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O acesso efetivo à justiça e os meios alternativos ao Poder Judiciário no âmbito da


resolução adequada dos conflitos
O acesso efetivo à justiça e os meios alternativos ao Poder Judiciário no âmbito da resolução adequada dos
conflitos

Juliana Silva de Queiroz Pinheiro

Publicado em 06/2019. Elaborado em 05/2019.

Traça-se um panorama sobre como os meios alternativos de solução de conflitos são estimulados
pelas políticas públicas.

Resumo: O presente estudo possui como objetivo analisar a ideia de acesso efetivo à justiça, relacionando-a ao grave
congestionamento enfrentado pelo Poder Judiciário brasileiro, bem como também delinear um panorama sobre como os
meios alternativos de solução de conflitos são estimulados pelas políticas públicas. Os meios alternativos, na medida de suas
especificidades, abordam os conflitos de forma adequada, possibilitando, destarte, o acesso à solução do conflito e a rápida
efetividade da resolução alcançada, uma vez que estimulam a prática do diálogo e o protagonismo das partes. No tocante à
metodologia, utilizou-se as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, tendo esta última sido direcionada para a coleta
de dados relativos à comprovação do grande número de processos apreciados pelo Poder Judiciário, através do relatório
“Justiça em Números 2018 (ano-base 2017)”, disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Já a análise bibliográfica
deu-se com vistas ao estudo sobre o que é o acesso efetivo à justiça, o acesso à ordem jurídica justa, bem como para detectar
se a jurisdição estatal oferece um acesso efetivo à justiça aos jurisdicionados. Pretende-se discutir para disseminar a
importância das alternativas extrajudiciais e os métodos consensuais na busca pela superação da cultura do litígio.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Acesso à Ordem Jurídica Justa. Meios Alternativos de Solução de Conflitos. Cejsuc.

Sumário: Introdução. 1. A Constituição da República de 1988, o acesso ao Poder Judiciário e o amplo acesso à justiça. 1.2 A
crise no Judiciário brasileiro e o princípio da razoável duração do processo. 2. O acesso ao processo justo e a resolução
adequada do conflito. 2.1 O sistema multiportas 3. O controle judicial indispensável e o papel subsidiário do Poder Judiciário.
3.1 O estímulo à desjudicialização dos conflitos. 3.2 Os meios alternativos ao Poder Judiciário - breve panorama sobre a
mediação, conciliação e arbitragem. 3.3 Mudanças de paradigma: educação, orientação e protagonismo das partes para a
adequada resolução do conflito. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por escopo analisar a ideia de acesso efetivo à ordem jurídica justa por meios alternativos ao Poder
Judiciário e verificar se a via judicial tem se mostrado eficiente para uma resolução célere e efetiva do conflito.

Objetiva-se verificar de que maneira a sobrecarga de processos enfrentada pelo Judiciário prejudica direitos fundamentais
como o do acesso efetivo à justiça e o da duração razoável do processo e discutir de que forma a aplicação do método
adequado na abordagem do conflito, de acordo com suas especificidades, corrobora para o alcance de um resultado efetivo e
integral do mesmo.

Analisa-se políticas públicas implementadas no âmbito judicial que buscam desburocratizar o processo judicial e oportunizar
o amplo acesso à justiça, como a instauração dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, as considerações e regramentos da
Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e as inovações do Código de Processo Civil de 2015, Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015, na tentativa de inserção dos métodos consensuais de resolução de conflitos dentro do âmbito judicial.

Serão analisados os aspectos inerentes à ideia de resolução adequada do conflito e acesso à ordem jurídica justa através de
técnicas consensuais alternativas ao Poder Judiciário.

Destaca-se a importância do incentivo ao uso dos meios consensuais de resolução de conflitos, em especial pelos profissionais
do direito, a fim de que a cultura do consenso em algum momento possa substituir a cultura do litígio, momento em que a
jurisdição estatal poderá ser utilizada de maneira complementar ou nas demandas em que for imprescindível.

1 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988, O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO E O


AMPLO ACESSO À JUSTIÇA
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), indica como valores supremos da sociedade a
segurança e a justiça.

Estabelecido o Estado Democrático de Direito, é dever institucional da República assegurar tais valores aos seus cidadãos,
conforme estabelecido no preâmbulo constitucional

A instrumentalização desses direitos ocorre por meio da garantia de acesso à justiça. Esta premissa é objeto de diversas
previsões situadas no rol de direitos e garantias fundamentais do supracitado art. 5º, como o inciso XXXV, que diz que a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito e o inciso LXXVIII, que assegura a todos, no âmbito
judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Apresentadas como normas de aplicabilidade imediata, de acordo com a previsão do art. 5º, §1º da CRFB/88 os direitos e
garantias fundamentais não carecem de regulamentação - por lei ordinária - para produção de seus efeitos.

Flávia Bahia destaca a importância do amplo acesso à justiça:

O homem não pode ficar ao desamparo, submetido às arbitrariedades cometidas no exercício do poder. Assim, todas
as pessoas podem pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça a direito. Todos têm
direito de serem ouvidos pelos tribunais instituídos por lei, independentes e imparciais. O acesso à Justiça é a
expressão máxima de reivindicação do cidadão pelos seus direitos, resolvendo seus conflitos com base em ordem
jurídica fundada na democracia e na justiça social (BAHIA, 2017, p. 153).

Ao cidadão é assegurado o direito de ação, manifestado na possibilidade que a parte possui de apresentar-se perante o Estado
com um pedido de tutela jurisdicional quando se sentir lesionado ou sob proeminência de lesão a algum direito.

O direito de ação, assim, manifesta-se não apenas através da demanda, mas também ao longo do desenvolvimento
de todo o procedimento, do qual deve poder a parte participar ativamente, exaurindo-se com a obtenção de tutela
jurisdicional adequada ao direito (MEDINA, 2017, p. 50).

Não há a exigência de que essa lesão ou ameaça seja oriunda do Poder Público, abrangendo “tanto as decorrentes de ação ou
omissão de organizações públicas como aquelas originadas de conflitos privados” (MENDES; BRANCO, 2017, p.344).

De ressaltar que “o direito de ação é o direito ao processo adequado, que observe as garantias mínimas, decorrentes do devido
processo legal” (MEDINA, 2017, p. 49).

O artigo 5º, caput, da CRFB/88 determina que todos são iguais perante a lei, e garante a inviolabilidade do direito à
segurança e à legalidade.

É preciso que o processo seja desenvolvido integrando-se os direitos fundamentais, não só mediante interpretação da lei
comum, mas com aplicação à situação fática, e segundo, também, aos valores consagrados pela coletividade. Desta feita,
complementado estará o serviço do legislador, que tem como uma de suas funções aplicar a lei ao caso concreto.

O direito fundamental à justiça tratado pelo art. 5º, inciso XXXV determina que não só o legislador, mas também o aplicador
da lei devam garantir uma tutela jurisdicional justa e efetiva.

O acesso à justiça, com boa aplicação das garantias e direitos fundamentais, deve ser direcionado no intuito de promover a
realização do princípio da dignidade humana e o princípio do devido processo legal, protegendo o indivíduo no contexto do
processo judicial,

Mendes e Branco defendem que “o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto
de processos estatais” (MENDES; GONET, 2017, p. 341).

Percebe-se que o devido processo legal deu lugar ao processo justo dentro do Estado Democrático de Direito:

[...] o processo justo, em que se transformou o antigo devido processo legal, é o meio concreto de pratica o processo
judicial delineado pela Constituição para assegurar o pleno acesso à Justiça e a realização das garantias
fundamentais traduzidas nos princípios da legalidade, liberdade e igualdade (THEODORO JÚNIOR, 2017, p.68).

A CRFB/88, com a Emenda Constitucional n. 45/2004, prevê que se deve garantir o devido processo legal, sendo assegurada
a razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII). Os artigos 4º e 6º do Código de Processo Civil também preconizam a
celeridade e o alcance da solução justa pelas partes.

É necessário para a garantia da celeridade na tramitação e alcance à efetiva justiça a implementação de metas, ações e meios
com esse fim.

No entanto, há uma série de fatores que interferem na celeridade processual que devem ser observados:

Relativamente à complexidade ou simplicidade da causa, valor da causa, número de intervenientes (partes, autores,
réus, assistentes, Ministério Público), lealdade ou deslealdade no comportamento processual (das partes e dos
advogados), atuação do juiz, adequada condução dos trabalhos decorrentes da serventia (servidores públicos e
auxiliares da justiça), recursos interpostos, dentre outras (BACELLAR, 2016, p.56).

Nesse sentido, Bacellar destaca uma forte tendência de políticas públicas no âmbito da justiça que
[...] consagra o direito das partes de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, deixando clara a ideia de
que isso engloba a atividade satisfativa e exige de contrapartida a cooperação de todos os sujeitos do processo para
que se obtenha nesse tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva (BACELLAR, 2016, p.56).

O processo justo, nos moldes do Estado Democrático de Direito, seria aquele processo que, no decorrer de seus
procedimentos consagrar:

a) o direito de acesso à Justiça; b) o direito de defesa; c) o contraditório e paridade de armas (processuais) entre as
partes; d) a independência e a imparcialidade do juiz; e) a obrigatoriedade da motivação dos provimentos judiciais
decisórios; f) a garantia de uma duração razoável, que proporcione uma tempestiva tutela jurisdicional
(THEODORO JÚNIOR, 2017, p.68).

O processo justo deverá proporcionar a efetividade da tutela àquele a quem corresponda a situação jurídica amparada pelo
direito.

Em sua obra Acesso à Justiça (1988), Cappelletti e Garth traçaram ponderações a respeito do que seria o direito ao acesso
efetivo à justiça pela sociedade moderna sob dois aspectos: o da acessibilidade igualitária a todos e o da produção de
resultados individuais e socialmente justos.

Os autores partem da premissa de que “a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o
acesso efetivo”. Defendem que o acesso à justiça é requisito fundamental “de um sistema jurídico moderno e igualitário que
pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.9).

Não basta apenas admitir o processo ou garantir a possibilidade de ingresso em juízo, é preciso a união das leis,
processualistas, princípios, garantias que, justos e de forma harmônica conduzirão as partes à ordem jurídica justa, em
observância o devido processo legal.

As partes devem poder participar ativamente na formação do convencimento do juiz, em respeito ao princípio do
contraditório e também tem o direto a um diálogo efetivo, com vistas a preparar uma solução justa capaz de dirimir todo o
lastro da insatisfação gerada pelo conflito.

A aproximação do Judiciário para com a realidade fática do jurisdicionado faz com que a aplicação da lei ao caso concreto não
seja ato meramente formal.

O magistrado não deve apenas realizar uma mera repetição da letra da lei, restringindo-se aos aspectos formais ou
procedimentais ligados à garantia de contraditório ou ampla defesa.

1.2 A CRISE NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

O Estado social se propõe a promover fundamentalmente a plena realização dos valores humanos. Nessa toada,tem-se por
objetivo primário do direto e do Poder Judiciárioa coordenação dos interesses privados e o alcance da pacificação social. Cabe
ao processo ser um meio efetivo para a realização da justiça (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, p. 2015, p. 60).

Na função jurídica do Estado, este atua estabelecendo normas, o que é lícito e ilícito, atribuindo direitos, poderes, faculdades,
obrigações, através da legislação. Normas estas, de caráter genérico e abstrato, a priori sem aplicação particular a nenhuma
pessoa e a nenhuma situação concreta. Traça modelos de conduta, reprovável ou desejada, e efeitos que serão consequência
de fatos que se adaptem às previsões.

Numa segunda função jurídica, através da jurisdição estatal, aplicam-se as normas aos casos concretos de conflito, no
decorrer do processo de conhecimento. Uma vez constatada a insatisfação, a parte lança mão do processo para resolução do
conflito.

No histórico recente da sociedade moderna, percebe-se que a partir da segunda metade do século XX, mudanças estruturais
têm ocorrido de forma muito rápida e complexa, tornando comum o surgimento de conflitos que dantes não se tinha
conhecimento (MEDINA, 2017, p.13). Os bens jurídicos que são controvertidos também se alteraram

O trabalho legislativo torna-se insuficiente para resolução concreta de tais demandas. O juiz passa a ter que construir uma
solução jurídica, e não mais a simplesmente aplicar a lei ao caso como se fosse uma conta matemática.

Há um estímulo dentro da sociedade de constante consumo e descarte, exigindo-se a tomada rápida de decisões, na esfera
privada ou pública. Além do que, há um sentimento de frustração com relação às instituições públicas de maneira geral pois
estas se mostram frágeis e incapazas de oferecer uma segurança na satisfação dos interesses pessoais e individuais.

Consequentemente, ocorre a hiperjudicialização,

passa a haver uma judicialização crescente e consistente de temas que não eram levados ao Poder Judiciário. A
inoperância – ou, no mínimo, lentidão – de outros órgãos estatais acaba impelindo as pessoas a buscarem resposta
perante a Justiça estatal (MEDINA, 2017, p. 13).

Ocorre o fenômeno da judicialização das relações sociais. Há, instalada no Brasil, a cultura do litígio, sobrecarregando, em
demasia, o sistema judiciário. Temas políticos também tem sido constantemente submetidos ao crivo judicial, por vezes
ultrapassando os limites que separam os âmbitos jurisdicionais, legislativos e administrativos.
Muitos problemas que poderiam ser solucionados fora do Poder Judiciário são levados à jurisdição do Estado, tornando-o
assim, sobrecarregado e, principalmente, obstando a concretização do acesso à ordem jurídica justa e à resolução adequada
do conflito.

Destaquem-se alguns números revelados pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Segundo dados publicados pelo Relatório
Justiça em Números 2018 – diagnóstico informativo anual da atuação do Poder Judiciário brasileiro – somente no ano de
2017 houve a propositura de 29,1 milhões de casos novos para apreciação judicial. Número este 1% ainda menor com relação
ao número de casos novos registrados em 2016.

Ao final do ano de 2017, o Poder Judiciário finalizou sua atividade com 80,1 milhões de processos em tramitação. “A demanda
pelos serviços de justiça registrou crescimento acumulado na ordem de 18,3%, considerada toda a série histórica desde 2009”
(CNJ, 2018, p. 72).

Ainda na observação dos números, cumpre salientar que a Justiça Estadual é a que possui mais processos pendentes, sendo
responsável por 79,3% do desempenho global do Judiciário. A Justiça Federal concentra 2,9% dos processos e a trabalhista,
6,9%.

Em 2017, proferiu-se 31 milhões sentenças e decisões terminativas, com aumento de 707,6 mil casos em relação a 2016,
registrando-se crescimento acumulado de 32,8% em nove anos.

Ainda segundo o relatório do CNJ,

Chama atenção a diferença entre o volume de processos pendentes e o volume que ingressa a cada ano [...]. Na
Justiça Estadual, o estoque equivale a 3,1 vezes a demanda e na Justiça Federal, a 2,7 vezes. Nos demais segmentos,
os processos pendentes são mais próximos do volume ingressado e, em 2017, seguiram a razão de 1,3 pendente por
caso novo na Justiça do Trabalho e 1,1 pendente por caso novo nos Tribunais Superiores. Na Justiça Eleitoral e na
Justiça Militar Estadual ocorre o inverso: o acervo é menor que a demanda.

Tais diferenças significam que, mesmo que não houvesse ingresso de novas demandas, e fosse mantida a
produtividade dos magistrados e dos servidores, seriam necessários aproximadamente 2 anos e 7 meses de trabalho
para zerar o estoque. Esse indicador é denominado “tempo de giro do acervo”. O tempo de giro do acervo na Justiça
Estadual é de 2 anos e 11 meses; na Justiça Federal é de 2 anos e 10 meses; na Justiça do Trabalho é de 1 ano e 2
meses; na Justiça Militar Estadual é de 8 meses e nos Tribunais Superiores é de 1 ano (CNJ, 2018, p.73).

De ressaltar, que estes são números estimados. Processos costumam girar dentro do acervo judiciário por tempo muito maior
aos mencionados.

Assim, o Judiciário brasileiro permanece numa crise que não é recente, tendo sido agravada com o decurso do tempo.

Aumentam-se a população e o número de casos ajuizados (e por consequência a morosidade) sem que os tribunais
consigam atenuar ou resolver o que se acostumou denominar crise da justiça ou crise do Poder Judiciário
(BACELLAR, 2016, p. 30).

A morosidade do processo judicial é uma das maiores críticas que o Judiciário recebe. A celeridade é fator essencial para que
o acesso à justiça efetivamente se veja concretizado.

[...] A celeridade é um atributo de valor para a sociedade que deseja alcançar a solução do conflito em tempo
razoável.

A despeito da previsão constitucional no sentido da razoável duração do processo, ainda não se garantiu agilidade na
tramitação dos processos judiciais e administrativos, e também não se promoveu o efetivo acesso ao Poder
Judiciário, hoje entendido como acesso à ordem jurídica justa e à resolução adequada do conflito. Ainda que não se
tenha, até hoje, dado efetivo acesso à justiça do cidadão, o Poder Judiciário está abarrotado de processos.
(BACELLAR, 2016, p.25-26).

A eficiência no tratamento dos conflitos levados à tutela jurisdicional não tem sido pontualmente percebida. É preciso que o
Estado atue de maneira verdadeiramente efetiva. É necessário ultrapassar a “promessa de acesso apenas formal à justiça e
visualizar um novo acesso à solução adequada dos conflitos dentro de uma ordem jurídica justa, acesso esse encarado a partir
da percepção do cidadão” (BACELLAR, 2016, p.34).

Pela perspectiva do cidadão, o Estado servil aos outros permanece sendo uma realidade longínqua quando aquele buscar
solução para seus conflitos.

Denota-se, claramente, a ineficiência do Judiciário para pacificar os conflitos. A duração razoável do processo mostra-se
comprometida e algumas soluções implementadas, na tentativa de viabilizar uma melhora na prestação jurisdicional,
demonstram apenas uma mínima cooperação para com a vasta necessidade de práticas realmente eficazes para a solução
adequada do conflito e acesso à ordem jurídica justa.

Desta maneira, o direito fundamental de acesso à justiça mostra-se apenas como uma garantia formal.

O princípio da razoável duração do processo é direito assegurado por lei assim como os meios necessários para a tramitação
célere das demandas. Entretanto, não é o que se observa.
A tutela realizada pelo Poder Judiciário deve ser capaz de realizar o que o ordenamento jurídico material prevê para a parte.
“Só pode ser considerada eficiente a tutela jurisdicional se prestada tempestivamente, e não tardiamente” (MEDINA, 2017, p.
47).

Diante das dificuldades e ineficiência do Poder Judiciário para resolução adequada dos conflitos, é preciso fomentar a prática
de meios alternativos à jurisdição estatal para realizar o direito de acesso efetivo à justiça.

É importante desenvolver a capacidade de perceber que, a partir de uma abordagem adequada do conflito, será
possível construtivamente encontrar as soluções mais justas, segundo a concepção dos interessados.

Mudar a percepção sobre o conflito pode alterar fundamentalmente ao caminho para a busca da própria ideia de
justiça e das formas adequadas para resolvê-lo no contexto do atual congestionamento dos tribunais (BACELLAR,
2016, p. 25).

“Se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios”
(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.47). O objetivo principal é pacificar.

2. O ACESSO AO PROCESSO JUSTO E A RESOLUÇÃO ADEQUADA DO CONFLITO

As relações interpessoais geram conflitos derivados de diversas causas e a atividade jurisdicional é direcionada para a
pacificação social desses conflitos.

A tutela jurisdicional efetiva seria aquela na qual o processo é utilizado da maneira mais adequada como instrumento de
alcance do direito substancial, solucionando-se as crises existentes no direito material de forma efetiva.

Assim, “efetivo, portanto, é o processo justo, ou seja, aquele que, com celeridade possível, mas com respeito à segurança
jurídica (contraditório e ampla defesa), proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material” (THEODORO
JÚNIOR, 2017, p.35).

Entende-se por acesso a tutela jurisdicional efetiva

a composição dos conflitos com total adequação aos preceitos do direito material [...] dentro de um prazo razoável e
sob método presidido pelas exigências da economia processual, sempre assegurando aos litigantes o contraditório e
a ampla defesa [...] (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 37).

Nas palavras do professor Watanabe, retiradas do parecer intitulado Política Pública do Poder Judiciário Nacional para
tratamento adequado dos conflitos de interesses, publicado em 2011

É decorrente a crise mencionada, também, da falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de
interesses que ocorrem na sociedade. Afora os esforços que vem sendo adotados pelo Conselho Nacional de Justiça,
pelos Tribunais de Justiça de grande maioria dos Estados da Federação Brasileira e pelos Tribunais Regionais
Federais, no sentido da utilização dos chamados Meios Alternativos de Solução de Conflitos, em especial da
conciliação e da mediação, não há uma política nacional abrangente, de observância obrigatória por todo o
Judiciário Nacional, de tratamento adequado dos conflitos de interesse (WATANABE, 2011, p.2).

Atualmente, o acesso apenas formal à justiça foi substituído pela ideia do acesso à ordem jurídica justa, não mais aceitando
promessas sem efetividade.

Inserida na expressão acesso à justiça, está consubstanciada uma das funções do próprio Estado, a quem compete,
não apenas garantir a eficiência do ordenamento jurídico, mas notadamente proporcionar a realização da justiça aos
cidadãos.

[...]

Sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa, compreende-se não só a existência de um ordenamento jurídico
regulador das atividades individuais e sociais, mas também na distribuição legislativa justa dos direitos e faculdades
substanciais (BACELLAR, 2016, p.53).

É de suma importância abordar e forma adequada o conflito, conhecendo-o em toda a sua profundidade, em todas as suas
vertentes para que a resolução seja efetiva.

O Poder Judiciário está preparado para a resolução da parte judicializada dos conflitos, contudo, diversas situações
conflituosas entre as partes não são geradas por controvérsias em relação ao direito em si.

Tais circunstâncias podem originar-se a partir de interesses emocionais, relacionais, familiares ou perspectivas diferentes a
respeito de determinada ocorrência, por exemplo.
O Poder Judiciário, com sua estrutura atual, trata apenas superficialmente da conflitualidade social, dirimindo
controvérsias – objeto da lide -, mas nem sempre resolvendo o conflito, até porque só pode decidir a partir de
premissas inafastáveis, dentre as quais é possível citar as que envolvem os estreitos limites da lide processual.

Não pode, por exemplo, o juiz decidir citra, extra ou ultra petita; decidirá a lide no limite em que foi proposta, não
podendo proferir decisão, a favor do autor, de natureza diversa do pedido, nem condenar o réu em quantia superior
ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

[...]

A definição clássica de lide tem sido a de que é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Na
verdade, a lide indica apenas parcela do conflito, e não o próprio conflito na sua integralidade.

Não se deve confundir a lide – que é apenas uma parcela do conflito – com o próprio conflito.

Distingue-se, portanto, aquilo que é levado pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário (lide) daquilo que
efetivamente é interesse das partes e integra a complexidade maior das relações e que abarca a unidade maior do
conflito (BACELLAR, 2016, p.74-75).

O sistema de justiça brasileiro utiliza a solução adjudicada da lide, materializada pela sentença do juiz:

[...] a predominância desse critério vem gerando a chamada cultura da sentença, que traz como consequência o
aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias
ordinárias, como também dos Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte (WATANABE, 2011, p.2).

Perpetuou-se dentro da cultura nacional a chama “cultura do litígio”, na qual

[...] o ensino jurídico é moldado pelo sistema da contradição (dialética) que forma lutadores, guerreiros,
profissionais treinados para a briga, para a guerra em torno de uma lide, em que duas forças polarizadas se
enfrentam e que ao final só um pode ser o vencedor. Se um ganha, necessariamente o outro perde (BACELLAR,
2016, p.57).

A um terceiro é dado o poder de dirimir a controvérsia. Materializa-se o caráter substitutivo da jurisdição, que substitui a
vontade das partes pela vontade da lei no caso concreto, resolvendo o conflito existente entre elas e proporcionando a
pacificação social.

E não raras vezes, o juiz encontra-se distante da realidade dos fatos. Some-se a isto a sobrecarga de trabalho, tem-se um
acesso à justiça apenas formal.

É preciso que o Estado garanta a eficiência do ordenamento jurídico e proporcione a realização da justiça aos cidadãos.

A tendência moderna é pensar na prestação jurisdicional não só como um meio de alcançar um resultado, mas também como
um instrumento para designar os meios adequados de se chegar a ele.

É necessário que o Poder Judiciário seja instrumentalizado com meios capazes de proporcionar a resolução adequada do
conflito e aplicar satisfatoriamente a solução ao caso concreto.

Positivamente Bacellar coaduna com ideia de que “acesso à ordem jurídica justa, dentro de suas várias concepções, é acesso
aos métodos adequados à resolução dos conflitos, estejam eles dentro ou fora do Poder Judiciário” (BACELLAR, 2016, p.52).

O que se espera das políticas públicas é que incentivem a prática de ações voltadas à uma abordagem que se preocupa com
todas as suas dimensões do homem, seja ela a material, intelectual moral ou espiritual.

A pessoa humana é a autora, o centro e o fim de toda a vida social, política e econômica da sociedade. O respeito a
sua dignidade constitui-se no primado ético do qual decorrem outros valores e direitos previstos nas Convenções
Internacionais e na Constituição Federal (NUNES, 2016, p.43).

Nessa toada surgem os meios alternativos de solução de conflitos, auxiliadores do Poder Judiciário na busca pela pacificação
social, “atuando em causas para as quais é o caminho mais adequado para resolvê-las, estimulando que as restantes sejam
solucionadas até mesmo por meios extrajudiciais” (BACELLAR, 2016, p. 49).

[...] quanto mais conflitos forem resolvidos fora da jurisdição, haverá menos processos e por consequência o Poder
Judiciário poderá funcionar de maneira mais célere e adequada às aspirações do acesso à ordem jurídica justa
(NEVES, 2017, p.62).

Na abordagem adequada do conflito pelos meios alternativos ao judiciário merece destaque o sistema multiportas de solução
de controvérsias.

A adoção de uma política pública que incentive os valores, atitudes e comportamentos para fomentar os meios
autocompositivos vêm em boa hora, pois trará consigo a promoção da não litigiosidade, da civilidade e do respeito
ao próximo. Esses meios possibilitam a resolução dos conflitos através do diálogo, da negociação, da construção do
consenso, da não violência ativa, e trazem mais humanismo e solidariedade (NUNES, 2016, p.43).
De suma importância a inserção de incentivos voltados à prática consensual no ordenamento jurídico brasileiro. É um passo
em direção à evolução da cultura do litígio para a cultura do consenso.

2.1 O SISTEMA MULTIPORTAS

Ajudar a construir a Justiça e o que é ou não justo, é um permanente desafio. Sempre haverá dificuldades entre o
certo e o errado; o que é verdadeiro ou não; com os dilemas e paradoxos da vida humana social. A mediação
possibilita uma justiça mais justa, alcançável através do diálogo e da construção conjunta entre indivíduos para que
cada um possa ter ou buscar aquilo que lhe é de direito. O justo surge do embate, da negociação, da construção
coletiva, através da comunicação e da comunhão dos seres humanos (NUNES, 2016, p. 152).

A mediação, exaltada por Nunes no trecho acima citado, faz parte do sistema multiportas de resolução de conflitos.

O sistema multiportas visa proporcionar aos cidadãos diferentes meios extrajudiciais para solução do problema. Traz diversas
possibilidades de acesso a métodos adequados alternativos à provocação do judiciário – como a negociação, a conciliação,
mediação e arbitragem.

A terminologia multiportas surgiu a partir das ideias de Frank Sander, que defendeu a ideia de um centro de justiça
abrangente no qual diferentes formas de soluções de litígios seriam como portas. Assim, de acordo com as características
apresentadas pelo conflito, alguma dessas portas seria o ideal de aplicação para resolução (MEDINA, 2017, p.42).

Sander lançou as bases para um Centro de Justiça Global no qual as Alternative Dispute Resolutions[2] seriam instaladas,
visando proporcionar a opção técnica mais adequada para resolução de disputas. Propunha-se a criação de um lugar onde
meios ecléticos de resolução de disputas estariam concentrados à disposição dos cidadãos (THEODORO JÚNIOR et al., 2015,
p.182).

Chamado de modelo multi-door, tem sido implementado e obteve consideráveis resultados nos Estados Unidos e serve de
modelo para países como Cingapura e Nigéria.

Essa experiência estrangeira mostrou que as negociações preliminares (pre-trial negotiations), etapa inicial do
procedimento, seriam convenientes em quaisquer tipos de litígio, e que o “juiz” (ou profissional) a presidir a
audiência não deveria ser o mesmo que haveria de promover a análise do litígio em fase de julgamento.Ensinaram
mais, que as etapas pré-processual e inicial do procedimento devem ser desempenhadas de modo metódico pelos
sujeitos processuais, uma vez que o maior dispêndio de energia inicial pode permitir ao final uma atividade
processual mais efetiva. Numa visão gerencial dos litígios (e não só dos procedimentos), o tempo que se gasta no
início se economiza ao final.

Trata-se de racionalidade inversa a que adotamos, na qual o início do procedimento é totalmente negligenciado e
não é incomum, após vários anos, perceber no momento do julgamento a falta de algum pressuposto ou a ocorrência
de nulidades que inviabilizam toda a atividade processual.

A visão integrada de dimensionamento do litígio traz um essencial liame entre o uso da via adequada e o dispêndio
devido de energia inicial para se favorecer o máximo aproveitamento do processo (THEODORO JÚNIOR et al.,
2015).

Bacellar traz a ideia deste sistema como um instrumento de mobilidade acesso à justiça no viés do acesso à resolução
adequada do conflito.

Múltiplas portas de resolução de conflitos retratam a mais ampla oferta de meios, métodos, formas e mecanismos
(vinculantes ou não) colocados à disposição do cidadão, com estímulos do Estado, a fim de que ocorra adequado
encaminhamento dos conflitos (BACELLAR, 2016, p.79).

Também defende a ideia de utilização do judiciário apenas na impossibilidade de superação do conflito pelas próprias partes.
Para isso, ele sugere a criação de um portfólio à disposição dos interessados a fim de que haja uma resolução adequada, de
preferência pacífica, utilizados os métodos consensuais na forma autocompositiva.

Há de se planejar um acesso qualificado que propicie mobilidade ao cidadão para escolher – com orientação
suficiente – as melhores alternativas para a resolução de seus conflitos.

Isso propiciará a todos que procurem o sistema judiciário receberem informações adequadas, triagem,
encaminhamento para qualquer tipo de problema jurídico ou conflito, cabendo não só a organização dos serviços
que são prestados por meios dos típicos métodos adversariais heterocompositivos dos processos judiciais, como
também daqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente (BACELLAR, 2016, p.54).

Não obstante, o gestor de conflitos deve ter conhecimento sobre todos os canais existentes para a sua abordagem,
considerando vantagens, desvantagens e analisando sua pertinência no caso concreto. Por isso a conscientização sobre as
múltiplas técnicas existentes é importante.

A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça preconiza em seu preâmbulo a determinação de que ao Estado
cumpre estabelecer políticas públicas para adequado tratamento dos conflitos.
CONSIDERANDO que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal além da
vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa e a soluções efetivas;

CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos
problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a
organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que
possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e
a conciliação; (CNJ, 2010)

O Código de Processo Civil já oportuniza a aplicação dos métodos consensuais para resolução do conflito. Os meios
alternativos estão por vezes interligados ao sistema jurídico.

É importante que os operadores do direito, os protagonistas da administração da justiça e as partes abram a visão para tais
mecanismos. Os mecanismos alternativos, na prática, estão próximos de instituições jurídicas, dependendo de normas e
sanções e operando à sombra de uma possível atuação judicial (SALES apud TARTUCE, 2018, p.176).

[...] em atendimento aos comandos constitucionais, revela-se importante possibilitar a disseminação, no tecido
social, da cultura de paz; por tal razão, justifica-se a adoção de meios que propiciem a solução harmônica e pacífica
de controvérsias no contexto da justiça coexistencial (TARTUCE, 2018, p.181).

Há que se garantir e assegurar que o direito fundamental de acesso à justiça seja efetivo. E estimular a solução harmônica e
pacífica, através do diálogo e consenso entre as partes, é um caminho a ser tomado.

3. O CONTROLE JUDICIAL INDISPENSÁVEL E O PAPEL SUBSIDIÁRIO DO PODER


JUDICIÁRIO

Até mesmo no âmbito penal, que é matéria de controle jurisdicional indisponível, frente à proibição de autotutela para
imposição de sanções legais - nulla poena sine judicio -, nota-se diligências do poder público de incentivo ao
descongestionamento do judiciário.

Pretensões desta ordem carecem da existência de um sistema processual para que a lei satisfaça a pretensão, efetivando a
situação prevista pelo direito material – por exemplo, a imposição de uma pena. Manifesta-se, aqui, a indisponibilidade do
processo.

As pretensões necessariamente sujeitas a exame judicial para que possam ser satisfeitas são aquelas que se referem a
direitos e interesses regidos por normas de extrema indisponibilidade, como as penais e aquelas não penais trazidas
como exemplo (esp., direito de família). É a indisponibilidade desses direitos, sobretudo o de liberdade, que conduz
a ordem jurídica a ditar, quanto a eles, a regra do indispensável controle jurisdicional (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, 2015, p. 54).

Insertas na seara criminal, Cintra, Grinover e Dinamarco enumeram quatro medidas realizadas pela Lei dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, constantes na conjuntura da prática consensual:

[...] a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais introduziu no sistema um novo modelo consensual para a Justiça
criminal, por intermédio de quatro medidas despenalizadoras (medidas penais ou processuais alternativas que
procuram evitar a pena de prisão): a) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública
condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, par. ún.); b) não havendo
composição civil ou tratando-se de ação penal pública incondicionada, a lei autoriza a aplicação imediata de pena
alternativa (restritiva de direitos ou multa), mediante transação penal (art. 76); c) as lesões corporais culposas e
leves passam a depender de representação (art. 88); d) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano
permitem a suspensão condicional do processo (art. 89) (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.55).

Esta lei traz medidas alternativas, como a transação penal, que não priva a liberdade. Aqui, as partes envolvidas, juiz,
promotor, advogado, vítima e autor do fato dialogam entre si, na busca de uma solução, sem imposição de pena. Caso não
haja acordo civil – que pode ser de cunho patrimonial ou um pedido de desculpas – o Ministério Público pode oferecer a
transação penal, substituindo o processo.

A aplicação de medidas alternativas, medidas adequadas, revertidas em benefício da sociedade (propostas na


transação penal) por meio de doações ou serviços a entidades assistenciais, faz com que uma conduta tida por
infracional se possa fazer algo para o bem. Tais medidas são substitutivas ao processo, já que, aceitas, não
importarão em qualquer acusação formal (BACELLAR, 2016, p.93).

A composição dos danos, a conciliação, a transação penal e a própria possibilidade de suspensão condicional do processo
demonstram um bom aproveitamento do diálogo consensual dentro até mesmo dos Juizados Criminais (BACELLAR, 2016,
p.94).

Nos casos de improbidade não se admite a transação em decorrência da inadmissibilidade prescrita pelo art. 17, §1º da Lei de
Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Limitando a atuação administrativa, esta previsão legal expressamente
inviabilizou a autocomposição nesse caso.
O direito a uma administração lícita e proba é direito cívico. Portanto, não se permitiu a realização de um acordo que
porventura viesse a permitir que o agente público corrupto continuasse a atividade administrativa, furtando-se às sanções
legais cabíveis (TARTUCE, 2018, p.155).

Também não se pode valer apenas dos métodos autocompositivos nas causas que envolvam, a título exemplificativo, o
divórcio de casais com filhos incapazes.

Esta é uma ação necessária, que precisa ser feita em juízo. E ainda assim, mesmo diante desta obrigatoriedade, havendo
consenso entre as partes envolvidas, facilita-se a resolução da situação mediante a propositura do divórcio consensual. Assim,
o juiz apenas homologa os termos do pré-acordo.

O próprio ordenamento jurídico delineia os pontos onde a atuação estatal é imprescindível.

Fora, portanto, dos casos em que a apreciação jurisdicional estatal é eleita como essencial, há significativa liberdade
para a adoção de diferentes meios de abordagem de controvérsias. Devem-se considerar, para tanto, as
características cada mecanismo para definir o âmbito de sua aplicação (TARTUCE, 2018, p.155).

O Estado pode tornar-se instrumento subsidiário no contexto da resolução de conflitos.

[...] preconiza-se o princípio da subsidiariedade, segundo o qual todo ordenamento deve proteger a autonomia da
pessoa humana diante das estruturas sociais, não se devendo transferir a uma sociedade maior o que pode ser feito
por uma sociedade menor (MONTEBELLO, 2002, p.120).

Fernanda Tartuce acentua:

[...] sob a perspectiva de que a sociedade contemporânea não pode suportar um sistema administrativo
sobrecarregado e desorganizado e que o próprio Estado é incapaz de acompanhar as mudanças e progressos gerados
por esta sociedade, surge a ideia do chamado “Estado Subsidiário”, fundamentado no princípio de que a atuação
centralizadora e totalitária do Estado pode destruir sua estrutura social, política e econômica (TARTUCE, 2018,
p.152).

A ideia da subsidiariedade parte do pressuposto de que as atividades sobre as quais a iniciativa privada pode desenvolver
independentemente, ao Estado não compete intervir.

Deve auxiliar, estimular e promover, através do emprego dos princípios de justiça, liberdade, pluralismo e distribuição de
competências a composição do conflito entre as próprias partes, considerando como essencial a tendência atual de uso dos
meios alternativos de composição de controvérsias.

3.1 O ESTÍMULO À DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS

A resolução do conflito por meio do pilar autocompositivo deve ser cada vez mais estimulada. Há que se buscar a
desprocessualização das controvérsias.

Premente a necessidade de analisar a garantia de inafastabilidade da tutela jurisdicional por um ângulo diferente. É preciso
repensar o papel do Estado e suas funções dentro do círculo social.

O Código de Processo Civil de 2015 incentiva sobremaneira a aplicação da solução consensual do conflito.

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. (grifos nossos)

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por
juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
(BRASIL, 2015).

Ademais, a Seção V, do Capítulo III é totalmente destinada à regulamentação da atuação dos conciliadores e mediadores.
Salutares os esforços públicos voltados para a adequada resolução dos conflitos através do consenso, mesmo quando já
iniciado o processo.

Nesse sentido, ressalte-se que, há algum tempo, dentro da própria estrutura do judiciário, medidas foram tomadas voltadas
para a composição do conflito de maneira consensual, corroborando para o acesso à ordem jurídica justa e efetividade da
resolução alcançada, na tentativa de proporcionar um atendimento célere ao cidadão.

Citem-se os Juizados de Pequenas Causas, instituídos pela Lei nº 9.099/95, que oportunamente possibilitaram a ampliação
do atendimento ao cidadão pelo Judiciário e o diálogo entre as partes em meio à sua dinâmica processual.

O Código de Processo Civil de 2015, a Lei de Mediação, com a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos
(Cejuscs) demonstram a disposição do Judiciário para solucionar o conflito quando sua resolução for impossibilitada pelos
métodos consensuais.
Os referidos institutos concentram tentativas de solução de conflitos por meio da conciliação e da mediação. Segundo dados
do Relatório Justiça em Números, apenas 12% da população brasileira concilia.

A Resolução nº 219/2016 incluiu os Cejuscs como unidades judiciárias, estando no mesmo patamar que as varas, juizados,
turmas recursais e zonas eleitorais para fins de distribuição de servidores[3].

O CNJ já havia regulamentado administrativamente estes Centros por meio da Resolução nº 125/2010. O intuito desta
legislação reside na constituição de uma Política Judiciária Nacional, com vistas ao tratamento adequado do conflito.

A proposta é de que o respectivo tribunal componha e organize tais centros, por meio de parcerias e termos cooperativos entre
tribunais e instituições, sejam elas públicas ou privadas.

Percebe-se que a garantia de proteção judiciária implica ser possível acessar a jurisdição para definir situações controvertidas
relevantes, sem que tal possibilidade impeça a adoção de outros meios de distribuição de justiça. O acesso à justiça, no sentido
de composição justa do litígio, difere do acesso ao Poder Judiciário (mecanismo jurisdicional heterocompositivo) (TARTUCE,
2018, p.154).

[…] a garantia de acesso à Justiça, em sua conotação substancial, não sinaliza no sentido de que o Poder Judiciário
deva ser a primeira porta a que, direta e imediatamente, os contendores devam ter acesso, mas, ao contrário, quer
assegurar uma sorte de garantia residual, para casos de urgência, ou quando falhem ou não sejam idôneos os demais
meios de resolução de conflito (homo ou heterocomposição), assim os acordos, a renúncia de direitos, a intervenção
dos órgãos colegiados como os de arbitragem, enfim, tudo o que hoje vai se chamando de equivalentes jurisdicionais
(TARTUCE, 2018, p.153).

O CPC/15 motiva a aplicação dos meios alternativos dentro do próprio sistema jurisdicional. Sobre isso Theodoro Júnior faz
uma ressalva:

[...] a atual escolha pode trazer ferramentas plúrimas ao jurisdicionado, mas sem a pretensão de trazer maior
celeridade e diminuição de custos, especialmente quando se percebe a necessidade que o Novo CPC traz de que os
novos conciliadores e mediadores passem por uma capacitação obrigatória (que induz gastos – art. 167)para a
profissionalização de suas funções e da necessidade de criação dos centros de autocomposição (THEODORO
JÚNIOR 2015, p.184).

Bacellar faz a seguinte pontuação a respeito da hipótese de os meios alternativos não conseguirem resolver o conflito:

[...] na impossibilidade de solucionar o conflito pelo método consensual, a exemplo da negociação, da conciliação e
da mediação, aí sim, de forma complementar, o Poder Judiciário deverá apreciar a questão, se necessário pelo
método adversarial com solução adjudicada (BACELLAR, 2016, p.63).

Posto que, “de nada adianta ter monopólio de todas as causas, para mantê-las em estoque e não julgá-las, descumprindo o
mandamento constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CR)” (BACELLAR, 2016, p.62).

De aduzir que não há pretensão de substituir a via judiciária por outras instâncias de composição de conflitos; busca-se, em
realidade, disponibilizar mecanismos adicionais para permitir a adoção de vias adequadas ao tratamento das controvérsias
em relação de complementaridade com o mecanismo jurisdicional clássico.

3.2 OS MEIOS ALTERNATIVOS AO PODER JUDICIÁRIO

A todos é garantido o acesso ao Poder Judiciário e este não se escusará de nenhuma demanda caso provocado.

Todavia, quando conflito é levado à apreciação judicial, a decisão tomada ao final do processo resolve apenas a parte
contemplada pelo processo. A pacificação ocorre num determinado âmbito do problema, mas os demais pontos que
originaram o mesmo não são resolvidos.

[...] o processo estatal só pacifica a parte do conflito que foi judicializada e não todo o conflito social que está à sua
base e pode ser mais amplo do que aquele deduzido em juízo (lides parciais). É comum que, após a solução
imperativa estatal, o vencido não fique satisfeito ou que as partes voltem a litigar, porque a pacificação não foi
completa (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.48).

Portanto, se pacificar é o fim fundamental da resolução do conflito, é relevante que se busque sempre uma abordagem total do
mesmo, a fim de que todas as partes consigam - de certa forma - sair satisfeitas da situação conflituosa.

Pontue-se a seguinte observação em relação ao desafio criado para lidar com a crise da justiça estatal, no caminho para a
aplicabilidade plena dos meios alternativos de solução dos conflitos civis:
A primeira característica dessas vertentes alternativas é a ruptura como formalismo processual. A desinformalização
é uma tendência quando se trata de dar pronta solução aos litígios, constituindo fator de celeridade. Depois, dada a
preocupação social de levar a justiça a todos, também a gratuidade constitui característica marcante dessa
tendência. Os meios informais gratuitos (ou pelo menos baratos) são obviamente mais acessíveis a todos e mais
céleres, cumprindo melhor a função pacificadora. Por outro lado, como nem sempre o cumprimento estrito das
normas contidas na lei é capaz de fazer justiça em todos os casos concretos, constitui característica dos meios
alternativos a pacificação social também a deslegalização, caracterizada por amplas margens de liberdade
inexistentes nas soluções a cargo dos órgãos jurisdicionais estatais. Essa tendência manifesta-se não só no
informalismo de certos procedimentos, como o arbitral, mas também na abertura de caminhos para os juízos de
equidade, caracterizados estes como julgamentos não necessariamente limitados por disposições legais (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.48).

A ideia da cultura de autocomposição traz à tona mais autonomia e menos heteronomia.

Em regra, a solução da disputa é mais eficiente se o mecanismo tiver enfoque primário nos interesses das partes.
Assim, nada menos custoso e mais eficiente do que os próprios envolvidos conseguirem resolver a disputa pela
negociação direta que: a) possibilite a criação de opções vantajosas para ambas as partes; b) distribua valores com
base em critérios objetivos acordados pelas partes. Quando o enfoque nos interesses não for suficiente para resolver
a disputa sem a intervenção de um terceiro, deve-se ponderar qual método é mais adequado (TARTUCE et al.apud
TARTUCE, 2018, p.184).

Bacellar enumera de forma simples e direta algumas terminologias bem presentes na seara da resolução alternativa dos
conflitos e suas significações (BACELLAR, 2016, p.36-37).

A utilização da sigla ADR indica resolução alternativa de disputas (Alternative Dispute Resolution). Emprega a negociação, a
mediação e a arbitragem fora do âmbito do sistema oficial de resolução de disputas. As soluções alternativas consistem na
aplicação de um portfólio de métodos, formas, processos e técnicas fora do âmbito do Poder Judiciário.

A sigla Masc indica meios ou métodos alternativos de solução de conflitos com concepção semelhante. Representam um novo
tipo de cultura na solução de litígios, distanciados do combate clássico entre as partes – autor e réu no Poder Judiciário –
direcionada à resolução harmoniosa e cooperativa de solução de conflitos, na busca pela pacificação social.

Ainda se utiliza as siglas Mesc a indicar métodos ou meios extrajudiciais de solução de conflitos ou controvérsias e RAC a
indicar resolução alternativa de conflitos, meios esses sempre caracterizados pela aplicação alternativa, complementar ou
paralela às atividades desenvolvidas pelo Poder Judiciário.

Poderão esses meios alternativos, extrajudiciais, ser desenvolvidos segundo os métodos consensuais (negociação,
mediação e conciliação) ou adversariais (arbitragem).

Mecanismos ou meios alternativos ou extrajudiciais serão, portanto, todos aqueles se desenvolvem fora do ambiente
do Poder Judiciário e que encontram soluções lícitas.

[...]

É até recomendável que ocorram soluções extrajudiciais, e hoje há um grande estímulo da própria legislação para
isso. Preocupação existe, porém de que isso só ocorra com plena independência e autonomia de vontade das pessoas
em solucionar seus conflitos diretamente.

Caso ocorra qualquer ruptura nessa autonomia e livre manifestação de vontades, o Estado-juiz tem de estar à
disposição para agir quando provocado (BACELLAR, 2016, p.37).

Há muito sobre o que se aprofundar a respeito de tais institutos, o que desperta, para outra oportunidade, a realização de
estudo minucioso dos mesmos.

3.3 MUDANÇAS DE PARADIGMA: EDUCAÇÃO, ORIENTAÇÃO E PROTAGONISMO DAS PARTES PARA


A ADEQUADA RESOLUÇÃO DO CONFLITO

O art. 92 da CRFB/88 estabelece que os órgãos do Poder Judiciário estão à disposição do jurisdicionado para prestação do
serviço público judiciário sempre que demandado. Deve prestá-los sempre da melhor maneira resolvendo a controvérsia, a
fim de chegar à coordenação dos interesses privados e à pacificação social.

A cultura brasileira ainda é majoritariamente voltada à aplicação da jurisdição estatal para dirimir seus conflitos. Entende-se,
além disso, que o acesso à justiça é sinônimo de acesso à jurisdição.

Diante da dificuldade que o judiciário tem enfrentado, com frequente congestionamento de causas, há um comprometimento
de sua legitimação e sustentabilidade.

Torna-se cogente a remodelação da administração da justiça.

Ressalte-se o sistema americano, inspirador do CPC/15, criando uma possibilidade de triagem de casos (screening process) a
partir da noção de gerenciamento de litígios (não de processo) ou case management.
A ideia parte da noção de que os litígios, especialmente dentro de um quadro de diversidade de tipos e de graus de
complexidade, merecem ser geridos e direcionados para a via processual adequada para seu dimensionamento
(THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p.184).

O CPC/15 tem um modelo próprio que é uma espécie de triagem de casos e que aborda a lide de maneira diferente dentro do
próprio âmbito judiciário, aplicando-se técnicas alternativas – a conciliação e a mediação. Uma vez proposta a demanda,
escolhe-se a técnica mais adequada para o dimensionamento do conflito:

a) a possibilidade inaugural de julgamento imediato de causas (improcedência liminar – art. 330) em hipóteses em
que já exista entendimento consolidado em Tribunais Superiores (em versão constitucional do art. 285-A do CPC
Reformado de 1973);

b) audiência inaugural de conciliação ou mediação (art. 331), logo após a análise da petição inicial, na qual o
conciliador ou mediador profissional, onde houver, atuará necessariamente;

c) ou mesmo, a remessa imediata aos centros judiciários de solução consensual dos conflitos para que, mediante a
ingerência de profissionais treinados, se busque dimensionar o conflito (THEODORO JÚNIOR et al, 2015, p. 186).

Assim, segundo os regramentos do código de processo civil, o conciliador - que atuará preferencialmente quando não houver
tido vínculo anterior com as partes - pode sugerir soluções para o litígio, sem constranger ou intimidá-las.

O mediador - preferencialmente vinculado anteriormente com as partes - auxiliará na compreensão das questões relativas ao
conflito, restabelecendo a comunicação, a fim de que seja identificada soluções consensuais geradoras de benefícios mútuos.

Denota-se a busca de uma redução das deficiências apresentadas dentro do processo jurisdicional. Mesmo com a ausência de
profissionalismo por vezes presente no uso das técnicas, há uma tentativa de promoção do modelo multiportas associada ao
modelo judicial, trazendo a possibilidade de uma conciliação ou mediação profissionalizada dentro do processo (THEODORO
JÚNIOR et al, 2015, p. 186).

Grinover, no artigo Os Fundamentos da Justiça Conciliativa, afirma que a solução não está apenas no aumento de
magistrados:

[...] a solução não consiste exclusivamente no aumento do numero de magistrados, pois quanto mais fácil for o
acesso a Justiça, quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior será o número de processos, formando
uma verdadeira bola de neve (GRINOVER, 2008, p.24).

É preciso incentivar a atuação de grupos e cidadãos como protagonistas na composição do conflito.

Entender o acesso à justiça como sinônimo de acesso à jurisdição é uma posição que precisa ser revista. Considerar o
Poder Judiciário a prioritária opção para obter a “solução” de conflitos traduz uma visão exacerbada de garantia de
acesso ao Poder Judiciário que em nada contribui para a efetiva distribuição de justiça em um regime democrático,
pluralista e participativo (TARTUCE, 2018, p.152).

Bacellar reforça que “a livre manifestação da vontade das pessoas capazes, no sentido de solucionar os conflitos fora do
sistema oficial (sem acessar o Poder Judiciário), deve ser respeitada e até prestigiada” (BACELLAR, 2016, p.68).

Além disso, é fundamental trabalhar por uma atuação integrada e complementar entre o judiciário e os meios alternativos
mais conhecidos e adequados dentro do Brasil (negociação, conciliação, mediação e arbitragem). A preferência em solucionar
conflitos pelo sistema judicial dá-se, dentre outros motivos, pela falta de hábito em relação aos meios extrajudiciais.

[...] o direito ao processo não é absoluto. A inclinação natural da coletividade em direção à sociabilidade do Direito
torna contínua e progressivamente mais acentuada a limitação dos direitos individuais e a moderação no seu
exercício em face do interesse social. E o interesse social, se por um lado está na segurança e garantia de acesso do
indivíduo ao Poder Judiciário, por outro lado também está no impedimento da litigiosidade frívola, de emulação e
até no desestímulo da litigiosidade legítima, mas evitável. (MORI et al., 2005).

Não obstante, é essencial a educação e orientação do cidadão, dos profissionais, a fim de redirecionar os esforços para uma
intervenção preventiva extrajudicial.

A sociedade civil tem tomado iniciativas a fim de efetivar algumas técnicas de ADR no Brasil. Bom exemplo de iniciativa foi a
criação do Centro de Mediação e Cidadania, ligado ao Núcleo de Direitos Humanos do Curso de Direito da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP).

Um dos objetivos de sua criação foi

ampliar o acesso da população ao exercício de seus direitos e oferecer aos alunos e professores do Curso de Direito
um modelo de prática jurídica renovada por intermédio de instrumentos inovadores de composição de conflitos, tais
como o da mediação e a capacitação de líderes comunitários, junto ao seu já instituído Núcleo de Prática Jurídica
(NAJOP) (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p.184).

Ao se considerar as dificuldades enfrentadas pelo próprio Judiciário na triagem dos casos, encorajar a sociedade civil e
capacitá-la para dimensionar seus próprios conflitos é uma forma de trazer o cidadão para o protagonismo na resolução do
conflito.
Dessa forma, os Núcleos de Prática poderão superar um modelo exclusivamente assistencialista e trazer meios alternativos
ensejadores da resolução consensual dos conflito.

É possível a integração harmônica entre Núcleos de Assistência Judiciária e Centros de Soluções consensuais.

Buscou-se, com isso, uma integração (sem competição) entre as práticas de extensão: ao chegar um cidadão no local,
ele é atendido por dois estagiários, um do NAJOP e outro do Centro de Mediação, com o auxílio de professores do
curso. Então, após conversa entre os envolvidos, é exposta ao solicitante a possibilidade da mediação e da
adjudicação, explicando para ele os procedimentos e vantagens de cada um, para então decidir-se por uma ou outra
via.

Encaminhada que seja para a mediação, é assinado um termo de confidencialidade e a outra parte é chamada para
tomar conhecimento do procedimento e dizer se aceita a mediação. Caso aceite, o procedimento continua. Em dia e
hora marcados, um mediador e as partes se encontram no núcleo e as partes tentam chegar a um acordo. Em
qualquer caso, do início ao fim do procedimento, não havendo vontade de alguma das partes, o caso é remetido ao
Najop. (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p.184).

A desprocessualização de controvérsias no direito moderno representa uma retomada da tradição jurídica na qual a solução
dos litígios resultava da composição pelos particulares, sem vinculação com o Estado, embora este estivesse disponível para
prestar a tutela jurisdicional.

A proposta da política judiciária que incentiva o desenvolvimento de vias diversas é criar, paralelamente à
administração da justiça tradicional, novas vias de solução de litígios, preferencialmente por meio de instituições
leves, relativa ou totalmente desprofissionalizadas (algumas vezes, até vedando a participação de advogados); a
utilização deve ser barata – senão mesmo gratuita – e localizada de modo a facilitar (e maximizar) o acesso aos
serviços, operando de forma simplificada e pouco regulamentada para obter soluções mediadas entre as partes
(BOAVENTURA, 1989, p. 39).

É preciso que as formas alternativas ao judiciário sejam incentivadas, mesmo que seja ao inseri-las dentro da prestação
estatal, tendo em vista que a via jurisdicional ainda é o mecanismo mais utilizado para solução dos conflitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As complexas relações sociais ensejam o surgimento de conflitos entre os cidadãos ou entre os cidadãos e o Estado. A partir da
instalação do conflito, surge a necessidade de tratamento do mesmo a fim de que seja resolvido e a pacificação social seja
promovida.

No decorrer deste estudo verificou-se que a tarefa da ordem jurídica é harmonizar das relações sociais. À vista disto, o
processo judicial é o meio mais tradicional utilizado para solução das controvérsias. Ao cidadão é reservado o direito
fundamental de demandar perante o Judiciário.

Nesse viés, tem-se que o acesso à justiça é direito constitucional garantido por vários dispositivos insertos na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Dentre eles, pode-se destacar o contido no rol de direitos fundamentais trazidos pelo
art. 5º, inciso XXXV, garantindo que não haverá lei que exclua da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito, corroborado
pelo texto do art. 3º do Código de Processo Civil de 2015, assim como o que garante a razoável duração do processo.

Muitos dos conflitos sociais precisam de amparo da ordem jurídica para serem resolvidos. Entretanto, não necessariamente o
cidadão precisa recorrer ao Poder Judiciário para resolução dos problemas.

É tendenciosa no Brasil a judicialização das relações sociais tornadas conflituosas. Diante disso, denota-se como consequência
a instalação de uma crise no sistema judiciário brasileiro, crise esta que gera um processo moroso, caro e que por vezes não
alcança a solução adequada do conflito.

No tocante ao acesso à justiça através da via judicial, constatou-se que ocorre apenas formalmente, não alcançando o objetivo
principal que é o cumprimento da Constituição e demais leis do ordenamento.

Explanou-se que a partir desse problema, surge o termo acesso à ordem jurídica justa e resolução adequada dos conflitos
como o acesso aos meios adequados para solução do conflito.

Pontuou-se que existem sim causas nas quais o Poder Judiciário é imprescindível para solução dos conflitos e estará sempre à
disposição, conforme preceitos fundamentais.

No entanto, nas causas que podem ser resolvidas através do diálogo entre as partes, buscar processamento do conflito, por
meio do método mais adequado à sua resolução, é garantia de acesso à ordem jurídica justa, utilizando-se ou não do Poder
Judiciário.

É meio que oportuniza, da perspectiva do cidadão, o alcance à justiça. Este receberá tratamento adequado para o seu
problema e terá assegurada, materialmente, a solução efetiva do conflito.

Por conseguinte, o incentivo à busca por soluções extrajudiciais aos conflitos insurgentes viabilizará o acesso à justiça, formal
e materialmente, uma vez que tais meios são mais rápidos, eficazes e de menor custo, garantindo-se uma solução adequada,
onde as partes poderão resolver seus conflitos de forma privada, evitando ou encurtando o processo judicial,
desjudicializando as relações pessoais.

A mediação, a conciliação e a arbitragem são exemplos de técnicas alternativas que podem ser utilizadas para a resolução da
lide. Cada qual com suas especificidades deverão ser oportunizadas aos interessados no intuito de solucionar a controvérsia
da melhor forma.

Mesmo que inseridas na seara judicial, é imprescindível para o acesso efetivo à justiça que o cidadão possua meios adequados
de resolução de seus conflitos.

O direito existe a fim de regular as relações sociais e harmonizar os interesses. A pacificação social é o fim almejado. Portanto,
cabe aos operadores deste mesmo direito, em conjunto, assimilar novos ideais voltados para resolução dos conflitos.

Concluiu-se que cumpre a todos valorizar e incentivar frente ao cidadão a prática do diálogo dentro da composição do
conflito, abordando-o de forma adequada, seja pela via extrajudicial ou mesmo no processo judicial.

Na impossibilidade de alcance da solução pelo meio consensual, a jurisdição estatal far-se-á disponível para dirimi-lo.

Ressalte-se que a presente pesquisa não esgota todas as vertentes que podem ser exploradas dentro do assunto. Por ser tema
recente na cultura brasileira, a realização de mais pesquisas voltadas para a aplicabilidade dos meios consensuais alternativos
de resolução de conflitos no ordenamento jurídico brasileiro faz-se premente, vez que é de grande relevância para consecução
do principal função do Estado: a pacificação e harmonização social.

Constatou-se que o processo excessivamente burocrático, a morosidade do processo judicial o distanciamento do juiz da
realidade econômica e social dos fatos e das partes corroboram para que a tutela estatal não alcance uma solução adequada e
justa, tornando-se ineficaz ou não suficientemente eficaz. Assim, o direito fundamental de acesso à justiça vem sendo
garantido apenas formalmente, além de não atingir satisfatoriamente o objetivo principal, que é a pacificação social.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

[1] Projeção da população do Brasil e das unidades da Federação. Disponível em


https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acesso em: 29 abr 2018.

[2] Resoluções alternativas de disputas ou ADRs. Bacellar conceitua como ADR a técnica que “emprega a negociação, a
mediação e a arbitragem fora do âmbito do sistema oficial de resolução de disputas” (2016, p.36).

[3] O texto, aprovado por unanimidade pelo Plenário do órgão durante a 286ª Sessão Ordinária, em 12/3, altera a norma do
CNJ, que dispõe sobre distribuição de servidores, cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder
Judiciário de primeiro e segundo graus e dá outras providências. O novo texto coloca os Cejuscs no mesmo patamar das varas,
juizados, turmas recursais e zonas eleitorais para fins de distribuição de servidores. O relator do Ato Normativo 0001467-
77.2019.2.00.0000, conselheiro Fernando Matos, defendeu a adequação da norma como forma de permitir uma melhor
distribuição de recursos humanos e carga de trabalho para onde há maior demanda de trabalho.” Disponível em:
http://cnj.jus.br/noticias/cnj/88616-centros-solucao-de-conflitos-sao-considerados-atividade-fim-do-judiciario. Acesso em
13 mai 2019.

Autor
Juliana Silva de Queiroz Pinheiro

Graduanda em Direito, pela Universidade Estadual de Montes Claros, aprovada no XVIII Exame da
Ordem dos Advogados do Brasil, técnica em Farmácia pelo Senac-MG, ex-estagiária da Advocacia Geral
da União, Seccional Montes Claros; e da Novo Nordisk Brasil, unidade Montes Claros. Cristã, casada, mãe de dois filhos,
pianista, amadora no violão e flauta doce. 25 anos de idade. Inglês intermediário.
Informações sobre o texto

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