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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Centro de Educação, Filosofia e Teologia – CEFT


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

ANDERSON CARLOS GOMES CARDOSO

MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS:


DO PENTECOSTES ÀS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DO APÓSTOLO PAULO

São Paulo
2018
ANDERSON CARLOS GOMES CARDOSO

MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS:


DO PENTECOSTES ÀS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DO APÓSTOLO PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Religião,
como requisito parcial a obtenção de título
de Mestre em Ciências da Religião.

ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro

São Paulo
2018
C268m Cardoso, Anderson Carlos Gomes
Missőes em Atos dos Apóstolos: do Pentecostes ás propostas
evangelísticas do apóstolos Paulo / Anderson Carlos Gomes
Cardoso – 2018.
120 f.: il.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade


Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.
Orientador: Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro
Bibliografia: f. 117-120

1. Missões 2. Ações evangelísticas 3. Missiologia I. Paulo


(Apóstolo) II. Ribeiro, Lidice Meyer Pinto, orientador III. Título

LC BS2625.5

Bibliotecário Responsável: Eliezer Lírio dos Santos – CRB/8 6779


Dedico esta pesquisa a Deus em quem
descanso o meu ser e a minha alma, a
minha esposa, Selma Moura da Silva
Cardoso, que está ao meu lado me
incentivando desde o dia em que me
conheceu, sempre acreditando. À minha
filha Caroline, o meu maior bem precioso
presenteado por Deus, ao meu saudoso
Pai (in memorian) Pb. Paulo Cardoso da
Silva que foi um exemplo para a minha vida
com o seu testemunho de vida, à minha
mãe Maria Ruth Gomes da Silva por tudo
que me ensinou durante a minha
caminhada, aos meus Avós (in memorian)
Pb. Osmar da Silva Gomes, Luzia da Silva
Soares e Maria Cornélia Soares que
exerceram um papel fundamental na
minha vida cristã como referencia e, que,
certamente, estariam muito felizes com
este momento, e, finalmente à minha
orientadora, Dra. Profª Lidice Meyer Pinto
Ribeiro que fez por mim, muito mais do que
eu poderia esperar, aos professores do
curso e aos amigos de caminhada.
AGRADECIMENTOS

Registro aqui, minha gratidão a Deus Pai que me elegeu antes da fundação do
mundo para a vida eterna por meio da justificação da Fé em Cristo Jesus, seu único
Filho, recebida através da graça derramada pelo Espírito Santo.
À minha família, a começar pela minha esposa Selma Moura da Silva Cardoso,
amor da minha vida, que está ao meu lado me dando força em todo o momento que
precisei para a realização deste trabalho, à minha mãe, Maria Ruth, peça fundamental
para que eu chegasse até aqui, ao meu saudoso Pai, Paulo Cardoso (in memorian),
um sábio homem de quem sinto muita falta, aos meus saudosos avós (in memorian),
aos meus irmãos, cunhada, sobrinhos, minha sobrinha neta, Helena, aos meus
enteados, e como não poderia deixar de citar o maior presente que Deus me deu,
minha linda filha Caroline Cardoso, meu tesouro.
Ao casal de amigos Rev. Luiz Otavio Nogueira e sua esposa Janete Nogueira
pela recepção em sua casa com todo carinho a mim dispensado durante um ano em
meio as viagens entre Petrópolis e São Paulo.
Ao meu amigo Rev. José Mirabeau que me ajudou num momento impar da
minha caminhada.
Ao Pastor Natalino Rogelio Oliveira Soares, um grande amigo e companheiro
de caminhada.
Aos amigos confrades que sempre me apoiaram neste desafio acreditando que
poderia vencer mais esta etapa da minha vida.
A 2ª Igreja Presbiteriana em Petrópolis que entendeu o meu projeto de vida e
me apoiou quando iniciei o curso de Ciências da Religião.
Aos Casais Lawrence e Hulda Louzada, Luiz e Marcia Firmino que nos últimos
tempos foram e são bênçãos na minha vida e de minha esposa.
Ao Rev. Romer Cardoso, Diretor do Seminário Presbiteriano Rev. Ashbell
Green Simonton do Rio de Janeiro pela a atenção e carinho a mim dispensado.
Aos amigos Pb. Paulo Sá e o Dc. Mauricio de Paula que sempre acreditaram
em mim incentivando-me na vida eclesiástica e acadêmica.
Ao casal de amigos, Rev. Almir Henrique e sua esposa Rosa, pelos conselhos
sábios que sempre me deram nos momentos que mais precisei.
Ao casal de amigos Gilberto Correa e Ludmila Reis pelo apoio que sempre me
deram na minha caminhada, amigos mais chegados do que irmãos.
A Prof.ª Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro, orientadora, professora, amiga dos
tempos de mocidade, vocacionada para o ensino, fazendo com excelência para o que
foi chamada, tendo na sua genealogia seus pais Rev. Javan Pinto Ribeiro (in
memorian) e Sua Mãe Mathilde Meyer Pinto Ribeiro (in memorian), os quais tive a
honra de conhecer e por ver sua filha dar continuidade ao que ensinaram e praticaram
com seus exemplos de vida.
Ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
da Universidade Presbiteriana Mackenzie que ampliou com certeza a percepção na
atividade da pesquisa acadêmica, o comprometimento com os referenciais teóricos, o
distanciamento necessário e o envolvimento imprescindível, na busca de excelentes
resultados.
Aos colegas de curso, pela companhia, discussões e incentivos, em meio a
falta de tempo, recursos, distâncias, tornando tudo mais leve e interessante.
Ando devagar porque já tive pressa e levo
este sorriso porque já chorei demais. Hoje
me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,
eu só levo a certeza de que muito pouco
sei ou nada sei. [...]É preciso amor para
poder pulsar, é preciso paz para sorrir, é
preciso chuva para florir.
(Almir Sater e Renato Teixeira)
RESUMO

O presente trabalho Reflete sobre às propostas evangelísticas do Apóstolo Paulo,


buscando analisar como estas iniciativas podem se aplicar as contingencias da
contemporaneidade. Esta análise das missões no livro de Atos dos Apóstolos
ressaltada o papel do maior missionário do Novo Testamento, a saber o Apóstolo
Paulo. Este tem sua relevância na sociedade na qual vive, exercendo o seu
protagonismo para o que foi chamado, cumprindo o seu mandato missional através
das suas viagens missionárias, as quais foram essenciais para a expansão do
Evangelho no início da Igreja Primitiva. Como problema central elegeu-se a seguinte
questão: Qual a contribuição paulina em Atos através de suas ações evangelísticas,
para a construção de uma consciência missiologica na cristandade? O objetivo do
trabalho é analisar quais ações evangelísticas utilizadas por Paulo ainda podem ser
utilizados hoje pela cristandade em sua missão anunciadora das Boas Novas. A
pesquisa qualifica-se, metodologicamente, como levantamento bibliográfico através
da consulta de diversas fontes bibliográficas além da própria Bíblia Sagrada. A
pesquisa contextualiza-se como contribuição e incentivo para outros trabalhos sobre
o assunto, como também, sirva de contribuição à comunidade acadêmica. Diante do
proposto pelo pesquisador, o trabalho indica que as ações evangelísticas paulinas
podem ser utilizadas como base para a missão anunciadora da igreja atual, servindo
de fundamentação teológica e motivação missional.

Palavras-chave: Missões; Paulo; Ações Evangelísticas; Missiologia.


ABSTRACT

The present work Reflects on the evangelistic proposals of the Apostle Paul, trying to
analyze how these initiatives can apply the contingencies of contemporaneity. This
analysis of the missions in the book of Acts of the Apostles underscored the role of the
greatest New Testament missionary, namely the Apostle Paul. It has its relevance in
the society in which it lives, exercising its protagonism for what it has been called,
fulfilling its missionary mandate through its missionary trips, which were essential for
the expansion of the Gospel in the beginning of the Primitive Church. As a central
problem, the following question was raised: What is the Pauline contribution in Acts
through his evangelistic actions, to the construction of a missiological consciousness
in Christendom? The purpose of the work is to analyze what evangelistic actions used
by Paul can still be used today by Christendom in its Good News announcing mission.
The research qualifies, methodologically, as a bibliographical survey through the
consultation of several bibliographical sources besides the Holy Bible itself. The
research contextualizes itself as contribution and incentive for other works on the
subject, as well as, it serves as contribution to the academic community. In view of the
researcher's proposal, the work indicates that the Pauline evangelistic actions can be
used as a basis for the current mission of the church, serving as a theological
foundation and missionary motivation.

Keywords: Missions; Paulo; Evangelistic Actions; Missiology


ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – MAPA DA PRIMEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO .............. 64

FIGURA 2 MAPA DA SEGUNDA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO ................. 70

FIGURA 3 – MAPA DA TERCEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO .............. 75


ÍNDICE DE ABREVIATURAS

Abreviação do Livro Livro Bíblico


1 Co 1 Coríntios
1 Tm 1 Timóteo
1 Ts 1 Tessalonicenses
2 Co 2 Coríntios
2 Tm 2 Timóteo
2 Ts 2 Tessalonicenses
At Atos dos Apóstolos
Fl Filipenses
Gl Gálatas
Hb Hebreus
Is Isaías
Jl Joel
Jl Joel
Jo João
Lc Lucas
Mt Mateus
Rm Romanos
Sl Salmos
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 12
2 MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS....................................................... 15
2.1 A GRANDE RELEVÂNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA MISSÃO EM ATOS
DOS APÓSTOLOS............................................................................................ 21
2.2 O PROTAGONISMO DE PEDRO COM O SEU DISCURSO NO
CUMPRIMENTO NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS........................... 31
2.3 A IMPORTÂNCIA DOS MISSIONÁRIOS E DAS MULHERES NA MISSÃO
EM ATOS DOS APÓSTOLOS............................................................................ 35
3 PAULO E SUA SOCIEDADE ......................................................................... 43
3.1 O PROTAGONISMO DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS................. 50
3.2 AS ESTRATÉGIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS ................... 58
3.3 AS VIAGENS MISSIONÁRIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS. 64
4 AS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DE PAULO........................................ 79
4.1. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM TESSALÔNICA............. 88
4.2. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM ATENAS ....................... 94
4.3. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM CORINTO ..................... 106
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 117
REFERÊNCIAS................................................................................................. 118
12

1 INTRODUÇÃO

Partindo da hipótese de que as estratégias missionária do apostolo Paulo pode


ser aplicada as grandes cidades dos dias atuais, objetivou-se realizar um
levantamento bibliográfico que trouxesse à luz a realidade vivenciada por Paulo no
primeiro século a fim de verificar sua aplicabilidade ás missões urbanas hoje.
Esta pesquisa justifica-se em face da necessidade de um debate equilibrado
sobre a missão em Atos dos Apóstolos tendo seu início no Pentecostes e terminando
nas propostas evangelísticas do Apóstolo Paulo em Atos 17 e 18. .
Como problema central elegeu-se a seguinte questão: Qual a contribuição
paulina em Atos para a construção de uma consciência missiologica na cristandade?
O objetivo do trabalho é analisar quais propostas evangelísticas utilizadas por
Paulo ainda podem ser utilizados hoje pela cristandade em sua missão anunciadora
das Boas Novas.
Como objetivos específicos pretendeu-se fazer uma análise sobre a ação
missionária em Atos dos Apóstolos do Pentecostes; as propostas ações
evangelísticas do apóstolo Paulo em Atos Capítulo 17 e 18, assim observa-se o início
da missão a partir do grande fato histórico e muito relevante que foi a descida do
Espirito Santo o qual foi denominado de Pentecostes. A intenção não é esgotar o
tema, mas contribuir de forma a ressaltar este diálogo entre Ciências da Religião e
Teologia dando a possibilidade de resgatar dados sobre a segurança e a certeza
quanto ao anúncio do Evangelho, de posse de instrução bíblica e acadêmica,
mantendo-se firme nesta diversidade inter-religiosa dos dias atuais.
Como problema central elegeu-se a seguinte questão: Qual a contribuição
paulina em Atos para a construção de uma consciência missiologica na cristandade?
Desta forma, em face da sua relevância, espera-se que essa pesquisa se
preste como incentivo para outros trabalhos sobre o assunto, como também, sirva de
contribuição à comunidade acadêmica por mostrar que a missão em Atos dos
Apóstolos é de grande importância para a o diálogo entre Teologia e Ciências da
Religião
Metodologicamente, as informações necessárias ao conteúdo da pesquisa
foram levantadas em fontes de materiais histórico-teológicos, considerando apenas
as obras que tratem das ênfases que se pretende abordar. A pesquisa seguirá a
abordagem metodológica histórico-teológica-social, buscando, quando possível,
13

valer-se das fontes primárias, por sua proximidade dos fatos, e na falta dessas, por
fontes secundárias coerentes com a proposta do assunto.
É importante apontar, reconhecer e valorizar a importância da prática
missionária realizada por Pedro e, principalmente, Paulo, o primeiro missionário da
história da Igreja no Novo Testamento; o apóstolo que transcendeu todas as esferas
da sociedade e que através das estruturas abordadas por ele. A pesquisa em
discussão é realizada na área da Ciências da Religião dialogando com a Teologia
tendo como norte o termo missões, dando destaque a partir do Pentecoste até as
propostas do apóstolo Paulo em Atos 17-18.
Observa-se na primeira seção do trabalho que a missão em Atos dos apóstolos
teve a sua importância dentro do contexto abordado quando através do Pentecostes,
o apóstolo Pedro começa a exercer a sua grande liderança com o seu discurso tendo
um papel de grande relevância no início da Igreja Primitiva, pois nesta etapa da
pesquisa, ressalta-se que o conceito de missão em Atos se deu em função do
cumprimento do mandato missional decorrido de outro evento chamado ressurreição
de Jesus Cristo, pois foi através do evento morte e ressurreição de Cristo Jesus que
foi possível ocorrer o Pentecostes.
Na segunda seção aborda-se o grande protagonismo de Paulo onde seu
trabalho começa a ser observado como um apóstolo nascido fora de tempo tendo a
sua figura ressaltada de perseguidor a perseguido quando a caminho de Damasco
tem um encontro com Cristo tendo a partir deste evento uma mudança radical na sua
história, pois foi através deste encontro que Paulo começou a exercer o seu
protagonismo em meio a missão a ele atribuída, assim tratamos pois esse
protagonismo se dá em meio a sua missão, suas origens. Ainda neste capítulo,
tratamos, principalmente, a sua história, a sociedade a qual ele convive, pois é nesta
sociedade em que Paulo, ao anunciar o evangelho, utiliza-se de algumas estratégias
que abordamos e, dentre os quais, ressalta-se as viagens missionárias na a expansão
do Reino.
Na terceira seção são apresentadas as propostas do apóstolo Paulo na missão
em Atos dos Apóstolos, propostas estas que tem o seu ponto culminante em Atos 17
e 18, onde o Apóstolo Paulo as apresenta em três cidades de muita relevância no
início das comunidades cristãs, a saber Tessalônica, Atenas e Corinto, pois nestas
cidades Paulo sofre perseguição, é contestado, se submete as mais diversas
dificuldades, mas não desiste e caminha sem duvidar do seu chamado missionário,
14

apresentando suas propostas evangelísticas a estas cidades, sendo estas,


Tessalônica, Atenas e por fim, Corinto.
15

2 MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS

O objeto desta seção é a forma nasceu o conceito de missão no Livro dos


Atos dos Apóstolos e de que forma o mandato missional decorreu do evento da
ressurreição de Jesus Cristo. Ao final deste capítulo, poder-se-á observar como esse
mandato missional era realizado

Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali


navegaram para Chipre. 5 Chegados a Salamina, anunciavam a
palavra de Deus nas sinagogas judaicas; tinham também João como
auxiliar. [...] 15 Depois da leitura da lei e dos profetas, os chefes da
sinagoga mandaram dizer-lhes: Irmãos, se tendes alguma palavra de
exortação para o povo, dizei-a. [...] 26 Irmãos, descendência de Abraão
e vós outros os que temeis a Deus, a nós nos foi enviada a palavra
desta salvação. [...] 34 E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para
que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a
vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. [...] 38 Tomai,
pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de
pecados por intermédio deste; 39 e, por meio dele, todo o que crê é
justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser
justificados pela lei de Moisés. [...] 48 Os gentios, ouvindo isto,
regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os
que haviam sido destinados para a vida eterna. 49 E divulgava-se a
palavra do Senhor por toda aquela região. [...] 52 Os discípulos, porém,
transbordavam de alegria e do Espírito Santo. (At. 13, 4-52).

O programa da missão universal da comunidade cristã é apresentado no texto


do evangelista Lucas.
A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei,
estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim
está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. 45 Então,
lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; 46 e lhes
disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar
dentre os mortos no terceiro dia 47 e que em seu nome se pregasse
arrependimento para remissão de pecados a todas as nações,
começando de Jerusalém. 48 Vós sois testemunhas destas coisas. 49
Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na
cidade, até que do alto sejais revestidos de poder”. (Lc 24, 44-49).

Lucas retrata em seu Evangelho as palavras de Jesus sendo cumpridas


através de suas promessas feitas aos seus discípulos, começando por Jerusalém,
antecipando o seu ministério à comunidade cristã no Livro dos Atos quando, de fato,
tem início o mandato missional. E, assim, o alcance, a estrutura e o conteúdo dos Atos
dos Apóstolos são conduzidos pelo tema da missão universal, ou seja, o ministério do
Reino de Jesus, que chegou ao seu ápice com a sua morte, ressurreição e retorno
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triunfante ao Pai será continuado por meio da direção do Cristo ressuscitado e pelo
poder do Espírito na própria história da comunidade.
O Novo Testamento fornece muitos detalhes concernentes ao início,
organização e execução apropriada do ministério da igreja:

Ao longo do livro de Atos, o crescimento da igreja é indicado pela frase:


“e a palavra de Deus se espalha”, juntamente com o relato de batismos
de adultos convertidos com toda a sua casa. Os cristãos se reuniam
regularmente para o ministério público de pregação e ensino, da
comunhão, da Ceia e das orações [...] com base na Grande Comissão,
as igrejas da Reforma afirmam que a verdadeira igreja é visível onde
quer que a palavra seja corretamente pregada e os sacramentos
sejam corretamente administrados. (HORTON, 2014, p. 182-183).

Senior afirma que a missão universal foi iniciada pelo ministério de Jesus e
agora deve ser executada pela sua igreja; a liderança apostólica da igreja (os Doze e
Paulo) levarão a missão até as extremidades da terra. (2010, p. 406)
E, como figura predominante na missão de Jerusalém. O evento do Espirito
Santo e o sermão subsequente de Pedro no Pentecostes comovem os judeus de
Jerusalém que se reuniram “de todas as nações que há debaixo do céu” (At. 2,5-11).
Horton afirma que embora os sinais tenham mudado e o Espírito seja
derramado tanto sobre mulheres como sobre homens, o Novo Testamento afirma que
pertencemos à aliança da graça que os crentes usufruíram no Antigo Testamento.
(HORTON, 2014, p. 190)
Senior, porém, afirma que:
Mesmo que a concentração seja ainda sobre judeus e não gentios, a
ênfase de Lucas sobre a diáspora neste texto confirma o fato de que
o evento salvador iniciado aí levará, conforme sugere a citação de
Joel, o Espirito de Deus a “toda carne” conforme Atos 2,17 e que a
dimensão universal análoga e subentendida no discurso de Pedro no
pórtico de Salomão, onde ele lembra aos Jerosolimitamos que “vós
sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com os
vossos pais, quando disse a Abraão: Na tua descendência serão
abençoadas todas as famílias da terra.” (SENIOR, 2010, p. 407)

Tendo esta afirmação constatada em (At.3,25). É importante ressaltar que a


eclesiologia decorre da missão que começa a se organizar com a experiência da
comunidade primitiva no dia de Pentecostes, até o tempo em que o autor dos Atos faz
entrar na sua narrativa os que são escolhidos pelo Espírito, para presidirem e
acompanharem o seu “Rebanho” na igreja, dentro do qual o Espírito os constitui
pastores. E, sendo assim, para nós, a presente consideração apresenta alguns sinais
17

importantes a serem destacados ao confrontar a íntima relação que existe entre


espírito e comunidade, a experiência pessoal de fé em Cristo Jesus, antecedendo o
nascimento da Igreja Primitiva como um evento do Espírito. Este anúncio é,
especificamente, a comunicação de uma notícia de uma pessoa para outra, ou seja,
quanto mais a notícia é um fato que o porta voz experimenta em si mesmo, mais esta
comunicação significa um encontro interpessoal e determinante para a comunidade
que hora se inicia.
Esta novidade da ação de Cristo Jesus na igreja primitiva consiste,
precisamente, na atuação pessoal e no interior desta realizada pelo Espírito Santo,
portanto, a vida da igreja está toda alicerçada numa relação íntima com o Espírito de
Cristo Jesus, entendendo assim que a atuação do Espírito no meio da igreja inaugura
uma nova relação de cada membro com o Espírito Santo, ou seja, podemos chamar
esta relação de uma relação interligada com a Trindade.
Ressalta-se que todo este processo do nascimento da igreja primitiva como
comunidade da fé, não se pode ignorar, pois, os quais segundo o nosso parecer crítico
caracterizam a igreja dos Atos dos Apóstolos. Assim, Boff destaca dois fatos
importantes nesse argumento.
Desta forma, Boff afirma o seguinte:
O primeiro fato é o da expansão do cristianismo, que tinha como base
a família, as casas, filhos, escravos, criadagem e os agregados, os
que serviam e viviam dos bens da casa, tendo á frente o “patriarca da
família” ou a “matriarca da família”. O segundo fato é o dos diferentes
cruzamentos que se davam entre os membros de cada comunidade,
tornando a vida de cada uma bastante complexa na sua relação com
as outras. Este fato nos dá a entender de que tais comunidades não
eram tão perfeitas, sobretudo quando são vistas em seu conjunto.
(BOFF, 1995, p. 141).

É observado que a experiência de fé das comunidades, descritas por Lucas


no Livro dos Atos dos Apóstolos, são apresentadas de várias maneiras com suas
diferentes estruturas. Mesmo com essas complexidades, essas comunidades
expandiram o cristianismo pelo mundo servindo de inspiração para os dias de hoje.
Ampliando este debate, observa-se que um, discipulado verdadeiro, envolve
homens e mulheres de diversas camadas sociais, independente, de suas raças,
aumentando o amor e serviço no ensino da Palavra.
Horton também afirma que, quando Jesus incluiu em sua comissão
“ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”, ele salienta de que
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o discípulo é antes de tudo um aprendiz. É por isso que a igreja primitiva perseverava
“na doutrina dos apóstolos”. (HORTON, 2014, p. 194).
Fica evidente a advertência no tocante ao relacionamento entre espírito e
comunidade por intermédio de movimentos, palavras e do exercício de fé da
comunidade a partir do evento Pentecostes, pois se a fé no Cristo ressuscitado
antecede o nascimento da igreja, a mesma, contudo, é o componente crucial para a
intervenção do Espírito Santo, pois é a manifestação do Espírito Santo que coloca em
atividade a ação de cada pessoa dando um novo rumo e entusiasmo a vida da igreja,
dando a esta a oportunidade de anunciar publicamente aos ouvintes de todos os
povos e nações o Cristo Ressuscitado. .
Ressalta-se aqui que essa experiência torna-se uma experiência coletiva do
Espírito dos “últimos dias” (At. 2,17), criando assim, na comunidade cristã, um ânimo
que possibilitou a cada um, quer sejam homens e mulheres, colocar em pratica a
proclamação da Palavra buscando imaginar que as primeiras comunidades de fé se
caracterizam por serem agradáveis, transmitindo ânimo a seus membros após
assistirem a ação do Espirito Santo. Provavelmente, só mais tarde a comunidade
passa a tomar consciência da missão dada pelo espírito a ela, do impulso para tal
missão e da sua continuidade não como chegada dos “últimos dias”, mas como
começo de uma época mais prolongada de ação pelo Reino a época da igreja. É
importante observar que a missão em Atos dos Apóstolos tem seu início na
comunidade cristã, missão e comunidade caminham lado a lado na proclamação do
evangelho. Lucas está consciente de que a comunidade criada pelo derramamento
do Espírito se inscreve no movimento missionário inaugurado por Cristo Jesus.
Ao falar da vida, da obra e do mistério de Cristo Jesus, ele fala também da
comunidade dos discípulos que o acompanharam, pois Lucas ao falar no seu
Evangelho, falou da missão de Cristo Jesus como proclamação e exercício nos Atos
dos Apóstolos, sendo assim, esta comunidade representa o início das futuras
comunidades cristãs, cuja completude só acontecerá com a vinda do Espírito Santo.
A igreja que nasce no período pré-pascal, nasce de todo o mistério de Cristo Jesus,
ou seja, da Mensagem do Reino, das obras, da morte-ressurreição e do envio do
Espírito Santo.
Lucas não só apresenta o testemunho e o anúncio da comunidade primitiva a
todos os ouvintes, mas também fala de seus trabalhos e de sua prática para tornar o
evangelho conhecido de todos. Desta forma, ao relatar sobre essa comunidade, o
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autor de Atos apresenta em seus destaques alguns pontos que afloram da vida e da
lida missionária de seus membros: a identidade, a fidelidade e a unidade. Enfim, o que
o autor dos Atos apresenta uma espécie de “carta de identidade” da igreja primitiva,
ou seja, uma comunidade inspirando outras comunidades que se formam depois dela,
sendo assim, apresenta-se um estilo de vida cristã aberto ao mundo, independente
das várias diferenças nas quais vive e das muitas interseções que se dão entre elas.
Assim, podemos afirmar que todo o livro dos Atos oferece vários modelos de formação
das comunidades cristãs como o evento do Pentecostes. Elas só se tornam “modelo”
das comunidades cristãs com o evento do Espírito, ou seja, quando oferecem
subsídios básicos que têm sua fonte no mistério de Cristo Jesus. E, assim, dois
aspectos importantes a destacam-se, a saber: a identificação com o Espírito e a
identificação com a prática de Cristo.
O primeiro aspecto faz da comunidade um lugar onde o Espírito desenvolve
sua atividade na história, culturas, religiões e no mundo. Assim, podemos observar
que quando o evangelista Lucas retrata a vida diária da primeira comunidade, ele a
faz pela prática e seu testemunho mesmo tendo uma realidade diferente. Assim
sendo, esta comunidade de fé guiada pelo espírito refaz os atos de Cristo Jesus
quando o mesmo realizava os seus sinais e prodígios; anunciando com intrepidez a
palavra quando essas eram ensinadas em recintos fechados como em casas e nas
sinagogas, afirmando ser Cristo o Filho de Deus, anunciando aos gregos e judeus o
significado da ação de graças, do partir do pão, buscando manter comunhão uns com
os outros, na comunhão e na fé com um só coração e uma só alma adequando o
mistério de Cristo.
O segundo aspecto a ser abordado é que a comunidade cristã retratada por
Lucas assemelha-se a uma grande quantidade de pessoas que são conhecidas por
suas experiências de fé no mistério da vida de Jesus. Tendo inclusive os apóstolos
conhecidos de todos contando com Tiago, os discípulos, Matias, alguns diáconos,
Paulo, Maria, a mãe de Jesus e as mulheres mais próximas, ou seja, em palavras
mais simples, conclui-se que a comunidade de fé descrita no Livro dos Atos apresenta
dois aspectos que nascem do Espírito de Jesus e da sua missão no meio dos povos
e do mundo.
Conforme observa-se aqui, os escolhidos são pessoas próximas de Jesus,
pessoas que foram testemunhas de sua vida e de sua prática missionária, pois com
ele comeram juntos e neste momento através do Espirito Santo garantem o
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prosseguimento da prática de Jesus através desta comunidade cristã. Desta forma,


esta prática não seria possível não fosse em função das características de cada
pessoa com o Espírito doado por Cristo Jesus, característica esta, principal da
comunidade cristã.
É importante também salientar que a fidelidade à tradição deixada por Cristo
Jesus, e segundo Lucas, ensinada pelas ações e palavras dele é mencionada a partir
da experiência da ressurreição realizada pelas pessoas da comunidade cristã. Uma
explicação para o testemunho apostólico, buscando transmitir as palavras e os ditos
impecáveis de Jesus sendo uma compreensão fidedigna do que Jesus disse dos seus
atos e seus ensinamentos. A partir desse pressuposto surge uma nova situação que
se constitui com a ressurreição. A fidelidade da iniciante comunidade a Jesus
enquanto comunidade visível e instituída pelo Espirito Santo sustentando-se
fundamentalmente pela tradição da palavra de Jesus fazendo com que essa
comunidade se refaça através dos séculos e, tendo como norte dessa tradição, a
proclamação da palavra e a prática do Senhor Jesus realizada durante sua vida
terrena. E, assim, observamos neste ponto fundamentos da comunidade primitiva que
nos permitem abordar dois elementos que podem exemplificar a composição da
tradição cristã e transmissão:
a) No primeiro elemento vemos o envio dos discípulos em sua missão. Desta
forma, após um tempo na prática do ministério, Jesus os envia em missão
dando-lhes poder de proclamar o reino de Deus, curar, praticando o mesmo
que ele fazia.
b) No segundo elemento é levado em conta na comunidade, que se inicia neste
mandato missional, uma vida no Espirito. É indiscutível que os discípulos
viveram uma vida comunitária de dedicação total a Cristo e ao seu Reino, pois
foi através desses requisitos que Lucas afirma para aqueles que querem seguir
Jesus, abandonar famílias, bens e profissão para unir-se a um pregador
itinerante. E, fazendo uma reflexão a despeito dos fatos da obra salvadora de
Jesus e à experiência do Espírito Santo no dia de Pentecostes observamos que
tais experiências foram propagadas e recebidas por meio da história e por meio
das testemunhas da palavra e lealdade da comunidade primitiva, pois devido a
essa propagação, a proclamação, os gestos e a palavra atualiza e renova a
fidelidade à tradição ensinada por Cristo.
21

Portanto, o envio para a missão e o “indo” de Jesus vivido como prática em


uma comunidade que se direciona na força e na luz do espírito são elementos que se
comprometem a fidelidade, a tradição passada por Jesus, sem deixar que esta se
torne uma simples recorrência do passado, ou seja, este envio e seguimento que
nascem do Espirito permanecem como uma força inovadora cuja habilidade direciona
para uma comunhão entre homens e mulheres de fé que, enquanto não se
assentarem a mesa com os publicanos e prostitutas da sociedade, não será realizada
a missão histórica escatológica do Espírito. Sendo assim, fica claro que Lucas se
dirige à comunidade formada através do Pentecostes e o mesmo continua a descrever
como o Espírito Santo se dirige a comunidade. Sendo de fato, o Espírito Santo, o
entendimento da cada integrante desta comunidade.
Outro fator importante no envio de missionários são os presbíteros, colocados
pelo Espírito Santo como guardiães da comunidade cristã de Éfeso para apascentar
o rebanho, como se vê no texto: “Estai atentos a vós mesmos e a todo o rebanho:
nele o Espírito Santo vos constituiu guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus,
que ele adquiriu para si, pelo sangue de seu próprio Filho”. (At.20,28).
É importante ressaltar que os presbíteros têm a responsabilidade humana de
preocupar-se para que Espírito exerça o seu papel em cada um dos membros da
comunidade cristã sendo exemplo para a comunidade cristã.
Para Fabris (1991, p.369) o encargo dos presbíteros deriva do Espírito Santo,
que por meio de mediações humanas os coloca como guardiães do rebanho.
Neste olhar de Lucas, a extensão comunitária da missão do Espírito se faz
presente e operante na comunidade de fé confirmando, assim, o grande destaque do
Espírito Santo na missão em Atos dos Apóstolos.

2.1 A GRANDE RELEVÂNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA MISSÃO EM ATOS DOS


APÓSTOLOS.

A relevância do Espírito Santo na missão em Atos dos Apóstolos através da


ação do espírito pelas Escrituras do Novo Testamento é elencada em três partes por
Boff, a começar com o primeiro discurso de Pedro.

“Então, se levantou Pedro, com os onze; e, erguendo a voz, advertiu-


os nestes termos: Varões judeus e todos os habitantes de Jerusalém,
tomai conhecimento disto e atentai nas minhas palavras. 15 Estes
homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta
a terceira hora do dia. 16 Mas o que ocorre é o que foi dito por
22

intermédio do profeta Joel: 17 E acontecerá nos últimos dias, diz o


Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos
filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e
sonharão vossos velhos; [...] 37 Ouvindo eles estas coisas, compungiu-
se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que
faremos, irmãos? 38 Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada
um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos
vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo[...] 41 Então, os
que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo
naquele dia de quase três mil pessoas”. (At. 2,14-41).

De acordo com esta relevância do Espírito Santo, após a experiência do


Pentecostes, o Espírito de Deus continua a inspirar a ação de homens que se
destacam pelo o seu trabalho.
Fabris afirma que o Espírito Santo chama e envia em missão figuras que a
narrativa dos Atos destaca pela sua atuação missionária dentro e fora do povo de
Israel. Dentre essas figuras, abordamos a atuação missionária de Filipe, que explica
o sentido da Escritura ao ministro da rainha de Candace, o eunuco da Etiópia, com
quem atua como instrumento a serviço do Espírito, o qual dirige os seus passos nesta
catequese. (FABRIS, 1991, p.175)
Greenway trata este assunto de forma detalhada explicando existir a
importância do Espírito Santo na missão da igreja em Atos dos Apóstolos.

É comum reconhecer que a apresentação da missão feita por Lucas


em Atos tem menos a ver com “Atos dos Apóstolos” do que com “atos
do Espírito Santo”, tem menos a ver com a missão da igreja do que
com a missão de Deus, sendo cada pessoa da divindade como
“enviador”, comissionado à missão, cada pessoa da Trindade é
também um é “enviado”, um agente missionário bem como um
participante trabalhando por meio dos agentes humanos. Finalmente
Lucas não hesita em enfatizar que os resultados da missão são
divinos. (GREENWAY, 2001, p. 57)

Ao final do encontro, que se conclui com o batismo do eunuco, é ainda o


Espírito que desloca Filipe e o encaminha na estrada da nova missão ao longo da
costa mediterrânea, terminando em Cesaréia. “Quando saíram da água, o Espírito do
Senhor arrebatou a Filipe, não o vendo mais o eunuco; e este foi seguindo o seu
caminho, cheio de júbilo” (At. 8,39).
A ressurreição, o mandato missionário, a pregação dos Doze, dos setenta e
das mulheres, bem como dos discípulos e das discípulas que vão crescendo em
número, são renovados, segundo ela: “a pregação é compreendida pela fé no Senhor
23

ressuscitado, que constitui a plenitude do Kérygma da comunidade primitiva.”


(FRIEDRICH, 1967, p. 464).
Greenway trata deste assunto ressaltando a importância em que os primeiros
cristãos tinham com a linguagem do evangelho.

Os primeiros cristãos tinham que “traduzir” as palavras e ideias do


evangelho em linguagens e atitudes que todos os tipos de pessoas
pudessem entender. Os evangelistas e missionários levavam o
evangelho a livres e escravos, homens e mulheres, intelectuais e
incultos, astrólogos, supersticiosos e seguidores de outras religiões.
Cada um desses grupos representava um desafio particular Todos
precisavam ouvir o evangelho de modo que pudessem compreendê-
lo, ou seja, os primeiros missionários insistiam em que todos aqueles
que desejassem se tornar discipulos de Cristo fossem convertidos. Isto
significa crer somente em Cristo como Salvador e Senhor,
abandonando todos os outros deuses e práticas religiosas e mudando
a maneira de viver para se conformar aos ensinamentos de Cristo. Os
primeiros missionários insistiam que a conversão era necessária,
mesmo não sendo esta uma ideia popular. Os missionários confiavam
que, quando era recebida, a mensagem se tornava uma força
transformadora no coração das pessoas e da sociedade.
(GREENWAY, 2001, P. 60 -61)

Proclamar o Jesus ressuscitado significa anunciar a plenitude do Reino de


Deu, ou seja, o critério que domina o pensamento teológico de Lucas, ao conceber a
missão como anuncio do Ressuscitado, é o da continuidade da história da salvação,
obra do Espirito em Jesus e na comunidade. Em ambos age o mesmo espirito de Deus
que atuou no povo de Israel. Nisto consiste a unidade e continuidade da ação de Deus
no meio de todas as nações da terra.
Jesus é o ápice da história de Israel, e os que ele chamou e elegeu são a
ligação entre o Jesus terrestre e o Senhor Jesus professado pela fé da comunidade
primitiva. (MÜHLEN, 1974, p. 110).
Em função disso, Boff retrata o seguinte:
Cada membro dessa comunidade atua pela força do espírito de Deus,
que é o mesmo Espírito doado por Jesus no Evento do Pentecostes e
nos sucessivos passos dados pela comunidade apostólica, ou seja, os
fundamentos da teologia do Espirito a partir do seu protagonismo na
missão dos homens e das mulheres que continuam a prática
missionaria inaugurada por Jesus no Evangelho. Em todo capítulo
primeiro dos Atos dos Apóstolos em que nos dá a entender esta
conexão: Jesus ensina pelo Espírito (At. 1,3) promete o batismo no
Espírito Santo (At. 1,5) e é com a força deste Espírito que os homens
e as mulheres serão testemunhas do Ressuscitado até os confins da
terra (At. 1, 8). (BOFF, 1995, p. 106)
24

Boff continua afirmando a respeito do significado e a função do Espírito Santo


na missão em Atos afirmando ser “O Espírito Santo, protagonista da missão. Não
podemos deixar de lembrar que a concepção do Espirito presente no início deste
estudo é evidente no livro dos Atos e desempenha a mesma função de princípio
dinâmico e ativo” (BOFF, 1995, p. 106).
Senior, nesse sentido afirma ser o evento do Espírito no dia do Pentecostes
que domina toda a narrativa do livro dos Atos dos Apóstolos e a sua estrutura e
conteúdo da universalidade da missão. (SENIOR, 2010, p. 369).
Dentro deste contexto, Boff (1990, p. 105) afirma que a comunidade primitiva
descrita por Lucas no Livro dos Atos dos Apóstolos não pode ser considerada como
cópia da comunidade iniciada por Jesus com os Doze e os Setenta por dois motivos:
Primeiro, porque o Espírito de Jesus garante a continuidade da sua presença
nela, através dos gestos, das palavras e da prática de cada um dos membros que
compõem. E segundo, porque é considerado o encontro dos crentes, homens e
mulheres, que “fazem” a Igreja, isto é, ela é uma igreja-ato, no sentido originário de
ekklesia no Novo Testamento.
E, assim, Boff, explica a relação existente entre Espírito e a comunidade
primitiva, segundo ela essa relação se deu através do Pentecostes.
Lucas mostra que o Espírito dinamiza a missão da comunidade, e esta traduz
para história aquilo que “viu” e “ouviu”. É o que Boff (BOFF, 1995, p. 135) chama de
consciência missionária da fé. De acordo com os argumentos que vimos acima
observamos a grande relevância dos autores da Evangelização nas missões em Atos
dos Apóstolos.
Segundo Kuiper, a pessoa do Pai se destaca como autor da Evangelização.
O Pai é o Autor da evangelização, Ele concebeu a evangelização na
eternidade. Igualmente na eternidade Ele comissionou o Filho para se
fazer merecedor da salvação em favor dos pecadores. Faria isso
mediante sua morte vicária na cruz que era objeto da maldição, e
mediante o oferecimento ao Pai – em favor dos pecadores – daquela
obediência perfeita que tem por recompensa a vida eterna. Deus o
Filho é o Autor da evangelização. Embora “subsistindo em forma de
Deus”, Ele “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”; contudo,
voluntariamente “assim mesmo se esvaziou, tomando a forma de
servo, tornando-se semelhante aos homens” cf. Filipenses 2.6-7. Para
que pudesse realizar a obra salvadora para a qual tinha sido
comissionado pelo Pai, quando veio ao mundo afirmou: “Eis aqui estou
(no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer ó Deus, a tua
vontade”. Hb 10,7. Afirmando que Cristo se tornou obediente até à
morte e morte de cruz cf. Fl 2.8. (KUIPER, 2013, p.10-12).
25

Foi no Pentecostes que o Espírito Santo foi derramado. Ele operou


poderosamente, tanto nos que falaram como nos que ouviram. Os discípulos
receberam, então, poder para serem testemunhas de Cristo no mundo inteiro. “Mas
recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas
tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (At.
1.8). E daqueles que estavam ouvindo, uns três mil foram convertidos e batizados. Foi
o Filho de Deus que, tendo conquistado o merecimento do Espírito em favor da Igreja,
nessa ocasião o derramou sobre a igreja. No sermão que Pedro pregou no dia do
Pentecostes (At. 2.33) “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a
promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis”.
Assim, Kuiper afirma que:

Deus na pessoa do Espírito Santo é identificado como autor da


evangelização, pois quando os homens santos do passado distante
predisseram o nascimento e ministério a morte e a ressurreição do
Salvador, e colocaram em forma escrita as suas profecias, de modo
que o Antigo Testamento é evangelho tanto quanto o Novo, eles foram
“movidos pelo Espírito” (2ª Pe 1,21b).No dia do Pentecostes o Espírito
Santo deu poder a um pequeno grupo de homens e mulheres
insignificantes, incultos e fracos – mas crentes – para se lançarem a
estupenda tarefa de conquistar o mundo para Cristo, seu Senhor. O
poder do Espírito foi adequadamente simbolizado por duas das
maiores forças da natureza – o vento e o fogo. Esse poder – é bom
lembrar – nunca se apartou e nunca se apartará da Igreja, pois, como
disse Cristo, o Espirito foi dado “A fim de que esteja para sempre
convosco”. (Jo 14.16b). (KUIPER, 2013, p.14)

Para Kuiper um segundo Pentecoste está fora de cogitação. O derramamento


do Espirito Santo no dia de Pentecoste foi um acontecimento único e que se deu uma
vez por todas, como no caso da encarnação do Filho de Deus. (KUIPER, 2013, p.14),
E, seguindo nesta linha de pensamento, Conzelmann afirma que “a função
messiânica de Jesus tem seu efeito pleno depois de sua exaltação, a partir da qual se
apresenta como aquele que foi ungido como Espírito Santo.” (CONZELMANN, 1974,
p. 246).
Ao anúncio da ressurreição segue-se a proclamação do Senhor Glorificado.
Sendo assim, a planificação desse anúncio se dá com a efusão do Espírito, enquanto
obra do senhor assentado á direita do Pai (At. 2,29-36). (CONGAR,1984, p. 58).
As às aparições pascais do Cristo glorioso e a despedida na ascensão
garantem esta fé. O espírito derramado copiosamente sobre a comunidade vai
26

impulsioná-la a tomar decisões importantes e vai prepará-la para a missão além de


suas próprias fronteiras. (LATOURELLE apud. BOFF, 1995, p.136)
Assim, Boff retrata a experiência do Espírito está na base do “ver” e do “ouvir”.
Os efeitos desse mesmo Espírito, ou seja, ninguém pode falar do
Espírito se antes não fez a experiência do mesmo. O que os
missionários “veem” é que Jesus está vivo, ele ressuscitou e derramou
seu Espírito sobre todas as pessoas abertas a esta novidade é ao
mesmo tempo espiritual e histórica. E o que os missionários “ouvem”
é a palavra da mensagem saída do coração de todas essas pessoas
que receberam a força do Espírito e a sabedoria de comunicá-lo aos
povos de todas as culturas. Cabe evidenciar que, sobretudo, Lucas
que acentua a importância da tangibilidade do encontro com o Espírito
através do Ressuscitado, começando pela sua aparição aos apóstolos
(Lc 24,39) “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e
entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais
vendo que eu tenho!” (BOFF, 1995, p. 136)

Quando Lucas retrata a recepção do Espírito, presume uma experiência


percebida como se deu várias expressões apresentadas por ele em Atos dos
Apóstolos, dentre as quais: o olhar dos apóstolos e a missão em meio aos
samaritanos.
Com relação a todas as manifestações do Espírito, Boff, registra o seguinte:

O aspecto dinâmico do Espírito que não se limita ao “ver” e ao “ouvir”


dos apóstolos e dos discípulos, mas a efusão do Espírito constitui o
início da nova geração de homens e de mulheres que realizam a
profecia de Joel1 em que toda a carne receberá o Espírito, isto é, os
filhos e as filhas, os servos e as servas “verão” com seus próprios
olhos, o Espírito se derramando sobre eles e sobre elas e “ouvirão”
com seus próprios ouvidos que este evento é a experiência profética
de todos os homens e de todas as mulheres. Ela se faz presente nas
atitudes, nas relações e na prática do dia-a-dia, em que o cotidiano é
mostrado de modo que cada instante dele é um acontecimento
extraordinário. Neste sentido, o Espírito caracteriza todos os aspectos
da vida porque penetra na consciência da pessoa e pervaga as suas
dimensões correspondentes. (BOFF, 1995, p. 137)

Outro ponto importante a ser abordado era como se atuava e se decidia com
o Espírito Santo, pois, na teologia lucana não concebe o Espírito separado da
comunidade, mas o coloca como o motor, a energia e a luz que sustentam cada
membro da comunidade de fé. (COMBLIN, 1975, p.140). É na força do Espírito que
se dá o testemunho cristão. (LATOURELLE apud. BOFF, 1995, p.137).

1
Joel 2,28-32.
27

O primeiro testemunho é dado quando a autoridade judaica contesta a prática


missionária nascente comunidade cristã, na pessoa dos acusados João e Pedro e dos
outros apóstolos, pois, para provar a verdade do anúncio que a comunidade proclama
e a torna conhecida de todos, Pedro e os apóstolos citam duas testemunhas: “nós e
o Espírito Santo.”
Eles mostram que a comunidade tem consciência de que o seu testemunho é
o testemunho do Espírito Santo, pois, através deste, a comunidade jamais poderá
deixar de falar daquilo que viu e ouviu.
É uma profissão de fé e de testemunho que mobiliza toda a comunidade para
o anúncio da palavra, cuja origem está na presença do Espírito atuando nela. Lucas
faz uso da expressão “nós e o Espírito Santo” também na redação da carta apostólica
dirigida aos irmãos em Antioquia, na Síria e na Cilícia

“Então, pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a


igreja, tendo elegido homens dentre eles, enviá-los, juntamente com
Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram Judas, chamado Barsabás, e
Silas, homens notáveis entre os irmãos,” (At. 15, 22).

Assim, nessa carta oficial, Boff afirma ser a consciência da comunidade que
age com o Espírito Santo é expressa na seguinte fórmula cf. Atos 15,28: “De fato,
pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor a nenhum outro peso além
destas coisas necessárias.” (BOFF, 1995, p.138).
Não é a comunidade, nem quem a preside, que dispõem do Espírito Santo,
mas é o Espírito que guia a comunidade por caminhos novos e impensados, desde
que cada membro se abra à ação do Espírito e conforme suas decisões ás exigências
desse Espírito. É assim que a comunidade de Jerusalém modifica sua interpretação
da lei, na difícil questão dos judaizantes. (At 15). (STÄHLIN,1974, p.352).
Depois de chegar à conclusão na discussão, a igreja toma decisões sobre a
forma de ensinar de Jesus sem obrigar outras formas, resguardando assim o princípio
dos ensinamentos. Ficando estabelecido nesses textos que o espírito e a igreja
constituem os dois elementos do “nós comunitário”. (COMBLIN, 1989, p.56).
E, finalizando este assunto, aplica à comunidade de fé cristã àquilo que santo
Irineu diz da Igreja: “Lá onde está a Igreja, lá está também o Espírito de Deus; e lá
onde está o Espírito de Deus, lá está a Igreja e toda a graça.” (CONGAR,1984, p. 14-
15).
28

Segundo Lucas, esta afirmação significa a profissão pública de fé, na


glorificação de Jesus, que recebeu do Pai o Espírito Santo prometido, e o anúncio de
que Jesus derramou seu Espírito sobre todos, homens e mulheres, sem exceções.
(FABRIS, 1991, p. 170)
Fabris, continua a afirmar que o significado teológico desse acontecimento está
intimamente ligado à exaltação do Cristo ressuscitado; é, portanto, um significado
transcendental que Lucas lhe dá. O Espírito de Pentecostes e a palavra dos Apóstolos
dão início à nova comunidade cristã. Esta se caracteriza pela sua abertura ás
dimensões da humanidade sem distinções de sexo, raça e cultura cf. afirma a obra
Atos dos Apóstolos. (FABRIS, 1985, p. 174).
Dentro da concepção da comunidade aberta ao Espírito e ao mundo a melhor
garantia da universalidade da missão é a iniciativa gratuita e livre do Espírito em favor
de todos os povos, pois só Espírito promove, na liberdade, novas relações e cria novos
espaços alternativos de comunicações. (FABRIS, 1985, p. 369)
É importante ressaltar também que a dimensão universal análoga ao texto
bíblico: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito
sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão
visões, e sonharão vossos velhos.” (At 2,17). Subentendida no discurso de Pedro no
Pórtico de Salomão, no qual lembra ao povo de Jerusalém a sua origem e a sua
descendência. Portanto, a Relação existente entre a exaltação de Jesus e a doação
do Espírito dá a consciência de vislumbrar a “face” do Deus-Amor, que se dá
inteiramente ao comunicar seu Espírito de vida. E, sendo assim, a exaltação de Jesus
era o passo necessário para a nova vida no Espírito, e a entrega pelo resgate de todos
foi o modo com o qual Deus se inseriu na nossa história humana fazendo o nosso
mesmo caminho.
Lucas afirma que o Espírito Santo é essencialmente o princípio dinâmico da
comunidade. Faz esta afirmação em vista da missão e da profecia que a comunidade
deve exercer. Deste modo, é assegurada a expansão do anúncio pelo testemunho e
pela prática missionária da comunidade de fé, e é legitimada a profecia exercida pela
palavra do Espírito.
Não se dispõem de muitos elementos para falar sobre a expansão da
comunidade primitiva, mas segundo o texto de Atos, “A igreja, na verdade, tinha paz
por toda a Judéia, Galileia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do
Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número. (At 9,31), o que mostra
29

um resumo do êxito da missão de Jerusalém. Lucas emprega a palavra “igreja” ao


mencionar as comunidades das três províncias da palestina: a Judéia, a Galileia e a
Samaria.
Boff, a respeito da relevância do Espírito Santo na missão em Atos dos
Apóstolos chega à seguinte conclusão:

O verdadeiro protagonista da pregação apostólica é o Espírito Santo.


O Testemunho de fé professado por todos os que acreditaram na
paixão e morte-ressurreição do Senhor Jesus fundam suas raízes no
Espírito que foi doado por Jesus, morto e glorificado. [...] Este é o
evento decisivo da obra salvífica de Deus. O Espírito funda a missão,
prolonga a ação de Jesus na história e estende a salvação até os
confins da terra. A obra do Espírito na história é progressiva, e as
pessoas que a levam a bom termo são homens e mulheres chamados
e enviados por ele. O Espírito não está ligado a lugares ou a pessoas,
mas não as transtorna e nem as ignora na sua responsabilidade
humana de anunciar o evento do Cristo Ressuscitado, independente
de raça, cor ou sexo. [...] A partir dessa relação do Espírito como
pessoa com cada missionário e com cada comunidade que
abordamos neste segmento, a experiência do Espírito certamente está
relacionada ao ver e ao ouvir a plenitude da presença de Deus através
do Ressuscitado que doa o Espírito. [...] A objetividade dessas
experiências sensíveis do Espírito descritas por Lucas, assim como a
ênfase que ele dá á dimensão corporal de Jesus nos relatos da
ressurreição, nos forçam a pensar que estes fatores se devem
simplesmente a uma expressão característica da própria concepção
que Lucas tinha sobre a experiência espiritual. (BOFF, 1995, p. 116-
118)

Boff afirma não se querer intervir nos comentários críticos dos exegetas e
teólogos com respeito à diversidade das manifestações do Espírito que se dá no Livro
dos Atos, porem a atenção devida é voltada para visão que Lucas afirma sobre a
missão do Espírito, cuja atuação determina e regula a expansão do anúncio pois, os
apóstolos, por ocasião do primeiro concílio realizado em Jerusalém sentem-se unidos
com o Espírito Santo e se pronunciam formando como que uma só pessoa com ele.
(BOFF, 1995, p. 115)
A parte descritiva da carta desse chamado Primeiro Concílio é introduzida por
uma fórmula solene. “De fato pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor
nenhum outro peso além destas coisas necessárias... Passai Bem”. (At. 15,28-29)
Segundo Fabris, os Atos dos Apóstolos também afirmam que: O
reconhecimento do Papel decisivo do Espírito Santo na comunidade primitiva
corresponde a concepção lucana na qual ele não separa o testemunho do Espírito do
30

testemunho dos apóstolos, mas o primeiro sustenta e ilumina o segundo. (FABRIS,


1991, p. 293-294)
Fabris também corrobora em “Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e
bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem.” (At. 5,32).
Neste contexto, revela-se a ação do Espírito que guia o novo povo de Deus e
fundamenta a sua identidade. (FABRIS, 1991, p. 63)
A descrição lucana é clara ao afirmar a unidade das primeiras comunidades
em torno da Palavra de Deus e da eucaristia. A oração aparece como alimento com
que cada membro se nutre e solidifica a comunhão em todos os níveis, quer material,
quer espiritual. A comunhão fraterna “sororerna” e a unidade de vida são derramadas
na comunidade pelo Espírito de Jesus. Nesta perspectiva, queremos pontuar quatro
elementos de maior significação para o objetivo central da pesquisa de esclarecer
alguns pontos da missão em Atos dos Apóstolos fazendo um contraponto com entre
o teológico e o social.
a) Em primeiro lugar, a teologia lucana associa estreitamente Espírito-
Missão-Comunidade. A comunidade não é apenas uma questão
eclesiológica, mas igualmente cristológica e soteriológica;
b) Em segundo lugar, Lucas não concebe a comunidade sem atividade
missionária, que consiste em testemunhar o cristo Glorificado através da
palavra, do gesto e da prática, assimilados da vida e dos ensinamentos de
Jesus;
c) Em terceiro lugar, cada membro que constitui a comunidade do Espírito
guarda fidelidade a Jesus e à continuidade da tradição iniciada por ele
mesmo, apesar dos conflitos e das diferenças nem sempre trabalhados
com visitas à missão;
d) E, em quarto lugar, a missão lucana se radica na unidade da fé no Cristo
Ressuscitado como Senhor de todos os povos, elemento teológico que dá
à missão de Lucas a universalidade da fé cristã. Como vimos este é o
processo não se dá de forma harmoniosa, mas de maneira dinâmica, que
a torna por vezes bastante complexa e contraditória.
Desta forma, Lucas assume a concepção tipicamente judaica, que reconhece
o Espírito como Espírito de profecia. Para ele, a comunidade do Espírito é uma
comunidade profética, ou seja, o legado profético que o Jesus pré-pascal deixou à
comunidade dos seus é completado mediante as primeiras testemunhas da
31

ressurreição, que foram as mulheres e os apóstolos. Essa comunidade Cristo-


centrada vive o dinamismo do espírito e é extremamente ativa. Contudo, sendo uma
realidade por vezes tendenciosa, seus membros nem sempre conseguem entender a
complexidade dela. Ou seja, nem sempre conseguem viver a fé sem conflitos e
tensões.
O livro dos Atos nos fala de uma comunidade muito próxima a nós hoje. Não
esconde a diversidade de seus membros no modo de escutar e de acolher o Espírito,
nem esconde a complexidade humana e social com que estes se defrontam ao aplicar
na vida prática os ensinamentos de todo o evento-Jesus.
Os elementos teológicos deste segmento estão intimamente conectados o
Espírito que dá sua identidade aos membros e ao projeto da comunidade. Daí o
cuidado que a comunidade tem de guardar fidelidade á tradição deixada por Jesus
enquanto comunidade gerada pelo Espírito de Jesus.
A identidade e a fidelidade são os dois elementos responsáveis pela unidade
interna e externa da comunidade, que deve testemunhar ao mundo a união do pai
com o Filho pelo Espírito Santo.
Essa unidade é tão querida, mas tão difícil de ser vivida, que foi a última coisa
que Jesus pediu ao Pai para os seus seguidores. A oração feita por Jesus com esta
intenção encontra-se no evangelho de (Jo 17, 21-23), “Como tu, Pai estás em mim e
eu em ti, que eles estejam em nós. Para que sejam um, como nós somos um. Eu neles
e tu em mim para que sejam perfeitos na Unidade. ”
Com a tentativa de extrair da nossa reflexão teológica o elemento mais
relevante da missão em Atos do Apóstolos, a saber o Espírito Santo, fica mais claro
algumas linhas sobre a doutrina do Espírito Santo a partir da obra lucana.
A comunidade está vivendo um dos momentos mais críticos. Trata-se de
identificar o primeiro líder da igreja que irá surgir após o Pentecoste, a saber o
Apóstolo Pedro com o seu discurso.

2.2 O PROTAGONISMO DE PEDRO COM O SEU DISCURSO NO CUMPRIMENTO


NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS.

O discurso de Pedro feito neste dia dá duas explicações importantes para a


comunidade reunida em Jerusalém e para as multidões que o ouvem, ou seja, aquilo
que todos “veem” e “ouvem” é a realização da promessa do Espírito Santo, doado
pelo Cristo Ressuscitado. E, desta forma, Jesus é o “ungido” de Deus, que recebe o
32

Espírito prometido e o derrama. É o que a comunidade e as multidões estão vendo e


ouvindo. (DUPONT,1974, 64 e 65).
Segundo Greenway, em Atos 10, o Espírito Santo ensina a Pedro e a igreja
que eles deveriam superar seus preconceitos, colocar fim às separações e acolher os
gentios na comunidade de fiéis. O “Pentecostes gentio”, descrito em Atos 10,
“Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre
todos os que ouviam a palavra. 45 E os fiéis que eram da circuncisão,
que vieram com Pedro, admiraram-se, porque também sobre os
gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; 46 pois os ouviam
falando em línguas e engrandecendo a Deus. Então, perguntou
Pedro.” (At. 10,44-46)

Para Fabris o primeiro discurso missionário de Pedro constitui a introdução


teológica a todo o livro, afirma Rinaldo Fabris em sua obra Atos dos Apóstolos.
(FABRIS, 1984, p. 66-67).
Em seu discurso, Pedro considera três dados diretamente referidos ao Espírito
Santo, como protagonista da missão e como garantia do testemunho dos apóstolos
que pregara o Cristo ressuscitado a todos os povos como veremos a seguir em
primeiro lugar a efusão do Espírito, pois é na efusão do Espírito, que Pedro toma a
citação de (Jl 3, 1-5) como sinal dos tempos messiânico. Neste discurso, apresentado
em (At. 2,17-21); Pedro confirma o que foi dito profeta (Jl 3,1-5)
Fabris afirma que a Pedro interessa o fato da efusão do Espírito, a qual se
estende a todos os membros do povo de Deus sem discriminações (FABRIS, 1984,
p.68) cf. (At 2,17-18):
“E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu
Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão,
vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; 18 até sobre os
meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito
naqueles dias, e profetizarão”.
Boff também afirma em sua obra que segundo a concepção do autor dos Atos,
Pedro argumenta que a ressurreição de Jesus entra no projeto histórico do Pai, projeto
que, segundo a Escritura, anuncia a ressurreição do Messias. Ora, uma promessa da
escritura deve tornar-se realidade histórica. Portanto, a Ressurreição de Jesus
tornada realidade corresponde à promessa profética de Deus. (DUPONT, 1974, p.
61).
“Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão
aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os
quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós
mesmos sabeis; 23 sendo este entregue pelo determinado desígnio e
33

presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de


iníquos.” (At. 2,22-23).
Boff continua a afirmar que nesta primeira pregação de Pedro, Lucas
ultrapassa os símbolos clássicos das teofanias ao descrever a experiência do Espírito
e coloca o acento na reação das testemunhas de todas as nações. A universalidade
na qual se insere o testemunho do Cristo ressuscitado tem como sua fonte de origem
o Espírito que cria a nova humanidade. (BOFF, 1995, p. 109).
A concepção teológica lucana sobre a força unificante do espírito que mobiliza
os diferentes povos elencados no discurso de Pedro é feita a partir do horizonte
universal destes. Dentre os elementos que caracterizam a unificação dos diferentes
grupos humanos, o autor dos Atos destaca a língua, expressão da identidade cultural
típica de um povo. (FABRIS, 1991, p. 63).
Neste caso a ação transformadora do Espírito torna-se externamente uma nova
capacidade de comunicação e uma experiência profética que se identifica com o
anúncio inspirado não só de Pedro, mas de todos os missionários que vêm depois
dele. Ainda no discurso de Pedro neste mandato missional, será observado a
exaltação de Jesus, o doador desse Espírito. Desta forma, Pedro oferece a síntese
mais rica da interpretação cristã primitiva da ressurreição como exaltação e
glorificação de Jesus constituído Senhor (Kyrios). (FABRIS, 1991, p. 101-102)
Neste sentido, a citação extraída do discurso de Pedro é clara (At. 2,33)
“Portanto, exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido
e o derramou, e é isto o que vedes e ouvis”. Podemos observar também que Lucas
considera como resumo do grande discurso programático de Pedro, três elementos
necessários para uma vida nova com a efusão do Espírito: o Arrependimento, o
batismo de Deus e o Perdão dos pecados.
Boff vai afirmar em sua obra que nesses três elementos o discurso de Pedro é
uma excelente lição, pois não se pode compreender a experiência do Espírito sem
colocá-la em estreita relação com a mudança integral de vida, a conversão. O espírito
do qual o pregador fala nesse discurso é de ordem da salvação e atua dentro dela
assumindo todos os passos da vida, da história e do contexto de cada pessoa e
comunidade. (BOFF, 1995, p. 112)
Boff continua dizendo que as palavras de Pedro acentuam sim a centralidade
do Espírito posta em relação com Jesus de Nazaré Glorificado, mas sem ofuscar a
atuação de Deus, que aprova este Jesus exaltando e o constituindo Senhor e Messias
34

exaltado por Deus, Jesus recebe o Espírito e o derrama com efusão (BOFF, 1995, p.
113) cf. (At 2,33): “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa
do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis”.
E, assim, se pode observar Pedro sair de cena para dar lugar a figura
predominante de Paulo na missão em Atos dos Apóstolos. Porém, Pedro é o primeiro
a fazer o discurso referente a ação do Espírito Santo no nascimento da missão em
Atos dos Apóstolos. A comunidade de Jerusalém permanece para Lucas o lugar onde
os apóstolos moram.
Essa comunidade exerce o serviço de presidir, assegurando a unidade das
demais comunidades que se formam em outros lugares, como se dá com a
evangelização da Samaria, sendo ainda à comunidade de Jerusalém que Pedro
presta contas da iniciativa assumida em Cesaréia de haver se sentado à mesa com
os incircuncisos; é dessa comunidade que Antioquia aguarda uma decisão a fim de
resolver o conflito criado pelos judaizantes vindos de Jerusalém.
Os protagonistas da missão Lucas priorizam a iniciativa divina, mas realçam
também os protagonistas da missão. Na primeira parte dos Atos dos Apóstolos, Lucas
dá grande destaque a Pedro e na segunda parte dá destaque à Paulo. Pedro atua no
ambiente judaico de Jerusalém e da Judéia e presença de João ao seu lado confirma
e reconhece a sua autoridade de representante dos Doze. Trata-se de uma
responsabilidade eclesial que deve ser exercida em sintonia com a comunidade em
que residem os outros apóstolos.
O grupo dos “Sete” também possui seus representantes na figura de Estêvão
e de Filipe. Depois da morte de Estêvão, Filipe evangeliza a Samaria, a costa ao longo
do Mediterrâneo até se estabelecer em Cesaréia, onde anima uma comunidade
contando com a ajuda de suas 4 filhas “profetisas”.
É claro que Filipe não tem a envergadura nem de Pedro, nem de Paulo, mas
Lucas não quer deixar cair no esquecimento este missionário de segundo plano, e lhe
atribui o título de “evangelista”. Cristãos Helenistas e que atuam de forma anônima,
percorrem as cidades da Fenícia e anunciam o Evangelho aos pagãos de Antioquia.
Também esta experiência missionária iniciada casualmente recebe o reconhecimento
da igreja de Jerusalém mediante o envio de Barnabé como delegado oficial.
Segundo esta trajetória a afirmação de Pedro no seu discurso em Cesaréia
ocupa realmente um lugar central: “Na verdade estou me dando conta de que Deus
não é parcial, mas em toda nação, quem o teme e pratica a justiça lhe é aceito”. Na
35

base de tudo está o Ressuscitado, o Senhor de todos; é ele que provoca a superação
das barreiras nacionais judaicas. É a fé nele que dá novo alento à missão que tem
sua referência principal na missão histórica de Jesus de Nazaré.
Tais atitudes, peculiares ás primeiras comunidades cristãs, são assim
resumidas por Lucas: os membros eram perseverantes no ensinamento dos
apóstolos, na partilha do pão, na oração e na comunhão fraterna. E assim abordamos
como se deu a importância dos missionários enviados e das mulheres na missão em
Atos dos Apóstolos.

2.3 A IMPORTÂNCIA DOS MISSIONÁRIOS E DAS MULHERES NA MISSÃO EM


ATOS DOS APÓSTOLOS

De acordo com o que vimos até aqui sobre a relevância do Espírito Santo nos
Atos dos Apóstolos, não podemos deixar de observar esta relevância missionária do
Espírito Santo na vida dos discípulos.
Greenway apresenta cinco argumentos para corroborar essa relevância.
Nos dois primeiros argumentos, Greenway, afirma que o Espírito Santo
desperta um interesse em missões nos corações dos discípulos. Pois o zelo
missionário, em seu nível mais profundo, é um santo ciúme pela honra e glória de
Jesus Cristo. Plantando nas mentes nas mentes dos discípulos uma compaixão pelas
pessoas que estão perecendo. (GREEMWAY, 2001, p.66).
Nos três argumentos restantes, Greenway, continua a afirmar que o Espirito
Santo constrói a fé na promessa de Deus de que a pregação do evangelho não será
em vão criando nos discípulos um desejo de obedecer ao mandamento missionário
de Cristo quebrando os nossos preconceitos sociais e raciais e nos tornando pessoas
amorosas aos que são diferentes, os quais são acolhidos no reino de Cristo.
(GREENWAY, 2001, p.67).
É importante ressaltar que é desejo de todas as pessoas exaltar o único e
verdadeiro Deus na atividade missionária a que a cristandade foi chamada por meio
da ação do Espírito Santo.
Deus ama os pecadores e para alcança-los usa os seus fiéis através de meios
de proclamar o evangelho às pessoas de todos os confins da terra através das
missões em busca de um reavivamento da Igreja. Sem esta ação do Espírito anunciar
a Boa Nova seria impossível, pois a promessa de Deus é que a sua palavra através
dos seus discípulos nunca voltaria vazia. “Assim será a palavra que sair da minha
36

boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para
que a designei”. (Isaias 55.11).
Portanto, a obediência gerada pelo Espirito pode levar homens e mulheres a
arriscar suas vidas sofrendo sendo perseguidos por ataques preconceituosos de
origem racial e social existente entre os primeiros fiéis, desta forma, é observado que
na ação missionária dos homens e mulheres escolhidos para esta obra o elo entre os
cristãos com o seu coração direcionado as missões é realizado através de uma
experiência ímpar, pois seja qual fosse o lugar onde eles se encontravam, a sua
comunhão lhes fazia entender e sentir que eram uma “família” entendendo que o
espírito missionário os unia em torno de interesses comuns abrindo-lhes passagem
onde ninguém podia imaginar, ou seja, o Espírito Santo propicia o intelecto dos
descrentes para almejarem Cristo em suas vidas deixando de duvidar da fé em Cristo
Jesus sendo persuadido sobre o pecado entendendo que é necessário ser salvo em
Cristo Jesus.
E, em função disso é importante entender o que significa, de fato, o trabalho
missionário dos discípulos realizado através do Espírito Santo, pois entendemos que
só Ele é capaz de convencer o homem do pecado fazendo entender que precisam
confessar Jesus Cristo como seu único Salvador oferecendo a esse homem uma nova
vida através da fé em Cristo. Sempre houve resistência e frustações nas ações dos
missionários, porém nunca foram em vão.
Nas atividades missionárias, o evangelista evidencia as instruções dadas aos
apóstolos, a ordem de não se afastarem de Jerusalém e a recomendação de que
aguardem o cumprimento da promessa do Pai, a de serem batizados com o Espírito
Santo. (COMBLIN,1989 ,p.83).
Em seguida Lucas se refere aos componentes deste núcleo originário: os
apóstolos, as mulheres, Maria, a mãe de Jesus e os “irmãos” de Jesus.
(KÜRZINGER,1984, p. 38)
Para Boff, a fé no Senhor Ressuscitado e a adesão ao seu projeto de vida são
o princípio que cria esta comunidade de fé constituída por mulheres e por homens.
A comunhão que une os membros não é simplesmente uma realidade
querida por eles, mas é, antes de tudo, obra do Espírito atuante em
cada membro, que, ao comunicar o evento da ressurreição, determina
profundamente o perfil da pessoa que anuncia e daquela que escuta
e acolhe o anúncio. (BOFF, 1995, p. 118-119).
37

No trabalho iniciado pelas primeiras comunidades cristãs, a participação, a


escuta atenta da palavra, o ensino e o testemunho de fé no Senhor Ressuscitado
formam o trabalho missionário das Mulheres em Atos dos apóstolos, pois a narrativa
de Atos dos apóstolos nos apresenta cada uma das características dos traços da
contribuição das mulheres nas atividades que dizem respeito a obra do Senhor Jesus.
Sendo assim, Boff afirma que em muitas comunidades descritas por Lucas no Livro
dos Atos vemos a participação das Mulheres como podemos ver:

No trabalho missionário, e muitas delas se destacam pelo testemunho


de fé e pela incansável dedicação nas atividades missionárias das
comunidades cristãs. A participação dessas Mulheres funda suas
raízes na experiência de fé que elas fizeram ao se encontrarem com
o Jesus da ressurreição na manhã da páscoa, como foi visto quando
tratamos da missão referente ás Mulheres no Evangelho de Lucas.
(BOFF, 1995, p. 119)

Estas participam realizando a prática da Palavra que ouvem, na liberdade;


rompendo com a velha prática da submissão e da desigualdade; e se antecipando ao
movimento do Reino de Deus inaugurado por Jesus durante sua vida terrena, com
seu anúncio na manhã da páscoa. Observamos que esta participação das Mulheres
da comunidade primitiva se dá de três modos:

Primeiro através da escuta e do acolhimento da mensagem da palavra


da vida (do Jesus “vivente”); segundo, através do ensinamento daquilo
que as escrituras dizem a respeito de Jesus e sua obra. E, terceiro,
através da função do dom da profecia entendida como serviço a
comunidade da fé. (BOFF, 1995, p.120).

Em particular cada um desses modos de participação na ótica feminista,


significa colocar em destaque também a “ausência” da mulher e as “interrupções” que
o autor do Livro dos Atos deixa transparecer na sua elaboração teológica. Sendo
assim, as mulheres apenas referidas pelo autor do livro dos Atos mostram profunda
capacidade de escutar atentamente a mensagem que é proclamada e grande abertura
em acolher a Boa Nova do Jesus “vivente”, como quem acolhe em sua casa um
hóspede muito esperado e muito querido. No Livro dos Atos, algumas mulheres
destacam-se, considerando sua participação através da escuta e da acolhida da
mensagem que as leva a tomar uma decisão.
Fabris, afirma que dentro deste quadro, pode-se falar das mulheres da Samaria
que, junto com os homens, pedem o batismo após terem ouvido a pregação de Filipe
nesta tumultuada missão. (FABRIS, 1991, p. 159)
38

Em um lugar governado pelo exercício da magia, deve-se respeitar a


possibilidade das mulheres de entender sobre os fatos do cenário, valorizando a
possibilidade confrontando-a com a declaração de salvação realizada por Filipe. No
entanto, deve-se dar importância de igual forma, outrossim, o sucesso desta missão,
que apresenta a também o sucesso dessa missão, que mostra o crescimento da
comunidade de fé tal qual o propósito inicial de Cristo, propósito que insere homens e
mulheres. “E sereis minhas testemunhas até os confins da terra.” (At 1.8).
Conforme Boff nos afirma, pode-se dizer que, desde os primeiros momentos
em que o anúncio do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo se expandem além
das fronteiras de Jerusalém, as Mulheres marcam presença ativa e tem participação
consciente no processo da universalidade da missão em diferentes níveis da
sociedade da época. (DUPONT,1974, p.245).
Neste contexto da expansão missionária da comunidade de fé, destaca-se no
mundo Greco-macedónio, a conversão de Lídia. (BOFF, 1995, p.121).
Uma personagem importante no âmbito das missionárias mulheres é Lídia,
Lídia integra o grupo de Mulheres da colônia romana de Filipos e através da sua
atividade sabe-se que o espírito de Deus já atuava nela. No seu encontro com Paulo
e colaboradores, Lídia abre-se a escuta ampla e generosa da palavra que anunciam
e acolhe sem restrições a dinâmica do Espírito que atua dentro dela e faz tomar várias
iniciativas. A negociante de púrpura escutou a palavra e se deixou tocar no coração e
na prática pelo Espírito que a ela se revelava naquele momento: “Certa mulher,
chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos
escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.” (At
16,14).
Ela se converte quando Paulo e seu grupo de colaboradores visitam as
comunidades cristãs de fundação recente na Ásia menor. Cabe ressaltar também, a
conversa informal de Paulo e seus companheiros de missão com este grupo de
Mulheres. É uma conversa que se conclui com a conversão de Lídia. Este fato dá uma
nova característica ao modo de evangelizar, rompendo com o clássico discurso
missionário e a solene pregação dirigida a grandes assembleias ou multidões de
pessoas. Não menos importante é a adesão à fé das Mulheres de condição, que
figuram entre as conversões havidas em Tessalônica e na Beréia cuja participação na
comunidade de fé exaspera os judeus. Elas religiosa judaica. Sem o apoio dessas
39

mulheres, os judeus sinedritas corriam os riscos de perder força e autoridade junto à


Sinagoga.
De acordo com o texto acima, Boff nos informa que:
Em Atenas, Paulo se dirige á intelligentsia da cidade com o clássico
discurso de anúncio que Lucas lhe atribui. Em um ambiente hostil,
criado pela alta intelectualidade pagã, polarizada pelo grupo dos
epicureus e dos estólicos, o autor dos Atos cita o nome da mulher
Dâmaris, um dos membros do ínfimo grupo que adere á proposta de
salvação anunciada por Paulo. (BOFF, 1995, p.122)

Damaris deixa de lado a sabedoria pagã da autossuficiência para escutar a


pregação de Paulo e acolher a proposta do plano salvifico de Deus, que a ilumina para
uma opção de fé consciente. Não se intimidade diante das ideologias da cultura grega,
ideologias da cultura grega, ideologias que se abalam com o anúncio da ressurreição.
Essa mulher acolhe o novo e o diferente com coragem e liberdade de consciência.
Neste contexto, veremos o papel de Priscila, uma mulher missionaria no que
se refere ao ensino. Ou seja, a participação da mulher no ministério da didáskalos é
referida explicitamente nos Atos uma única vez. É o caso de Priscila na comunidade
cristã de Éfeso. (At. 18,26) “Ele, pois, começou a falar ousadamente na sinagoga.
Ouvindo-o, porém, Priscila e Áquila, tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe
expuseram o caminho de Deus”.
Boff destaca o papel muito importante Priscila e Áquila no trabalho missionário
da comunidade a que eles pertencem, segundo Boff:
A inciativa de Priscila no trabalho missionário dessa comunidade, não
consegue ser silenciada pelo estilo redacional usado por Lucas ao
narrar o episódio de Apolo. Junto com seu marido aquilo, Priscila
exerce uma função importante reservada ás pessoas que ensinam,
que instruem. Ou seja, ela possui uma formação teológica que a torna
capaz de integrar a tradição cristã, as pessoas necessitadas de
conhecer a mensagem por meio da ciência sagrada, e completar com
o ensinamento, a fé e a própria missão na comunidade e no mundo.
Priscila e Áquila assumem este serviço e tornam sob sua
responsabilidade a formação de Apolo, que precisa de um
conhecimento maior da fé cristã. Só assim terá condições de pregar
com exatidão o que diz respeito a vida, á obra e ao mistério de Jesus.
Sendo assim, ao considerar o ministério da didáskalos, Lucas
estabelece uma relação desse serviço com o exercício do dom da
profecia atribuído ás mulheres. Mas aqui também silencia o seu
ministério (BOFF, 1995, p. 123).

É importante ressaltar a narrativa de Paulo referente a viagem de volta para


Jerusalém, onde Paulo passando por Cesaréia como hóspede da casa de Filipe,
missionário da Samaria, e encontrando-se num ambiente caracterizado por um clima
40

carismático, Lucas transmite a Paulo a notícia de que Filipe tinha quatro filhas virgens
que profetizavam, sem nada mais dizer a respeito.
Neste caso, a função de profetizar exercida por mulheres era um ministério
importante na comunidade primitiva, que guarda íntima relação com o ministério da
didáskalos. Esta é a função de quem instrui na ciência sagrada é abrir a mente da
mulher e do homem e iluminar os fatos concretos da história com a fé. A função de
quem profetiza é deixar que o Espírito de Deus fale pela boca da profetisa ou do
profeta, das coisas antigas que Deus quer lembrar à comunidade, no que diz respeito
ao seu plano salvifíco.
Lucas não discorre a ação que essas mulheres sentiram diante dos
acontecimentos sucedidos pela resposta de fé dada mediante as situações que
exigiram delas, ou seja, mulheres com personalidade firme e determinada.
Boff, de acordo com o texto acima afirma que:
A ação do Espírito pode nos parecer até “ignota” ou invisível dentro do
contexto descritivo feito por Lucas, onde enfatiza a sua tangibilidade.
Mas é próprio da missão do Espírito permanecer invisível para exaltar
a personalidade humana. Com isto se afirma a pessoa como
manifestação daquele Espírito doado por Jesus Cristo. As primeiras
testemunhas de Jesus na manhã da páscoa são as Mulheres, que
acreditaram no Senhor Ressuscitado como o “vivente” de Deus. Pela
sua fé são acreditadas por muitos, e pela sua participação na vida e
no mistério pascal de Jesus são colocadas na medida das “grandes
obras de Deus”, nas quais elas mesmas se tornam testemunhas
insubstituíveis. (BOFF, 1995, p. 124-125)

Sênior, porém, aborda este assunto através do ponto e vista em que a função
das Mulheres que testemunham a ressurreição do Senhor é colocada em evidência
no Livro dos Atos, quando estas enfrentam perseguição e cativeiro junto com os
homens por aderirem à pregação do ministério de Jesus, que é o ministério do Cristo
morto e glorificado. (SENIOR, 2010. p. 379)
Contudo, o testemunho de fé dessas mulheres adota uma expressão ainda
mais notória quando, juntamente com os homens, encaram o plano de sofre o risco
de arcar com a própria liberdade por se apresentarem fiéis ao encontro do Senhor
Jesus, fator importante atentado por Paulo em sua mensagem de defesa pessoal a
frente dos judeus de Jerusalém. E, tão somente, por ensinar as pessoas a irem de
encontro consoante ao chamado e o envio do Espírito Santo.
Boff, portanto, afirma ser:
41

O testemunho do Senhor Ressuscitado dado pelas mulheres nasce


dessas atitudes e dessas ações suscitadas pelo Espírito como por
exemplo: da escuta atenta da palavra na história; do acolhimento
generoso do Espírito, que pronuncia esta palavra por meio de
mediações humanas; da transmissão do conhecimento que gera a
sabedoria do coração e a fé; do exercício do dom da profecia como
serviço; da penetração do mistério de Jesus morto e ressuscitado; da
prática missionária como confissão de fé. (BOFF, 1995, p. 125)

Portanto, ao concluir este argumento, Boff, aborda três afirmações sobre a


atuação das mulheres à frente da comunidade que se encontra em expansão pelo
mundo todo.

Em primeiro lugar, a pequena comunidade que aguarda na concórdia


e em oração o Espírito Santo representa o novo povo de Deus, sem
discriminações e privilégios, u seja, mulheres e homens participam
desse Povo; em segundo lugar, a participação das Mulheres no
anúncio da ressurreição significa que elas estão associadas ao projeto
do Reino de Deus inaugurado por Jesus durante sua vida terrena,
levado a termo na sua morte-ressurreição; e continuado pelo seu
Espírito que se derrama sobre cada membro da comunidade originária
sem nenhuma exceção. E, em terceiro lugar, a igreja é o evento que
une mulheres e homens em torno do anúncio do Senhor vivo, o qual
realiza a comunhão humana e divina, na fé, e envia em missão cada
membro da comunidade cristã, fundada no Espírito. (BOFF, 1995, p.
126).

Em função destas três afirmativas acima, observamos que a missão do Espírito


não invalida nenhuma outra missão, nem a dos seguidores, nem a de Cristo e muito
menos a do Pai. Sendo assim, olhando por esse lado, podemos observar que Boff
entende que no âmbito desta concepção é necessário que:

Reconheçamos o Espírito como pessoa de comunhão seja


reconhecido como o Espírito de comunhão na prática das Mulheres
que se reúnem com os apóstolos em comunidade para receberem a
força do Alto prometido pelo Ressuscitado. [...] Resumindo, podemos
dizer que o Espírito como Pessoa de comunhão, de escuta e de
profecia, no nível dos conteúdos teológicos, se manifesta através
destas formas: na união das pessoas com Deus e entre si; na força
que estas pessoas têm de se tornarem sujeitos da própria história
integrada na história salvífica e na consciência de serem criadoras de
uma nova cultura, de novas relações, novos espaços do exercício dos
diferentes ministérios, sobretudo no que se refere ao ensinamento e
ao exercício da profecia na comunidade originada do Espírito. (BOFF,
1995, p.126-127)

Neste capítulo foram abardadas as missões em Atos dos Apóstolos onde teve
início o grande evento histórico chamado Pentecostes onde é observado a grande
42

relevância da descida do Espírito Santo na terra onde pode-se entender que este
evento marca de forma convincente o início do místico na humanidade trazendo um
diálogo inter-religioso transcendendo todas religiões.
É ressaltado neste capítulo a importância do protagonismo de Pedro e o seu
discurso no cumprimento da missão dos Atos dos Apóstolos, Pedro hoje considerado
o primeiro grande líder da Igreja teve o seu papel preponderante nesta história.
Não menos importante, os missionários juntamente com as mulheres tiveram
o seu papel na expansão do evangelho na sociedade da época enfrentando todo tipo
de embate com os defensores das outras religiões,
Esses personagens antecederam o Apóstolo Paulo que teve um papel de
extrema importância como o grande missionário no início da Igreja no primeiro século
d.C.
43

3 PAULO E SUA SOCIEDADE

Paulo de Tarso, o apóstolo Paulo, sem dúvida é um dos personagens bíblicos


mais conhecidos por todos os cristãos. Ele considerado como sendo o maior líder do
cristianismo. Neste texto, nós conheceremos mais sobre a história de Paulo, autor de
treze epístolas presentes na Bíblia.
Paulo, nome romano de Saulo, nasceu em Tarso na Cilícia,

“Paulo, porém, lhes replicou: Sem ter havido processo formal contra
nós, nos açoitaram publicamente e nos recolheram ao cárcere, sendo
nós cidadãos romanos; querem agora, às ocultas, lançar-nos fora? Não
será assim; pelo contrário, venham eles e, pessoalmente, nos ponham
em liberdade, (At 21,39) “Respondeu-lhe Paulo: Eu sou judeu, natural
de Tarso, cidade não insignificante da Cilícia; e rogo-te que me permitas
falar ao povo”. e (At 22,25) “Quando o estavam amarrando com
correias, disse Paulo ao centurião presente: Ser-vos-á, porventura, lícito
açoitar um cidadão romano, sem estar condenado?” (At 16, 37).

Tarso não era um lugar insignificante. “Respondeu-lhe Paulo: Eu sou judeu,


natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilícia; e rogo-te que me permitas falar
ao povo”. (At 21, 39). Ao contrário, era um centro de cultura grega. Tarso era uma
cidade universitária que ficava próxima da costa nordeste do Mar Mediterrâneo.
Embora tenha nascido um cidadão romano, Paulo era um judeu da Dispersão, um
israelita circuncidado da tribo de Benjamin, e membro zeloso do partido dos Fariseus:
“Pergunto, pois: terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum!
Porque eu também sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim”.
(Rm 11.1).
A infância e adolescência de Paulo tem sido tema de grande debate entre os
estudiosos. Alguns defendem que Paulo passou toda sua infância em Tarso, indo
apenas durante sua adolescência para Jerusalém. Outros defendem que Paulo foi
para Jerusalém ainda bem pequeno. Nesse caso, ele teria passado sua infância longe
de Tarso. Na verdade, desde seu nascimento até seu aparecimento em Jerusalém
como perseguidor dos cristãos, conforme os relatos do livro de Atos dos Apóstolos há
pouca informação sobre a vida de Paulo.
Embora não se saiba ao certo com quantos anos Paulo saiu de Tarso, sabe-se
com certeza que ele foi educado em Jerusalém, sob o ensino do renomado doutor da
lei, Gamaliel, neto de Hillel.
44

Paulo conhecia profundamente a cultura grega. Ele também falava o aramaico,


era herdeiro da tradição do farisaísmo, estrito observador da Lei e mais avançado no
judaísmo do que seus contemporâneos (Gl 1, 14).
“E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da
minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus
pais”. e Filipenses 3, 5-6: “Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de
Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu,
6
quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei,
irrepreensível.”

Considerando todos estes aspectos, pode-se afirmar que sua família possuía
alguns recursos e desfrutava de posição proeminente na sociedade.
É importante observar que que não existe uma forma de começar a escrever
sobre um assunto que envolva a trajetória de Paulo na sociedade a qual ele, nasceu,
cresceu e conviveu sem debruçar sobre a literatura disponível, e, perceber os muitos
desafios enfrentados diante de sua mudança de vida após o seu encontro com Cristo
a caminho de Damasco. Pois foi nesta sociedade que Paulo exerceu o seu
protagonismo na expansão missionária usando seus métodos através do ensino e de
suas viagens missionárias.
Assim algumas experiências vividas por Paulo narradas no Novo Testamento
através de conceitos referentes a pregação do evangelho mostram como a missão
acontecia de forma concreta entendendo que sua estratégia missionária podia ser
realizada de várias maneiras. Portanto, o primeiro ambiente para o desenvolvimento
de uma estratégia missionária em Paulo se insere no contexto das Igrejas conhecidas
como primitivas. Pois nelas deu-se o início a missão Paulina que foi através da
proclamação do evangelho para os gentios.
Importante destacar como se dava esse ambiente para a inserção dos cristãos
através da anunciação da Palavra. Estes cristãos se reuniam no templo para orar e
adorar ao Senhor. (At 2, 46).
“Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa
e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração” (At 2, 42-46) e,
também começaram a partilhar a Ceia do Senhor em seus próprios lares
Falavam com as pessoas e aprendiam sobre elas. E, assim iam de casa em
casa anunciando o Evangelho de Cristo, sendo esta uma estratégia da pregação da
Palavra de Deus. É interessante observar que antes de tudo, os cristãos aprendiam
os costumes locais e se adaptavam à nova cultura, adequando sua mensagem para
45

que os moradores entendessem e começassem a testemunhar e ganhar os novos


crentes que formariam uma nova igreja. As circunstâncias eram ideais para a
propagação da fé considerando as oportunidades de mudança e facilidades
estruturais oferecidas pelo Império Romano. Além do mais, eles não eram forçados a
estudar uma nova língua, pois o grego era o idioma universal do Império Romano e
os cristãos podiam comunicar o evangelho. Outro fato que ajudou o testemunho
público foi a disponibilidade das sinagogas. Contudo, apesar dessas aparentes
facilidades, assim como Jesus, a comunidade primitiva evangelizava no meio de forte
perseguição. Esta perseguição seria o primeiro desafio da Igreja; o governo romano
começou a hostilizar o cristianismo, tentando eliminar os cristãos de modo cruel e
vigoroso.
Nichols afirma que essa perseguição variava de intensidade de acordo com
quem estivesse no poder. Porém, o fato é que, durante a segunda metade do século
1º, o Cristianismo enfrentou o poder oficial como seu inimigo rancoroso. Muitos
cristãos, dentre eles Paulo, receberam a coroa do martírio, afirma (NICHOLS, 1997.
p. 33). E, em função desta perseguição, esses cristãos passaram a se organizar,
buscando métodos de evangelização respaldados pela Palavra de Deus, visando
desviar desta perseguição sem se intimidar com ela.
É neste sentido que Paulo faz questão de evidenciar que está em jogo a
“verdade do Evangelho”

“Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a


verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo
tu judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os
gentios a viverem como judeus? ” (Gl 2,14).

E os Gálatas, ameaçados pela atividade dos judaizantes são repreendidos por


terem passado depressa para um outro evangelho conforme está escrito em.

“Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos


chamou na graça de Cristo para outro evangelho, 7 o qual não é outro,
senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o
evangelho de Cristo. 8 Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo
do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado,
seja anátema”. (Gl 1,6- 8).

É importante ressaltar também que o livro dos Atos pode dar a impressão de
que Paulo seja quase exclusivamente um pregador itinerante, mas levando em conta
46

também as informações das cartas paulinas, ele não só funda, mas também
acompanha o crescimento cristão das comunidades. E, assim como método
missionário ele escolhe os grandes centros urbanos onde se desenvolve a cultura, o
comércio, a religião, e onde se formam as opiniões e as filosofias.
Nesses centros Paulo funda comunidades cristãs, e dentro delas suscita as
lideranças de modo que o evangelho se irradie pelas redondezas alcançando os
povoados vizinhos. A partir dos centros de Corinto e de Éfeso funda as comunidades
de Cencréia “Recomendo-vos a nossa irmã Febe, que está servindo à igreja de
Cencréia, para que a recebais no Senhor como convém aos santos e a ajudeis em
tudo que de vós vier a precisar; porque tem sido protetora de muitos e de mim
inclusive.” (Rm16,1-2).
E aquelas de Colossos e de Laodicéia no vale do Lico,

“Segundo fostes instruídos por Epafras, nosso amado conservo e, quanto a vós
outros, fiel ministro de Cristo.... E, uma vez lida esta epístola perante vós,
providenciai por que seja também lida na igreja dos laodicenses; e a dos de
Laodicéia, lede-a igualmente perante vós”. (Cl 1,7; 4,16).
A missão de Paulo é abrangente e quer alcançar a todos. Para não criar
problemas aos outros ele faz questão de trabalhar com as próprias mãos conforme
está escrito em 1ª Coríntios: “E nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias
mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos”
(4,12) e “Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como, noite e
dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos proclamamos o
evangelho de Deus.” (1ª Ts 2,9).
Nisso ele encontra um ponto de apoio para a difusão da mensagem cristã, mas
leva adiante a sua missão inclusive no lugar de trabalho,

“Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como,


noite e dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós,
vos proclamamos o evangelho de Deus. 10 Vós e Deus sois
testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente
procedemos em relação a vós outros, que credes. 11 E sabeis, ainda,
de que maneira, como pai a seus filhos, a cada um de vós”. (1ª Ts 2,
9.11).
Cercando-se de muitos colaboradores organizando o seu trabalho de forma
articulada e eficiente.
47

Alguns colaboradores são mais próximos de Paulo, como Barnabé, Silas e


Timóteo, um e outro grupo de ajudadores goza de mais autonomia como Áquila e
Priscila, Tito e outros ainda são representantes das várias comunidades. Contudo, no
caso da grande coleta para os pobres de Jerusalém, incentiva as suas comunidades
para que sejam solidárias e manifestem concretamente a unidade da Igreja.
O livro de Atos pode ser compreendido como o caminho da experiência
missionária que leva a mensagem cristã da Palestina, província periférica do império,
até Roma, o seu centro. Já as cartas de Paulo mostram o nascimento, a formação e
o desenvolvimento das comunidades que são fruto deste anúncio evangélico. De
forma sucinta registra-se aqui apenas os aspectos mais significativos que em Atos
marcam o caminho da missão, pois, a força da Palavra e do Espírito, o testemunho e
a abertura universal servem como a fonte da missão quando Lucas escreve o livro de
Atos nos grandes centros urbanos do império já existem grupos ou comunidades
cristãs.
Para poder reconstruir sua difusão ele realça três elementos importantes: em
primeiro lugar: a iniciativa divina é a fonte da expansão do movimento cristão; em
segundo lugar: ela se manifesta especialmente nos momentos cruciais da história,
pois no início os Apóstolos recebiam solenemente a missão fazendo a passagem do
mundo judaico ao mundo pagão tendo desenvolvendo a missão de Paulo tendo como
meta Roma, o centro do império. E, em terceiro lugar: O projeto a ser desenvolvido é
anunciado em (At 1,8) “Mas recebereis a força do Espírito Santo que descerá sobre
vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria e até
as extremidades da terra”. Estas Palavras de Jesus antes da Ascensão serão
confirmadas pelo Espírito Santo no dia de Pentecostes, dessa forma os apóstolos
recebem a habilitação e a missão de anunciar o evangelho a todos os povos. Para
Paulo não é diferente, pois na origem da sua missão está a iniciativa gratuita do Jesus
ressuscitado e lhe entrega a tarefa de ser servo e testemunha apontando para o
verdadeiro protagonista da missão, Deus. Ele é a fonte que sustenta e acompanha o
caminho de seus apóstolos, e que habilita Paulo para a missão universal.
Uma das implicações da teologia paulina é a necessidade de transformar a
sociedade da época através da Palavra de Deus. Paulo é frequentemente citado como
o principal exemplo de alguém que realmente não se envolveu com questões políticas.
O raciocínio de Paulo foi simplesmente focado em "pregar o evangelho" e não passar
o tempo tentando mudar a cultura ou a sociedade.
48

Paulo descreveu a essência de sua pregação como Jesus Cristo crucificado,


"E eu, irmãos, quando fui ter convosco, não fui com sublimidade de palavras ou de
sabedoria, anunciando-vos o testemunho de Deus. Porque decidi nada saber entre
vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado". (1 Co 2,1-2).
Usando a analogia da fé, sabe-se que Paulo não quis dizer com isso que ele
não estava interessado em outras coisas. Paulo ensinou claramente sobre ética
sexual, ordem da igreja, dons espirituais, qualificações de presbíteros e diáconos,
relacionamentos entre maridos e esposas, famílias e crianças, o governo, a oração, a
escatologia, e muito mais. No versículo um Paulo está contrastando o seu discurso
com a dos oradores gregos que se concentraram na eloquência e persuasão. Paulo
não confiava na retórica extravagante, mas sim sobre a verdade de Deus e sua
pregação era "em demonstração do Espírito e de poder", (1ª Co 2:4) “A minha palavra
e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em
demonstração do Espírito e de poder”. Quando Paulo disse que decidiu nada saber,
mas somente sobre "Jesus Cristo, e este crucificado", ele estava se referindo ao
núcleo e substância de todos os seus ensinamentos.
Tudo que ele ensinou foi enraizado em Jesus Cristo e sua obra de redenção.
Seu desejo de mudar a cultura também foi enraizado em Cristo crucificado. Dentro de
várias instituições que Paulo aborda na sociedade, o indivíduo é ser central para
desenvolver todas as outras instituições, pois a fundação verdadeira e natural da
sociedade são os desejos e medos dos indivíduos. Paulo ensinou que "Deus... manda
que todos os homens em todo lugar se arrependam", (At 17, 30), “Ora, não levou Deus
em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em
toda parte, se arrependam”. Paulo procurou trazer a mudança mais fundamental na
sociedade: o coração mudado do indivíduo. A mudança do indivíduo é a base para
qualquer mudança que acontecerá na sociedade. Não há dúvida de que a pregação
do Evangelho e seu apelo para a obediência muda radicalmente indivíduos “Tais
fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes
justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. ” (1 Co
6, 11).
A primeira instituição e a mais importante da sociedade é a família. Paulo
ensinou muito sobre a família, buscando mudar a forma como as pessoas operam no
reino do governo da família .
49

“Esposas, sede submissas ao próprio marido, como convém no Senhor. 19


Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura. 20 Filhos, em tudo
obedecei a vossos pais; pois fazê-lo é grato diante do Senhor. 21 Pais, não
irriteis os vossos filhos, para que não fiquem desanimados”. (Cl 3,18-21).
A segunda instituição, que também tem o seu papel muito importante na
sociedade, é a Igreja. Claramente, Paulo ensinou em profundidade sobre o ensino da
Igreja sobre anciãos, diáconos, a disciplina da igreja, a Ceia do Senhor, o batismo,
cuidar das viúvas na igreja, e assim por diante.
A terceira instituição que exerce o se papel na sociedade pode ser rotulada
como o governo civil. Esta é a única área que muitos cristãos dizem que Paulo não
fez nada para procurar mudar. No entanto, Paulo fez ensinamento especificamente
sobre o governo civil.

“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há


autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem
foram por ele instituídas. 2 De modo que aquele que se opõe à
autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão
sobre si mesmo condenação. 3Porque os magistrados não são para
temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não
temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, 4 visto que a
autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o
mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é
ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. 5É
necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor
da punição, mas também por dever de consciência. 6 Por esse motivo,
também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo,
constantemente, a este serviço. 7 Pagai a todos o que lhes é devido: a
quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito,
respeito; a quem honra, honra”. (Rm 13:1-7).

Ele ensinou que o governo civil foi ordenado por Deus para "castigar o que
pratica o mal”; “Visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto,
se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro
de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13, 4).
É inegável que a referência de Paulo sobre o mal é aquilo que é contrário à lei
moral de Deus (1 Tm 1:8-11).

“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo


legítimo, 9 tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo,
mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios
e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, 10 impuros, sodomitas,
raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe
à sã doutrina, 11 segundo o evangelho da glória do Deus bendito, do
qual fui encarregado”.
50

É claro que Paulo não sabia os detalhes do que aconteceria nos anos
seguintes. No entanto, não é anacrônico dizer que Paulo procurava ver nações
transformadas. Afinal de contas, seu Senhor e Salvador ordenou aos cristãos a "Ide,
pois, ensinai todas as nações" (Mt 28, 19) “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Não só Paulo
tentou transformar a sociedade, ele foi realmente bem-sucedido como evidenciado
pela notável transformação da cultura que tem ocorrido desde o tempo de Cristo até
hoje. Paulo não estava sozinho; a transformação inspirou-se em muitos outros
trabalhadores. Deus tem usado cristãos para proclamar fielmente a verdade e ensinar
todas as nações a obedecer. Há mais trabalho a ser feito.
No entanto, o argumento de que Paulo não tentou transformar a sociedade
deve ser silenciado por uma consideração cuidadosa das implicações da sua doutrina
e a irrefutavelmente enorme influência do cristianismo na cultura ocidental.
Ao ensinar isso, Paulo estava tentando mudar a opinião de que o governo civil
não é necessário para governar de acordo com o padrão de Deus sobre o bem e o
mal. Portanto, quando Paulo ensina sobre o governo civil ele está tentando
transformar a visão da sociedade. Cada nível da sociedade dirigido por Paulo foi
realizado por ele tentando mudar a sociedade através do indivíduo, da família, da
Igreja e do governo civil e, com certeza não se pode mensurar o sucesso de Paulo
apenas em termos de resultados imediatos durante sua vida. Quando se aplica uma
visão de longo prazo sobre a missão e a mensagem paulina, no que se refira a
civilização ocidental, é inegável que Paulo, através do poder do Espírito Santo, foi
bem-sucedido em transformar drasticamente a sociedade de sua época.

3.1 O PROTAGONISMO DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS


A importância da pregação do evangelho desenvolvida através de métodos e
estratégias bíblicas não poderia ser diferente no início da Igreja. Paulo usou alguns
métodos que lhe valeram o sucesso para a expansão da pregação das Boas Novas
de Jesus Cristo fazendo dele um protagonista na missão em Atos dos Apóstolos.
Sendo assim o projeto de missão apresentado pela evangelista Lucas.

“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei,
estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim
está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. 45 Então,
lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; 46 e lhes
disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar
51

dentre os mortos no terceiro dia 47 e que em seu nome se pregasse


arrependimento para remissão de pecados a todas as nações,
começando de Jerusalém. 48 Vós sois testemunhas destas coisas.
49
Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois,
na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder. ” (Lc 24.44-49).

Através das Palavras de Jesus, é um prenuncio do que haveria de ser o início


do mandato missional através do Pentecoste, passando pela atuação soberana do
Espírito Santo, sendo este o principal protagonista desta missão iluminando a Pedro,
aquele que seria escolhido como líder deste movimento chamado pentecoste até
chegar ao protagonismo de Paulo que foi quem usado pelo Espírito Santo para
expandir essa missão em suas três viagens cumprindo a missão a ele atribuída.
Senior afirma que a imagem do evangelho sobre o ministério de Jesus é tão
levada a cabo pelos apóstolos e pela comunidade no livro de Atos que:
O alcance, a estrutura e o conteúdo de Atos são dominados pelo
problema da missão universal. O ministério do reino de Jesus, o qual
chegou ao seu ponto culminam com a sua morte, em Jerusalém,
ressurreição e retorno triunfante ao Pai será continuado por meio da
direção do Cristo ressuscitado e pelo poder do Espírito na própria
história da comunidade tornando esse evangelho evidente na missão
universal de uma salvação anunciada por Simeão e por João Batista,
iniciada pelo ministério de Jesus e que agora deve ser executada pela
sua Igreja. A liderança apostólica da Igreja, Pedro, os Doze e Paulo,
levando a missão até as extremidades da terra. (SENIOR, 2010, P.
406).
Outro fator muito relevante no protagonismo de Paulo na missão em Atos dos
Apóstolos e que nos chama bastante atenção é a sua vocação. Neste sentido o
acontecimento de Damasco foi fundamental para compreender e definir a sua missão.
“Deus me enviou para proclamá-lo entre os Gentios” (Gl 1,16). Sendo assim, para
expressar a sua vocação na missão. Na experiência a caminho de Damasco ele
descobre Jesus não só como Ressuscitado, mas como Soberano universal, que
oferece a sua salvação a todos, judeus e pagãos. Esta convicção está na origem de
sua missão universal. Missão esta para a qual Paulo se apresenta como “servo de
Jesus Cristo, apóstolo escolhido para o Evangelho de Deus” (Rm 1,1). E, logo mais
adiante afirma ser “devedor a gregos e a bárbaros” (Rm 1,14), colocando o evangelho
no centro de toda a sua existência e de toda a sua atividade (Rm 1,16), “Pois não me
envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê, primeiro do judeu e também do grego”. Nesse sentido ele se considera
apóstolo entre judeus e gentios, mostrando que a sua missão depende totalmente da
52

iniciativa divina. Segundo Paulo, a partir da soberania divina conforme ele afirma em
(Rm 10,12) “Não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor
de todos, rico para com todos os que o invocam”.
E, para corroborar com o texto acima, Senior afirma que:
Mesmo que a concentração seja ainda sobre judeus e não gentio, a
ênfase de Lucas sobre a diáspora neste texto confirma o fato de que
o evento salvador iniciado aí levará, conforme sugere a citação de
Joel, o Espirito de Deus a “toda carne” (At 2,17), “E acontecerá nos
últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda
a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão
visões, e sonharão vossos velhos,” esta Dimensão universal análoga
e subentendida no discurso de Pedro no pórtico de Salomão, onde ele
lembra aos Jerosolimitamos que “vós sois os filhos dos profetas e da
aliança que Deus estabeleceu com os vossos pais, quando disse a
Abraão: Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da
terra” (At 3,25), “Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus
estabeleceu com vossos pais, dizendo a Abraão: Na tua
descendência, serão abençoadas todas as nações da terra.”
(SENIOR, 2010, P. 407).
Além dos evangelhos e dos Atos dos Apóstolos, o Novo Testamento contém
uma série de escritos em forma de carta, e o Apocalipse de João. As cartas que
iniciam com o nome de Paulo como autor totalizam quase três quintos dessa parte,
não narrativa do Novo Testamento. Essa simples relação numérica já desperta no
leitor a impressão de que Paulo foi o mais importante e influente pensador do
cristianismo primitivo. A impressão é aumentada pelo fato de Paulo ser o único dos
autores de escritos neo-testamentários de cuja pessoa e história temos maiores
informações também de fora dos seus escritos. No entanto as cartas paulinas
permitem-nos conhecer um importante período da atuação de Paulo como
missionário. Assim a amplitude do acervo das epistolas paulinas e o caráter único de
nosso conhecimento a respeito da pessoa de Paulo faz ressaltar as cartas paulinas
do restante do Novo Testamento e provocam a opinião de que o pensamento teológico
de Paulo constitui não apenas o centro do Novo Testamento, mas também determina
decisivamente a evolução do pensamento cristão primitivo. É este o “Evangelho” que
Paulo anuncia em sua atividade missionária: a graça de Deus é a fundamento da
missão,
“Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu
por todos; logo, todos morreram. 15 E ele morreu por todos, para que
os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que
por eles morreu e ressuscitou. 16 Assim que, nós, daqui por diante, a
ninguém conhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemos
Cristo segundo a carne, já agora não o conhecemos deste modo. 17 E,
53

assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já


passaram; eis que se fizeram novas. 18 Ora, tudo provém de Deus, que
nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o
ministério da reconciliação, 19 a saber, que Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas
transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. 20 De sorte
que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus
exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos
que vos reconcilieis com Deus. 21 Aquele que não conheceu pecado,
ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de
Deus. (2 Co 5,14-21).
E assim, Paulo apresenta a missão como ministério de reconciliação. Algumas
expressões podem iluminar o modo de Paulo entender a missão a partir de dois
aspectos.
No primeiro aspecto, Paulo realça a importância da morte e da ressurreição
de Jesus: ele morreu e ressuscitou por todos. Nisso ele encontra o mais profundo
motivo da missão, pois é a experiência do amor de Cristo que o impulsiona a anunciar
o Evangelho. No segundo aspecto, Paulo mostra como isso o transformou em
“embaixador de Cristo” ou “ministro da reconciliação”. Em decorrência disso Paulo não
tem uma autoridade e uma mensagem própria, tudo isso lhe foi entregue: o
protagonista de tudo é Deus que age em Jesus Cristo.
E, assim, surge a necessidade de anunciar o Evangelho, “Se anuncio o
evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque
ai de mim se não pregar o evangelho!” (1 Co 9,16). Ou seja, para Paulo “Anunciar o
Evangelho é uma necessidade que se se impõe: segundo ele, ai de dele se não
evangelizar”. Ou seja, livre em relação a todos, Paulo se faz servo de todos e se torna
tudo para todos e tudo faz por causa do evangelho. Ele se dedica totalmente ao
evangelho indo ao encontro dos outros lá onde eles estão e respeitando o que eles
são: judeus, pagãos e fracos com a finalidade de “ganhá-los” ao evangelho,
“Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar
o maior número possível. 20Procedi, para com os judeus, como judeu,
a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei,
como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo
da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. 21 Aos sem lei, como se
eu mesmo fosse não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da
lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. 22Fiz-me
fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo
para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. 23
Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador
com ele”. (1 Co 9,19-23).
54

É interessante notar o contraste entre “livre” e “servo”: se ele sendo livre se


faz servo é porque tem como modelo o próprio Cristo “Aos sem lei, como se eu mesmo
fosse não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar
os que vivem fora do regime da lei” (1ª Co 9.21). Por trás disso ele deixa transparecer
que na base do seu modo de agir está o “amor de Deus”. Na exortação aos Gálatas
ele se expressa de maneira semelhante (Gl 2,6): “Carregai o peso uns dos outros e
assim cumprireis a Lei de Cristo”. Para Paulo o evangelho de Jesus é destinado a
todos indistintamente e pode ser proclamado com eficácia sem se impor a ninguém.
Dessa forma Paulo não paganiza os judeus nem judaíza os pagãos, mas leva a ambos
ao encontro com Cristo.
Entretanto Paulo está bem consciente de que diante de sua pregação pode
haver rejeição. Para evitar que o Evangelho seja confundido com uma ideologia, ou
seja, considerado como simples propaganda religiosa, toma as devidas distâncias do
judaísmo e do paganismo, porque os primeiros “pedem sinais” e os pagãos “buscam
sabedoria”, os dois nesse sentido não passam de autossuficiência humana. Com
efeito, para o egocentrismo religioso judaico, o crucificado é escândalo, e para o
egocentrismo intelectual grego é realmente uma loucura.
Portanto, Paulo anuncia que Deus tomou a iniciativa de se revelar através da
cruz do seu Filho, pois o conteúdo essencial da missão de Paulo é o mesmo que
recebeu da tradição das primeiras testemunhas: Jesus morto e ressuscitado:
“Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual
recebestes e no qual ainda perseverais; 2 por ele também sois salvos,
se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais
crido em vão. 3 Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, 4 e que
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. 5 E
apareceu a Cefas e, depois, aos doze”. (1 Co 15,1-5).
Aqui ele fala do “seu evangelho” para desvincular o anúncio cristão do
condicionamento judaico, não no sentido de abolir todas as diferenças culturais,
sociais e antropológicas, porém, no sentido de indicar que elas não determinam mais
o sentido e o destino da vida cristã. Deus não discrimina ninguém e trata todo mundo
com absoluta imparcialidade: “Então, falou Pedro, dizendo: Reconheço, por verdade,
que Deus não faz acepção de pessoas; 35 pelo contrário, em qualquer nação, aquele
que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10,34-35)
Portanto, uma análise mais exata confirma a impressão de que Paulo constitui
o centro do Novo Testamento e influenciou decisivamente a evolução do cristianismo
55

primitivo tardio. Não obstante, é indubitável que Paulo exerceu uma função
fundamental na evolução do cristianismo primitivo. Isso é válido sem restrições para
a atividade missionária de Paulo, porque, ainda que o cristianismo tenha se propagado
em muitas partes do Império Romano independente de Paulo, ele foi, o missionário
do cristianismo primitivo.
Numa resolução clara, trouxe o Evangelho aos não-judeus, tirando dessa tarefa
as consequências teológicas e práticas. Caso pudermos levar a sério o princípio
missionário externado por ele, a saber, de pregar apenas em lugares em que Cristo
ainda não foi mencionado “esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, não
onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio”, (Rm 15,20),
foi ele o primeiro a fundar comunidades cristãs na Ásia Menor, Macedônia e Grécia.
Preocupou-se com o crescimento correto dessas comunidades também depois de sua
partida, enviando cartas e, em parte, seus companheiros.
Paulo foi capaz desse feito decisivo para a história da Igreja, porque - e isso é
o ponto mais importante neste contexto - havia sido um aluno de rabinos judaicos,
razão pela qual se tornou o primeiro pensador teológico do cristianismo. Se, pois, o
significado de Paulo no contexto da evolução dos pensamentos do cristianismo
primitivo reside em que ele foi o primeiro teólogo cristão, tal fato inegável, no entanto,
não deve fazer com que leiamos as cartas paulinas como textos dogmáticos e as
abordemos com perguntas teológicas que lhes são estranhas. Paulo foi um teólogo,
mas como missionário. Por isso seu pensar teológico é determinado em grande escala
pela confrontação com suas comunidades e com opiniões divergentes que se faziam
ouvir nas comunidades. Para nosso conhecimento do pensamento de Paulo,
acrescenta-se a isso que sua reflexão não nos foi conservada numa apresentação
sistemática, mas em cartas escritas para determinados leitores e para dentro de
determinada situação. Por um lado, isso significa que Paulo conta com leitores que
conhecem as premissas da argumentação apresentada, sendo por isso também
capazes de entender alusões que não é possível aos leitores de hoje interpretar com
suficiente exatidão.
Os protagonistas da missão são apresentados por Lucas e são priorizados
pela iniciativa divina. Na primeira parte de Atos, Lucas dá grande destaque a Pedro e
na segunda parte dá destaque a Paulo. Pedro atua no ambiente judaico de Jerusalém
e da Judéia e tem a presença de João ao seu lado confirmando e reconhecendo a sua
56

autoridade de representante dos Doze. Trata-se de uma responsabilidade eclesial que


deve ser exercida em sintonia com a comunidade em que residem os outros apóstolos.
O grupo dos “Sete” também possui seus representantes na figura de Estêvão
e de Filipe. Depois da morte de Estêvão, Filipe evangeliza a Samaria, a costa ao longo
do Mediterrâneo até se estabelecer em Cesaréia, onde anima uma comunidade
contando com a ajuda de suas quatro filhas. É claro que Filipe não tem a envergadura
nem de Pedro, nem de Paulo, mas Lucas não quer deixar cair no esquecimento este
missionário de segundo plano, e lhe atribui o título de “evangelista”. Cristãos
helenistas e que atuam de forma anônima, percorrem as cidades da Fenícia e
anunciam o Evangelho aos pagãos de Antioquia.
Também esta experiência missionária iniciada casualmente recebe o
reconhecimento da Igreja de Jerusalém mediante o envio de Barnabé como delegado
oficial. Barnabé é um cristão da “primeira hora” que recebe a função de ser animador
da comunidade cristã de Antioquia, e em seguida juntamente com Paulo se torna
protagonista da primeira atividade missionária da diáspora. A partir desse momento
surgem outros colaboradores: basta mencionar João Marcos, cristão de Jerusalém,
filho de Maria que hospeda em sua casa um grupo de cristãos; Silas também de
Jerusalém, Timóteo de Listra. Além do mais, Paulo encontra novos colaboradores nas
comunidades que ele funda. Lucas admira a Paulo que, em uma década, consegue
criar uma rede de comunidades cristãs, alcançando os principais centros urbanos do
império.
A finalidade e o método de toda atividade missionária encontra a sua expressão
mais clara e profunda nas palavras que Jesus dirige a Paulo:

“Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci,
para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me
viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda, 17 livrando-te do
povo e dos gentios, para os quais eu te envio, 18 para lhes abrires os
olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de
Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados
e herança entre os que são santificados pela fé em mim”. (At 26,16-
18).
Aqui consiste em anunciar a salvação entendida como passagem das trevas à
luz, da idolatria à fé, do poder de Satanás à soberania de Deus. Pela fé em Jesus se
obtém a remissão dos pecados e a herança eterna.
O método evangelístico apresentado por Lucas, e utilizado por Paulo, é antes
de tudo, o anúncio da Palavra que parte de fatos e expectativas das pessoas ouvintes,
57

em seguida elas interpretam estes fatos à luz do evento chamado Cristo. Tudo isso
ajuda a construir uma comunidade que seja estável e sólida em sua adesão de fé.
Este método missionário em que Paulo revela ser eficaz, cria uma sintonia com as
expectativas e os problemas das pessoas e do ambiente de modo que a proposta da
mensagem cristã dá um novo significado à vida humana. Nesse sentido o estilo de
vida dos missionários e das comunidades se caracteriza como o caminho que oferece
uma nova esperança a todos os homens.
Com diferentes protagonistas e campos de ação missionária. Não se pode
deixar de destacar ao longo de dois capítulos a figura de Estevão, um líder dos sete
diáconos, eleitos como grupo dirigente dos judeu-cristãos de língua grega. Animado
pela força do Espírito e por uma extraordinária capacidade dialética. Estevão debate
seus ex-colegas judeu-helenistas, acusando as instituições sagradas do templo e da
lei de Moisés com o seu conjunto de observâncias judaicas. O confronto entre Estevão
e o judaísmo institucional conclui-se com a supressão violenta do primeiro líder cristão
e a dispersão do seu grupo, obrigado a deixar Jerusalém. Com a onda de
“perseguição” e com a fuga dos cristãos helenistas, se relaciona a missão de Felipe,
um dos “Sete”, que leva com êxito o anuncio do evangelho aos samaritanos. Sua
missão é o início da nova Igreja na Samaria e são oficialmente reconhecidos pela
Igreja-mãe de Jerusalém, mediante o envio de dois delegados, Pedro e João, e a nova
efusão do Espírito. Depois, Felipe prossegue sua atividade missionária ao longo da
costa mediterrânea, onde batiza o primeiro pagão, o eunuco etíope. O episódio de
Estevão está relacionado também com a conversão de Saulo, que, de inquisidor dos
cristãos, é chamado a ser testemunha de Cristo, que lhe apareceu no caminho de
Damasco, suas primeiras experiências missionárias em Damasco e Jerusalém
desencadeiam violentas reações dos judeus. Esta é somente a antecipação daquilo
que será a grande aventura missionaria de Paulo. Mas, o primeiro gesto de abertura
oficial ao mundo pagão, é Pedro quem o faz, guiado pelo Espirito a Cesaréia, até a
casa do oficial romano Cornélio. A este ele anuncia o evangelho e reconhece a ação
do Espírito Santo descendo aos pagãos como acontecera no início da Igreja em
Jerusalém.
É o nascimento da primeira Igreja entre os gentios, por iniciativa de Deus, como
devem reconhecer Pedro, os outros apóstolos e os primeiros cristãos de Jerusalém.
Com este gesto programático de Pedro, ou melhor, do Espirito Santo, a missão está
58

aberta oficialmente: de fato, agora se narra a missão cristã em Antioquia, onde surge
a primeira comunidade cristã mista, formada de ex-pagãos.
O autor apresenta a cisão definitiva com autoridade judaica através de uma
“perseguição” desencadeada em Jerusalém por Herodes Agripa I fazendo o segundo
mártir cristão, agora entre os “doze”, Tiago, irmão de João. Pedro que consegue fugir
da prisão e esconder-se em lugar seguro; e após uma rápida aparição no concilio de
Jerusalém, desaparece definitivamente de cena, para deixar o campo livre ao novo
protagonista chamado Paulo.

3.2 AS ESTRATÉGIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS

Segundo Green percebe-se que os métodos evangelísticos dos primeiros


cristãos são bem diferentes dos dias de hoje segundo ele:
Atualmente, quando pensamos em métodos evangelísticos, pode vir à
mente conferências em dependências de uma igreja, ou, talvez, em
um grande estádio. É preciso fugir de preconceitos quando voltamos
o nosso olhar para o processo de evangelização exercido pelos
primeiros cristãos. Eles não sabiam nada sobre pregações de acordo
com certos padrões homiléticos. (GREEN, 2000, p. 239).
Assim como Paulo, eles começaram a evangelização nas sinagogas, onde se
destacou a pregação da Palavra de Deus como meio de evangelizar publicamente. A
sinagoga foi o canteiro de sementes da evangelização entre os judeus, onde havia
judeus, havia sinagogas e esperava-se que todos os israelitas fiéis a frequentassem
semanalmente. Além disso, os métodos evangelísticos atraíam grande número de
“tementes a Deus” entre os gentios zelosos. Isto formava uma congregação pronta, a
qual os missionários cristãos podiam dirigir-se e sem dúvida, no princípio, este foi um
dos fatores mais importante para a difusão da fé. As sinagogas eram organizadas para
promover a devoção, a disciplina e os estudos.
Meeks concorda com Green, afirmando em sua obra missionária, que Paulo
procurou a sinagoga judaica, onde teve a possibilidade de falar e debater durante os
cultos regulares do sábado. (MEEKS, 1992. p. 47). Contudo Paulo anunciava o
evangelho não só nas sinagogas locais, mas também em casas privadas, praças
públicas e na prisão. Ele alugava salas públicas além de aproveitar seu trabalho
artesanal para atuar como missionário.
Cunha faz uma afirmação em relação aos métodos.
59

Não existe apenas um método, o que seria o melhor de todos. Antes,


diferentes métodos são usados em diferentes contextos. O uso dos
caminhos para a realização dos métodos de evangelismo era feito por
mar e terra, nos limites do velho Império Romano. O Império Romano
controlava a Europa, o Oriente Médio e o norte da África, interligando-
se por uma extensa rede de estradas e rotas comerciais marítimas,
que contava com uma frota de navios e muitos aquedutos. Até os dias
de hoje, as rotas de terra e mar criadas pelos romanos são utilizadas.
O uso dos caminhos por terra e mar era originalmente militar, embora
também servisse as atividades civis, como a troca de
correspondência, lazer ou escambo. Esses lugares e caminhos foram
igualmente utilizados pelos missionários de Deus. Os discípulos e os
apóstolos usaram tanto o caminho por terra quanto os por mar para
plantar Igrejas. (CUNHA, 2006, p. 81).
Os métodos aqui apresentados usados por Paulo e os primeiros missionários
remetem a um pensamento muito importante: a Palavra de Deus se espalhou por
todos os lugares, não ficou presa somente em um lugar e tomou proporções
gigantescas. Pois pregava-se o evangelho não somente através das sinagogas locais,
mas em casas, praças e salas públicas, na prisão e até com os trabalhos artesanais.
Ao tentar discernir os contornos da abordagem missionária Paulina, é preciso
reconhecer que Paulo não era, de modo algum, a única pessoa de seu tempo
dedicada à propagação religiosa; no entanto, ele soube fazer essa tarefa com
dedicação e zelo.
Outro aspecto importante, nos primeiros métodos evangelístico dos cristãos
missionários residia no fato de que qualquer membro da congregação podia ser
convocado para ler as Escrituras, e qualquer um podia fazer a explanação,
oportunidade que Paulo utilizou, diversas vezes, com eficácia. Não era privilégio de
uma classe sacerdotal. Na verdade, o único elemento sacerdotal em todo culto era a
benção, que era dispensada quando não havia nenhum sacerdote presente. Esta
liberdade de ministério é responsável pelo fato de Jesus ter sido convidado a ler os
profetas em sua sinagoga natal em Nazaré, e Paulo ter sido convidado, muitas vezes,
como fariseu distinto que era, a ler e fazer explanação à congregação durante as suas
viagens missionárias.
Os sermões, na sinagoga de Antioquia da Pisídia são modelos de abordagem
missionária de Paulo, pois ele usava esse modelo para relatar a história do povo judeu
destacando a vinda do Messias e como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos,
ressuscitando a Jesus. E assim, ao sair da sinagoga, os ouvintes rogavam a Paulo
que, no sábado seguinte, lhe falasse estas mesmas palavras.
60

Em função disso, Paulo tinha muito cuidado em pregar as Boas Novas onde o
nome de Cristo ainda não era conhecido e, assim sendo, não evangelizava em cima
de palavras ditas por outros pregadores. Ele não media esforços para cumprir o “indo”
de Jesus.
Allen afirma que Paulo estabelece algumas características na abordagem dos
judeus na pregação na sinagoga. (ALLEN, apud GREEN, 2000, p. 241).
Green afirma que,
É possível ver em Paulo a simpatia e a conciliação com as
sensibilidades dos ouvintes, conforme afirma ele: A apresentação é
clara, ele está disposto a aceitar o que há de bom na posição deles,
simpatiza com suas dificuldades, mostrando que ele os aborda com
sabedoria e tato; reconhece abertamente as dificuldades, de
proclamar verdades não sendo muito fáceis de engolir, e de recusar-
se inapelavelmente a fazer coisas difíceis parecerem fáceis;
respeitando os seus ouvintes, suas capacidades intelectuais e suas
necessidades espirituais; e, mantendo uma confiança inabalável na
verdade e no poder da mensagem do evangelho. Assim, ele diz que
não estaremos longe da verdade ao supormos que estas eram
características típicas da pregação na sinagoga, nos primeiros tempos
da missão, em que as oportunidades ainda estavam abertas. (GREEN,
2000, p. 241).

Os primeiros missionários tinham encontros desafiadores, pois atraiam as


multidões, ousando pregar-lhes a Palavra de Deus. E era assim que os missionários
se dispunham a anunciar sua mensagem. Pois eles, a exemplo do seu Mestre,
pregavam ao ar livre. Os encontros improvisados deste tipo só eram possíveis em
lugares em que muitas pessoas passavam ou se reuniam naturalmente. A área do
templo era um lugar favorito. Por esta razão, todos estes engajamentos precisavam
ser movimentados e desafiadores. (GREEN, 2000, p. 241-242).
E, assim, Paulo começa a entrar em um momento difícil de sua missão,
chegando a ser jogado contra o rei, sendo acusado de opositor ao Imperador. Mesmo
tendo estes problemas de perseguição, Paulo e os missionários não se intimidavam
com esse movimento. Assim, Paulo inicia a sua missão de maneira bem simples,
procurando aprender e se estabelecer como um novo missionário, objetivando
enfrentar futuras provações. Estas perseguições causavam efeito contrário,
estimulavam e valorizavam a pregação na sinagoga, na reunião dos cristãos ou ao ar
livre, em condições normais ou sob inspiração direta, mostrando-se um elemento
importante entre os métodos da missão. Todavia, o aumento da perseguição e a
inexistência de prédios para o culto cristão impediam a proclamação formal do
61

evangelho. Porém, Paulo não se dava por vencido e, em função de sua coragem, não
deixava de cumprir sua missão. Além disso, investia na evangelização através do
ensino, pois entendia que a pregação da palavra e o ensino tinham que andar juntos,
num trabalho bem prático - visitar prisioneiros, animar os que estavam condenados à
morte por sua fé e prover o sustento de uma vida muito abstinente em termos de
comida, bebida, sono, dinheiro e roupas, supervisionar escolas onde os cristãos se
ocupavam do ensino e da filosofia. (GREEN, 2000, p. 249-250).
Paulo era um visionário e não media esforços para evangelizar nas cidades.
Ele conseguia ver o que as outras pessoas não viam, conseguindo obter resultados
de maneira bem expressiva, com suas abordagens, revolucionários para a época. Ele
também gostava de interagir com as questões evangelísticas de sua época, não
admitia deixar de se envolver com as questões do evangelho e não se acovardava
com suas posições teológicas. Ele, também, obtinha muitas vantagens, o número
relativamente pequeno de pessoas envolvidas tornava possível uma troca de ideias
proveitosa e um debate geral entre os participantes. O pregador não era isolado
artificialmente dos seus ouvintes.
A atmosfera informal e descontraída do lar, sem esquecer a hospitalidade
desfrutada, tudo contribuía para fazer com que este tipo de evangelização baseada
na empatia e na convivência, tivesse um sucesso especial. É importante ressaltar que,
na antiguidade, a casa - como o lugar central da vida religiosa, tinha uma longa
tradição. As associações culticas privadas, os círculos de mistério e escolas filosóficas
escolhiam esse lugar como referência para a anunciação de suas verdades. Além
disso, as comunidades judaicas também se encontravam em sinagogas domésticas.
Foi assim que a missão cristã teve início no âmbito da sinagoga.
Green concorda com esta afirmação destacando a importância do significado
sociológico da casa. A ênfase no lar como unidade fundamental da sociedade tinha
uma história longa, tanto na cultura israelita como na romana. (GREEN, 2000, p. 253).
Não se sabe de nenhuma influência exercida sobre um lar através da
conversão de crianças, mas, certamente, a convivência com escravos e libertos
evangelizados era uma maneira de penetrar nas grandes famílias da aristocracia
romana. No tempo em que o Ap. Paulo escreveu aos Filipenses havia membros da
casa de César que eram cristãos: “Todos os santos vos saúdam, especialmente os
da casa de César”. (Fl 4, 22).
62

Parece que Paulo havia causado uma forte impressão entre os membros da
guarda pretoriana, destacados em grupos de quatro para guardá-lo durante seu
período de prisão. Os seus testemunhos e suas pregações eram suas principais
credenciais, pois, o Cristianismo penetrou no mundo romano através de cinco vias
principais: a pregação e o ensino dos missionários, o testemunho pessoal dos crentes,
atos de bondade e caridade, a fé mostrada na perseguição e morte e o raciocínio
intelectual dos primeiros apologistas.
Uma forma muito importante para a propagação do evangelho da época cristã
era a visitação, pois segundo a história de Ananias, por exemplo, mostra este tipo de
método utilizado pelos cristãos da época, em muitos sentidos Ananias foi o resumo
do visitar relutante, e mesmo assim foi muito útil. Deus queria usar Ananias para esta
tarefa, e o chamou. Ele deveria ir a certa casa, porém Deus lhe deixou claro que o
homem a quem ele deveria visitar era Saulo de Tarso, que precisava de algo de que
Ananias poderia dar-lhe, mas ele obedeceu, sua conversa foi simples, amiga e direta.
Ele o chamou de irmão Saulo, numa atitude impressionante de fé. Sua mensagem era
clara e adequada a situação de Saulo. Ele falou do Senhor Jesus, que poderia abrir
seus olhos cegos para preencher sua vida vazia, e sua obediência foi recompensada
com a adesão de um convertido notável a Igreja.
Neste ponto abordamos vários métodos de Paulo na pregação do evangelho,
mostrando a diversidade e criatividade dos missionários da época e as formas simples
empregadas, expandindo a Palavra para todos os lugares. Assim, veremos a seguir
os métodos de evangelismo através do ensino, um grande pilar na pregação do
Evangelho de Cristo Jesus, realizado pelos primeiros missionários.
Paulo também usava o ensino como forma de anunciar sua mensagem. Para
Paulo, o ensino também teve fundamental importância na proclamação da palavra de
Deus. Ele é parte inerente da grande Comissão, “Ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a
consumação do século.” (Mt 28, 20). E, assim, o ensino serviu para incentivar e
motivar os missionários que pregavam a Palavra de Deus e tinham essa forma de
pregação. Por isso, a pesquisa destaca, nessa parte, o presente método. Desta forma,
o evangelismo realizado através do ensino, demonstra o quanto o mesmo foi de vital
importância no processo de evangelização e para o seu êxito. Isso causava nos
cristãos da época um forte sentimento de gratidão e não poderia haver dúvidas de que
a principal motivação para a evangelização era teológica.
63

Eles evangelizavam pela experiência extraordinária do amor de Deus, que


Jesus Cristo lhes proporcionara. Deus, em sua essência, precisava estabelecer
alguns critérios para a expansão de Sua Palavra. Ele precisava de uma estratégia
evangelística para que o Evangelho, ou seja, o nome de Jesus fosse espalhado por
toda a terra, cumprindo a sua missão de ter enviado o seu Filho Único para morrer por
todos os homens. O desafio da prática missionária consiste em aceitar pregar a
Palavra de Deus a tempo e fora de tempo.
Assim as forma que Paulo utilizou-as para pregar ao evangelho foram aqui
demonstradas, tanto aos judeus quanto aos gentios, sem esquecer de mencionar a
percepção de Paulo na estratégia que ele adotou para pregar a Palavra de Deus, isto
porque ele conhecia os dois lados da moeda, tanto tinha acesso ao judeu quanto aos
gentios. E, assim, fortalecia sua estratégia para ganhar as almas perdidas, resgatando
o maior número de pessoas possível, para a salvação no Senhor Jesus.
Paulo delimita as suas estratégias, a fim de traçar o objetivo de sua missão nas
cidades, ele traçava suas estratégias de acordo com o que tinha em suas mãos para
a pregação da Palavra. Portanto, se de um local ele usava palavras simples, em outro
empregava um grego fluente, sentindo-se cada vez mais à vontade com a linguagem
urbana. Desta forma, Paulo desenvolveu também, através do ensino, a pregação da
Palavra de Deus, despertando em seus ouvintes o interesse pela leitura desta Palavra
que transforma o homem, contribuindo significativamente para uma evolução nos
métodos acima mencionados, auxiliando-nos a desenvolver, em nosso tempo, outros
métodos para a pregação da Palavra de Deus, sem esquecer que esses métodos
desenvolvidos por nós, hoje, precisam estar alicerçados na Palavra de Deus. Pois, se
não for assim, não teremos êxito na execução dos mesmos ou banalizaremos a
pregação do evangelho.
64

3.3 AS VIAGENS MISSIONÁRIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS

Figura 1 – Mapa da Primeira viagem missionária de Paulo

Fonte: Bíblia de Genebra. Mapa 13.

Também no caso da primeira missão oficial na diáspora judaica, em Antioquia


fora da Palestina, a iniciativa é do Espírito Santo que escolhe Barnabé e Paulo. No
episódio de Cornélio, a presença divina atua em profundidade na vida dos
personagens envolvidos. O testemunho gratuito do Espírito provoca uma “conversão”
também em Pedro que deve abandonar algumas resistências que o prendem à
religião judaica para poder encontrar o pagão Cornélio.
Esta nova realidade deverá ser reconhecida publicamente pela Igreja de
Jerusalém, pois aos pagãos, Deus concedeu a conversão para a vida, ou seja, a
reviravolta histórica que produz a passagem da missão cristã do mundo judaico ao
mundo pagão é atribuída unicamente à iniciativa de Deus. Assim Paulo e Barnabé
voltando da primeira atividade missionária relatam à comunidade de Antioquia e a de
Jerusalém, confirmando tudo aquilo que Deus tinha feito com eles abrindo aos pagãos
a porta da fé.
Lucas mostra que todos os protagonistas da missão atuam segundo um
projeto guiado pela iniciativa divina. A difusão do cristianismo primitivo é fruto da
resposta pronta e generosa dos que foram enviados pelo Jesus ressuscitado, os quais
atuam sob o impulso do Espírito Santo.
65

Segundo Fabris, as etapas do desenvolvimento missionário são outro critério


que preside a narração dos Atos, segundo ele:
Jerusalém e Antioquia são os dois polos de expansão na primeira
parte dos Atos, passando pelos centros intermediários ou de ligação,
representados pelas cidades de Samaria e Cesaréia, onde pela
primeira vez um grupo de cristãos batizados é reconhecido como
“igreja” de pleno direito. Depois, o centro de gravidade se desloca para
fora da Palestina, embora sempre se centralizando em Jerusalém e
Antioquia; vez por outra se localiza nos grandes centros urbanos da
macedônia, quais são Felipos e Tessalônica, e da Grécia, quais são
Atenas e Corinto, ou da Ásia proconsular, como Troâde e Éfeso.
(FABRIS, 1984, p. 29-30)

Objetivando abordar as viagens missionárias, Fabris ressalta a primeira


viagem missionária através da missão extrapalestinense que começa na comunidade
cristã de Antioquia e tem por protagonista Paulo e Barnabé.

Estes dois se associou como ajudante João Marcos que deixará o


grupo antes de passar para Anatólia, onde Paulo toma direção e
iniciativa. A atividade missionária dos dois cristãos se dirige aos judeus
da diáspora ou emigração, que vivem nas cidades do planalto
Anatólio, aproveitando da assembleia sinagogal em Antioquia da
Pisídia, Paulo faz o seu primeiro discurso oficial aos judeus,
proclamando que a espera deles se cumpre em Jesus, morto pelos de
Jerusalém, mas ressuscitado por Deus. (FABRIS, 1984, p.38)

Diante da recusa dos judeus, Fabris também afirma que Paulo faz amadurecer
a decisão de dirigir-se aos pagãos que gravitam em torno da sinagoga judaica como
convertidos ou simpatizantes.
A reação violenta dos judeus obriga os missionários a se dirigirem para
outras localidades como Icônio, Listra e Derbe; aí eles tem a
possibilidade de reunir alguns grupos de convertidos, na maioria
pagãos. Essa primeira missão conclui-se em Antioquia da Síria, na
comunidade de onde haviam partido, e agora retornam relatando o
que Deus fez, “abrindo a porta da fé aos gentios” conforme Atos 14,27.
Desta forma, prepara-se o terreno para nova grande missão de Paulo
nas cidades da bacia oriental do mediterrâneo. (FABRIS, 1984, p.38-
39)

Fabris também afirma que esta nova grande missão é denominada a grande
viagem missionária de Paulo, sendo realizada em duas etapas sucessivas.
Levando em primeiro lugar a Macedônia-Grécia; ficando em Corinto
durante um ano e meio; depois segue para a Ásia, onde permanece
por cerca de três anos, fazendo sede em Éfeso. Ou seja, uma rápida
interrupção não marca propriamente um rompimento nessa grande
missão extrapalestinense entre os gentios. Assim idealmente a viagem
missionária de Paulo se inicia em Jerusalém e termina no areópago
de Atenas, Paulo desmascara o caminho errado da idolatria, e ao
66

mesmo tempo acolhe a busca autentica de Deus, busca que


desabrocha na adesão de fé a Jesus ressuscitado. Diante do
fanatismo em que o povo aclama a deusa-mãe Artemis em Éfeso, os
missionários cristãos recebem o atestado e a confirmação sobre a
verdade e a força do anuncio cristão. O último ato dos Atos relata a
“paixão” de Paulo, quando ele chega a Jerusalém, após a longa e
frutífera viagem missionária na Diáspora. (FABRIS, 1984, p.39-40)

E, assim, Fabris conclui o seu pensamento afirmando que O próprio Espírito


e a Palavra fizeram surgir e ainda animam, através de uma corrente ininterrupta de
missionários, as várias comunidades com sede nos grandes centros urbanos fora da
palestina.
A salvação de Deus, anunciada pela primeira vez em terras da
Palestina em favor de todos os homens, realiza-se a partir dessas
comunidades, que se conservam unidas pela trama de relações cristãs
mediadas por novos protagonistas encarregados por Paulo; haja vista
um discurso programático aos presbíteros de Éfeso. Na realidade,
trata-se do mesmo anuncio que pela primeira vez ressoou na sinagoga
de Nazaré e se tornou história de salvação proclamada pelas
testemunhas autorizadas de Jesus ressuscitado. Uma história de
salvação, cuja iniciativa está no desígnio divino profeticamente
antecipado nas Escrituras que se realizou no evento histórico de Jesus
ressuscitado, o qual vive na comunidade cristã convocada pela força
do Espírito. (FABRIS, 1984, p.39-40)

Destaca-se aqui que as viagens missionárias de Paulo. É importante atentar


que tais viagens foram o ápice da expansão do mandato missional no início da igreja
primitiva, onde o evangelho pode ser estabelecido num caminho sem volta. A primeira
viagem missionária de Paulo (At 13,1-52;14,1-28) foi ao mesmo tempo inspiradora e
aterrorizante, uma bênção e uma provação. Quando Paulo e Barnabé voltaram de sua
jornada, relataram com entusiasmo tudo que havia acontecido. Deus havia feito coisas
tremendas: muitos haviam se tornado cristãos, Igrejas se estabelecido, presbíteros
designados, a mensagem confirmada por milagres e a Palavra de Deus espalhada.
Eles também relataram a oposição feita pelos líderes religiosos, a expulsão de cidades
e os apedrejamentos, às vezes quase fatais. Mas através disso tudo eles sabiam que
não seriam parados porque os Espírito Santo os enviara e estava com eles
De acordo com a Palavra do Senhor ressuscitado, o testemunho tinha sido
dado em Jerusalém e em toda a Judeia e Samaria. Agora, o horizonte se amplia aos
confins da terra. Até este momento, a evangelização tinha se limitado a Palestina e
Síria. Ninguém ainda havia tido a visão de levar as boas novas para as várias nações.
Não é provável que o Espírito Santo tenha revelado sua vontade apenas para o
67

pequeno grupo de cinco líderes, porque isso significaria três deles sendo instruídos a
respeito dos outros dois.
De acordo com a citação acima referente aos cinco líderes, o autor dos Atos,
que na tradição é considerado originário de Antioquia, fala da presença na
comunidade de Antioquia de “profetas e mestres”, e assim, Fabris elenca um grupo
de cinco, são eles:
Barnabé, Simeão, chamado o Negro, Lucio, da cidade de Cirene,
Manaém, companheiro de infância do governador Herodes e Saulo cf.
Atos 13,1. “Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé,
Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de
Herodes, o tetrarca, e Saulo”. O primeiro e o ultimo nome desse grupo,
Barnabé e Saulo, são duas personagens conhecidas por sua atividade
de anúncio, instrução e animação da comunidade cristã de Antioquia.
Isso poderia contribuir para dar o significado mas preciso e concreto
aos dois títulos “profetas e mestres”, que servem de cabeçalho para a
lista dos cinco nomes. Trata-se de pessoas que, por suas qualidades
carismáticas, como Barnabé, ou por sua competência doutrinal, como
Paulo, são capazes de estimular o crescimento e a expansão da Igreja
local de Antioquia. (FABRIS, 2008, p.197).

É mais provável que o texto se refira aos membros da Igreja como um todo,
uma vez que tanto eles quanto os líderes são mencionados juntamente no verso um.
Da mesma forma, quando Paulo e Barnabé retornaram, eles reuniram a Igreja.
Prestaram contas a Igreja, pois haviam sido comissionados pela Igreja. E, assim,
Rinaldo Fabris continua afirmando que os outros três são cristãos de Antioquia
representativos do ambiente compósito e rico da comunidade cristã.
Segundo Fabris:

Simeão, chamado o Negro – Niger é um adjetivo latino grecizado – é


um africano. Lucio tem um nome correspondente ao latim Lucius. Ele
provém da diáspora judaica da cidade africana de Cirene. Os judeus
da cirenaica também uma sinagoga em Jerusalém e a primeira
evangelização dos gregos pagãos de Antioquia é provida pelo grupo
de judeu-cristãos helenistas ligados a diáspora dessa cidade do norte
da África (At 6,9) “Levantaram-se, porém, alguns dos que eram da
sinagoga chamada dos Libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos
da Cilícia e Ásia, e discutiam com Estêvão”, e (At 11,20) “Alguns deles,
porém, que eram de Chipre e de Cirene e que foram até Antioquia,
falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor
Jesus.” Manaem é um judeu que pode ostentar o titulo honorífico
sýntrophos, “companheiro de infância” de um dos filhos e sucessores
de Herodes Magno. Ele provém de família nobre, aparentada ou
próxima ao ambiente dos príncipes herodianos, pois foi educado na
corte juntamente com Herodes Antipas, Tetrarca da Galiléia e da
Peréia. (FABRIS, 2008, p.197).
68

Essa primeira viagem missionária ilustra a versatilidade extraordinária dos


apóstolos em adaptar-se a situações diferentes. Paulo parecia estar igualmente a
vontade com indivíduos ou multidões, judeus ou gentios, religiosos ou sem religião,
letrados ou iletrados, amistosos ou hostis. Desta forma, o aspecto mais notável na
primeira viagem missionária foi a consciência apostólica da direção divina. Foi o
próprio Espirito Santo de Deus que disse a Igreja de Antioquia para que separasse
Barnabé e Paulo; foi ele quem os enviou, os conduziu de um lugar para o outro e lhes
deu poder em sua pregação, de modo que muitos foram convertidos e Igrejas foram
estabelecidas. A Igreja que os enviou os havia recomendado a graça de Deus, e ao
voltar eles relataram “quantas coisas fizera Deus com eles e como abrira aos gentios
a porta da Fé”. É verdade que o Espírito realizara o trabalho “com eles” em
cooperação e parceria, mas ele fizera o trabalho e eles lhes deram crédito. A graça
viera dele; a glória deveria a ele.
Todavia, afirma Fabris, que para a primeira missão além das fronteiras da
província Síria são escolhidos Barnabé e Saulo:

Essa eleição é atribuída a iniciativa de Deus, que se manifesta no


clima de oração preparada e acompanhada pela pratica do jejum. É o
Espirito Santo que, segundo o autor dos Atos, diz: “Separem para mim
Barnabé e Saulo, a fim de fazerem o trabalho para o qual eu os
chamei”. (At 13.2). Num segundo momento, a comunidade, numa
reunião toda ela caracterizada pela oração e pelo jejum, impõe as
mãos sobre so dois escolhidos para expressar de modo visível não só
a invocação dos dons de Deus, mas também a confirmação do
encargo deles e a sua participação na obra do Senhor. Lucas, que
evita atribuir a Barnabé a a Saulo o título de “Apóstolos”, ao apresentar
a investidura missionária deles na Igreja de Antioquia recorre a todos
os elementos da ordenação apostólica. De fato, não é por acaso que
ele começa a narrativa da missão de Chipre nesta frase solene:
“enviados pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia
e daí navegaram para Chipre” (At 13,4). (FABRIS, 2008, p.198).

Stott afirma que Lucas chegou a um ponto decisivo em sua narrativa. Segundo
ele, Paulo ao cumprir a profecia do Senhor ressurreto, seu nome foi testemunhado em
Jerusalém e toda Judeia e Samaria.

O horizonte se alarga até os confins da terra. Os dois diáconos


evangelistas prepararam o caminho. Estevão através do seu ensino
martírio, Filipe através de sua evangelização ousada junto aos
samaritanos e ao etíope. Mesmo efeito tiveram as duas principais
conversões relatadas por Lucas, a de Saulo, [...] agora, cumprida a
sua missão, voltaram de Jerusalém. É verdade que a leitura melhor é
para Jerusalém. Nesse caso, o verso indicaria que retornaram após
terem cumprido a sua missão em Jerusalém. Mas essa construção é
desajeitada e a evidência textual deve ser ignorada devido as
69

exigências do contexto, ou seja, que Barnabé e Saulo, que tinham


viajado de Antioquia para Jerusalém, com a sua oferta, agora voltavam
de Jerusalém para Antioquia depois de entrega-la. E mais, levaram
consigo a João, apelidado Marcos, que os acompanharia quando
partiram para a primeira expedição missionária. (STOTT, 1990, p.
241).

O primeiro alvo da viagem dos dois missionários Barnabé e Saulo é a ilha de


Chipre. Para esta ilha tinham chegado alguns judeu-cristãos helenistas banidos de
Jerusalém, depois da morte de Estevão. É importante ressaltar que a escolha de
Chipre é compreensível não só pelo fato de Barnabé ser originário da ilha, mas porque
é o alvo mais fácil de ser atingido, partindo de Selêucia, um pouco distante de
Antioquia. Desta forma, outros judeu-cristãos, que chegaram em Antioquia como
Barnabé, também eram originários de Chipre, sendo a maior e mais importante ilha
do Mediterrâneo oriental.
Para Bosch em Antioquia já havia bastante gente que trabalhava na mesma
direção. Acompanhando Barnabé, Paulo embarca rumo a Chipre e indo depois para
a Ásia menor passando por Perge de Panfília, Antioquia da Psídia, Icônio, Derbe e
Listra, realizando em grande escala a vocação que tinha recebido. E, continua Jordi
afirmando que na volta desta viagem, o cristianismo “Antioqueno” está talvez mais
difundido do que o judeu-cristianismo de Jerusalém. (Isso dará todo o relevo). (BOSH,
1997, p. 70),

Catorze anos depois, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé,


levando também a Tito. 2 Subi em obediência a uma revelação; e lhes
expus o evangelho que prego entre os gentios, mas em particular aos
que pareciam de maior influência, para, de algum modo, não correr ou
ter corrido em vão.3 Contudo, nem mesmo Tito, que estava comigo,
sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se.4 E isto por causa dos
falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa
liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão; [...] 7
antes, pelo contrário, quando viram que o evangelho da incircuncisão
me fora confiado, como a Pedro o da circuncisão [...] 9 e, quando
conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram
reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de
comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a
circuncisão; 10 recomendando-nos somente que nos lembrássemos
dos pobres, o que também me esforcei por fazer. (Gl 2, 1-10).

A missão Paulina em Chipre tem o ambiente urbano de Antioquia e o know-


how inter-religioso da recém iniciada comunidade cristã na cidade Síria são a origem
do primeiro plano missionário de grande alcance. Ele amadurece no clima de
70

entusiasmo espiritual favorecido por algumas personalidades carismáticas e


culturalmente preparadas.

Segundo Bosch, a primeira viagem apostólica termina com a perseguição por


parte dos judeus, pois em Listra apedrejaram-no até crerem que estivesse morto
“Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e, instigando as multidões e
apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto”. (At
14,19). (BOSCH, 1997, p. 72).
Não se sabe exatamente quanto tempo durou essa primeira viagem. O ponto
de partida foi Antioquia, um lugar que havia se tornado um tipo de centro do
Cristianismo entre os gentios. Basicamente a viagem foi concentrada na Ilha de Chipre
e na parte sudeste da província romana da Galácia. Barnabé foi o líder até um
determinado momento da viagem, e Paulo era o pregador principal. João Marcos
servia como auxiliador dos missionários principais. Entretanto, João Marcos os deixou
e retornou para Jerusalém. A partir desse ponto, o apóstolo Paulo assumiu a liderança
da missão.

Figura 2 Mapa da segunda viagem missionária de Paulo

Fonte: Bíblia de Genebra, Mapa 14.

A segunda viagem missionária de Paulo está registrada em Atos 15, 36-


41;16;18,1-23.
71

O propósito dessa viagem, conforme o próprio Paulo, era visitar os irmãos por
todas as cidades em que a Palavra do Senhor já havia sido anunciada “Alguns dias
depois, disse Paulo a Barnabé: Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as
cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam. ” (At
15,36).
Paulo, que está em Antioquia, tem o desejo de visitar as cidades em que eles
pregaram durante a primeira viagem missionária. Ele chama Barnabé novamente para
ir, e esse aconselha Paulo a chamar João Marcos também para a viagem com eles.
Porém, Paulo, receoso, não aceita, pois na primeira missão, João Marcos voltou para
casa no meio da viagem. Desse modo, Barnabé não aceita ir com Paulo e decide
pregar a Palavra de Deus com João Marcos, e eles vão para Chipre. Já Paulo escolhe
Silas, também chamado de Silvano, para o acompanhar na viagem, e os primeiros
lugares que eles vão são a Síria e a Cilícia. Depois, Paulo e Silas partem para Derbe
e Listra; ali os dois encontram um discípulo de Paulo chamado Timóteo, que dava bom
testemunho de fé.
Segundo Fabris, nesta segunda viagem após uma divergência com Barnabé
por causa de João Marcos, Paulo leva consigo Silas e, futuramente, Timóteo, segundo
ele:
Depois da assembleia de Jerusalém, que restabelece a paz na Igreja
Antioquena, o autor dos Atos retorna a narrativa da atividade
missionária itinerante de Paulo. Após a separação de Barnabé, por
causa de João Marcos, Paulo escolhe Silas como um novo
colaborador que fora um dos dois delegados da Igreja de Jerusalém
encarregados de levar a carta do concílio a Igreja de Antioquia. Lucas
o apresenta como uma pessoa muito estimada na Igreja de Jerusalém
e dotada de carisma profético, capaz de falar com eficácia para animar
as comunidades cristãs. O seu nome Silás é transcrição grecizada do
original Shei’la, forma aramaica do nome hebraico Sha’ul. Essa
afinidade com o nome hebraico-aramaico de Paulo já o predispõe a
colaboração com o Apóstolo dos pagãos. Em suas cartas, Paulo o
menciona com o nome latinizado Silouanôs, “Silvanus/Silvano” (2ª Co
1,19) “Porque o Filho de Deus, Cristo Jesus, que foi, por nosso
intermédio, anunciado entre vós, isto é, por mim, e Silvano, e Timóteo,
não foi sim e não; mas sempre nele houve o sim.” e, (2ª Ts 1.1) “Paulo,
Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, em Deus, nosso Pai,
e no Senhor Jesus Cristo.” (FABRIS, 2008, p. 277)

Desta forma, Paulo junto com Silas, deixa Antioquia da Síria e segue em
direção a Cílicia. Eles atravessam a planície de Cilícia e chegam a Tarso. E, assim,
efetivamente o percurso da nova viagem pode ser reconstruído porque a intenção de
Paulo era fazer uma visita aos irmãos em todas as cidades. “Alguns dias depois, disse
72

Paulo a Barnabé: Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas
quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam” (At 15,36). Onde
havia anunciado anteriormente, junto com Barnabé, a Palavra do Senhor. As únicas
localidades que Lucas informa são Derbe e Listra.
Em Listra, onde Paulo correu o risco de ser agredido a ponto de ser dado como
morto após ter realizado a cura de um coxo de nascença, ele resolve escolher mais
um colaborador, a saber, Timóteo. Timóteo é um cristão da Igreja local de Listra,
nascido de um matrimônio misto. É importante ressaltar que a mãe de Timóteo é uma
judia que se tornou cristã, e o pai é grego, isto é, um pagão (At 16,1) “Chegou também
à Derbe e a Listra. Havia ali um discípulo chamado Timóteo, filho de uma judia crente,
mas de pai grego; essa informação é confirmada pelo que se diz na segunda carta
pastoral, colocada sob o nome de Paulo e endereçada ao “amado filho Timóteo”. O
Apóstolo se lembra dele com grande afeto e recorda a fé sincera de seu discípulo, “a
mesma que havia antes na sua vó Loide, depois em sua mãe Eunice”, (2 Tm 1,5) “pela
recordação que guardo de tua fé sem fingimento, a mesma que, primeiramente,
habitou em tua avó Lóide e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também, em ti;
Ele sabe que Timóteo, desde menino, foi educado no conhecimento das Escrituras
judaicas (2ª Tm 3,14-15) “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que
foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste 15 e que, desde a infância, sabes as
sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus;
Segundo o autor dos Atos, “os irmãos de Listra e Icônio davam bom testemunho de
Timóteo” (At 16,2) “dele davam bom testemunho os irmãos em Listra e Icônio”; assim
como Silas era muito respeitado pelos irmãos em Jerusalém (At 15,22) “Então,
pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja, tendo elegido
homens dentre eles, enviá-los, juntamente com Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram
Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens notáveis entre os irmãos”;
Para Fabris “o fato de que Timóteo seja conhecido e estimado não só em Listra,
onde vive com sua família, mas também pelos cristãos de Icônio, leva a supor que ele
tenha uma função de animador, ou seja, coordenador dos diversos grupos cristãos
das localidades da licaônia. (FABRIS, 2008, p.279)
Após esses acontecimentos, eles vão para Trôade, onde Paulo tem uma visão:
“um homem macedônio pede ajuda”. Então Paulo percebe que o Senhor mostrava
que deveria anunciar o evangelho na Macedônia. E, a partir deste evento, eles
decidem ir para lá, mas antes passam por Filipos, uma colônia que fazia parte da
73

Macedônia. Ao anunciarem a Palavra de Deus lá, certa mulher, chamada Lídia, abre
o coração e se atenta às palavras de Paulo. Ela se converte e é batizada, sendo assim
a primeira pessoa da Europa, conforme a Bíblia, convertida ao Evangelho,
“Tendo, pois, navegado de Trôade, seguimos em direitura a
Samotrácia, no dia seguinte, a Neápolis 12 e dali, a Filipos, cidade da
Macedônia, primeira do distrito e colônia. Nesta cidade,
permanecemos alguns dias. 13No sábado, saímos da cidade para junto
do rio, onde nos pareceu haver um lugar de oração; e, assentando-
nos, falamos às mulheres que para ali tinham concorrido. 14 Certa
mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura,
temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para
atender às coisas que Paulo dizia. 15 Depois de ser batizada, ela e toda
a sua casa, nos rogou, dizendo: Se julgais que eu sou fiel ao Senhor,
entrai em minha casa e aí ficai. E nos constrangeu a isso”. (At 16,11-
15)

Essa segunda viagem cobriu um território bem maior do que a primeira,


estendendo-se até a Europa. A obra evangelística foi concluída na Macedônia e Acaia,
e as cidades visitadas foram: Filipos, Tessalônica, Beréia, Atenas e Corinto. O
apóstolo Paulo permaneceu em Corinto um longo tempo,

“E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a


palavra de Deus. 12 Quando, porém, Gálio era procônsul da Acaia,
levantaram-se os judeus, concordemente, contra Paulo e o levaram ao
tribunal, 13 dizendo: Este persuade os homens a adorar a Deus por
modo contrário à lei. 14 Ia Paulo falar, quando Gálio declarou aos
judeus: Se fosse, com efeito, alguma injustiça ou crime da maior
gravidade, ó judeus, de razão seria atender-vos; 15 mas, se é questão
de palavra, de nomes e da vossa lei, tratai disso vós mesmos; eu não
quero ser juiz dessas coisas! 16 E os expulsou do tribunal. 17 Então,
todos agarraram Sóstenes, o principal da sinagoga, e o espancavam
diante do tribunal; Gálio, todavia, não se incomodava com estas
coisas. 18 Mas Paulo, havendo permanecido ali ainda muitos dias, por
fim, despedindo-se dos irmãos, navegou para a Síria, levando em sua
companhia Priscila e Áquila, depois de ter raspado a cabeça em
Cencréia, porque tomara voto”. (At 18,11-18)

Ainda em Filipos, uma jovem com um espírito de adivinhação que dava muito
lucro aos seus senhores passa a perturbar Paulo e Silas afirmando a todo momento
que eram servos do Deus Altíssimo. Em uma ocasião, Paulo, já enfadado com a
situação, expulsa o demônio da menina, e quando os seus senhores descobrem que
ela não podia adivinhar mais, mandam açoitá-los e prendê-los. Na prisão, mesmo
feridos, Paulo e Silas oram e louvam ao Senhor, e até os outros prisioneiros ouvem.
Perto da meia-noite, um terremoto atinge o lugar, os alicerces se movem e as portas
dos cárceres se abrem. O carcereiro acorda assustado com a situação, mas Paulo o
74

acalma. Então ele se prostra perante Paulo e Silas e decide crer no Senhor Jesus.
Anuncia aos seus familiares e todos se convertem e são batizados no nome de Jesus
Cristo. Diante disso, Paulo e Silas se recusam a sair secretamente como criminosos
comuns. Nisso, pela manhã, os magistrados mandam soltá-los.
De Filipos, os missionários vão para Tessalônica, onde fundam uma Igreja. Eles
expõem, explicam e demonstram a Palavra de Deus, principalmente sobre o plano de
salvação de Cristo. De Tessalônica para Beréia, as pessoas recebem a Palavra de
Deus de bom grado e examinam tudo o que os missionários dizem sobre as Escrituras.
Muitas pessoas passam a crer nas palavras de Paulo e Silas, mulheres gregas da
classe nobre e homens. De Beréia, os dois partem para Atenas, onde Paulo vê que o
povo se encontra entregue à idolatria. Ele decide ir ao Areópago, onde vê um santuário
dedicado “Ao Deus Desconhecido”; Paulo afirma ser esse o Deus que prega. Em
seguida, inicia um sermão, dizendo que Deus fez o mundo, e tudo o que nele há.
Combate a idolatria dos atenienses e afirma que Deus não habita em templos feitos
por mãos humanas. Alguns são tocados e creem nas palavras de Paulo, entre eles
Dionísio e Dâmaris. De Atenas, Paulo vai para Corinto, e ali conhece um judeu
chamado Áquila e sua mulher, Priscila. Eles, todos os sábados, iam nas sinagogas
combater os antigos costumes dos judeus e convenciam muitos judeus e gregos.
Diante disso, alguns judeus que não aceitam as palavras de Paulo o prendem e o
levam a Gálio, o procônsul da Grécia, porém este manda soltarem-no. De Corinto,
Paulo vai para Éfeso, onde prega e deixa Áquila e Priscila cuidando dos irmãos.
Paulo vai à Jerusalém para saudar a igreja de lá e, em seguida volta para
Antioquia, terminando assim a chamada segunda viagem missionária. Essa segunda
viagem alcançou os povos da Europa, principalmente Filipos, Tessalônica e Atenas.
Ali ele pregou o Evangelho e exerceu sua atividade profissional de fazer tendas.
Foi dessa cidade que ele enviou a Epístola aos Gálatas e, provavelmente, um pouco
depois, também enviou as Epístolas aos Tessalonicenses. Paulo também parou
brevemente em Éfeso, e ao partir prometeu retornar em outra ocasião, “Rogando-lhe
eles que permanecesse ali mais algum tempo, não acedeu. 21 Mas, despedindo-se,
disse: Se Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu de Éfeso.” (At
18:20,21)
75

Figura 3 – Mapa da Terceira Viagem missionária de Paulo

Fonte: Bíblia de Genebra, Mapa 15

A terceira viagem missionária de Paulo está registrada em Atos 18,24-28;21,1-


16. O apóstolo Paulo atravessou a região da Galácia e Frígia e depois prosseguiu em
direção a Ásia e à sua principal cidade, Éfeso.
Segundo Marshall Éfeso era a cidade principal da província romana da Ásia,
segundo ele:
Ela ficava situada na foz do rio Caister numa importante rota comercial
para o interior. Era uma cidade livre com sua própria assembleia, e
tinha um templo famoso da deusa Artemis (Diana). A cidade era um
ponto de encontro entre vários tipos de influências culturais, e tinha
uma grande população judaica que desfrutava de privilégios especiais.
(1999, p. 283)

Ali Paulo ficou por um longo período, cumprindo a promessa anteriormente


feita:
“Durante três meses, Paulo frequntou a sinagoga, onde falava
ousadamente, dissertando e persuadindo com respeito ao reino de
Deus. 9Visto que alguns deles se mostravam empedernidos e
descrentes, falando mal do Caminho diante da multidão, Paulo,
apartando-se deles, separou os discípulos, passando a discorrer
diariamente na escola de Tirano. 10 Durou isto por espaço de dois
anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a
palavra do Senhor, tanto judeus como gregos”. (At 19:8-10)
É provável que todas, se não pelo menos a maioria das sete igrejas da Ásia,
tenha sido fundada durante esse período. Parece que antes de Paulo escrever a
Primeira Epístola aos Coríntios, ele fez uma segunda visita à cidade de Corinto,
76

regressando logo depois para Éfeso. Quando deixou Éfeso, Paulo partiu para a
Macedônia. Sendo assim, o resultado das viagens missionárias de Paulo foi
extraordinário. O Evangelho se espalhou consideravelmente. Estima-se que perto do
final do período apostólico, o número total de cristãos no mundo era em torno de
quinhentos mil. Apesar de esse resultado ter sido fruto de um árduo trabalho que
envolveu um enorme número de pessoas, conhecidas e anônimas, o obreiro que mais
se destacou nessa missão certamente foi o Apóstolo Paulo.
Paulo quando chega em Éfeso com seus colaboradores Áquila e Priscila para
continuar a sua viagem, pois, não havia dúvida que Paulo realmente visitou Éfeso e é
altamente impossível que não houvesse aproveitado a oportunidade para a
evangelização.
Segundo Marshall:
Esta visita, porém, foi rápida, e Paulo recusou-se a estendê-la em
função da recepção favorável dada a sua mensagem. Pois Paulo
queria chegar em Jerusalém a tempo para a festa, cf. Atos 20,16;
“Porque Paulo já havia determinado não aportar em Éfeso, não
querendo demorar-se na Ásia, porquanto se apressava com o intuito
de passar o dia de Pentecostes em Jerusalém, caso lhe fosse
possível”. É possível que tenha acertado a verdade. Se a festa era a
páscoa, Paulo deve ter se apressado, pois era curto o período entre o
recomeço da navegação após o inverso e o festival. Desta forma,
Paulo despediu-se com uma promessa no sentido de que voltaria, se
fosse esta a vontade de Deus. às palavras refletem uma formula pagã
retomada pelos cristãos conforme Atos 21,14; “Como, porém, não o
persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor!”
e Tiago 4,15; “Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só
viveremos, como também faremos isto ou aquilo.” (MARSHAL, 1999,
p, 283-284)

Paulo segue agora de Corínto a Éfeso, Cesaréia, Jerusalém, Antioquia e


novamente para Éfeso, atravessando a Galácia. A sua narrativa é muito resumida ou
por falta de informação, ele ainda estava em Filipos, ou porque o seu propósito era
levar Paulo da Acaia a Ásia, onde o Espírito lhe havia proibido de pregar conforme
Atos 16,6; E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito
Santo de pregar a palavra na Ásia, nos seus dois anos em Corínto aos seus três anos
em Éfeso, sem demorar-se com seus meses de viagem.
A estada de Paulo em Éfeso por ocasião da terceira viagem missionária mostra
que Paulo, ao chegar na cidade com Áquila e Priscila, resolve deixá-los ali, e, porém,
entrando na sinagoga, pregava aos judeus:
77

“Mas Paulo, havendo permanecido ali ainda muitos dias, por fim,
despedindo-se dos irmãos, navegou para a Síria, levando em sua
companhia Priscila e Áqüila, depois de ter raspado a cabeça em
Cencréia, porque tomara voto. 19Chegados a Éfeso, deixou-os ali; ele,
porém, entrando na sinagoga, pregava aos judeus. 20Rogando-lhe eles
que permanecesse ali mais algum tempo, não acedeu. 21 Mas,
despedindo-se, disse: Se Deus quiser, voltarei para vós outros. E,
embarcando, partiu de Éfeso”. (At 18,18-21)

E, desta forma, a missão de Paulo foi muito mais aceita pelos judeus em Éfeso
do que em Corinto a ponto de lhe pedirem para ficar. Rogando-lhe eles que
permanecessem ali mais algum tempo, porque precisava ele de participar da próxima
festa em Jerusalém de qualquer forma, pois se entendia ser esta festa a festa da
Páscoa. Qualquer que fosse o motivo da pressa de Paulo, despedindo-se disse: se
Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu de Éfeso (At 18,21) “Mas,
despedindo-se, disse: Se Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu
de Éfeso”. E, chegando a Cesaréia, o porto principal da Palestina, desembarcou
subindo a Jerusalém e, tendo saudado a Igreja, desceu para Antioquia. “Chegando a
Cesaréia, desembarcou, subindo a Jerusalém; e, tendo saudado a igreja, desceu para
Antioquia.” (At 18,22)
Desta forma, Stott faz suas considerações dizendo que:
A Igreja que saudou ao desembarcar certamente não foi a de
Cesaréia, mas a de Jerusalém, a cerca de cento e quatro quilômetros
o litoral, pois “os termos subir e descer são usados com tanta
frequência para indicar uma viagem para dentro e para fora de
Jerusalém, que esse uso se consagrou” pois, havendo passado algum
tempo em Antioquia, provavelmente do início do verão doa no 52 ao
início da primavera do ano 53, e tendo, sem dúvida, relatado a Igreja
toda a sua segunda viagem missionária, saiu, iniciando aquela que
seria sua terceira e última viagem. Primeiro, ele deve ter ido em
direção ao norte, depois para o oeste, passando pelos Portões da
Cilícia, vencendo a cordilheira de Taurus, atravessando
sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os
discipulos cf. Atos 18,23; “Havendo passado ali algum tempo, saiu,
atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia,
confirmando todos os discípulos”. Isso significa que ele revisitou as
Igrejas de Antioquia da Psídia, Icônio, Listra e Derbe, que ele havia
restabelecido em sua primeira viagem missionária e consolidado na
segunda. (STOTT, 1994, p. 339).

E, Fabris, faz suas afirmações a respeito da terceira viagem de Paulo com sua
chegada a Éfeso, O novo centro da missão de Paulo, depois de Corinto, é a cidade
de Éfeso.
Essa metrópole, capital da província da Ásia Menor e sede do
procônsul romano, devia ser a meta da primeira viagem missionária
78

de Paulo, depois da assembleia o concilio de Jerusalém em


companhia de Silas e Timóteo. Os três missionários itinerantes,
porém, não puderam realizar esse projeto por causa das
circunstâncias adversas interpretadas como sinal da vontade de Deus.
o autor dos Atos narra que eles decidiram atravessas as regiões
centrais da Anatólia, “uma vez que o Espírito Santo os proibira de
pregar a Palavra de Deus na Ásia cf. Atos 16,6; “E, percorrendo a
região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de
pregar a palavra na Ásia,” assim, a difusão dos Evangelho segue outro
itinerário, chegando primeiro as províncias do Império Romano da
Grécia, a Macedônia e Acaia. (FABRIS, 2008, p. 387)

E Fabris continua afirmando que Paulo, dirigindo-se para a Síria, deixa Corinto
em Companhia de Aquila e Priscila, faz escala no porto Éfeso e ai se detém por alguns
dias. Vai à sinagoga e se põe a discutir com os judeus, que pedem para que fique
mais tempo com eles. Paulo, contudo, se despede da comunidade judaica de Éfeso,
prometendo voltar “se Deus quiser”. (FABRIS, 2008, p. 387)
Em seguida, continua sua viagem até Cesaréia, o porto da Judeia e da Samaria.
Daí sobe para saudar a Igreja de Jerusalém e, depois, desce para Antioquia da Síria.
Entretanto, o casal cristão Áquila e Priscila, permanece é Éfeso, preparando assim de
algum modo o terreno para a próxima missão de Paulo na província da Ásia. De fato,
tendo passado certo tempo na Igreja de Antioquia, ele se pôe de novo em viagem
“percorrendo sucessivamente as regiões da Galácia e da Frígia fortalecendo todos os
discípulos” conforme Atos 18,23: “Havendo passado ali algum tempo, saiu,
atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os
discípulos”. Tem assim a oportunidade de rever e confirmar na fé os pequenos grupos
cristãos que se formaram nas localidades da Anatólia central durante a missão
anterior. Depois de atravessar essas regiões do planalto, Paulo chega finalmente a
Éfeso. (FABRIS, 2008, p. 387)
Não é possível deixar de falar da, importante, figura de Apolo na terceira viagem
de Paulo, pois antes de Lucas retomar a história da volta de Paulo a Éfeso, e da sua
obra ali, inclui um relato da chegada de Apolo naquele cenário.
79

4 AS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DE PAULO

Segundo Marshall, com a ausência de Paulo em Éfeso, Apolo viria a ser uma
figura importante na Igreja em Corinto, e, na realidade, ficou sendo ponto focal
dalguma rivalidade contra Paulo.

A presente passagem indica que, embora ele pessoalmente não


tivesse sido instruído por Paulo, mesmo assim recebeu a sua
educação cristã da parte dos colegas de Paulo, de tal modo que pode-
se supor que compartilhava dos conceitos teológicos deste, conforme
o próprio Paulo da a entender conforme 1ª Coríntios 3,5-9; “Quem é
Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto
conforme o Senhor concedeu a cada um. 6 Eu plantei, Apolo regou;
mas o crescimento veio de Deus. 7 De modo que nem o que planta é
alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. 8Ora,
o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão,
segundo o seu próprio trabalho. 9Porque de Deus somos
cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós.” Apolo era
uma forma abreviada de Apolônio. Era natural de Alexandria, e
restante da discrição das suas capacidades se encaixa bem neste
detalhe. É bem possível que Apolo devesse a sua eloquência e
capacidade para debater a sua criação em Alexandria. Como judeu
culto, era poderoso nas Escrituras, e conseguiu fazer bom uso cristão
dos seus conhecimentos. (MARSHAL, 1999, p.285)

E, finalizando a terceira viagem missionária de Paulo, o mesmo aparece como


o instrumento do poder de Deus de forma ilustre e relevante. Ele anuncia o Espírito
Santo aos doze discípulos de João, separa os discípulos de Jesus e solenemente
institui a Igreja em Éfeso. Seu testemunho ao Senhor Jesus é seguido em toda a Ásia,
tanto pelos judeus quanto pelos gregos; milagres extraordinários são realizados por
suas mãos e enfermidades curadas de várias pessoas apenas ao tocar as suas
vestes. O poder do inimigo esvazia-se frente ao poder que está em Paulo; o
entendimento dos pagãos é atingido, e o domínio do inimigo sobre eles se vai. O medo
caiu sobre muitos que seguiam artes mágicas, e eles mesmos deram fim a seus livros
de magia, queimando-os. “Assim a Palavra do Senhor crescia poderosamente e
prevalecia”. (At 19,20). Desta forma, o poder do Senhor foi demonstrado na pessoa e
na missão de Paulo, e seu apostolado estabelecido de forma irrepreensível.
Paulo havia agora passado cerca de três anos de incessante trabalho em
Éfeso. E ele mesmo diz, ao se dirigir aos anciãos em Mileto: “Portanto, vigiai,
lembrando-vos de que durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar com
80

lagrimas a cada um de vós”. (At 20,31). É também suposto que, durante este período,
ele tenha feito uma rápida visita e tenha escrito a Primeira Epístola aos Coríntios.
A proposta evangelística de Paulo tinha como objetivo a aplicação de suas
estratégias e metodologias pastorais nos grandes centros urbanos do seu tempo. E,
desta forma, ao abordarmos suas estratégias e seus métodos evangelísticos,
podemos ver o seu entusiasmo, sonho e seu amor pela missão, pois tudo isso tinha
relação com a forma com que Paulo se relacionava com as pessoas e como as
cativava com a sua prática e a sua forma de ensinar. Paulo, não anunciava a si
mesmo, pelo contrário, anunciava a Jesus Cristo, o ressuscitado dentre os mortos.
Para Paulo, ser um seguidor de Jesus era um privilégio e não via isso como mérito,
pois para ele seguir e falar de Jesus exigia abnegação, clareza e coesão.
Segundo Sayão, o Apóstolo Paulo é, sem dúvida, o maior teólogo do
cristianismo:
A sistematização fundamental da fé cristã primitiva tem na figura de
Paulo seu modelo mais importante. Apesar de ter sido um Apóstolo
tardio. E de não ser o autor mais prolífico do Novo Testamento, Paulo
é de fato o primeiro teólogo sistemático cristão, o sentido básico da
palavra. Estamos seguros de que não é demais afirmar que ele foi a
pessoa mais importante da história da fé cristã depois do próprio Jesus
Cristo. Todavia, uma avaliação do pensamento paulino não é tarefa
nada fácil. Muitas questões devem ser enfrentadas no trabalho de tal
envergadura. (SAYÃO, 2009, p.97)

As ações pastorais de Paulo podem ser definidas através da forma como ele
utilizava o seu tempo e se relacionava com as pessoas que colaboravam com ele,
como ele as admirava, incentivavas e as honrava. Seus colaboradores faziam parte
integral dos seus planos em suas propostas evangelísticas, pois Paulo dedicava a sua
vida às missões, ele respirava missões, era um apaixonado pela proclamação da
Palavra de Cristo Jesus
Sayão descreve o que foi a relevância de Paulo dentro da proposta
evangelística a partir de sua conversão,

Paulo cresceu em meio à tradição judaica religiosa, muito bem


instruído da Torá hebraica, e apendeu o grego, o hebraico e o
aramaico, língua comum entre os judeus na época, ainda muito jovem,
Paulo foi estudar com o famoso rabino Gamaliel, neto de Hillel. Como
fariseu, Paulo tornou-se um estrito seguidor da Lei e da tradição
judaica. Depois de tornar-se um dos principais perseguidores da Igreja
Cristã incipiente, Paulo converteu-se a Cristo, de forma extraordinária,
na famosa estrada de Damasco. Junto com a conversão, Paulo
81

recebeu o chamado apostólico para pregação do evangelho de Cristo


ao mundo gentílico. A conversão de Paulo ocorreu provavelmente
entre os anos 32-35, sendo seguida por uma viagem à Arábia e a
Damasco. É possível que no ano 35 ou 38 Paulo tenha visitado Pedro
em Jerusalém. Depois disso, o Apóstolo dirigiu-se as regiões da Cilícia
da Síria, onde possivelmente ficou cerca de dez anos (35/38-45/46).
Sua segunda visita a Jerusalém deve ter ocorrido em 46. Daí em
diante, começam as grandes viagens missionárias de Paulo, o
Apóstolo dos gentios. . (SAYÃO, 2009, p.99)

Paulo se movia com muita desenvoltura no ambiente greco-romano. Nascido


em Tarso, Paulo viveu grande parte da sua vida nas cidades greco-romanas. Por isso
devia saber falar muito bem a língua grega e conhecer os meandros desse mundo.
Uma das marcas de Paulo foi a transformação que ele sofreu em sua vida pessoal,
conhecida como a sua conversão. No entanto, a maior mudança que ele sofreu não
foi a de judeu zeloso para cristão fervoroso, mas a sua posição social. De homem
respeitado, da tribo de Benjamim, educado aos pés de Gamaliel, cheio de zelo pela
Lei e possível cidadão romano e membro do Sinédrio, Paulo assumiu uma condição
de desempregado, pobre, perseguido, humilhado, sem segurança, sem casa, membro
de uma seita que vivia à margem da sociedade. Para garantir seu sustento, sujeitou-
se ao trabalho manual relegado aos escravos e considerado vergonhoso pela
mentalidade greco-romana. Enfim, a maior mudança que ele sofreu foi à mudança de
status.
Essa mudança social se dá quando Paulo começa a vivenciar o cristianismo,
de fato, quando Paulo vai morar com as famílias de cristãos, trabalhar com e como
elas, passar por necessidades, vulnerabilidade, descaso, frustração e opressão. E,
assim, começa a haver uma aproximação entre Paulo e seus ouvintes, ou seja,
quando se torna pobre entre os pobres e os excluídos.. Sendo assim, a sabedoria da
linguagem e a cruz não são conciliáveis, pois ele diz: “Cristo me enviou para anunciar
o evangelho sem recorrer à sabedoria do discurso, para não tornar inútil a cruz de
Cristo” (1ª Co 1,17). Para Paulo, pregar o Evangelho não é a sua profissão. Evangelho
e vida é a mesma coisa. O projeto de Deus e seu projeto pessoal são a mesma coisa
e não andam separados. Já estão acontecendo através de seu trabalho e pregação.
Assim, Paulo fala do Reino da Glória.
O Evangelho alimenta e dá vida à ação. É ele que conjuga o esforço para uma
conduta diferente no tempo presente e no mundo. Enquanto os cristãos esperam o
futuro, são chamados, admoestados e exortados a viver no tempo presente de forma
82

digna diante de Deus. Desta forma, Paulo nos apresenta sua conduta que é
considerada digna diante de Deus dentro da situação concreta de sua proposta
evangelística em Atos dos Apóstolos.
Paulo se apresenta como modelo para os cristãos. Fabricava tendas deixando
muito clara a sua intenção de não viver às custas dos outros. Seu bem-estar não
deveria ser resultado ou produto da miséria de outros. Isso não precisa ser dito, mas
é evidente que as comunidades, em suas análises, perceberão e saberão dar valor
àqueles que na sociedade vivem assim. Paulo mostra, com isso, o conflito existente
entre trabalho e vida digna, entre a falsa ética do trabalho, patrocinada pelo império,
e a vida reclamada pelo Evangelho. Paulo não quer ser um peso para com os que
convivem com ele. E, assim se prontifica a trabalhar com afinco, propondo assim uma
mudança de paradigma clerical.
Devido ao embate em Atenas, Paulo passa ver a missão a partir de outro prisma
e assim propõe solidariedade uns para com os outros, ou seja, na prática afirma a
necessidade de exercer o amor de um pelo outro e um trabalho construído em novas
relações, isto é, não depender de ninguém. Paulo sabia, por experiência própria, o
que isso significava. Agora aconselhava os seus ouvintes a buscar e praticar uma vida
com base no relacionamento uns com os outros. Pois, a pratica missionária de Paulo
é posicionada através de uma estrutura em que através das dificuldades em algumas
situações vivida por ele em alguns centros urbanos, Paulo, usa sua sabedoria e seu
conhecimento para proclamar o evangelho aos gentios exercendo o seu papel de
ministro dos a estes cuidando para que os gentios, através da mensagem do
evangelho, suas ofertas fossem aceitáveis. Pois à maioria dos interpretes considera
Paulo missionário tanto dos judeus como dos gentios, em parte baseando-se nas
descrições da sua atividade missionária.
É importante ressaltar que Paulo usou em suas ações evangelísticas, algumas
estratégias essenciais na proclamação da mensagem de Cristo Jesus. E, para o uso
destas estratégias ele dirigiu-se aos grandes centros urbanos de sua época, sendo
esses centros situados junto as principais vias comerciais, marítimas e terrestres, pois
grande parte desses centros localizavam-se nas zonas portuárias viabilizando assim
o abastecimento destes centros urbanos. O que movia essas cidades era o fator
econômico, ou seja, o livre comércio e a intensificação do uso da moeda como
elemento de troca que permitiu esse sistema.
83

Paulo nos apresenta uma forma digna, de viver, diante de Deus e resistir às
pressões socioeconômicas. Entre as muitas pressões recebidas, Paulo menciona
aqui, de forma mais acentuada, a de seus concidadãos, os judeus. Um grupo elitizado,
ligado a Jerusalém e à sinagoga. Muitos são comerciantes e consequentemente
detentores de poder e influência. É compreensível que queriam a continuidade e a
manutenção de todo o sistema político, econômico e religioso que os favorecia. Paulo
não esconde o conflito, que já é velho enfrentando-os ao dizer que é uma questão de
raciocínio afirmando que quem foi capacitado para matar Jesus Cristo e os profetas,
é lógico e claro que o perseguirá e, também, os seus seguidores. Desta forma, as
pressões recebidas não são uma novidade. Já vêm de longa data. Por isso, não são
recebidas com surpresa. Antes, podem ser recebidas como consequência do
testemunho dado. Afinal, é natural esperar oposição à nova proposta de vida que
nasce a partir do confronto com o Evangelho.
Paulo também apresenta alguns pontos importantes em suas ações
evangelísticas em Atos dos Apóstolos e, assim se pode começar a abordar o Mistério
da Graça do Evangelho no serviço, ou seja, o que conduzia e mantinha Paulo na
missão era a sua paixão pela mensagem da graça. Ele era um apaixonado pelo
evangelho, e um apaixonado não mede esforços. É capaz de ir até onde for preciso
para alcançar almas sofrendo privações, fome, frio, humilhações e prisões. Paulo
amava o fazia, estava absolutamente certo de sua missão, não exigia qualquer tipo
de pagamento, nem sequer quando estava em situações de dificuldade extrema ele
permitia que as comunidades o ajudassem, exceto quando os irmãos de Filipos, uma
de suas comunidades predileta,
“Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em
todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de
fome; assim de abundância como de escassez; 13 tudo posso naquele
que me fortalece. 14Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha
tribulação. 15 E sabeis também vós, ó filipenses, que, no início do
evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja se associou
comigo no tocante a dar e receber, senão unicamente vós outros; 16
porque até para Tessalônica mandastes não somente uma vez, mas
duas, o bastante para as minhas necessidades.” (Fl.4, 12-16).,
É importante entender que a comunidade de Filipos passa por uma tensão
interna. Esse era um problema comum nas primeiras comunidades cristãs. Porém, no
caso de Filipos, acontecia principalmente pela influência externa. A competição em
função do nível social estava em voga. Pois, essa dinâmica era introduzia na
comunidade cristã de Filipos, que não conseguia deixar de ser influenciada pelo
84

restante da sociedade de Roma. Paulo chama a sua atenção, apresentando como


exemplo o próprio Cristo ,

Pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação


o ser igual a Deus; 7 antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a
forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e,
reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou, tornando-
se obediente até à morte e morte de cruz. 9 Pelo que também Deus o
exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome,
10
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra
e debaixo da terra, 11 e toda língua confesse que Jesus Cristo é
Senhor, para glória de Deus Pai. (Fl. 2,6-11)

Esse exemplo de Jesus desarma qualquer argumento. Não há como não


entender isso. Aqui Paulo nos põe em sincronia o Cristo Sofredor. Paulo, além viver o
mistério da graça e do serviço, ele vive o seu martírio. Não é difícil perceber isso nas
entrelinhas de suas cartas. Na carta aos Filipenses, certamente escrita na prisão, ele
manifesta isso claramente em (Fi 1.21-23) “Para mim, pois, o viver é Cristo e o morrer
é lucro. Mas, se o viver na carne é para mim motivo de trabalho frutífero, não sei o
que escolher. Estou entre dois desejos, o de partir e estar com Cristo, que é
incomparavelmente melhor, mas permanecer na carne é mais necessário por causa
de vocês”. Na prisão, Paulo se encontra num dilema: morrer ou viver. De um lado,
encontra-se diante da morte e chega a desejá-la, pois é uma situação real, pois na
prisão, diante das ameaças e torturas, as esperanças vão se dissipando.
A morte parece não abalar suas estruturas, pois para quem busca viver cada
momento em Cristo, o morrer é o encontro absoluto e irrefutável com ele: “se viver é
Cristo, o morrer é lucro”. No entanto, pela causa do evangelho, é mais importante
permanecer vivo e assim continuar a serviço da comunidade. Mas, diz Paulo, “se o
meu sangue for derramado em libação, em sacrifício e serviço de vossa fé, me alegro
e me rejubilo com todos vocês; e vocês também se alegrem e se rejubilem comigo”
cf. (Fi 2,17). Dar a vida por causa Cristo era o testemunho mais digno que um cristão
podia dar.
Paulo ressalta em suas ações evangelísticas que o nascimento da Igreja se
deu nas casas particulares, ele deixa bem claro em suas cartas. É normal ver Paulo
dirigir-se às lideranças das comunidades fazendo a seguinte afirmação: “saudai
igualmente a igreja que se reúne na casa deles” (Rm 16,5). Paulo conhecia bem as
sinagogas e falava a mesma linguagem dos seus pares, iniciando ali a sua mensagem.
85

Paulo, porém, ao perceber que seu trabalho não avançava, direcionou sua estratégia
começando a reunir pessoas nas suas casas. Jesus gostava de frequentar as casas,
pois às sinagogas e aos templos ia para denunciar e enfrentar as autoridades para
depois se retirar e entrar nas casas, onde ensinava, curava, comia e celebrava com
os excluídos. É numa casa onde Jesus celebra a última ceia, na parte superior dela:
No primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, vieram os discípulos a
Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos
para comeres a Páscoa? 18 E ele lhes respondeu: Ide à cidade ter com
certo homem e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está
próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos. 19
E eles fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa. 20
Chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos. (Mt 26,
17-20)

Nas casas as relações não passam necessariamente pelo poder clerical, mas
pela fraternidade, pela irmandade e pela filiação. Paulo gosta de usar a linguagem da
casa quando se dirige às comunidades. É comum vê-lo chamar as pessoas de irmãos,
irmãs, filhos e pais, assim como o próprio Cristo cf. (Jo 13,33): “Filhinhos, ainda por
um pouco estou convosco; buscar-me-eis, e o que eu disse aos judeus também agora
vos digo a vós outros: para onde eu vou, vós não podeis ir”. É também comum vê-lo
pedir que todos se tratem como irmãos e irmãs. Entre os primeiros cristãos, casa, lar
e Igreja se misturavam.
Paulo também apresenta em suas propostas evangelísticas a participação de
leigos na liderança das primeiras comunidades. O cristianismo nascente, na sua
essência, é leigo, nasce dentro do judaísmo como uma seita. Os primeiros seguidores
de Cristo não pertencem ao clero do judaísmo. São pescadores, em sua maioria.
Quando a Igreja primitiva começa a surgir no seu embrião, tendo a sua frente os
apóstolos, entre eles Tiago, Pedro e João, estes não são as autoridades eclesiásticas
responsáveis pela propagação do evangelho. Segundo o livro dos Atos dos Apóstolos
houve uma divergência entre as duas comunidades cristãs em Jerusalém, a dos
hebreus e a dos helenistas. Estes reclamavam que suas viúvas estavam sendo
esquecidas na distribuição diária

“Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve


murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles
estavam sendo esquecidas na distribuição diária. 2 Então, os doze
convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: Não é razoável
que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. 3 Mas,
irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do
Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; 4 e,
86

quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra.


5
O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram Estêvão,
homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor,
Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. 6 Apresentaram-
nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos”.
(At 6.1-6)

Para que os apóstolos possam se dedicar exclusivamente à Palavra, são


escolhidos sete homens, todos gregos, para servirem à mesa. Porém eles não se
atêm ao serviço diaconal, mas se dedicam à Palavra, que, aliás, será a causa da morte
de Estêvão, primeiro na lista dos escolhidos e primeiro mártir da Igreja, no entanto,
após a morte de Estêvão, começa uma grande perseguição aos cristãos helenistas
de Jerusalém e todos, menos os apóstolos, se dispersaram

“E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande


perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os
apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria.
2
Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram grande
pranto sobre ele”. (At 8,1-2)

“Entretanto, os que haviam sido dispersos iam por toda parte anunciando à
Palavra” (At 8,4). E, assim, segundo os Atos dos Apóstolos, com os cristãos helenistas
nascem às comunidades cristãs. E as comunidades vão dando o contorno à Igreja.
Ou seja, os cristãos que se dispersaram, encontraram culturas e religiosidades
diferentes. Isto é, a mensagem de Jesus não veio pronta, mas foi sendo gerada, de
acordo, com as culturas aonde os dispersos chegavam. Sendo assim, as lideranças
leigas tiveram papel decisivo na formação da Igreja primitiva. Paulo foi um dos seus
principais promotores. Pode-se afirmar que contar com leigos e leigas foi uma de suas
principais estratégias pastorais. Paulo andava sempre com muitas pessoas, deixava-
se ajudar por elas na missão, valorizava seu trabalho, incentivava-as e dividia as suas
responsabilidades. Silas, Barnabé, Timóteo, Dâmaris, Tabita e Lídia e o casal Priscila
e Áquila estão entre os seus principais companheiros e companheiras de caminhada.
Em suas cartas, sempre faz questão de saudar muitas lideranças, mencionando seus
nomes. A carta aos Romanos apresenta uma lista de trinta pessoas saudadas por
Paulo (Rm. 16,1-16).

Todas essas pessoas parecem ser conhecidas pelo apóstolo, provavelmente


da comunidade de Éfeso, onde ele morou muito tempo, e mencionadas na carta aos
Romanos. O que chama a atenção é que, das trinta pessoas que Paulo saúda, onze
são mulheres. Além do já conhecido casal de lideranças, Priscila e Áquila, há entre
87

elas uma mulher de nome Febe. Ela é diaconisa da Igreja de Cencreia e é enviada
por Paulo para expor e debater, em seu lugar, o conteúdo da carta com a comunidade.
Na lista ainda chama a atenção um casal, Andrônico e Júnia. Eles são os apóstolos
que antecederam Paulo na fé e foram seus companheiros de prisão.
Paulo ainda apresenta em suas ações evangelísticas em Atos um projeto
alternativo a comunidade cristã, sendo um divisor de águas na ação pastoral de Paulo
e em suas propostas, ou seja, Paulo insiste que no que a comunidade cristã deve
construir um projeto alternativo. Pois, enquanto o modelo do império exclui,
marginaliza, escraviza, divide a sociedade em classes, prioriza o lucro, a luta pelo
poder e o nível social, a comunidade cristã deveria inserir, integrar, partilhar, promover
a igualdade social, a fraternidade, a solidariedade e o amor.
Para Paulo, está muito óbvio que a proposta alternativa do evangelho do Cristo
Crucificado por essas novas relações sociais. Paulo, inclusive, exige uma ruptura com
a sociedade opressora e corrupta. A comunidade de Corinto passava por rixas
internas, e por isso alguns membros denunciavam os seus próprios irmãos nos
tribunais injustos da cidade. “Entretanto, vós, quando tendes a julgar negócios
terrenos, constituís um tribunal daqueles que não têm nenhuma aceitação na igreja.”
(Co 6, 4). Como um tribunal corrupto pode julgar a causa dos santos? Paulo diz à
comunidade que rompa com esses tribunais e ela mesma escolha pessoas entre os
seus para julgar as causas da comunidade.
Por fim, Paulo apresenta a comunidade cristã e parte da sociedade a Ceia do
Senhor, concluindo assim as suas ações de evangelismo em Atos dos Apóstolos, pois,
na Ceia do Senhor todos os membros da comunidade participavam sem distinção e
preferência. Mesmo os que não tinham com que contribuir, como os mais pobres, os
escravos, também sentavam à mesa e partilhavam do alimento, pois por influência de
parte desta sociedade, algumas pessoas da comunidade, que tinham melhores
condições, não queriam participar com os demais e comiam sua própria ceia à parte.
Paulo critica duramente essa atitude, pois a Ceia do Senhor é o momento alto em que
a comunidade vive já a plenitude da fraternidade, da partilha e da fé e todas as
diferenças sociais que devem desaparecer. Por isso Paulo insiste para que os cristãos
não participem dos banquetes oferecidos aos ídolos (1ª Cor.10,14-22).
Para Paulo, se a Ceia do Senhor é a expressão máxima do projeto da
solidariedade e do amor anunciado por Jesus Cristo, os banquetes aos ídolos são a
expressão máxima do sistema opressor que matou Jesus Cristo e persegue às
88

comunidades cristã. Desta forma, o evangelho através, de Paulo, fez muitas


transformações, fez crescer comunidades e impactou a ordem em muitos lugares
como, por exemplo, ele afirma:
“Mas apesar de maltratados e ultrajados em Filipos, como é do vosso
conhecimento, tivemos ousada confiança em nosso Deus, para anunciar o Evangelho
de Deus, em meio a muita luta”. (1ª Ts 2.2).

4.1. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM TESSALÔNICA

A proposta evangelística de Paulo em Tessalônica é de vital importância para


a expansão do evangelho, em especial na pregação de Paulo, o apóstolo para as
nações.
Fabris, faz um relato sobre a fundação da cidade de Tessalônica informando a
importância desta cidade na expansão do Evangelho na missão em Atos dos
Apóstolos. Segundo Fabris:

A cidade de Tessalônica fundada em 316-315 a.C. pelo general Cassandro,


unifica e substitui as locadlidades que surgiam na localidade chamada
Therme ela toma o nome da mulher de Cassandro, uma meia irmã de
Alexandre, Tiessaloniké, como lembrança da vitória sobre os tessálios. A
cidade se ergue na planície da foz formada pelos rios Aliakmonas, Galikós e
Axios, que desembocam no golfo Termaico. Aí chegam as estradas que vem
do Adriático, como a “Via Egnatia”, e aquelas que provém dos Balcâs. Por
isso, Tessalônica se torna principal porto da Macedônia, substituindo o já
assoriado porto de Pela. Depois da conquista romana de 146 a.C., é
escolhida como capital da grande província macedônia, subdividida em
quatro distritos. (FABRIS, 2008, p.317)

Para Paulo e Silas, Tessalônica parece ser um terreno fértil para o Evangelho.
O cristianismo cresce e se desenvolve. Ali os extremos coexistem. Produzem-se
muitas riquezas, que têm como consequência muita pobreza e marginalização. A
proposta cristã não defende e nem reproduz esta lógica. Nesse sentido, ela é
alternativa. Parece que está exatamente ali o grande desafio dos cristãos: levar uma
proposta alternativa para além dos próprios muros. Pois, na luta para pregar as boas
novas em Tessalônica, Paulo e seu companheiro de viagem Silas ao chegarem a
Tessalônica estavam na segunda viagem missionária de Paulo, e essa era a primeira
oportunidade que tinham de levar as boas novas de Cristo à região hoje conhecida
como Europa.
89

E assim, Paulo, procurou primeiro os judeus, porque eles já conheciam as


Escrituras. Isso dava base para conversas e os ajudava a entender as boas novas.
Paulo foi primeiro à sinagoga, onde dialogou com os judeus à base das Escrituras,
buscando explicar e provar com base nelas que era necessário que o Cristo sofresse
e fosse levantado dentre os mortos, e dizendo: “Expondo e demonstrando ter sido
necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele,
é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio. ” (At 17,3). A mensagem central de Paulo era
polêmica, pois a ideia de um Messias que sofreu ia contra o ideal que os judeus tinham
de um vitorioso líder que viria para redimir o povo. Paulo, para convencer os judeus,
pensou, dialogou, expôs e confirmou tudo que falava através das Escrituras
mostrando ser um ótimo conhecedor da Palavra de Deus.
Segundo Fabris, a segunda etapa da missão Paulina na Macedônia é
Tessalônica, sede do procônsul romano.

A “Via Egnatia” que sai de Filipos e se dirige para o ocidente, atravessa


rios e terrenos pantanosos. Com efeito, o monte pangeu, separa o mar
da planície que se estende a oeste de Filipos e cria uma vasta zona
pantanosa. A antiga estrada romana, que estende ao norte do monte,
desce para o mar quando atinge o vale do rio Estrimon, atual Struma.
Ba margem oriental, numa ilha formada pelo rio, há uns sessenta
quilômetros de Filipos, surge a cidade de Anfípolis. A “Via Egnatia”
passa por Anfípolis e chega até seu porto, e Eion, há uns 25 estádios,
no golfo Estrimun. Seguindo em direção do ocidente, atravessa a parte
setentrional da península calcídica, adaptando-se ao terreno ondulado
das colinas e costeando a margem meridional do lago Volve e, depois,
a do lago Koronia. Depois de uns quarenta quilômetros chega a
cidadezinha de Apolônia. (FABRIS, 2008, p.316)

Paulo e Silas não param nem em Anfípolis e nem em Apolônia. Pois eles não
encontraram ali um ponto de apoio como um local para se reunirem onde poderiam
se encontrar com os pagãos adeptos e apreciadores do judaísmo.
Sem dúvida, os dois missionários, ainda se lembravam bem de seu
espancamento e prisão em Filipos, principal cidade da Macedônia. De fato, Paulo mais
tarde disse aos tessalonicenses que, depois do que haviam passado em Filipos,
pregar as boas novas de Deus na cidade deles exigiu muita luta. Mas vamos nos
concentrar agora na visita de Paulo, quando a luta para pregar as boas novas nessa
cidade começou. Mas como os seus ouvintes poderiam aprender esta nova
mensagem que era muito profunda? Através de uma produtiva pregação, certo de
algumas dificuldades que apareceriam durante a caminhada.
90

Paulo ao chegar a Tessalônica, procurou primeiro os judeus, porque eles já


conheciam as Escrituras. Isso dava base para conversas e os ajudava a entender as
boas novas, sugerindo que esse costume talvez indicasse a preocupação com seus
conterrâneos ou um empenho de usar os judeus e outras pessoas tementes a Deus
como trampolim para sua obra entre os gentios. Assim, depois de chegar a
Tessalônica, Paulo foi primeiro à sinagoga, onde dialogou com [os judeus] à base das
Escrituras, buscando explicar e provar com base nas Escrituras que era necessário
que o Cristo sofresse e fosse levantado dentre os mortos, e dizendo: “Expondo e
demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os
mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio.” (At 17,3).
A mensagem central de Paulo era polêmica, pois a ideia de um Messias que
sofreu ia contra o ideal que os judeus tinham de um vitorioso líder que viria para redimir
o povo. Paulo, para convencer os judeus, pensou, dialogou, expôs e confirmou tudo
que falava através das Escrituras mostrando ser um ótimo conhecedor da Palavra de
Deus. Mas como os seus ouvintes poderiam aprender esta nova mensagem que era
muito profunda? Através de uma produtiva pregação, certo de algumas dificuldades
que apareceriam durante a caminhada.
É importante ressaltar que em Tessalônica, Paulo e Silas encontram uma
comunidade judaica proativa que todos os sábados buscavam reunir-se na sinagoga,
pois Paulo buscava se manter com o próprio trabalho manual confeccionando suas
tendas, mesmo recebendo ajuda da comunidade de Filipos. Durante alguns sábados,
Paulo, conforme o costume, frequentava as reuniões da comunidade judaica, tinha a
oportunidade de apresentar o anúncio cristão. De fato, Paulo debate com os judeus,
baseado nas Escrituras, e “explicava e demonstrava para eles que o Messias devia
morrer e ressuscitar dos mortos. E acrescentava: ‘O Messias é esse Jesus que eu
anúncio a vocês’, “expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo
padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu
vos anuncio.” (At 17,3)
Segundo Fabris,

Essa pregação paulina num ambiente da sinagoga não teve muito


sucesso. De fato, o balanço lucano, embora lacônico, deixa
transparecer algo da situação que acabou se criando algumas
semanas depois. Apenas um pequeno grupo de judeus da colônia de
Tessalônica adere à mensagem cristã de Paulo Silas. Entre estes,
está Jasão que oferece aos dois missionários a hospitalidade em sua
91

casa. Seu nome, faz pensar num judeu helenizado abastado,


conhecido e estimado no ambiente da cidade greco-romana de
Tessalônica. ( 2008, 318)

Contudo, grande parte dos judeus continuava tímida, começando a observar a


presença dos novos colaboradores, sendo esses, um temor para a sinagoga.
De fato, os que recebem bem a mensagem de Paulo são os pagãos que
frequentam a sinagoga como tementes a Deus e algumas senhoras de classe altas e
abastadas. Ou seja, Paulo e Silas criam, em Tessalônica, uma dinâmica de origem
messiânica que se transforma concorrente em importância ao que a comunidade
judaica realizava no contexto pagão. Segundo Lucas, os judeus não rogaram em
resistir, conforme relata:

Os judeus, porém, movidos de inveja, trazendo consigo alguns


homens maus dentre a malandragem, ajuntando a turba, alvoroçaram
a cidade e, assaltando a casa de Jasom, procuravam trazê-los para o
meio do povo. 6Porém, não os encontrando, arrastaram Jasom e
alguns irmãos perante as autoridades, clamando: Estes que têm
transtornado o mundo chegaram também aqui, 7 os quais Jasom
hospedou. Todos estes procedem contra os decretos de César,
afirmando ser Jesus outro rei. (At 17,5-7)

Marshall também corrobora com o texto acima dizendo que mesmo com a
missão sendo bem-sucedida em Tessalônica, quando estes pregavam nas sinagogas
judaicas ganhando convertidos judeus e os aderentes gentios, porém, quando
apareceram os problemas que originaram da inveja dos judeus não se referia ao
sucesso de Paulo entre os gentios, e, por não conseguirem prender Paulo por esta
acusação levaram seus amigos diante das autoridades e o acusaram de traição.
Marshall confirma que:

Os magistrados trataram do assunto ao tomar fiança deles no sentido


de manterem a paz, e os cristãos, em vista disso, enviaram Paulo e
Silas para a cidade vizinha de Beréia. Aqui, em nada desanimados,
voltaram a fazer campanhas nas sinagogas com resultados
encorajadores do mesmo tipo, até que uma delegação de judeus de
Tessalônica veio incitar as multidões contra os cristãos. Mais uma vez
foi julgada conveniente à partida de Paulo, e ele viajou para Atenas.
(MARSHAL, 1999, p. 260)

Fabris volta a repetir o que outrora havia ocorrido nas outras cidades da
diáspora judaica, volta a acontecer em Tessalônica,
92

Os judeus, sobre o impulso dos zêlos religioso, procuram impressionar


as autoridades locais organizando uma agitação na praça. Eles
buscam os acusados inclusive na casa de Jasão, porém, Paulo e Silas
já tinham fugido à um tempo. A difícil experiência em Filipos levou-os
a não desafiar os opositores da praça, pois a frente da assembleia e
“politarcas” da cidade, os judeus conseguem levar apenas Jasão e
alguns judeu-cristãos que formam uma pequeníssima comunidade
Tessalônissecense. (FABRIS, 2008, p.319)

Esta acusação feita a esses homens foi realizada, de certa forma, perigosa,
pois adquiria uma conotação política como aquela que levou Jesus a condenação
diante de Pilatos.
A mensagem de Paulo na sinagoga, dizendo que o Messias é aquele Jesus
que foi condenado a morte e ressuscitado por Deus, pode derivar para uma acusação
com conotações suspeitas em relação a autoridade romana.

O nome Messias traduzido para o grego significa “rei”, título reservado


tão-só ao imperador. Portanto, o anúncio cristão numa cidade que é
capital da província sede do procônsul, que goza dos privilégios de
cidade livre, não pode deixar de chamar a atenção e as suspeitas das
autoridades locais de Tessalônica. Com efeito, pois “politarcas” estão
preocupados e procuram resolver a questão de modo administrativo,
pedindo a Jasão uma fiança. Não entendemos bem se se contentam
com um compromisso verbal ou se exigem um depósito em dinheiro,
que deve ser considerado como perdido no caso de se repetir a
incriminação. Não obstante essa solução, é muito arriscado para os
dois missionárias cristãos permanecer em Tessalônica. Assim, a
pequena comunidade cristã de Tessalônica organiza, durante a noite,
a partida deles, para a localidade de Berrai, distante 75 quilômetros.
(FABRIS, 2008, 320)

Desta forma, encontramos uma documentação importante sobre a missão


paulina em Tessalônica na primeira carta enviada por Paulo a esta comunidade cristã
e escrita algumas semanas depois dos acontecimentos da sua fundação. Sendo
assim, o cabeçalho da carta menciona os três missionários: Paulo, Silvano e Timóteo.
Este último havia se unido a eles partindo pouco tempo depois de Filipos e,
possivelmente, como na situação anterior, não se envolveu tumulto da praça que
havia obrigado Paulo e Silas saírem da cidade. Assim, Timóteo pode voltar a
Tessalônica em cogitar nenhuma suspeita ou correr riscos perigosos naquele
ambiente judaico.
Fabris, também relata que quando Timóteo desce de Beréia e chega em
Atenas, Paulo o envia a Tessalônica para ter notícias sobre a situação dessa Igreja
depois da “tempestade”. Ele teme que os sofrimentos, sobretudo a hostilidade do
93

ambiente, provoquem o desânimo entre os poucos cristãos de origem judaica e


desmoralizem o grupo de fiéis pagãos que são boicotados por seus conterrâneos.
(FABRIS, 2008, 321)
Desta forma, ele teve de fugir, obrigado a abandonar a jovem comunidade, pois
havia se tornado um ambiente perigoso para ele, motivo esse que serviu de base para
algumas suspeitas sustentadas por seus adversários. Eles diziam que Paulo e
seus colaboradores eram iguais a todos os outros propagadores da escolas filosóficas
e pregadores das novas doutrinas e ritos religiosos, que percorriam as grandes
cidades à procura de clientes que pudessem mantê-los. Segundo esses afirmavam
que se serviam do seu discurso de fácil expressão para atrair e chamar a atenção das
pessoas de posse tentando assim, tirar deles algum dinheiro. Pois, mesmo o fato de
Paulo não ter voltado a Tessalônica seria a prova de que ele não se interessa mais
pelos seus cristãos, abandonados ao primeiro sinal de perigo. Desta forma, podemos
observar adiante dois pontos importantes qe refutam essas afirmativas do abandono
de Paulo aos novos convertidos.
Em primeiro lugar, Paulo, em sua carta, se preocupa em responder a esses
boatos e especulações, baseando-se mais na negação dos fatos do que em
argumentos verbais. Paulo se apresenta em Tessalônica após a experiência de
Filipos, protegido somente da coragem que provinha de Deus a fim de anunciar o seu
Evangelho em meio a muitas tribulações.
Em segundo lugar, a prova de que ele não buscou nenhum favor nem ajuda
financeira de ninguém foi provado porque trabalhou com afinco dia e noite a fim de
não ser peso a ninguém, não obstante pudesse fazer valer sua função de Apóstolo
em relação aos novos convertidos. Na verdade, ele se comportou com os cristãos de
Tessalônica como uma mãe “aquecendo os filhos que amamentam”. Paulo escreve:
“Queríamos tanto bem a vocês, que estávamos prontos a dar-lhes não somente o
Evangelho de Deus, mas até a nossa própria vida, de tanto que gostávamos de vocês”
(1ª Ts 2,8). Mais uma vez ele apela para o testemunho deles: “Vocês sabem muito
bem que tratamos a cada um de vocês como um Pai trata seus filhos. Nós exortamos,
encorajamos e admoestamos vocês a viverem de modo digno de Deus, que os chama
para o seu Reino e glória. (1ª Ts 2.11-12).
Fabris, afirma que o diálogo epistolar de Paulo com os tessalonicenses deixa
conjecturar a matriz étnico-cultural desses primeiros convertidos e a situação eclesial
deles. Segundo ele:
94

Na maioria, provém de ambiente pagão, pois Paulo, numa


retrospectiva sobre a sua missão em Tessalônica, relembra que eles
se converteram, “deixando os ídolos e voltando-se para Deus, a fim de
servir ao Deus vivo e verdadeiro. Falam também de como vocês
esperam que Jesus venha do céu, o Filho de Deus, a quem Deus
ressuscitou dentre os mortos. É Ele que nos liberta da ira futura”. cf.
(1ª Ts 1.9-10). Essas expressões são um eco da primeira pregação de
Paulo em ambiente pagão, mas familiarizado com o linguajar da fé
religiosa bíblica, como o eram os pagãos simpatizantes que
frequentavam a sinagoga. Na carta, porém, se reflete o conflito com a
comunidade judaica de Tessalônica, pois Paulo diz: “Este [os judeus]
mataram o Senhor Jesus e os profetas, e agora nos perseguem.
Desagradam a Deus e são inimigos de todo mundo. Eles querem
impedir-nos de pregar a salvação aos pagãos”. cf. (1ª Ts 2.15-16).
(FABRIS, 2008, p. 323).

É interessante abordar como Paulo encerra sua carta, pois além da oração da
bênção, Paulo exorta os destinatários cristãos a se cumprimentarem mutuamente:
“Saúdem todos os irmãos com o beijo santo”. E antes da tradicional despedida, faz
um último e caloroso convite: “Peço-lhes encarecidamente que esta carta seja lida a
todos os irmãos” (1 Ts 5.26-27). Essas palavras de Paulo abrem uma fresta sobre a
organização e os relacionamentos internos daquela que é chamada de “a Igreja dos
tessalonicenses que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo.” (1ª Ts 1.1).
Segundo Fabris, para eles terem à disposição a carta ou várias pequenas
cartas enviadas por Paulo, talvez já tenham sido feitas cópias em Tessalônica. Elas
estão na origem do processo que levará à formação do epistolário paulino. (2008,
p.325)

4.2. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM ATENAS

A proposta evangelística de Paulo em Atenas tem sua grande importância na


expansão da missão em Atos dos Apóstolos. Paulo ao chegar em Atenas encontra
um cenário novo para a sua proposta evangelística no que se refere a expansão do
evangelho.
Essa mudança geográfica, com certeza, influenciou Paulo em sua forma de
atuaçao pastoral quando se encontra em Atenas e, enquanto espera a chegada de
Silas e Timóteo, percorre a cidade no intuito de anunciar Jesus. Paulo vai primeiro à
sinagoga, como era seu costume, e depois à praça pública ou Ágora, onde os filósofos
debatiam entre si e outros buscavam aí as últimas novidades. Ele também vai à praça
para “transmitir sua mensagem”, à moda dos filósofos. Então estes o convidam a
95

apresentar a sua nova doutrina no areópago, que em outras épocas foi o tribunal de
Atenas, mas nesse momento, ao que parece, se tornou um espaço de debates
filosóficos e religiosos. Paulo, fundamentando bem os seus argumentos, inicia o seu
discurso diante dos magistrados. No entanto, sua estratégia de convencer os cidadãos
atenienses em seu terreno e fazendo uso de suas convicções filosóficas não dá
resultado. Nem lhe permitem terminar o discurso.
Foi um fracasso. Frustrado com Atenas, Paulo se dirige à cidade de Corinto e
vai morar com o casal Priscila e Áquila, exercendo a mesma profissão que eles:

Depois disto, deixando Paulo Atenas, partiu para Corinto. 2Lá,


encontrou certo judeu chamado Áqüila, natural do Ponto,
recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de
ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma.
Paulo aproximou-se deles. 3 E, posto que eram do mesmo ofício,
passou a morar com eles e ali trabalhava, pois a profissão deles era
fazer tendas. (Atos 18,1-3)

Em Atenas, Paulo queria ser filósofo; em Corinto, vai ser fabricante de tendas.
E, desta forma, Paulo tendo aprendido a lição em Atenas, em Corinto ele não se
apresenta com o domínio da oratória ou da sabedoria para proclamar a Boa Nova do
Evangelho. Sua mensagem nada tinha a ver com o discurso persuasivo da sabedoria
que quis usar em Atenas a fim de que a fé da comunidade não se fundasse sobre a
sabedoria dos homens, mas sobre o poder de Deus. Em Corinto, diferentemente do
ocorrido em Atenas, muitos acolhem e entendem a mensagem de Jesus crucificado.
Ali, Paulo consegue organizar uma grande comunidade, algo que não conseguiu em
Atenas. Obviamente, nessa comunidade, não há muitos sábios segundo a carne, nem
muitos poderosos ou de famílias de prestígio, pois, diz Paulo, o que é loucura no
mundo Deus escolheu para confundir os sábios, e o que é fraqueza no mundo Deus
escolheu para confundir os fortes.

Segundo Bosch:
Da Macedônia a Acaia, Paulo empreende uma longa viagem por mar
de mais de quinhentos quilômetros sem evangelizar em nenhum lugar.
Ia em busca dos grandes centros, a partir dos quais a Boa Nova
irradiaria quase automaticamente por todo o território. Deve ter
chegado a Atenas, cansado e ansioso de conseguir êxitos apostólicos
que compensassem tanto esforço. (BOSH, 1997, p. 133)

Não obstante os atenienses fossem religiosos e ansiosos para discutir questões


religiosas, seu nível espiritual não era nada desejável, visto que viviam mergulhados
96

em ideias meramente humanas e incapazes de salvá-los. “Cuidado que ninguém vos


venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens,
conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo. ” (Cl 2.8)
Para Bosch, Atenas era ainda o maior centro cultural do mundo, símbolo de
sabedoria e da piedade gregas. Portanto, era o lugar para que Lucas fizesse com que
seu protagonista pronunciasse ali um discurso arquetípico da proclamação do
evangelho aos gentios.
Primitivamente, designava-se com o nome de Areópago (Areios pagos) um
montículo situado ao sul da Acrópole, a colina de ares (Marte). Depois passou
a designar também o conselho supremo de Atenas que, na época de Paulo,
já tinha seu lugar de reunião noutro lugar, no pórtico de Zeus. Portanto, que
Paulo fizesse um discurso no Areópago pode significar que o fez diante de
um tribunal ou numa colina já então despovoada. (BOSCH, 1997, p. 135)

O Areópago de Atenas era um lugar a céu aberto num topo rochoso onde o
senado se reunia. Paulo, enquanto aguardava a chegada de Silas e Timóteo; seus
colaboradores de evangelização; passou a reparar os inúmeros templos, estátuas e
altares que o rodeavam, e não pôde se conter: tratou de ir à sinagoga local, e à praças,
onde procurava oportunidade para pregar, pois os frequentadores do Areópago eram
nobres intelectuais chamados areopagitas. É surpreendente imaginar como o Espírito
Santo capacitou Paulo a discursar no Areópago diante de um povo tão ligado à
idolatria. Havia também na cidade, supersticiosos, intelectuais, poetas, e seguidores
de várias correntes filosóficas e éticas dos quais se destacavam os epicureus e
estoicos com quem Paulo teve que se confrontar.
Porém, Bruce, afirma que alguns temas desse discurso já apareceram num
resumo do protesto de Barnabé e Paulo perante os moradores de Listra que se
preparavam para lhes prestar honras divinas, mas a Areopagítica é mais completa,
mais detalhada e adaptada ao ambiente intelectual de Atenas. (BRUCE, 2008, p.230)
Paulo tinha pleno entendimento de que o evangelho não deveria ser pregado à
toa, mas a todos. Mais tarde, Paulo mesmo escreveu aos colossenses: “Portai-vos
com sabedoria para com os que são de fora; aproveitai as oportunidades. A vossa
palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis
responder a cada um” (Cl 4:5-6).
Segundo Bruce, Lucas conta que Paulo viu os templos, altares e imagens de
Atenas com os olhos de alguém que foi criado no espírito do monoteísmo judaico e
do princípio de não fazer imagens, do segundo mandamento do decálogo. Para ele:
97

“As coisas que [os pagãos] sacrificam”, afirmou Paulo, “é a demônios


que as sacrificam e não a Deus”, cf. (1ª Co 10.20), e aqueles que
“mudaram a glória do Deus incorruptível e semelhança da imagem de
homem corruptível” ou qualquer outra coisa “mudaram a verdade de
Deus em mentira”, porque “adoram e servem a criatura em lugar do
Criador” cf. (Rm 1,23-25). Na ágora ao pé da Acrópole, onde os
cidadãos de Atenas se encontravam para trocar as últimas notícias,
não faltavam homens para discutir com ele a natureza do ser divino.
Alguns deles professavam ser adeptos das escolas de filosofia dos
estoicos ou dos epicureus, mas nenhum conseguia se entender com
o estranho visitante, falando, com tal seriedade e paixão, de Jesus,
que “foi designado Filho de Deus com poder, [...] pela ressurreição dos
mortos” cf. Paulo diz em (Rm 1,4). Para alguns, ele pareceu ser um
vendedor de fragmentos aprendidos de segunda mão (um
spermologos, como disseram, usando um termo da gíria ateniense); a
outros ele pareceu estar recomendando divindades estrangeiras, o
que o colocava sob a jurisdição do tribunal do Areópago. (BRUCE,
2008, p.229)

De acordo com Bruce, o discurso de Paulo no Areópago foi perante o tribunal


do Areópago, portanto, Paulo foi levado e convidado a expor seu ensino. Os que
visitam Atenas hoje em dia, podem ver o texto do discurso de Paulo no tribunal, inscrito
em bronze no sopé do monte. (BRUCE, 2008, p.230)

Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos;


porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei
também um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO.
Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu
vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo
ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos
humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma
coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração
e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda
a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos
e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura,
tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de
nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos
vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. Sendo,
pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é
semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e
imaginação do homem. Ora, não levou Deus em conta os tempos da
ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda
parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de
julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e
acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (Atos
17.22-31).

Bornkamm faz uma afirmação interessante sobre o discurso de Paulo


afirmando que o mesmo, no Areópago, discorre como Sócrates, na ágora, e, como
98

este, é contradito com a acusação de querer introduzir “divindades estrangeiras” e de


ser um “bicador de grãos”, um palrador. Bornkamm descreve o discurso da seguinte
forma:
O seu grande discurso no célebre Areópago, nos autos do mercado,
sobre o qual se erguia imponente a Acrópole. O próprio lugar onde se
desenrola a cena dá à mesma de forma plástica, do seu significado. O
discurso é, mais uma vez, um meio ao qual o autor recorreu, com
exemplar maestria, para apresentar seu pensamento e, quanto ao
conteúdo, é, na verdade, um notável documento da pregação e da
teologia pós-apostólica, certamente não do Paulo histórico. O discurso
se caracteriza pelo fato de ter o “Paulo” da narração de Lucas, ao
ensejo da inscrição de um altar “ao deus desconhecido”, retomado
uma série de pensamentos e de ideias que a filosofia e a crítica da
religião da antiguidade maiúscula tardia já haviam elaborado e que a
teologia judaico-helenística, antes da teologia cristã, já havia
assimilado e integrado com noções veterotestámentarias. Deus não
tem necessidade de templo e de sacrifício e não pode habitar nas
imagens feitas pela mão humana. Ele mesmo, com efeito, dispôs
ordenadamente o cosmos, ficando para ele o tempo e os limites, dá a
todos vida e respiração e predestinou o ser humano, que é de sua raça
e vive nele, a busca-lo e a encontra-lo. (BORNKAMM, 2009, p.131)

No discurso do Areópago, estas ideias são expostas, incialmente, de modo


favorável e não polêmicamente, como, de resto, em documentos judeu-helenistas
semelhantes e de modo ainda mais rico nos escritos dos apologetas cristãos do século
II. Desta forma, o conteúdo deste discurso é especificamente confirmado por uma
citação poética com característica estoicas, uma escola filosófica grega da época.
Somente na parte final aparece o nome de Jesus Cristo designado por Deus para ser
o juiz do universo, e são anunciados o juízo e a ressurreição dos mortos, o que
provoca de imediato o escarnio dos ouvintes.
Dentro do contexto da evangelização de Atenas, onde está evangelização tem
o seu ápice no capítulo 17 do livro dos Atos, ao autor Bosch apresenta de maneira
vivíssima o choque do evangelho com a cultura grega.

Paulo em Atenas, só, rodeado de templos e de ídolos, de gente que


quer ouvi-lo todo, mas não quer compreender nada, gente demasiado
sábia para crer no próprio pecado e em uma redenção trazida por
alguém que foi crucificado na Judeia. Segundo o modo de lerem, os
Atos dão a impressão de que Paulo passou somente um dia em
Atenas: pela manhã na ágora, até o meio-dia no Areópago e no dia
seguinte, em Corinto. Contudo se prestar atenção, não dizem isso:
tentando que não seja muito assediado, pressupõem que esteve a
certo tempo. (BORNKAMM)1997, p. 133)
99

Essa é precisamente a ênfase de Paulo, quando ele declara que, se Deus


aceita culto do ser humano, não é porque não pode passar sem ele. Longe de ter
suprida alguma necessidade pelo ser humano, é ele quem supre toda necessidade
deste.
Carson) faz uma análise muito interessante sobre a estada de Paulo em Atenas
e, principalmente, sobre o discurso de Paulo no Areópago conforme (At 17,16-34),
contudo, encontra-se o apóstolo Paulo evangelizando atenienses instruídos, mas
completos analfabetos em termos de Bíblia. Sua abordagem aqui é incrível e tem
muito a ensinar. (CARSON, 2016, p. 423)
Sua abordagem aqui é incrivelmente diferente buscando revisitar Atenas
numa análise pós-moderna da chegada de Paulo em Atenas e o seu discurso no
Areópago. Sendo assim, Carson apresenta quatro pontos importantes nessa análise
referente a (At 17,16-34), a saber: as realidades que Paulo enfrenta, as prioridades
que adota, a estrutura que estabelece e o evangelho inegociável que prega.
Em primeiro lugar, Carson aborda as realidades que Paulo enfrenta, essas
realidades são destacas em três aspectos:
No primeiro aspecto, Carson aborda o Império Romano como de fato era
caracterizado, não só por um pluralismo empírico de larga escala como também pelo
pluralismo religioso patrocinado pelo governo.

Os romanos sabiam que um povo cativo tinha mais probabilidade de


se rebelar se conseguisse alinhar religião, terra e pessoas. Em parte
para romper esse cordão de três pontas, os romanos faziam questão
de admitir no próprio panteão alguns dos deuses de qualquer povo
recém-subjugado, bem como faziam absoluta questão de que o povo
recém-subjugado também adotasse alguns dos deuses romanos.
Assim, no caso de uma potencia guerra civil, ficaria bem confuso saber
que lado contava com a ajuda dos deuses – e essa política de
intercâmbio de deuses fortalecia a probabilidade da paz imperial.
Significava ainda que o pluralismo religioso não partia só do Império,
mas também era apoiado por força de lei. Afinal de contas, era
considerada uma ofensa capital a profanação de um templo – de
qualquer deles. Mas que nenhum templo ou deus desafiasse Roma.
(CARSON, 2016, p. 424-425).

No segundo aspecto, Carson afirma que, assim como nós, Paulo não estava
lhe dando com pessoas que, pelo fato de serem analfabetos em Bíblia, não tinha
nenhuma cosmovisão, e sim com pessoas que argumentava veementemente em
100

favor de várias cosmovisões concorrentes e poderosas. Dois grupos delas são


mencionados no texto: epicureus e estoico.

O ideal da filosofia epicurista, da cosmovisão epicurista, era a vida


serena – uma vida de tranquilidade, inalterada pelo envolvimento
indevido com assuntos humanos. Os próprios deuses são compostos
de partículas tão finas que vivem sossegados nos espaços entre os
mundos. Como os deuses se mantem gentilmente afastados da
balbúrdia da vida, os seres humanos deveriam buscar o mesmo ideal.
Mas, contra essa visão, como veremos, Paulo apresenta um Deus
ativamente envolvido neste mundo na condição de seu Criador,
governante, providencial, juiz e salvador que se autorrevela. Ou seja,
a filosofia estoica considerava deus um ser que permeava tudo, mais
ou menos em um sentido pateísta. De modo que o ideal humano era
levar a vida de acordo com o que de fato é real, conduzi-la conforme
esse deus/princípio da razão, o qual deve reger a emoção e a paixão.
O estoicismo, como alguém já disse caracterizou-se “pela grande
seriedade moral e um elevado senso de dever”. Contra essa visão, o
Deus que Paulo apresenta, lone de ser panteísta é pessoal, distinto da
criação e nosso juiz final. Em vez de se concentrar na “razão universal
acessada pelo raciocínio humano”, Paulo contrapõe a vontade e a
soberania divinas à dependência e necessidade humanas. Em
resumo, há um choque monumental de cosmovisões. (CARSON,
2016, p. 425)

No terceiro aspecto, Carson também afirma que não menos impressionante é


o tom zombeteiro e de superioridade que demonstram no verso 18: “o que este falador
quer dizer?” – esse “catador de semente”, esse pequeno pássaro que voa para lá e
para cá catando fragmentos desconexos de informação incoerente, essa mente de
segunda classe? Para Carson:

Parece ser propagador de deuses estranhos”. Claro, no decorrer dos


acontecimentos, algumas dessas pessoas se interessaram de
verdade pelo evangelho. O tom desdenhoso, no entanto, é
inconfundível quando uma cosmovisão divergente se sente segura em
sua maioria irrefletida. Essas, portanto, são as realidades que Paulo
enfrenta. (CARSON, 2016, p. 425-426)

Em segundo lugar, Carson aborda as prioridades que Paulo adota.


Dentro dessas prioridades, a resposta mais rápida e fascinante que Paulo dá
diante de tudo que testemunha em Atenas é seu conhecimento bíblico, ele sente
“grande indignação, vendo a cidade cheia de ídolos”. Paulo poderia ter se sentido
humilhado diante dos atenienses. Ele poderia ter se deixado levar pela arquitetura
diante do Partenon. Porém, não se deixou intimidar nem se enganar por Atenas; viu a
idolatria daquele povo.
101

Sendo assim, Carson retrata o evangelismo de Atenas da seguinte forma:

O apóstolo parte então para o evangelismo. Ele tem em vista dois


grupos bastante distinto. Como de hábito, da certa prioridade à
evangelização de judeus e gentios tementes a Deus, o povo de igreja,
pessoas biblicamente instruídas; ele debate na sinagoga com os
judeus e os gregos tementes a Deus. Existe uma razão teológica para
essas prioridades, que não temos como examinar aqui, mas, de
qualquer forma, não devemos nunca nos esquecer de evangelizar
essas pessoas. Em segundo lugar, Paulo evangeliza os pagãos
comuns, sem qualquer conexão com a Bíblia: ele evangeliza dia após
dia na praça, tendo como alvo qualquer um que por acaso se encontre
ali, a maioria dos quais devia ser analfabeta em Bíblia. Ele não espera
um convite para ir ao Areópago. Simplesmente da continuidade a seu
evangelismo, e o convite para o Areópago é apenas consequência
disso. (CARSON, 2016, p. 426)

Segundo Carson, são essas as prioridades de Paulo em Atenas: análise


cultural centrada em Deus e o evangelismo persistente tanto os conhecedores das
Escrituras quanto dos que não o são.
Em terceiro lugar, Carson aborda a estrutura que Paulo estabelece em Atenas.
Neste ponto, será útil observar a argumentação do Apóstolo dos versos 21-31 do
capítulo 17 de Atos:
Pois todos os de Atenas e os estrangeiros residentes de outra coisa
não cuidavam senão dizer ou ouvir as últimas novidades. 22 Então,
Paulo, levantando-se no meio do Areópago, disse: Senhores
atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; 23 porque,
passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também
um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Pois esse
que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio.
24
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor
do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas.
25
Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa
precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo
mais; 26 de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a
face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e
os limites da sua habitação; 27 para buscarem a Deus se, porventura,
tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de
nós; 28 pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns
dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. 29
Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade
é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e
imaginação do homem. 30 Ora, não levou Deus em conta os tempos
da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda
parte, se arrependam; 31 porquanto estabeleceu um dia em que há de
julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e
acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos. (Atos
17.21-31)
102

E, assim, Carson faz uma análise de nove características dessa estrutura que
Paulo estabelece.
Primeira característica, Deus é o criador do “mundo e [de] tudo que nele há”
(v.24). Até que ponto ele se estendeu sobre essa questão não podemos dizer com
certeza, mas sabemos por seus outros escritos como sua mente funcionava. Segundo
Carson:
A Criação estabelece que Deus é diferente da ordem criada; o
panteísmo está descartado. Estabelece também a responsabilização
humana; devemos tudo ao nosso Criador, e desafiá-lo e colocarmo-
nos como centro do Universo é o cerne de todo pecado. Pior, estimar
e adorar coisas criadas em vez do Criador é a essência da idolatria.
(CARSON, 2016, p. 427)

Segunda característica, Paulo insiste em que Deus é “Senhor do céu e da terra,


não habita em templos feitos por mãos de homens” (v.24). A soberania divina sobre o
Universo inteiro se contrapõe às visões que atribuíam a determinado deus ou
determinada deusa um domínio particular – talvez o mar (Netuno), os deuses tribais
com interesses apenas regionais ou étnicos.

Para Carson, o Deus da Bíblia é soberano sobre tudo. Esse ensino


estabelece a doutrina da providencia. Em razão da universalidade do
seu Reino, Deus não pode ser domesticado – nem mesmo por templos
(v.24). Paulo não nega a importância histórica do templo em
Jerusalém, menos ainda que Deus se revela exclusivamente ale.
Antes, nega que Deus esteja limitado a templos e que possa ser
domesticado, espremido ou alcançado pelo culto em algum templo (o
que, claro, ameaça a pratica pagã popular). Ele é muito maior do que
isso. (CARSON, 2016, p. 427-428)

Terceira característica é que Deus é o Deus da saciedade: “tão pouco é servido


por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa” (v.25). Deus é tão
completamente “de si mesmo” que não necessita de nós. Para Carson:

Deus não só é autoexistente (termo que costumamos empregar em


relação as suas origens – existência de tudo o mais é teodependente,
mas o próprio Deus é autoexistente), como também é absolutamente
independente da sua ordem criada, no que diz respeito ao seu bem-
estar, satisfação ou existência. Deus não precisa de nós – uma
perspectiva muito diferente do politeísmo, em que seres humanos e
deuses interagem de todas as maneiras possíveis, interligados pela
finitude e pelas necessidades dos deuses. (CARSON, 2016, p. 428)
103

Quarta característica da estrutura de Paulo é que a verdade da questão é


inversa: somos absolutamente dependentes de Deus, “pois é ele mesmo quem dá a
todos nós a vida, a respiração e todas as coisas” (v.25b). Isso nos despe de nossa
alardeada independência; é o correlato humano das doutrinas da Criação e da
Providência. (CARSON, 2016, p. 428)
Quinta característica, da teologia, Paulo se volta para a antropologia. Ele insiste
em que todas as nações descendem de um homem (v.26). Isso contradiz não poucas
noções da Antiguidade acerca da descendência humana, as quais pressupunham
diferentes grupos étnicos vindo a existir de maneiras bastante diversas. Porém Carson
afirma que Paulo tem um evangelho universal que se baseia em um problema
universal. cf. (Rm 5) e (1ª Co 15): Para Carson:
Se o pecado e a morte foram introduzidos na única raça humana por
um único homem de tal forma que o ato decisivo de outro homem se
faz necessário para reverte-los, então é importante para Paulo corrigir
a antropologia para que a soteriologia esteja correta. Não
concordaremos com a solução se não formos capazes de concordar
com o problema. No entanto, a posição de Paulo tem implicações
ainda mais amplas; não há nenhum traço de racismo aqui. Além disso,
por mais que ele mostre que Deus desfrutou de um relacionamento de
aliança peculiar com Israel, por ser monoteísta, Paulo defende a ideia
de u Deus deve ser soberano sobre todas as nações. Por acaso ele
estava desenvolvendo algumas das linhas de argumentações
encontradas em Isaias 40? Se existe um Deus único, esse Deus deve
de alguma forma ser o Deus de tudo, quer seu ser status sejam
reconhecidos por todos, quer não. (CARSON, 2016, p. 428-429)

Sexta característica, segundo Carson, pela primeira vez é possível


encontrarmos referência explicita a algo errado neste Universo criado por Deus. Seu
governo providencial sobre tudo tinha o propósito de que alguns estendessem a mão
para ele e o encontrasse (v.27) em breve Paulo dirá muito mais sobre o pecado (sem,
de fato, utilizar a palavra). Ele ainda está preparando o caminho. O pressuposto é que
a raça humana como um todo não conhece o Deus que a fez. Alguma coisa saiu muito
errada. (2016, p.429)
Sétima característica, embora seja importante para ele estabelecer a
transcendência de Deus, Paulo não quer que uma ênfase dessas resvale em direção
ao que mais tarde seria chamado de deísmo. Segundo Carson:

O Deus que ele tem em mente “não está longe de cada um de nós”
(v.27). Ele é imanente. Paulo não aceitará nenhuma desconfiança de
que Deus seja displicente ou indiferente em relação as pessoas; ele
104

nunca está longe de nós. Mas ainda, o apóstolo reconhece que parte
dessa verdade é reconhecida por algumas religiões pagãs. Quando o
pensamento grego (ou grande parte dele) falava em um “Deus” em
oposição a muitos deuses, com grande frequência a hipótese era mais
ou menos panteística. Essa estrutura de pensamento Paulo já
descartou. Mesmo assim, algumas de suas ênfases não estavam,
erradas, se consideradas dentro de uma estrutura melhor. Nós
vivemos, nos movemos e temos nosso ser neste Deus, e somos sua
geração (v.28) – para Paulo, não em um sentido panteístico qualquer,
mas como expressão da preocupação pessoal e imediata de Deus
com o nosso bem-estar. (CARSON, 2016, p. 429)

Oitava característica, para Carson, essa teologia e essa antropologia implicam


esclarecer o que é o pecado e tornar a idolatria totalmente condenável (v.29). Sem
dúvida Paulo ampliou muito essa questão em termos, pois ele não pode apresentar
Jesus e seu papel como Salvador da forma correta enquanto não definir qual é o
problema; não pode deixar claras as boas-novas até elucidar as más-novas das quais
as boas nos resgatam. (CARSON, 2016, p. 429)
Nona Característica é que Paulo introduz também o que poderia ser chamada
de filosofia da história, ou talvez melhor, certa visão do tempo. Pois quanto a visão de
tempo e mundo, Carson afirma:

No mundo antigo, muitos gregos achavam que o tempo dava voltas e


mais voltas em círculos. Paulo estabelece uma estrutura de tempo
linear: a criação em um ponto fixo; um longo período passado em
relação ao presente de Paulo em que Deus agiu de determinada
maneira (“Deus não levou em conta os tempos da ignorância”); um
agora cheio de transformações monumentais; e um futuro (*v.31) que
é o termino desta ordem mundial, um tempo de juízo final. As
mudanças monumentais do dramático agora de Paulo estão
interligadas com a vinda de Jesus e a revelação do evangelho. Paulo
preparou o palco para apresentar Jesus. (CARSON, 2016, p. 429)

Desta forma, Carson (2000, p. 430) apresenta, portanto, o que Paulo


estabelece. Ou seja, ele construiu uma cosmovisão bíblica. Mas não o fez pelo simples
prazer de criar uma cosmovisão. Nesse sentido, a fim de oferecer um quadro em que
o próprio Cristo, sem deixar de mencionar sua morte e ressurreição, fizesse sentido.
Pois, caso contrário, nada do que Paulo quis dizer sobre Jesus faria sentido.
Carson também enfatiza o evangelho inegociável que Paulo prega.
Em primeiro lugar, destaca-se a importância extraordinária de notar que Paulo
estabeleceu a estrutura da meta narrativa bíblica antes de apresentar Jesus. Se a
meta física é uma espécie de grande física que explica todos os outros ramos dessa
105

ciência, de modo semelhante a meta narrativa é a grande história que explica todas
as outras.

Para Carson, em geral,

os pós-modernistas adoram histórias, mais ainda as que são


ambíguas ou carregadas de simbologia. Odeiam, contudo, a meta
narrativa, a grande história que torna coerentes todas as pequenas.
Mas o que Paulo oferece é a meta narrativa bíblica. Essa é a grande
história da Bíblia que emoldura e explica todas as pequenas histórias.
Sem a grande história, os relatos sobre Jesus não fariam qualquer
sentido. (CARSON, 2016, p. 429)

Em segundo lugar, impressiona o fato de Paulo não se esquivar de declarar a


ressurreição de Jesus dos mortos. Isso é algo que ofende tanto a ponto de Paulo ser,
interrompido e seu discurso no Areópago terminar. Certamente ele tinha plena
consciência de que a maioria dos gregos adotava alguma forma de dualismo. Para
Carson:
A matéria é má, pelo menos em termos relativo; o espírito é bom.
Imaginar alguém voltando dos mortos em forma corpórea comunicava
algo nada desejável, menos ainda crível. A ressurreição corpórea dos
mortos era irracional, um oximoro, como imaginar uma lesma
inteligente ou gelo fervido. Tanto assim que alguns dos ouvintes de
Paulo não aguentam mais e zombam dele, pondo fim a reunião (v.32).
Se, no lugar deste assunto, Paulo tivesse discorrido sobre a
imortalidade de Jesus, sua longevidade espiritual eterna bem apartada
de qualquer corpo, não teria causado nenhum ressentimento. Mas ele
não recuou. Em outra ocasião, ele argumenta que, se Cristo não
ressuscitou dentre os mortos, então os apóstolos são mentirosos e
continuamos mortos em nossas transgressões e pecados (1ª Cor. 15).
Ele permanece fiel a essa visão aqui. Não enfeita o evangelho para
torná-lo aceitável à cosmovisão dos ouvintes. (CARSON, 2016, p.
431).

Para Paulo, existe um conteúdo irredutível e inegociável do evangelho, que


jamais deve ser abandonado, por mais inaceitável que seja para alguma outra
cosmovisão. Segue-se, especialmente quando nos esforçamos muito para tentar
estabelecer conexão com outra cosmovisão diferente da nossa, não devemos dedicar
menor atenção e cuidado aos pontos inegociáveis do evangelho, a fim de que, na
tentativa de transmiti-lo com sabedoria e relevância, não sacrifiquemos sem querer o
que pretendemos comunicar. (CARSON, 2016, p. 431)
Atenas representou, para Paulo, tão-somente uma efêmera etapa intermediária
na sua viagem para Corinto, conforme ele escreveu numa de suas epistolas.: “Pelo
106

que, não podendo suportar mais o cuidado por vós, pareceu-nos bem ficar sozinhos
em Atenas;” (1ª Ts 3,1), o autor dos Atos dos Apóstolos foi o primeiro a amplificar a
recordação da estadia do apóstolo em Atenas, decorando-a com a grandiosa em bem
conhecida cena que culmina com o discurso no Areópago e que devia representar, de
maneira digna do nome ilustre da cidade, coração do espírito grego, o encontro solene
da mensagem cristã com os representantes do saber e cultura da Antiguidade.
Lucas soube dar expressão também ao genius loci da cidade e transmitir ao
leitor uma vívida impressão da atmosfera cultural e religiosa que ali reinava: dos seus
templos e imagens divinas, das suas escolas filosóficas e do seu público
proverbialmente curioso, ávido de saber, amante da discussão, mas também
sarcástico e petulante. (BORNKAMM, 2009, p.130)

4.3. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM CORINTO


A proposta evangelística de Paulo em Corinto também tem sua grande
importância na expansão da missão em Atos dos Apóstolos.
Paulo parece ter viajado sozinho a Corinto. Se Timóteo foi ter com ele quando
em Atenas, ele foi enviado de volta a Tessalônica, lugar pelo qual, Paulo tinha grande
afeição no coração. Logo após sua chegada ele inesperadamente encontrou dois
amigos e companheiros na obra: Áquila e sua esposa Priscila. Nesta época em
particular deveria haver um número maior de judeus em Corinto do que o normal, “pois
Cláudio tinha mandado que todos os judeus saíssem de Roma” cf. (Atos 18.2). O
Senhor usou, assim, o banimento de Áquila e Priscila para fornecer um lugar para seu
solitário servo ficar. Eles eram da sua terra (Israel), do seu mesmo ramo de negócio,
e do mesmo coração e espírito. Quão graciosos e maravilhosos são os caminhos do
Senhor para seu servo.
Paulo ao chegar em Corinto, chega deixando frutos na Macedônia; ele deixara
pequenos grupos de convertidos em Filipos, Tessalônica e Berèia. O coração de
Paulo estava cheio de temores quanto ao bem-estar deles. E, em função desta
preocupação de Paulo com os convertidos da Macedônia, Bruce afirma que:

Atenas ele não sofrera violência, mas a gentileza divertida com que
tinham recebido o seu testemunho lá, talvez tivesse sido mais difícil de
aceitar do que a violência; pelo menos a violência demonstrava que
algum impacto fora causado. No que dizia respeito aos efeitos
positivos da sua pregação, Atenas fora bem menos encorajadora do
que as cidades da Macedônia. Assim ele chegou a Corinto, diz ele,
107

“em fraqueza, temor e grande tremor” cf. 1ª Coríntios 2,3. Não havia
motivos para supor que Corinto lhe oferecia menos problemas do que
as cidades da Macedônia. Qualquer viajante no mundo egeu daqueles
dias devia saber da reputação da cidade; ela, certamente, não era um
solo preparado para a semente do evangelho. No fim, Paulo passou
dezoito meses em Corinto – mais tempo do que em qualquer outra
cidade, desde que partira em companhia de Barnabé de Antioquia da
Síria – e, quando partiu, havia ali uma Igreja grande e forte, apesar de
instável. (BRUCE, 2008, p. 241)
Para Fabris, com exceção de um pequeno grupo de convertidos, que se reúne
em torno de Dionísio e da senhora Dâmaris, não surgiu em Atenas nenhuma
comunidade cristã organizada.

De fato, Paulo não escreverá nenhuma carta aos cristãos de Atenas,


nem parece que ele tenha voltado para visitar aos cristãos locais. Nas
duas cartas escritas aos Coríntios, nas quais fala de suas repetidas
viagens pela Grécia, nunca faz aceno a uma eventual parada em
Atenas. A cidade, símbolo da cultura e da religiosidade gregas,
desaparece também no horizonte da narrativa lucana. Quando o autor
dos Atos menciona a Grécia e a Acaia sempre fala de Corinto. Com
efeito, é para ali que se dirige o alexandrino Apolo, colaborador de
Paulo, recomendado pela comunidade cristã de Éfeso. Em suma, na
geografia mssionária de Paulo, Atenas permanece num cone de
sombra. (FABRIS, 2008, p. 346)
Segundo Quesnel, a primeira visita de Paulo a Corinto aconteceu durante a sua
segunda viagem missionária, mais ou menos por volta do ano 50 de nossa era cf. (At
18,1-18), pois mediante os Atos, ficamos sabendo que ela durou de um ano e meio a
dois anos. (QUESNEL, 2004, p.37)
Para Bruce, Paulo viajou de Atenas para Corinto muito abatido. Provavelmente
não fora parte do seu programa, quando atravessou o mar até a Macedônia, virar para
o sul, para a província da Acaia. Mas ele fora corrido de uma cidade Macedônia para
outra, e parecia que, por enquanto, não havia lugar para ele naquela província, apesar
da sua certeza anterior de que Deus o chamara para evangeliza-la. (BRUCE, 2008,
p. 241).
Fabris afirma que sem esperar a chegada de Timóteo, que fora enviado a
Tessalônica, Paulo deixa Atenas e se dirige a Corinto. Parece ter pressa de deixar a
cidade que permaneceu refratária ao anúncio do Evangelho. Segundo ele:

O centro que atrai Paulo é Corinto, capital da Acaia e sede do


procônsul romano. A viagem de Atenas a Corinto pode ser realizada
de maneia ágil pelo mar, partindo do ponto de Falero e
desembarcando no de Cencréia, sempre no golfo Sarônico. Contudo,
é provável que Paulo, sem muitos recursos tenha preferido percorrer
108

a pé os quase setenta quilômetros que separam as duas cidades. A


estrada que liga Atenas a Corinto acompanha o itinerário da ”Via
Sacra”. (FABRIS, 2008, p. 346-347).
Corinto, era uma grande cidade mercantil, em conexão imediata com Roma e
com o oeste do mediterrâneo, com Tessalônica e Éfeso no mar Egeu, e com a
Antioquia e Alexandria a leste. Assim, por meio de seus dois notáveis portos, a cidade
recebia embarcações tanto dos mares ocidentais quando dos mares orientais.
A posição favorável de Corinto às margens de uma planície produtiva, que
seguia ao longo da costa, cruzando vias comerciais importantes. Historiadores falam
da cidade de Corinto como uma grande e magnifica cidade, segundo o testemunho
de Estrabão:
Fabris afirma que Corinto ficava situada numa posição estratégica no istmo.

Corinto controla a um só tempo as comunicações entre a Grécia


continental e o Peloponeso, e os tráficos dos dois mares que a
colocam em comunhão com a Ásia ao oriente e com a Itália ao
ocidente, é chamada de opulenta por causa de seus comércios
marítimos; de fato, ela se encontra no istmo e é dona de dois portos,
dos quais um está ao lado da Ásia e o outro da Itália, facilitando o
intercâmbio de mercadorias entre essas duas partes tão distantes uma
da outra [...] vão também para Corinto os impostos de todos aqueles
que exportam mercadorias do Peloponeso e dos que as importam.
Essa situação se estendeu ininterruptamente, ou melhor, depois se
acrescentaram até outras vantagens para os Coríntios; com efeito, os
jogos ístmicos, que aí eram celebrados, atraíram multidões. (FABRIS,
2008, p. 352-353).
Para Bruce, Corinto era uma cidade grega antiga; seu nome, pelo menos, é
anterior à chegada dos gregos dóricos, no começo do primeiro milênio a.C., Porém
graças as suas vantagens comerciais, Corinto gozou de grande prosperidade na
época clássica da Grécia. Ela tinha reputação de intemperança e seu nome se tornou
sinônimo de lassidão moral. (BRUCE, 2008, p. 242)
Corinto era uma cidade que tinha sua importância na era Antiga, pois era a
terceira cidade do império romano depois de Roma e Alexandria; sua população
girava em torno de 500 mil habitantes. Bruce, relata uma característica importante da
cidade de Corinto, segundo ele:
Corinto era uma colônia Romana, seus cidadãos eram romanos,
provavelmente libertos da Itália, mas a população aumentou muito
com gregos e orientais, entre os quais uma comunidade considerável
de judeus. O museu que há no sítio da Corinto Romana contem parte
de uma verga de porta, de pedra, com a inscrição em Grego:
“Sinagoga dos Hebreus”. O estilo das letras indicam uma data
posterior á época dos apóstolos, mas a sinagoga de que tratam, talvez
109

fosse a que Paulo visitou pouco depois de chegar a Corinto. (2008, p.


243)
Desta forma, em uma cidade rica e com um comércio cercado de gregos
nativos, colonos romanos, e judeus vindo de todos os cantos, Paulo começa o seu
trabalho de forma silenciosa através do seu próprio trabalho a fim de não ser peso
para nenhum dos seus irmãos. Observamos que, Paulo, dá um exemplo de profunda
e grande espiritualidade aliada com o seu trabalho secular, pois este trabalho não lhe
criava impedimento à sua comunhão com Deus. Paulo expressa esse sentimento
quando fala do mesmo,

“E, estando entre vós, ao passar privações, não me fiz pesado a


ninguém; pois os irmãos, quando vieram da Macedônia,
supriram o que me faltava; e, em tudo, me guardei e me
guardarei de vos ser pesado. 10 A verdade de Cristo está em
mim; por isso, não me será tirada esta glória nas regiões a Acaia”
. (2ª Co 11:9-10).
A atitude de Paulo em não ser pesado aos santos, como aqui ele exemplifica e
afirma que isto aplica, se não for, somente à Igreja de Corinto. Paulo, desta forma,
reconhece as ofertas das outras Igrejas da maneira agradável que se podia fazer.:
Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque, agora, uma vez mais,
renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis
antes, mas vos faltava oportunidade. 11Digo isto, não por causa da
pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação.
12
Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em
todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de
fome; assim de abundância como de escassez; 13 tudo posso naquele
que me fortalece. 14Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha
tribulação. 18 Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde
que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte
como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus. 19 E
o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo
Jesus, cada uma de vossas necessidades. (Fp 4,10-19).

E, assim, Paulo ao escrever aos Coríntios, ele diz:

Despojei outras igrejas, recebendo salário, para vos poder servir, 9 e,


estando entre vós, ao passar privações, não me fiz pesado a ninguém;
pois os irmãos, quando vieram da Macedônia, supriram o que me
faltava; e, em tudo, me guardei e me guardarei de vos ser pesado. .
(2ª Co 11,8-9).
Paulo, com certeza, tinha a melhor das razões para não aceitar, desta forma a
comunhão com a Igreja em Corinto. Ele também sabia que havia falsos apóstolos e
muitos inimigos do evangelho naquela cidade dos quais com toda a sua autoridade
110

repreendeu, exortando e corrigindo-os, pois, essas circunstâncias serviram para que


não fosse mal visto pelos santos, buscando assim trabalhar com suas próprias mãos
do que receber apoio da Igreja em Corinto. “Por que razão? É porque não vos amo?
Deus o sabe. 12Mas o que faço e farei é para cortar ocasião àqueles que a buscam
com o intuito de serem considerados iguais a nós, naquilo em que se gloriam.” (2ª
Co 11,11-12).
Nos meados do século I d.C., Quando Paulo chega a Corinto, ele entra numa
grande cidade que há uns vinte anos, desde 27 d.C., era capital da província de Acaia
e sede do procônsul romano.
Segundo Fabris a nova Corinto, refundada por Júlio Cesar, é uma cidade rica
e movimentada, onde povos, religiões e culturas diferentes se encontram.

Em Corinto, Paulo entra em contato com os Judeus que tem uma


sinagoga com a relativa estrutura organizativa de uma comunidade da
diáspora. A inscrição grega incompleta (syna) gogê hebr (áion),
encontrada num pedaço de arquitrave da estrada pavimentada que
liga Corinto ao porto ocidental do Leque, embora remonte a um
período posterior – século III-IV d.C. – é um documento sobre a
presença judaica em Corinto. Temos uma confirmação disso na
documentação literária relativa á diáspora judaica na Grécia, em que
se menciona explicitamente a cidade de Corinto. (FABRIS, 2008, p.
357).
A chegada de Silas e Timóteo pode ter dado coragem e fortalecido Paulo. O
seu zelo e energia no evangelho são claramente fortalecido. Pois, quando Silas e
Timóteo chegam da Macedônia, Paulo se entrega integralmente à palavra, dando
testemunho aos judeus que o Cristo é Jesus,

Mas eles se opuseram à sua doutrina e blasfemaram. Isto levou Paulo


a tomar o seu curso com grande ousadia e decisão. Ele sacode a
roupa, como sina de estar limpo do sangue deles, e declara que dali
em diante passará a tratar com os gentios. Ele em tudo isto foi
conduzido por Deus, e agiu de acordo com um Sua mente. (At 18, 5).
E, quando era possível, Paulo dirigia-se a sinagoga para anunciar a Palavra,
porém, quando ele era impedido era forçado a usar o lugar mais conveniente que ele
podia encontrar, ou seja, um prosélito chamado Justo que abriu sua casa ao rejeitado
apóstolo Paulo.
Nessa peculiar instabilidade na vida de Paulo, ele foi favorecido com outra
revelação especial do próprio Senhor.
Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não
temas; pelo contrário, fala e não te cales; 10 porquanto eu estou
contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta
111

cidade. 11 E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre


eles a palavra de Deus. (At 18,9-11).
De acordo o exposto acima, Bruce, faz a seguinte afirmação:
Lucas conta como, pouco depois da chegada de Paulo a Corinto, ele
teve uma visão à noite, em que o Senhor lhe disse: “não temas; pelo
contrário, fala a não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém
ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (Atos 18,9s).
Paulo foi fortalecido e a promessa foi cumprida: ele acabou
reconhecendo, apesar de Corinto não ter constado dos seus planos,
ela ocupava um lugar de destaque nos planos de Deus para ele. Seu
tempo em Corinto, e suas experiências com a Igreja de Corinto durante
os anos depois da sua partida, contribuíram em muito para aprofundar
sua compaixão com as pessoas e aumentar sua maturidade pastoral.
(BRUCE, 2008, p. 241-242)
Paulo se sustentou em Corinto com seu próprio trabalho, e encontrou o mesmo
em empresas que fabricavam barracas, cujos donos eram um judeu originário do
Ponto, de nome Áquila, e sua esposa Priscila.
Segundo Bruce:
Este casal morava até pouco tempo em Roma, provavelmente a
cidade natal de Priscila, mas foram obrigados a deixar a cidade, por
causa do edito de Claudio, expulsando a colônia judaica de Roma.
Este casal parecia ser um casal bem de vida, e sua fábrica de barracas
podia ter tido filiais em vários centros, com um gerente nos lugares em
que eles não residiam. Eles podiam locomover-se facilmente entre
Roma, Corinto e Éfeso. Depois de se encontrarem em Corinto, Paulo
não teve amigos ou ajudantes mais leais do que Priscila e Áquila, aos
quais “agradeço”, diz ele alguns anos mais tarde, e “não somente eu,
mas também todas as igrejas dos gentios” (Romanos 16,4): os
serviços que eles prestaram à causa cristã evidentemente excediam
em muito os serviços prestados pessoalmente a Paulo. Eles são
sempre mencionados juntos, e o mais das vezes Priscila é
mencionada antes do marido; isso pode indicar que ela era a
personalidade mais forte dos dois. Em nenhuma das referências de
Paulo a eles há alguma indicação de tinham sido convertidos por ele;
tudo indica que eles eram cristãos antes de o encontrarem, ou seja,
enquanto viviam em Roma - o que pode lançar luz sobre a declaração
de Suetônio de que os judeus foram expulsos por Claudio, por causa
das suas constantes dissenções. “Por instigação de Chresto”.
(BRUCE, 2008, p. 243)
Já Fabris destaca este encontro de Paulo com o Casal Áquila e Priscila num
ambiente judaico de Corinto.

Paulo se depara com este casal vindo da Itália, o marido se chama


Áquila, judeu originário do Ponto, a região que toma o nome de sua
posição nas costas do mar Negro, designado na Antiguidade como
“Ponto Euxino”. A mulher Priscila – ou Prisca, como escreve Paulo em
suas cartas – tem o nome latino bem comum. Ficando com a
informação dada por Lucas sobre a chegada de Paulo em Corinto, o
havia deixado há pouco a Itália, “pois o Imperador Cláudio tinha
112

decretado que todos os judeus saíssem de Roma” cf. Atos 18, 2: “Lá,
encontrou certo judeu chamado Áquiila, natural do Ponto,
recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de
ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma.
Paulo aproximou-se deles.” (FABRIS, 2008, p. 358).
Desta forma, Paulo encontra o casal romano Áquila e Priscila em Corinto e
hospeda na casa deles, sendo este o primeiro contato com o casal judeu-cristão em
Corinto, pois esse contato acontece graças ao trabalho que permite a Paulo se
sustentar. Segundo Fabris:

Os deslocamentos contínuos e rápidos de uma localidade para outra,


nos últimos meses, reduziram os seus recursos financeiros. Ele gastou
até mesmo os auxílios que lhe foram enviados por duas vezes para
Tessalônica pelos cristãos de Filipos. Além disso, nem em Beréia e
muito menos em Atenas Paulo teve a possibilidade de trabalhar para
se manter, como fizera em Tessalônica. Por isso, em Corinto, desde
os primeiros contatos com o ambiente judaico, Paulo procura trabalho.
Aí ele vem a saber da presença dos dois judeu-cristãos que vieram de
Roma. Eles se inseriram na comunidade judaica de Corinto, bastante
numerosa e bem organizada. Graças aos conhecidos que tem entre
os latinos de Corinto, puderam retomar logo suas atividades no campo
da produção e do comércio de tendas. Paulo, que está buscando um
ponto de apoio (359) em Corinto, tem a sorte de se encontrar com esse
casal abastado e empreendedor. Começa assim, entre Paulo e essa
família judeu-cristã uma intença colaboração e uma amizade cordial
que acabarão se solidificando com o tempo. (FABRIS, 2008, p.360).
Todavia, é na casa de Áquila e Priscila, que Paulo prepara o material que serve
para montar as tendas. Pois desde jovem, em Tarso, ele aprendeu com seus
familiares profissão de tecelão e a exerceu quando precisou de recursos para
sobreviver. Porém, a família de Áquila e Priscila oferecem a Paulo o mínimo de
segurança humana e social que lhe permite realizar uma atividade missionária tímida
em Corinto. Pois, como sempre, Paulo aproveitou o momento do encontro semanal
na sinagoga de Corinto para proclamar a mensagem cristã aos judeus e aos pagãos
que para ali são atraídos pelo interesse deles pelo judaísmo.
Portanto, ao se estabelecer na casa e na oficina de Áquila e Priscila, Paulo
tentou começar um diálogo com a comunidade judaica. O embate e a cisão, foram
imprescindíveis por dois motivos: o primeiro, Paulo apresenta Cristo Jesus, um
messias crucificado que parece contradizer a esperança judaica; o segundo motivo:
sua proposta de experiência religiosa, livre das obediências das judaicas, atraindo os
pagãos que já estão propensos ao ideal religioso e ético do judaísmo.
Em suma, Fabris, afirma que:
113

Paulo abre uma perigosa concorrência com a comunidade judaica de


Corinto. De fato, aqueles que aderem à mensagem cristã de Paulo se
afastam da sinagoga. Ele mesmo, embora continuando a morar junto
a Áquila e Priscila, faz suas reuniões num local adjacente à sinagoga.
O caso de Crispo, chefe da sinagoga, se torna contagioso não apenas
para os fiéis judeus, mas sobretudo para os pagãos prosélitos ou
tementes a Deus. Depois da ruptura oficial com a comunidade judaica,
a ação de Paulo vai se apoiar justamente sobre estes. É
compreensível, então, a tentativa dos judeus de Corinto de se opor à
ação corrosiva de Paulo, buscando a intervenção do representante da
administração romana da cidade, diante da qual eles podem fazer
valer seu estatuto de comunidade religiosa reconhecida. (FABRIS,
2008, p. 365-366).
Em Corinto, Paulo, também, participou dos cultos de sábado na sinagoga por
muitas semanas e usou-a como seu primeiro ponto na proclamação da Palavra.
Bruce, afirma que Paulo em suas mensagens, anunciava que Jesus havia
cumprido as profecias hebraicas, “inseria o nome do Senhor Jesus” nos lugares
favoráveis as leituras das Escrituras (Atos 18,4). Segundo Bruce
Muitos judeus e gentios tementes a Deus foram convencidos por suas
mensagens; entre os primeiros estavam um dos líderes da sinagoga,
de nome Crispo, e entre os últimos, o dono de uma casa ao lado da
sinagoga, que Lucas chama de Ticio Justo. Se, como é provável, ele
é o mesmo cristão coríntio que Paulo descreve como “Gaio, meu
hospedeiro e de toda a Igreja” cf. Romanos 16,32, então seu nome
completo Gaio Ticio Justo o identifica como cidadão romano. Paulo
menciona Crispo e Gaio, junto com certo Estéfanas e sua família,
como as “primícias da Acaia”, os únicos convertidos em Corinto que
ele batizou pessoalmente. Isso confirmaria que eles foram seus
primeiros convertidos em Corinto. (BRUCE, 2008, p. 244)
É importante ressaltar que entre os novos convertidos do paganismo devemos
incluir Erasto de Corinto. Erasto de Corinto, porém, é citado em Romanos 16,23
“Saúda-vos Gaio, meu hospedeiro e de toda a igreja. Saúda-vos Erasto, tesoureiro da
cidade, e o irmão Quarto.” Junto com o hospedeiro de Paulo, Gaio (Ticio Justo), como
alguém que envia saudações aos destinatários da carta, e é chamado de tesoureiro
da cidade.
Bruce, registra que a insistência de Paulo em “nada saber” entre os coríntios
“se não a Jesus Cristo e este crucificado” (1ª Co 2,2), tem alguma relação com o
ambiente intelectual da cidade. Assim, ele afirma que:
Como ficou sabendo sobre a reverência dos coríntios pela sabedoria
da época, ele sublinhou o elemento do evangelho para o qual a
sabedoria dos intelectuais não podia ter lugar: que espetáculo mais
abjeto de estupidez e impotência poderia ser imaginado do que um
homem crucificado? Um libertador crucificado era para os gregos uma
absurda contradição de termos, assim como para os judeus um
Messias crucificado era uma blasfêmia escandalosa. Mas a medida
114

que Paulo persistiu em pregar Jesus como o salvador crucificado que


levou sobre si nossos pecados, acontecia o inesperado: os pagãos,
assim como os judeus e os tementes a Deus, acreditavam na
mensagem e viam sua vida ser transformada por um poder novo e
libertador, que quebrava as armaduras do egoísmo e da maldade de
dentro. A mensagem do Cristo crucificado realizara, assim, o que
nenhum ensino da filosofia grega poderia ter feito por eles. (BRUCE,
2008, p. 245).
Depois de algumas semanas, Silas e Timóteo se juntaram a ele, após
completar sua missão na Macedônia, e puderam aliviá-lo de parte de seu trabalho,
incluindo o batismo dos convertidos. Eles, provavelmente, trouxeram a Paulo um
presente dos seus amigos macedônios, o que lhe permitiu parar de fabricar barracas,
por algum tempo, para dedicar-se totalmente à pregação e ao ensino.
Contudo, chegou a hora em Corinto, como nos outros lugares, de as
autoridades judaicas decidirem que já o tinham suportado o suficiente, e não lhe
permitiram mais usar a sinagoga. Muito conveniente para Paulo, seu amigo e filho na
fé Ticio Justo pôs sua casa a disposição, de modo que pode continuar o trabalho que
começara na sinagoga ao lado. Essa casa, ao que parece, se tornou não só o quartel-
general de Paulo, mas também o primeiro local de reunião da igreja de Corinto. Aqui
Paulo continuou a proclamar a salvação por meio do Cristo crucificado, e o número
de convertidos cresceu rapidamente; incluía agora não só judeus e tementes, porém
também uma proporção crescente de pagãos.
Quesnel afirma que nesse trabalho missionário, Paulo era acompanhado por
dois colaboradores:

Silas e Timóteo. Ademais, em sua pregação, ele conto com a ajuda


de um casal de fabricante de tendas com quem trabalhava – Áquila e
Priscila -, originários de Roma e que tiveram de fugir da Cidade Eterna
em consequência de um edito do imperador Claúdio que expulsava os
judeus da cidade. (QUESNEL, 2004, p.37)
Mas, os seus cruéis inimigos se irrompem contra Paulo, pois o grande sucesso
do evangelho entre os pagãos despertou a raiva dos judeus contra Paulo, que
procuraram usar a vida de Gálio, um novo governador, para realizar suas más
intenções. De acordo com o exposto, Michel Quesnel informa de maneira precisa o
despertar dessa fúria dos judeus para com Paulo e seus colaboradores apresentando
e datando de forma histórica esta perseguição:

O texto dos Atos permite saber que o procônsul da província romana


da Acaia, que residia em Corinto, era, então, Galião, irmão filósofo
latino Sêneca, que provavelmente exerceu essa função de primeiro de
115

julho de 51 a 30 de junho de 52. E evangelização não se deu sem


dificuldades, nessa imensa cidade muito cosmopolita onde se
juntavam todas as atividades de um grande porto, até mesmo a
devassidão. Lucas, o autor dos Atos dos Apóstolos, conta que os
judeus se opuseram a Paulo, e que o Apóstolo, acusado de provocar
problemas, foi levado a julgamento; que um dos chefes da sinagoga,
certo Sóstenes, que se deixara convencer pela pregação dos
missionários cristãos, foi moído de pancadas. É provável, posto que o
texto não o precise diretamente, que o próprio Paulo tenha passado
ao menos alguns dias na prisão. (QUESNEL, 2004, p.37-38)
Para Fabris, o edito do imperador Cláudio,nas fontes históricas latinas que
falam dele, diz respeito à expulsão dos responsáveis de uma ou mais comunidades
judaicas da capital. De fato, parece que as tensões criadas na colônia judaica de
Roma depois da difusão do novo momento messiânico levaram as autoridades a toma
providências restritivas. (FABRIS, 2008, p. 358),
A reação da comunidade judaica logo se faz sentir. Os responsáveis da
sinagoga de Corinto se opõem decididamente a Paulo. Contestam o conteúdo do seu
anúncio e a sua intepretação messiânica da Escritura. Paulo proclama que Jesus
crucificado é o Messias prometido por Deus. Os seus ouvintes judeus lhe objetam que
um homem “crucificado” é um amaldiçoado por Deus. Proclamar como “Messias” um
crucificado é um insulto ao poder de Deus, que libertou os antepassados da
escravidão do Egito, manifestando-se como Senhor e Salvador mediante grandes
sinais e prodígios. Deus prometeu pelos profetas que enviaria o Messias para libertar
todos os filhos de Israel e reuni-los na unidade na terra deles, por isso, esse Jesus,
condenado pelos romanos à morte infame da cruz e que Paulo está por aí
proclamando como o Messias enviado por Deus, só pode ser um pseudo-messias.
Fabris nos diz que Paulo, no final, Paulo é obrigado a deixar a sinagoga.

E o faz dentro do estilo dos profetas bíblicos com um gesto simbólico


de separação. Sacudindo as vestes, ele declara aos judeus de Corinto:
“Vocês são responsáveis pelo o que acontecer, não tenho nada a ver
com isso. De agora em diante, vou me dirigir aos pagãos” cf. Atos 18,6.
É uma opção decisiva de campo (362) de ação, parecida com a que
se deu em Antioquia da Psídia, durante a primeira viagem misisonária.
O novo contato com não-judeus é favorecido pelo fato de que Paulo
aluga uma sala junto á casa de um certo Ticio Justo, que mora perto
da sinagoga. O nome – Titios Loústos – indica a sua pertença à
população de origem latina. Trata-se de um pagão “temente a Deus”
que coloca sua casa à disposição para os encontros de Paulo. A partir
desse momento, a maior parte daqueles que aderem ao anúncio
cristão de Paulo em Corinto provém do mundo pagão. (FABRIS, 2008,
p. 363)
116

Segundo Bruce a primavera de 52 d.C. Paulo saiu de Corinto com seus amigos
Priscila e Áquila e atravessou o mar Egeu até Éfeso. Segundo Bruce:

Paulo visitou a sinagoga ali, e os judeus ficaram tão interessados no


que ele tinha a dizer, que pediram para ouvir mais, mas ele se
desculpou por causa de um compromisso urgente em Jerusalém. De
acordo com o texto oriental de Atos 18,21, ele tinha de estar em
Jerusalém para a próxima festa – ou Páscoa ou Pentecoste. Seu
compromisso em Jerusalém pode ter tido a ver com um voto de
nazireu que fizera em Corinto – provavelmente em resposta á
promessa de proteção que recebera do Senhor em uma visão noturna.
Quando partiu de Corinto, cumpriu parte do seu voto, cortando o seu
cabelo curto antes de embarcar no porto de Cencréia, mas o
cumprimento completo exigia uma visita ao templo em Jerusalém. Por
isso (246) ele deixou Priscila e Áquila em Éfeso e navegou dali para
Cesaréia na Palestina. Ele cumpriu suas obrigações em Jerusalém e
fez uma visita à igreja-mãe; depois seguiu para o norte, até Antioquia
da Síria, refazendo o contato com seus velhos amigos ali, antes de
retornar a Éfeso. (BRUCE, 2008, p. 247).
Lucas resume numa linha a intensa e prolongada atividade missionária e
pastoral de Paulo em Corinto, “Assim, Paulo ficou uma ano e meio entre eles,
ensinando a Palavra de Deus”. (At 18,11).
Esta citação afirma que foi a primeira vez que Paulo se dedicou há um tempo
bastante longo á pregação do Evangelho numa certa cidade. Só em Antioquia da Síria
ele havia ficado um ano todo, junto com Barnabé, para a formação daquela
comunidade cristã. Pois, em Corinto, Paulo decidiu como deveria fazer suas escolhas
e como deixa entrever a experiência de revelação referida pouco antes por Lucas,
amadurecendo num contexto de oração.
Segundo Quesnel, quando partiu, cerca de dois anos depois, Paulo deixou em
Corinto uma Igreja de certa importância numérica, mas muito jovem e certamente
frágil. É essa fragilidade que se revela na correspondência entre Paulo e a
comunidade de Corinto. Correspondência que pode ser datada dos anos 54-55, ou
seja, 4 ou 5 anos, apenas, depois da primeira chegada de Paulo a cidade. (2004, p.37-
38)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou refletir sobre as ações evangelística do apóstolo


Paulo em Atos capítulos 17 e 18 começando por analisar o início das missões em Atos
dos Apóstolos abordando em primeiro lugar a grande relevância da descida do
Espírito Santo através do Pentecoste e, assim, ressaltando a figura do primeiro líder
da Igreja chamado Pedro e o seu discurso no cumprimento do início desta missão que
através desta liderança abre-se campo para muitos missionários dentre os quais as
mulheres possuem um papel preponderante.
Porém, todo esse papel preponderante no início histórico das missões, Pedro
dá lugar ao maior missionário do Novo Testamento, a saber o apóstolo Paulo que que
tem sua relevância na sociedade a qual ele vive exercendo o seu protagonismo para
o que foi chamado, ou seja, um pregador da Palavra de Deus, exercendo o seu
mandato missional através das suas viagens missionárias, as quais foram
preponderantes para a expansão do Evangelho no início da Igreja Primitiva onde as
ações evangelísticas do apóstolo Paulo em Atos dos Apóstolos tem seu ápice quando
ele visita as cidades de Tessalônica, Atenas e Corinto, onde, de fato, o Evangelho de
consolidou na história da humanidade até os dias de hoje.
Percebe-se desta forma a grande relevância da contribuição da estratégia de
Paulo para o desenvolvimento da Igreja Cristã do primeiro século até os dias de hoje.
Sendo muitos dos desafios enfrentados por Paulo encontrados também nas
grandes cidades hodiernas, a missiologia atual pode e deve se utilizar das mesmas
estratégias visando também alcançar resultados igualmente extraordinários.
Este trabalho não se encerra com uma “receita” ou método evangelístico.
Espera-se que possa contribuir para futuros estudos que tenham este fim.
118

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