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THENTROINFANTIL

à vendana Livraria
FRANCISCO ALVES

onto tbeisido (livro para rinnção,) 1 a


iNustrado
Patria Brasileira, (narrativas Drasilei
= 1 ol. ilustrado, (no prelo)... -

DE OLAVO BILAC
sias Infantis, 1 vol. ilustrado, enc.

OBRAS DE COELHO NETTO


Coelho Netto (Anselmo Ribas)

Balladilhas, 1 vol. broe.. 38000


Fructo prohibido, 1 vol. broc. 28000
Rei Fantasma, romanceoriental, 1 vol. broc. 25000
Bilhetes postaes, 1 vol broc. 28000.
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Seára de Roth; 2º vol.
Lanterna Magica, 2º vol. da Coll, Moderna.
Montes e Valles,1 vol, da Coll. Brasileira, .
Comedias e monologos -

emprosa é emverso

LIVRARIA FRANCISCO ALVES


134, Rua Do OuviDor, 184-—Rio de Janeiro
E Rua DES. Bento, 45 — S, Paulo
Rua pa Baia — Bello Horizonte
1905
98.
— PRIMEIRA SERIE
— par PROSA —
Domo gaRapsã
Compra EM1 acTO

= u Monbon monsie
Apprenes que tout latteur
Vit auxdépens de celui qui Nécoute ».
aFonta
“ACTO UNICO

Sala mobiliada decentemente. Portas Jateraes.

SCENA PRIMEIRA

Alberto e Edmundo

ALHERTO, entrando pela direita +

EDMUNDO, sorrindo :
Creio que sim,
sm,
E então?
= um
O professor julgará.
ALB. ”
Mostra-me, Eu imagino! Ta tens uma riquissi a
veia poetica. Hei de sempre lembrar-me d'aquelle admi
as tas grammaticaes e-das interpre-
* tações camoneanas, é penedo.
“ BDM,, vaidos
Lembras-te 2 havia uma quadra bem feita.
ALE.
Uma quadra,..! Tudo ali era soberbo—quatorze |
versos que valiam por mil, Eo estylo,..!Ea opulência -
das rimas, ..!
EDM,

Elle achou dois versos quebrados e um duro.


atm,
Duro é elle! Versos quebrados... Onde ha ati |
versos quebrados? Inveja... Inveja porque a poesia é -

iprendea syntaxe. Elle sabea findo todas as regras de |


bem dizer, mas, quando escreve, parece que o faz com uma:
rra de ferro, tão rijos são Os sens periodos, Que de- |
sereveste? Vamos lá yer aobra prima.
DM.
- Deserevi uma madrugada de verão.
“aLB., lisongeir
Com o canto alegre dos passarinhos, o balar dosrá
“ Vamhos, o orvalho a brilhar nas folhas. .
Tu é que farias umalinda pagina,se quizesses; teus
j:talento e dizes com mais elegancia e pureza do que eu. à
ALB.
“Historia, Don muito para as cogitações, desde que
faça de papo para o ar, na cama. Ah! para à cabeça |
lia como nm bom travesseiro de paina, os livros são
uito incommodos. (Ouiro tom:) Deixa-me vêr a tua de-
EDM,
Está aqui, Mas não rias...
feio ALE,
Rir! Dize antes: não chores. Ah! meu caro Ed-
— mundo, acredita-—não tenho inveja da riqueza, mas |
Visto... (Toca a fronte). Se Deus me propozesse escolher

“garantir contra a miseria, Emfim, .. (Outro tom:


dengada.., Eu tinha justamente pensado no-opposto; à.
tarde. Comecei a descripção:' Sahin tão confusa, tão.
atrapalhada, que mais parecia uma noite de inverno,
“noite é o mew fraco. Dormir... E onde está a madru
ada? É
(Edmundo entregu-lhe um papel). Que
O sei como consegues escrever com tanta regu-
É “laridade, rapaz, Espirito calmo... A minha é uma ga;
pe a à mim E ás di custa decifrar,

“Lindo! Admiravel! Soberbo ! (Derepente:) Que belleza, |


a“Edmundo! Orgulho-méde ti. Vou mostral-a ao Augusto... -
“Ee tem tanta presumpção, É bom que veja uma verda-
— deira pagina de mestre, É um minuto.
EDM,

Não te demores. O professor não tarda.


AL
É um instante, (Sahe pela direita).

SCENA TI
Edmundo é Thereza

THEREZA, entrando pela esquerda:


Que é do teu irmão ?
EDM.
Foiao lado, mostrar uma coisa ao Angusto,
THER. +
Em vez de estarestudando. O professor não tardá
ei
Então, fizeste o

“Sim, senhora.(MeigosJE, se em obtiver a melhornota,—


“mamãe leva-meé cidade para eu escolher um brinquedos

Certamente, Bemsabes que não. falto ao que pro:


metto, j
EDN,
Eu quero uma estrada de ferro, comos trilhos, às
pontes, os tunneis. .. para lrincar no jardim .
“rm, sorrindo:
E se Alberto ganhar?
Ê EDM.
Alberto... (Sorri ironico), elle queescolha.
TH.

TH,
Enquanto em escrevi, elle dormiu. Só setrabalhou &
de manhã. EA a RE EE
8

EDM.
Para veras figuras dos jornães ilustrados,
E TH. x
Viste? :
EDM,
Elle mésniodisse-me,
TH: é
"Panto peior, Terá o que merece. (Prestando attenção).
Creio que elle ahi vem,
EDM.
“Palvezseja 0 professor e eu vou buscar os meuslivros.

SCENAHI
Therezae Alberto

ALDERTO entra, pelu direita, meio desconfiado ;


TH. e

De ondevens assimafogueado?
ALB,
Wui rever o meu exercicio. (Amuado :) O senhor mem
irmão fiscalisa demais os meus passos. Esteve a dizer mal
“é mim, com certeza : que dormi, que não me preocenpei
“tom a tarefa, Sim, domi, à noite, porque prefiro traba-
lar com a fresca da manhã, Demais, eu não tenho a
“imaginação ereadora de Edmundo, ném componhô por in- .
e
imação : vejo e descrevo o que vejo. A que horas nie le- -

Tn.

ALB,
“ Cinco e meia. Para que? Para vernascer o sol, onvir
passaros, sentir a madrugada.
vm,
E deserevela...?
aLB., idissimulando

— mem trabalho e divertia-me a ver as gravuras das revistas,


“Depois sahi ao jardim e elle lá ficou.
au.
Ea tua composição?
aum,
Deixei-a napasta.
TH. EA q
Pois se fizeste o que dizes, terás o premio que mere-
ceres,
ALB.
A famade vadio persegne-me—pormais que eufaça,
ainda que os meus trabalhos sejam melhoresdo que os do
Edmundo, sempre os lonyores quem os colhe é elle—
quando não é pelo merito, é pela idade, porque é mais
moço. E não querem que mereyolte.
TH,
Mas quemfala de ti?
ALB.

Todos! Até dizem que me aproveito do que ellefaz.


TH.

En nunca disse tal,


ALB.
Não disse a senhora, mas houve quem dissesse. O
mesmo professor, sempre que lhe apresento uma com-.
posição bem feita, olha-me com desconfiança, resmunga,
só porque, certa vez, descobriu um ligeiro trecho de
Alencar em um dos meusescriptos. 4 a
mu.
Ligeiro trecho! Tem paciência, Alberto- era toda
ma pagina, sem umalinha tua.
A ALB,
Quemsabe se mamãe queria que en coilaborasse com
=
amOautordo Guarany? Copiei.
Tn.
Mas tu não estás aprendendo a copiar.
ALB.

“Ora! que faço eu no desenho? copio.


mm.
O cao é differente—no desenho ha necessidade de |
habituar-se o olhar á linha, de adestrar-se a mão...
ALB.
Na eseripta ha necessidade de habituar-se o ouvido

“emus en Divina Comedia...


mu.
Infelizmente, meu filho, falas demais. Quem te onvir
que tens conhecimentosvastos... e é tudo de onvido.
Ê ALB.
E não é pouco, mamãe, Ha pianistas notaveis que
to dispoem de ontros conhecimentos. As apparencias são
e
dispensaveis: mais valemmamisetia doura
thesouro nas mãosdo ayaro, SA
TH.

A tua memoria é prodigiosa. ..


ALR,
* Mostro que ouço com attenção as palavras de men |
ae, -
TH; :
Devias tambem ouvir os*sens conselhos;
ALB.
E onço-os, mamãe.
TH.
Não parece. . :
aum. RE
Estão como asemente na terra—a sem tempo darão
go
TH.
Pois sim. Phrases não te faltam. -
ALB.
Felizmente !

SCENAIV
Os mesmos e Lucinda,
LUCINDA, ú direita :
Está ahio professor.”
Um momento. ( Á Lucinda :) Elle traz os oculos:
eres ? Er
LUCINDA
Não, senhor. =
ALB.
Os brancos ?
2 LUCINDA
Sim, senhor. SEA
ALB,
“Temos Camões. ..
«TH,
= Porque? o
à ALE,
“É que elle, para entender osclassicos, emprega len:
es de telescopio. Tem a vista muito curta, o pobre.
homem. ; E
TH.
E tu tens a lingua muito comprida.

ALB.
PO que sobra não prejudica. ( Suspirándo:) Ah!
Minha mãe, so & Henhoia imieindoso quanto me custd
= Supportar a vida nas horas da grammatica | Deus não fez
grammática,,, pelo contrario : confundiu as linguas e
Oque 1xós fazemos comtantas regras futeis é até sacrilego, |
Porque pretendemos corrigir a obra-do Creador, Os ver.
irregulares...
Não queres ser medico ?
“ALB.
Seilá!
LUCINDA
Posso mandarentrar ?

TH.
Podes. (Lucinda entra é direita.)
ALB,, suspirando :
E lá fóra as cigarras cantam... Falta de coração !
( Senta-se ). e u Ea

SCENA V

Thereza, Alberto e o Professor


O PROFESSOR

Alberto) Al! é o menino! Como está crescido | Assin


de repente pareceu-me S. Ex. o Sr. comendador. (Em
sugando o rosto) Que calor! Á meianoite o thérmometr
marcava 25º à sombra,
cm ;
— Seria espantoso se, d tal hora, marcasse alguma|
aosol. E
EA O PROP.

Estimodusin rebus...
am1., baixo a Alb. :
Já começas !
O PROF.

Pascei hontem ás 10 horas da noite por, aqui...


Ex. estava á janella.
TH.

Hontem!com aquella chuva, professor. ..!?


Prop.
“Pois hontem não foiquarta-feira ?
TH.
Foi,
o pror.
— Honveluar,
E ALE,
Hontem choveu a cantaros. .
O PROP.
Então foi na quarta-feira da semana passada.
(Arranjando os livros na mesa:) O senhor commendad
sempre forte 2
ma.
Felizmente.
Li em O que. leio eleito pi
uma companhia ... não me ado de qq ue.
TH,
Deseguros.
O PROP,
Parece que sim... Eentão ? Agora com essa com

e ur. Ê
Essaestá emcondições magnificas. E
o PROP,
En sempre digo aos meninos que evitem as más com.
panhias. Ha um certo Augusto, que mora aqui ao lado...
* Ah! minha senhora, foi men alumno, .. é nm rochedo !
Nunca passondo substantivo, e para formar o plural... que
— Incta ! Ru dizia-lhe ;o plural fórma-se accrescentando-se
“ums... exemplo... Nada! embuchava, Uma rocha,
tinha senhora, É verdade que 9 pae-tambemé Rocha,
É AL
Não, professor, é Pimenta,
O PROP,
Como Pimenta? Ah! sim... tem razão=6 Piment
Rochaé outio, é o meu senhorio, Tambem duro, muito |
duro !(Zroca08 veulos bricos por outros escuros).
otulos. Estou livre do Camões, masnão

pror,

“Bem, Vamostrabalhar.
a ALE.

Vou buscar osmens livros, (Entra é direita).


ps.

SCENA VI

Thereza e o Professor
TH,
Então, professor, acha que os meninos estão prep;
Yadospara 05 exames?
PROP.

ão fazendo uma versão de Macantay 01 de Walte)


tt, estão traduzindo Chateaubriand. O mais velho é

ii! Como não vejo ben, engana-me, diverte-se à m


la custa, Pergunto, por exemplo: Como 6 cavallo.
m inglez ? Elle, muito prompio: — Cheval! Batata?
ção. Agora trago oculos mais fortes e emquantidade.
Tenho-os para todasas linguas é selencias, (Tira dobolso.
uma colleeção de oculos:) Para as mathematicas,.. Veja.
Y. Ex. a espessura destas lentes, E
zm
São; em verdade, muito grossas.
PROP.
E muito finas, puro crystal. Custaram-me 08 olhos
dacara. Com estas não me embaçam.
at.
E Edmundo?
PROP,
O mais moço 2
o TH.
Sim.
PROF,
Uma perola! e intelligentissimo! o mais velho é
umaaguia, ha de ir longe, minhasenhora... mas só quer
brincar. É dos taes que chegam a paes de familia j
gando a cabra cega.
E TH.
Não me seduz esse futuro,
PROP,
Mas é alegre, minha senhora,
portuguez? vãobem?
PROF.
Com o portuguez: não faço muita cerimonia — é a
linguadê casa, não se repara, Para as estrangeiras é que
“volto toda a minha atenção. Em casa a gente anda
"à vontade: a sua roupinha de brim, mesmo com um ou
ontro remendozinho. Para sahir é gre se exigem os me-
lhoresfatos, não é verdade? Um solecismo, de quândo
em quando, em portuguez, até tem graça... E quem os
não commette, minha senhora ?
TH,
Mas eu não penso assim, professor. Entendo que elles.
devem saber profandamente a lingua vernacula, ainda —
com prejuizo das outras, Primeiro em, depois yós.
E PROF,

* Sim, primeiro V. Ex.


ú E TH.

Não, à lingua portugueza.


PROF.

É a opinião de V. Ex. 2
za.
detodos que pensam bem.
TH.
Não, exijo que elle diga Primeiramente —-eljomÀÉ
— dia!» como diziam os seus avós, depois. .
PROF.
Bemse diz que não ha regra sem excepção. Pois em
portuguez élles não estão lá muito fortes, isso não estão...
* mas em francez ! Sabem trechos de Racine, de Corneille,
E Lamartine, de Hugo. ]
E
TH.
E de Camões ?
PROP.
Camões 2... Camões é nosso, Agora é que elles co-
egaram com os Lusiadas. Mas ha tempo.

SCENA VII
Osmesmos, Edmundo, depois Lucinda

EDM,
( Butrando peluesquerda como livros: )
Bom dia, professor,
1. Este Dontro? (aBirmando à vista:) Ah n
SO. O ontro estava aqui, ha poços

sa. E
oi buscar os livros, 2
PROP,

É capaz de deixar-se ficar por lá. (Thereza fas soar


impano). Só mesmo chamando-o. (Lucinda aparece à

ta,
“Die à Alverto que são horas da lição. —
LUCINDA

Sim, senhora. (Entra).


PROP, sentando-se à mesa:

“Verbos da 1: conjugação.
PROP.
Muito bem, Porque ?
EDM,
Porque terminam em — ar.
Th.

Mesmo queimar, por exemplo, professor ?

|
PROF,
Sim, senhora — é da primeira conjugação.

à: TH.

Bem sei ; mas é fresco ?


: PROF.
Tem ar no fim.
a
Sim, quando se sopra a queimadura.

PROF. ;
Este processo mnemonico é exclusivamente meu .

zm.
E tem algum outro para as demais conjugações ?
PROP,
Eston descobrindo, minha senhora.

da
— SCENA VIII

x mesmos, menos Lucindas é Alberto


ALBERTO
“Entra casmurro e senta-se eruzando as pernas :
Presente!
PROF,
Bom dia... (Pitando-o, parte): É 0 outro...
( Continuando : ) Creio que, para hoje, temos um exerci-
cio de composição, não é verdade ?( Consultando um ca-
ahenho : ) Cá está nas minhas notas. ( Lendo : ) «Para os
filhos do commendador Barbosa, exercicios de composição:
“eum kilo de café»... (Riso dos meninos. Emendando : +
Não, 0 café é para mim. ( Fechando o canhenho : JO as-
Sumpto 2 a H
ro gba.
Ávontade. é
PROF.
Á vontade, .. Muito bem.E fizeram?
OSDOIS, ao mesmo tempo :
Sim, senhor.
PROF.
Muito bem.
1m., baixo, a Alberto :
Senta-te direito.
— Semexercício. e
atm
Leitura natural?
PROF.
Naturalmente.
ALR,
É que, às vezes, o senhor exige que leiamos com
“empliase.
PROP,
Sim, tem razão, Mas hoje quero uma leituratran-
quilla,
ALBugendosuavemente :
“Madrugada,
EDM. ausprehendido :
Madrugada !
: a. ;
De quete espantas ? O professordisse que evitasse-
s a obsenridade ; mais claro do que a madrugada...
“56 0 meiodin. é
BDM.
5 que eutambem... -
e PROP,
Sol Tucet omnibus.
ALB, com superioridude +
Quemsabe se Dens faz as madrugadas para que na
ão as goze e descreva ?
TH.

ALB.
Levantei-me às cinco horas, mamãe pôde dar teste-
unhodo que digo, e sahi ao jardim para surprehender
— a primeira luz. O que vi, mal ou bem, aquiestá.
0 Duronte a leitura Edmundo não se contém, accusando,
porgestos desensofiridos, a su indignação. O professor
acena-lhe para que se acalme; Thereza obri .
tar-se, contém-no. Alberto não se pertuba e, à medida que
Tê, accende-se-lho o entlusiasmo : )
«Esmaecida côr aclara o céu tranquillo. A barra do
horizonte córa, tinge-se de pnrpura — uma faixa de
«onto risca-a vesplandecendo. Os ninhos despertam e à
passarada foge alegre, chilteando pelo livre espaço. As:
arvores rebrilham, humidas de orvalho, gottas rútilas |
tremem nasfolhas tenras, e as aguas ligeiras fazem uma
Surdina...
EDM., sempader conter-se ;
Masisto é meu !

Silencio !

Elle furtou.

Isto não se diz,


THENTRO INFANTIT,
O vérto firtãrbobo pontaat dacivilidade,
é irregular, irregularissimo! Não se diz, não se em
— prega, não se conjuga.
EDM.

Ainda que seja a expressão da verdade ?


PROP., categórico :
Ainda e sempre!
ALB.; muito calmo :
Posso continuar?
É TH.
Podes,
ALB. continuando :
- fazem uma surdina ...
PROF.
Está excellente,
ALB.
. fazem uma surdinaagradavel. O gado muge nos
“campos; um sino sõa ao longe; o lavrador apparece à
“portada cabana e, feliz, olhandoo sol que nasce, levanta *
"Tenho concluido. ( Senta-se )
PROP.
Magnifico ! Magnifico! Agora o senhor Edmundo,
á se” que escolheu o mesmo assumpto, mas não ha as-
sumptos que não tenham sido tratados pelos poetas...
Nibinovisab sole. e ha sempre novidaes. O tr

mesma cousa...Se extafirmo que Alberto. co-


nem leio (Deixa o trabalho sobre a mesa, Thereza,

: aus.
Eu copiei?!
EDM.
Copiaste, sim.
TH.
Mascomofoi isso 2
EDM,
Foi aqui mesmo, Eu tinha acabado de estudar quando
Alberto entrou perguntando seenhavia feito a composição.
Disse-lhe que sim e elle, que tem labia, poz-se a elogiar-
me:> que eu devia ter escripto uma linda pagina, que en
tenho muito talento, que faço versos admiraveis. .e...
PROF.

...O queijo cahiu-lhe do bico.


DM,
O queijo 2! que queijo 2
PROF.

Sim, como na fabula do corvo e da raposa.


Depois de muito falar, de|o
balho para mostral-o ao Augusto. Eu, deDoa fe, entres
meie elle...
SALE,
É mentira!
ru, reprehensiva :
Alberto!
PROF,
Então ha uma fraude...
EM.
Sim, senhor, e a victima sou eu.
aLB., arremettendo :
Prove! Ellediz que eu fui mostrar o trabalho ao
— Augusto. Pois mandem chamar o Augusto e elle que diga
se já ne viu hoje.
EDM.
“Tambem eu ereio. Não estiveste com elle, estiveste
“copiando o que eu fiz.
aLs.
Escrevi o meu trabalho de manhã, deixei-o na pasta
| e fui para o jardim, O senhor meu irmão não se arredou
“da sala... O que lá fez não sei,
EDM:
Queres, talvez, dizer queestive copiando a tua in-
spiração?

de io irne
Pois não. (Desdobra “o papel é é tranquillament 2a
«Esmaecidacôr... Ê
TH, fingindo lêr no livro, mesmo tom .-
«««Belara 0 céu tranquilo. (Movimento de Alberto.
Os dois meninos entreolham-se pasmados, O professorsub:
Btitue os Oculos, -atarantado.) Vamos, continia.
ALB,
« A barra do horizonte córa,
3 TH.
« ««.tinge-se de purpura,
PROF.
E extraordinario !
= ALB., Com-voz tremula >
«uma faixa de ouro...
aLB., já desorientado ;
« Os ninhos despertam... .

TH,
«ea passarada foge alegre chilreando pelo livre
o » Vamos !
ALB., com voz sumida
« As arvores rebrilham. .,

2H.
-humidas de orvalho
PROF.
Prodigiosa memoria tem V. Ex. !

TH.
Vamos adeante.
ALB., amiado +
Não leio mais,
Ta.
Nem é pao: Ambos merecem Furna Castigo,

exvilmente copiado de Alexandre Hérenlaho:


PROP, * à
Como ! Uma mystificação. .. (Troca 03 oexlos). Oh!
ALB.
Enlogo vi. (A Bâm.) Eu não disse que te havia de.
pôracalva á mostra ?
EDM.
De Alexandre Herculano... Mas não é possivel!
PROF.

Como não é possivel se está ali no livro ?


EDM.
Eu affirmo...
ALB,
Eu fiz de proposito, Pensavas que me havias de en-
ganar. Serei tudo que quizeres, menostolo. (Com arro-
gancia :) Foi mesmo copiado de Alexandre Herculano...
Eu vi quando elle copiou, tomei o numero da paginae
resolvi confundil-o.., com uma pilheria.
TH,
Tu?
ALB.
Sim, senhora, eu! Aqui nesta casa só ha uma 4
soa que trabalha, é o senhor Edmundo. É limpo, o tal
trabalho. Assim eu sou capaz de compôr poemas.
TH. de pé, severa :

Basta | (A Edmundo: Então tu não copiaste ?


ED,
Juro,mamãe, ..
TH.

Não jures. Basta que me digas : sim ou não.


EDM,, com altivez :
Não!
ALB,
E nega!
TH., « Alberto ;
Etu?
att, desembaraçadamente ;
Eu copiei...
ma
De Alexandre Herculano ?

aLB,
Está visto,
1 “Edmundo. uto dos meninos—ulegre, de Edmundo ;
indignação, do Alberto.) Puz empratica um estrata-
ma é resultado foi além do que eu esperava. Aqui
riginal do Edmundo de que me servi pará a lei-
obra de Alexandre Herculano que está em mi-,
mãos 6, . 0 almanachd'este amo. (A Alberto:
E. agora ? tens alguma consa a dizer. contra teu irmão ?

PRor., ú parte:
Tem sangue de Salomão nas veias esta senhora,

ALR., vezado :
Euestava brincando, .

Brincando ? Fizeste um brinquedo complicado com a


- preguiça, à adulação, à mentira e ainda a cahumnia. Umsó
de taes elementos basta para marear uma vida. 'Tu os em-
pregaste d'uma vez e a tua obra deve ficar como uma ver"
gonha exemplar, Lembra-te d'ella e corrige-te. E por que
tevês humilhado? porque ésrude? não; porque ésdoente?
não ; porque não dispões de tempo para o estndo? não
— simplesmente porque és preguiçoso.
ALB., alirando-se-lhe nos braços :
Mamãe... euprometto...
E brio, meu irmão; verás! feia aii
“ acompanha-o.)
PROF., trocando os oculos, depois de um Ra
silencio
- Quanto ao amiguinho, previna-se; onçaas Dellas
hrases, mas sem largar o queijo do bico. Corvos andam

PANXO
À Borboleta Negra
CosepiA EM 1 ACTO
ACTOUNICO.

Sata elegante.” Portas Interaes.


4
ECENA PRIMEIRA

Leonor e Maria

MARIA, com um espanador:


Muito grande ?
LEONOR

Enorme !... E toda negra. Parecia de vellndo. Eu |


estava à janella, apreciando o luar, quando ella entrou, |
ponsando no quadro das parasitas. .
MARIA, preoceupada *
E foi á noite...
LEONOR
Sim, à noite,
MARIA
Ainda peior. Essas coisas, à noite, são mais peso
“sas, Borboleta negra... é
LEONOR
Talvez seja um aviso, Maria.
E MARIA.
talvez seja. 4
LEONOR
Eu tenho tanto medo de morrer... (Chora), —
MARIA
Nãochore, menina. En youfazer wma sympathia;
“verá que nada acontece.
LEOXOR
Ah! Maria... (Cominteresse :) E que 6?

MARIA
É umacoisa... Deixe por minha conta.
LEONOR
E tu tens visto casos ?
MARIA
Se tenho visto. ! Quantos ! minha Nossa Senhora...
mem têm conta. (Mysteriosa :) Olhe, certa vez, lá em .
casa, estavamosfazendo serão na sala de jantar quando, |
porvolta dasoito e meia, entrou wma borboleta negra,
exactamente igual à que lheappaieceu, é poz-se a voar
ponsando no tecto, nos moveis, com as grandes azas espar-
“ximadas. Minha mãe, que Deus tenha,logo a esconjurou
com uma oração muito forte, tão forte, menina, que, ás
vezes, à gente não tinha ainda chegado à metade é já 01
milagre estavafeito. Foi uma halburdia, ninguem mais,
pensou em costura, pozemo-nos todas a enxotar O agouro.
aa LEONOR
“Equeaconteceu ?
é MARIA
— Nada, por causa da oração de mamãe. Outra vez foi
im vidro de sal que se derramon na mesa. Ah! menina.
*fiquei sempingade sangue é tratei logo de fazer uma
promessa à Santo Antonio. Pois, apezar disso, um
ano depois mew irmão mais velho rolon a escada e que-
brou um braço. Se eu não tivesse feito a promessa, nem
sei que teria acontecido ao rapaz. Não, com essas coisas |
não quero brincadeira. Dens me livre! ( Persigna-so.)
Trago sempre commigo os meus breves, uma figa de aze-
viche, duas de guiné, trés de chifre, umade coral e te-
nho á cabeceira de minha cama uma deste tamanho ! E
esta... (mostra una figa à cinta ). E ainda umdente de
Vezonro. A menina deve tambem possuir a sua figuinha,
uma pelo menos. Não brinque com essas coisas.
LEONOR
E se eu morro, Maria... !
MARIA
Não, não morre. Conte commigo ( Com importancia:
Então eu não sou sua amiga ? Eu, mal acabe o serviço,
metto-me no quarto é rezo.
LEONOR :
Então vae já. Eu faço a limpeza porti.
THEATRO INFANTIL 4
MARIA
= A menina ? Re
LEONOR
Sim. Que tem ?
MARIA
É que a patrôa póde zangar-se.
LEONOR
Não, eu digo que eu mesma quiz, para fazer um pon-
co de exercicio. ( Outro tom : ) E tu sabes onde ha figas ?
MARIA
Sei.
LEONOR
Quaes são as melhores ?
MARIA
Isso é conforme, Para quebranto, as de guiné ou dé
| azeviche. Para fortuna, as de coral. Para... eu sei,
“A menina deve usar uma de azeviche.
LEONOR

Tu és capaz de comprar-me ?
MARIA
Sou.
Ê “LEONOR
Como és bôa, Maria.
MARIA
Al! eu quando estimo, estimo.
e a LEONOR
É :
E; Dácá espanador, . .e vae fazer a oração,
MARIA
Então até já. E não tenha medo: em eu rezando.
não ha mal que vença. Não sesembra d'aquelle copeiro |
que esteve aqui? o Feliciano? Eu tinha-lhe um odio!
Tanto rezei, tanto rezei que o patrão pol-o na rua.
LEONOR
- Porque lhe furtava os charutos,
MARIA
Historia! menina, quem furtava os charutos era eu,
LEONOR
Hof? =
MARIA
Sim, senhora,
Lroxor
E fumas?
MARIA
Deraiva. Naquele tempo fumava.
LEONOR
“E não ficavas tonta..?
MARIA
Mas parece que não foram as orações, Mai
MARIA
Os charutos.,.Ora ! se eu não tivesse rezado,0 pa-
tão nem teria dado pela falta. A menina ha de ver.
LEONOR
Então vae. Não descanço emquanto não fóres rezar.
MARIA
Pois vou.
LEONOR
Vaee. ..olha...Podes ficar com a mantilha de renda.
MARIA
E a menina ?
é LEONOR
Tenho outra.
MARIA
Dens lhe acerescente, (Entra à direita).

SCENA II

“Leonor e Mathitde
Leonor põe-se a espanay machinalmente
pensativa, >
diaria,entrandopela esq.dê
Onvque isto? Denctoafebredoaseio ?
Distraio-me.
z MATHILDE
Bôa distracção, não ha duvida. (Vendo-a chorar)
— Que tens?
LEONOR
Tenho tanto medo de morrer, mamãe!
: MATHILDE,
Morrer... Mas estás sentindo algumacoisa ?
LEONOR .
q Unaborboleta negra entron no meu quarto, pousou
no quadro das parasitas,
MATIILDE
Que tem isso 2
q LEONOR
É um aviso,
J MATHILDE
Aviso de que ? Ora, minhafilha... Quem te metem|

* meucortinadoe não me preoseupo. A nossa casa está en.


tre as arvores onde vivem os animaezinhos de Deus que a
luz aitrae. Que mal ha em que nosvisitem?
LEONOR
E a coruja? ônço-a todas as noites.
MATHILDE
Tambem eu.
LEONOR
E mamãe não tem medo ?
MATHILDE
Medo,de que?
LEONOR
Da morte ?
MATHILDE

Estás louca. A coruja canta como cantam os sabiás


“eos gatnramos. O canto é o instincto das aves. Cada
“qual manifesta a sua ventura de viver de um modo espe-
“cial — esta gorgeiando, como a patativa; aquella ge-
“mendo, como a rôla. A coruja tem o arrolado triste, mas
não espalha angurios — não é uma sibylla, é um animal
inoffensivo que vive cumprindo o sen destino. O que, prin-
cipalmente, torna.v seu canto funebre é a noite com o
ysterio que a nossa imaginação por ella espalha, Os
“gregos fizeram da coruja a companheira pensativa de
-Minerva, symbolo da meditação ao lado da Sabedoria ; nós
* rebaixamol-a à condição de agonreira da Morte, Abusões, —
LEONOR
MATHILDE.
Sim. No espirito do ignorante é natural que exis-
* acaso, uma fada ? um monstro alado 2
» y LEONOR
Não.
MATHILDE
Todavia as historias estão cheias d'elles e ha quem
afirme tel-os visto. O Peilro, que foi pagem de papae,
dizia haver encontrado a mãe d'agua, á beira do rio, peu-
teando os cabellos com um pente deprata. Destemidoat
à temeridade, por preço algum,seria capaz de passar,
noite, pelo ponto em que vira a tal uyara. Era um rude,
umespirito simples, eivado de Fupereigões, Mas tu.
Que provas tens?
LEONOR
Eu? inumeras!
MATHILDE
Cita-me uma.
LEONOR
Assim de repente não me lembro. Converse com
— Maria, Má
MATHILDE
Ah! Maria... Enjá desconfiava. Ella é que anda.
a enchera tua cabecinha ingenta de crendices. A est
* Virtude funesta e procuras tirar augurios dos mais insi-
gnificantes incidentes — umagottade azeite que alastra,
um pouco de sal espalhado, ouivo de um cão, o estalidar
«Pum movel. Pensasque as forças da natureza não têm,
mais que fazer para que assim andema sussurrar pre-
“muncios, a dar signaes de desgraça? Tolices,
LEONOR
Mamãe contenta-se com dizer— tolices, mas não me
convence do contrario.
MATHILDE
Maria! Não sei onde aprendeu ella tanta coisa:

os insectos, demonstra, por absurdo, a existencia dos


demonios, sabe onde ha bruxas, conhece as ervas que
encantam. É uma creatura admiravel, sobrenatural,
= capaz de tudo, menos de varrer a casa e de limpar os
moveis sem muitas recommendações.
“LEONOR
Tudo quanto ella diz é a verdade—mais dia, menos
dia, acontece.
MATHILDE,
Eque disse ella sobre a borboleta negra?
MATHILDE
“Todos, não ; eu ignoro.
LEONOR
Que annuncia desgraça,

MATHILDE
An! D'esta veza prophecia vae realisar-se. Manda-a
cá, Quero onvil-a, Tenho interesse em conhecer todo «
* proguostico mysterioso.

Leonor entra à direita. Mathilde senta-se á mesa o


põe-se a escrever, Depois a'uma pausa,

SCENA IL
Mathilde e Maria

MARIA, entrando pela direitas


A patrõaChama-me? *
MATILDE, severa
Sim. Em primeiro lugar para dizer-te que lês de-.
atrõa! Nunca entrei em um collegio.
MATHILDE |
Nunca pegaste em uma carta?
a MARIA
Eu? não, senhora.
MATHILDE
Alh'!nãolês o que está ao alcance dos teusolhos, o que
“todos vêem, não comprehendes como é que nm. grupo” de
tras fórma uma palavra e queres ler no invisivel, pe-
etrar os segredos de Deus, chegar ao fundo do Destino?
MARIA
* Eu nãoentendo o que a patrôa diz.
MATHILDE
Não entendes ?
MARIA *
Não, senhora.
MATHILDE
Quesignificaé! uma borboleta negra
negra ?
MARIA
Borboleta negra ? borboleta negra é desgraça.

MATHILDE
E gafanhoto ?
lo escuro—desgostos. Beija-lsrrórde, cartafeliz; par
“fo, más noticias, Grillo em casa, doença ; no jardim, pro-
xima chegada de úm parente. Andorinha em volta d:

MATHILDE

MARIA
Eu sei porque é que a patrõa pergunta...
5 MATHILDE.
Sabes ? E
MARTA

Mas não se incommode, patrôa — eu já comecei rezar.


MATHILDE
Já começaste a rezar ?
MARIA
Já, sim, senhora. -
MATHILDE
Ea borboleta 2
MARIA
A borboletafoi-se embora.
MATHILDE
E tu yaes acompanhal:a.
MARIA
Eu?! como?
MARIA
A patrôa despede-me ? Que fiz eu ?
MATHILDE
Não sabes?
MARIA:
Não, senhora.
MATHILDE
Pois en vou dizer-te. ( Culma: ) Ouve cá; Se, emvez
de Fárróres asala, levandoo lixo para o deposito, o fosses
acenmnlando debaixo dos moveis, ão fim de certo tempo
“que aconteceria ? poi mais cuidado que tivessemos em es-
E “condel.-o, transbordaria e, á mais leve aragem, a poeira.
e os mais detritos sairiam espalhando-se pela casa.
MARIA
Mas eu nunca fiz isso,
MATHILDE
Fizeste coisaGr
MARTA
Eu? A patrôa póde ver e, se encontraralguma coisa
“debaixo dos moveis, corte-me a cabeça.
MATHILDE
Não digo que aja debaixo dos moyeis, mas o espi-
minhafilha está ficando entulhado.
MARIA
tv 2No espirito. .. se eu nunca vi o espiri-
o da menina. Que foi que eu nelle puz. 2
MATHILDE
Borboletas negras, gafanhotos, punhados de sal,|
«cacos de espelho, folhas de fortuna, figas, bnzios, besou-
xos, hervas seceas... que sei ! Quem lançou todas essas Ê
Íntilidades na alma de Leonor ? Pu.
MARIA
Eu?!
MATHILDE
Sim, tu! Leonor era uma menina alegre, sempre dis-
posta a rir, escolhendo navida o lado Tuminoso —tu em-
purraste-a para a sombra e despejaste-lhe nalma todo o |
lixo que trazias.
MARIA
Que lixo, patrôa ?
MATHILDE
As tuas superstições, as tras crendices ridienlas. Eu
quero limpar, arejar o espirito de minha filha e não me
— lia de ser facil conseguir o que desejo se continuares ao.
lado della. l
MARIA
Não comprehendo o que diz a patrôa. Aqui ha “
feita.
Ejuero bruxas em casa.
MARIA
“Bruxa! eu..!? ( Chorosa:) É sempre assim —quem
mais faz, menos merece. Eu a querera felicidade da me-

tola sou em...


MATHILDE
Não te desminto.
MARIA
fatola son eu que não me emendo. Já o senhor
Dr. Mamede me despediu por causa de uma aranha, agora
a patrôa manda-me embora...
MATHILDE
Porcausa de uma borboleta negra — osinsectosper-
seguem-te,
MARIA

Pois a patrõa queria que eu deixasse acontecer a


esgraça?
MATHILDE
Que desgraça, Maria?
Maria
A que estava no ar...
MATHILDE A
Havia, então, uma desgraça no ar? em balão, |
talvez...
MATLDE
No artens tu a cabeça .
MARIA
Eu podia falar... mas a patrôa acha que sou bruxa.
anmLDE
Podias falar ? pois fala.
MARIA,chorando :*
Não, senhora. (Entra á direita)

SCENA IV

MATHILDE, 86:
Pobre rapariga! A culpa, afinal, é dos que a educa-
ram. Entre nós é com o terror que procuram corrigir a
treança—em vez de lhe mostrarem o mal, assustam-na
com o mysterio, ameaçam-na com o imaginário e, en |
chendo sombriamente o espirito infantil de extravagan-
eias, dispoem-no para todas as idéas falsas, tornam-no-
— pusillanime euserros e prejuizos que cabem na ignorancia,
adubada pela mentira, multiplicam-se em superstições.
Por mim a pobre rapariga continuava no seu posto—o
seu vicio não me intimida, estou bem forrada contra |
elle; infelizmente, porém, o espirito de Leonorainda nã E
E ore, depois o grilo, depois éoem
Hvitemos à tempo maior mal.

SCENAV
Mathilde e Leonor

LEONOR
«Entra a correr, profundamente abatida, e deixa-se cahir em
umacadeira estendendo à Mathitde umpapel. Voz surda:
Leia, mamãe. Eu não tenho coragem.
MATHILDE
Que é?
LEONOR
Um telégramma.
MATHILDE
Recebeste-o agora?
LEONOR
Neste momento.
MATHILDE
De onde vem?
LEONOR
Das Laranjeiras... (Voz tragiea:) A borboleta...
MATHILDE
que o tronxe?
LEONOR
MATHILDE
Sa Estão agora empregadas nos telegraphos, as borho-
letas? Não sabia.
* Leonor
Não ria, mamãe, Eu contava com isto,
MATHILDE.
Com o telegramma ?
LEONOR
É o
Ou com outra coisa... com uma desgraça qualquer,
Maria estava rezando, mamãe chamou-a... ahi tem 0 re-.
sultado.
MATHILDE ã
Realmente a desgraça não poília ser mais ligeira—
para não perder tempo veim pelo telegrapho. (Leonor.
chora:) Mas não te afílijas, se ainda não leste otele:
gramma, nem sabes de quem é.
' LEONOR
Té de Engénia,
MATHILDE
Que Eugenia?
LEONOR
Engenia de Lima, que móra nas Laranjeiras,
TMEATRO INFANTIL
MATHILDE
Algama colega? (Signal afirmativo de Leo; o
“estava doente ? -
LEONOR
Nãosei... Morreu com certeza.
MATIILDE
Entãoo telegramma não vem das Laranjeiras, filha,
vem do outro mundo.
LEONOR
Oh! mamãe...
MATHILDE
Vamos ver. Calma. (Abre o telegrama e té sorrindo.)
— Realmente à bonboleta.*.
LEONOR,Sobresaltada :
Morreu!
MATHILDE, lendo tranquilamente :
«Leonor, Espero-te amanhã sem falta, baptisado
Mimi. Eugenia —
LEONOR, surprehendida :
Ah!
MATHILDE
Parece que a noticia não obriga a lucto ?
LEONOR
É o baptisado da boneca. Eu son a madrinha, (Respi-
ranto :) Que allivio !
E MATHILDE
Já vês que foste injusta com a borboleta.
x LEONOR
Al! mas quemsabe lá o que pódeainda acontecer,
MATHILDE
Sim, póde ainda acontecer muita coisa. Podes, por.
“exemplo, achar que 0 vestido que à costureira mandou
não vae bem com o ten chapéo novo... E
LxoxoR
Veiu o vestido ?
MATHILDE
Ha ponco. É
LEONOR
E mamãe tão calada.
MATHILDE

conjuros de Maria.
LEONOR
É porque mamãe não viu a borboleta.
MATRILDE

nado; nem por isso tenho pesadelos e não invejo a ven-


turado mais yenturoso porque meconsideroperfeitamente
feliz. E tu tambem o és: tens um pae que te estremece e
LEONOR, timidamente :
Maria... é
MATHILDE
Maria é uma pobre rapariga da roça, minha filha ;

E
E is alo coleta dE orhletado erradu “ndara
nhotos? Acreditas que,Eaeanmuncio os sens designios de
à fiebrâniio espelhos, o dt na seentnra sligplovis pode-
resextraordinarios para conjuraras suas intenções 2 Não
vês que isso tudo é contra. o senso commum e contra os
“mesmosprincipios da tua crença ? Falaste em borboleta
“negra e não tiveste, desde queestás em ferias, umdia

não dês ouvidos a palavras tolas, Maria é uma pobre de”


espirito—vive na treva da ignorancia em que a deixa-
vam e é da treva que a infeliz tira todasas fantasias Ingu-
bres com que ia pervertendo e assombrando o teu espi-
xito. Borboletas, sejam ellas quaes forem, tenhama côr
que tiverem, são todas inoffensivas — vivem buscando a.
5
SCENA VI
As mesmas e Maria.
MARIA, com uma trouxa, solugando :

“muito que lhe quero que me mandam embora.


LEONOR
Quem te mandou embora?

mim, De mais à mais a minha figa achou; deixei-a ao


sol. Tudo me acontece. Emfim, cumpra-se a vontade de
Dens. :
= LEONOR.
Mamãe vae mandal-a embora?
MATHILDE,
LEONOR
Porque?
MATHILDE
Yicompanhia que te não convem,Não são só as moles-
tias do corpo que pegam, as do espirito são tambem con-

LEONOR

É só por cansadas abusões ?


MATHILDE
Esse ponco...
LEONOR

Descance, já agora não me deixo impressionar por

MATHILDE
Tu?
LEONOR
Mamãedisse-me, la pouco, que é por ignorancia que
ella faz taes coisas,
MATHILDE
Sim,é
LEONOR
Pois a ignorancia é um malque se corrige facilmente, |
E aqui eston eu para corrigil-o : vou ensinar-lhe a ler.
“MATHILDE

É como se dissesses : Von illuminar-lhe à alma.


psi “LEONOR
o
a? “Deixe-a ficar, mamãe. Maria é uma excellente ra-

E MATHILDE
Se promettes cumprir o que disseste...
LEONOR
Prometto. Ella trouxe-me a treva, eu respondo-lhe —
com a Inz.
MATHILDE
Muito bem. Agora à sibylla. Maria !
“MARIA, limpando os olhos;
Senhora !
MATHILDE g
Leonor pede-me que te conserye e eu não quero dar-
lhe um desgosto para que ella não o attribua à influencia
da borboleta negra.
MARIA
A malvada!
MATHILDE
Se a casa te agrada...
MARIA, deixando cahir a trouxa É
“Se me agrada !. . Masonde encontrarei eu o trata- ú
mento, o carinho que tenho aqui ? Ê
MATHILDE g
Pois bem, podes ficar comnosco todo o tempo que
a proposito de tudo,
E MARIA
Prometto, patrôa. En mesma já vivo muito abor
“cida com essas coisas, “Tudo sahe às avessas, Querà u

Aehei-o no mentravesseiro é como minha mãe sempre


dizia: «Lonva Deus no travesseiro, dinheiro, muito di. —

LEONOR
E então?
= MARIA
Tudo branco, E a borboleta yae para o quarto da
“menina é é sobre mim que a casa cabe. e
MATHILDE

MARIA, radiante:
* Amenina!?
E e LEONOR
Sim.
MARIA e
Ah! a mariposa brancade ante-hontem...
MAmiLOE, operar
Aro açÕ
E a ultima vez, patrõa... (Baixinho :) A mariposa.
braneg... (De mãos postas :) Ler ! A vontade que en tenho-
de Ter, de andar com os olhos pelos livros. Dizem quea
gente lendo é como se tivesse azas—vae onde quer, vê 0
“quequer... E eu tênho tanta vontade de ver é sou como
uma ceguinha... Ah! menina. Não, a borboleta não era
negra... não polia ser... Ab! menina... Eu vivo deante
de um palacio de ouro e marfim... As portas estão todas
fechadas, lá dentro ha riquezas... que riquezas ! e vema
. menina e diz-me ; «Maria, aqui tens a chave do palacio,
abre as portas e entra». Ler !
MATIILDE
Então, queres ?
MARIA
Se quero? Ó patrõa.,.
MATHILDE
Epromettes nunca mais andar com tolices como as |
que dizias à Leonor ?
MARTA
Eu dizia porque acreditava, mas agora estou con-
“xencidadeqne tudoisto é mma historia. Borboletas, gafa-
“ nhotos, corujas... (Depois do uma pausa :) Ler! (De re
— pento:) Mas à meninaviu bem...?
LEONOR
e E Ea
— As. Não... não... Juro, patrôa, quenuncam a
— em borboletas (Baixinho :) Ler... Aprendera ler... N
não possivel quefosse uma borboleta negra... Era azul
«<om certeza, cor do céu...
E MATHILDE
Então, Maria ?
MARIA, dum cataso ;
Côr do céu...
LEONOR, rindo ;

MATHILDE
Pobre rapariga ! Decididamente era uma crueldade
fazel-a voltar á escuridão,
Manoel

— Trajo de operario : blusa, boné, Entra vagarosamente com


uma carta na mão,

De quem será? De minha mãe, talvez.


£) mestre entregon-m'a dizendo apenas: «É tua,» ,
Aqui deve estar o meu nome. Quem o terá escri- |
* pto? Estas letras dizem: Manoel Vicente... e as outras ?
as que estão dentro ? (Fica um momento pensativo.)
Se eu soubesse ler ! Nem posso receber a benção de
minha mãe : tenho-a aqui na mão é nunca a descobrirei.
— (Rasgi o envolucro e põe-se a olhar a carta comtristeza :)
— Quanta coisa deve haver aqui! Todas as linhas estão.
* cheias, as letras apertam-se como as aryores na matta.
— Quanta noticia! E en ando com os olhos como dois cegos
perdidos sentindo a multidão, sem poder vel-a e saber o
quefaz, (Depois de umapausa :) 2a
Doença? Ah! men Deus... estará doente minha mãel?
— (ita agudumentoos olhos na carta) Ha, talvez, nestas
palavras, um chamado afílicto para que eu vá immediata-
BH.
mente receber o derradeiro Deijo é a derradeira ben-
ção. Oh! minha mãe...
Mas não é possivel ! meu coração teria adivinhado..
“Tenhotido sonhostãolindos e sempre com ella... (Calmo :)
Não, devemser recados, conselhos. (Olhando em torno).
Se apparecesse alguem... Mas eu tenho tanta vergonha
de confessar que nãosei ler, é tanto quasi comodizerque
não tenho alma, como os brutos.
E ha um collegio na minha terra, Minha mãe quiz
que eu aprendesse, levou-me ao mestre, um velho de
grandes barbasbrancas. Fui, uma vez, á aula, mascerto
menino, filho de uma viuva que vivia a matar-se por elle,
seduziu me dizendo que descobrira na matta uma jaboti-
cabeira carregada. Fomos, depois, com medo do cas-
tigo, nunca mais tornamos ao collegio.
Sahiamos todos osdias, mas, emvez de irmos á aula,
seguiamos para a matta e lá ficavamos até a tarde pro-
curando ninhos, armando arapúcas é... (olhando a carta:)
Que dirão estas letras 2 Se eu fosse rico, dava, sempena,
metade da minha fortuna para decifrar o mysterio Vestas
linhas. (Eesignado, encolhendo os hombros :) Sou um in-
feliz.
E hatanta gente que sabe ler. Quando en vejo pas-
sar um menino para o collegio, sinto os olhos humedece-
rem-se-me de inveja. Ah ! aquelle vae para a felicidade,
vae buscar à chave de todos os segredos e eu continto à
minha vida triste, na prisão estreita da ignorancia,
olhandoa terra e o céu como o que vê o mundo por entre
os varões do carcere.
Agora, por exemplo, aqui estou semsaber se tenho
na mão uma bôa nova ou uma sentença, se ha aqui sor-
risos ou lagrimas.
Soucomooeseravo humilde que depende de um senhor
severo é avaro—tenho de submetter-me ao que sabe e,
para andarnavida, como nem sequer conheço o meuro-
teiro, imploro aos que passam a misericordia de me mos-
trarem o caminho. Quemsabe ler é como o piloto que
conhece as estrellas do céu e por ellas se orienta nos
mares mais desertos... Eu, pobre de mim, nem posso
mover-me de um lugar para ontro sem'soccorro. (Triste :)
Minha mãe... Será d'ella? De quem será? Emfim...
quefazer ?
Se vier algum segredo, outro o saberá. Não posso
viver livremente, ter a minha independencia, hei de sem-
pre andar rendido a ontrem, a quem saiba ler, ao se-
nhor.
Ella me perdoaráo ter eu posto um terceiro entre a
nossa ternura... Sou tão infeliz que nem posse receber
directamente o suave carinho de minha mãe.
Sou como o aleijado que, para gozaro aroma de nma
flôr, tivesse de pedir a alguem que a colhesse no ramo,
Pago para que me interpretem as cartas onde halinhas
cheias de beijos, outras cheias de lagrimas, ontras cheias
de bençãos. O homem lê á pressa porque não sente, por-
inheiro doajuste e em, maistarde, —
olhando| E carta, nem sei pude ficao memo

ferraria, mas é tão avaro... pede tanto...! (Tirandoalgu-


| mas moedas do bolso:) O que me resta é tão ponco, mal |
—E: chega para o jantar... (Encolhendo os hombros:) Jantarei
“amanhã... hoje... que fazer... 2 a carta é de minhamão |
“een não sei ler... (tristemente, sahindo :) não sei ler e O
«ferreiro é cruel...
Rant
“(trajando comicamento umalarga fatiota de homem; oculos,
chapéo panamá, bengalão,)
Aqui onde me yêem,.. son meu avô. Cá estão as cal-
ças, cá está o collete, cá está a sobrecasaca... cá estão
- os oculos,o chapéo, à bengala e. .. a tosse. (Tosse.) Creio
que nadafalta. (Mira-se.) Estou tão parecido com o velho
que, quando mevi ao espelho, pedi a benção a mim mesmo,
Um homem ! Que é o homem, afinal 2 umanimal que
se veste. A definição é, talvez, d'um alfaiate, mas não
deixa de ser verdadeira. Meu avô é um pouco mais velho
do que eu — tem oitenta e quatro amos.
Oitenta é quatro annos ! Linda somma!
Eu quizera poder contar outro tanto, sem q rheuma-.
- tismo, não porque invejea velhice, respeito-a, mas pre-
- firo a mocidade... O que eu invejo na velhice é não irem
os velhos o collegio. ;
Ah! se eu tivesse oitenta é quatro amos, não teria
de estudar os verbos,as fracções, a China, os molluscos
e mais um rol de coisas que tenho para amanhã, Os ye-
lhos... como são felizes ! E
Meu avô, por exemplo : Vão vel-o—está dormindo 4,
sesta. Não faz outra coisa desde que acorda. Quando não
dorme, cochila. Eu prefiro vel-o adormecido, porque assim,
estou livre dos seus conselhos. Em conselhos ninguem
o ganha. Tem para tudo um proloquio, uma sentença, um
proverbio, uma parabola. Não é um homem, é a encarna-
ção da maxima. É por isto, talvez, que se chama Maximo.
Ah! a velhice... Como o tempo consome! Não ha
velho que se lembre de haver sido traquinas—foram todos
meninos exemplares.
Meuavô, segnndoelle conta, foi o typo da pruden-
cia, da aplicação e da bondade. Se subia às arvores, era
paraatirar fructos aos irmãos é aos primos ; se vadeava
ribeiras, preferindo encharcar-se a atravessar as pontes,
era para chegar mais depressa ao collegio ; se quebrava
a cabeça d'algum collega à pedrada, era com a intenção
caridosa de evitar uma apoplexia, dando escoamento ao
sangue ; se punha a louça em cacos e a roupa em tiras, era
para proteger a industria; se, ás vezes, deixava de fazer
os exercicios, era para que os castigos não fossem todos
paraos seus condiscipulos. Um modelo incomparavel de
excellentes virtudes.
Quandoelle se põea falar do seu passado, eu tenho
a impressão de estar ouvindoa leitura do Fios sanctorum.
Que exemplo para as gerações vindonras ! Eu... ai de
rante que nunca houve no mundo diabrete como em.
Ah! tambem hei de ser avô, esta 6 a minha consola-
ção.
-Hei de ter netos, hei de contar o que não fiz e hei
defartar-me de puxar orelhas, (Sorrindo Puxarorelhas
Pobre avô! Isso foi uma vez... ainda assim não houve
puxão d'orelhas, historia ! houve umaflago e, no dia se-
“guinte, am tambor e um velocipede. Porque, seellevoci- —
fera, se ameaça, se levanta a bengala, á noite, pé ante
pé, lá vae ao meu quarto e, julgando-me adormecido, in-
clina-se sobre a minha cama, contemplando-me... Uma
vez senti cahir-me no rosto uma lagrima. Porque choraria
O avô? não sei. Pobrevelhinho!
Se querem velo furioso, gritem commigo. Não
admitte, revolta-se: só elle tem o direito de reprehen-
der-me, de castigar-me, de matar-me ; os ontros que não,
se atrevam a tocar-me com um dedo. (Ao publico :) Já o
viram ? conhecem-no? É um velhinho magro, que anda.
assim (Tmita ) arrastandoos passos, sempre a resmungar,
arrimado a um bengalão de unicornio, com um grande
lenço de... (Voltando-se de repente, attento : ) Hein ? !
(Mo público: ) Não onviram tossir ? é elle, o original de |
que eu sou a copia caricata. Se me apanha, é capaz de:
estourara rir, e quandoelle ri — tambem é só quando,
sahe dó serio — vae tudo raso. (Prestando altenção:) É
(Dirigindo-se à boneca que se acha no sofá, com um livro
ao collo. Severa:) ' %
Não! hoje não vae ao jardim. (Amuada :) Vivo à
sacrificar-me, gastando rios de dinheiro com professoras
e a senhora sempre a vadiar. Não digo que não brinque,
é natural, está na edade; mas ha tempo para tudo,
(Nervosamente :) Que é da sua grammatica? deixou-a:
lá fóra, com certeza. Pois não vae ao jardim emquanto:
nãofizer o seu exercicio, Tê demais! Para correr está
sempre prompta, não cança; para estudar é o que se vê.
É incrivel! Não, minha filha, o dinheiro custa à ganhar.
Não ha roupa que lhe chegue; botinas então... é um
par de quinze em quinze dias, Nem parece uma menina
que vae completar doze annos... é uma cabrita selvagem,
Póde chorar! Póde ficar de trombas. A Finóca tem
oito annos é fala o francez como umaparisiense, é a se-|
nhora nem para dizer «Comment ça ya 2» Porque ? porque
— não estuda. $
Ris? pois sim. Has de chorarmais tarde, (Ao pu-
dlico :) É isto. Os paes sacrificam-se, privam-se de muita
“coisaem benefício dos filhose elles... nem por gratidão |
Ea»ao interesse com um ponco de esforço;

EE pensa o cyestldo Comprido. (Indo1) Vestido coa


—prido... é não sabeanalysar um trecho. (Mira-se:)
E o men? Mamãe diz que ainda é cedo, que eu von
ficar uma bruxa de vestido compride Umabruxa... E
as outras ?
Parego uma cegonha com as pernas a mostra. Com
doze annos uma menina é já uma senhora. (Imitando :)
«Nofim do anno, se fizeres bons exames.»
Ora, os exames... Eu nem posso dar attenção aos
* estudos com este vestido. E até uma vergonha, Não com-
* prehendo economias taes: mais um metro de fazenda...
que custa? (Á boneca :) Estude, menina ! Não se preoc-
cupe commigo. Cuide da sua obrigação. (Continuando :)
"Nãoé porpapae, elle já me teria dado o vestilo—mamãe
é que nãoquer : acha que é cedo. Cedo..:! e ella2 é pouco
” mais alta do queeu e porque não usa o vestido curto ?
| Tivesse en dinheiro é haviam de ver a canda que eu ar-'
rastava. (Aborrecida :) rs
“só grammatica e arithmetica é piano é crochet e
pintura. Querem metter-me na cabeça um mundo de
“coisas e não medão um chapéo... são umas tampas ridi-
“culas, Tenhoaté vergonha de sahir com taes coisas,
- E ao theatro ? porque não me levam? Vivem a dizer
que o theatro é uma escola... pois levem-me á tal escola.
Não! Porque uma menina do meu tamanho deve dormir
* cedo, comoas aves. Egoismo.
Querem agora que eu borde um porta-jornaes. Tra-
balho e maistrabalho...sou a gata borralheira da casa; hei
de fazer tudo. Para isso não sou pequena, mas para O
vestido... São até capazes de mandar-meparaa cozinha.
Vovô entende que uma senhora só tem a educação
completa quando suspende a execução de uma sonata de,
Beethoven para ir temperar 0 caldo. Sou pequena... Sim,
sou pequena porque anto de vestido curto, dêm-me um
comprido é verão como cresço: fico logo uma moça de
dezoito annos. (Sorrindo :) Já experimentei um, de mamãe.
(Entevada :) Que belleza! (Com desprezo :) Isto... isto
nem é trajo. (Á boneca :) A senhora presta attenção a,
mim on ao livro? (Ouve-se umrelogio bater. Fica à es-
cuta. Sobresaltada :) Ah! men Deus... dez horas... e eu
ainda não traduzi a minha fabnla, (Com um momo:) Que
aborrecimento ! Nem posso brincar socezada... D'aqui a
poucoestá ahi a professora com os'sens caracões é 05 seus
oculos. (Tmitando :) «Bh bien ! mademoiselle, est-co que
vistam-me porinteiro... porqueisto... isto é tuna metade” x
de roupa. Não sou uma creança. Morceau... (Procurando E
lembrar-se :) E qual é o morceau de hoje ? (De repente
An! (Senta-se á mesa, abre o livro e põe-se a escrever
LA LAITIÊRE ET LE POT AU LAIT
Perrette, sur sa tête ayant un pot au lait
Bienposé sur um coussinet...
(Voltando-se, de repente, para a boncea:) Que é,
menina ? fome? está com fome ? Pois vamos almoçar.
(Toma a boneca ao collo:) Benza-te Deus! Olha que
“sempre me sahiste uma preguiçosa... E quer vestido com-
prido... (Entra á direita.)
CARAPUÇA

Martha

(Espiando à porta da direita. Depois de algumtempo :)


São as Coutinho... Quantas fitas ! Meu Dens,,. Pa-
rece que vêm enroladas em serpentinas, Estão todas,
as tres graças. Temos novidades frescas—chegaram os:
figurinos. Vieram mostrar os vestidos e os chapéos,..
(Depois de uma pausa, com wm momo :)
Nem por isso... muito espalhafato, gosto nenhum,
Quanto mais se enfeitam, mais feias ficam.
Dolores, cada vez mais bochechuda, parece que anda.
sempre com a cara inchada e depois que obturouos dentes
a ouro ri portudo, a todo o instante.
E Camilla... como está magra ! é só ossos. Luciaé
a mais assim, assim... se não fosse a falta de cabelos...
Tnsupportaveis creaturas! (Deante do espelho, «rranjando-
s9:) Lá está mamãe, coitada ! como sorriso convencional.
da hospitalidade. Eu imagino a furia que lhe referve:
por dentro: E tem razão, deixem lá. à
“ As taes senhoras, sempre que nos visitam, jantam.,
É Ainda se se contentassem com o que acham, mas
"qual! fazem cara a todos os pratos, não querem isto, não
“comem W'aqnillo é sempretrocando olhares, sorrindo, fa-
ando das extravaganciasque fazem apezar da prohibição
“do medico, pretexto para dizerem que comem coisas finas,
* que têm nm cozinheiro francez, que dão ceia lanta ás
recepções dos sabbados. Ridiculas !
Eu imagino as tres graçasdiscutindo com os diplo-
“matas, ellas que são verdadeiras pedras. (Encolhendo os
* hombros:) Mas têm dinheiro, frequentam o grande mundo,
-Sahemno verão... os homens cortejam-nas, as senhoras
* adulam-nas. Sociedade hypocrita e interesseira. (Pre-
Riem... Quem será a victima ? Ah ! têm
“amalingua... Ninguem lhes escapa.
(Outro tom ; à escuta :) Perguntam por mim...
CEspia: )Mamãe levanta-se... Já sei, vemchamar-me, Ah!

= (Comfingida alegria, depois de escutar: ) Já vou,


- mamãe, São as meninas ? Já vou.
(Faz umumgesto de contrariedade, frenetica : ) Im-
“portunas ! Hoje tenho aborrecimento para todo o dia.
Von saber quantos vestidos mandaram á costureira,
quantos chapéos encommendaram, que perfume estão.
usando,a quantospicnics têm ido, que camarote tomar
“ram, que peças estudam. .. (Com ironia ; )
A Camilla cantando a Tosca... é da gente perder à
cabeça... Ea Dolores com as polonaises de Chopin ?
— Ninguem se conhece.
(Deante do espelho : ) E já não são moças... (De-
scendo:) Eu começava a soletrar e ellas já falavam cor-
rectamente o francez e o inglez, tocavam e cantavam
muito bem. Entretanto Dolores ainda não fez vinte an-
nos... (Ri) Vinte annos ! É muita coragem, A Camilla
é capaz de dizerque ainda não nasceu.
(Espia'; ) Pobre mamãe ! Láestá na berlinda (Arran-
jando-se ao espelho:) Bem, resignemo-nos, não ha remedio.
(Suspira :) Não quero que as senhoras Continho saiam
dº aquidizendo que sou vaidosa. Se já não disseram...
Vaúdosa, eu !... Pobre de mim ! Mas ninguem escapa á
maledicencia e as amiguinhas que nos honram são de tal
força que são capazes de descobrir defeitos em um recem-
nascido.
As más linguas... Se lhes cahisse um fo de cabello
toda a vez que ellas dissessem mal de alguem, já estariam -
peladas. Porque,linguinhas afiadas são as que vibram
naquellas boccas tão bem pintadas. (Voz alegre: ) Já
u! (Outro tom: ) Deus que me dê paciencia para atu-
essas fingidas
vam mal commigo, Jantam comnosc,
* desculpas... Comoestás gorda, Camilla,
SEGUNDA SERIE
— ex veRso —
O PRESUMPÇOSO
COMEDIAEM UMACTO —
“Porta é direita, — No centro, umapequena mesa,
| Caros e, depois, Amelia
CARLOS
sselando, com uma folha de papel na mão esquerda
eumlapis na direita).
«Já não passa ninguem pelo caminho ;
O sol desmaia no horizonte calmo ;
Voam as aves procurando o ninho.
Falta-me uma rima em almo,..
É o que me desanima !
Que trabalho ! que fadario !
Falta-me sempre uma rima...
Vejamos 0 diceionario !
(vueà mesa, apanha um Diccionario de Rimas, é começa
4 folheal-o.) ç
Temos almo, psalmo, envalmo,
Palmo... Palmo é rima boa !...
citando)
«O sol desmaia no oecidente calmo. .

Como heide encaixar 0 palmo ?


Não posso mettel-o à tõa...
BAMIRO SPATIL,
«O sol desmaia no oceidentecalmo...
E a noite...e a noite escopalmo a palmo..
5 AMELIA E
(entrando, e ouvindo as ultimas-palavras)
“ Palmo a palmo ? que é lá isso;
Que é que você está medindo?|
CARLOS
Um verso...
AMBLIA j
Grande serviço !
Deve ser um verso infindo,
Deve ser um universo !
Palavra, que nunca vi
Medir a palmos um yerso !
CARLOS

Nãoé isso ! O palmo aqui —


Faz parte do verso...
AMELIA
Ah! bem !
Mas não sei o que é que têm
Os palmos com à poesia !
caRLOS
Estou fazendo um soneto...
AMELIA
Chama-se... ?
CARLOS

«A morte do dia» !
AMELIA,

“E já está prompto ?
f CARLOS
F Ainda não.
Só fiz por oraum quarteto. .
Ouve!
AMELIA
* Son toda attenção !
-
CARLOS (lendo, com emphase):
* Já não passa ninguem pelo caminho ;
O sol desmaia no horizonte caimo;
Voam as aves, procurando o ninho,
Ea noite,..e a noite. .cresce palmo a palmo...”

AMBLIA
Palmo a palmo 2 agora entendo !
(dá uma grande risada)
CARLOS
* (enfiado)
Mas de que é que você ri ?

AMBLIA
(rindo sempre )
e uma peça de chita
Sobre o balcão desdobrada,
E você, abrindo a mão,
A medil-a ... Sim, senhor! |
Teve uma imagem bonita !
* (com ironia ) Mas palmo é medida antiga... -
Édo Passado um espectro,
Cheirando a moto e a bolor ...
Corrija esse verso, e diga :
"Cresce a noite metro a metro !"”
É mais moderno...
( continuando a rir ) Temgraça!
E cakLos
(cungado )
Já vem você com a chalaça !
Nãolhe acho graça nenhuma !
É uma mania infeliz
A da gente que costuma
Andarmettendo o nariz
Emconsas que não entende !
AMBLIA
(abraçandoso )
Nãote zangues ! que tolice!
Foi brincadeira o que eu disse...
Bem sabes quanto te estimo !
indo ouço Angusto, teu primo,
Zombare mofar de ti...
E “Não te zangues ...
— (persuasiva) Mas, aqui,
Entre nós dois, em segredo ;
“Tu tens apenas treze annos ...
Ficam-te mal esses ares
Sabichões e soberanos...
Não achas que é muito cedo
Para fingir de grande homem ?
Esses modossingulares
Só servem p'ra que-te tomem
Por gabola é patarata |
caRLOS
* (Ceomum ar superior )
Cada um sabe de si
E Dens de todos ...
AMELIA
Pedante!
Cousa peior nunea vi ...
Tuasciencia barata
É comoluxo de pobre :
De ridiculo te cobre,
Sem que teu nome levante !
— (Caros dá-lhe as costas, e vae sentar-se ú mesa, escrevendo)
AUGUSTO
Carlos! Amelia ! é a hora!
Vamos á nossa partida!
Temos sombra no jardim. .

AMBLIA
“Vamos !
NAZARETH
Vamos sem demora !

ALFREDO
Vamos, Carlos?
aveusro(dirigindo-se tambem a Carlos)
Yamos ?
caRLOS (sem se voltar)
Não!
Deixem-me com a minha vida,
Que nãoprecisam de mim !
AMELIA (carinhosa)
Vamos, Carlos, meu irmão !
0, dando um soco sobre a mesa)
Não! não ! e não ! que maçada!

AUGUSTO (Ironico)
Deixemos o sabichão !
Não pódejogar a bola
Quem tem como elle a cachola
Deidéas abarrotada.. .
Brincar ? isso é bom p'ra nós,
Pobres diabos sem talento...
Mas uma aguia, um albatroz,
Descer das suas alturas,
Do cume do Pensamento,
Para fazer travessuras... -
“Isso é quenão pódeser!
O Genio não joga a malha,
Não gosta da cabra cega :
Só aos prazeresse entrega
Do Estudar e do Saber...

E em que é que agora trabalha


O nosso doutor ? procura
O arliquido ? à quadratura
Do circulo ? ou rivalisa
Com Santos Dumont, buscando
A direcção dos balões ?
AZARETH (aproximando-sede
o escreve)
Faz versos...
augusto (ferino)
Ah! improvisa
Um poema, desbancando” :
Homero, Dante e Camões!

AMBLIA(intervindo)
Que é isso, Augusto ?
— CARLOS(levantando-se, com um ar importante)
Ê O motejo
Ta arma dos imbecis!
AvGUsTO
Bravo ! bonito lampejo!
Teve uma phrase feliz !
(Gartos encolhe os hombros, é vae até dá porta)
CARLOS (chamando)
José!
(entra José)
Não veio o correio?
Não tronxe nada ?
José
Trouxe jornaes. ..
é Ondeestão ?
Vêse algum é para mim !

AUGUSTO (sempre com ironias


“Que grande correspondencia
i . Espera Vossa Excellencia ?
Carta com a nomeação
De Papa ou de Mandarim ?

CARLOS (condescendente)
Espero a «Revista Nova» .
Enviei-lhe um madrigal
Para o concurso mensal.
E sujeitei-me essa prova
Nacerteza de vencer !
Assim hei de responder
Á zombaria banal
Dosinvejosos...
NAZARET
Augusto,
Apanha, que te dou eu !
E ALFREDO
Fala bem, que é mesmo um gosto !

AvGUSTO (sarcastico)
E com certeza venceu...
Ganhon o premio sem custo !
“Nas lojas...

CARLOS (Eangando-se)
* Eporque não?!
Valho tanto como os mais!
NAZARETI (inclinando-se)
Vale mais... -

ALEREDO (imitando-a)
Sem discussão...
AMBLIA (conciliadora)
Basta ! basta de contendas!
CARLOS (colerico)

Nãoquero que me defendas


Desses remoques brutaes!
Desprezo-os,..

AUGUSTO (cada vez mais impertinente)


Faz bem... Depois
D'essa victoria, só falta
Conseguir gloria mais alta :
Entrar para a Academia !

GRrros (furioso)
Hapor lá uns tres ou dois,
Que não me valem !
ALFREDO
Apoiado !
CARLOS (exasperado) .
Que ousadia !
— (sue, brutalmente, batendo com à porta)

SCENA HI
Oa mesmos, menos Carlos. Depois, José.
AMELIA (4 Augusto)
Você é máu... Que conflicto !
Porque o não deixa tranquilo?

AUGUSTO
É preciso corrigil-o,
E salval-o d'esse vicio !
Elle é um monstro de vaidade, ..
E a vaidade é um precipício...
Onde se viu um rapaz
Viver assim, como um frade,
Sem querer rir, nem brincar,
“o Pepe é a Rei jo Dar a?
Não posso ver a formiga
Por aguia quererpassar...
(Entra José, trazendo a «Revista Nova»)
Dê cá!! vejamos o caso
Dotal concurso ! E
=(sae Jos)
E Cá está !
Mendo) É
É «Os certamens do Parnaso»...
Tiveram premios...
“(é em voz baixa, o depois exelama) :
Não ha
Nenhum Carlos premiado... a
AMELIA (condoída)
Que desilusão ! Coitado !
(Augusto continia a ler q Revista, é de reponto dá uma
— grande risada),
NAZARETH
Que é?

ALFREDO
Que foi?
aveusto
Bella pilheria !
E que castigo tremendo !
O AMELIA -
- Masdize o que é que estás lendo !
“AvGusTO
Desta vez a cousa é seria !
Mas que sóva ! Onçam só isto !
É nasecção do «Correio»

«Sr, Carlos Evaristo.


Em bem má hora nos veio
Seu madrigal-mistiforio :
Que grande destampatorio!
Nem grammatica, nem senso...
“Diz 0 senhor que é criança,
E tem um talento immenso...
Pois bem ! não perca a esperança!
Estude, trabalhe, cresça,
E depois d'isso.. .appareça !>

AMBLIA
Coitado |
AtqusTO
Coitado, não !
Talvez este desengano
Seja a sua salvação...
(reflecte um pouco, é depois) *
Vamos tratar de cural-o ;
(guardando no bolso a « REVISTA »
Guardemos isto porora :
Havemosde aproveital-o,..
Agora escutem. Nós yamos
Usar de meiosextremos ;
Ou doente salyamos,
On só o tempo perdemos,
Vou escrever-lhe umacarta,
Em nome.. .da Academia,

AMELIA
Mas...para que?

AUGUSTO o
Vaes ouvir. E
Havemosde rir à farta SRA
Dasua pedanteria !
Mas não é só pararir
Que o metto n'esta tortura.
Porque o ridiculo é forte ;
Póde ás vezes dar a morte,
Porém quasi sempre cura !

* (vae â mesa, e senta-se ; agrupam-se todos emtorno delle;


= vae escrevendo e lendo em voz alta 0 que escreve)
«AAcademia, querendo
«Honrar-se e ficar completa,
“«Quer vosso genio estupendo
«Galardoar, como deve,
«Com um alto e esplendido premio:
«Quer que entreis para o sen gremio.
«E espera ver-vos em breve
«Vir oceupar a cadeira,
«Que desde já vos pertence!”

AMELIA (rindo)
E você crê que elle pense
Queesta carta é verdadeira ?
AUGUSTO (com contieção)
Se pensa... Prompto !
* (fecha a carta, vae a porta, é chama)
José !
MR)
"Toma nota no que digo ;
— Guarda esta carta comtigo ;
“Tu-nãosabes de quem é...
E, quando Carlosentrar,
Entrega-lh'a ! Estás ouvindo 2
JOSE

Sim, senhor.
Quizer saberde onde veio
Dirás que a trouxe um correio
Agaloado...Onvebem!
Velá! por mais queelle insista,|
Não lhe has de dizer mais nada VE
Enãolhedigas tambem
Que me entregaste a Revista...
“disfarçando)
Enma simples cazoada...
JOSÉ
Sim, senhor.
NAZARETI (que temestado vigiando a porta)
Eil-o que vem! E
“saem todos, menos José)

SCENA IV
Carlos e José, Depois, Cartos só.
CARLOS (entrando sem dar pela presença de Jost)
Foram-se, emfim ! Oh! que gente !
Com tanta amofinação,
Perturbam-me a inspiração,
Põem-me nervoso e doente !
Vasmesde novo ao soneto...
Para o segundo quarteto,
(recitando)
“E anoite.
O J0sÉ (intervompendo-o)
Seu Carlos !
CARLOS
Que é?
JOSÉ
Inda ha pouco
“Trouxeram isto...
* caRLOS (recebendo a carta)
S Dá cá!
(emquanto elle abre acarta, José vao saindo pé ante pé)
— Uma carta. .Que será ?
“(á medida que vae Tendo, vie dando mostras de grande
“agitação ; por fim, tem um grande espanto)
Que é isto? estarei eu lonco ?
Da Academia ! Meu Deus!
| É certo que a Academia
Deseja ter-me entre os seus !
Que victoria ! que alegria! |
E E Que triumpho! .
(vaeàjanelta)
Amelia ! Augusto !
SOENA V
Todos, menos José
AMBLIA
Que é que você tem ? que susto! !

CARLOS(enthusiasmado)
Venham ! onçam ! que ventura!
NAZARETH
Mas que ha de novo 2
CARLOS(agitando a carta no ar)
Hade novo
Que en son, de todo este povo,
A mais feliz creatura !

Eu pertenço à Academia!
TODOS
Á Academia ?!
CARLOS (como um lwuco)
Sim ! sim
queé que eu lhes dizia 2!
AUGUSTO

Mil parabens!
NAZARETH
“Agora, sim ! é quetens
Razão p'ra ser orgulhoso !

E caRLOS
— (aparte, como sonhando)
E Que futuro esplendoroso !

avausTO
(mai contendo o riso )
“E que honra para teu pae ! |
[O NAZARBTH 6 ALFREDO
“Certamente!
CARLOS
Ah! é verdade !
Nem mé lembrava. , estou tonto, . -
Parece-me um sonho, um conto...
A papão... Atéjá
AMELIA
( Carlos sae correndo )

SCENA VI

. Todos, menos Carlos

Es
(rindo)
M NAZARETH
SA
Agora é que vão serellas ! :
ALFREDO
(chegando à janella )
Vae como um doudo, a correr, .

AMELIA (apprehensiva)
E depois?. . .só quero ver
Como é que desemmovellas |
Tão complicado novello...
avGusro (calmo)
Nada mais simples ! vaes vel-o.
Ten pae, onvindo-o, espantado,
Põe-se a rir, acha-lhe chiste.
eiaenthusiasmado,
Mostra a carta é 0 sobrescripto ;
velho perde a paciencia,
: 'a-se, passa-lhe um pito,
“Corrige-lhe a impertinencia,
E manda-o embora, corrido
De vergonha !

AMELIA
O que não sei
É se tudo o que fazemos
Não é trabalho perdido...
“Acreditas que o emendemos 2
AUGUSTO
“O remedio que empreguei
É poderoso e infallivel.. .
Vamos enral-o, verás !

AMELIA
Duvido... mas é possivel !

NAZARET(que está com Alfredo à janella)


Tá vem elle ! vem ligeiro...
ALFREDO
Jesus ! que caraelle traz !
ALFREDO EsEpi
Pisa a grammado canteiro...
NAZARETE
Os braços no ar arremeça.
ALFREDO Ex
Cerra os punhos... ap:
- AUGUSTO
É o effeito
Do remedio que começa!
* (entra Carlos)

SCENA VI
Osmismos e Carlos +
(Caros entra, furioso, Tança um olhar de colera á irmã |
é aos primos, e vae sentar-se a um canto dasala,
calado). é
aveusro (depois de um curto silencio)
Então, teu pae que te disse ?
Beijou-te ? ficou contente ?
antando-se indignado)
que é tudotolice !
ue eu sou um impertinente,
Que a carta é falsa !

É mentira!
É caçoada!... é malyadez 1...
(outraves sangado)
Mas en bem sei quem me atira
A esta vergonha... bem sei !
Bem sei quem é que me odeia...
(chorando)
Quem me quer mal... são vocês!
Só por inveja !
AMELIA
(aproximando-se)
Que idéa,
Carlos!
CARLOS
(cangado e chorando)
Que mal lhes cansei ?
(Quelhes fiz eu 7 É despeito!
Éinveja !
AUGUSTO
oz Duixa aos outros )
Vamios com geit
Sim | fomos nós que esei
Aquela carta. Porém,
Tudo quanto te fazemos,
Fazemol-o por teu bem.
Ouve-me ! à !

CARLOS
“(batendo o pé )
ER Não onço nada !
É inveja ! é inveja damnada !
mxugando os olhos )
Pois sim ! Mas tenho um recurso.
Hei de mostrar-Jhes à prova
De que não sou um *”* pichote ” ...
Hei de vencer o concurso ;
Espero à ”” Revista Nova ” !
: auqusTo
a Amelia )
Vamos ao ultimo bote !
(entregando a Carlos a ** Revista Nova ”*, e indicando-lho
a pagina )
Pois bem! passa os olhos n'isto,
Lê comcuidado, ê bem,
E vê o que é queahi vem ;
Para Carlos Evaristo ! E
vista Nova», eeae sobre uma cadeira. Os outros, que
schaviam conservado afastados emquunto elle Tia, apro

Quevergonha !
augusto
Qual vergonha !..
Não te vás amofinar !
Desmancha essa carantonha !
Consola-te, e vem brincar !
Isso prova simplesmente
Esta suprema verdade :
É que, nºeste mundo, à gente
Para tudo tem idade...

NAZARETH
(abragando-o )
A Revista tem razão...

ALFREDO
- quando aconselha que não
“Deves perder a esperança !
Carlos ! ha duas idades:
Uma,para ser criança
Com todas as liberdades ;
E umaoutra para ser homem !
Ninguem muda o seudestino !
AUGUSTO
Não queiras mais que te tomem
Poridiota ... Menino !
(repetindo as palavras da Revista, e rindo)
» Estude, trabalhe, cresça,
E, depois d'isso, apareça !"*
« Carlos, que tem estado suceumbido, levanta-se de repente,
transfigurado )
CARLOS
Têm razão ! eu delirava. .
Foi um sonho enganador !
Era um marreco, e pensava x
Serum possante condor, ..
Quetolice ! que impostnra !
Mas, agora, estou curado !
Eston salvo !... e a minha cura
Devo-a a vocês : obrigado !
ALFREDO
Bravo !
AMBLIA
( contentissima )
. Agora, sim !
CARLOS
( apanhando a bola )
E,para mudar de vida...
AUGUSTO
“apanhando as pás )
Vamos á nossa partida !
"Temos sombra no jardim...
( Saem todos, correndo, )
Cue o panno,
E

MONOLOGOS
5 E

k
(MONOLOGO PARA MENINO )

Pois, senhores, não ha duvida!


Quanto mais medito, e penso,
E teimo, — mais me convenço
Que o mundo não é perfeito !
Creio que o nosso planeta
Nosespaçosporventura
Andagirando é procura
De quem o ponha direito!
Não sabem? nasci philosopho....
Nãose espantem, que é verdade ;
O saber não tem idade. ...
Trago o Larrousse de cór !
O homem, animal sublime,
— Nada deriso escarninho! —
a
É, ao contrario do vinho,
Quanto mais moço, melhor.

E,às vezes,—que atroz martyrio !


Fico triste, fico afilicto,
Quando sósinho medito
Nas imperfeições do mundo :
Já tenho cabellos brancos,
Ja tenho rugasno rosto ;
Vivonum grande desgosto,
Vivonum tedio profundo !
Creio no quediz à Biblia :
Densnão fez o homem selvagem
Fez o homem á sua imagem,
Cheio de genio e altivez ;
Mas, querendo ser mais sabia
Do que o sabio Omnipotente,
A humanidade imprudente
Estragou o que Deus fez,

O quesei é que é um supplício


A vida que nós vivemos :
Nascemos e envelhecemos
Complicando esta existencia;
Assim, eu, que tenho estudos. ...
Já nãosei para onde corra!
Só mesmo a minha pachorra!“
Só mesmo a minhapaciencia !
Na eencão das brincadeiras :
“As diversões verdadeiras
“Sãoponcas e triviaes. .
Que é quese fez até:hoje?
Para a menina, a boneca;
Para o rapaz, a peteca,
O arco, a bola, e nada maix!

Agora, quanto ás materias


De estudo, —isso é ontra consa;
- Ninguem pára, nem reponsa
Nasinvenções. Que fadario !
Que fartura! que abundancia!
E tanto estndo seinventa,
Que a gente já se apoquenta,
(batendo na testa) — Não acha logar no armario !

É Grammatica, Arithmetica,
Gymnastica, Geographia,
Desenho, Cartographia,
Agronomia, Moral.
Lições de consas, dictado,
E toda a Historia Estrangeira,
Toda a Historia Brasileira,
Toda à Historia Natural!
rmeárionever : y
Emfim, a gente res
E vae aprendendo à custo.
Mas não seria mais justo, .
Masnão seria mais brando
Que a gente, quando nascesse,
Nascesse logo sabendo,
Comoaagua nasce correndo,
E o peixe nasce nadando?

Ai de nós! se não tivessemos à


'Tudo tão mal combinado,
Já se teria inventado
A machina. .., de aprender !
“Já pensei nisto nma noite... 5
E resolvi o problema !
Nºuma alegria suprema,
Julguei de orgulho estalar!

Ésimples a minha machin:


—E eu, se tivesse dinheiro,
Espantava o mundointeiro,
E ganhava mais de um conto, ...
=É comoa dosretratistas :
Poe-se-lhe um livro diante,
Do outro lado um estudante,
Aperta-sea bomba... .e prompto:
A o ne
livrotodas as paginas,
| perder uma linha,
Nem uma só entrelinha,
“Nem um til, nem um cifrão,
=— Vãosefixar na cabeça “
Dorapaz... É um momento !
E o rapaz, que era mm jumento,
Fica logo um sabichão !

Que invenção ! Vamos ! Applaudam-me!


Acham talvez que estou louco 2!
Ou consideram queé pouco
«. Pois, senhores,
'Pive a idéa : é quanto basta...
E, se tivesse dinheiro,
Inda seria o primeiro
De todos os inventores !

Mas, sem dinheiro e sem credito,


Fica a idéa sem proveito;
O mundo não endireito,
Não lhe mudo a fórma e o tom ;
— Fui a tres capitalistas...
Enada !... Não passoàHistoria !
Não conquisto à fama e a gloria
De umGusaião on um Dimont!
(MONOLOGO PARA MENINA )

(Entra, carregando uma boneca)


Hoje fiz amos... Não sabem ?
= Ganhei umlivro ilustrado,
Umtheatrinho, uma rabeca,
Umcachorrinho ensinado,
Dez beijos. .e esta boneca.
Comesta, já tenho cinco,..
Uma d'ellas, a mais moça,
(abuixa-se, e põe a mão quasi rente ao chão)
Ficaassim, perto de mim ;
“Tem a carinha de louça,
Que a gente nem vê...
Nemse veste, coitadinha!
Que ronpa lhe serviria ?
Só mesmo um dedo de luva...
A cabeça caberia
Dentro de uma casca de uva !
Por isso, não sae de casa :
Fica no berço, quietinha ; Fe
“Tenho pena, tenho dó...
Masna assim, pobrezinha, E
Fica emcasa, fica só.

As ontras já são maiores,


Uma é loura, outra é morena ;
Eoutra (não pensem que é peta !)
Épreta como uma pennas
Molhada na tinta preta.

Esta é a quinta. É bem bonita!


Vestido de seda fina. .-
Sapatos de marroquim
Camisa de musselina
Rendas... veludo... .setim...
É umasenhora chibante,
Toda cheia de influencia !.
E muito bem educada...
Querem vêr?
“ Vossa Excellencia
Passa bem 2» y
spondenão porela)
« Muito obrigada ! »

Eu gosto de todas elas !


São as minhas companheiras Sê
Quando sáio a passeiar, :
Deestudo, de brincadeiras,
E de meza de jantar...

Gosto d'ellas:.. Gosto tanto,


Que, se uma d'ellas morresse,
De febres on de anemia,
(triste) — En...eu talvez adoecesse, .,
Ponha Ineto por um dia !

(outro tom) Gosto. ..mas tenho uma queixa...


* (depois de olhar emtorno)
: — Nãoha por aqui mais gente ?
“(ao publico) Não digam nadaa ninguem :
A ellas principalmente...
— Eu gosto d'ellas. .. Porém...
“(com cepresato) Não falam, não dizem nada
Não teimam... não têm. caprichos
Sempre coma hocea fechada! |
Parecem menos que bichos!

Nãofalamnem patavina ! é
Parecem gente defunta!
Nem sei que lhes succedeu...
Se lhes faço uma pergunta,
e Quem me responde...sou en !

(alúndo à boneca) « Você quercomida ? » — moita!


« Você"gosta de mim?» — bico !
(comdesprezo) Parece uima bngiganga !
(com raiva) com isto que eu implico !
Esta cousa é que me zanga !

(levanta a boneca pela cintura)


Vejamsó esta molleza ! -
Vejamsó esta pamonha!
É atéingratidão !
Tanto fázque a gente a ponha,
N'esta,
Vesta tória, *
(suspende-a por uma perna)
o ou desta,
á (suspende-apor uma perna é um braço)
E É mesmo! Apanha pancada,
* (dú-tho pancada)
E Ganha beijos...
= (beijaca) j a
não protesta,
Não diz nada, nada, nada !
Isto me dáuni desgosto! .
Mas, emfim, ninguem presuma,
Ninguem vá imaginar
Que, se me derem mais unia,
Eu não à queira aceeitar!
Não, senhores ! ao contrario...
Se têmalgumas, —não brinco !—
Mandem, vestidas ou núas!
Pois quem já sustenta cinco,
Sustenta mais uma ow duas !
: Ran
Mas aquella com que euson]
É uma.. «quenãoexi
- E uma boneca ideal, a
E Que fale, que tenha chiste, E
: Que converse bem ou mal,
— Uma boneca, que pense
Que metrate como amiga,
De genio máu ou tranquillo, E
Que me aconselhe e mediga : Ee
“Você faça isto ou aquilo”,
— Uma bonecaperfeitã!
Uma boneca, .. que digo ? :
“De um tamanho como oºmeu, Fe
Que se pareça commigo, :
E. -. faça manhascomo eu! ; à
Quando eu fôr grande,
E Mas não sei porque é que a gente
“Custa tanto a crescer! Já repararam nºisso?
* Lança-se umgrão de milho à terra: e, de repente,
Surge a planta a crescer, como por um feitiço,
— E emseis dias está d'este tamanho, assim...
A gente, não ! sómente umpalmo de anno em anno...
“Nem tanto! Eu, porexemplo: olhem bem para mim !
Quantosannos me dão? Tenho, se não me engano,
Onze: e não chego a ter sete palmos de'altura !
Sete palmos 2 nem seis ! Estico as pernas, salto,
Pulo, endireito o corpo, ando com impostura,
Enduveço o pescoço, — é não fico mais alto !
ao calandd en Cla LO E
Calam-se, ou falam baixo e com ar de mysterio ;
E hã um logo, quediz : «que é que você deseja,
Menino ? vábrincar ! não seja entremettido !»
E ninguem me procura, e ninguem me corteja,
Porque ? porque eu não souumporco mais comprido |,
Men Deus ! quando eu for grande !... |
É umpeccado, então,
Serpequeno? o brilhante é pequeno, — e é 0 brilhante !
Então, para pensar, para ter opinião,
É preciso possuir o corpo do elephante ?
Pois 0 valor, aforça, a inteligencia, o senso
Medem-se porventura às leguas, como à terra? -
E umgrande boi, wu boi pesado, bruto, immenso,
É mais sabio do que eu, só porque é grandee berra?
Então, que é isso 2 Então, quanto maior, melhor 2
O tamanho tem mais valor que a inteligencia 2...
Mas sempre ouvi dizer que o frasquinho menor
- É sempre o que contéma mais preciosa essência...
Ora deixem-se d'isso ! Ah! que quando eu for grande...
E os nomes que mé dão 2. . Sou galopim, pixralho,
Caroço de feijão, bola de assucar-candi,
Lasca de homem, petiz, formiguinha, retalho à
Degente... que sei en2...
Pensa que en von dansar com umcôto de véla 2»
“Goto de vela !... Eentão? -
y Quando eu for grande !...
o Emém,
: Hei de ser grande umdia! hei de crescer, de certo!
verei se inda alguem hade zombar de mim!
|Marcharei pela vida assim,
| (pãoo chapés na cabesa, começa « andarcom fanfarrice)
» firme, coberto,
| Atrevido, pisando 0 chão com segurança !
| E, se um petiz qualquerandarporonde eu ande,
Neide
degritar : «Petiz ! formiga b», porvingança,
“— Eninguemhaderir de mim,
— quando eu fôr grande
(MONOLOGO PARA MENINO)

( Entra escondendo o nariz com a mão )


Não ha gente ? está tudo deserto ?
“Stá vasio, de todo, o salão ?
Não ha povo, nem longe, nem perto,
Que me venha gritar :”” Narigão ” 7!
Ora bem !
(retira a mão, e mostra na cara mm narie postiço, immenso
e vermelho. )
Que nariz ! oh ! minh'alma !
Atravessoesta vida, infeliz,
Sem um dia de gozo on de calma,
Carregado com este nariz!

E não dou tmsó passo na vida,


E não vou à passeio ou faneção,
“Quenão onça, sem pausaon medida, |
Este grito feroz: "Narigão to
ESP SE Cada
Mas aindase fossesó isso !.,.
* Outro dia, gritou-me um petiz :
|" Ó seu pandego ! esconda o chouriço,
“Que he contemos cães o nariz!”
"Domo timbond 2... Men Deus! que viagem! “1
Pago logo, quer queira, quer não,
Dois tostões pela minha passagem,
E ontros dois... pelo meu narigão !

Quando tomo, na rna a calçada,


Logo dizem algunsimbecis ;
* ÔÓ tortura da gente apressada !
Vá de largo com esse nariz [7
Seproento abraçar um amigo,
Elle diz, nºuma grande emoção :
“Que você não me abrace, não digo...
Mas cuidado com o seu narigão !'*

Fui um dia ao theatro, — que idéa !


Sueceden desmaiaruma actriz, ..
Braidou logo uma, voz da platéa :
“Foi por cansa d'aquellenariz
E haquem diga : “Você, nautragando,
Emsi mesmo ha de achar salvaç;
Ficará sobre as aguas boiando,
Agarando-se ao sen narigão 1
Ou então iesonro,
Eé senhor de taes Dens de raiz, —
Se nadando ficar quer emouro
Deve aos kilos vender 0 nariz
Visitar fui um dia mma sina. ,
Por desastre, partiu-se um pilão.
Disse logo0 senhor da officina
“Não ame emprestas o teu narigão? 7.
Recebide Paris'telegrammna,
Que dizia: Quervir a Paris ?
Ganhará muitos contos e fama,
Nostheatros expondo o nariz |"?
Ai de mim! ficaria contente,
Vendo aquella civilisação. ..
Mas... não acho návio qne aguente
Com o peso do men narigão !
Um inferno!. . que sorte sombria !
Que destino !. quemé que me diz
Que não heide morrer inda umdia,
Engulido por este múriz ! 2
E com este nariz não me emprégo. ..
Quando quero empregaiio ie, 0 patrão
Grita logo; Alto lá !
Sirvosó para lérias de assumpto :
Até disein que o nosso pais, E
“Tendoa fórma de um grande presunto,
É tão grande como... este nariz !
Minha vida da penca anda escrava. .
Se eu soubesse de um bom cirurgião
tivesse coragem, — cortava
Quatro quintos do meu...
— Uma voz, gritando dos bastidores :
“ Narigão!"”
Ahiveemelles! fujamos!
A (as fugir, mas o nariz postiço desprende-se-lhe da cara, e
eae ao chão) E
Bonifo L
Estragow-se a figura que fiz!
Mas applaudam ! Não façam conflicto,
— Queeu confesso que é falso o-maria!
A MENTIROSA

COMEDIA EM UM ACTO
Atualidade. — Sala mobiliada, — Portas 40 fundo, é direita
áesquerda,
“scesa TO
“Manoela é, depois, D. Maria
(Bmanhã. Manoela acaba de espanar08 moveis dasala. )
MANOBLA -
Ponhamos tudo direito,
Que faz annos o patrão !
Vae haver grande funeção. ..
Merece... É um homem perfeito :
- Serio, fino, delicado...
É a perola dos patrões!
Temos hoje figurões.. .
Se o patrão é deputado...
: D. MARIA
= Centrando)
Tudo prompto ?
MANOELA
Quasi tudo...
Poraqui não falta nada.
Sómente as flôres... A escada,
O gabinete de estudo,
Osquartos, — tudo está prompto,
“Tudo lavado, varrido,
Lustrado ponto por ponto,
Ponto por ponto brunido,
Tudo promptinho a brilhar...
EREMAREE E
Bem ! e a sala dejantar?| É
Arrunada ? : E
MANOELA E
Sim, senhora !
“D. MARTA
Ea louça ?
MANOBLA
Está sobre a mesa,
Quer que à arrumemos agora ?
De MARIA
D'aqui a ponco.., E
(sue Manoela)

SCENA II

aria, Alice, Octavio, Julia é, depois, Manoela.”


* (entram Alice, Oetavia e Julia, trazendo bragadasde fóres)

De MARIA
Ora vamos
Que demora ! que moleza !
Quero que façam tres ramos,
Tres ramos muito bem feitos !
Heamores perfeitos,
Cravinas... Vamos a isso.
( Foda aJason um ramo ; as crianças imitam-n'a )
: Quero ver quem é que faz
- Mais esmerado serviço...
Nãoentra em concurso o mei.
ALICE
Sou eu!
JULIA
“Pu nãoéscapaz !
OOTAVIO.
Nem tu, é nemtu !... sonen!
D. MARIA
Nada de brigas | veremos!
Não sei julgar um trabalho
Que ainda não apareceu !
aLICk
(compondoo seu ramo )
Aqui estes erysanthemos...
ooTAvIO (idem)
Estasrosas...
JULIA (idem)
Este galho
De angelicas...
(idem) o
Estecrayo.;.
otavio (contemplando o trabalho jáfeito)
Bonito !
JULIA (idem)
Perteito !
ALICE(idem)
Bravo!
D, MARIA
E aspoesias ?
JULIA (precipitadamente)
Tenho a minha
Na ponta da lingra, — aqui...
De MARIA,
De cór?
JULIA
E linha por linha !
D. MARIA
Quando a estudaste ?
ocravIo
Onde?
aLiem
Quando ?
JULIA (embaraçada)
Nojardim... hontem... passeiando...
D. MARIA (em tomreprohensivo)
Júlia [.. :
FABIOR, a
x Mentira !
ocrÁvIo
Mentira !
JULIA (zangando-se)
Já tardava a caçoada|
Ninguem a fama me tira !
isto | vivo mentindo...
Minto de noitee de dia,
Minto acordada é dormindo...
Já não é vício, é mania !
ALICE
E é mesmo !
OCTAVIO
E é mésmo, pois não !
É bom que tu mesmao digas !
D. MARIA (a Alice o Oclavio)
Que é isso 2 não quero brigas!
Já disse quediscussão
Entre irmãosé consa feia!
A gente sempre carrega
Com a fama que grangeia...
Mas não te zangues, socega !
Veremos logo, ao jantar,
Quem dá conta do recado...
—, OETAvIO
Eu não precisoestudar !
Vou fazer um improviso...
Que está todo decorado.
Começa assim: «Papaezinhio !
Cheio de flôres e riso
Seja o ten anniversario !
Angura-te o meu carinho,
Um disenrso extraordinario !
Mastirar-lhe não desejo
O saborda novidade ! S
ALICE
Eu por mimdigo-o sem pejo :
Só sei, por ora, a metade,
Ou ponco mais, da poesia ;
Tenho quasi todo o dia
Para estudar...
J0LIA(apresentando o ramo)
Acabei!
otavio (idem)
Eu tambem !
ACE (idem)
E tambem en !
Creio que o premio ganhei!
-D. MARIA (examinando os ramos)
Não ha tal ! todos ganharam...
- Um beijo! (Beija-os). Fiquem sabendo :
Fiz um fiasco tremendo !
O ramo mais feio... é 0 mei!
E, já que me derrotaram,
Beijem-me mais !
os TRES (beijando-a)
Mamãezinha !
(D. Maria, depois de collocar 08 ramos nos vasos, deposita- —
os sobre a mesa e sobre a etagiro.)
MANOBLA (entrando)
A caldaestá prompta !
D. MARIA (aos filhos)
Agora
Que já fizeram os ramos,
Emquanto vou á cozinha,
Vãovocês lápara fóra,
Estudem os versos!

VALICE
Yamos!
(saem Alice, Octavio e Julia pela porta da direita)
MANOBLA
Já puz a calda a ferver. —
Que doces quer ?

De MARIA
Vamos ver!
(Saem pela porta do fundo)

SOENA II
Julia, só.
(entra pela porta da direita, espia para fóra, e adianta-se,
até a bocca da seena)
JULIA
A verdade verdadeira
irando do bolso o papel em que estão eseriptos 0 versos
que deverecitar)
Éque eu não seinada d'isto !
E vou fazer, está visto,
Uma figura... faceira !
(depois de reficetir um poueo) &
Mas quemmê mandou dizer,
Ha pouco, que já sabia
Toda, de cór, a poesia...
Se inda nem a pudeler ?
“Dizem que mentir é feio...
“Será ! não digo que não!
Mas que fazer ? não ha meio
De fugir à tentação...
Ás vezes, faço um esforço,
A lingua torço e retorço,
” Para dizer a verdade ;
Mas ilá-me um nó na garganta,
Minhalingua se ataranta,
Perco todaa liberdade,
E minto, queira ou não queira !
Não sou má nem deshonesta...
Eu minto por vicio... É esta
A verdade verdadeira!

Tambem, mentir que mal faz?


Para que tanto alarido?
Pois ha menina ou rapaz
Que nunca tenha mentido ?
E a gente grande não mente?
Até mamãe. ...
— (afirmando ao publico)
Sim,senhores !
: Quando, amorosa é paciente,
Nosconta historias galantes,
Emque ha principes, pastores,
“Bruxas, anões e gigantes,
E lobishomens, e fadas,
princezas encantadas,
Em torres de onro é saphiras
Captivas e encareceradas,
—Não está pregando mentiras ?

Minto, sim ! Mas, quando minto,


Não faço mal a ninguem ;
Só digo o que me convém,
Quandonão digoo que sinto...
A voz DE ALICE (Jóra, no jardim)
Julinha! onde estás mettida?
a voz D» ocravio (idem)
Vemcá!
suLia (gritando para fóra)
Pois sim, eu you já!
(ao publico)
o vouver o que ha
entrodo gnarda-comida, . Em E ;,
Erg
“: Sue pela portada fica vasia, durante um
= momento. De repent -se, do-lado esquerdoda
secna, um barulho quebrada)

afiado
a(reupparecendo)
toda a porcelana, -

“Queestava. em cima da mesa!


“Por cansade uma banana,
Que vi dentro da fructeira. .
x
põe as mãos na cabeça)
Trepei sobre uma cadeira,
Porém com tanta incerteza,
Que... REST
“(ouvindo rumor de passos)
2 Ahi vem gente...
“(Fazendo uma careta)
E Ê “Pois sim!
“(sue correndo pela porta da direita)

SOENAIV
D. Maria e Manoela

“ (entram pela porta do fundo)


ê D. MARIA (entrando)
Meu Deus!


MANOELA(entra: ogo)
: Hein?! jáse vin cousaassim?
Lá se foi, despedaçada, -
A porcellana da China !
D. MARIA (entrando)
Foi Julia ! Aquellamenina... o
MANOBLA
Mas se ella está-nojardim... a
D. MARIA

Não sei sé estava!.., E jantar?!


MANOELA,
Jantar sem pratos! Bonito !
D, MARIA

E os convidados?! -
MANOBLA
Que azar !
E o buffetdepois das dansas?
E o patrão? ?
:

gi
* MANOBLA (bonsendo-se ainda umavez),
* Comlicença da senhora,
Vou'ver a calda !
D. MARIA

Pois vae!
Maria vao à porta da direita e chama)
“Olá! vocês ! sem demora !

SCENA YV.
Maria, Alice, Julia e Octavio

damente ; Julia, umponco mais atraz, fingindo ler a


“folha de papel, em que estão escriptos os versos.)
De MARIA
En esperava que o dia
Em quefaz annos seu pae,
Fosse de muita alegria,
E de nenhuma tristeza, .

se afastada, fingindo que 6.)


ALICE (espantada)
De MARIA
Quem foi que a louça quebrou,
Queestava em cima da mesa |
Octavio
Oh!
atios
A loiça?
OCTAVIO
Não fui eu !
ALICE 4
Nem en! é
(Tulia, calada, continha a fingir-se distrahida)
D. MARIA (aproximando-se d'ella)
Tu nãodizes nada ? |
JULIA (voltando-se, comfingida surpresa)
Hein? que foi que suecedeu ? a
D. MARIA
Falo da louça quebrada.
JULIA )
Que lonça ? sê
(silencio) E
MARIA (suspende oqueixo deJulia, é obriga-a à
emface)
Fita-me em face !
- Olha-me bem!... estremeces...
“Assustas-te... empallideces,..
* Como se te amofinasse
“Algum remorso
JULIA (querendo fugir)
Nãosei .
Remorso nenhum... ! Estaya
Lá no jardim. Estudava...
D. MARIA (fitando-a sempre)

É serio?
JULIA(atrapalhada)
Eu nada quebrei !
(chorando)
Eu levo a culpa de tudo !
Sou douda, son mentirosa,
Sou vadia, não estudo,
Som feia, son orgulhosa,
Sujo a casa, furto o doce,
E... inda da lonçadou cabo !
É isto! .. .comose eufosse,
Nemsei o que... umdiabo !
De MARIA (insistindo)
Minhafilha ! espera. .. calma !
Dizetudo, sem receio :
Porquea mentira é o mais feio
Dos sete peccados da alma.
Yamos! ninguem te censura,
Ninguem contra ti conspira; |
Perdoa-se a travessura. ,.
Não se perdoa a mentira !
Confessa ! dize a verdade !

JULIA (teimando).
Se não fui eu! Que maldade !
Quebraram a porcellana ?
(apontando Octavio)
Foi omano...
montando Alice) -
ou foi a mana...
Foi o gato... on a Manoela !
Mas não fui en!
(eae sentar-so a um canto da sala, é fica immovel, amuada,
escondendo a cabeça no braço dobrado)
OCTAVIO (depois de um breve silencio)
Pois, foi ella !
D. MARIA (depois de reflectir um pouco e parte) |
Feio peccado !
“ (torna a reflectir, e,
tivesseuma inspiração ita
Ah! já sei! : ê
+ Koi com certeza a criada! ê s
.A Manoela é estabanada...
Tantas vezes a avisei !
(Julia tira a cabeça de sob o braço, é começa a presta)
attenção) ;
Mas, desta vez, tambem, basta !
É demais ! ponho-a na rua !
(Julia estremece)
Se aqui dentro continúa,
Toda a casa me devasta...
É demais ! voudespedil-a !
(chamando)
Manoela!
OCTAVIO & ALICE (a um tempo)
Mamãe ! que é isso?!
(D. Mariafaz-lhes umgesto breve. Julia levanta-se, efica,
no seu canto, muito assustada, com os olhos arrega
tados)
SOENA VI
Os mesmos e Manoela

MANOELA(entrando)
A senhora chamon ?
De MARIA (fingindo mão humor)
Sim!
"Stoufarta do seu serviço,
* * Que não me deixa tranquilla,
Você abusa de mim !
Vá tratarda sua vida...
Mexa-se !'está despedida |
MANOBLA (espantada)
Eu ?... eu, minha ama?!
ALICE
Coitada !
D. MARIA.
Eejá!
Julia, , no seu-canto, dá mostras de uma grande agitação
Nãoà quero em casa,
Nem mais um dia queseja !
OBTAVIO
Mamãe!
MANOELA(rompendo a chorar)
Masse eu não fiz nada!
D. MARIA (sempre fingindo estar zangada)
Você a vida me atraza !
Éjá! vá ser malfazeja
Em outra parte... É bastante
O prejuizo que me deu !
“(Tulia, pouco à pouco, sé vem aproximando do grupo).
PaeU
MANOBLA(soluçando, e di
Que injustiça revoltante !
(Julia, num impeto, correndo, vem ficar de pé, no meio,
grupo, com« cabeça erguida e'o olharsereno)
JULIA (com voz forte)
Quem quebron tudo... fui en!
= (corre para D. Maria) Y
Perdão, mamãe!
D. MARIA (commovida, colhendo-a nos braços)
; Minha filha!
— Coração, não me enganavas !
Realison-se a maravilha,
O milagre que esperavas !
QUTAVIO
Bravo!
ALICE

f Quefelicidade !
Isso demonstra que a gente,
Quando é mentirosa, mente,
Porém mente sem maldade...
MANOBLA (embasbacada)
Não entendi patavina |
D. MARIA
Já vaes entender...
(7
Perdão pela accusação !

MANOBLA
Oh ! minha boa menina...
Perdão de que ?

JULIA
Doque fiz !
Calummiei-te,

MANOELA
Que diz?! É
É lá possivel !
JULIA
É certo,
Mas estou arrependida ;
Do meu engano desperto,
E vejo que, nºesta vida,
Ha mentiras innocentes,
Porém ha outras terriveis.

D. MARIA,
Todassão inconvenientes,
E E todas são despreziveis,
Todas! E, para fugir
Aosseus perigos... -
ocravio (idem)
«se deseja ser prudente...

aLtcE (concluindo) -
«não deve nunca mentir !
JULIA
E isso mesmo é o que furei,
> Fui bastantecastigada,
à E nunca mais mentirei.
D, MARIA
Esperemos ! Deus o queira ! .
Seassim fôr, abençoada.
Seja a tua brincadeira,
Bemdita a louça quebrada !

O aaei(comironia)
o, agora, um caso engraçado:
Sabesde cór a poesia?

JULIA (rindo)
Nem patavina ! eu mentia...
ocTAvIO
Mentia6tempo passado...
Felizmente, felizmente !
Mas tomar cuidado juro
Nãosó no tempo presente.
Comono tempo futuro !
De MARIA
Então, não recitas ?
JULIA
Não !
Não direi versos de cór,
Mas farei cousa melhor ;
Falarei com o coração.
Direi; ”” Grandedia é este!
“Dia de grande virtude!
“Vamosfolgar, vamos rir !
"É o dia em que tu nasceste,
"E em que eu deixei de menti
“Papae, à nossa saude
topos (menos Manoela)
Bravo!
MANOELA (que tem estado afastada, triste)
Então, minhasenhora, :
- Sempre me devo ir embora? |.
Que tola ! Pois, rapariga,
E - Nãoentendeste o que viste ?
& “Tude remedio serviste !
Nãoés eriada, és amiga !
E o remedio aproveitou...
(a Julia) Ê
Vae abraçar a Manoela:
- Porque, semquerer, foi ella
Quem do vicio telivrou!
OELHO NETTO |
1º sente ã

0 Corvo ea Raposa, comedia em um acto:

OLAVO BILAC.
2isente
O Presumpçoso, comedia em um acto,
O mundoestá torto, monologo
As Bonecas, »
Quando eu for grande, »
O Nariz, 0. o
E “A Mentirosa, comedia em um acto.

pe

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