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UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

FACULDADE DE DIREITO

Autor: Valdano Afonso Cabenda Pedro


Cadeira: Direito Penal II
Área de especialidade: Ciências Jurídico-Civis

2016
Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Índice

Resumo .......................................................................................................................................... 4
Siglas e Abreviaturas ....................................................................................................................... 5
Delimitação do objecto................................................................................................................... 6
Justificação ..................................................................................................................................... 6
Metodologia ................................................................................................................................... 6
Introdução ..................................................................................................................................... 8
Capítulo I - Responsabilidade criminal. Enquadramento ................................................................. 9
Responsabilidade criminal. Conceito........................................................................................... 9
- As causas de extinção da responsabilidade criminal no Código Penal ..................................... 11
Capitulo II - Causas extintivas do procedimento criminal, das penas e medidas de segurança ....... 12
- Retroactividade da lei que não mais considera o facto como criminoso - Abolitio criminis......... 13
- A morte do criminoso ............................................................................................................ 14
- A prescrição do procedimento criminal .................................................................................. 15
Prazos .................................................................................................................................. 17
Fundamentos ....................................................................................................................... 18
Natureza jurídica e localização sistemática ............................................................................ 19
Da (in) constitucionalidade da imprescritibilidade ................................................................. 19
- A amnistia .............................................................................................................................. 20
O benefício da amnistia pode ser recusado? .......................................................................... 23
A amnistia pode ser revogada? .............................................................................................. 24
- O perdão da parte, ou a renúncia ao direito de queixa em juízo .............................................. 25
- Retratação do agente .............................................................................................................. 26
- A oblação voluntária .............................................................................................................. 26
- A anulação da sentença condenatória em juízo de revisão....................................................... 26
- Caducidade da condenação condicional .................................................................................. 27
- Casos especiais previstos na lei ............................................................................................... 27
- Causas extintivas das penas e medidas de segurança na sua execução ..................................... 28
- O cumprimento ................................................................................................................. 28
- O indulto ........................................................................................................................... 28
- A comutação ...................................................................................................................... 29
- Prescrição da pena e medida de segurança .......................................................................... 30
Capitulo III - Da modificação e extinção dos efeitos penais da condenação .................................. 30

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

- Modificação dos efeitos da pena ............................................................................................. 30


- Causa extintiva dos efeitos penais da condenação: a reabilitação jurídico-penal....................... 30
Considerações finais ..................................................................................................................... 32
Bibliografia ................................................................................................................................... 33

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Resumo

O presente trabalho académico-jurídico de carácter científico procura analisar o instituto da


responsabilidade criminal, não no seu "dealbar" mas no seu "acabar" sob um enfoque
teórico legal, isto é, apresentando os seus principais contornos, conceitos, as várias causas
de extinção, quer no âmbito do procedimento criminal quer depois de aplicada a pena ou
medida de segurança por sentença condenatória, matéria correspondente ao Capítulo VI da
Parte Geral do Código Penal angolano, à legislação penal extravagante e atinente a doutrina
das consequências jurídicas do crime e tarefas político-criminais, sem a menor intenção de
se esgotar a matéria em análise.
O enfoque principal deste trabalho será o instituto da prescrição e as espécies do
denominado direito de graça, no âmbito da Constituição e da legislação penal em vigor.
Assim, visando a análise deste instituto jurídico no âmbito do Direito Penal, o presente
estudo direcciona o seu foco para a legislação e a doutrina, buscando a fiel compreensão do
tema em tela em atenção os fins colimados.

Palavras-chave: responsabilidade criminal, condenação, extinção, prescrição, direito de


graça.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Siglas e Abreviaturas

Art. - Artigo
Ed. - Edição
Etc. - Et caetera
V.g. - Verbi gratia
§ - Parágrafo
Pág. - Página
Segs. - Seguintes
Cfr. - Confira ou confronte
N.° - Número
CRA - Constituição da República de Angola
C.P - Código Penal
C.P.P. - Código de Processo Penal
C.C - Código Civil
Ob. cit. - Obra citada
PR - Presidente da República
AN - Assembleia Nacional
Vol. - Volume
Al. - Alínea
M.P - Ministério Público
FDUAN - Faculdade de Direito – Universidade Agostinho Neto

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Delimitação do objecto

O presente trabalho tem como objecto de estudo a extinção da responsabilidade


criminal no Direito penal angolano.

Justificação

A escolha deste tema foi motivada pela importância que o mesmo encerra para os
cidadãos constituídos arguidos, para os já condenados no âmbito do processo-crime e
também para os operadores de Direito maxime magistrados judiciais e do Ministério
Público i.e., juízes e procuradores, advogados e não só por indubitavelmente enriquecer o
«know-how» de cada um relativamente aos conceitos atinentes às causas de extinção da
responsabilidade criminal, utilizados com frequência no foro e não só.
Optamos pela feitura deste trabalho de investigação em vista a melhoria de nota, também e
sobretudo pelo gosto pela escrita e pesquisa jurídica, galvanizando assim cada vez mais o
nosso espírito de indagação científica e académica, aprendendo com eventuais erros rumo à
excelência.

Metodologia

Relativamente a metodologia empregada para alcançarmos os resultados preconizados e


para uma melhor exposição do tema importa referir que durante a elaboração do mesmo
utilizamos o método indutivo , a técnica dos conceitos operacionais e como técnica de
pesquisa e recolha de dados utilizamos essencialmente a bibliográfica , o que nos permitiu
no final tecer algumas considerações.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

À memória de meu pai Júlio Daniel Pedro,


Superintendente da DNIC.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Introdução
O presente trabalho insere-se no âmbito do Direito Penal substantivo1 e como já
referido tem como objecto a extinção da responsabilidade criminal, isto é, a extinção da
punibilidade2 e/ou extinção da pena.3
O objectivo deste trabalho de carácter científico é proceder a análise das várias
causas de extinção da responsabilidade criminal à luz do Código Penal angolano4 em vigor
e da legislação penal complementar pertinente e inerente ao tema; destacando-se a amnistia,
o perdão geral, o perdão especial ou indulto, a morte do condenado, a anulação da sentença
em juízo de revisão ou cassação, a descriminalização, a prescrição, a caducidade da
condenação condicional e o cumprimento da pena; curando de responder a dois problemas
fundamentais:
Primeiro problema: em que consiste a responsabilidade criminal?
Segundo problema: quais as causas de extinção da responsabilidade criminal no
Direito penal angolano?
Dentro destes procurando responder fundamentalmente as seguintes questões:
Quais os fundamentos da prescrição jurídico-penal?
A imprescritibilidade é (in) constitucional?
O que é a abolitio criminis?
O benefício da amnistia pode ser recusado?
Que tarefas político-criminais as medidas de clemência visam realizar?
São portanto, estas e outras questões que merecerão uma análise profusa e
minuciosa neste trabalho académico jurídico que por ora é apresentado.

1
Definido como um sistema de normas jurídicas que definem os actos que constituem infracção
criminal, determinam as situações de perigosidade criminal e estabelecem as penas e medidas de
segurança correspondentes; ou seja, um conjunto sistematizado de normas jurídicas que fixam os
pressupostos da aplicação das penas e das medidas de segurança; vide Orlando Rodrigues, Direito Penal,
Apontamentos, Luanda 2003, pág. 3. Por contraposição ao Direito Processual Penal seu correlativo
adjectivo definido em linhas gerias como um sistema de normas ou regras jurídicas que disciplinam e
regulam a aplicação do direito penal aos comportamentos delituosos submetidos à apreciação dos
tribunais; vide Vasco A. Grandão Ramos, Direito Processual Penal, Noções Fundamentais, 6.ª ed.,
colecção da FDUAN, pág. 12. Note porém que aquele sem este é como "as pernas sem os pés".
2
Podemos definir punibilidade como a possibilidade jurídica do Estado aplicar uma sanção
criminal ao agente de uma infracção penal, o mesmo é dizer, a possibilidade de o agente ser objecto de
uma medida punitiva. Conclui-se portanto, que a punibilidade não é elemento constitutivo do crime, é
deste «exterior»; pois como aprendemos em sede da cadeira de Direito Penal I, a infracção penal no seu
aspecto formal traduz-se numa acção humana, típica, ilícita e culposa; elementos essenciais e
indispensáveis a uma definição de crime, são: comportamento humano dominado (ou dominável) pela
vontade (acção), que preenche os elementos tipificados de um facto proibido (tipicidade), realizado em
tais condições que a ordem jurídica o sofra como um dano não justificado (ilicitude) que o agente
livremente provocou ou que se lhe reprova (culpa), cfr. Orlando Rodrigues, ob.cit. pág. 65.
3
Note que entre punibilidade e pena medeia a condenação.
4
Os artigos citados, sem indicação do respectivo diploma legal, referem-se ao Código Penal com
a redacção actual.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Capítulo I - Responsabilidade criminal. Enquadramento

Os actos do Homem, quando violadores de normas jurídicas, podem gerar diversos


tipos de responsabilidade consoante as normas violadas sejam de natureza cível, criminal,
administrativa etc.; nesta senda como se pode depreender a responsabilidade criminal
constitui uma espécie do género a que podemos designar por «responsabilidade jurídica»
sendo certo que no âmbito desta a responsabilidade criminal é a revestida de sanções um
tanto quanto mais severas que as responsabilidades dos demais ramos de Direito.
A responsabilidade jurídica pode ser definida como a situação originada por acção
ou omissão de um sujeito de Direito público ou privado que prevaricando i.é, violando,
inobservando determinada norma jurídica, se vê obrigado ou se lhe obriga
heteronomamente5 a responder com sua pessoa ou como seu património.
A responsabilidade jurídica como sabemos não se confunde com a responsabilidade
moral, visto esta não dispor de coercibilidade e não estar submetida aos ditames do Estado
na medida em que este não pode ou não poderá obrigar o seu cumprimento, a sua
observância. Em suma, responsabilidade para o Direito consiste na obrigação de assumir
ou de se arcar com as consequências jurídicas de um facto ilícito, seja ele cível, criminal, ou
de outra natureza jurídica.

Responsabilidade criminal. Conceito


Para se falar de extinção da responsabilidade criminal é indispensável delimitar
previamente aquilo que se vai extinguir, isto é, o objecto da extinção. Assim sendo,
questiona-se, o que é ou em que consiste a responsabilidade criminal?
O nosso Código Penal no seu artigo 27.° define-a nos seguintes termos «A
responsabilidade criminal consiste na obrigação de reparar o dano causado na ordem moral
da sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e aplicada por tribunal competente» e
acrescenta o artigo 28.° que « a responsabilidade criminal recai única e individualmente nos
agentes de crimes ou de contravenções». A responsabilidade criminal tem portanto como
fundamento a prática de um crime e/ou uma contravenção penal.
Segundo o Professor Germano Marques da Silva6, a responsabilidade criminal
consiste na adstrição do agente do crime a suportar a sanção que constitui o seu efeito
jurídico necessário, a consequência jurídica da violação da norma incriminadora.7
Ora, sem desprimor das definições apresentadas quer pelo legislador oitocentista
quer pelo Professor Germano Marques da Silva, para mim a responsabilidade criminal
consiste na obrigação imposta pela lei penal ao agente de uma infracção de suportar as
consequências jurídicas resultantes da mesma infracção. Este conceito «infracção penal» é
portanto um conceito abrangente pois como sabemos o Código Penal angolano, distingue
as infracções penais em crimes e contravenções e define o crime ou delito no artigo 1.° e a
contravenção no art.º 3.°, adoptando-se assim uma classificação bipartida das infracções
penais.

5
Heteronomamente é uma palavra inventada por Kant, que seria o oposto de agir autonomamente.
6
SILVA, Germano Marques da, Direito Penal Português, Parte Geral III - Teoria das Penas e das
Medidas de segurança, Editorial Verbo 1999, pág., 224.
7
As consequências jurídicas do crime ou os "efeitos jurídicos do crime " (que são tradicionalmente as
sanções criminais, isto é, as penas cominadas na estatuição das normas penais incriminadoras, e as
medidas de segurança) correspondem de modo geral a todas as reacções que o Estado organiza contra os
agentes dos comportamentos ou acções (lato sensu) que lesam, põem ou poderão pôr em perigo os bens,
valores ou interesses sociais tutelados pelo Direito Penal, comportamentos esses descritos abstractamente
nos modelos legais de crimes (tipos legais de crime) ou correspondentes aos pressupostos de facto de
situações de perigosidade criminal.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Do ponto de vista material, a infracção penal é um facto lesivo de bens ou


interesses fundamentais da sociedade, um facto que põe em perigo as condições de
existência, de conservação e desenvolvimento da sociedade.
Cingindo-nos ao "crime" em particular, importa frisar que «a lei penal não contém
uma definição material do crime que permita ao juiz considerar como tal todo o acto que
apresente estas ou aquelas características. Crime não é todo o facto que reúna as
características tais e tais, mas só aqueles actos e factos que o legislador descreve, de uma
forma típica, na parte especial do CP (ou em legislação extravagante). O próprio art. 1.° do
CP dá uma definição meramente formal de crime: «crime é o facto voluntário declarado
punível pela lei penal».8
Essa sujeição à sanção pode por um lado extinguir-se pelo seu cumprimento, e será
o caso normal, como pode por outro lado extinguir-se por outras causas: ou porque se
verifica um impedimento de prossecução do procedimento para aplicação da sanção
criminal, extinguindo-se assim o procedimento criminal que acarreta a extinção da
responsabilidade criminal porque não se pode aplicar uma sanção criminal a não ser pela
via do procedimento (nulla poena sine judicio), ou porque se extingue a sanção aplicada e
consequentemente não pode mais ser aplicada. Num e noutro caso, por vias diversas,
verifica-se a extinção da punibilidade do facto criminoso e da responsabilidade criminal do
agente.
Não confundir no entanto estas com as causas de exclusão da responsabilidade9,
isto é, quando ocorre algumas das circunstâncias previstas na lei10 que justifique a ilicitude
do facto ou que exclua a culpa na sua produção, uma vez que para um facto ser punível
como crime é necessário que este seja cumulativamente, típico, ilícito e culposo. Pois se,
por um lado, estas excluem a responsabilidade, as que nos propomos tratar extinguem-nas,
ou seja, a responsabilidade cessa a partir daquele momento.11

8
Rodrigues, Orlando, ob.cit. pág. 63.
9
São para MANUEL LEAL HENRIQUES/MANUEL SIMAS SANTOS (Código Penal português
anotado, 1.°, pág. 1212) - causas de isenção de responsabilidade criminal por contraposição às causas de
extinção da responsabilidade criminal.
10
Cfr. Artigos 41.° e segs. do C.P., para maior desenvolvimento ao nível da doutrina vide Orlando
Rodrigues, págs. 124 e segs., sobre a ilicitude e causas de justificação do facto, e págs. 157 e segs, sobre
as causas de exclusão da culpabilidade.
11
As causas justificativas ou que excluem a culpa, contemporâneas da prática do facto isentam de
responsabilidade o agente que praticou o facto. As causas de extinção de responsabilidade verificam-se
em momento posterior ao facto, porém, extinguindo a responsabilidade criminal fazem cessar a
possibilidade de a mesma ser apurada ou de ser executada a pena ou medida de segurança entretanto
aplicada. Cfr. Pedro Filipe Gama da Silva, A prescrição como causa de extinção da responsabilidade
criminal - um estudo de direito penal português, tese de mestrado, Coimbra 2015, pág 13.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

- As causas de extinção da responsabilidade criminal no Código Penal

O Capítulo VI do Título III do Livro I (Disposições Gerais) do nosso Código


Penal tem por epígrafe «Da extinção da responsabilidade criminal», este capítulo contém
três artigos relativos à matéria da extinção do procedimento criminal, das penas e medidas
de segurança (artigo 125.°); da extinção das penas e medidas de segurança (artigo 126.°); e
da extinção dos efeitos penais da condenação (artigo 127.°)12
Em teoria (pelo menos entre nós), a matéria das causas extintivas da
responsabilidade criminal permanece polémica e subordinada a critérios contraditórios de
classificação.13 O ainda em vigor Código Penal de 1886 reflecte o sistema predominante no
século XIX que lhes atribuía a natureza processual. As causas de extinção da
responsabilidade criminal distinguir-se-iam consoante se reportassem à acção penal e, em
consequência também à pena, ou exclusivamente à pena como conteúdo da condenação
penal; assim sendo são causas anteriores à condenação ou posteriores à condenação penal.
Todavia, a própria denominação de «extinção da responsabilidade criminal» é
significativa da sua pertença ao direito substantivo e, sendo assim não deveriam incluir-se
entre as causas extintivas aquelas que tivessem natureza processual como as que respeitam
à perda do direito de acção. O reconhecimento da natureza substantiva das causas
extintivas vingou no Código Penal italiano, o qual distinguiu as causas de extinção do crime
das causas de extinção da pena ou medida de segurança. Mas também esta ordenação das
causas extintivas foi objecto de crítica porque, verdadeiramente, as causas apontadas como
extintivas do crime não extinguem o facto criminoso e tão-só anulam a sua punibilidade.
A responsabilidade criminal, como ficou dito respeita ao agente do crime e
enquanto referida ao crime como susceptível de dar origem a responsabilidade, constitui a
punibilidade do crime.
A distinção lógica seria então entre, causas extintivas da punibilidade e causas
extintivas da pena ou medidas de segurança aplicadas.
Neste estudo sobre causas extintivas da responsabilidade criminal mostra-se mais
conveniente manter-se fiel a enumeração do Código Penal, anotando-se individualmente
cada uma das causas que constam da sua classificação e enumeração. Mas como além das
causas gerais de extinção da responsabilidade criminal enumeradas nos artigos 125.° e
126.°, constam outras do Código Penal, relativas a alguns crimes em especial, ou, pelo
menos, como tais podem ou têm de ser consideradas, reservamos um breve subcapítulo
para tratar das mesmas.
Assim, nos números seguintes referiremos as causas que extinguem o procedimento
criminal, as penas e medidas de segurança e que correspondem, embora não na sua
totalidade às causas extintivas da punibilidade do crime, depois as causas extintivas das
penas e medidas de segurança aplicadas em sentença condenatórias que intervêm
posteriormente a esta sentença e, finalmente à extinção dos efeitos penais.

12
«O Código Penal de 1886, ainda em vigor, mistura nos mesmos preceitos (arts.° 125.° e 126.°) sem
unidade sistemática, causas de extinção do crime e das penas (amnistia, perdão geral, perdão especial ou
indulto, morte do condenado, anulação da sentença em juízo de revisão ou cassação, descriminalização,
prescrição, caducidade da condenação condicional e cumprimento da pena), com as causas extintivas dos
efeitos das penas (reabilitação) e até com as causas de extinção do procedimento criminal (perdão de
parte, prescrição, morte do arguido e amnistia) podendo as duas últimas, em certas circunstâncias,
extinguir, ao mesmo tempo, o procedimento e a pena». Cfr. Revista n.° 8 da FDUAN, in relatório do
Ante-projecto do futuro Código Penal da autoria dos Professores Orlando Ferreira Rodrigues, Vasco
Grandão Ramos e Luzia Sebastião de Almeida, págs. 261-262.
13
Seguimos de perto as lições do Professor Manuel CAVALEIRO FERREIRA. Cfr. FERREIRA, Manuel
Cavaleiro, Direito Penal Português II, Verbo 1982, pág. 500 e segs.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
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Capitulo II - Causas extintivas do procedimento criminal, das penas e medidas de


segurança
Normalmente quando ouvimos falar que foi aberto ou instaurado um processo-
crime, pensamos de imediato no cometimento de um ou mais crimes, no (s) presumível
responsável (responsáveis) por este (s) crime (s) – o (s) criminoso (s)14 e ainda, na especial
forma de consequências jurídicas que lhe estão reservadas - as penas e as medidas de
segurança.
Quando um processo-crime chega à fase de julgamento, o tribunal tem perante si
um conjunto muito variado de elementos que necessita de indagar e valorar para no final,
poder dizer se o réu é ou não responsável pela prática do crime ou crimes de que vem
acusado, e qual na hipótese afirmativa, a sanção que se lhe deve aplicar.
Mas o que vem a ser então, o processo-crime? Segundo o Professor Orlando
Rodrigues (ob.cit. pág. 61), «o processo-crime pode definir-se como um processo de
indagação da responsabilidade criminal de uma pessoa: todo ele é dirigido para o
fim último de o tribunal poder concluir se, naquele caso - e de acordo com as regras
legais que presidem a essa indagação judicial e, sobretudo, com as normas
substantivas que definem a expressão penal da responsabilidade de uma pessoa –
há ou não lugar à declaração desta como responsável criminal e, portanto passível
de pena».
O procedimento criminal15enquanto rito processual, isto é, enquanto uma sequência
de actos processuais e formalidades ordenadamente encadeados, que nasce com a notícia
do crime (cfr. artigo 158.° e segs. do C.P.P e artigo 10.° e segs. do Decreto-Lei n.° 35 007,
de 13 de Outubro de 1945)16, tem como destino a sua extinção. Esta extinção ocorre, em
regra, com a sentença absolutória ou com o cumprimento da pena aplicada por sentença
condenatória, transitada em julgado. Nestes casos, apurou-se a (ir) responsabilidade
criminal do agente do crime, através de uma decisão de mérito, absolutória ou
condenatória, sendo neste último caso definidas as consequências jurídicas do crime. Como
havemos de ver, tal não ocorre no caso de durante o processo criminal, ocorrer a

14
Note que o processo pode ser instruído sem o conhecimento de quem foi o autor do crime, e isto nos é
confirmado pelo corpo do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 35 007, sob a epígrafe "fins da instrução"
segundo o qual «A instrução do processo penal tem por fim verificar a existência das infracções,
determinar os seus agentes e averiguar a sua responsabilidade».
15
Como sabemos a lei penal necessita do processo penal para a sua aplicação ao caso concreto, o termo
processo tem múltiplos significados, na linguagem corrente procedimento e processo são sinónimos e
frequentemente são assim utilizados, mesmo na linguagem jurídica, se usam indistintamente; com isso
queremos advertir que o termo procedimento é aqui utilizado como sinónimo de processo, isto é, o modus
faciendi com que a actividade processual se realiza e se desenvolve.
O conceito de procedimento pode também corresponder a um processo em concreto, a actividade
efectiva, isto é, à sequência de actos processuais correspondentes ao processo (modelo) que se inicia com
a noticia criminis.
Como defende o Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal I, pág. 13 e segs.,
«não há pois uma distinção que seja imposta por lei nem que tenha recebido acordo unânime da doutrina.
Os termos são usados indistintamente, predominando o uso do termo processo para indicar a actividade
processual e os autos e o termo procedimento para referir-se as formalidades e a sequência com que os
actos processuais se realizam e, tendencialmente, para indicar também a marcha de um processo em
concreto».
16
Haverá promoção oficiosa do procedimento criminal nos termos do artigo 165.° do C.P.P conjugado
com o artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 35 007, todavia, para além dos casos em que a «noticia criminis» é
oficiosa o procedimento ou se quisermos a instrução preparatória abre-se a «a partir de fora», mediante
participação ou denúncia de particulares ou de autoridades, agentes de autoridade ou funcionários
públicos no exercício ou por causa do exercício das suas funções (através de autos de notícia, cfr. artigo
166.° do C.P.P) , sendo facultativa para os primeiros e obrigatória para os segundos ( cfr. artigos 7.° e 8.°
do Decreto-Lei n.° 35 007).

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
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prescrição. Do mesmo modo, tal não ocorre no caso de se verificar, por exemplo a morte
do arguido.
A prescrição extingue a responsabilidade criminal, sem que haja, muitas vezes,
qualquer apuramento se tal responsabilidade efectivamente existe ou existiu obviamente ao
nível do procedimento criminal, isto é, antes do trânsito em julgado da sentença final do
processo.
O teor do artigo 125.° do C.P dispõe que, além dos casos previstos no artigo 6.° o
procedimento criminal, as penas e medidas de segurança também cessam pelas causas que
seguidamente se enumera.

- Retroactividade da lei que não mais considera o facto como criminoso - Abolitio
criminis
O artigo 6.° do C.P indica os casos de retroactividade da lei penal; quando uma
nova lei elimina uma incriminação anterior, a nova lei aplica-se aos factos passados, e deste
modo os factos incrimináveis pela lei revogada, porque cometidos durante o tempo da sua
vigência, deixam de ser qualificáveis como crime; e também quando uma nova lei modifica
a pena aplicável a um crime essa nova lei aplica-se aos factos cometidos anteriormente à
sua vigência, quando seja mais favorável ao delinquente, desde que não tenha ainda havido
sentença condenatória com trânsito em julgado.
Como se pode depreender, estas duas situações configuram corolários do princípio
da retroactividade da lei mais favorável.
O n.°1 do artigo 6.° do C.P dispõe que «a infracção punível por lei vigente, ao
tempo em que foi cometida, deixa de o ser se uma nova lei a eliminar do número de
infracções. Tendo havido já condenação transitada em julgado, fica extinta a pena, tenha ou
não começado o seu cumprimento».17
Bem vistas as coisas e por uma questão de lógica, por este facto (descriminalização)
o procedimento criminal inevitavelmente se extingue, pois do contrário correr-se-ia o risco
de se condenar uma pessoa por um facto que (já) não constitui crime (pois extinto foi)
consubstanciando tal conduta uma flagrante violação do princípio da legalidade penal,
segundo o qual "Nullum crimen sine lege".
A «abolitio criminis» verifica-se quando o Estado por razões fundamentalmente
de política criminal18, não mais considera determinado facto como crime. Logo, o Estado

17
Aqui está patente a «descriminalização» como causa de extinção da responsabilidade criminal.
18
Cfr. SILVA, Germano Marques da, Direito Penal Português, Parte Geral I – Introdução e Teoria da lei
penal, Editorial VERBO 1997, págs. 160-161. Segundo este ilustre Professor Doutor da Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa, «a política criminal não é uma ciência, mas uma técnica,
um método de trabalho ou até mais exactamente uma arte. É hoje a denominação usada para designar o
critério orientador da legislação, bem como os projectos e programas sociais tendentes à prevenção do
crime e controlo da criminalidade. A política criminal é parte da Política do Direito e da Política em geral
e num primeiro momento designa o conjunto de meios e critérios empregados ou a empregar pelo Direito
penal para o tratamento da criminalidade, no quadro mais geral dos meios jurídicos utilizados ou a utilizar
para a consecução dos fins concretos de uma comunidade jurídica».
Para Américo Taipa de Carvalho, in Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais - Teoria Geral do
Crime, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 13-14. «A política criminal pode definir-se como o
conjunto dos princípios éticos-individuais e ético-sociais que devem promover, orientar e controlar a luta
contra a criminalidade. O objectivo ou função da política criminal é a prevenção do crime e a confiança
da comunidade social na ordem jurídico-penal, isto é, na afirmação e vigência efectiva dos valores
sociais, indispensáveis à livre realização da pessoa de cada um dos indivíduos integrantes da sociedade.
Esta prevenção do crime, esta luta contra a delinquência, não pode fazer-se a todo custo; ela tem, sim, de
realizar-se no respeito dos próprios valores e princípios que visa defender.
São, portanto, duas as coordenadas da política criminal: eficácia, quanto aos fins; legitimidade (ético-
jurídica), quanto aos meios. Assim, entre os princípios da política criminal de um Estado de Direito

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

entende que o bem protegido pela lei penal já não mais goza da importância exigida pelo
Direito Penal e, em razão disso, decide afastar da incriminação todos aqueles que ainda se
encontram cumprindo pena. Por exemplo os crimes contra a religião (artigo 130.° do C.P -
revogado pelo artigo 4.° do Decreto de 15 de Fevereiro de 1911).
Como defende o Professor Manuel Cavaleiro Ferreira19 e nós corroboramos «se o
facto já não é considerado crime pela nova lei, seria injusto por um lado e inútil por outro,
sujeitar a responsabilidade o seu agente. Para revogar ou suprimir uma incriminação, o
legislador toma em atenção todos os aspectos de carácter social e jurídico; e se eles levam a
considerar como não sendo mais nocivo aos interesses fundamentais da sociedade o facto,
praticado embora quando era considerado como anti-social, seria injusta a punição como
seria inútil a prevenção da criminalidade, porquanto o facto deixou de ser criminoso».
Abrimos aqui um breve parágrafo para tecer algumas considerações relativamente
às modificações das consequências do crime20; o n.° 2 do artigo 6.° do C.P dispõe que
«quando a pena estabelecida na lei vigente ao tempo em que é praticada a infracção for
diversa das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicada a pena mais leve ao
infractor, que ainda não tiver sido condenando por sentença passada em julgado».21
Na sucessão de leis no tempo é frequente a hipótese de a lei posterior, em vez de
criar novos tipos de crimes ou eliminar uma incriminação já existente, modificar apenas as
consequências jurídicas do facto incriminado. Tal pode suceder por duas formas: ou a lei
modifica a penalidade imposta à infracção ou modifica os efeitos das penas, que são os
constantes dos artigos 74.° e seguintes do Código Penal. Na verdade a consequência
jurídica mais importante do crime é a pena, embora ao lado desta resultem da condenação
os chamados efeitos da pena, que na nossa legislação são os taxativamente indicados nos
citados artigos do Código Penal.
Se a modificação incide sobre a pena aplicável, a solução depende de a nova lei
impor pena mais leve ou pena mais grave.
Se a pena cominada pela nova lei é mais grave, subsiste o princípio da não
retroactividade; se é mais leve, aplica-se a lei mais favorável ao delinquente, de harmonia
com a excepção ao referido princípio.

- A morte do criminoso
Na enumeração que se segue, e no teor do artigo 125.°, indica-se em primeiro lugar
a morte do criminoso22, a qual extingue tanto o procedimento criminal, a pena e medida de
segurança, como só a pena e a medida de segurança, consoante a morte se verifique antes
ou depois da condenação.

Democrático e Social, podem referir-se: o princípio da legalidade, qual garantia contra a arbitrariedade
judicial e administrativa; o princípio da culpa, com a consequente recusa de qualquer forma de
responsabilidade penal objectiva; o princípio da humanidade na definição legal das penas (donde, a
proibição da pena de morte e das penas degradantes da dignidade humana da pessoa do recluso) e na sua
execução (donde, a recusa da prisão perpétua e das consequências jurídicas de duração indeterminada); o
princípio da recuperação social do recluso, o que obriga à criação de estabelecimentos penitenciários
adequados, e a modelação da execução da pena de prisão em condições que possibilitem tal recuperação.
19
In Direito Penal português, Parte geral I, Verbo 1982, pág. 116.
20
Seguimos de perto as lições do Professor Manuel CAVALEIRO FERREIRA, idem, pág. 117 e segs.
21
Cfr. Artigo 65.° n.° 4 in fine , da CRA.
22
A morte prova-se através de um assento de óbito extraído no respectivo livro, onde para além dos
elementos de identificação pessoal do finado, deverão constar dentre outros, a hora, a data, o lugar do
falecimento ou do aparecimento do cadáver e a causa da morte. Sobre o registo do falecimento de
qualquer indivíduo, vide artigos 237.° do Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 678,
de 5 de Maio de 1967.
Quanto aos deveres processuais, no caso de falecimento de réu preso, veja-se o artigo 637.° do C.P.C.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

"Mors omnia solvit " (a morte tudo apaga, tudo faz desaparecer23), a morte do
agente é a única causa natural de extinção da responsabilidade criminal, sendo todas as
demais causas jurídicas.
A extinção da responsabilidade criminal em virtude da morte do agente da
infracção resulta do princípio da pessoalidade das penas, aludido no artigo 65.° n.°1 da
CRA e nos artigos 28.° e 113.° ambos do C.P.
Relativamente a pena de multa dispõe o § único do artigo 87.° do C.P, sob a
epígrafe "personalidade da pena de multa" que «a obrigação de pagar a multa só passa aos
herdeiros do condenado se em vida deste a sentença de condenação tiver passado em
julgado».
Este artigo contém afloramento, quanto à pena de multa, dos princípios da
individualidade e da intransmissibilidade das penas, nos quais se desdobra o princípio mais
vasto da pessoalidade das reacções criminais. Estes princípios encontram-se como já
frisamos formulados no n.°1 do artigo 65.° da CRA e no artigo 28.°.
Na pena de multa há diminuição mas não privação do património; por isso esta
pena é conciliável com a pessoalidade, o mesmo sucedendo com a obrigação imposta aos
herdeiros de pagarem a multa, quando a sentença condenatória tiver transitado em vida do
réu. Daqui o preceito do parágrafo único. A multa tem natureza mista, de reacção criminal
e civil; do princípio da pessoalidade das penas dimana que o que se transmite aos herdeiros
é somente a responsabilidade civil 24(cfr. artigo 2071.° do C.C).
A responsabilidade criminal é pessoal e as penas não passam da pessoa do
delinquente. Como lógica consequência não pode haver nem processo contra um
delinquente que morreu, nem execução ou continuação de execução da pena ou medida de
segurança imposta ao condenado que morreu.

- A prescrição do procedimento criminal


A prescrição do procedimento criminal é a extinção do procedimento em virtude
do decurso de determinado lapso de tempo.25
A regulamentação da prescrição do procedimento criminal consta, como é
tradicional, do Código Penal (cfr. n.° 2 e § 4.° do artigo 125.°).
Como ensina o Professor Germano Marques da Silva26, há uma razão substantiva
para que as normas sobre prescrição do procedimento constem do Código Penal. É que
sem procedimento não é possível a aplicação de qualquer pena ou medida de segurança
criminais, donde que a extinção do procedimento represente a extinção da própria
responsabilidade criminal, uma vez que esta não pode ser efectivada.
Por isso também que as normas sobre a extinção do procedimento, tendo como
efeito a extinção da responsabilidade criminal, tenham uma natureza mista27, processual e
23
Cfr. Virgílio Queirós e Sofia Miranda, Breviário Latim-Português Expressões jurídicas e não jurídicas,
2.ª edição, Quid Juris sociedade editora, Pág. 244
24
Cfr. M. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado 6.ª Edição, Almedina - Coimbra, 1982, in anotações
ao artigo 87.°
25
A prescrição do procedimento criminal impede a aplicação da pena; a prescrição da pena impede a sua
execução. Para maior desenvolvimento sobre o tema, vide "A prescrição como causa extintiva da
responsabilidade criminal - um estudo de direito penal português" tese de mestrado de Pedro Filipe Gama
da Silva.
26
SILVA, Germano Marques da, ob.cit. pág., 225.
27
Sobre a prescrição escreveu M. Maia Gonçalves. «Tem sido objecto de larga controvérsia a natureza
deste instituto; a indagação é de muito interesse, na medida em que a solução a encontrar pode lançar luz
sobre algumas dúvidas que se têm levantado. Parece ser melhor doutrina a de que a prescrição tem
natureza substantiva, por se traduzir numa renúncia do Estado a um direito, ao jus puniendi, condicionada
pelo decurso de certo lapso de tempo, e que tem razão de ser determinante na não verificação actual dos
fins da pena. A prescrição penal, escreveu Manzini (Diritto Penale, ed. de 1950, vol. III, pág. 473),

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

substantiva, já que não têm apenas efeitos sobre o processo (natureza processual), mas
também sobre a própria responsabilidade criminal, sobre a punibilidade do facto objecto
do procedimento.28
Nos termos do n.° 2 do artigo 125.° do C.P a prescrição do procedimento criminal,
embora não seja alegada pelo réu ou este retenha qualquer objecto por efeito do crime,
constitui causa extintiva da responsabilidade criminal.29
Como já referimos, na esteira do Professor Manuel Cavaleiro Ferreira a extinção da
responsabilidade criminal é extinção da punibilidade ou extinção da pena. Entre
punibilidade e pena medeia a condenação. Por isso as causas que só extinguem as penas e
medidas de segurança, pondo termo à sua execução, sobrevêm após a condenação; as
anteriores à condenação extinguem a punibilidade e por isso também a procedibilidade do
processo penal.
A prescrição do procedimento criminal traduz-se na prescrição da própria acção
penal30, definível como o direito subjectivo público de invocar o poder judicial para
aplicar o direito penal substantivo aos comportamentos delituosos. É através do
exercício deste direito que se inicia o processo-crime perante o Tribunal.
Consoante se configure como prescrição da punibilidade ou da procedibilidade, se
lhe atribui correspondentemente natureza processual ou substantiva; como ficou patente
nos parágrafos anteriores muitos consideram-na de natureza mista, isto é, substantiva e
processual.
No que toca à prescrição do procedimento criminal, JORGE DE FIGUEIREDO
DIAS31 diz que «a sua caracterização como pressuposto processual negativo (obstáculo
processual) é pouco menos que indiscutível. Uma vez verificada a prescrição do
procedimento, é exacto que a consequência deve, em correcta técnica jurídica, traduzir-se
no arquivamento do processo, não na absolvição do arguido. A questão reside pois toda (e
só) em saber se este aspecto das coisas esgota a natureza da prescrição, ou se a esta vertente
processual deve juntar-se uma vertente substantiva».

representando uma renúncia do Estado à pretensão punitiva ou ao efectivo poder de punir, é um instituto
de direito substantivo e não de direito processual. A este direito pertence somente a forma como se
processa e declara. O fundamento da prescrição criminal, segundo a orientação hoje dominante, está
essencialmente na não verificação dos fins das penas; na desnecessidade de repressão e de prevenção
geral e especial, relacionada com o esquecimento do facto criminoso. O decurso do tempo apagou a sede
de justiça, mais viva nos primeiros momentos de alarme social. Passado algum tempo, o crime entrou no
esquecimento; se o mau exemplo frutificou, uma pena tardia não o poderia já evitar. E, quanto à
prevenção especial, considera-se que, decorrido um longo lapso de tempo, o criminoso pode estar
regenerado ou ter encontrado uma situação em que a perigosidade se não faça sentir. Fazer, em tais
condições, recordar o crime já esquecido ou ignorado, mediante um processo judicial, será destruir aquela
situação favorável e até aumentar o perigo de novos crimes».
Note porém que Cavaleiro de Ferreira; Curso de Processo Penal, III, pág., 61, citado pelo mesmo, autor
atribui porém a este instituto natureza adjectiva. Cfr. M. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 6.ª
Edição, Almedina - Coimbra, 1982, pág., 268 e segs.
28
Cfr. A. Grandão Ramos, ob. cit, pág. 308 e segs., que trata da prescrição como pressuposto processual
relativo ao objecto do processo a par da litispendência e do caso julgado diz este ilustre Professor que
«para que o tribunal possa conhecer de um feito penal, dar como provada a existência de um crime e
aplicar ao réu a pena correspondente, é necessário que a questão não tenha já sido ou não esteja a ser
objecto de outro processo, ou que o que o tribunal esteja em tempo de poder conhecer do caso que é
submetido à sua consideração, isto é, que o procedimento criminal ou penal não tenha prescrito».
29
Dispõe o artigo 155.° do C.P.P sob a epígrafe (prescrição) que «os termos, prazos e efeitos da
prescrição e as causas da sua interrupção são os estabelecidos na lei penal; a forma de a deduzir e julgar é
a prescrita nos artigos 139.° e seguintes».
30
A acção penal é pública e compete em princípio ao M.P o seu exercício, com a acusação ou introdução
da causa em juízo. (cfr. artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 35 007).
31
DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português, Parte Geral II - As consequências jurídicas do
crime, Aequitas Editorial Notícias 1993, pág. 701.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

CAVALEIRO FERREIRA, defende que «há que observar, contudo, que a acção
penal é direito processual, que se não confunde com pretensão punitiva; é,
preferentemente, de aceitar a natureza processual da prescrição da acção penal. É um
pressuposto processual negativo e como tal uma excepção processual. Ora, parafraseando
o Professor CAVALEIRO FERREIRA «porque o Direito Penal se realiza através do
processo penal, a impossibilidade de instauração ou prossecução do processo acarreta a
impossibilidade do exercício do poder de punir».32

Prazos
Nos termos do § 2.° do artigo 125.° do C.P, o procedimento criminal prescreve
passados 15 (quinze) anos, se ao crime for aplicável pena maior, passados 5 (cinco) anos ,
se lhe for aplicável pena correccional ou medida de segurança e passado 1 (um) ano, quanto
a contravenções; pelo que podemos afirmar que os prazos em que o procedimento criminal
prescreve fixam-se, segundo um método de determinação abstracto, em função da
gravidade do facto, indiciada através da espécie a que corresponde a pena aplicável.
Extintos esses prazos, não é (mais) possível perseguir judicialmente o criminoso.
O prazo da prescrição do procedimento criminal conta-se desde o dia em que foi
cometido o crime33, mas interrompe-se a prescrição a partir do dia da acusação em juízo e
enquanto estiver pendente o processo pelo respectivo crime (cfr. art. 125.°, § 4.°, n.° 1 do
C.P).34
O Código Penal não estabelece a distinção entre causas de interrupção e de
suspensão do procedimento criminal e das penas, outrossim não permite que o prazo do
procedimento criminal interrompido pela acusação volte a correr de novo.
Por outro lado, utiliza como critério de fixação dos prazos, a natureza da pena aplicável ou
aplicada (maior ou correccional) e não a sua medida, como seria mais razoável e seguro.
O Ante-projecto do futuro Código Penal angolano rectifica estes defeitos de forma
e de conteúdo,35 separando com o devido rigor, os casos de suspensão (artigo 117.°) dos
casos de interrupção (artigo 118.°) da prescrição. Mas qual é então diferença entre estes
dois institutos? A diferença fundamental entre estes dois institutos é a seguinte: na
suspensão, a prescrição volta a correr, a partir do dia em que cessar a respectiva causa,
somando-se o tempo de prescrição decorrido até à suspensão com o tempo de prescrição
que correr a partir da altura em que desapareceu a causa da suspensão; na interrupção,
perde-se todo o tempo até ela decorrido, começando a correr de novo e integralmente o
prazo de prescrição; o mesmo é dizer, enquanto que na suspensão o prazo volta a fluir de
onde parou, contando-se o prazo que sobrou, o prazo para a prática do acto será devolvido
ao interessado pelo quanto faltava para o seu término, na interrupção o prazo volta a correr

32
Cfr. Manual de Direito Penal Português II de Manuel CAVALEIRO FERREIRA, ob. cit. pág. 503.
33
O Código não discrimina o início da contagem consoante o crime seja permanente ou instantâneo pelo
que entendemos (salvo melhor argumento) que o prazo de prescrição do procedimento criminal inicia-se
com o último facto praticado, quando a infracção, em vez de ser instantânea, se consuma por factos
sucessivos ou reiterados ou a consumação perdura, ou se mantém, enquanto não desaparecer a situação
criada com a violação dos respectivos preceitos legais.
34
No anterior texto da lei (anterior ao Decreto-Lei n.° 184/72, de 31 de Maio) a prescrição interrompia-
se com a prática de um acto judicial. Foram muitas as dúvidas levantadas quanto à interpretação da
expressão «acto judicial», como causa da interrupção da prescrição. O novo texto pôs termo à
possibilidade e também à prática frequente de promoção de um acto do juiz ou até de acto de simulada
instrução com a exclusiva finalidade de interromper-se a prescrição do procedimento criminal. A lei hoje
exige portanto, expressamente a acusação em juízo. No entanto, se a acusação não puder ser apresentada
em razão da pendência de uma acção sobre uma questão prejudicial, o prazo da prescrição interrompe-se
igualmente durante a pendência desta última (cfr. art. 125.°, § 4.°, n.° 2 do C.P). Idem, pág. 503.
35
Cfr. Ante-projecto em WWW.CRJD-ANGOLA.COM

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

por inteiro, ou seja, do zero, devolve-se ao interessado o prazo integral para a prática do
acto processual, in caso para o procedimento processual, é como se o prazo nunca tivesse
fluido.
Os prazos de prescrição da acção civil, quando esta seja cumulada com a acção
penal, são os da acção penal, sendo mais longo que os da prescrição da acção civil; nos
demais casos valem os prazos de prescrição da lei civil, e isto resulta do disposto no artigo
125.°, § 5.° do C.P.

Fundamentos
O instituto da prescrição está previsto nos artigos 125.° e 126.°; um referente à
prescrição do procedimento criminal; e o outro referente à prescrição das penas. A
distinção reside em que o decurso de certos prazos torna impossível, no primeiro caso o
procedimento criminal e, por essa via, a aplicação de uma qualquer sanção criminal; no
segundo, ele torna impossível a execução de uma pena constante de uma condenação
transitada em julgado. Pode por isso afirmar-se, com inteira justeza, que as duas espécies de
prescrição se justapõem, no sentido de que (por estranho que tal à primeira vista possa
parecer) uma delas começa no preciso momento em que a outra termina, isto é, com o
trânsito em julgado da decisão.
Indo para os fundamentos como tal36, dizer que a prescrição justifica-se, desde logo,
por razões de natureza jurídico-penal substantiva, o decurso do tempo sobre a prática de
um facto não constitui por si só motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse
ocorrido; considera-se também que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão
bastante para que o Direito Penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por
outro lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega
mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências da prevenção
especial, por ventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se
progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos:
quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo por ventura
esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada,
correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades
de socialização ou de segurança. Por último, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-
se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a
prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção criminal não executada faz
com que não se possa falar de uma estabilização contrafáctica das expectativas
comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.
Por todas estas razões, ao instituto da prescrição poder-se-ão ligar exigências
político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e
além do mais a própria consciência jurídica da comunidade.
Do ponto de vista processual, o instituto geral da prescrição encontra pleno
fundamento. Sobretudo enquanto causa de extinção do procedimento criminal, na medida
em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidosos a investigação (e a
consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a quotas
insuportáveis o perigo de erros judiciários, defende J. FIGUEIREDO DIAS que a
conclusão vale, também, para o instituto da prescrição da pena, por isso que é a sua própria
execução que se torna inadmissível e deve, portanto, ser impedida, eu porém corroborando
a posição de JESCHECK, para quem a prescrição da sanção (diversamente do
procedimento) só pode ter fundamentação jurídico-material e não processual, discordo.

36
Seguimos de perto as lições de Direito penal português do ilustre Professor Catedrático Jorge de
Figueiredo Dias, ob. cit. pág. 699-700.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Natureza jurídica e localização sistemática

Depois do que ficou dito relativamente ao instituto geral da prescrição, cumpre


agora tomar posição sobre a sua natureza jurídica, nas palavras de J. FIGUEIREDO DIAS
«extraordinariamente discutida, nas doutrinas e nas jurisprudências» e consequente
localização sistemática.
Na dialéctica entre a concepção material ou substantiva, e a concepção estritamente
processual ou adjectiva, a nossa posição é ecléctica, ou seja, somos apologistas daqueles que
defendem a natureza mista do instituto da prescrição (nomes como Leal Henriques, M. S.
Santos, Taipa de Carvalho e o próprio Professor J. Figueiredo Dias), consciente entretanto
de que na sua justificação, não é possível renunciar a uma consideração separada da
prescrição do procedimento e da prescrição da pena.37
Posto isto, reputamos ser digno de nota mencionar o que dispõe o artigo 343.° do
C.P.P que prescreve o seguinte «se pela instrução se verificar que os factos que dos autos
constam não constituem infracção penal, ou que se extinguiu a acção penal em relação a
todos os seus agentes, arquivar-se-á o processo», cfr. outrossim art. 25.° do Decreto-Lei n.°
35 007.

Da (in) constitucionalidade da imprescritibilidade

Uma questão salta à vista; à luz do nosso ordenamento jurídico-constitucional


existem ou podem existir crimes imprescritíveis?
Face a questão supra levantada, dizer que ao instituto da prescrição estão sujeitos
quaisquer tipos de crime, sem consideração pela sua natureza ou pela sua gravidade. Este
princípio não é todavia absoluto, na medida em que sofre restrições em muitas ordens
jurídicas e instâncias internacionais, que estabelecem uma listagem de crimes
imprescritíveis, considerados graves contra a paz e a humanidade, nomeadamente o genocídio
ou de todo tipo de crimes puníveis com pena de morte ou de prisão perpétua.
A Constituição da República de Angola no seu artigo 61.° sob a epígrafe " Crimes
hediondos e violentos"38 prescreve que «São imprescritíveis … a) o genocídio e os crimes
contra a humanidade previstos na lei; b) os crimes como tal previstos na lei»39, posto
isto, está dada de forma directa e objectiva resposta à questão acima formulada. Dizer
porém que, não existe uma referência constitucional expressa sobre a proibição ou
admissão da imprescritibilidade das penas ou medidas de segurança, nós entretanto
entendemos que tal "proibição" e não "admissão" constitucional resulta de uma derivação
de vários princípios constitucionais, desde logo, do princípio da necessidade das penas, vide
artigo 66.° da CRA.

37
Cfr. Pedro Filipe Gama da Silva, A prescrição como causa de extinção da responsabilidade criminal,
ob. cit. págs. 55 e segs.
38
Esta é desde já uma expressão imprecisa, vaga e perigosa no âmbito do Direito Penal, em total
desarmonia com o princpio da legalidade penal, cfr. Artigo 6.º da CRA e as disposições combinadas dos
artigos 1.º, 5.º, 6.º e 18.º do C.P, carecendo por isso de concretização e precisão no âmbito da legislação
ordinária (No Brasil há por exemplo a lei n.° 8.072, de 25 de Julho de 1990- Lei dos Crimes Hediondos)
39
Perante esta disposição constitucional poderiam surgir as seguintes questões: poderá legitimamente, o
Poder Constituinte Derivado ou o legislador ordinário ampliar as hipóteses elencadas, tornando outros
crimes imprescritíveis? Quando o legislador constituinte originário pretendeu que determinados crimes
fossem imprescritíveis não o fez expressamente, e a contrario sensu, os demais crimes seriam
prescritíveis? O elevado grau de abstraccionismo do n.° 2 (sobretudo) desta disposição constitucional não
a enfraquece como garantia dos direitos e liberdades fundamentais? Diante de todas estas questões limito-
me a recomendar ou melhor sugerir que se emende tal norma constitucional no sentido de a tornar mais
clara e precisa em conformidade com o princípio da legalidade penal que aliás é um princípio de
emanação jurídico-constitucional.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

Ora, atendendo a filosofia subjacente ao moderno Direito penal no que se refere


sobretudo às finalidades da punição, alguns autores entendem que a consagração da
imprescritibilidade tem ínsita uma filosofia radicalmente retributiva e que não se coaduna
com um sistema penal, jurídico-constitucionalmente fundado na dignidade da pessoa
humana, no princípio da proporcionalidade, da necessidade e da culpa, e que protege a paz
e segurança jurídicas.40
Mais do que isto, entendemos que o requisitório imanente a imprescritibilidade
do ponto de vista político-criminal, não é suficientemente fundado, pois na esteira do
Professor J. FIGUEIREDO DIAS (ob.cit. pág. 703) não há no catálogo penal crime algum,
por mais repugnante que seja ao sentimento jurídico, relativamente ao qual possa dizer-se
que as expectativas comunitárias de reafirmação contrafáctica da validade da norma violada
e as exigências de prevenção especial perdurem indefinidamente. Pode naturalmente
persistir o sentimento geral de repugnância e de reprovação como ainda hoje sucede, v.g.,
quanto aos crimes da Inquisição, ou do nazi-fascismo. Só que uma tal persistência possui, a
partir de certo momento, o carácter da «memória histórica», incapaz de fundar
preventivamente a necessidade de punição. Só, por isso (ilegítimas) necessidades
«absolutas» de punição, baseadas em sentimentos de vingança e de retribuição, poderiam
ser apontadas no sentido de fundar a imprescritibilidade.
Porém, discutível e/ou criticável ou não, e respeitadas as críticas doutrinárias o
facto é que do enquadramento constitucional exposto resulta que o nosso Estado tem para
determinados crimes um poder ilimitado de perseguição criminal contra uma pessoa
determinada.

- A amnistia

O n.° 3 do artigo 125.° do C.P, refere como causa extintiva do procedimento criminal,
das penas e medidas de segurança, a amnistia.41
A amnistia, o indulto e comutação da pena, segundo o Professor Manuel Cavaleiro
Ferreira (ob. cit. pág. 504) correspondem à antiga clemência régia, que compreendia a
amnistia e o perdão real.
O perdão real já na vigência das Ordenações do Reino abrangia o perdão geral e o
perdão especial.
O perdão especial era o correspondente ao actual indulto e comutação da pena; o
perdão geral seria o indulto geral das penas.42
Para evitar-se a concessão de amnistias pelo Chefe do Estado ou pelo Governo e
premunindo uma intromissão estranha à seriedade da justiça ou mesmo atentatória dela, ou
ainda se quisermos premunindo uma intromissão indevida ou arbitrária na boa
administração da justiça que cabe ao Poder Judicial, a amnistia passou a compreender o
indulto geral e a ser da competência do Poder legislativo.

40
Idem, pág. 81 e segs, para maior desenvolvimento.
41
Dispõe o artigo 150.° do Código Geral Tributário aprovado pela Lei n.° 21/14, de 22 de Outubro que «a
responsabilidade penal tributária extingue-se mediante: d) A amnistia».
42
Assim qualificado pela doutrina e nas Ordenações, dogmaticamente falando o indulto e a comutação
continuam sendo estudados como modalidades do perdão especial; importa todavia referir que não
obstante continuarem a ser um dos modos de individualização durante a execução da pena, a sua
concessão não está entre nós de jure constituto subordinada à previa apreciação judicial da concordância
do perdão, no caso concreto, com o sentido de justiça, isto é, ao parecer favorável do Tribunal de
Execução como ensinara Manuel Cavaleiro Ferreira (ob.cit. pág. 504,), pelo que é discutível se a sua
concessão (que como sabemos é da competência do Chefe de Estado) constitui ou não uma intromissão
indevida ou arbitrária na boa administração da justiça, que cabe ao Poder judicial.

20
Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

As Assembleias Legislativas são, porém, e por igual, propensas à interferência


indevida na administração da justiça. Adverte ANTOLISEI que «as penas solenemente
aplicadas pelos tribunais nas sentenças se tornaram ilusórias por amnistias e indultos
votados atrabiliariamente sem qualquer razão de justiça, com fim fútil ou até
exclusivamente para esvaziar as cadeias. A exclusividade para a lei de conceder amnistias,
que devia ser anteparo contra abusos, não é eficaz em tempos de acalorada paixão política,
de deficiente respeito pela justiça, como fim superior do próprio Estado, e pela autonomia
do poder judicial, podendo conduzir à desigualdade na administração da justiça e à
diminuição da segurança geral».
O Código Penal (em vigor desde 1886) não contém qualquer definição de amnistia,
o que é normal visto não ser próprio de um Código estabelecer doutrina. O artigo 120.° do
Código de 1852, suprimido pela Nova Reforma Penal, preceituava:
«O acto real de amnistia é aquele que, por determinação genérica, manda que fiquem em
esquecimento os factos, que enuncia, antes de praticados; e acerca deles proíbe a aplicação
das leis penais»
A amnistia (do grego amnestía "esquecimento"), como o vocábulo grego que é seu
étimo, significa - esquecimento, ela subsistiu com o significado gramatical e jurídico da
palavra para o nosso Direito. É a abolição da incriminação de certos factos passados, o
apagamento dos efeitos jurídicos da infracção, sendo assim tomada pela generalidade da
doutrina nacional43 e estrangeira. A amnistia aniquila os factos passados objecto de
incriminação, «de sorte que os olhos da justiça, por uma ficção legal, considera-se como se
nunca tivessem existido, salvo como havemos de ver os direitos de terceiro com relação a
acção cível para a reparação do dano.
O fim da amnistia é o esquecimento do facto ou dos factos criminosos que o poder
público achou prudente não punir. Juridicamente os factos deixam de existir; o Parlamento
pousa uma esponja sobre eles. Só a história os recolhe.
As Ordenações exceptuavam da amnistia os crimes de maior gravidade, de traição,
de homicídio voluntário, de roubo de salteadores, etc., e ainda os crimes que dependiam de
acusação particular, a não ser que também fosse concedido o perdão de parte; e
determinavam que, se algum perdão infringisse essas limitações, se devia considerar como
não concedido, e os juízes não o deveriam cumprir. Deste modo as Ordenações
funcionavam como limite ao poder régio, fiscalizável quanto aos limites previstos pelas
próprias Ordenações, pelos juízes no cumprimento de perdões reais (FERREIRA, Manuel
Cavaleiro, Direito Penal Português II, pág. 504).
A nossa Lei Suprema e Fundamental44 no seu artigo 61.° sob a epígrafe " Crimes
hediondos e violentos" prescreve que «São…insusceptíveis de amnistia…, a) o
genocídio e os crimes contra a humanidade previstos na lei; b) os crimes como tal previstos
na lei». Cfr. outrossim o artigo 3.° da Lei n.° 11/16, de 12 de Agosto - Lei de Amnistia que
exceptua da amnistia por ela prevista crimes dolosos cometidos com violência ou ameaça a
pessoas de que resultou a morte, crimes dolosos cometidos com violência ou ameaça a

43
Ensina o Professor V. Grandão Ramos que a amnistia (art. 125.° n.° 3 e § 1.°) determina a extinção do
próprio crime e, por via dela, da pena. Trata-se de uma ficção jurídica que determina o esquecimento do
crime e o desaparecimento de todas as consequências jurídicas de natureza criminal decorrentes da sua
prática. Só os direitos de terceiros são acautelados (§ 1.° do art. 125.°). Cfr. Estudo das Penas - Sumários
das aulas ministradas na cadeira de Direito Penal II, Luanda 2001, pág. 37.
Rudolf von Jhering definiu a ficção jurídica (do latim Fictio iuris) como «uma mentira técnica consagrada
pela necessidade». In THOMAS, Yan. Fictio legis; L΄empire de la fiction romaine et ses limites
médiévales, Droits, vide Wikipédia.
44
Na senda da Reconciliação Nacional A CRA no seu artigo 244.º decretou a amnistia dos crimes
militares, dos crimes contra a segurança de Estado e outros com eles relacionados, bem como dos crimes
cometidos por militares e agentes de segurança e ordem interna, praticados sob qualquer forma de
participação, no âmbito do conflito político-militar terminado em 2002.

21
Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

pessoas com emprego de armas de fogo, crimes de estupro, violação, rapto violento ou
fraudulento, crimes de promoção e auxilio à imigração ilegal, etc.
A amnistia é uma medida de clemência de carácter impessoal, objectivo, pelo que
pode e deve ser aplicada no início do processo-crime, com abstracção da pessoa do
delinquente, ela por sua vez só é, natural e logicamente causa extintiva da pena e medida de
segurança se for posterior à sentença condenatória, pois antes desta não há pena nem
medida de segurança. A amnistia pode ser declarada inclusive mesmo depois de cumprida a
pena. Tal declaração tem um grande interesse jurídico-prático, uma vez que, nos termos do
artigo 127.°, § 5.°, n.° 1.° do C.P serão (também) canceladas no registo criminal, não
devendo dele constar para quaisquer efeitos as condenações por crimes amnistiados.45
A amnistia é de natureza objectiva, abstracta. Toda voltada a infracção, esquece os
seus agentes. Em virtude do carácter impessoal da amnistia, deve atender-se à pena
abstractamente cominada na lei para o crime amnistiado, e não à pena concretamente
aplicada ao delinquente. Não tem relevo, para afastar a amnistia, o facto de, em virtude de
circunstância modificativa, caber ao delinquente pena superior à prevista no diploma da
amnistia. Mas importará indagar meticulosamente se se trata de circunstâncias
modificativas, ou antes da criação de um novo tipo de crime. Neste último caso, a amnistia
não é aplicável.46
Segundo o Professor Manuel Cavaleiro Ferreira (ob. cit. pág. 505), haverá que
distinguir a amnistia como abolitio criminis, amnistia dos crimes, de uma amnistia
imprópria47 que incide só sobre a punição; e é evidente que só a primeira, determina o
cancelamento no registo criminal das condenações por crimes amnistiados. Como indulto
ou comutação geral de penas, a amnistia imprópria pode ser delimitada ou
condicionada.48
Segundo Taipa de Carvalho49, a diversidade de efeitos práticos é fonte de injustiça
relativa, pois que a classificação da amnistia própria - quando a lei de amnistia entra em
vigor antes do trânsito em julgado da sentença - ou como imprópria - quando a referida lei
de amnistia entra em vigor depois do trânsito em julgado - depende, muitas vezes, do mero
acaso. Exemplificando com o seguinte «pode dar-se o caso de ser prejudicado o infractor

45
Na doutrina brasileira, e no mesmo sentido DAMÁSIO DE JESUS defende que «a amnistia opera ex
tunc, i.é., para o passado, apagando o crime, extinguindo a punibilidade e demais consequências de
natureza penal», vide, JESUS, Damásio E. de, Direito Penal Parte Geral, 30.ª edição São Paulo: Saraiva,
2009.
46
Cfr. M. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, pág. 270.
47
Ensina o ilustre Professor V. Grandão Ramos referindo-se ao «Perdão Geral» que este é o que alguma
doutrina chamada de amnistia imprópria. Incide não sobre o crime, mas directamente sobre as penas.
Pode ser total e parcial. Este tipo de perdão é matéria de lei, tal como a amnistia, sendo pois da
competência do Poder legislativo. Normalmente, é decretado na própria lei de amnistia, para os crimes
que por ela não são abrangidos (vide artigo 2.° da lei n.° 11/16, de 12 de Agosto - Lei de Amnistia)
chamando a atenção para o facto de que «quando o perdão geral é decretado antes da condenação, só
produz efeitos penais depois de o réu ser condenado. O juiz, então, declara na sentença o perdão de toda
ou parte da pena, conforme for o caso. Idem. Pág. 37
48
Na doutrina brasileira segundo Fernando Capez, a amnistia pode ser:
a) Especial: para crimes políticos;
b) Comum: para crimes não políticos;
c) Própria: concedida antes do trânsito em julgado da sentença condenatória;
d) Imprópria: concedida após o trânsito em julgado;
e) Geral ou plena: refere-se apenas aos factos, atingindo a todos que o praticaram;
f) Parcial ou restrita: faz alusão aos factos, mas exige o preenchimento de algum requisito, como
por ex. – a amnistia que só atinge os réus primários;
g) Incondicionada: não exige a prática de nenhum acto como condição para a sua concessão;
h) Condicionada: estabelece a prática de algum acto como condição para a sua concessão.
Cfr. CAPEZ, Fernando A. N Galvão de, Curso de Direito Penal. 10.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
49
CARVALHO, Américo A. Taipa de, Sucessão de Leis Penais, Coimbra editora, 1990, pág. 11.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

que, precisamente, por ter colaborado espontaneamente com os órgãos da investigação


criminal, acabou por ser julgado mais rapidamente e, portanto, por ter sido objecto de
condenação transitada em julgado antes da entrada em vigor da lei da amnistia (amnistia
imprópria); inversa, injustificada e contraditoriamente, o arguido revel ou que dificultou as
investigações acabará por beneficiar plenamente da amnistia, bastando que tal
comportamento tenha feito com que a lei de amnistia entrasse em vigor antes do trânsito
em julgado da sentença condenatória (amnistia própria)».
Os crimes amnistiados não contam para efeitos de reincidência, sucessão de crimes
e habitualidade. A lei é expressa quanto à reincidência (§ 1.° do artigo 35.°) e, por remissão
do artigo 37.° quanto à sucessão.

O benefício da amnistia pode ser recusado?


Esta é uma «vexata quaestio» da qual competirá tomar posição. Cá entre nós o
Professor V. Grandão Ramos (sumários ob. cit. pág. 37) diz que «não parece que a amnistia
possa ser recusada»; Paola Julien O. Santos50 entende que «a amnistia não pode ser
recusada, visto seu objectivo ser de interesse público. Todavia, se for condicionada, já o
mesmo não acontece: submetida à clemência a uma condição, pode o destinatário recusá-la,
negando-se a cumprir a exigência a que está subordinada».
No entanto e em sentido contrário Cavaleiro Ferreira (FERREIRA, Manuel
Cavaleiro, Direito Penal Português II, pág. 505) respondendo afirmativamente argumenta
que «a amnistia não suprime, nem pode suprimir, o facto criminoso e o amnistiado pode
preferir defender a sua inocência a aceitar o labéu da dúvida, por ventura aumentada pela
ânsia ou esforços para obter a amnistia». Este mesmo autor afirma categoricamente que «o
benefício da amnistia pode ser recusado; sustentando que é doutrina expressa em algumas
legislações e que em Portugal a mesma opinião foi defendida por Levi Maria Jordão, que
no seu Comentário ao Código Penal, escreveu: «Pode agitar-se a questão se os indivíduos
compreendidos na amnistia podem, renunciando ao seu benefício, reclamar para entrar em
processo. Nós com os Srs. Nazareth e Faustin Hélie, seguimos a afirmativa, fundados em
que ela é um favor que pode renunciar-se, e em que seria injustiça "roubar" ao perseguido o
direito de fazer proclamar em juízo a sua inocência e confundir os seus delatores».
Cumprindo tomar posição, eu corroboro a tese defendida por Levi Jordano e pelo
Professor Cavaleiro Ferreira ou seja, eu também sou de opinião que o benefício da amnistia
pode ser recusado; primeiro porque a lei penal nada diz a respeito (é portanto omissa)
dando azo e criando terreno fértil a discussão sobre o assunto no seio da doutrina; segundo
porque não obstante os argumentos abonatórios avançados, entendo que dado o facto de
nos termos do artigo 453.° do C.P.P o réu absolvido, no caso de o assistente agir com dolo
ou culpa ter direito à indemnização, e avisados que estamos de que a amnistia não prejudica
a acção cível pelos danos causados, nem tem efeito retroactivo pelo que respeita aos
direitos adquiridos por terceiros, seria injusto obrigar alguém (ainda arguido ou já
condenado) suportar tais encargos, e não lhe ser concedido o poder de recusar a amnistia,
retirando-lhe por via da "amnistia obrigatória porque irrecusável" (com as consequências
que isso tem no que respeita a extinção do processo-crime) o direito de provar a sua
inocência em juízo na qualidade de acusado ou provar a sua inocência por meio de recurso
na qualidade de condenado recorrente (visto que uma vez extinta a responsabilidade
criminal verificar-se inutilidade superveniente do recurso interposto), procurando
fundamentalmente provar a sua inocência, recuperar o seu bom nome, a sua reputação e
obviamente confundir, desmentir os seus delatores e/ou detractores.

50
Advogada e Professora de Direito Penal II, aula XI tema: Extinção da punibilidade, CEAP - Brasil p. 2.

23
Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

A amnistia obrigatoriamente imposta, obsta o arguido de efectivar o princípio do


contraditório consagrado constitucionalmente (vide n.º 2 do artigo 174.º da CRA), nas suas
diversas manifestações conforme a fase em que se encontrar o respectivo processo-crime.
Diferente é e deve ser, porém a solução quanto ao indulto e a comutação de penas,
como se verificará.

A amnistia pode ser revogada?


Uma vez concedida, não pode a amnistia ser revogada, uma vez que a lei posterior
revogatória prejudicaria os amnistiados, com evidente violação ao princípio constitucional
de que a lei não pode retroagir para prejudicar o réu. Para obviar a esta violação dispõe o
artigo 62.° da CRA sob a epígrafe «Irreversibilidade das amnistias» que «são considerados
válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo da lei
competente».51
Quer a amnistia (entendida numa acepção ampla englobando nela o chamado
perdão genérico), quer o indulto e a comutação, integram o denominado direito de graça,
constituindo deste portanto suas espécies.
Segundo J. FIGUEIREDO DIAS (ob.cit, pág. 685 e segs) o direito de graça é no
seu sentido global e mais abrangente, a contraface do direito de punir estadual. Ao
direito de graça cabe a tarefa político criminal de constituir como que uma «válvula de
segurança» do sistema, correspondendo a ordem jurídica, como um acto de magnanimidade
ou de tolerância, à severidade da lei «dura lex sed lex; fiat iustitia pereat mundus»,
nomeadamente perante modificações supervenientes, de carácter excepcional, das relações
comunitárias ou da situação pessoal do (s) agraciado (s).52
Numa fórmula sintética o complexo de finalidades subjacente ao direito de graça,
pode afirmar-se com Eduardo Correia e Taipa de Carvalho que «a legitimidade das medidas
de clemência deve afirmar-se sempre e apenas quando ocorrem situações em que a defesa
da comunidade sócio-política seja mais bem realizada através da clemência que da punição»,
a este complexo de finalidades diz o ilustre Professor J. F. Dias tendo em conta o caso
específico do indulto a acrescentar o propósito de se não prejudicar a socialização de um
condenado lograda antes de ter sido cumprida a sanção e, especialmente, em momento em
que não pode ainda ser posto em liberdade.53
Cá entre nós o exercício do direito de graça foi para efeitos de comemoração tal como
confirma o «Preâmbulo» da mais recente lei de amnistia (Lei n.° 11/16) segundo o qual;

51
Para J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA «como acto essencialmente político - ainda que
sob a forma de lei -, a amnistia é essencialmente insindicável quanto à sua oportunidade e quanto à sua
extensão, bem como quanto à determinação dos seus efeitos». Cfr. Constituição da República Portuguesa
Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Agosto 2010, Coimbra editora, pág. 292.
52
É indesmentível o efeito útil e salutar das medidas de clemência no que a prevenção especial diz
respeito, pois cá entre nós, analisando a questão com realismo são notórios os efeitos criminógenos das
prisões, ademais as taxas de reincidência das pessoas que estiveram presas são altíssimas.
53
Este é um dado de indiscutível importância, não fosse o facto de maior parte dos delinquentes postos
em liberdade ao abrigo do indulto decretado pelo P.R em 2015 e pela amnistia provada pela A.N
aprovada em 2016, num contexto socioeconómico difícil, ter voltado a delinquir e boa parte deles ter sido
presa novamente.
Não nos esqueçamos que um dos princípios orientadores do sistema prisional é o princípio da
ressocialização do recluso - consagrado na lei n.° 8/08, de 29 de Agosto - Lei Penitenciária, segundo o
qual «a execução das medidas privativas de liberdade deve orientar-se de forma a reintegrar o recluso na
sociedade, prepará-lo para no futuro conduzir a sua vida de modo socialmente responsável», cfr. art. 3.°
n.°1 da respectiva lei.

24
Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

«A independência da República de Angola é um marco histórico memorável para


todos os angolanos, que ao longo de décadas de luta se entregaram ao combate para o seu
alcance, bem como para a manutenção da integridade territorial e paz;
A 11 de Novembro de 2015 celebrou-se o quadragésimo aniversário da
Proclamação da Independência Nacional;
O Presidente da República, por ocasião dessa celebração, perdoou através de
indulto, pelo Decreto Presidencial n.° 173/15, de 15 de Outubro, cidadãos condenados em
pena não superior a 12 anos de prisão (…)».54
Na esteira de J. F. Dias somos de opinião que um tal procedimento, tomado em si
mesmo, é em absoluto disfuncional e, portanto político-criminalmente inadmissível;
sobretudo quando constitua mero pretexto para a prossecução de objectivos de outra
ordem (nomeadamente os que se fundam em razões de pura oportunidade política), de
todo em todo estranhos às finalidades político-criminais que na realidade devem caber ao
instituto.
Reputamos por isso recusável numa perspectiva político-criminal e de um ponto de
vista funcional-sistemático de legitimidade pelo menos duvidosa, o exercício do direito de
graça para acorrer a finalidades de outro tipo, v.g., reduzir a população prisional, transmitir
para o estrangeiro uma imagem favorável do Estado, diminuir o trabalho que pesa sobre o
aparelho judicial (sobrecarga de processos) etc.
Considerando que a amnistia é concedida por meio de uma lei, importa referir que
sua aplicação ocorre no âmbito do Poder judicial, que reconhece, no caso concreto, a
extinção da punibilidade.55

- O perdão da parte, ou a renúncia ao direito de queixa em juízo


Outra causa extintiva do procedimento criminal é o perdão da parte, ou a
renúncia ao direito de queixa em juízo, quando tenha lugar (artigo 125.° n.° 4 e § 6.°).
Nos termos do citado § 6.° «O perdão da parte só extingue a responsabilidade criminal do
réu, quando não há procedimento criminal sem denúncia ou sem acusação particular,
excepto se já tiver transitado em julgado a respectiva sentença condenatória e ainda nos
casos especiais declarados na lei. Se a parte for menor não emancipado ou interdito por
causa que o iniba de reger a sua pessoa, o perdão apenas produzirá efeitos quando seja
legitimamente autorizado».
Diferentemente do que sucedia no antigo Direito, o perdão não tem efeito após a
condenação; não pode consistir em um perdão da pena aplicada. Mantém-se, durante o
processo, um domínio da parte acusadora, sobre o destino do processo, mediante o
exercício da faculdade de perdoar, mas não para além do termo do processo (FERREIRA,
Manuel Cavaleiro, Direito Penal Português II, pág. 506).
A título de exemplo, prescreve o § único do artigo 402.° do C.P sob a epígrafe
«perdão do marido» que «Todo o procedimento cessará pela extinção da acusação do
marido, e do mesmo modo o efeito da condenação de ambos os co-réus cessará,
perdoando o marido a qualquer deles ou tornando a viver com a mulher».
Renúncia é abdicação do direito de promover a acção penal pelo ofendido ou pelo
seu representante legal, ou seja consiste na manifestação do desinteresse do ofendido em
exercer o direito de queixa; alguns autores entendem que uma das suas manifestações é a
desistência, ora, nos termos do artigo 24.° n.° 3 da lei n.° 25/11, de 14 de Julho - Lei

54
Vide o preâmbulo da lei da amnistia, Lei n.° 7/00 de 15 de Dezembro.
55
Dispunha o revogado o § 2.° do revogado artigo 629.° do C.P.P que « a decisão sobre a aplicação de
amnistia, indulto ou comutação de penas é da competência do Tribunal de Execução das Penas, sempre
que os processos aí se encontrem, ainda que transitoriamente».
Cfr., contudo o artigo 43.° da lei que revogou o citado artigo, i.é., da lei n.° 20/88, de 31 de Dezembro –
Lei sobre o ajustamento das leis processuais penal e civil.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
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contra a violência doméstica, sob a epígrafe "Queixa, denúncia e desistência" «A vítima


de violência doméstica pode, sem prejuízo dos casos em que a lei o proíba, desistir da
queixa em qualquer fase do processo».
Outro caso de renúncia a que alguns autores entendem trata-se de "perdão tácito" é
o que vem previsto na última parte do § 3.° do artigo 417.° do C.P.P sob a epígrafe "Falta
do Ministério Público ou dos representantes das partes" ao prescrever que «Nos crimes que
dependam de acusação de parte adiar-se-á o julgamento, mas se não comparecer no dia
novamente designado, entender-se-á que a parte desistiu».
Outra forma de extinção de extinção da responsabilidade criminal, porém sob a
forma de isenção de pena, é aceitação por parte do ofendido das explicações satisfatórias
dadas pelo agente nos crime de difamação ou injúria prevista no artigo 418.° conjugado
com o artigo 589.° do C.P.P.

- Retratação do agente
Há retratação, quando o agente repõe a verdade, desdizendo-se ou dando como
não dito o que antes havia afirmado. Ao repor a verdade, o agente desfaz a falsidade que
cometera; nisto se distingue a retratação da confissão, pois nesta o agente limita-se à
afirmação de que cometeu os factos que lhe são imputados.
Nos termos do artigo 239.° sob a epígrafe "falso testemunho" «Cessa a pena de
testemunho falso, se aquele que o deu se retractar antes de estar terminada a discussão da
causa.56

- A oblação voluntária
Constitui causa específica de extinção das contravenções57 puníveis com multa e
consequentemente do procedimento criminal, a oblação voluntária, de harmonia com o n.°
5 do artigo 125.° (este número do artigo 125.° foi incluído no Código Penal pela redacção
que ao artigo foi dada pelo Dec.-Lei n.° 184/72, de 31 de Maio, em correspondência com o
artigo 167.° do C.P.P, segundo o qual, antes do auto de transgressão ser remetido a juízo, o
contraventor pode pagar voluntariamente a multa).
Mediante o pagamento voluntário (oblação) a contravenção penal extingue-se. É
um caso de extinção da responsabilidade criminal pela extinção da própria contravenção e
privativa desta espécie de infracção.

- A anulação da sentença condenatória em juízo de revisão


O n.° 6. do artigo 125.° inclui entre as causas extintivas do procedimento criminal,
das penas e das medidas de segurança, a anulação da sentença condenatória em juízo de
revisão, (depois da aprovação e entrada em vigor da lei n.° 20/88, de 31 de Dezembro,

56
Vide também o artigo 72.º da lei n.º 07/06 de 15 de Maio - Lei de imprensa sob a epígrafe
«Responsabilidade criminal» que no seu n.º 3 prescreve que «A retractação ou publicação de resposta, se
aceite pelo ofendido, isenta de pena o autor do escrito, som ou imagem».
57
«Considera-se contravenção o facto voluntário punível, que unicamente consiste na violação ou na falta
de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a
intenção maléfica.» É esta a noção que o artigo 3.° do Código Penal dá de contravenção. A contravenção
é um facto voluntário, no sentido de que se trata de uma conduta ou comportamento, dominado ou
dominável pela vontade, violador ou transgressor das disposições preventivas das leis e regulamentos,
quer dizer, não é necessário que seja violado ou ofendido um determinado bem jurídico ou interesse
jurídico-penalmente tutelado, basta a simples violação da disposição preventiva. Vide nosso estudo sobre
as contravenções penais, FDUAN - Fevereiro de 2015 Direito Penal I.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
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acrescenta-se a esta causa extintiva a anulação da sentença condenatória em juízo de


cassação( vide artigo 51.° e segs. da referida lei).
A sentença proferida em juízo de revisão, poderá conforme o caso, absolver o réu
anteriormente condenado.
Nos termos do n.° 1 do artigo 689.° do C.P.P « Se a decisão final revista tiver sido
condenatória e a sentença ou acórdão proferidos em juízo de revisão julgarem a acusação
improcedente, será aquela decisão anulada, trancado o respectivo registo criminal e
restituído o réu ao seu estado de direito anterior à condenação, logo que a sentença ou
acórdão passe em julgado».
A revisão anula a condenação anterior e verdadeiramente anula a declaração judicial
da existência da imputação do crime, donde a impossibilidade de novo procedimento
criminal. Tendo transitado em julgado, a decisão absolutória em juízo de revisão, mais do
que fazer cessar a pena, desqualifica-a como pena. Por isso a decisão absolutória em juízo
de revisão é fonte da obrigação de reparação pelo Estado dos danos sofridos em razão da
condenação anulada, cfr. § 7.° do artigo 125.°do C.P. (FERREIRA, Manuel Cavaleiro, pág.
507).
O recurso de cassação (do termo francês «casser» - romper, quebrar, anular)
remonta à Revolução Francesa e foi consagrado em inúmeras legislações, dentre elas a
nossa, como acima exposto.

- Caducidade da condenação condicional


As penas também se extinguem pela caducidade da condenação condicional de
harmonia com o n.° 7 do artigo 125.°
A condenação condicional vem ao encontro da necessidade de evitar em muitos
casos, as consequências prejudiciais da execução da pena, sobretudo de penas de curta
duração, na medida em que se considere mais adequado às circunstâncias peculiares da
infracção e do delinquente suspender a execução da pena. (FERREIRA, Manuel Cavaleiro,
pág. 334). Há várias modalidades, entre as quais se pode salientar, a suspensão da execução
da pena e a probation instituto de origem anglo-saxónica. Na primeira a suspensão da
execução da pena é condicionada negativamente pela não perpetração de algum crime; na
segunda o condicionamento da suspensão da execução da pena (ou do procedimento
criminal ou a da condenação, ou da fixação da pena) é positivo e consiste na prova de
comportamento conforme às prescrições que forem estabelecidas, durante um certo
período.
Quanto a suspensão da execução da pena cfr., artigos 88.° e 89.° do C.P.
A caducidade da condenação condicional não suprime o crime cometido, mas tão-
somente a própria condenação que, por isso mesmo, será cancelada no registo criminal.

- Casos especiais previstos na lei


Nos termos do n.° 8 do artigo 125.° o procedimento criminal, as penas e medidas
de segurança também cessam nos casos especiais previstos na lei. Um destes casos é o
previsto na lei n.° 3/14, de 10 de Fevereiro – Lei sobre a Criminalização das Infracções
Subjacentes ao Branqueamento de Capitais58, relativamente ao crime de tráfico de bens
roubados e outros bens previsto e punido nos pelo artigo 25.°, o n.° 5 deste artigo
prescreve que «Extingue-se a responsabilidade criminal, quando, sem dano ilegítimo de
terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instancia, desde que tenha havido restituição da

58
Esta lei define um prazo prescricional especial quer para as penas, quer para o procedimento criminal
dos crimes nela previstos, cfr., artigo 4.°.

27
Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou reparação integral dos prejuízos causados,


com excepção das situações que se enquadraram no n.° 3».

- Causas extintivas das penas e medidas de segurança na sua execução


Como tivemos a oportunidade de ver as causas extintivas da responsabilidade
criminal enumeradas no artigo 125.° verificam-se quer em momento anterior quer em
momento posterior, pelo menos algumas delas, à condenação. Daí extinguirem tanto o
procedimento criminal como, tendo já havido condenação, a execução da pena ou da
medida de segurança.
As causas extintivas de que nos ocuparemos a seguir são sempre posteriores à
condenação pelo que os seus efeitos exercem-se directa e imediatamente sobre a execução
da pena ou medida de segurança aplicada, basta atentar a epígrafe e ao corpo do artigo
126.° do C.P.
Como (outras) causas de extinção das penas e das medidas de segurança o artigo
126.° enumera sucessivamente: o cumprimento, o indulto e comutação59; e a
prescrição. O n.° 4 do artigo 126.° refere-se erroneamente à reabilitação como causa
extintiva das penas e medidas de segurança, quando na verdade esta é por essência uma
causa extintiva privativa dos efeitos penais da condenação.60

- O cumprimento
O cumprimento (artigo 126.° n.° 1) é o modo normal de execução da pena e da
medida de segurança, com a duração, com as modalidades ou modificações compreendidas
na espécie de pena ou medida de segurança aplicada, constituindo por este e em
consequência deste facto o modo normal e natural de extinção, quer da pena, quer da
medida de segurança aplicadas.
Terminado o cumprimento da pena ou medida de segurança privativas de
liberdade, os condenados serão soltos por mandado isto é, mandado de soltura do
respectivo juiz, de harmonia com o disposto no artigo 636.° do C.P.P.
No acto da soltura deve ser entregue ao recluso uma declaração comprovativa da
capacidade profissional, os seus objectos pessoais apreendidos e os proventos do trabalho
remunerado e prestado durante o tempo de cumprimento da pena, se a ele tiver direito,
conforme o disposto no n.° 3 do artigo 17.° da Lei n.° 8/08, de 29 de Agosto - Lei
Penitenciária.

- O indulto
O indulto, a que se refere o n.° 2 do artigo 126.°, é o indulto especial e consiste na
extinção total da pena ou medida de segurança pondo termo à execução, enquanto o
indulto geral é abrangido no conceito de amnistia imprópria, e só pode ser concedido por
lei. Pelo contrário, o indulto especial é uma forma de individualização da pena na sua

59
O indulto e a comutação de penas constituem as chamadas atribuições de clemência do PR, que
remontam à figura da indulgentia principis (clemência do soberano). Cfr. Constituição da República
Portuguesa Anotada, Vol. II, ob.cit., pág. 193.
60
Não obstante tal observação, no meu entender a reabilitação não deixa de constituir uma causa de
extinção da responsabilidade criminal, daí a sua inserção no capítulo atinente a extinção da mesma e não
noutro, na medida em que não sendo embora causa extintiva da responsabilidade que ocorre antes da
sentença condenatória transitada em julgado, atingindo o jus puniendi e extinguindo por conseguinte a
pretensão punitiva do Estado; ou depois do trânsito em julgado em julgado da sentença condenatória,
cessando a execução da sanção criminal, ela extingue os efeitos penais da condenação, ou seja ela faz
cessar os efeitos penais colaterais da condenação.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
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execução, concedida pelo Chefe de Estado (mais alto representante do Poder estadual ou
como sói dizer-se "Mais Alto Magistrado da Nação".61
Nos termos da al. n) do artigo 119.° da CRA compete ao Presidente da República,
enquanto Chefe de Estado: «indultar e comutar penas62, diferentemente do que dispõe a al.
g) do artigo 161.° da CRA segundo a qual compete à Assembleia Nacional, no domínio
político e legislativo: «conceder amnistia e perdões genéricos».63 Há quem entenda
entretanto que a competência assistida à A.N de conceder "perdões genéricos" por
argumento de maioria de razão (ad maius) inclui o indulto e a comutação de penas, pois não
está claro que apenas o PR concede indulto e comutações de penas.
O indulto supõe, por definição, a existência de uma condenação definitiva. O acto
do indulto é um acto discricionário do PR. Não existe um direito ao indulto, muito menos
um dever de indulto.64 Tal como a amnistia, o indulto não é revogável, embora possa ser
concedido sob condição.
Embora o indulto e a comutação de penas sejam tradicionalmente configurados
como actos de clemência pessoal, a sua caracterização rigorosa não se reconduz à vontade
de uma pessoa, mesmo que com a qualidade de Chefe de Estado. É uma emanação do jus
puniendi, de que é titular o Estado (e não o PR), no sentido de extinguir uma pena imposta
por sentença penal ou de renunciar à sua aplicação. Por isso, justifica-se em Portugal por
exemplo a exigência constitucional da audição do Governo, responsável pela política
criminal.65
Problemática é a questão de saber se pode haver indulto ou comutação dos
próprios titulares de cargos políticos (a começar pelo próprio PR: auto indulto),
nomeadamente por crimes de responsabilidade.
Questão duvidosa é também a da sindicabilidade contenciosa dos actos de indulto
que infrinjam os respectivos limites constitucionais.66

- A comutação
A comutação, diferentemente, consiste na redução, substituição das penas e
medidas de segurança aplicada na sentença ao réu, na limitação ou extinção dos efeitos
penais da condenação, tratando-se no fundo, de uma forma de substituição da pena na sua
execução.
O regime jurídico do indulto e da comutação (modalidades do perdão especial) está
genericamente definido no § 1.° do artigo 126.°67

61
Cfr. Decreto Presidencial n.° 173/15 de 15 de Setembro.
62
A título informativo em Portugal, compete ao Presidente da República, na prática de actos próprios,
indultar e comutar penas, ouvido o Governo, cfr., artigo 134., al. f) da Constituição portuguesa. Cá entre
nós não faria sentido tal exigência visto o Poder Executivo ser unipessoal.
63
A concessão de amnistia e de perdões genéricos é da competência reservada da A.N, isto significa, por
conseguinte, que a matéria constitui reserva não só de lei, mas de lei formal; e significa, por outra parte,
que as disposições editadas têm de observar o carácter de generalidade e de abstracção que é apanágio da
lei. Respeitadas estas características, a A.N pode conformar livremente o conteúdo da lei, amnistiando
grupos de factos ou grupos de agentes, segundos critérios fundados que entenda fixar e combinar de
forma que repute preferível, sem prejuízo do limite político-criminal, desta não servir como instrumento
político, quando não mesmo político-partidário das maiorias.
64
Cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, ob.cit., pág. 194
65
Deve acentuar-se no entanto que as formalidades exigidas não podem opor-se ao PR como conditio
sine qua non do exercício do direito do indulto, senão na parte em que dêem execução ao imperativo
constitucional de audição do Governo. Assim, por ex., é inaceitável que a iniciativa de indulto tenha de
partir do Governo, através de uma proposta por este feita ao P.R, exacto é que o PR pode tomar a
iniciativa da concessão; essencial é só que ele não conceda o indulto sem previamente ter ouvido o
Governo.
66
Idem.

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Sobre a possibilidade do benefício do indulto ou da comutação ser recusado pelo


condenado, a solução é diferente quanto à amnistia pois, é por expressa disposição legal,
obrigatória a aceitação da clemência (cfr. § 2.° do artigo 126.°), o indulto e a comutação das
penas não são olvido ou abolição do crime, mas modificação ou extinção da pena na sua
execução e concedidos sob os auspícios gerais relativos a individualização da pena no caso
concreto, ou correcção de uma severidade injusta ou desnecessária segundo critérios
avaliados pela própria jurisdição (FERREIRA, Manuel Cavaleiro, pág. 506).
Como o indulto não afecta a infracção mas só a pena, segue-se que os crimes subsistem,
nomeadamente para efeitos de reincidência, sucessão e habitualidade. Em suma, o indulto e
a comutação beneficiam apenas réus condenados e nunca indiciados, arguidos ou acusados,
isto é, aqueles que ainda não tenham sido julgados como sucede com a amnistia.

- Prescrição da pena e medida de segurança


A pena e medida de segurança também se extinguem pela prescrição (cfr. o n.° 3 do
artigo 126.°). O regime jurídico desta espécie de prescrição está descrito fundamentalmente
nos §§ 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° do artigo 126.°
Antes de fecharmos este capítulo importa referir que nos termos do § 7.° do artigo
126.° «Salvo disposição em contrário, o procedimento criminal e as penas só acabam
relativamente a quem se referem as causas da sua extinção».

Capitulo III - Da modificação e extinção dos efeitos penais da condenação

- Modificação dos efeitos da pena


O n.° 3 do artigo 6.° do C.P reza o seguinte: «as disposições da lei sobre os efeitos
da pena têm efeito retroactivo em tudo quanto seja favorável aos criminosos, ainda que
estes estejam condenados por sentença passada em julgado, ao tempo da promulgação da
mesma lei, salvo os direitos de terceiro».
Os efeitos das penas são consequências que resultam directamente da lei ou da
condenação e que o Código enumera taxativamente nos arts. 74.° e seguintes.
Os efeitos das penas ou efeitos da condenação penal podem ser efeitos penais e
efeitos não-penais. Não carecem de constar da sentença condenatória, pois a sua produção
é «ope legis» conforme prescrito no artigo 83.° do CP.
Quanto aos efeitos das penas o princípio da retroactividade da lei mais favorável
prevalece perante o caso julgado; o único limite é o dos direitos adquiridos por terceiro:
esta ressalva compreende-se quando se tiver presente que alguns efeitos das penas
respeitam directamente aos interesses civis lesados pelo crime, impondo, por exemplo, a
restituição dos objectos do crime ou a reparação dos prejuízos causados. A doutrina
seguida pela lei penal corresponde à que se encontra em vigor também na lei civil i.e, no
Código Civil.68

- Causa extintiva dos efeitos penais da condenação: a reabilitação jurídico-penal


Os efeitos penais da condenação poderão extinguir-se por efeito de lei nova, nos
termos do n.° 3 do artigo 6.°, por comutação, de harmonia com o disposto no n.° 3 do §
1.° do artigo 126.° e pela reabilitação, regulada no artigo 127.°.

67
"O perdão público ou indulto, bem como a comutação, têm a natureza de medidas de clemência,
incompatível com uma regulamentação em moldes precisos. Não são medidas jurisdicionais, sujeitas ao
controle dos tribunais". Cfr. M. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, pág. 275.
68
FERREIRA, Manuel Cavaleiro, Direito Penal português, Parte geral I, ob.cit, pág. 120.

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Nos seus reflexos imediatos, a reabilitação jurídico-penal apresenta-se, na


actualidade, como uma simples causa de cancelamento do registo criminal. Todavia,
uma definição que se limitasse a apontar esse simples efeito deixaria de fora, contudo, a
essência da figura e os critérios fundamentais que hão-de presidir à respectiva disciplina.69
Numa acepção técnico-jurídica, a reabilitação é o mecanismo através do qual o ex-
condenado é reposto na situação jurídica anterior à sentença. Na prática, ela traduz-se na
extinção (total ou parcial) das interdições e incapacidades que, a título de efeitos das penas
e/ou penas acessórias, decorrem da condenação para depois do cumprimento da sanção
principal. Num plano mais geral, como assinalara o Tribunal Constitucional Federal alemão
- e JESCHECK na sua esteira -, a reabilitação constitui uma tarefa da comunidade
postulada pelo princípio da socialidade inscrito na Lei Fundamental.
No nosso Direito a reabilitação jurídico-penal reveste as formas de reabilitação de
direito e de reabilitação judicial, esta última por sua vez em plena ou limitada a algum ou alguns
dos efeitos da condenação. O seu regime jurídico está definido no artigo 127.° do C.P.
Com a expressão «cancelamento do registo criminal» abrangem-se os casos em que
determinado elemento constante dos cadastros deixa de poder integrar o conteúdo de
informação fornecido.70 Parece-me que o nosso Código Penal consagrou uma espécie de
cancelamento definitivo e absoluto, pois nos termos do § 5.° do artigo 127.° «Serão
canceladas no registo criminal, não devendo dele constar para quaisquer efeitos:
1. As condenações anuladas em juízo de revisão e as condenações por crimes
amnistiados.
2. As condenações anteriores à reabilitação de direito ou a reabilitação judicial plena.
3. As condenações condicionais quando se tenha verificado a condição resolutiva do
julgado.»

Posto isto, dizer que a reabilitação mais do extinguir os efeitos penais da


condenação, vai mais além, visto que as condenações anteriores à reabilitação não podem
na reabilitação de direito ou na reabilitação judicial plena, ser invocadas para quaisquer fins
e em especial para fundamentar a reincidência ou sucessão de crimes, já que tais
condenações são canceladas no registo criminal, não devendo dele constar para quaisquer
efeitos. Entretanto, o Código Penal é peremptório ao prescrever no § 4.° do artigo 127.°
que «A reabilitação não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe
resultaram da condenação, não prejudica os direitos que desta advierem para o ofendido ou
para terceiros, nem sana, de per si, a nulidade dos actos praticados pelo condenado durante
a sua incapacidade».
Como eloquentemente escreveu MANUEL CAVALEIRO FERREIRA «Assim
como a publicidade da sentença condenatória é entrave à completa reintegração social do
condenado, a reabilitação solidifica aquela reintegração comprovada pelo comportamento
posterior à condenação».

69
Para maior desenvolvimento sobre este instituto remetemos às lições de Direito Penal português do
ilustre Professor Catedrático Jorge de Figueiredo Dias - As consequências jurídicas do crime, ob. cit.,
pág. 653.
70
Sobre o ponto. Idem, págs. 652-653.

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Considerações finais

Ante a exposição com as explanações doutrinárias e correspondente


fundamentação legal sobre o objecto de estudo deste trabalho, respondendo às questões
que formulámos no início, sintetizando as ideias que abordamos e defendemos a respeito
do tema cumpre hic et nunc tecer as seguintes considerações finais:
1. A responsabilidade criminal consiste na obrigação imposta pela lei penal ao agente
de uma infracção (penal), de suportar as consequências jurídicas do crime.
2. É uma matéria atinente a doutrina das consequências jurídicas do crime, portanto
do Direito penal substantivo.
3. São causas de extinção da responsabilidade criminal a abolitio criminis, a amnistia, o
perdão geral, o perdão especial ou indulto, a morte do arguido ou do condenado, o
perdão da parte, ou a renúncia ao direito de queixa em juízo quando tenha lugar, a
retractação do agente no crime de falso testemunho e outros nos termos da lei, a
oblação voluntária no caso das contravenções penais, a anulação da sentença em
juízo de revisão ou cassação, a prescrição, a caducidade da condenação condicional
e o cumprimento da pena; a responsabilidade criminal, pode ainda extinguir-se
quando, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª
instancia, haja restituição da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou
reparação integral dos prejuízos causados.
4. A prescrição provoca a extinção da responsabilidade criminal em virtude do
decurso de determinado lapso de tempo; a prescrição do procedimento criminal
impede a aplicação da pena; a prescrição da pena impede a sua execução.
5. A prescrição justifica-se, por razões de natureza jurídico-penal substantiva e
adjectiva.
6. A Constituição da República considera os crimes hediondos v.g., o genocídio e os
crimes contra a humanidade previstos na lei, como imprescritíveis, logo a
imprescritibilidade é constitucional.
7. A «abolitio criminis» verifica-se quando o Estado por razões fundamentalmente de
política criminal, não mais considera determinado facto como crime.
8. A morte do arguido, acabando com um dos pressupostos da existência do
processo, extingue, naturalmente a responsabilidade criminal, a amnistia e a
descriminalização ou abolitio criminis fazem desaparecer o crime e, logicamente,
todas as suas consequências; ora, nestes e noutros outros casos se verifica a
extinção total ou parcial da responsabilidade específica (consequências jurídico-
penais) resultante da prática do crime.
9. Somos de opinião que o benefício da amnistia pode ser recusado, primeiro porque
a lei é omissa a respeito, segundo porque seria injusto admitir o contrário em
atenção alguns interesses do réu.
10. As medidas de clemência devem afirmar-se sempre e apenas quando ocorrem
situações em que a defesa da comunidade sócio-política seja mais bem realizada
através da clemência que da punição, cabendo-lhes a tarefa político criminal de
constituir como que uma «válvula de segurança» do sistema, correspondendo a
ordem jurídica, como um acto de magnanimidade ou de tolerância, à severidade da
lei.
Concluindo, é notória a grande importância deste trabalho pois proporcionou-nos
maior aprofundamento dos conceitos, e caso fossem estudados desacompanhados de uma
técnica didáctica viável, poder-se-ia dar margem à dúvidas e à misturas desordenadas dos
conceitos e da aplicação prática dos mesmos.

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Extinção da responsabilidade criminal - um estudo de Direito penal angolano
Valdano Afonso Cabenda pedro

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Branqueamento de Capitais.
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