaginário de interloc\lções com os autores e personagens que inte­
gram a documentação. E aí vem à tona outro aspecto que integra também o tra­
balho de campo convencional, por menos ressaltado que seja neste contexto. Em
seu contato com os sujeitos que estuda, é inevitável que o antropólogo imagine,
seja "quando o campo é o campo", seja "quando o campo é o-arquivo". O que não
é demérito ou atestado de pouca seriedade profissional. Basta levar em conta que
o imaginado e o vivido se embatem no real e o constituem (Lefebvre, 1966: 37);
ou, a partir de outros referenciais teóricos, que é difícil "estabelecer a fronteira
entre o real material e o real imaginário" (Le Goff, 1985: vii). Nesse sentido, mes­
mo sem a pretensão historicista de chegar ao "real" do passado, o antropólogo é
levado, no contato com a documentação, a criar mentalmente imagens referidas
a conexões entre eventos e personagens, a relações. O que não é de forma alguma
apanágio dos antropólogos que trabalham com documentos históricos. A publi­
cação do diário pessoal produzido por Malinowski ( 1 967) durante o seu trabalho
de campo entre os trobriandeses é talvez a maior prova disso. Com efeito, há,
como assinalou Geertz ( 1 988), uma inegável dimensão autoral no trabalho an­
tropológico, a qual abre espaço para a imaginação e, como têm enfatizado alguns
antropólogos, para a teorização acerca dos vínculos entre narrativa antropoló­
gica e narrativa literária (Clifford e Marcus, 1 986).
,

E em face dessas ponderações que se demonstra com todo o vigor a rele­


vância dos informantes também para a pesquisa antropológica nos arquivos. S6
que são informantes peculiares: não tanto os organizadores e/ou proprietários da
documentação arquivada, e sim as personagens que, tematizadas na documenta­
ção, atuam de formas analiticamente relevantes no campo imaginário que o pes­
quisador constrói a partir da interlocução com as fontes. Só que esses tipos só se
deixam distinguir como tais a partir de uma construção teórica do pesquisador
fora dos arquivos. Viso, a partir de agora, a apresentar que construção é esta, à luz
de minha própria experiência de pesquisa com dois conjuntos documentais con­

tidos no Arquivo do Estado: jornais e fotografias. Veremos que se trata de uma


construção que, forjada no contato com o arquivo, demanda dele sair a fim de
para lá retornar.

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Os illfonllalltes que jomais e fotografias revelam

COlIstmilldo illfo1111al1tes

No mínimo desde a reflexão pós-moderna na antropologia, sabemos que


o informante não é nunca o mediador que oferece acesso imediato ao todo da cul­
tura locaL Tampouco é o mediador desprezível, secundário frente à "experiência
do scholar que observava-participava" (Clifford, [1983] 2002: 34). O informante
é, de fato, testemunho localizado no tempo e no espaço, dotado de um modo de
inserção bem específico na realidade local a ser estudada pelo antropólogo. Um
testemunho a ser considerado criticamente, a fim de compreender o que ele pode
ou não revelar acerca da realidade social contemplada.
E, no entanto, nem por isso é pouca a utilidade do informante para uma
investigação antropológica. A interlocução "para valer" é forjada a partir da rela­
ção que se dá no campo entre o antropólogo e terceiros, integr�ntes dos grupos
sociais que vale compreender.
Só que o informante não e um repositório de dados pronto perante o pes­
quisador. Na verdade, já em um de seus primeiros trabalhos antropológicos, Ma­
linowski permite intuir que o informante é uma construção do antropólogo. Ao
estudar a crença dos habitantes da ilha de Kiriwina(Nova Guiné) nos baloma, es­
píritos dos mortos, o autor explicita que costumava submeter alguns nativos a
"perguntas insidiosas" (leadillg questio1Zs) referentes a detalhes da vida tribal que
ele poderia "checar" por meio de sua própria observação (Malinowski, 1 9 1 6 :
189, nota 42). Assim ele avaliava a reação desses indivíduos frente aos baloma; e
os "nativos" iam demonsrrando ser informantes mais ou menos úteis aos objeti­
vos do anrropólogo. O que - ao menos em suas publicações acadêmicas, embora
não em seu diário - significava: "contato o mais íntimo possível" com a vida rri­
baL Justamente por isso, o autor privilegiava, à diferença de muitos de seus con­
temporâneos, informantes não pagos (Malinowski, [ 1 922] 1978: 2 1 ).
A questão é saber que construção de informantes é essa, quando o campo
é um arquivo constituído de documentos textuais e iconográficos sobre a movi­
mentação humana e as interações sociais nas ruas centrais paulistanas em mea-

dos do século XIX. E saber como conformar, no interior desse campo, a partir do
cruzamento documental, um campo imaginário de ruas marcadas por regras de
civilidade "transmitidas" ao anrropólogo por informantes que lhe cabe primei­
ramente definir como tais .

E aqui que se demonstra, com todo o vigor, a relevância de diálogos alheios


• ao campo: toda uma bibliografia de cunho teórico sobre a constituição histórica
das camadas médias em São Paulo, e que integra um debate que ganhou ímpeto
sobretudo durante a ditadura militar iniciada nos anos 1960, quando se buscava
compreender a cultura política das classes médias nacionais constituídas histo-

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ricamente no Brasil com o final da escravidão e a instauração da República (Ca­


rone, 1975: 177-191; Saes, 1975; Pinheiro, 1978: 7-37). Naquele momento eram
presenças historicamente recentes nas ruas paulistanas grupos que se caracteri­
zavam pelo fato de seus representantes, não sendo detentores de capital, estarem
envolvidos em rrabalho não predominantemente braç21, quer o realizassem por
conta própria, quer como assalariados de terceiros (Bastide, 1954: 2; Saes, 1975:
26; Pinheiro, 1978: 12-13). Tal condição conduzia os seus protagonistas a um con­
tato físico diário com a rua, espaço que tinha passado os séculos anteriores como
lugar caracterizado eminentemente pela permanência regular dos setores pobres
da população, escravos ou livres, mulheres e homens, que ali se deixavam ficar dia
a dia, assegurando vínculos de sociabilidade e o sustento econômico diário -liga­
do principalmente à agriculrura, além de, em menor quantidade, ao pequeno co­
mércio e ao artesanato. As camadas senhoriais, isentas de atividades regulares que
apenas nas ruas podiam se realizar, só as freqüentavam periótlica ou excepcional­
mente: indo ou vindo de alguma missa, de alguma procissão, de alguma festa cívi­
ca. Os meados do século XIX assinalam um momento de transição, e a chegada da
ferrovia é um índice desse processo histórico mais amplo.
Em relação a esse momento, destacam-se, dentre os autores da docu­
mentação multifacetada existente no Arquivo, alguns contemporâneos que, pela
atividade social em cujo âmbito foi produzida a documentação, podem ser asso­
ciados às camadas médias nascentes na cidade. Assinalo aqui, por um lado, os au­
tores das amorfas seçôes de crônicas e notícias do Correio Paulistano, fundado em
1854. Por outro lado, penso em fotografias das ruas centrais paulistanas que o ca­
rioca Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) produziu em 1862. As atividades
de cronista, de noticiarista e de fotógrafo ligam-se, por suas próprias característi­
cas, à gestaçao paulatina das camadas médias na cidade. Porém, o que isso signi­
fica para as regras de conduta dos respectivos tipos humanos na. ruas? Como se
movimentavam por ali? Uma vez construídos os informantes, é hora de avaliar
suas "reações" nas ruas: a civilidade implícita aos seus comportamentos corpo-
-

rais, às suas interações. E nesse momento que a diferença entre os gêneros docu-
mentais -jornais e fotografias, textos e imagens - deixa de ser apenas tipológica,
a fim de aludir a diferenças entre os informantes, no campo imaginário que
constitui a documentação. São diferenças que carregam indícios da
complexidade antropológica implícita à novidade histórica que a civilidade das
camadas médias representa nas ruas da cidade da época.

IIIf0l1llalltes liaS jamais


No contexto de completa ausência de casas erlitoriais e de escassez de


tecnologia tipográfica que vigia em São Paulo na primeira metade do Oitocentos

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Os informantes que jOrl/ais e fotografias rel'c/am

- e no Brasil lOdo, na verdade, até o último quartel do século (Martins, 2001: 69)
-, a imprensa paulistana era marcada por publicações episódicas, no máximo
bissemanais, que começaram a ser lançadas após a Independência (Freitas, 1914:
342ss). Eram jornais de fôlego CUIIO que em seus editoriais, crônicas, cartas de
leilOres e na inconstante seção de notícias locais se voltavam, em sua imensa
maioria, para assuntos político-partidários - politicamente partidários que eram
os seus redalOres'e proprietários. Ou, quando muito, eram folhas de divulgação
literária - corrente que se nutria fortemente da presença dos estudantes da re­
cém-criada Academia de DireilO na cidade (Morse, [ 1954]1970: 132-134). A lei­
tura que, em janeiro de 2004, fiz dos exemplares de alguns dos jornais paulista­
nos mais antigos atualmente disponíveis à pesquisa pública no Arquivo do Esta­
do (O Farol Paulistano, 1828-1832; Correio Paulistano, 1832; O Novo Farol Paulis­
tano, 1834; Aurora PalllistG/w. Folha Politica, Industrial e Licceraria, 1852-1853; O
COllSticllcional, 1853-1854) ateslOu a importância, nessas folhas, de temas explici­
tamente referidos à dinâmica legislativa e executiva dos partidos políticos na
monarquia brasileira.
Tendo desaparecido alguns anos depois de sua criação, em 1832, o Cor­
reio Paulisrano VOllOU a público como jornal diário (com exceção dos domingos),
em 26 de junho de 1854. Nesse novo contexlO, os edilOriais continuavam ativa­
mente envolvidos em querelas políticas. Já as crônicas e notícias, nem sempre, o
que é revelador. Ao ler o Correio de 1854, me surpreendi com o falO de que nas se­
ções de "Communicados" e de "FaclOs Diversos" (posteriormente "Noticias e
FaclOs Diversos") daquele ano se insinuam, no início com uma freqüência tími­
da porém depois mais ostensiva, respectivamente, crônicas e notícias cujos aulO­
res abordam de forma mais ou menos direta a aparência física e social das ruas da
cidade, em especial as centrais. Subjacentes a esses texlOS obviamente há emba­
tes políticos, mas agora é a rua paulistana que se transforma em pretexlO para es-

ses mesmos embates. E ela o cenário quando o jornal expõe reclamações de ter-
ceiros sobre a infra-estrutura (calçamento, limpeza, iluminação)2 e sobre perso­
nagens presentes nas ruas, fazendo indiretamente as vezes daquilo que são as
cartas de leitores dos jornais da atualidade;3 quando se trata de tematizar as pri­
sões efetuadas pela "patrulha";4 quando o assunto são acidentes ou conflitos en­
tre indivíduos na área central.5 Enfim, a rua é palco para a descrição de celebra­
ções públicas, como a partida e a chegada do então presidente da província,6 e
festividades dos calendários católico e cívico do Império.7
O Correio deixa assim claro, em sua segunda versão, que existe o interes­
se de determinados grupos em IOrnar a rua um objelO político. Cronistas e noti­
ciaristas são seus porta-vozes. E isso embora, nos jornais aqui em questão, os cro­
nistas que tratam da rua ainda não sejam realmente cronistas. Restringem-se a

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pseudônimos de "assignantes" cujas contribuiçôes, de duração variável no tem­


po (semanas ou meses), são benvindas pela "Redacção" na seção de "Com muni­
cados" do jornal. No caso das notícias, a questão da autoria fica ainda mais vaga.
Inexistem referências a quem estaria por detrás desses pequenos textos de duas,
três, dez ou 20 linhas. Só se percebe, em momentos bem esparsos, a presença de
verbos na primeira pessoa do plural, anunciando, por exemplo, que, por ocasião
da panida do então ex-presidente de província da cidade, "vimos o Exm. Sr. Dr.
Josino [do Nascimento Silva (1811-1886), do Rio de Janeiro] derramar algumas
lágrimas de reconhecimento e saudade de nossa terra".8 Significaria isso que o
autor das notícias seria o próprio redator do jornal, que escrevia em nome da ins­
tituição como um todo? Ou que a orientação da redação era de que os jornalistas
responsáveis pelos textos escrevessem sempre na primeira pessoa do plural?
Enfim, numa sociedade escravista como a paulistana, será que era o próprio au­
tor da notícia o responsável por coletá-la nas ruas, ou isso caberia a um interme­
diário - que, na imprensa francesa do século XIX, recebia o nome de repórter
(Kalifa, 1993: 591)?
Para além de todas essas dificuldades de identificação e da inevitável
presença da instituição jornalística a mediar a relação de cronistas e noticiaris tas
com os textos que esses tipos humanos escreviam, a própria existência destes é
documento de que o Correio da época contava com a colaboração de indivíduos
que, autores ou apenas "coletores" das novidades dignas de virar notícia ou crô­
nica, tinham uma rotina ao menos tendencialmente marcada pela passagem regu­
lar pelas ruas da cidade. Caso contrário, possivelmente não teriam sido emprega­
das nas crônicas e notícias expressões como: "Observamos ali [na rua de Santa
Thereza] um preto arvorado no officio de calceteiro";9 "é raro o dia em que não
sejamos testemunhas das desparadas de bestas pelas ruas"; 10 "tenws tido occasião de
presenciar" tropas nas ruas centrais;ll "hebdomadariamente presenciamos nesta
cidade" leprosos nas ruas; II "Assistimos a esse acto solemne" que teria sido a festa
de Nossa Senhora do Carmo.13

E certo que se trata de fórmulas'próprias da relação absolutamente pecu-


liar que as crônicas e notícias jornalísticas mantêm, como gêneros literários, com
as variáveis de tempo e de espaço: o jornalista está onde a novidade está, o que
implica um imediatismo que se insinua no nome das próprias rubricas - "crôni­
cas", "notícias". Entretanto, é justamente esse o aspecto fundamental. As fórmu­
las carregam indícios de que, nas profissões ligadas à constituição histórica das
seções de crõnicas e de notícias nascentes no periodismo paulistano, a legitima­
ção social dos respectivos textos dependia significativamente da crença em que
os seus autores tinham presenciado in loco os fatos que narravam. E isso, mesmo
que os fatos fossem ficções.

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Os illfomlalltes que jomais efotografias revelam

Partindo dessas ponderações, há como, para fins heurísticos, associar os


textos jornalísticos a cronistas e a noticiaristas, mesmo que, na prática, tenham
sido outros os sujeitos que coletaram as infotmações in loco. Há como supor que
crõnicas e notícias não seriam possíveis se os seus autores não compartilhassem
minimamente com os colelOres dos dados os comportamentos corporais que le­
varam esses indivíduos a testemunhar os falOS que na seqüência se transforma­
ram, pela pena do cronista e do noticiarista, respectivamente, em crônicas e em
notícias. Se a reflexão faz algum sentido, então estamos em face de tipos huma­
nos que, em função de sua atividade profissional, podem ser associados não
apenas às incipientes camadas médias paulistanas, mas também a um determi­
nado tipo de comportamenlO corporal nas ruas que, para eles, tendia a ser re­
gra. Eles tendiam a passar pelas ruas com regularidade sem ali permanecer -
corno o faziam os pobres, escravos ou livres, envolvidos em atividades sociais e
·
econômicas que demandavam a permanência constante nos lugares públicos
da cidade. E passavam não apenas periódica ou excepcionalmente - corno as fa­
mílias social e economicamente mais prestigiadas da cidade (Frehse, 2004:
70-89; 117-131).
Em função dessa novidade histórica, é inerente a esses olhares um estra­
nhamento que permite que venham à tona outras novidades, agora em relação às
regras de conduta que podem ter mediado as interações desses indivíduos com
terceiros nas ruas. ·Cronistas e noticiaristas depreciam politicamente, em seus
texlOS, aqueles que nas ruas se deixam ficar dia a dia (bêbados, "prelOS", "láza­
ros", "tropeiros"); e enaltecem "aqueles que transitam", "viandantes", "viaja­
res" ou "viajantes" - ou seja, indivíduos cuja rotina é marcada também pela cir­
culação na cidade. 14 Até aqui, nada de muilO diferente das vogas políticas vigen­
tes na Europa de então. Tudo em prol da circulação! A peculiaridade insinua-se
no detalhe: quando um cronista ironiza um escravo que num dia qualquer, em
trânsilO pelas ruas, trajaria como se fosse seu próprio senhoriS - o que não deixa
de ser um acinte numa sociedade em que a desigualdade de condição entre se­
nhores e escravos se explicitava claramente na vestimenta, sendo proibidos ao
escravo sapalOs, chapéus ou qualquer adorno que fizesse assemelhar-se ao seu se­
nhor, em especial quando não era dia de festa (Fernandes, 1955: 86-87). Perce­
be-se nesse momento que, embora a temporalidade do tipo de comportamento
corporal dos cronistas e noticiaristas seja a de um fururo ainda quase inexistente
na cidade de então - a circulação moderna pelas ruas -, a temporaJidade de sua
forma de classificar os ou tros nas ruas é fortemente referenciada pela simultane­
amente escravista e estamental atenção à condição social, que medeia também a
presença das elites nas ruas: a atenção obstinada à condição social que se exprime
através dos trajes exibidos nos poucos momentos em que se está nas ruas, perió-

141
eswdos Iristóricos - 2005 - 36

dica ou excepcionalmente (Frehse, 2004: 175-190). E isso apesar de a atividade


profissional em questão separar sociologicamente esses tipos humanos das eli­
tes. Eles estão fadados a trabalhar dia a dia em contato com a rua, a não ser servi­
dos pelo trabalho alheio.
O comportamento corporal parece não ter sido muito diferente quando
o caderno de notas do jornalista cedia espaço para a cãmera fotográfica e o tripé
de madeira do fotógrafo. E, no entanto, pelo próprio gênero documental em
questão, o fotógrafo inevitavelmente transforma-se em informante de regras de
conduta bem peculiares que podem ter mediado as interações que membros das
camadas médias, como ele, tiveram com terceiros nas ruas da cidade no
momento da tomada fotográfica.

Um fotógmfo como infon/lal/te •

Inovação histórica então relativamente recente (1839), a fotografia me­


rece destaque por ter sido utilizada, no período aqui em foco, para abordar visu­
almente os lugares públicos - ruas, largos e ladeiras - centrais de São Paulo. Pio­
neiro nesse sentido foi o então jovem ator e fotógrafo carioca Militão Augusto de
Azevedo, em 1862. Nos limites deste artigo, concentro-me em particular nas 22
imagens que, produzidas nesse ano, o autor selecionou para um álbum de 60 vis­
tas comparativas da cidade em 1862 e 1887 e que, em papel albuminado e num ta­
manho aproximado de 18 x 24 cm, trouxe a público, justamente em 1887, quando
já era fotógrafo plenamente estabelecido na cidade e envolvido no encerramento
das atividades de seu ateliê de retratos (Azevedo, 1887).
Ao enfocar os lugares públicos paulistanos, Militão acabou por inse­
rir-se, sabendo ou não, num gênero fotográfico então recente, afolOgrafia de rua,
que começou a difundir-se na Europa a partir da década de 1840, logo nos pri­
meiros anos de existência do meio, ao mesmo tempo em que as ruas se transfor­
mavam, nas grandes cidades daquele continente, em "teatros", cenários que
atraíam ao trânsito - de observadores, literatos, fotógrafos (Westerbeck e Meyer­
kowitz, 1994: 39-44; 67-72). As imagens do carioca constiruem assim uma me­
diação a mais através da qual indivíduos que passaram por São Paulo em meados
do século aludiram indiretamente à sua própria forma de movimentar-se fisica­
mente e de interagir nas ruas. Só que mediação especiaL Afinal, produto da ra­
cionalidade entre meios e fins em torno da qual o capitalismo moderno foi gesta­
do e se expandiu a partir da Europa pelos quatro cantos do mundo, a fotografia é

produtora de uma consciência visual ao mesmo tempo fantasiosa e libertadora­


por isso mesmo, uma consciência que simultaneamente aceita e critica o moder­
no, uma forma de expressão culrural da modernidade (Martins, 2002: 225).

142
Os ill!ormalttcs lfue jornais e !orngrafirl.� rel/elam

Para o s fins deste texto, importa que a simples existência da imagem


atesta que seu aUlOr se encontrava no local no momento da ramada. E se encon­
trava envolvido em gestos e postu ras que, em c onj u n to compõem o ato de Ufoto-
,
,

gra fa r E dessa movimcnulção que a fOLOgndia de rua é, em primeira instância,


" _

d"cumenlo. Movimenwção de um no va to na cida de. Convem lembrar que as


mais de 90 imagens de Militào dos anos de 1860 atualmente conhecidas (Lago,
2001: 18) pare cem tcr resultado de um e mpreendim en to realizado, ao que tudo
indica, logo nos p rime ir os tempos do carioca como fotógrafo em São Paulo.
Será que, além dos geslOs e posturas '1 ue permeiam o aln de fotogra far as ,

imagens carregariam indícios de comportamentos corporais de Militão nas ruas


,

centrais paulistanas) E nec essá rio levar em conta que a natureza da fotografia lhe
garan te uma inevitável Uteatralidade", um "efeito in tensificador" da experiência
histórica sem pre fra gm en tár ia retida na imagem. De fato, s(io intensificados
dentro da moldura arranjos espaciais c narrativos (Edwards, 2002: 19). Essa in-

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Fi�llr;l I: Milttilu Aug.usto de Ai'cvedo_ sem lq;cnda, 1862.

.-11/111111 (;nll1ptlmflW da (;uflli/� de! _'.,j{l Hm/(l 1862-1 Ji8iIArqul\'() do Estal!o lie :\lltl P<lulo.1t,

/43
estudos históricos e 2005 - 36

tensificação revela "detalhes incidentais" contidos na imagem, signos marcados


por uma "indexicalidade transitiva" (bridging ilUJexicality) entre o visível e o não
visível passível de "revelar uma coisa, real e concreta apesar de não ser de fato vi­
sível" (Edwards, 2002: 19).
Sob essa perl!pectiva, os ângulos de tomada das fotografias de Militão
não deixam de ser "detalhes incidentais". Se eles não conseguem revelar gestos e
posturas do fotógrafo no momento do ato fotográfico, permitem ao menos infe­
rências sobre alguns dos comportamentos corporais prováveis do autor nas ruas
antes e depois da realização das imagens. Como é próprio dos "detalhes inciden­
tais" em fotografia, os ângulos de tomada lançam o observador para fora da
moldura.
Para a realização da grande maioria das imagens aqui consideradas, o fo- o

tógrafo se postou no nível do solo, mais especificamente no leito da rua. E


possível que ali tenha pennanecido m1Jmelllaneamellle,jicadó de corpo inteiro, câ­
mera e tripé. Com efeito, é provável que o fotógrafo tenha ficado parado na rua
apenas o tempo necessário para fazer a imagem e revelar in loco os negativos em
vidro embebidos do colódio úmido, na câmera escura que, nas condições técni­
cas então vigentes para a fotografia, se tinha de carregar consigo para fotografar.
Isso quando quem carregava os apetrechos não era um escravo, hipótese esta que
não surpreenderia, numa sociedade escravista como a brasileira naquele início
da década de 1 860. E tudo isso representava progresso para os fotógrafos da épo­
ca. A técnica do colódio úmido facilitava a mobilidade fisica: possibilitava que os
autores fizessem fotografias fora do estúdio (Hannavy, 1997: 57).
Mas a fotografia de rua de Militão é passível de revelar também outros
comportamentos corporais de seu autor pelos lugares públicos centrais de São
Paulo. Montando a sua câmera no leito das ruas, o fotógrafo acabou por percorrer
quase todo o perímetro central paulistano: assim, por exemplo, o largo da Sé,
sede da catedral (figura I), e duas das mais movimentadas ruas da cidade: a rua
do Rosário, atual 15 de Novembro (figura 2), e a rua Direita (figura 3).
Em momentos específicos o carioca se dirigiu a outras vias no interior
do Triângulo, cuja marca maior naquele início de década eram os estabelecimen­
tos comerciais ligados ao pequeno comércio. Assim, por exemplo, ganhou desta-
o

que a esquina entre a rua da Quitanda e a do Comércio, atual Alvares Penteado


(figura 4).
Esses exemplos são suficientes para atestar que, para ficar postado 'mo­
mentaneamente com a sua câmera nas ruas centrais, Militão provavelmente
passava com uma certa regularidade por ali: ele tendia a circular por esse espaço.
Fez, à sua maneira e obedecendo a trajetos outros, o que os noticiaristas e cronis­
tas do Correio também fizeram na época: realizar o seu oficio em contato regular
com a rua.

/44
Os illfO""lIllltl!s que jOrlwiJ e fotogrtlfitl.�· rellc/tlm

- ,

Figura 2: ,\1ilitão Augusto de Azevedo, se.m legenda, 1862.

A/btwl C(}lIIparar;tl{) ti" Cidade de Sôo Paulo 1862·18871Arquim do Estadn de São Paulo.

Evidentemente seria possível argumentar que Militão pode ter feito as


imagens todas num dia só, o que iria na contramão do argumento aqui exposto.
Com efeito, faltam evidências documentais sobre as condições específicas de
produção das imagens. Há quem afirme que as fotografias surgiram "nas horas
de folga" do ateliê fotográfico onde Militão teria trabalhado como aprendiz
(Kossoy, 1979: 21); durante as "aulas de fotografia" com aquele que mais tarde
seria o seu patrão e parceiro no ateliê (Lima e Carvalho, 1998: 111); em função de
interesses comerciais do fotógrafo em relação aos estudantes de Direito (Lago,
2001: 19).
A existência de mais de 90 imagens diferentes sobre os lugares públicos
paulistanos da época é, contudo;um forte indício de que o autor não estava nas
ruas apenas ocasionalmente. Não podemos esquecer que, nas condições técnicas
então vigentes, com muita sone o fotógrafo conseguia fazer seis fotografias pas­
sando o dia inteiro fora (Gernsheim, [1969]1988: 120).
Essas ponderações apontam para semelhanças entre os componamen­
tos corporais de fotógrafos como Militão e de potenciais jornalistas como os cro­
nistas e noticiaristas do CO/Teio.

/45
estudos históricos . 2005 - 36

Figura 3: Milhão Augusto de Azevedo, sem legenda, 1862.


Album ComparuJiw da Cidada d< São Paulo 1862-1887/Arquivo do Eslado de São Paulo.

Tal como estes, o carioca provavelmen te passou com regularidade pelas


ruas centrais, quando fosse o caso. Porém isso se liga eminentemente ao tipo de
profissão que está em jogo em cada tipo humano. São atividades cuja data histó­
rica é a de mercadorias modernas como a fotografia e o jornal, que implicam a
circulação constante de seus produtores para que essas mesmas mercadorias cir­
culem.
Mas e quando o assunto são as regras que podem ter envolvido as intera­
ções do fotógrafo com os terceiros nas ruas? No intuito de enfrentar a questão, há
que se considerar que as imagens fotográficas do período são testemunhos de
uma inevitável deferência do fotógrafo em relação àqueles que destacou em pri­
meiro plano em sua imagem. - e aqui penso na definição de deferência de Erving
Goffman ([1956] 1963: 56): uma atenção do indivíduo às implicaçôes simbólicas
de seus atos em face de um objeto que tem valor especial para ele. Dentro das li­
mitaçôes técnicas da fotografia na época, Militão, ao deixar aparecerem em pri­
meiro plano detellllinados sujeitos - em pose ou não -, está, voluntária ou invo­
luntariamente, transmitindo simbolicamente a esses indivíduos uma certa apre­
ciação positiva deles; caso contrário, possivelmente teria se empenhado em des­
truir a imagem, impedindo-a de circular.

1 46
Os illfonnalltes que jornais efotografias revelam

A luz dessas consideraçoes, há como desvendar uma certa lógica dos en-
foques em primeiro plano nas imagens de Militão. Se estão em destaque indiví­
duos que, pelos trajes e pelo fenótipo que se consegue ctiscernir nas fotografias já
amareladas (figuras 2, 3 e 4), sugerem não confundir-se com escravos, sempre
descalços pelas ruas, a verdade é também que aparece, às vezes, um menino que,
pelas vestes relativamente justas para o seu tamanho, insinua ser pobre (figura
4). Isso para não falar de um indivíduo que parece carregar um barril nos om­
bros, no primeíro plano da rua do Rosário (figura 2). Esses são detalhes inciden­
tais que, em conjunto com outros, que pude discernir com mais vagar em outro
momento (Frehse, 2004: 198-203), fazem da fotografia de Militão documento in­
voluntário de uma atenção um pouco ctiferente daquela que se faz presente na
documentação jornalística. A deferência do primeiro plano vai também para me­
ninos pobres, para um carregador de barris, atividade pouco prestigiada numa
sociedade escravista em que, quem podia, não carregava nada - carregavam por
ele. São incticios da possibilidade de uma regra de conduta específica entre fotó-


, '

rigunl 4: Militão Augusto de Azevedo, sem legenda, 1862.


Albllm Ccmparaliw da Cid,ulet/e Sà<> Paulo J862-1887/Arquivo doESlado de São Paulo.

147
estudos histó,icos • 2005 - 36

grafo e fotografados no momento da tornada fotográfica. Penso na atenção a as­


pectos que nada têm que ver com a condição social dos terceiros que se encon­
tram nas ruas: urna determinada estética fotográfica e/ou interesses comerciais que
apenas por meio da fotografia podem se concretizar. A primeira mediação se in­
sinua no fato de Militão eleger justamente a rua corno objeto fotográfico, num
momento em que esse espaço se caracterizava por ser lugar de sociabilidade e de
trabalho dos pobres, justamente; a segunda aparece na possibilidade de o fotó­
grafo ter feito as suas imagens para vendê-Ias aos estudantes de direito. Cada urna
dessas variáveis -ou ambas juntas -, por serem parte da "imaginação fotográfi­
ca" de qualquer fotógrafo, empenho seu em desconstruir o visível por motiva­
ções estéticas ou documentais (Martins, 2002: 223), não deixam de interferir, à
sua maneira, no tipo de interação que ele trava com terceiros nas vias públicas
por ocasião da realização da imagem. .
Explicitados esses aspectos, nota-se que, justamente em função da "tea­
tralidade" implícita à própria natureza da fotografia, o informante que as foto­
grafias de Militão revelam fornece indícios sobre inter�ções de membros das ca­
madas médias que são mediadas por regras de conduta cuja temporalidade histó­
rica parece bem distinta daquela que emana da ironia jornalística aos trajes de es­
cravos nas ruas. Por ser um sistema bem peculiar de índices, a fotografia contra­
ria as certezas que o texto, corno sistema lingüístico, pautado em símbolos, pode
suscitar no antropólogoY
E assim se abre espaço para que, também "quando o campo é o arquivo",
se diferenciem informantes entre si. Menos do que as reações do infoilllante às
perguntas do antropólogo, fundamentais "quando o campo é o campo", importa,
no contexto aqui em questão, a forma corno os dados que podem ser associados a
comportamentos e concepções do informante se relacionam com as questões teó­
ricas que o antropólogo traz consigo quando se debruça sobre o arquivo. Os jor­
nalistas do Correio e Militão representam duas variações sobre um mesmo terna
que, pelas diferenças que apresentam entre si, chamam a atençao para a comple­
xidade que envolve a introdução de padrões de civilidade modernos nas ruas da
cidade. A presença da máquina fotográfica ali acarreta a difusao de regras de con­
duta que não precisam ser aquelas a que os indivíduos em questão, representan­
tes de profissões ligadas à constituição das nascentes camadas médias em São
Paulo, obedeceriam se a situação e a mediação fossem outras.

Algumas colISiderações

Se, corno diz Geertz ([1973) 2000: 9), "o que chamamos de nossos dados
são realmente a nossa própria construção das construções de Outras pessoas", o

/48
Os illformalltes que ;omais efotografias revelam

mesmo vale para os arquivos. Por tudo que vimos, uma vez construídos os infor­
mantes, há como reeditar metaforicamente, no campo que são os arquivos, o con­
tato do antropólogo com as "construções" desses tipos humanos que já não exis­
tem, o esquema de classificação destes. Chega-se assim a plagas já bastante co­
nhecidas da disciplina, a seara das representações, cuja lógica simbólica de pro­
dução e de difusão social cabe compreender. Essa lógica é explicitada através de
uma fórmula narrativa que é, também ela, tributária da perspectiva
epistemológica antropológica: a etnografia.
A etnografia permeia a estrutura argumentativa do estudo que resultou
do meu trabalho antropológico nos arquivos, em busca das transformações nos
padrões de civilidade não apenas de representantes das camadas médias, mas
também das elites nas ruas de São Paulo ao longo do século XIX (Frehse, 2004).
Partindo da busca, nas fontes, de indícios sobre os comportamentos corporais, o
texto avança em direção a pistas sobre os significados socioculturais das intera­
ções nas ruas. E a inspiração de fundo é de que exista uma "hierarquia estratifica­
da de estruturas significativas" (Geertz, [1973) 2000: 7) a envolver esses compor­
tamentos e interações. A etnografia serve à descrição dessa hierarquia: uma "des­
crição densa" (Geertz, [1973) 2000: 6-7), só que da civilidade nas ruas do passado.
O que, como tenho enfatizado na esteira de Marshall Sahlins ([1985) 1994), não
se faz sem buscar a maneira como história e cultura se imbricam na forma de os
indivíduos apreenderem o mundo que constroem.
Escaparia ao intuito deste texto adentrar nuances interpretativas refe­
rentes ao próprio objeto de pesquisa. O que gostaria de reiterar, ao final deste ar­
tigo, é que as especificidades do trabalho de campo nos arquivos não impedem a
relevância da figura do informante. Quando o objeto é o arquivo, os informantes
são freqüentemente os criadores e/ou organizadores deste; já quando o arquivo é
exclusivamente o campo da investigação, o informante precisa ser construído te­
oricamente, o que se dá em meio a um diálogo do antropólogo com a teoria e o
campo.
Trata-se de um equacionamento teórico-metodológico que os historia-
o

dores já há muito empregam, mesmo sem defini-lo nesses termos. E a tal "crítica
das fontes", que leva o historiador às evidências que os documentos contêm acer­
ca de determinada(s) personagem(ns) cuja(s) história(s) ele contará. De fato, se a
evidência se assemelha, como bem assinala Carla Ginzburg (2000: 298), "a um
espelho distorcido, o que significa dizer que só nos resta descobrir para que lado
ele está distorcendo, já que esse é o único meio que temos de ter acesso à realida­
de", então o historiador é remetido, à sua maneira, a uma materialidade produto­
ra de impressões sobre a realidade social. E não é isso que entra em questão nos
comentários produzidos por tal ou qual informante?

149
estudos históricos e 2005 - 36

E relevante sublinhar que, para além dessas semelhanças de procedi­


mento, para o historiador o arquivo é o arquivo, enquanto para o antropólogo é o
campo. O que aponta para importantes diferenças de abordagem, tributárias, em
última instância, das especificidades epistemológicas que diferenciam o olhar do
antropólogo daquele do historiador. O antropólogo enxerga no arquivo um cam­
po porque o conhecimento que lhe interessa se constrói num horizonte episte­
mológico em que é problematizada constantemente a "distância cultural", que
afasta ou aproxima mais ou menos o antropólogo dos sujeitos que ele estuda
,

(Montero, 1997: 48). E nesse contexto que ganha sentido a etnografia como gê­
nero literário primordial da antropologia - mesmo nos arquivos. Ela favorece
narrativas que ressaltam as descobertas interpretativas aleatórias e fragmentadas
decorrentes da problematização teórico-metodológica justamente da diferença
cultural entre o antropólogo e os sujeitos estudados.
Essa ênfase no informante não significa um retorno· a uma antropologia
que ignora a interferência do antropólogo na produção do conhecimento coleta­
do a partir do contato com determinados informantes no campo. Não podemos
esquecer que o papel do antropólogo, o seu vínculo com o Outro no campo, se dá,
no caso do trabalho com arquivos, no processo de construção do informante.
Quando o campo é o arquivo que aqui me interessou em função dos meus objeti­
vos investigativos, a construção é dupla: não apenas porque os jornalistas e o fo­
tógrafo só se conformam como informantes a partir da interlocução com a teoria,
mas também porque, na São Paulo do período em foco, a própria noção de cama­
da médja é uma construção. Trata-se de um sujeito histórico que ainda não existe
como tal, mas apenas como indício sociológico; um processo, mais do que um
fato. E assim se constata de forma cabal que a etnografia é mesmo essencialmente
uma construção, fictícia no sentido etimológico original do termo "ficção": "al­
go construído", "modelado" (Geertz, [ 1 973] 2000: 15).
Tudo isso integra um processo sempre teórico - e aqui entra em jogo a
complexa historicidade implícita à cristalização de um determinado problema
de pesquisa. Muito mais do que ao arquivo - e ao campo -, essa cristalização deve
a interesses pessoais e acadêmicos que antecedem a ida a campo, a opção pelo ar­
quivo como campo em detrimento de outros campos. Mas é justamente "quando
o campo é o arquivo" que esse caráter eminentemente construído da reflexão an­
tropológica se mostra com todo o vigor.
Por tudo isso, os informantes contribuem, à sua maneira, para assegurar
ao arquivo um lugar no chamado "presente etnográfico". Construídos teorica­
mente a partir da interlocução do antropólogo com o campo, eles são, também no
arquivo, resultado dos objetivos do antropólogo no preSeIlle de sua pesquisa. O
que reafirma, a seu modo, que o arquivo é um conjunto vivo de documento s - do­
cumentos do presente.

/50
Os i'iforlllalltes que jomais efotografias revelam

No tas

1. A contribuição pioneira para,essa 4. Cf. N/a, (jRonda da cidade",


concepção de campo certamente veio do Correio Paulistano (Noticias e Factos
antropólogo Bronislaw Malinowski, em Diversos), quinta-feira, 1 9 de setembro
sua célebre introdução metodológica ao de 1854, p. 3; N/a, "Ronda da cidade",
livro Arg07lautQS do Pacífico ocidelllal: Correio Paulistano (Noticias e Factos
"O pesquisador deve, antes de mais nada, Diversos), quinta-feira, 2 1 de setembro
procurar afastar-se da companhia de de 1 894, p. 3; N/a, "Ronda da cidade",
outros homens brancos, mantendo-se Correio Paulistano (Noticias e Factos
assim em contato o mais íntimo possível Diversos), terça-feira, 26 de setembro
com os nativos. Isso realmente s6 se pode de 1 854, p. I .
conseguir (lcampando dentro das
próprias aldeias" (Malinowski, ( 1 922) S. Cf. N/a, "Sinistro", Cdrreio Paulistarw
1978: 17-34)_ (Noticias e Factos Diversos),
segunda-feira, I i de setembro de 1 854,
2_ Cr. N/a (Não assinado), "S/I"
(Sem título), Correo
i Paulista"o
p. 3; N/a, "Vias de facto", Correio
(seção "Communicado"), quarta-feira, Paulistano (Noticias e Factos Diversos),
28 de junho de 1854, p_ 3; A. B., quinta-feira, 2 1 de setembro de 1854, p. 3.
uSr. redactor", Correio Paulistano
(Communicados), quarta-feira, 6. Cf. N/a, "S/t", Correio Paulistano
1 2 de julho de 1 854, p. I ; N/a, (Factos Diversos), quarta-feira, 5 de julho
"Os fiscaes e a Camara", Correio de 1 854, p. 4.
Paulistano (Communicado), quarta-feira, ,

1 9 de julho de 1 854, p. 3; l., 7. Cf., por um lado, N/a, "S/t", Correio


"O-l. O echo da verdade VII", Paulistano (Factos Diversos), quarta-feira,
Correio Pau/urano (Communicado), 28 de junho de 1 854, p. 4; N/a,
quinta-feira, 1 7 de agosto de 1 854, "Festividade", Correio Paulistano
p. 2-3. (Noticias e Factos Diversos), terça-feira,
29 de agosto de 1854, p. 3; N/a,
3. Cf. X., "S/r", Correio Paulistano
"Festa religiosa", Correio Paulistano
(Communicados), sexta-feira, 7 de julho
de 1854; X., "O-X. O echo da verdade (Noticias e Factos Diversos), quana-feira,
29 de novembro de 1854, p. 4. Cf.,
11", Correjo Paulistano (Communicados),
quinta-feira, \ 3 de julho de 1854; l., por outrO lado, N/a, "S/t", Correio
"O-Z. "O echo da verdade V", Correio Paulistano (Noticias e Factos Diversos),
Paulistano (Communicados), quinta-feira, sábado, 9 de setembro de 1854, p. 3;
3 de agosto de 1 8 54, p. 1-3; N/a, N/a, "O dia 2 de dezembro de 1 854",
"Lazaros", Correjo Paulistano (Noticias e Correo i Paulistano (Noticias e Factos
Factos Diversos), terça-feira, 26 de Diversos), segunda-feira, 4 de dezembro
setembro de 1 854, p. I ; N/a, "Senhores da de 1 854, p. 4.
Santa Casa de Misericordia! Senhores da
Policia!", Correo i Paulistano 8. Cf. N/a, IISft", Correio Paulistano
(Communicados), sexta-feira, 27 de (Factos Diversos), quarta-feira,
outubro de 1 854, p. 3. 5 de julho de 1854, p. 4, grifo meu.

15/
estudos hist6ricos e 2005 - 36

9. Cf. N/a, "S/t") COfTeW PauLisca"o Paulisla1W (Communicados), quinta-feira,


(Communicado), quarta-feira, 28 de 1 7 de agosto de 1854, p. 2-3; X., "S/t",
junho de 1 854, p. 3, grifo meu. Correio Paulistano (Communicado),
sexta-feira, 7 de julho de 1 854.
10. Cf. N/a, "S/r", Con-eio Paulistano
(Communicado), sexta-feira, 7 de julho 15. Cf. Z., "O-Z. O ecbo da verdade V",
de 1 854, grifos meus. COlTeio Paulistano (Communicados),
quinta-feira, 3 de agosto de 1854,
11. Cf. Z., "O-Z. O echo da verdade V",
p. I-3.
COrTeoi PauJistarw (Communicados),
quinta-feira, 3 de agosto de 1854, p. 1-3, 16. Apresento as imagens sem legenda
em respeito ao fato de que não foram
grifas meus.
legendadas no momento de sua
12. Cf. N/a, uSIt", Correio Paulistallo produção, em 1862. Apenas ao serem
(Communicadosl, quinta-feira, 1 3 de incorporadas ao Album Comparativo, é
julho de 1854, grifo meu. que Militão lhes atribuiu legendas.
Estas, porém, são. fruto de preocupações
13. Cf. N/a, "S/t", Correio PaulisrarlO do fotógrafo em 1887; não há como
(Noticias e Factos Diversos), . impurá-Ias ao início dos anos 1860.
terça-feira, 25 de julho de 1854, p. 3-4,
1 7. Penso aqui nas diferenças
grifo meu.
"constitutivas" que Philippe Dubois
14. Cf. N/a, "Os fiscaes e a Camara", ([1990] 1994: 61) enxerga entre a
Correio Paulistano (Communicado), fotografia e outros "sistemas de
quarta-feira, 1 9 de julho de 1854, p. 3; Z., representação", como o lingüístico, por
"O-Z. O echo da verdade VII", Correio exemplo.

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Resumo
O artigo visa a demonstrar que informantes são importantes mesmo "quando
o campo é o arquivo". Partindo de dois conjuntos documentais do Arquivo do
Estado de São Paulo, defino primeiramente especificidades metodológicas de
investigações em que o arquivo é o campo. Passo então a discernir
informantes, que são construções teóricas fundamentadas no contato do
antropólogo com a documentação. Essa é a característica que os informantes
partilham, embora tenham origem em tipos documentais distintos.
Entretanto há também diferenças, quando as fontes documentais pertencem a
sistemas de representação diversos: crõnicas e notícias jornalísticas sobre as
regras de conduta nas ruas paulistanas de meados do Oitocentos, ou
fotografias referidas ao mesmo espaço naquele tempo.
Palavras-chave: pesquisa de campo, informantes, sistemas de representação,
interdisciplinaridade, antropologia e história.

Abstract
This arriele intends to show that informants are important even "when lhe
field (of anthropological research) is the archive". Based on two sets of
historical sources preserved by the Arquivo do Estado de São Paulo I first
define methodological singularities of researches in which the archive is the
field. I then discern informants, which are theoretical constructions founded

/55
estudos históricos . 2005 - 36

on the anthropologist's contact with the historical data. This is exactly what
these infolIuants have in common, even when originated from distincl kinds
of sources. Despite this characteristic they differ from each olher when lhe
sources belong to different systems of representation: newspaper reports and
comments about rules of conducl in the streelS of the city of São Paulo in
mid-nineteenth century, or photographs referred to this very space and time.
Key words: field research, informants, systems of representation,
inter-disciplinarity, anthropology and history.

Resumé
l:article vise à démontrer que les informants sont importants même "quand le
terra in (de la recherche anthropologique) esl l'archive". Basée sur deux
ensembles documentaux de l'Arquivo do Estado de São Paulo, je définis
d'abord des spécificités mélhodologiques des recherches áans lesquelles
l'archive est le terrain d'enquête. Je peux ensuite discerner des informants, qui
sont des constructions théoriques fondées sur le contact de l'anthropologue
avec la documentation. C'est ça ce que les informants ont en commun, même
si les types de sources historiques different entre eux. En même lemps,
pourtant, ils se distinguent quand leurs sources historiques appartiennel à des
differents systemes de représentation : chroniques et faits divers
journalistiques concernant les regles de conduite dans les rues de la ville de
São Paulo au milieu du XIXeme siêcle, ou bien photographies referées au
même space et temps.
Mots-clés: recherche sur le terrain, informants, systêmes de représentation,
interdisciplinarilé, anthropologie el histoire.

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