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Volume 11 – Nº 2 – Maio / Agosto de 2017

Rousseau: a crítica ao progresso técnico-científico

Francyhélia Benedita Mendes Sousa


Universidade Federal do Maranhão-UFMA
francyhelia_sousa@outlook.com

Taynara Pereira Silveira


Universidade Federal do Maranhão-UFMA
nara.pereira19@hotmail.com

Evilásio Barbosa da Silva


Universidade Federal do Maranhão-UFMA
evilasius@hotmail.com

Roney Francisco Lima Luna


Universidade Federal do Maranhão-UFMA
Lima.luna@live.com

Luciano da Silva Façanha


Departamento de Filosofia (DEFIL) - Universidade Federal do Maranhão-UFMA
Programa de Pós Graduação em Cultura e Sociedade (PGCult)
lucianosfacanha@hotmail.com

Resumo
Pesquisa de natureza teórica que investiga a Filosofia da História no pensamento de
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Objetiva fazer uma breve análise da
perspectiva negativa de progresso na história com base na filosofia do autor.
Fundamenta-se a partir dos conceitos de natureza, progresso, degeneração, história
e educação, embasados nas obras Discurso sobre as ciências e as artes, Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homem e Emílio ou da
Educação. Desenvolveu-se metodologicamente a partir da análise
fundamentalmente teórica, discussões argumentativas em grupo, abordagem crítica-
reflexiva interdisciplinar, além de interpretação hermenêutica da referida bibliografia.
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Ambas as obras apresentam dados que comprovam que o genebrino, apesar de


filósofo iluminista, critica a noção de progresso, no tocante ao progresso técnico
científico se desenvolver em detrimento do progresso moral. Porém, no Emílio ou da
Educação, a história adquire o caráter exemplar, na medida em que serve como guia
moral para a vida do homem em sociedade, contudo, o genebrino adverte que não
pode ser qualquer história, mas estritamente a antiga, a qual representa a própria
idade do ouro por ainda não apresentar elevado grau de degeneração. Conclui-se
que, segundo os Discursos, a história do homem estaria mais para um itinerário do
declínio humano do que para um apogeu da civilização, enquanto que no Tratado de
Educação, as ações morais na história servirão como exemplo virtuoso para Emílio
no momento da inserção social.

Palavras-Chave: Rousseau , Progresso, Educação .

ROUSSEAU: CRITICISM OF TECHNICAL AND SCIENTIFIC


PROGRESS

Abstratc
Research of theoretical nature that investigates the Philosophy of History in the
thought of Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). It aims to make a brief analysis of
the negative perspective of progress in history based on the author's philosophy. It is
based on the concepts of nature, progress, degeneration, history and education,
based on the works Discourse on the sciences and the arts, Discourse on the origin
and the foundations of the inequality between the man and Emilio or the Education. It
was developed methodologically from the fundamentally theoretical analysis,
argumentative group discussions, interdisciplinary critical-reflexive approach, and a
hermeneutic interpretation of the aforementioned bibliography. Both works present
data that prove that the Genevan, in spite of being an Enlightenment philosopher,
criticizes the notion of progress, as far as scientific technical progress develops to the
detriment of moral progress. However, in Emile or Education, history acquires
exemplary character, insofar as it serves as a moral guide for the life of man in
society, however, the Genevan warns that it can not be any history, but strictly the old
one, which Represents the own age of the gold because it does not yet present a
high degree of degeneration. It follows that, according to the Discourses, the history
of man would be more for an itinerary of human decline than for an apogee of
civilization, whereas in the Treaty of Education, moral actions in history will serve as
a virtuous example for Emilio at the time of Social insertion.

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Keywords: Rousseau, Progress, Education.

Introdução
Falar de progresso em Rousseau é falar do espírito iluminista pautado na autonomia
da razão, ou não bem é assim? Vamos entender.
O século XVIII ficou conhecido na história da Filosofia, como século das luzes.
Metáfora que vem para contrastar com o legado deixado pela Idade Média,
conhecido como “obscurantismo”. O movimento iluminista tinha como espírito de
época a aposta otimista na razão. Seu objetivo tinha como fim um o homem
esclarecido, que fosse capaz de eliminar os dogmas de uma fé cega (SALINAS
FORTES, L. R, 1985). Para tanto, contavam com empreendimento do século, a
enciclopedye: dicionário das ciências, das artes e dos ofícios. Com todos os
acontecimentos que antecedem o período, como a revolução copernicana eclodindo
um movimento renascentista, agora tínhamos o cenário perfeito para a emancipação
do homem. Os avanços da física, dariam ao conhecimento moderno o novo
paradigma a ser seguido: a física newtoniana, geradora de uma confiança no poder
emancipador da razão e assim, uma supervalorização da mesma. Todo esse espírito
efervescente que espalhava-se por toda Europa, com concentração na França, palco
dos maiores intelectuais da época, culminando em uma visão de progresso,
suscitado pelo desenvolvimento humano: das ciências da natureza, sociais, morais,
políticos e culturais., isto é, a liberdade humana mais que nunca estava em
evidência e o melhoramento humano era um objetivo possível.
Porém, nem todos pareciam concordar. Uma vez que falar de melhoramento
humano, não é falar apenas de um desenvolvimento técnico intelectual, mas
também implica, em um eminente melhoramento do homem e de suas virtudes.
Jean-Jacques Rousseau, um dos representantes da filosofia do século, não
parece contagiar-se com o espírito otimista do XVIII. O pensador apresenta uma
filosofia diversificada abrangendo áreas como linguagem, educação, estética e
política, podendo-se observar também uma filosofia da história em seu pensamento.

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Sua filosofia, aliás, a filosofia moderna, tem como pano de fundo a natureza
humana, em vista de se trabalhar um indivíduo que tende a moldar-se a partir de
suas experiências no mundo, mas que detém algo de estático e observável
fenomenicamente por meio de suas ações ao longo das épocas. Corroborando com
essa ideia, cito Rousseau:

Oh! Homem, de qualquer região que sejas, quaisquer que sejam tuas
opiniões, ouve-me; eis tua história como acreditei tê-la lido nos livros
de teus semelhantes, que são mentirosos, mas na tua natureza que
jamais mente. Tudo a que estiver nela será verdadeiro; só será falso
aquilo que, sem querer, tiver misturado de meu. Os tempos de que
vou falar são muito distantes; como mudaste! É, por assim dizer, a
vida de tua espécie que vou descrever de acordo com as qualidades
que recebestes, e que tua educação e teus hábitos puderam falsear,
mas que não puderam destruir (ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre a
desigualdade,, 1978, p. 237)

Assim, Jean-Jacques pretende traçar um itinerário da espécie humana, a


partir de sua natureza, para falar de como tudo começou e como está no presente
momento em que o retrata. É a partir desse itinerário que pode-se falar em uma
filosofia da história em sua filosofia, mas apenas em certa medida, dando-se esta na
análise que ele faz das ações humanas ao longo da história para fundamentar sua
visão negativa de progresso, visto que o autor não possui nenhum tratado sobre o
referido tema, como o fez o filósofo alemão Hegel1.

Desenvolvimento das ciências e artes e a degeneração dos


costumes
Em meio ao cenário de esclarecimento e liberdade promovido pelos ideais
iluministas, a Academia de Dijon, em 1750, lança uma questão para os homens de

1
Hegel. A Razão na História, uma breve introdução geral à Filosofia da História.

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letras da época: O reestabelecimento2 das ciências e das artes terá contribuído para
aprimorar os costumes? As respostas foram muitas, mas uma em especial chama a
atenção. Um jovem suíço não muito conhecido se mostra contrário à unanimidade
das respostas. Rousseau causa alvoroço em toda Paris ao responder pela negativa
da questão. Seu discurso, não é o primeiro a acusar os vícios de seu tempo, mas de
maneira mais direta e ordenada, é o primeiro a atribuir clara importância à moral. No
Discurso obre a ciência e as artes, o filósofo nega o melhoramento do homem à um
desenvolvimento intelectual. Para ele os costumes não evoluíram ao passo que os
conhecimentos humanos foram aprimorando-se, porém, degeneraram-se.

Atualmente, quando buscais mais sutis e o gosto mais fino reduziram


a princípios a arte de agradar, reina entre nossos costumes uma
uniformidade desprezível e enganosa, e parece que todos os
espíritos se fundiram num mesmo molde: incessantemente a polidez
impõe, o decoro ordena; incessantemente seguem-se os usos e
nunca o próprio gênio. Não se ousa mais parecer tal como se é e,
sob tal coerção perpétua, os homens que formam o rebanho
chamado sociedade, nas mesmas circunstâncias farão todos as
mesmas coisas desde que motivos mais poderosos não os desviem.
Nunca se saberá, pois de quem se trata: será preciso, portanto, para
conhecer o amigo, esperar pelas grandes ocasiões, isto é, que haja
mais tempo para tanto, porquanto para essas ocasiões é que teria
sido essencial conhecê-lo. (ROUSSEAU, Discurso sobre as ciências
e as artes, 1978, p. 336-7)

Aqui o autor expõem como o desenvolvimento cultural e científico se da


paralelamente à submissão social, do “qual se faz cúmplice, abafando o amor e a
liberdade” (ROUSSEAU, 1978, p. 325). Nesse sentido, a crítica rousseauniana, visa
o modo como as sociedades civilizadas, em especial a francesa, se relacionavam,
face a uma exacerbação da aparência, enquanto os gostos e costumes se
moldavam ao dito padrão social, em que a verdadeira identidade de cada indivíduo
vai perdendo-se nesse emaranhado de superficialidades: “ para proveito próprio, foi

2
A questão do reestabelecimento das ciências e das artes é uma homenagem ao movimento
renascentista que contrastava com a “barbárie” da Idade Média. (Rousseau, J-J. Introd. Discurso
sobre as ciências e as artes. 1978, p 325.)

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preciso mostrar-se diferente do que na realidade se era. Ser e parecer tornaram-se


duas coisas totalmente diferentes”.
Cabe salientar que Rousseau não é contra o progresso científico ou dos
conhecimentos em si mesmos, mas se mantém crítico ao modo como esse
desenvolvimento ocorreu em meio a degeneração do gosto e à produção de uma
máscara social que veste o verdadeiro homem. Em seu livro História e
Representação, a professora Maria das Graças nos explica contundentemente a
questão:

Se perguntarmos se as ciências e as artes, em si mesmas, são boas


a resposta será positiva. Ocorre que, historicamente, não há ciências
e artes em si mesmas. Elas nasceram, e só podiam ter nascido em
sociedades nas quais uma certa desigualdade já permitia que alguns
poucos se dedicassem ao estudo e à contemplação da natureza.
Dessa forma, as ciências e as artes já nasceram, por assim dizer,
contaminadas pelas circunstancias nas quais surgiram. (SOUZA, M,
D, G, 2001, p. 78)

Portanto, segundo SOUZA, Maria das Graças a crítica rousseauniana não


está dirigida diretamente ao progresso em si mesmo mas, ao modo como esse
desencadeamento foi se processou ao longo da história. Porém, como ela mesma
salienta, não existe progresso em si mesmo, já que ele ocorreu atrelado e
sustentado a uma desigualdade social aonde pouquíssimos tiveram o privilégio da
contemplação e dedicação às ciências e às letras.

O Progresso das coisas e a desigualdade social


No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens a crítica ao progresso é melhor fundamentada. Em 1753, com mais uma
questão colocada pela Academia de Dijon, sendo ela: “Qual é a origem da
desigualdade entre os homens, e é ela autorizada pela lei natural?”3. Rousseau

3
Id. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.

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identifica que o desenvolvimento humano é sustentado por uma desigualdade que


não é natural, mas é uma desigualdade moral. Percebe isso ao fazer uma análise
hipotética dedutiva do processo que desencadeou a degeneração do homem. No
princípio, o homem pertencia a uma natureza pura, livre e em pé de igualdade com
seu semelhante, portanto apenas uma desigualdade física, mas ao passo que ele se
afasta de sua natureza primitiva e começa a ter a necessidade de manter relações
de troca com o outro, as desigualdades morais surgem.

Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que


chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que
consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e
das qualidades do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar
de desigualdade moral ou política, por que depende de uma espécie
de convenção e que é estabelecida ou, ao menos, autorizada pelo
consentimento dos homens. Esta consiste nos vários privilégios de
que gozam alguns em prejuízo de outros, como o serem mais ricos,
mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por
fazerem-se obedecer por eles. (ROUSSEAU.J-J, Discurso sobre a
desigualdade. 1978, p. 235)

A desigualdade moral é sustentada por uma série de modificações ocorridas


ao longo do desenvolvimento humano, estando ela em concatenação com a
degeneração da espécie. O estado de natureza apresenta características próprias as
quais tendem a ser alteradas través da perfectibilidade. O homem hipotético
primitivo tem dois sentimentos inatos, a piedade natural e o amor de si. A primeira,
segundo Rousseau, refere-se à preservação da espécie; enquanto a segunda à
auto conservação. A piedade no estado primitivo serve como reguladora do amor de
si. Mas com a chegada do outro, nasce o orgulho que enche o coração humano, e
ela não mais controlará o amor de si, que se transformará em amor próprio. Outra
modificação sofrida no estado natural, mas agora no histórico, é quanto à virtude, a
força da alma e a força física que dão lugar à comodidade e à dependência. “O
progresso significou enfraquecimento físico. Ao abandonar a vida solitária e errante
nas florestas pela vida familiar, o homem passou a experimentar sentimentos novos:

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a ternura, o amor paternal e maternal, o amor conjugal. Mas o homem terno e


amoroso é mais frágil. O progresso significa então certa perda da força da alma.
Com a divisão do trabalho, se estabeleceu uma dependência nunca antes
experimentada: o ferreiro precisa do agricultor, o agricultor do pastor. Ninguém é
mais autônomo. Os exemplos poderiam ser ampliados nos mais diversos graus.”
(SOUZA, 2001, p 77-78). O progresso também implica em perda da independência,
o homem perde a sua autonomia sobre a própria produção no tocante a divisão do
trabalho, que fez- lhe precisar de outros serviços que não mais eram produzidos por
suas próprias mãos. Consequentemente há também uma perda da liberdade, já que
agora o homem terá que se submeter a outros.

[…] o homem, de livre e independente que antes era, devido a uma


multidão de novas necessidades passou a estar sujeito, por assim
dizer, a toda natureza e, sobretudo, a seus semelhantes dos quais
num certo sentido se torna escravo, mesmo quando se torna senhor:
rico tem necessidade de seus serviços; pobre, precisa de seu
socorro, e a mediocridade não coloca em situação de viver em eles.
(ROUSSEAU, Discurso sobre a desigualdade. 1978, p. 267).

As relações em sociedades civilizadas são relações vãs, superficiais que


não contribuem em nada pra o melhoramento moral. São nesses termos que Jean-
Jacques se contrapõem a ideia de progresso, estando a civilização mais para um
declínio que para o apogeu da civilização. Pois o filósofo está muito mais
preocupado com as virtudes dos homens do que com seu legado científico. Tal
crítica ao progresso remete-nos à polêmica sobre o luxo no século XVIII, como
aponta Maria das graças: a posição de Rousseau é análoga à de Montesquieu, que
No Espírito das Leis, estabelece uma relação direta entre a desigualdade de fortuna
e a existência do luxo. Para ele, se as riquezas forem igualmente divididas, não
haverá luxo, pois ele só é fundado nas comodidades que não damos pelo trabalho
dos outros. (Livro VII, Cap. VIII). O luxo está do lado oposto das virtudes. Rousseau
considera que as relações sociais, já depravadas, são relações de aparências. As
sociedades modernas, que não perdiam em nada para as contemporâneas, viviam

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em um ambiente de superficialidades e exageros, falsas virtudes, paixões


desmedidas e conhecimentos frívolos, sendo esses, alvos das análises reprovativas
do filósofo nos Discursos.

Assim, considerando a obra de Rousseau, podemos dizer que nela


estão inegavelmente associadas a crítica da modernidade e uma
teoria da história. Do primeiro ponto de vista, o da crítica da
sociedade de seu tempo, sua radicalidade não deixa nada a dever
aos nossos contemporâneos que denunciam a barbárie dos tempos
modernos. Do ponto de vista de sua teoria da história, ela não é
reconfortante: o Segundo Discurso não parece anunciar uma
alteração nas circunstâncias trazidas pelo progresso, e que culminam
com o despotismo, figura final da desigualdade. (SOUZA, 2001, p.
91)

Rousseau lança mão de uma análise histórica da evolução humana, que


pode ser observada sob duas óticas. No primeiro Discurso, se observa uma história
linear, a qual toma como fio condutor a moralidade. No Discurso sobre a
desigualdade, novos elementos são apresentados, aos quais se observa uma visão
escatológica. De modo geral, em relação à primeira visão, ao sair do estado de
natureza, o homem jamais poderá retornar ao estado original, assim como não tens
a possibilidade de retornar à nenhum estado anterior; e a última, está concatenada a
sua concepção negativa, a qual o homem caminha para um propósito final, sendo
ele não o apogeu da espécie, mas a degeneração completa da raça humana.

Os povos livres devem conservar sua liberdade, pois uma vez


perdida ela é irrecuperável. Estamos pois diante de uma concepção
linear da história, herdada da traição cristã, mas que se afasta dela
ponto de vista da direção do curso dos acontecimentos: os homens
caminham sim de um ponto de origem a um ponto de chegada. Mas
este percurso não é o da salvação, e sim o da perdição. Em outras
palavras, o percurso da história dos homens não pode ser entendido
como progresso, se progresso for avanço em direção ao melhor.
Paradoxalmente, o “progresso das coisas” traz o declínio do homem
e das instituições. (SOUZA, 2001, p. 77-78)

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Progresso e Educação: uma solução moral

Destarte, no livro IV do Emílio ou da Educação, ele confere a história um


papel exemplar, no sentido de ser um guia para o homem na história. Porém em par
com sua teoria da degeneração evolutiva, não é qualquer história que servirá como
exemplo para Emílio, mas a história antiga, a qual as ações humanas ainda não
estavam cheias de si mesma [amor-próprio], e os homens ainda compartilham de um
sentimento comum [patriotismo]. Emílio, representando o homem moderno, que já
nasce em meio há uma sociedade corrompida pelos vícios, terá uma educação
especial para que não se corrompa pelas falsas necessidades [paixões] e
conhecimentos desnecessários, mas que preserve seus sentimentos e suas virtudes
naturais [disposição física, piedade e amor de si] como esclarece SOUZA:

Se o discípulo está no momento em que deverão surgir novas


paixões, como fazer com que estas paixões nascentes sejam da
natureza da comiseração e da benevolência, e evitar que nasçam
paixões como a inveja ou a ambição? Ele os odiará, ou terá pena
deles? Como não está entregue aos caprichos do acaso, mas
conduzido pelo preceptor, Emílio será guiado em sua procura.
Precisará descobrir que os homens são bons, e que é a sociedade
que os deprava. (SOUZA, 2001, p. 47).

É nesse sentido que o estudo da história serve como intervenção no


desenvolvimento de superficialidades sociais suscitados por paixões desenfreadas e
descabidas. Emílio aprenderá a ler a história de longe, por meio das ações
humanas, será ele um espectador, já que não poderá intervir na própria. A história
que deverá estudar será a antiga, pois “os exemplos de virtude moral e cívica que
povoam seus mais diversos textos são sempre tirados da antiguidade” (ROUSSEAU,
1999). Como salienta SOUZA, estudar o coração humano por toda a história em vez
de estudá-lo na sociedade tem outra vantagem: “Mostram seus discursos, escondem
suas ações”; na história, nós os julgamos pelo que fazem: “então sem véu”; assim as

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ações humanas na história nos ajudam a melhor conhecê-lo, em sociedade as


ações se confundem, não se sabe mais o que são ou que parecem ser.
Portanto, o estudo da história em Rousseau tem sua finalidade pautada no auxílio da
educação moral de Emílio. Não como uma solução à depravação social, pois, pelo
curso progressivo de desenvolvimento, a natureza humana não tem a possibilidade
de voltar ao que era, ao menos não absolutamente. Então, pelo viés da educação
natural, as ações patrióticas servirão de exemplo virtuoso para o jovem aprendiz tirar
lições morais dos homens da antiguidade; Emílio será preparado para viver em
qualquer sociedade moderna, aprenderá a gerir melhor suas emoções e paixões
para que não caia em uma perpétua submissão.

Considerações finais
Em função dos argumentos apontados ao longo da presente investigação, pode-se
concluir que Jean-Jacques Rousseau não compartilha do entusiasmo iluminista
quanto ao progresso humano. Para ele a humanidade caminharia para um
esclarecimento sim, mas não para um melhoramento da espécie. Os costumes
degeneraram ao passo que as ciências e as artes se desenvolveram; as
desigualdades morais se desencadearam com o desenvolvimento das relações de
troca entre os homens; o amor de si transformara-se em amor próprio, o orgulho
surgiu com as primeiras luzes e a piedade natural deu lugar à indiferença; a força
física ao comodismo e o amor à pátria esvai-se, pois não há mais cidadão, menos
inda pátria; apesar da história se apresentar como auxílio na educação moral de
Emílio. Portanto, Rousseau não nega que houve um progresso técnico-científico na
história do desenvolvimento da civilização, porém, sua análise aponta que o
progresso material e intelectual não estava atrelado a um progresso moral, fazendo
da história em seu pensamento não uma história do progresso, mas, uma história da
decadência humana. Então fica a pergunta, passados dois séculos e meio da crítica
rousseauniana, será que houve a transformação social esperada? Ou será que o
atual sistema educacional não está cada vez mais preocupado com números, ao

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invés de fomentar uma formação visando a virtude e o melhoramento do homem?


Enfim, é necessário pensar o impacto do aperfeiçoamento da técnica, da tecnologia
não somente na educação, mas na vida do homem como um todo.

Referências

FAÇANHA, Luciano da Silva. Para Ler Rousseau: uma interpretação de sua


narrativa confessional por um leitor da posteridade. São Paulo: Edições
Inteligentes, UFMA. 2006.

SALINAS FORTES, Luís Roberto. O Iluminismo e os reis filósofos. (Coleção tudo


é história). São Paulo: Brasiliense, 1985.

SOUZA, Maria das Graças de. História e Declínio: Rousseau. IN: Ilustração e
história: o pensamento sobre a história no iluminismo francês. São Paulo:
Discurso Editorial, 2001.

ROUSSEAU, J.-J. Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril Cultural,
1978

__________. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre


os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

__________. Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução: Lourdes Santos


Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

__________. Ensaio sobre a origem das línguas; Discurso sobre a origem e os


fundamentos da desigualdade entre os homens; Discurso sobre as ciências e
as artes; Prefácio de Narciso ou o amante de si mesmo. Tradução: Lourdes
Santos Machado; Introdução e notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes
Machado e consultoria de Marilena Chauí. 2. ed. Os Pensadores, São Paulo: Abril

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Cultural, 1978.

__________. Livro IV. In: Emílio ou da educação. Tradução: Roberto Leal Ferreira.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Sobre os autores

Francyhélia Benedita Mendes Sousa


Graduanda em Filosofia na Universidade Federal do
Maranhão. Com interesse em Filosofia da Linguagem,
Filosofia da Educação, Estética e Antropologia
Filosófica. Tem pesquisa atualmente nas áreas de
Filosofia da educação e Filosofia da Linguagem.
Participa do Grupo de Estudos e Pesquisa
Interdisciplinar Jean-Jacques Rousseau-UFMA, aonde
estuda as vertentes do pensamento iluminista com
ênfase no pensamento do filósofo genebrino. E-mail:
francyhelia_sousa@outlook.com
Taynara Pereira Silveira

Discente na área de Ciências Humanas, graduanda no


Curso de Filosofia da Universidade Federal do
Maranhão - UFMA, campus Bacanga, Atualmente
integrante do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação Científica - PIBIC/FAPEMA. Projeto:
FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E LINGUAGEM: da natureza
poética ao reconhecimento das paixões, da memória,
da imaginação e de Outrem em Rousseau com o
desenvolvimento do plano Gênese e Estrutura da
Origem das Línguas no Tratado de Educação do
Filósofo Rousseau. E-mail:
nara.pereira19@hotmail.com

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Evilásio Barbosa da Silva


Graduando em Filosofia (8º período) e graduado em
Pedagogia (2013) pela Universidade Federal do
Maranhão. Participa dos Grupos de Estudos e
Pesquisas Interdisciplinares Jean-Jacques Rousseau
(GEPI-Rousseau) e Immanuel Kant (GEPI-Kant),
sendo que no primeiro é bolsista do CNPq no
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica - PIBIC, com o subprojeto: Do surgimento da
poética da linguagem como reconhecimento das
paixões, da memória, da imaginação e de outrem na
filosofia de Jean-Jacques Rousseau. No segundo
grupo, foi bolsista PIBIC com bolsas da UFMA (2014) e
FAPEMA (2015) com o subprojeto: Kant e o
esclarecimento: crítica à religião e à faculdade
teológica. Suas principais áreas de estudos são: Ética
e política, Filosofia da Educação, Filosofia da Religião,
Estética, Metodologia do Ensino da Filosofia,
Formação de professores, Didática e Educação de
Jovens e Adultos (EJA). E-mail: evilasius@hotmail.com
Luciano da Silva Façanha
Pós-Doutorado em Filosofia, estética do Século XVIII -
PUC/SP. Doutor e Mestre em Filosofia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em
Direito pela Universidade Cidade de São Paulo e
licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do
Maranhão. Atua na Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), como professor Adjunto no Departamento de
Filosofia (DEFIL); Coordenador do Programa de Pós-
graduação em Cultura e Sociedade - Mestrado
Interdisciplinar (PPGCult); Professor nos Mestrados em
Cultura e Sociedade e Mestrado Profissional em
Filosofia da UFMA - PROF-Filo/UFMA. Foi
coordenador do DINTER em Filosofia USP/UFMA;
Coordena o NEPI Núcleo de Estudos do Pensamento
Iluminista; é líder do Grupo de Estudo e Pesquisa
Interdisciplinar Jean-Jacques Rousseau UFMA (GEPI
Rousseau UFMA), registrado no Diretório dos Grupos
de Pesquisa do CNPq. Integrante do Núcleo de
sustentação do GT Rousseau e o Iluminismo da
ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em
Filosofia). E-mail: lucianosfacanha@hotmail.com

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Revista EducaOnline Volume 11, Nº 2, Maio/Agosto de 2017. Edição temática II Simpósio Nacional de
Tecnologias Digitais na Educação (II-SNTDE).
ISSN: 1983-2664. Este artigo foi submetido para avaliação em 25/07/2017 e aprovado para
publicação em 20/08/2017.

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