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30
Protegida por paredes e uma chave perdida, espiei pelo buraco da fechadura, e durante
meses, “Um Útero é do Tamanho de um Punho” de Angélica Freitas (COSAC, 2012, 96
pp.). À primeira
Utilizamosvista, senti
cookies invejaedo
essenciais título. Inveja,
tecnologias uma de
semelhantes paixão menor
acordo com a que
nossasou capaz
de confessar
Políticapor pura falta (https://sobreuol.noticias.uol.com.br/normas-de-seguranca-e-
de Privacidade de vergonha, outra paixão – mas não tão pequena. Tive OK
privacidade.html) e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.
que ir muito devagar, pois nas primeiras linhas, outros afetos ainda não nomeáveis
apareciam como fantasmas na forma de uma intensa vontade de chorar. (Tenho medo
das emoções em estado selvagem, prefiro os sentimentos que sobre elas se elaboram e
sei que pedem tempo, às vezes todo o tempo, um tempo do qual não se dispõe
sempre). Por isso, dei passos atrás, demorei dias para continuar a leitura que, eu
sabia, transformaria aquela fechadura no limite de um recorte, em uma grande boca
devoradora. Um útero que me chama para dentro.
(A gente sabe o que nos espera, a gente que é uma mulher limpa, a gente que é uma
mulher suja, a gente sabe o que nos espera logo que se abre a primeira parte desse
livro da Angélica Freitas.)
Primeiro espiei “A MULHER LIMPA”, a parte do livro em que há “uma mulher boa/é
uma mulher limpa”, que vem antes de um “mulher braba”, “uma mulher muito
feia”, “uma mulher sóbria”. Não posso resumir o que viveram as mulheres de
Angélica, porque isso seria violentar hermeneuticamente o poema, por isso dou só
esses sinais como copos de água para essas mulheres todas, porque me parece que
elas vão precisar beber. Eu bebi o livro e o comi e depois o dormi e o acordei e agora
deito ao seu colo como no colo de um mulher suja e esqueço do tempo dessa
cronocrítica.
No meio de “A MULHER LIMPA” havia “uma canção popular (séc. XIX-XX):” . Ali
aparece uma mulher no meio “das que incomodam” e “são porcas permanentes”.
Amei todas essas mulheres, sobretudo “uma mulher gorda e bêbada incomoda muito
mais” e depois a mulher “que era frugívora pelas circunstâncias” e a mulher “limpa
como uma gaveta”. E todas elas até o fim. (Eu sou uma das mulheres de Angélica
Freitas, ou todas e isso me melhora como ser humano.)
Quando espiava a mulher limpa percebia que a poesia é, em Angélica Freitas, uma
atenção desmedida àquela parte da vida que ainda está viva. Então, percebi que dói.
Em “mulher de vermelho” a coisa ficou ainda mais séria, porque a ironia com que
Angélica Freitas observa a vida, serviu para continuar uma classificação
desclassificatória: quem não sabe que ironia é dizer desdizendo, dizer retirando-se da
cena para dar lugar a outro pensamento, que fique sabendo logo, pois isso ajudará a
ler o livro: como a malandra “mulher do malandro”, como a mulher que, tendo um
faqueiro fino, só usava um bem comunzinho da “tramontina”, ou aquela que avisa da
Tailândia aos pais uma novidade incrível que eu não posso revelar aqui, pois seria um
tremendo desmancha prazeres, como foi para a “mulher de regime” o regime que ela
fez. Eu também já fiz regime, toda mulher já fez regime, então, isso virou um fato e
um mistério ao mesmo tempo e que o livro não explica enquanto, ao mesmo tempo,
explica.
Foi ali que eu encontrei que “todas as leituras de poesia são equivocadas” e me senti
mais confortável para continuar na minha leitura confortavelmente equivocada, bem
quietinha, com um pouco de vergonha e muitíssima satisfação de também não ter que
“trocar fluidos com o contemporâneo”. Por isso é que eu gosto dos poemas da
Angélica Freitas (porque eu gosto de mim), também porque ela não usa desculpas de
jeito nenhum. E seus poemas estão verticalmente fincados em nossas horas vividas
que cabem no tamanho de um útero.
E quando, lendo o livro, assim bem devagar como fazemos com os livros que são do
tamanho de um útero e de um punho, você encontra o poema chamado “um útero é
do tamanho de um punho” aí, você consegue entender e a metonímia. Aí você fica
pronta para as metáforas, as tragédias, as comédias, as análises, as reflexões, as
ekphrasis, as onomatopeias, as figuras de linguagens todas, e mais o que não cabe nas
figuras de linguagem. Mas, sobretudo, se a pessoa que está lendo, tem um útero,
então, esta pessoa pode ficar estarrecida ou muito grata, como eu fiquei, mesmo
sabendo que, sem útero, como algumas mulheres que conheço, também se pode ser
muito feliz. Que o melhor útero do mundo é esse do tamanho de um punho inventado
pela Angélica Freitas, um livro que é do tamanho de um útero, de um punho, e que é
perigoso, como uma metonímia bem colocada, e que vem alegrado por uma revolução
sem pompa, cheio de inteligência sem prepotência, uma inteligência que tem graça
também, apesar do seu pessimismo sadio (há pessimismo sadio), a inteligência sem
distinção de classe, credo ou cor e que fez um livro todo desmontado,
desamedrontado, desembelezado, de bem com sua língua, suas expressões, nomes e
silêncios.
Neste ponto do livro, enquanto leio ainda no meio, eu tenho que parar de escrever,
porque eu leio e leio de novo e sou tomada por tantas impressões e inspirações que só
me resta dizer: acha o livro inteiro, você aí que tem um útero do tamanho de um
punho, lê pensa, e pensa muito. Pensa em por que “os churrascos são de marte e as
saladas são de vênus” lembrando da política sexual da carne que explica o machismo
gaúcho e os outros. Olha, como eu, no buraco da fechadura, bem quietinha, sente
inveja, amor, esperança, compaixão, alguma intensidade indizível que explica que a
arte vale a pena.
Pensa, pensa muito, porque pensar é o mais potente dos afetos, revolucionário como
um poema útero, um poema punho, um poema generoso como este de Angélica
Utilizamos
Freitas, este cookiesem
que tenho essenciais
mãos no e tecnologias
meu punho semelhantes
aberto em deestado
acordo com a nossa
uterino, aquilo que
Política de Privacidade (https://sobreuol.noticias.uol.com.br/normas-de-seguranca-e-
Angélicaprivacidade.html)
chamou de “piri e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições. a parte
qui” e que foi a parte que eu mais gostei junto com OK
da “viagem a um país onde/a língua seja vértebra” junto com a parte “da
https://revistacult.uol.com.br/home/um-utero-e-do-tamanho-de-um-punho-de-angelica-freitas/#:~:text=Um poema é sagrado.&text=Protegida por pare… 5/9
17/11/2020 Um Útero é do Tamanho de um Punho de Angélica Freitas - Revista Cult
Angélica, por fim, só queria dizer, que vou ler de novo e muitas vezes, todas as vezes
que eu acordar de manhã e o dia parecer um grande buraco sem fim, como um útero
que, de repente, você fez virar uma bela arma.
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