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O Centro de Atenção Psicossocial A Partir Da Vivência Do Portador de Transtorno Psíquico
O Centro de Atenção Psicossocial A Partir Da Vivência Do Portador de Transtorno Psíquico
O Centro de Atenção Psicossocial A Partir Da Vivência Do Portador de Transtorno Psíquico
RESUMO
O estudo qualitativo-descritivo realizado num Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da região Sul do Brasil, teve
como objetivo conhecer a vivência do usuário no serviço e a importância que este atribui à Atenção Psicossocial.
Obtiveram-se os dados através de cinco entrevistas semi-estruturadas, gravadas e posteriormente analisadas, pautadas
na vivência e trajetória do sujeito nos espaços de cuidado psicossocial, organizadas em temas, a saber: espaços
geradores de subjetividade, espaços geradores de empoderamento; espaços de interlocução com o território; espaços
de reconhecimento do sofrimento; espaços de troca, ensino e aprendizagem; espaços de (re)conquista da auto-estima;
o CAPS como dispositivo temporário de cuidado; gestão municipal e ampliação da rede de atenção psicossocial. Os
sujeitos elencaram atividades como assembléias, oficinas, grupos, participação na associação de usuários e familiares,
e a interlocução com estagiários como importantes espaços de atenção psicossocial geradores de autonomia e
(re)conquista de cidadania contribuindo para transformação das suas realidades.
Descritores: Pessoas mentalmente doentes. Assistência em saúde mental. Serviços de saúde mental.
RESUMEN
El estudio cualitativo-descriptivo realizado en un Centro de Atención Psicosocial de la región sur de Brasil, tuvo el objetivo de
conocer la vivencia del usuario en el servicio y la importancia para él de la atención psicosocial. Los datos fueron recolectados a
través de cinco entrevistas semiestructuradas, grabadas y analizadas, pautadas en la vivencia y trayectoria del sujeto en espacios
de cuidado psicosocial, organizadas en los temas: espacios generadores de subjetividades; espacios generadores de apoderamiento;
espacios de interlocución con el territorio; espacios de reconocimiento del sufrimiento; espacios de intercambio, enseñanza y
aprendizaje; espacios de (re)conquista del autoestima; el centro de atención psicosocial como dispositivo transitorio de cuidado;
la gestión municipal y la ampliación de la red de atención psicosocial. Los sujetos citaron actividades como asambleas, talleres,
grupos, la participación en la asociación de usuarios y familiares, y la interlocución con estudiantes como importantes espacios
de atención psicosocial generadores de autonomía y (re)conquista de ciudadanía contribuyendo para la transformación de sus
realidades.
ABSTRACT
The qualitative and descriptive study was realized in a Psychosocial Attention Center in the southern region of Brazil. Such
study aimed at getting to know the users’ experience in the service and the importance of the psychosocial attention for him. The
data were collected through five semi-structured interviews, recorded and analyzed, based on the experience and trajectory of
the subject in spaces of psychosocial care, organized in the themes: spaces of the subjectivity production; spaces of the empowerment
production; spaces of interface with territory; spaces of the suffering recognition; spaces of exchange, teaching and learning;
spaces of (re)conquest the self-esteem; the psychosocial attention center as a temporary device of care; municipal management
and expansion of the psychosocial attention network. The subjects quoted activities such as assemblies, workshops, groups,
participation in users and families association, and the interface with trainee’s students as important spaces of psychosocial
attention that produce autonomy and (re)conquest of the citizenship contributing to transformation theirs realities.
Descriptors: Mentally ill persons. Mental health assistance. Mental health services.
Title: The psychosocial attention center from the experience of the patient with mental health disorder.
a
Estudo desenvolvido em 2007 a partir do trabalho de conclusão do Curso de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia
(FEO) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
b
Enfermeiro, Mestrando em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPG-Enf) da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
c
Doutora em Enfermagem, Docente da FEO-UFPel, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
d
Doutora em Enfermagem, Docente do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, Brasil.
Teixeira Junior S, Kantorski LP, Olschowsky A. O Centro de Atenção Psicossocial a partir da vivência
454 do portador de transtorno psíquico. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2009 set;30(3):453-60.
Aqui dentro [no CAPS] eles oferecem [...] trabalho meio de diálogo, de reflexão e de possibilidades de
com jornal, tricôt, crochê, pintura em tecido [...] fazem revisão de conceitos, pois o respeito a si próprio e
tapeçaria com sobras [...], com retalhos, fuxico. [...] aos outros está presente em sua prática(12).
pra cada época, pra cada festa eles confeccionam
trabalhinhos manuais. Pintam guardanapo, fazem [...],
Espaços geradores de empoderamento
esses biscuit. [...] na época junina, coisa pra junina.
Natal, coisinhas pro natal. [...] pra cada um eles tem
uma atividade. Se a pessoa não sabe fazer crochê, tricôt, Dentre as atividades desenvolvidas no CAPS
não sabe pintar, não sabe fazer bijuteria, [...] ensinam destaca-se a Assembléia. Consiste num espaço se-
a desenhar, ou quem [...] sabe escrever eles dão folhas manal no qual usuários, familiares, profissionais e
para desenhar, ninguém fica sem uma atividade. [...] pessoas da comunidade têm oportunidade de ma-
nós temos [...] aulas de música e canto, com a professo- nifestar-se abertamente sobre questões relativas ao
ra [...]. O CAPS oferece opções de aprendizado, de serviço. A atividade é coordenada por um dos téc-
artesanato que tu pode sair daqui para vender. [...]
nicos e é solicitado que algum usuário seja volun-
tem uma oficina de geração de renda agora também.
Aqueles balaios, tudo com jornal eles fazem. Eles fa- tário para a confecção da ata da reunião, quando
zem coisas maravilhosas (MTD). são inseridas as pautas a serem discutidas e decidi-
das democraticamente.
As atividades não devem ser visualizadas ape- Historicamente as assembléias exerciam um
nas como tarefas para preencher o tempo, mas sim, papel importantíssimo na governabilidade das
como importantes espaços para trabalhar a con- cidades da antiga Grécia, pois eram entendidas
centração e as possíveis ansiedades do indivíduo com espaços gerenciadores de decisões democrá-
ou do grupo. Ainda, estimulam a criatividade e ticas(13).
abordam manifestações culturais pertinentes ao Além de um espaço de decisões, a Assembléia
contexto dos usuários. Essas atividades também de Usuários é um espaço de informação como po-
compõem o campo sócio-econômico, configuran- demos evidenciar na fala a seguir:
do-se em um espaço de aprendizagem de técnicas
artesanais que podem ser posteriormente utiliza- Participo [da assembléia] [...]. Tem que participar,
das como atividades de geração de renda. ouvir a pauta que elas falam. Prestar muita atenção.
Uma vez por semana é realizada a oficina de Eu participo porque eu gosto de estar sempre bem in-
dança, também denominada invernada artística. formado. Falar alguma coisa assim sobre o CAPS
É composta por um grupo de usuários, coordena- (JLMV).
da por duas professoras de dança e utilizam o es-
paço de um Centro de Tradições Gaúchas que faz A inclusão dos usuários na gestão do cotidia-
parte do território de abrangência do CAPS em no da instituição, propiciando sua co-responsabi-
questão. O grupo da invernada artística apresen- lização pela administração dos espaços que utili-
ta-se em eventos culturais no município e na re- zam e pelo tratamento que recebem, busca a ho-
gião. A usuária refere que: rizontalização das relações de poder dentro do ser-
viço, fazendo com que o usuário seja protagonis-
Hoje em dia eu sou outra pessoa. Tenho essa invernada ta no processo de assistência, um dos objetivos da
artística que nós dançamos (MTD). atenção psicossocial(14).
O município conta com uma associação de
Promover a atenção psicossocial inclui utili- usuários e familiares, que é responsável por repre-
zar-se de vários arranjos capazes de buscar nas sentar os anseios dos usuários de serviços de saú-
potencialidades do individuo uma forma de reco- de mental do município no Conselho Municipal de
nhecimento da sua capacidade e assim, resgatar a Saúde, obedecendo à lógica de controle social indo
sua auto-estima. Dessa forma, O sentido de prazer ao encontro às diretrizes do Sistema Único de Saú-
que a dança pode nos oferecer ajuda-nos a encon- de (SUS).
trar a harmonia e adquirir maior sentido de per- O controle social deve ser entendido como
tença. Com esse fim, nosso impulso interior para o uma perspectiva de fortalecimento do poder, par-
movimento deve se vitalizar e orientar-se para uma ticipação e organização dos usuários e familiares
expressão plena e estruturada, melhorando assim, nos mais diversos níveis dos serviços em saúde
a saúde física e mental(11). A dança ainda serve como mental, e na sociedade civil(15).
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Atividade física. Caminhada, fazer exercícios para as Espaços de troca, ensino e aprendizagem
pessoas não ficarem enferrujadas [...]. desenvolver os
músculos, para não ficar muito parado [...]. Nós joga-
Outro espaço de atenção psicossocial aponta-
mos bola, quando é tempo de verão. Corremos, jogamos
bola. Gosto de fazer um treininho de bola aqui (JLMV). do pelos usuários é a relação possibilitada pela
interlocução com estagiários no serviço. Os alunos
Tem educação física [...]. Umas épocas nós vamos, que do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Univer-
marcaram para gente fazer as olimpíadas (CEDS). sidade Federal realizam estágio curricular no CAPS
estudado, caracterizando o serviço como um local
Reforçando a importância da atividade física dedicado ao processo de ensino-aprendizagem.
e seu caráter de (re) integração social, a Secretaria A enfermagem enquanto profissão está liga-
Municipal de Saúde, promove os jogos olímpicos da diretamente ao exercício do cuidado e mantém
dos CAPS, quando os CAPS existentes no muni- ralações diretas com ações educativas e sociais, es-
cípio, confraternizam entre diversas modalidades timula o autocuidado e a auto-estima, ajudando o
de esportes, sendo este mais um espaço de inserção indivíduo a reestrutura-se no seu cotidiano(17).
dos serviços de atenção psicossocial na comuni- Os usuários percebem a inserção da universi-
dade. dade através dos estagiários, de maneira muito
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positiva, caracterizando um espaço de trocas, pos- Podemos constatar, através dos depoimentos, que
sibilitando o aprendizado mútuo. “Com o conjunto os espaços psicossociais deste serviço são vistos
de práticas privilegiadas de contato com a socieda- pelos usuários como espaços de promoção de saú-
de, a extensão e os serviços universitários podem- de mental.
se constituir vias de mão dupla através das quais
a universidade serve à sociedade e, ao mesmo tem- A partir do momento que eu entrei no CAPS, [...] digo
po, recebe desta tanto uma avaliação sobre a rele- que eu nasci. Eu comecei a me resgatar. Hoje em dia eu
vância e adequação do conhecimento que produz, sou outra pessoa [...]. Eu estava apática, que nem lia,
quanto uma radiografia das demandas a ela diri- eu não fazia mais nada. E, eu leio, eu tenho meus li-
vros [...]. Eu me sinto valorizada aqui dentro. Eles
gida”(18).
me buscaram [...] foi uma questão de resgate (MTD).
A possibilidade de circulação de pessoas ex-
ternas ao serviço é vista como uma experiência
Os usuários entendem sua entrada no CAPS
enriquecedora, visto que os acadêmicos trazem ex-
como um renascimento, um resgate para a vida, o
periências de mundo diferentes das vividas pelos
que demonstra que o serviço esta cumprindo a sua
usuários e vice-versa. Portanto, através desta tro-
tarefa de reintegração e elevação da auto-estima
ca, é possibilitado ao estudante a aplicação do co-
nhecimento adquirido durante a academia, forman- necessária para o restabelecimento das tarefas co-
tidianas.
do-se vínculos bidirecionais, como podemos evi-
denciar nas seguintes falas:
O CAPS como dispositivo
E vocês, estudantes que passam por aqui [...] são de temporário de cuidado
grande valia para nós e, eu sei que nós também servi-
mos para vocês de alguma forma. Até para um estudo, Para finalizar as considerações referentes às
um aprendizado e eu acho que isso aí é muito impor- contribuições do modo psicossocial podemos evi-
tante [...]. Para nós significa muito. Que a gente apren- denciar na fala que se segue, o comportamento do
de a gostar de vocês (MTD). usuário frente ao fluxo de utilização do serviço:
Tem uns pacientes que não se abrem com a médica e que É um atendimento bom, porque a gente precisa dele,
vão se abrir com outro [...]. Então a melhor coisa que pode vir aqui, eles conversam com a gente, eles estão
tem aqui dentro do CAPS [...], são os estagiários, aí sempre a dispor de atender a gente, eles nunca estão
eu me sinto segura. Segura assim de conversar com eles, com as portas fechadas (CEDS).
que às vezes as doutoras não tem tempo. Eles têm o
tempo todo para conversa com a gente, ouvir [...] quan- O CAPS é só por um período, não é para toda a vida
do a Universidade entra em greve, ou estão de férias, a [...]. Depois que começar a melhorar [...] a gente tem
gente já acha falta (CEDS). que dar chance para outras pessoas (DBB).
Além da formação de vínculos e oportunida- Essa visão de saída do serviço se faz muito
des de aprendizagem, devemos destacar a impor- importante, e mostra que o modelo de atenção em
tância da Universidade inserida no serviço, como questão não está causando a cronificação do usuá-
um espaço de desenvolvimento de novas tecno- rio, através de relações de extrema dependência,
logias de atendimento, visto que o modo de aten- mostrando que a ressocialização é possível e enten-
ção psicossocial é entendido como um novo mode- dida por parte do usuário. A atenção psicossocial
lo de assistência permanentemente em construção. aparece como uma ação compromissada para qual,
os dispositivos de cuidado devem romper barrei-
Espaço de (re) conquista da auto-estima ras, devendo sempre em seu cotidiano assistencial,
questionar e repensar a sua ação limitante, estig-
Entendendo que a atenção psicossocial se dá matizante e meramente intervencionista. Portan-
por meio de um conjunto de estratégias que to, os serviços de atenção psicossocial devem esti-
priorizam o social, através de espaços que possam mular o usuário para viver o “fora”, mostrando-se
aumentar a contratualidade efetiva, social e econô- sempre solidários ao retorno dos usuários em seus
mica do indivíduo, contribuindo para o melhora- momentos de fragilidade, estando sempre de por-
mento do seu nível de autonomia e auto-estima(19). tas abertas.
Teixeira Junior S, Kantorski LP, Olschowsky A. O Centro de Atenção Psicossocial a partir da vivência
do portador de transtorno psíquico. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2009 set;30(3):453-60. 459
8 Schneider JF, Durman S, Tonini NS, Dias TA. Reabi- 18 Schmidt MLS. Plantão psicológico, universidade
litação psicossocial: um espaço para o exercício da in- pública e política de saúde mental. Estud Psicol.
terdisciplinaridade. Nursing (São Paulo). 2005;87(8): 2004;21(3):173-92.
380-4.
19 O que é reabilitação psicossocial no Brasil, hoje? In:
9 Brito IC. Refletindo sobre o dispositivo assembléia Pitta A, organizadora. Reabilitação psicossocial no
dos usuários e profissionais nos equipamentos subs- Brasil. São Paulo: Hucitec; 1996. p. 19-26.
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de 19 de fevereiro de 2002: define as normas e dire-
10 Ministério da Saúde (BR), Secretaria-Executiva, Se- trizes para a organização dos serviços que prestam
cretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde assistência em saúde mental. Brasília (DF); 2004.