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22 de fevereiro de 2020

Plantas são Sencientes


A primeira vez que ouvi essa afirmação foi na Acres USA em 2018, o
que me obrigou a fazer uma rápida visita ao dicionário para conferir o
termo e descobrir que: Senciente – adj., do latim Sentiens, capaz de
sentir ou perceber através dos sentidos.

Senciência é a capacidade dos seres de


sentir sensações e sentimentos de forma consciente. Em outras
palavras, é a capacidade de ter percepções conscientes do que lhe
acontece e do que o rodeia.

Essa afirmação provocou em mim uma enorme vontade de conhecer


melhor as plantas e saber até que ponto isso era realmente verdade. Me
lembrei do célebre best seller da década de 70, “A Vida Secreta das
Plantas “ ( 1 ) da época em que ainda estudava na Escola Nacional de
Agronomia, a saudosa ENA.

Os maiores cientistas dessa área, hoje em dia, reconhecem que o livro


de Tompkins & Bird foi baseado em “ciência ruim” e alguns dos
experimentos relatados jamais puderam ser confirmados, e sob esse
ponto de vista, o livro, acabou fazendo mais mal do que bem para a
jovem ciência da Neurobiologia Vegetal, a ponto de Chamovitz rotulá-
lo de “cientificamente anêmico “ ( 8 ).

Mas logo pude ver que esse assunto já ocupava o pensamento de


brilhantes botânicos há muito tempo, como Charles Darwin, que
acabou de vez com a ideia de que as plantas eram imóveis, ao publicar
o livro The Power of Movement in Plants em 1880 ( 2 ). Antes disso o
célebre botânico Linnaeus, em 1755, escrevia o livro Somnus
plantarum em Upsalla na Suécia, sobre o sono das plantas.

Hoje em dia esse assunto é estudado de forma bem mais séria e já


existem até departamentos de neurobiologia vegetal como por exemplo
o Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal da Universidade
de Florença na Itália, sob a direção do Fisiologista Vegetal Dr Stefano
Mancuso, uma autoridade mundial nesse novo ramo da ciência, muito
embora vários outros cientistas ainda se recusem a aceitar que o termo
“neuron”, que advém de “neurônio”, seja apropriado para as plantas
em virtude das mesmas serem desprovidas desse tipo de célula própria
do sistema nervoso dos animais e do homem.
Mancuso afirma que essa “fetichização” pelos neurônios, assim como a
nossa tendência a igualar comportamento com mobilidade, nos impede
de ver as plantas como elas realmente são e o que elas realmente
podem fazer ( 7 ).

Entretanto, a tentativa de comparação das plantas com o ser humano


ainda persiste até os dias de hoje, embora Chamovitz nos alerte para o
fato de que plantas conseguem ver sem ter olhos, resolvem problemas
sem terem cérebro, ouvem sem ouvidos e enxergam sem ter olhos ( 8 ).

Na visão de Chamovitz, Mancuso e Pollan, o funcionamento dos


sentidos das plantas, que são controlados pelos cérebros que estão
localizados em cada ponta de raiz, pode ser melhor entendido sob o
conceito do fenômeno, ainda pouco entendido, que em inglês é
chamado de “murmurations” para as aves e “school of fish “ para os
peixes, onde cada indivíduo age como que estivesse sob o comando de
alguma fonte externa a eles, só que no caso das plantas, seriam as
células agindo em uníssono sob um mesmo comando.

Video 1. Murmurations.

Video 2. School of Fishes.

O fato das plantas terem que viver ancoradas ao solo fez com que
desenvolvessem sistemas descentralizados, modulares, reiterados e
redundantes e é talvez o único ser vivo que mesmo perdendo 90% do
seu peso corporal ainda teria capacidade de se recuperar e continuar
vivendo.

Tudo isso nos faz querer analisar o porque da maioria das pessoas
considerarem as plantas como seres inferiores e limitados. Mesmo
sabendo que estamos atravessando talvez o pior momento da história
da agricultura humana, ao priorizarmos o AgroNegócio ao invés da
AgriCultura, podemos concluir que muitos dos pontos levantados hoje
são os mesmos pontos levantados há séculos atrás e repousam não em
evidências científicas mas sim em sentimentos e em conceitos culturais
pré-concebidos (preconceitos) que existem há milhares de anos.

Embora uma observação casual pudesse sugerir que o nível de


complexidade das plantas seria de um baixo nível, a ideia de que as
plantas são organismos sencientes que podem se comunicar, ter uma
vida social e resolver problemas de forma simples, usando estratégias
elegantes e de que elas são em uma única palavra, inteligentes,
frequentemente é levantada. Desde os filósofos gregos Demócrito e
Platão, de Lineu a Darwin, de Fechner a Bose (para mencionar apenas
os mais conhecidos) que a crença de que as plantas teriam habilidades
bem mais complexas, foi abraçada.

Mais recentemente até um dos meus favoritos botânicos e


microbiologistas, o austríaco Raoul Francé, considerado um dos país
da agricultura orgânica, também escreveu sobre esse assunto ( 5 ).

Toda essa questão nos faz enxergar o antropocentrismo de forma


escancarada e em toda a sua plenitude. Nos faz ver toda a arrogância
da espécie humana que talvez tenha, infelizmente, a sua origem na
Bíblia. No livro sagrado, assim como em diversos outros livros
sagrados de outras Cosmogonias, o homem é sempre o fruto supremo
da criação divina.

Para complicar mais ainda as coisas, Deus pediu a Noé que levasse
apenas dois exemplares (machos e fêmeas) de cada animal, para dentro
da arca “para salvá-los da enchente”, de cada criatura que se move,
puros e impuros.

E as plantas? Nenhuma palavra sobre elas. Na Escritura Sagrada o


mundo vegetal nem sequer é considerado. Talvez a origem dessa
confusão toda seja mesmo a Sagrada Escritura. Mas ela não é exclusiva
do Cristianismo. Todas as religiões baseadas em Abrahão falharam
implicitamente em reconhecer que as plantas são seres vivos
agrupando-as com outros objetos inanimados.

A arte islâmica, por exemplo, que respeita a proibição contra


representar Alah ou qualquer outra criatura viva, está ativamente
engajada em retratar plantas e flores de forma tão constante que o
estilo floral chega a ser emblemático naquela cultura. Sem mencionar
esse fato de forma explicita, esse aspecto demonstra que as plantas, no
conceito islâmico, não são criaturas vivas ou do contrário elas seriam
proibidas de serem retratadas!

Pois bem, para todos esses senhores, eu tenho uma péssima notícia. As
plantas não só possuem os mesmos cinco grandes sentidos, assim
como os seres humanos, como também outros 15 sentidos menores que
fariam qualquer humano se sentir inferiorizado em relação a elas ( 3 ).
Com relação as plantas não se moverem, sem querer usar o trabalho de
Linnaeus para contestar essa hipótese, a grande dificuldade das
pessoas é justamente entender o conceito de espaço-tempo que é
relativo, para compreender que, sob o ponto de vista das plantas, nós
não passamos de seres arrogantes, extremamente velozes e, talvez por
conta disso mesmo, sofremos de falta de cuidado, falta de atenção e
somos até meio desmiolados.

Vídeo 3. Feijão crescendo e se desenvolvendo – Time Lapse vídeo.

Quando sobrevoamos uma rodovia a bordo de um jato temos a exata


impressão que os carros lá embaixo não se movem. Isso porque tanto o
espaço quanto o tempo são conceitos relativos. A única coisa absoluta é
a velocidade da luz e foi aí que Einstein começou a dar um nó na cabeça
das pessoas quando, aos 50 anos de idade, enunciou a Teoria da
Relatividade. Muita gente ainda não entendeu isso até os dias de hoje.

Plantas desenvolveram estratégias muito inteligentes de se locomover e


de se propagar, e com isso fazer o que todo ser vivente faz, espalhar e
perpetuar o seu DNA. Imaginem, por exemplo, a Maçã ( Malus
domestica ) originária do Cazaquistão e hoje presente no mundo todo.
Da mesma forma a Batata ( Solanum tuberosum ) que saiu do Andes
para conquistar o mundo ou o Milho ( Zea mays ), a Soja ( Glycine
max ), a Tulipa ( Tulipa sp. ) ou a Maconha ( Cannabis sativa e C.
indica ) ( 7 ). Todos são exemplos de estratégias de domínios
territorial, bem sucedidos.

O domínio das plantas sobre os homens e os animais é inegável quando


se sabe que 99,7% da biomassa da Terra é composta pelas plantas e que
homens e animais perfazem apenas 0,3%.

Por meio do alimento, da beleza, do aroma ou da intoxicação as plantas


garantem que elas tenham um verdadeiro exército de escravos
humanos e animais a sua disposição.

São elas que tornam possível a vida na Terra por serem os únicos seres
capazes de captar a energia do Sol e transformá-la em matéria. E,
embora seja verdade que nós obrigatoriamente precisamos delas para
viver, e que a maioria delas poderiam viver sem nós, o fato é que em
algumas espécies, como as mencionadas acima, foi desenvolvido um
típico caso de mutualismo entre homens e plantas. Ambas as espécies
são beneficiadas pela convivência.
Ao domesticarmos certas espécies, de certa forma estabelecemos uma
relação de dupla troca que caracteriza uma relação de dependência
mutualística.

Mancuso observou que “ se nós pudéssemos entender as plantas nos


seus próprios termos, seria como entrar em contato com uma
civilização alienígena “.

Eu creio que é chegada a hora de começarmos a tratar as plantas com o


respeito que elas merecem por serem seres dotados de senciência. E
usar a nossa inteligência para projetar sistemas de produção
agropecuários que sejam realmente capazes de alimentar a população
do globo sem termos que recorrer a produtos químicos solúveis
poluentes e a substancias tóxicas e nem nos rendermos ao terrorismo
das empresas de insumos agrícolas e de seus cientistas de aluguel.

José Luiz M Garcia

Fevereiro de 2020.

Referência

1. Tompkins, Peter & C, Bird (1974) A Vida Secreta das Plantas,


Circulo do Livro, São Paulo, 377 pgs.
2. Darwin, C & F. Darwin ( 1880 ) The Power of Movements in
Plants, London, John Murray, Reprint, Cambridge, UK, Cambridge
University Press, 2009.
3. Mancuso, Stefano & Alessandra Viola ( 2015) Brilliant Green, The
Surprising History and Science of Plant Intelligence, Island
Press, Washington, USA, 173 pgs.
4. Mancuso, Stefano ( 2017 ) The Revolutionary Genius of Plants, A
new Understanding of Plant Intelligence and Behaviour, Atria
Books, New York, N.Y, 225 pgs.
5. Francé, R.H. ( 1911 ) Germs of Mind in Plants, Charles H Kerr &
Co, Chicago, 151 pgs.
6. Pollan, Michael ( 2002 ) The Botany of Desire, A Plant’s-Eye
View of the World, Random House Trade, 271 pgs.
7. Pollan, Michael ( 2013 ) The Intelligent Plant, The New
Yorker, https://www.newyorker.com/magazine/2013/12/23/the-
intelligent-plant
8. Chamovitz, Daniel ( 2012 ) What a Plant Knows, Scientific
American/Farrar,Straus & Giroux, New York, 177 pgs.

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