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Meninas e meninos superpoderosos : vôos sem volta.

Não é preciso invocar lendas , contos de fadas ou Mitologia Grega para percebermos os velhos
padrões da desmesura humana nos acontecimentos recentes a destruir nossos jovens,moças
e moços , envolvendo-os em crimes e assassinatos com características de refinada
perversidade . Amor, ódio, poder ilimitados são geradores das mais profundas angustias e
suportá-las implica em uma base emocional alicerçada por afeto, por valores, por uma ética
humana. As paixões tem um poder avassalador e precisam de continência pois provem das
nossas profundezas, da natureza instintiva que temos. Vivemos numa época de resultados
rápidos, êxito procurado a qualquer preço, prazer infinito sem adiamentos ,tudo ao mesmo
tempo e agora. No centro da cena,crianças, adolescentes ou adultos jovens, geralmente
nascidos em condições adversas , privados de afeto e presença , atraídos pelo canto da sereia
da modernidade: dinheiro , poder e visibilidade. Desprovidos de parentalidade autentica que
os enraíze ficam á mercê de outros, pessoas ou instituições que os adotem,que lhes sinalizam
ou encantam com fama e valorização para, de um dia para o outro alterar a vidatotalmete
destes gatos e gatas borralheiras da atualidade. Mudanças bruscas: casa , carro, roupas,
ambientes, gente com quem se relacionar, um mundo aos pés, todas as possibilidades a quem
pouco podia e outra identidade: processo gradual e doloroso negado, suprimido. Paraíso das
sensações invadindo o psiquismo completamente esquecido de cuidados, privado do tempo da
elaboração.

No denso romance ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA também adaptado para o cinema, José
Saramago usa a “cegueira branca”, doença que aos poucos vai acometendo um a sociedade
hipotética, como alegoria para a perda dos limites nas relações humanas. Aos poucos em
função da perda da visão fisiológica, competição, violencia, voracidade e degradação tomam
conta a não ser pela figura de uma mulher que ,ao final ,traz o fio condutor da transformação.
Numa de suas poucas entrevistas ,Saramago é contundente aos dizer que o relatado em sua
obra ainda é pouco para o que de fato fazemos uns com os outros, completamente alheios a
qualquer principio de solidariedade .Toda mudança afeta o ser humano inteiro, apela para
suas bases, suas condições de organização interna, suas possibilidades de suportar tanto a dor
quanto o poder e isto requer a experiência com as varias expressões dos limites de cada um.

Em A HISTORIA DA ARROGANCIA, do analista junguiano milanês Luigi Zoja podemos


encontrar uma revisão historica sobre o mito do crescimento ilimitado desde a Grécia antiga
até os tempos atuais.Encontra na figura de Nêmesis o principio da justa medida ou do nada
em excesso como fator de equilibrio necessário ao viver. Zoja invoca o iludido Icaro tomado
pelo sonho paterno de voar alto e inadvertidamente , sem considerar os perigos de contrariar
a natureza humana em suas limitações voa na direção do sol com asas coladas por cera ! Cai
ás águas e morre. Mania e seu oposto a depressão muito bem colocados indicando aceleração
em direções contrarias.

O que tudo isso tem a ver conosco,com nosso cotidiano, com o que temos visto acontecer?
Como dar conta da violenta pressão que sofremos para aderir á irrefreada e passageira
satisfação imediata desprovida de qualquer reflexão? O que isto tem a ver com a educação de
nossas crianças e nosso papel como pais?

Sugiro uma boa perda de tempo para filtrar as informações que chegam ás nossas crianças
pois estão carregadas de mensagens subliminares, veiculando valores pra lá de duvidosos. O
desenvolvimento da personalidade acontece no silencio, no devagar, na escuta e na visão do
que nós , pais ,fazemos diariamente. Nossas crianças estão assoberbadas com expectativas
antes somente cobradas dos adultos mas hoje ,também elas, começam a ter que dar conta de
muita coisa para a qual não estão preparadas pois elas sabem muito bem quando papai e
mamãe estão fascinados por “celebridades”e “ídolos” vazios e descartáveis.. Possibilidades
de crescimento e transformação aparecem quando nos damos ao trabalho de observar, de
estarmos implicados com tudo que nos ocorre,quando retiramos de cena a pueril mania de
achar que “o diabo são os outros”, a adolescente fantasia do “comigo não acontece” e a
ilusão do imediatismo. Estas são as imagens comumente encontradas na clinica ao atendermos
pessoas imaturas que não puderam humanizar suas funções de relação, tratando a si e aos
outros como um “isso”, perspectiva utilitária e narcisista, condição fundamental de graves
desordens emocionais. Em crianças e adolescentes começamos a observar sinais e sintomas
de stress com repercussões da ansiedade refletidos em disfunções orgânicas: asma, colites,
gastrites, dores de cabeça,sono perturbado e tantos outros. Nossa tragédia atual , tantas
mortes e violência contra nossos corpos e almas jovens ,deve servir para que pensemos onde
estão nossos valores , a quais deuses louvamos sutil ou descaradamente.Muitas de suas
estórias acabam mesmo em morte , limite ultimo, que vem sempre , quando nada pôde ser
compreendido antes: consertar já não dá mais :é preciso começar de novo.

Denise M.Molino é psicoterapeuta junguiana.

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