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CRÍTICA E SOCIEDADE

Revista de Cultura Política. V. 6, N. 1, Nov. 2016. ISSN: 2237-0579  

DOSSIÊ

“O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO”: ideologias no meio docente

THE WORLD AS REPRESENTATION”: ideologies among teachers

Patrícia Vieira Trópia1

Resumo
O artigo tem como tema as representações dos docentes da educação básica, entendidas
como matriz de práticas construtoras do próprio mundo social, um campo de disputa
ideológica de classes. Partindo de uma enquete realizada com professores e professoras
da rede pública de Guarulhos, conclui-se que os docentes pesquisados são fortemente
impregnados pela ideia de merecimento em função da formação docente. Por este
motivo aspiram por prestígio e mesmas condições salariais dos trabalhadores não-
manuais e profissionais liberais e, consequentemente, buscam se distinguir socialmente
dos trabalhadores manuais.
Palavras-chave: Representação social, ideologia, professores

Abstract
The subject of this article is the basic education teachers’ representations, seen as an
array of practical construction of social world, a field of ideological dispute of class. In
considering a survey with teachers from public schools in Guarulhos, city near Sao
Paulo, we conclude that surveyed teachers are hardly impregnated with idea of merit
due their qualification. Therefore they fight for prestige and the wage equality to non-
manual workers and seek to distinguish the working class.
Keywords: Social representation, ideology, teachers

Introdução
Em “O mundo como representação”, Roger Chartier (2001) afirma que as
representações coletivas constituem matrizes de práticas construtoras do próprio mundo
social. Ao formular as bases da história social da cultura, Chartier retoma a contribuição
de Marcel Maus para quem “mesmo as representações coletivas mais elevadas só tem
existência, só são verdadeiramente tais, na medida em que comandam atos”.
Nesta perspectiva, a noção de representação é relacional na medida em que
implica e condensa concepção e prática/ação. Mas qual a natureza desta relação?

                                                                                                                       
1
Professora de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia.

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“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

Chartier adverte que se trata de uma relação de poder. Uma representação coletiva é o
resultado de disputas, portanto um campo de dominação e em disputa.
A análise das representações coletivas pressupõe, segundo o autor, três
modalidades de relação dos grupos ou classes com o mundo social
de início, o trabalho de classificação e de recorte que produz
configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é
contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem
uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer
uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo,
a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as
formas institucionalizadas e objetivadas em virtude das quais
"representantes" (instâncias coletivas ou indivíduos singulares)
marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da
comunidade ou da classe (1991, p 183; grifos nossos).
Destas três modalidades desdobram-se duas vertentes: uma que concebe a
construção das identidades sociais como resultado sempre de uma relação de força entre
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as representações impostas pelos que detêm o poder de classificar e de nomear, e as


representações que cada comunidade produz sobre si mesma; outra que considera o
recorte social objetivado como a tradução do crédito conferido à representação que cada
grupo dá de si mesmo, logo a sua capacidade de fazer reconhecer sua existência a partir
de uma demonstração de unidade (BOLTANSKI, 1982).
Ao analisar as “lutas de representação”, cuja expressão é a hierarquização da
própria estrutura social, a história cultural centra sua atenção “sobre as estratégias
simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada classe,
grupo ou meio, um ser-percebido-constitutivo de sua identidade.”
Embora seu objeto sejam os livros, a trajetória da leitura e da escrita, a noção de
representação forjada por Chartier inspira-nos a também tomar as representações dos
docentes da rede pública de Guarulhos como matriz de práticas construtoras do próprio
mundo social, um campo de disputa simbólico e ideológico.
A concepção segundo a qual as representações coletivas e sociais orientam,
organizam e estruturam as ações dos agentes sociais remete ao conceito de ideologia. As
ideologias constituem representações cuja função seria interpelar, mobilizar e submeter
os agentes sociais às estruturas sociais e econômicas dominantes. Tal concepção geral
de ideologia origina-se na tradição marxista.
A ideologia envolveria os conflitos de interesse e de poder que são decisivos e
centrais para a preservação e transformação da sociedade. Mas, qual é o lugar e o papel
da falsidade no conjunto da teoria da ideologia? A falsidade seria constitutiva ou uma

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Patrícia Vieira Trópia  

contingência – portanto, não necessária – das ideologias? Se a ideologia às vezes


envolve distorção, mistificação e dissimulação, isso ocorre menos em virtude de algo
inerente à linguagem ideológica do que em virtude da natureza da sociedade à qual se
vincula essa linguagem. Neste sentido, na análise de Marx, a ideologia expressa a forma
como os indivíduos vivem as suas condições de existência.
A tradição althusseriana reelaborou esta formulação geral e definiu que a
ideologia é a forma como os indivíduos representam as relações vividas (suas relações
com o mundo, suas relações de classe) que são simultaneamente representações
imaginárias (ilusão) e representações reais (alusão). Vejamos.
Segundo Althusser, as ideologias exercem funções prático-sociais; elas
representam as relações afetivas, fantasiosas, imaginárias que os indivíduos mantêm
com o mundo. Esta concepção foi elaborada em seu ensaio sobre o Aparelhos
Ideológicos de Estado.
Althusser afirma,

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não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os
“homens” “se representam” na ideologia, o que é nelas representado é,
antes de mais nada, a sua relação com as suas condições reais de
existência. É esta relação que está no centro de toda representação
ideológica, e portanto imaginária do mundo real. É nesta relação que
está a “causa” que deve dar conta da deformação imaginária da
representação ideológica do mundo real (1996, p. 87).
Neste ensaio, a ideologia diz respeito a um tipo específico de representação do
mundo, mais precisamente à forma como o mundo se apresenta e se expressa segundo
os desejos, vontades e aspirações dos agentes, grupos e classes. As representações da
ideologia não “retratam”, no sentido cognitivo, o mundo, mas manifestam como eles
(agentes, grupos e classes) o sentem, desejam, imaginam; trata-se, assim, da relação
imaginada que se tem com a realidade social.
Mas Althusser (1986) também atribui uma outra função à ideologia, além do
caráter ilusório e imaginário acima identificado. A ideologia teria a função de aludir ao
real, de ter uma relação objetiva com problemas reais. Esta definição althusseriana nos
parece ainda mais interessante na análise das representações docentes que se pretende
realizar neste artigo, examinando-se não apenas o caráter ilusório (contrariedade), mas
sua afinidade com o real. Para o autor, a ideologia interpela os agentes sociais, no
sentido de que ela os persuade a se comportarem sem que necessariamente sejam
reprimidos ou forçados para tal. A ideologia tem, portanto, uma existência material. A
ideia segundo a qual a ideologia é uma representação das condições vividas pelas

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“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

classes sociais e, neste sentido, relacional é aprofundada por Poulantzas. Por se


constituir em um fenômeno relacional (envolvendo as classes sociais em luta), na
concepção de Poulantzas, a ideologia expressa menos “como uma classe vive as suas
condições de existência do que como as vive em relação à experiência vivida de outras
classes”, o que faz com que a ideologia típica de cada classe seja constituída “até as
raízes pela ideologia de sua antagonista” (apud EAGLETON, 1997, p. 96).
Neste sentido, o discurso da ideologia dominante “apresenta frequentemente
elementos importados de modos de vida diferentes do da classe dominante”
(POULANTZAS, 1986, p. 204), pois este mecanismo de importação, apropriação e
ressignificação, próprio da luta ideológica de classes, é, a um só tempo e de uma só vez,
a condição de “dominação” da ideologia dominante. Dito de outro modo, a propagação
ideológica é um processo de luta intensa, tensa, um “leva e traz”, cuja função é realizar
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a dominação de classe (TROPIA, 2009).


Partindo das contribuições acima mencionadas, o objetivo deste artigo é,
tomando-se os resultados de uma enquete realizada com professores e professoras da
rede pública de Guarulhos, analisar as representações destes docentes.
Tais representações, em síntese, serão tomadas como matrizes de práticas
construtoras do próprio mundo social; relação entre concepção e prática/ação; resultado
de disputas de poder, portanto um campo de dominação e em disputa; expressão da
realidade contraditória; resultando sempre de uma relação de força; como ideologias;
expressão da forma como os indivíduos vivem as suas condições de existência;
expressão das relações vividas (suas relações com o mundo, suas relações de classe) que
são simultaneamente imaginárias (ilusão) e reais (alusão) expressão de como “como
uma classe vive em relação à experiência vivida de outras classes”.

As ideologias como representações de classe dos docentes


Nosso aporte teórico exige que situemos, ainda que hipoteticamente, o
pertencimento de classe dos docentes.
Perseu Abramo (1986), no texto “O professor, a organização corporativa e ação
política”, discute quem é o professor brasileiro “em termos de estrutura de classes
sociais”. Para o autor, os professores vivenciam um processo de mobilidade social, ora
ascendente, ora descendente. De um lado, professores originários de “certas camadas da
burguesia” vivenciavam um processo de proletarização não só pelas condições de
trabalho, mas também na sua relação com as demais classes sociais; estes professores,

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Patrícia Vieira Trópia  

ao longo de sua trajetória profissional, não conseguiam manter sua posição social de
origem. De outro, com o processo de construção da escola de massas, levou ao
recrutamento de professores que provinham das camadas populares ou de camadas de
classe média baixa.
Para Abramo (1986, p.80), todavia, “os professores de 1.o e 2.o Graus, muitas
vezes, têm salários e condições materiais de vida que se situam abaixo de certas
camadas da classe operária. Mas a sua postura ideológica, cultural e política é típica da
classe média-média ou da classe média-alta, sempre muito mais disposta a ser cooptada
pelos valores ideológicos da burguesia do que a se igualar ou solidarizar-se com os do
proletariado”. Neste sentido, para Abramo, embora houvesse um processo de
proletarização das condições de trabalho, os professores tenderiam a assumir
orientações ideológicas e políticas de classe média. No mesmo sentido, embora com
uma perspectiva distinta, Boito Jr. (2004) afirma que os professores tendem a assumir
uma postura ideológica e política meritocrática2.

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O processo de proletarização é, na bibliografia, compreendido de duas maneiras.
A primeira leva em conta a aproximação real entre as relações de trabalho dos
professores e às do proletariado, entendido como o conjunto dos trabalhadores manuais.
Esta aproximação se expressa nas prolongadas jornadas de trabalho, nas condições de
trabalho, no processo de desqualificação do trabalho, no rebaixamento dos salários, na
mudança na origem social, na perda da autonomia do professor, na precarização e
intensificação do trabalho, entre outros aspectos. Tudo isso levaria à desvalorização
social do professor e da docência (TUMOLO, FONSECA, 2008) que, por sua vez,
reagiria a tal situação buscando pela via sindical recuperar o status perdido
(FERREIRA, 2006).
A segunda dimensão sobre o processo de proletarização docente se concretiza na
aproximação dos professores com o proletariado enquanto classe social, por intermédio
das lutas sociais e sindicais (PUCCI, OLIVEIRA, SGUISSARDI, 1991, p. 91). De
forma sintética, a inserção dos professores na luta sindical, a criação de sindicatos e a
transformação de associações docentes em entidades de luta, reivindicação e greve, a
denominação “trabalhadores em educação”, em vez de “educadores”, “professores” ou
“profissionais da educação”, a implementação de formas de luta tipicamente operárias,
greves, piquetes ocupações, a criação de sindicatos de vários níveis de ensino, tudo isso
                                                                                                                       
2
 Agradecemos à Fapemig pelo financiamento da pesquisa Classes médias e política no Governo Dilma
Rousseff (2011-2014).  

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“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

refletiria a mudança de percepção da própria categoria no conjunto dos/as


trabalhadores/as em geral. Para alguns autores, na conjuntura dos anos de 1980 os/as
professores/as tomam consciência que seus problemas são basicamente os mesmos de
outras categorias de trabalhadores/as. Mas o movimento sindical oscila entre a unidade
e a singularidade (ROBERT, 2013). Ao longo de sua trajetória, o movimento docente
no Brasil ora se aproxima do movimento operário, quando coloca em ação um
repertório de lutas, tais como greves, protestos, piquetes, ora dele se distingue
(VIANNA, 2001), posto que guarda a especificidade do/a trabalhador/a do campo da
cultura, ou seja, como trabalhador intelectual.
Procuraremos mostrar que, embora haja um intenso processo de precarização do
trabalho, os docentes reagem a este processo de proletarização do trabalho apelando, por
meio de representações, ao mérito e por isso comportando-se como trabalhadores não
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manuais ou de classe média.

Representações docentes
Iniciamos com a análise da opinião dos docentes pesquisados sobre escola,
ensino e educação3.
Do total dos docentes pesquisados, ¾ acredita que o trabalho do professor deve
ser um dos mais bem pagos por conta da formação exigida. Neste sentido, a
representação construída pelos docentes para justificar um lugar de destaque na escala
salarial tem como matriz o nível de formação, relacionando a ideia de merecimento à
educação e à escolarização. Por sua vez, a visão segundo a qual a paixão pela profissão
deve se sobrepor aos salários foi a que encontrou maior discordância (29,8% do total
dos pesquisados), que representa a maioria relativa dos pesquisados). Ainda que a
ideologia do mérito também possa se fundamentar no gosto, na paixão e nos dons para o
exercício da profissão – pela tabela abaixo 36,6% dos respondentes acredita que a
profissão é um sacerdócio pois exige dedicação e amor aos alunos -, predomina a ideia
de merecimento em função da formação docente, ou seja, do esforço despendido na
formação acadêmica e continuada dos professores. Muito embora ¾ acreditem que o
trabalho do professor deva ser um dos mais bem remunerados, pouco menos da metade
dos pesquisados concorda completamente que o meio para se obter melhores salários

                                                                                                                       
3
Os dados aqui analisados resultam da pesquisa intitulada “Condições de trabalho e relações de classe dos
docentes da rede básica de ensino no município de Guarulhos-SP” do GEPECSO (2014).

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Patrícia Vieira Trópia  

seja o estudo. Neste sentido, ainda que 45,7% concordem completamente que o estudo
seja um meio para obter melhores salários, 75,4% dos pesquisados desejam que seu
trabalho – como professores – seja um dos mais bem remunerados, evidenciando uma
representação sobre a profissão que contrasta real e ideal. Quando indagados sobre
“qual seria o salário ideal para um professor efetivo com carga completa” as respostas
indicam uma média salarial de aproximadamente R$6.000,00, em contraste com a renda
real média recebida por eles, que é de R$2.323,00.
A escola é vista como lugar de formação da cidadania, de redução das
desigualdades sociais e, em menor grau, como instituição promotora do
desenvolvimento econômico e social. Ou seja, a escola e a educação têm uma relevância
social e uma função política clara para os pesquisados, ainda que a crença na relação
entre educação e desenvolvimento econômico seja partilhada por 32,9%. É possível
levantar algumas hipóteses: a crítica aos fundamentos das políticas educacionais que
vinculam de forma mecânica educação e desenvolvimento econômico ou que concebem

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a educação como capital humano teria um impacto entre os pesquisados e poderia
explicar tal reticência.

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“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

Tabela 1. Opinião dos docentes sobre educação


Discordo Não Concordo
Discordo com concordo com Concordo
Total
totalmente algumas nem algumas plenamente
ressalvas discordo ressalvas
A função da
escola é formar 0,3 5,6 0,5 41,6 51,9 100,0
para a cidadania
O estudo é um
meio para obter
2,4 5,7 2,3 43,9 45,7 100,0
melhores
empregos salário
A educação é
instrumento de
1,8 4,9 3,7 45,7 44,0 100,0
redução
desigualdades
A escola é a
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principal
instituição
promotora do 3,9 11,1 3,5 48,6 32,9 100,0
desenvolvimento
social e
econômico
A docência é um
sacerdócio e exige
11,4 11,6 5,4 35,0 36,6 100,0
dedicação e amor
aos alunos
A paixão pela
profissão deve
29,8 17,2 7,0 27,5 18,4 100,0
estar acima das
questões salariais
O trabalho do
professor deve ser
um dos mais bem 1,2 2,8 1,4 19,2 75,4 100,0
pagos por conta da
formação exigida
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

Além de se “sentirem” sub posicionados na hierarquia salarial e de não


receberem o merecimento salarial devido, chama a atenção o que denominaremos de
simetria salarial ou salário relacional, definido por Boito Jr. como “a defesa não só do
poder aquisitivo do salário, mas também da posição relativa que o salário de uma
determinada profissão 'deve ocupar' na 'escala social das profissões' conhecida pelo
meritocratismo” (2004, p.228). A pesquisa realizada com os docentes da rede pública
evidencia a defesa de um poder aquisitivo salarial superior, como vimos alguns

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parágrafos acima, todavia se trata de uma superioridade não a quaisquer atividades ou


profissões, mas àquelas identificadas como tipicamente manuais e sem prestígio na
escala social.
Ao se tomar o posicionamento dos pesquisados relativamente a certas profissões,
observa-se que a maioria acredita que deveria perceber os mesmos salários que
policiais, professores universitários, médicos, engenheiros e diretores de escola (tabela
2). Provavelmente porque parte destes profissionais sejam também servidores públicos,
ou porque realizem atividades consideradas relevantes socialmente ou ainda porque
exigem formação superior, os pesquisados aspiram o mesmo patamar salarial das
profissões qualificadas acima mencionadas. Por sua vez, quase metade dos pesquisados,
ou seja 47,8%, acredita que deveria receber os mesmos salários que juízes.
Embora se posicionem pela equidade salarial, parece-nos algo sintomático que
os pesquisados se identifiquem justamente com aquelas profissões reconhecidas
profissional e socialmente.

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Por sua vez 28,4% acredita que deveria receber um salário menor do que juízes,
24% do que os diretores de escola, 23,6% relativamente a médicos e 21,4% aos
professores universitários.
Finalmente, a maioria afirma que deveria receber salários maiores relativamente
a lixeiros, balconistas, empregadas domésticas, políticos e operários de fábrica, ou seja
atividades manuais, com menor prestígio social, escolaridade e formação educacional –
revelando mais um indício de aspirações meritocráticas.

Tabela 2. Opinião dos pesquisados relativamente ao padrão salarial de outras profissões


universitário
Operário de
Empregada

Engenheiro
Balconista

Diretor de
doméstica
Professor
Político

Policial

Médico
Lixeiro

fábrica

escola
Juiz

Maior 55,1 35,7 69,5 74,5 73,0 23,2 69,8 23,2 23,7 21,9 22,4
Igual 33,8 61,6 17,2 8,0 11,5 55,4 16,3 53,2 47,8 61,5 53,6
Meno
11,1 2,7 13,2 17,4 15,4 21,4 13,9 23,6 28,4 16,6 24,0
r
100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100,
Total
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

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“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

A tabela abaixo evidencia que 48,7% dos pesquisados acredita que a


escolaridade influencia muito o padrão salarial futuro; somados aos que acreditam
totalmente nesta causalidade, chegamos a 75,7% do total, ou seja mais de ¾.

Tabela 3. Opinião sobre o grau de influência entre escolaridade e o padrão salarial


Influência %
Nenhuma 2,1
Pouca 3,4
Razoável 18,9
Muita 48,7
Totalmente 27,0
Total 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).
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No entendimento das representações construídas pelos docentes pesquisados,


algo relevante é a forma como a imagem socialmente construída é interpretada por eles.
Neste sentido indagou-se qual seria o “lugar de prestígio” de sua profissão entre
familiares, alunos, familiares dos alunos, no bairro da escola, entre os trabalhadores em
formação superior ou entre outras profissões com formação superior. Trata-se de
identificar qual a imagem construída pelos pesquisados acerca do prestígio social
conferido ou não à profissão docente.

Tabela 4. Prestígio da profissão docente segundo segmentos sociais


Família Trabalhadores
Família Bairro Trabalhadores
de Alunos com formação
alunos escola sem formação
origem superior
Muito
4,9 13,5 15,2 12,0 9,9 22,9
baixo
Baixo 7,6 25,1 27,4 25,4 21,0 31,3
Razoável 37,4 40,5 41,9 49,2 43,1 33,3
Alto 37,3 17,7 13,6 11,3 23,8 10,2
Muito
12,8 3,2 1,8 2,1 2,3 2,3
alto
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

O primeiro aspecto que chama a atenção nos dados encontrados é que o prestígio
da profissão docente não seria “muito alto” para nenhum dos segmentos sociais
considerados. Apenas quando tomada a família de origem dos docentes é que o

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prestígio da profissão docente seria majoritariamente considerado “de alto a muito alto”
(50,1%) – o que pode revelar que a posição de classe ocupada pelo docente é superior à
sua origem de classe. Excluída a relação entre origem social e posição social, nota-se
que para alunos, familiares dos alunos, entorno da escola, os trabalhadores sem ou com
formação, o prestígio docente seria, na visão dos pesquisados, seria predominante
“baixo e muito baixo”.
Tomando-se como indicador o prestígio que os docentes teriam entre “alunos” e
“as famílias dos alunos”, verifica-se um percentual de 65% e 70% respectivamente que
o consideram entre “baixo à razoável”. No que diz respeito aos moradores do bairro
onde se situam as escolas, o prestígio da profissão docente seria “razoável” para quase a
metade dos pesquisados; a maioria das respostas concentra-se entre as variáveis “entre
baixo e razoável” prestígio, totalizando ¾ do total.
O prestígio parece ser mais baixo tanto maior é o nível de formação considerado
posto que, tomando-se os trabalhadores com formação superior, o prestígio da profissão

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docente seria “muito baixo” para 22,9%, “muito baixo e baixo” para 54,2% e “razoável,
muito baixo e baixo” para 87,5% do total.
O prestígio da profissão docente é inversamente proporcional ao nível de
formação do trabalhador considerado; o que nos coloca diante de um “jogo de
representações”.
Os docentes pesquisados reconhecem que deveriam ser uma das profissões mais
bem pagas, embora não o sejam. Reconhecem que deveriam receber uma remuneração
superior aos demais trabalhadores que executam funções manuais (lixeiro, operário de
fábrica, balconista, por exemplo). Mas, ao mesmo tempo em que demandam prestígio e
valorização da profissão, buscando retirar fundamento de prestígio do empréstimo da
relevância social da função que cumprem na sociedade (MILLS, 1969), reconhecem que
este prestígio não é alto, nem muito alto, sobretudo quando consideram os demais
trabalhadores com formação superior.
A opinião dos pesquisados sobre uma série de concepções, programas e ações
políticas educacionais nos ajudam a entender de forma mais minuciosa suas
representações.
O princípio da “Escola pública, gratuita e universal” é defendido (em parte ou
plenamente) por 85,1% do total dos pesquisados, enquanto 60,2% discordam totalmente
da “privatização das escolas públicas”. A polarização público e privado parece em
princípio definitiva, quando são tomadas estas duas variáveis. Mas uma análise mais

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“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

atenta sugere contradições na opinião dos pesquisados em relação ao caráter público da


educação e a possibilidade de transferência de recursos públicos para a iniciativa
privada. Vejamos.
Enquanto 52,2% afirmam “concordar plenamente” com o REUNI (Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), política de
reestruturação e ampliação da oferta de vagas nas universidades públicas federais
brasileiras – consequente com o ideal de universidade pública e gratuita -, 45,7% são
favoráveis ao FIES (Fundo de Investimento do Ensino Superior), voltado ao
financiamento da educação superior, e 47,2% ao PROUNI (Programa Universidade para
Todos), que oferece vagas nas instituições de ensino superior privadas financiadas com
recursos públicos. Se, no plano abstrato dos princípios políticos, trata-se de uma
contradição, no plano histórico e concreto esta ambiguidade pode ser entendida posto
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que o público alvo do PROUNI são alunos oriundos de escolas públicas. Ademais, outra
plausível hipótese explicativa desta concessão, é o fato de que os professores que não
estão em regime integral na rede pública de Guarulhos podem complementar sua
jornada em outras escolas públicas mas também em escolas particulares. Por fim, o
caráter historicamente seletivo do ensino superior público brasileiro,
predominantemente ocupado por alunos oriundos de escolas particulares, pode ter um
peso importante na opinião dos pesquisados na medida em que a condição de acesso aos
alunos oriundos das redes públicas estadual e municipal em IES particulares é a
existência de financiamento público (como o FIES) ou de programas como o PROUNI.

37  
 
Patrícia Vieira Trópia  

Tabela 5. Opinião dos pesquisados sobre algumas políticas educacionais


Discordo Não Concordo
Discordo com concordo com Concordo
Total
totalmente algumas nem algumas plenamente
ressalvas discordo ressalvas
REUNI 3,8 4,8 6,1 33,0 52,2 100,0
Escola universal,
2,2 7,4 5,3 35,3 49,8 100,0
pública e gratuita
PROUNI 3,4 5,4 5,4 38,5 47,2 100,0
FIES 4,2 5,6 8,8 35,7 45,7 100,0
SISU-ENEM 6,0 8,0 5,4 41,8 38,9 100,0
VESTIBULAR 10,8 9,0 6,5 38,6 35,0 100,0
Cotas escolas
20,1 10,6 7,5 34,7 27,2 100,0
públicas
Cotas raciais 32,4 11,0 10,7 29,1 16,8 100,0
Avaliação do
16,8 13,5 12,4 42,5 14,8 100,0
ensino pelo IDEB
Prova mérito
como critério para

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37,8 12,1 6,9 30,6 12,7 100,0
progressão na
carreira docente
Bolsa Família 40,5 15,6 7,6 25,8 10,5 100,0
Bônus em função
da nota das
avaliações 47,5 13,4 7,4 22,9 8,8 100,0
externas (IDESP,
SARESP)
Privatização das
60,2 13,7 7,8 14,4 3,8 100,0
escolas públicas
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

Em relação aos processos seletivos (vestibular, SISU-Enem) bem como às


políticas afirmativas (Cotas raciais e cotas para alunos oriundos de escolas públicas),
nota-se que a maioria dos pesquisados concorda “plenamente” ou “com algumas
ressalvas” com o vestibular (73,6%) e com o SISU-Enem (80,7%), processos seletivos
que, malgrado diferenças, constituem formas de certificação de mérito para aceder ao
ensino superior. Por sua vez, a maioria relativa concorda “plenamente” ou “com
algumas ressalvas” com as cotas raciais (45,9%) enquanto a maioria absoluta concorda
“plenamente” ou “com ressalvas” com as cotas para alunos provenientes de escolas
públicas (61,9%).
Embora 6,2 em cada 10 pesquisados concorde “plenamente” ou “com algumas
ressalvas” com as cotas para alunos provenientes de escolas públicas, quando

38  
 
“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

consideramos os processos seletivos meritocráticos a proporção é maior ainda: 7,3 em


cada 10 pesquisados concorda “plenamente” ou “com algumas ressalvas” com o
vestibular e 8,1 em cada 10 com o SISU-Enem. Evidencia-se assim uma “tensão” entre
os que defendem processos seletivos meritocráticos e processos seletivos resultantes de
ações afirmativas, que no limite contradizem a ideia de mérito, com maior peso para
aquele.
Ainda que concordem “plenamente” ou “com algumas ressalvas” com as cotas
raciais (45,9%) e com as cotas para alunos provenientes de escolas públicas (61,9%),
apenas 36,3% dos pesquisados concordem “plenamente” ou “com algumas ressalvas”
com o Programa Bolsa Família. Predomina em relação a este programa de renda
mínima, uma opinião discordante “plenamente” ou “com algumas ressalvas” - 56,1%
total4. Esta opinião majoritariamente discordante com o Bolsa Família deve ser
REVISTA DE CULTURA POLÍTICA

entendida dentro do contexto brasileiro recente, marcado pelo predomínio de uma visão
liberal avessa à noção de direitos de cidadania e sustentada na ideia de filantropia. É
construído e difundido pela mídia um discurso “despolitizado, privatizado e
refilantropizado” (YASBEK, 2004, p.3) sobre os direitos sociais. Tornou-se linguagem
comum, difundida evidentemente pelos meios midiáticos, o chamado “efeito-preguiça”.
A parte da população que estaria “recebendo numerário é comumente classificada como
esmola ou assistencialismo, e teria como consequência uma acomodação dos
beneficiários em relação ao trabalho, o chamado 'efeito-preguiça'” (CASTRO et alli.,
2009, p.337). Ao analisar algumas matérias jornalísticas, Castro et alli (2009) mostram
que a rejeição ao Bolsa Família teria origem em três ideias enviesadas: alguns não
concordariam com as políticas de repasse de dinheiro a pessoas – partindo do princípio
de que não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar -, outros porque o dinheiro público
estaria sendo desviado por fraudes na inclusão indevida de pessoas e outros ainda
porque o programa acabaria incentivando a natalidade para perpetuar o benefício
(CASTRO et alli., 2009). Nossa pesquisa não procurou captar as razões ao apoio ou à
rejeição ao Programa Bolsa Família. Todavia, é possível supor que, mesmo sendo
também beneficiários de recursos estatais na medida em que são servidores, inclusive de
benefícios previdenciários especiais, os pesquisados seriam impactados pelo “efeito-

                                                                                                                       
4
O Bolsa Família, criado em 2003, é um programa que visa promover o alívio imediato da pobreza
através da transferência direta de renda.

39  
 
Patrícia Vieira Trópia  

preguiça” ou seja pela ideia de que apenas os trabalhadores podem em algum momento
receber benefícios públicos regulares ou especiais.
Identificam-se também opiniões divergentes em relação a alguns critérios de
progressão na carreira. “Discordam totalmente” ou “discordam com ressalvas” da
utilização dos resultados de provas de mérito para progressão na carreira docente 50%
dos pesquisados, enquanto 43,2% concordam total ou parcialmente com a utilização
deste critério para progressão na carreira docente. “Discordam totalmente” ou
“discordam com ressalvas” da concessão de bônus em função da nota das avaliações
externas (IDESP e SARESP) 60,9% deles, enquanto 31,8% que concordam
“totalmente” ou “com ressalvas” com a concessão de bônus em função do resultado
com as avaliações externas realizadas pelos alunos. Embora “concordam totalmente” ou
“concordam com ressalvas” com a avaliação do ensino pelo IDEB (Índice de
desenvolvimento da Educação Básica), mensurado a partir de uma combinação de
avaliação escolar e de avaliação externa5, 57,3% do total dos professores pesquisados

CRÍTICA E SOCIEDADE
não endossam que o resultado das avaliações externas (IDESP e SARESP) constituam
critério de bonificação ou progressão na carreira6.
Indagados sobre a importância de alguns critérios classificatórios de classe, os
pesquisados acreditam que bens culturais, propriedade, escolaridade e status da
profissão, nesta ordem, seriam os fatores mais importantes na diferenciação dos
indivíduos em classes. Teria, na opinião deles, menor importância poder e autoridade,
como se pode verificar na tabela 6.

Tabela 6. Opinião dos pesquisados sobre diferenciação dos indivíduos em classe

Status e Poder Bens Bens


Propriedade Escolaridade
profissão autoridade consumo culturais
Nenhuma 13,2 16,9 12,6 9,4 12,5 8,6
Pouca 9,9 14,2 9,6 8,1 10,2 8,4
Razoável 23,1 25,5 21,0 27,6 26,9 24,7
Muita 38,5 30,5 37,1 36,3 34,5 37,9
Totalmente 15,3 13,0 19,7 18,6 15,9 20,5
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

                                                                                                                       
5
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado pelo Inep em 2007. É calculado a
partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho nas
avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os
municípios.
6
Para uma análise mais sistemática destes dados ver o artigo de Débora Goulart neste dossiê.

40  
 
“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

A opinião propriamente política bem como as práticas político-ideológicas dos


pesquisados serão, a seguir, analisadas. Retomando as concepções de “representação” e
“ideologia” discutidas anteriormente, bem como a relação entre concepção e prática,
procurou-se analisar a atuação política dos pesquisados. A maioria absoluta, 95%, não é
filiada a partidos políticos, 96% não atua em movimentos sociais e 94% nem em ONGs.
Do total, 32,6% participa em entidades religiosas.
Em pesquisas realizadas em congressos sindicais, Galvão, Marcelino e Trópia
(2015) mostraram que a filiação partidária dos e das militantes sindicais é, nos casos da
Conlutas, Intersindical e CTB (Central dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil),
superior a 50%. No caso da Conlutas 58,4% dos pesquisados eram filiados a partidos
políticos, 58,5% dos pesquisados da Intersindical eram filiados e na CTB este
percentual era de 82,5%.
REVISTA DE CULTURA POLÍTICA

O percentual de filiados a partidos políticos, 5% do total dos professores,


aproxima-se todavia mais do perfil da população brasileira que é filiada a partidos
políticos. Segundo dados do IBGE, do total da população brasileira, 202.768.562, pouco
mais de 15 milhões eram filiados a partidos políticos (15.329.230) - o que representa
7,5%.
Se a filiação partidária e a atuação em movimentos sociais é uma realidade de
5% dos pesquisados apenas, a inserção no sindicalismo atrai mais da metade deles.
Entre os pesquisados, 51,5% são filiados a sindicatos, contra 48,5%. Entre os
sindicalizados, 58,6% consideram o sindicato uma importante ferramenta de ação
política dos trabalhadores; 44,4% consideram o sindicato um instrumento de luta válido
para a obtenção de melhores salários e condições de trabalho para a categoria docente;
30,7% afirmaram ter interesse em usufruir dos serviços oferecidos aos sócios (como
assistência médica, odontológica, jurídica etc.); 19,3% afirmaram querer usufruir da
estrutura de lazer e recreação oferecida aos sócios (clubes de campo, colônia de férias,
festas etc.); 3% aprovam a política da atual diretoria do sindicato.
Embora 5,8 a cada 10 pesquisados acreditam no sindicato como ferramenta de
ação política e 4,4 em cada 10 como instrumento de luta salarial e por melhores
condições de trabalho, a participação efetiva no sindicalismo é uma prática menos
recorrente. De tal modo que, indagados sobre o tipo de atividade que participam e dos
serviços sindicais que usufruem, 27,7% dos pesquisados afirmaram participar de
atividades políticas, tais como assembleias, debates, manifestações etc., 16,7%

41  
 
Patrícia Vieira Trópia  

usufruem de serviços assistenciais, tais como atendimento médico, odontológico,


jurídico e 13,1% usufruem de serviços de lazer e recreação oferecidos pelo sindicato.
Em contrapartida, o grau de envolvimento político dos pesquisados
sindicalizados com a sua entidade é inexistente para 26,8% dos respondentes, pequeno
na opinião de 40,5% e razoável para 26,8% deles. Neste sentido, embora nossa pesquisa
revele uma significativa porcentagem de filiados ao sindicato, os quais concebem-no
como uma importante ferramenta de luta política, a participação efetiva deles nas
atividades propriamente políticas é pequena (pouco mais de ¼ afirmou participar das
atividades políticas).
Entre os não filiados ao sindicato (48,5% do total), 3% afirmou não ser
sindicalizado em razão de seu atual vínculo de trabalho não permitir, 33,3% porque não
tem interesse pela política sindical, 26,8% não aprova a política da atual diretoria do
sindicato, 20,2% não confia em dirigentes sindicais e 24,3% não considera o
sindicalismo um instrumento de luta eficiente. Neste sentido, parece ser consciente a

CRÍTICA E SOCIEDADE
opção dos não filiados de não participar do movimento sindical: seja porque não se
interessam, seja porque se opõem aos dirigentes ou, finalmente, porque não consideram
o sindicalismo um instrumento de luta eficiente.
Do total dos pesquisados, apenas ¼ havia aderido a alguma greve da categoria.
Dentre os que haviam aderido a alguma greve, 32,6% aderiram à última paralisação.
Dentre os que haviam aderido à última greve, embora 25,5% não tenham participado
das mobilizações, 58% compareceram às manifestações e/ou reuniões deliberativas
(assembleia, mobilização, marcha, passeata etc.), enquanto 13,4% participaram
ativamente da organização (comando de greve, comissões etc.) (Tabela 7).

Tabela 7. Tipo de participação na última greve


%
Não participei das mobilizações 25,2
Compareci somente nas manifestações e/ou reuniões deliberativas
58,0
(assembleia, mobilização, marcha, passeata etc.)
Participei ativamente da organização (comando de greve, comissões etc.) 13,4
Outro 3,2
Total 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

42  
 
“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

Entre os que não aderiram à greve, 67,3% do total, 40,1% afirmou não ter
participado por discordar da convocação, 15,9% porque tinha um vínculo de trabalho
temporário e 44% por outros motivos.
Solicitados a opinar sobre a greve como instrumento de luta dos professores, os
pesquisados discordam totalmente ou com ressalvas que a greve seja inadequada para
professores (69%) ou ainda que prejudique alunos (74,7%) ou que a maioria dos
professores fiquem em suas casas (53,7%).
Por sua vez, 64,9% concorda total ou com ressalvas que a greve seja o mais
adequado instrumento de luta para a conquista das reivindicações da categoria; 54,1%
acredita que a greve seja legítima muito embora existam outros instrumentos mais
eficazes.
REVISTA DE CULTURA POLÍTICA

Tabela 8. Opinião dos pesquisados sobre greve


algumas ressalvas

algumas ressalvas
Concordo com
Discordo com

Não concordo
nem discordo

plenamente
totalmente

Concordo
Discordo

Total
A greve é um instrumento de luta
inadequado, pois somente prejudica 55,0 19,6 8,6 13,8 2,9 100,0
os alunos
A greve é um instrumento de luta
inadequado, pois a maioria dos 26,9 26,7 10,6 26,0 9,7 100,0
professores fica em casa
A greve é um instrumento de luta
legítimo, mas há outros instrumentos 10,9 20,7 14,3 38,3 15,7 100,0
de luta mais eficazes
A greve é um instrumento de luta
49,3 19,7 10,5 12,7 7,7 100,0
legítimo, mas não para os professores
A greve é um instrumento de luta
adequado, mas não logra pressionar o 25,7 19,8 15,3 29,1 10,1 100,0
governo e/ou patrões
A greve é o instrumento de luta mais
adequado para a obtenção de 9,0 13,7 12,3 39,4 25,5 100,0
conquistas para a categoria docente
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa do GEPECSO (2014).

Neste sentido, entre os pesquisados predomina uma visão da greve como


instrumento de luta legítimo, malgrado dificuldades existentes.

43  
 
Patrícia Vieira Trópia  

Ademais, as principais reivindicações do movimento docente (tais como


aumento salarial, por melhores condições de trabalho, fim das contratações precárias,
remuneração para realizar atividades de formação e preparação de aulas, mais
investimento público em educação) são consideradas importantes para a maioria
absoluta dos professores7.
A maioria dos pesquisados concordam com as principais demandas e
reivindicações do movimento sindical, embora pouco mais da metade seja filiado ao
sindicato. Mesmo entre os filiados não há efetiva participação no sindicalismo, nem
envolvimento nas greves, embora a greve seja para a maioria um instrumento de luta
legítimo.

Considerações finais
Os processos de precarização, flexibilização das relações de trabalho e
adoecimento no trabalho vem afetando de forma crescente os professores em geral e da

CRÍTICA E SOCIEDADE
educação básica em particular. Os professores da rede pública de Guarulhos não estão
imunes a este processo, como mostra a pesquisa analisada coletivamente neste dossiê.
As reações a este processo, por muitos denominado de proletarização, exigem todavia,
acuidade analítica, posto que não resultam, embora o sindicalismo docente seja
reivindicativo e ativo desde pelo menos os anos de 1980, em fusão com o sindicalismo
proletário.
O sindicalismo docente pode ser caracterizado por um sindicalismo
meritocrático, que defende o salário relacional e advoga, em função de supostos dons e
méritos, uma posição superior na hierarquia social, no mercado de trabalho, no rol das
profissões, por exemplo, secretando a ideologia da não igualização socioeconômica
entre trabalhadores manuais e não-manuais (SAES, 1985).
A análise aqui empreendida buscou compreender as representações como
ideologias, ou seja, como visões de mundo, concepções que iludem (posto que
mascaram relações sociais) e aludem ao real.

                                                                                                                       
7
Mais de ¾ dos pesquisados opinaram que aumento salarial é uma reivindicação muito importante para a
categoria; 81,2% opinou que reivindicar melhores condições de trabalho é importante para a categoria;
68,1% acredita que reivindicar o fim das contratações precárias é muito importante para a categoria;
71,1% acredita que reivindicar remuneração para atividades de formação e preparação das aulas é muito
importante para a categoria; 78,9% acredita que reivindicar mais investimento público para a educação é
muito importante para a categoria.

44  
 
“O Mundo como Representação”: ideologias no meio docente

Nossa análise evidencia que os docentes pesquisados são fortemente


impregnados pela ideia de merecimento em função da formação docente, ou seja, do
esforço despendido na formação acadêmica e continuada dos professores. Por este
motivo aspiram por prestígio e mesmas condições salariais dos trabalhadores não-
manuais, profissionais liberais, muito embora não sejam socialmente valorizados –
exceto pela família de origem.
A ideologia da meritocracia não os impede de apoiar e participar do movimento
sindical, nem de apoiar suas principais reivindicações (salário, condições de trabalho,
fim das contratações precárias, remuneração para realizar atividades de formação e
preparação de aulas, mais investimento público em educação), muito embora tal
participação seja ativa e efetiva nas greves e mobilizações da categoria para uma
pequena parte dos pesquisados.
REVISTA DE CULTURA POLÍTICA

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