Você está na página 1de 8

14

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento


ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

O USO DE FITOTERÁPICOS NO TRATAMENTO DA OBESIDADE


1
Caroline Nunes do Prado ,
1
Dayse Regina de Jesus Neves ,
1
Helena Dias de Souza ,
1,2
Francisco Navarro

RESUMO

Introdução: A fitoterapia clássica está presente ABSTRACT


há muito tempo no tratamento da obesidade,
porém é necessário ao profissional de saúde o Phytotherapic use in the treatment of obesity
respaldo científico para orientação deste
tratamento. Objetivo: Realizar uma revisão de Introduction: Phytotherapy fever is present for
literatura sobre os fitoterápicos, seu uso no a long time in the treatment of obesity, but it is
tratamento da obesidade e sua relação com a necessary to the health professional to guide
prática do profissional nutricionista. Revisão da the scientific basis of this treatment. Objective:
Literatura: A estratégia terapêutica da To review the literature on herbal remedies,
obesidade tem sofrido profundas modificações their use in treating obesity and its relation to
nos últimos anos. O tratamento nutricional the practice of professional nutritionist.
atualmente recomendado baseia-se mais em Literature Review: The therapeutic strategy of
um planejamento de reeducação alimentar do obesity has undergone profound changes in
que nas dietas tradicionais, que recent years. The nutritional treatment
freqüentemente fracassavam em manter a currently recommended is based more on
perda de peso. Enfatiza-se cada vez mais a planning nutritional education than in
importância da atividade física, com uma traditional diets, which often failed to maintain
intensidade que deve variar de acordo com a weight loss. Emphasis is increasingly the
aptidão física de cada indivíduo. As técnicas importance of physical activity, with an
de terapia cognitivo-comportamental foram intensity that should vary with the physical
consideravelmente aperfeiçoadas, contribuin- fitness of each individual. The techniques of
do hoje de forma mais efetiva para a mudança cognitive-behavioral therapy were significantly
dos hábitos de vida do paciente obeso. A improved, contributing today more effectively
pertinência e a importância do uso da to the changing lifestyle of the obese patient.
fitoterapia por esse profissional se dá pela The relevance and importance of the use of
grande interface com a nutrição, comprovada herbal medicine by the professional is by the
pelos crescentes estudos das propriedades great interface with nutrition, as evidenced by
funcionais tanto na área das espécies vegetais increased number of studies of the functional
como na de alimentos. Conclusão: Verificou-se properties both in the area of the plant species
pelos estudos realizados com fitoterápicos, in food. Conclusion: It was found by studies of
que os resultados obtidos na redução de peso herbal medicines, which results in weight
foram satisfatórios, existindo poucos trabalhos reduction was satisfactory, although little work
contrários. Mas o tema ainda é bastante contrary. But the issue is still controversial,
controverso, necessitando de muita pesquisa requiring much research on prescription form,
sobre forma de prescrição, de utilização, use, toxicity, efficacy, and others.
toxicidade, eficácia, entre outros.
Key words: Obesity, Herbal Medicines,
Palavras-chave: Obesidade, Fitoterápicos, Fitoterapia, Nutrition.
Fitoterapia, Nutrição.

1-Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da E-mail:


Universidade Gama Filho - Obesidade e linenunes1@yahoo.com.br
emagrecimento dayseneves@yahoo.com.br
2-Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino em helenadiassouza@yahoo.com.br
Fisiologia do Exercício

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
15
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

INTRODUÇÃO proporcionalmente mais mulheres (38%) do


que homens (27%). O problema é grave em
Nos últimos anos o aumento da todas as faixas de renda e em todas as
obesidade tem despertado grande interesse e regiões, sendo que a situação é mais crítica
ocupado um lugar importante na literatura na região sul do país (Monego e Colaborado-
científica, sendo considerado um desafio para res, 1996).
os profissionais da área, o sucesso do Ainda de acordo com Monego e
tratamento e sua manutenção. Com o grande Colaboradores (1996), sendo a obesidade
número de pessoas obesas a procura por uma doença de origem multicausal, o enfoque
tratamentos e soluções tem sido exaustiva. para corrigi-la deve ser multidisciplinar. Para o
Existem muitas ofertas com promessas de seu tratamento são comumente empregados a
bons resultados, porém as pesquisas afirmam dietoterapia, o exercício físico, a modificação
que o padrão ouro de tratamento, é a no comportamento alimentar, a psicoterapia e,
associação de um plano nutricional com eventualmente, drogas anorexígenas. Mesmo
atividade física, provocando um maior gasto com variadas opções terapêuticas, o sucesso
de energia. na perda de peso, freqüentemente, é difícil de
Embora novas e muitas pesquisas ser alcançado e/ou mantido.
demonstrem várias técnicas de tratamento,
ainda existe a busca de muitos profissionais Conceito de fitoterápicos
para facilitar a adaptação e continuidade dos De acordo com a legislação em vigor
indivíduos ao tratamento escolhido. no país, entende-se como fitoterápico “aquele
O consumo de fitoterápicos medicamento obtido empregando-se exclusi-
apresentou um aumento considerável nos vamente matérias-primas vegetais. E caracte-
últimos anos, tanto nos países desenvolvidos rizado pelo conhecimento da eficácia e dos
quanto nos países em desenvolvimento. riscos do seu uso, assim como pela reprodu-
A fitoterapia, como medicina tibilidade e constância de sua qualidade. Sua
alternativa ou complementar, é um fenômeno eficácia e segurança são validadas através de
social no mundo atual, caracterizado pelas levantamentos etnofarmacológicos de utiliza-
suas interrelações biológicas, sociais, culturais ção, documentações tecnocientíficas em publi-
e econômicas, estando a fitoterapia clássica cações ou ensaios clínicos fase 3” (Brasil,
presente há muito tempo no tratamento da 2004).
obesidade, porém sendo necessário ao Segundo o Ministério da Saúde, não
profissional de saúde o respaldo científico se considera medicamento fitoterápico aquele
para orientação deste tratamento. que, na sua composição, inclua substâncias
Assim, o presente estudo tem como ativas isoladas, de qualquer origem, nem as
objetivo realizar uma revisão de literatura associações delas com extratos vegetais
sobre os fitoterápicos, seu uso no tratamento (Lima Júnior e Souza, 2005).
da obesidade e sua relação com a prática do No Brasil, o principal órgão
profissional nutricionista. responsável pela regulamentação de plantas
medicinais e seus derivados é a Agência
REVISÃO DE LITERATURA Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
autarquia do Ministério da Saúde que tem
Conceito de obesidade como papel proteger e promover a saúde da
A obesidade é uma condição definida população garantindo a segurança sanitária de
pela presença de quantidades excessivas de produtos e serviços e participando da
tecido adiposo e peso acima de 20% do ideal, construção de seu acesso (Carvalho e
segundo padrão de referência, não se Colaboradores, 2008).
conhecendo o ponto de corte capaz de Carvalho e Colaboradores (2008), com
detectar aumento de risco para a saúde. base na lista de espécies vegetais com
Segundo dados da Pesquisa Nacional sobre derivados registrados na ANVISA, obtiveram a
Saúde e Nutrição/IBGE, cerca de 32% de Tabela 1 a seguir, que disponibiliza todas as
adultos brasileiros apresentam algum grau de espécies vegetais registradas como
excesso de peso, sendo 24,6% com fitoterápicos simples, distribuídas de acordo
sobrepeso e 8,3% apresentando obesidade. com sua classificação terapêutica.
Tanto o sobrepeso quanto a obesidade afetam

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
16
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

Tabela 1 - Classificação de acordo com a principal categoria terapêutica comprovada no registro da


ANVISA.
Categoria terapêutica Nomenclatura botânica
Analgésicos contra enxaqueca Tanacetum parthenium
Analgésicos Salix alba
Andrógeno Tribulus terrestris
Ansiolíticos simples Valeriana officinalis, Piper methysticum,
Passiflora incarnata, Melissa
officinalis, Matricaria recutita
Antiagregante plaquetário Ginkgo biloba
Antialérgicos Glycyrrhiza glabra, Petasites hybridus
Antiarrítmico Crataegus oxyacantha
Antidepressivos Hypericum perforatum
Antieméticos e antinauseantes Zingiber officinale
Antiespasmódico Atropa belladonna, Fumaria officinalis, Matricaria
recutita, Melissa
officinalis, Mentha piperita, Papaver somniferum,
Peumus boldus
Anti-hemorroidários (tópico) Hamamelis virginiana
Antilipêmicos Allium sativum, Oryza sativa
Antiinflamatórios (oral) Borago officinalis, Boswellia serrata, Cassia
occidentalis, Harpagophytum
procumbens, Oenothera biennis, Uncaria
tomentosa
Antiinflamatórios (tópico) Calendula officinalis, Capsicum annum, Cordia
verbenacea, Matricaria
recutita, Uncaria tomentosa
Antiparasitários Mentha crispa
Anti-sépticos urinários simples Arctostaphylus uva-ursi
Antiulcerosos Maytenus ilicifolia
Antivaricosos de ação sistêmica, inclusive Aesculus hippocastanum, Hamamelis virginiana,
anti-hemorroidário Melilotus officinalis, Ruscus
Aculeatus
Antivertiginoso Ginkgo biloba
Cicatrizante (tópico) Aloe vera, Calendula officinalis, Stryphnodendron
barbatiman
Climatério (coadjuvante no alívio dos Cimicifuga racemosa, Glycine max, Trifolium
sintomas) pratense
Colagogos e coleréticos Peumus boldus, Cynara scolymus, Rosmarinus
officinalis
Demulcentes e outros medicamentos de Malva sylvestris
uso oral p/ tratamento da orofaringe
Diuréticos Equisetum arvense, Orthosiphon stamineus
Expectorantes Ananas comosus, Eucalyptus globulus, Hedera
helix, Mentha piperita,
Mikania glomerata, Sambucus nigra
Imunomodulador Echinacea purpúrea
Colagogo, colerético e hepatoprotetor Silybum marianum
Iodoterapia Fucus vesiculosus
Laxante irritantes ou estimulantes Senna alexandrina, Rhamnus purshiana,
Operculina alata
Laxantes incrementadores do bolo Plantago ovata, Plantago psyllium
intestinal

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
17
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

Medicamentos com ação no aparelho Cineraria marítima


visual
Melanizante Brosimum gaudichaudii
Moduladores do apetite e produtos para Garcinia cambogia
dietas especiais
Outros produtos com ação na pele e Arnica montana
mucosas
Outros produtos com ação no trato urinário Pygeum africanum, Serenoa repens
Outros produtos com ação sobre o Centella asiatica,Vaccinium myrtillus, Vitis
aparelho Cardiovascular vinifera
Outros produtos para o aparelho Pelargonium sidoides, Sambucus nigra
respiratório
Outros produtos para uso em ginecologia e Vitex agnus-castus
obstetrícia
Produtos ginecológicos antiinfecciosos Schinus terebenthifolius, Triticum vulgare
tópicos simples
Psicoanalético Paullinia cupana, Rhodiola rosea, Panax ginseng
Vasodilatadores Ginkgo biloba

História da fitoterapia direto com os deuses (Tomazzoni, Negrelle e


A utilização de produtos naturais como Centa, 2006).
recurso terapêutico é tão antiga quanto a Entretanto, segundo Tomazzoni,
civilização humana e, por muito tempo, Negrelle e Centa (2006) foi a partir do século
produtos minerais, vegetais e animais XIX que a fitoterapia teve maior avanço,
constituíram o arsenal terapêutico (Rates, devido ao progresso científico na área da
2001). química, o que permitiu analisar, identificar e
A história do uso de plantas medicinais separar os princípios ativos das plantas.
tem mostrado que elas fazem parte da No Brasil, a história da utilização de
evolução humana e foram os primeiros plantas, no tratamento de doenças, apresenta
recursos terapêuticos utilizados pelos povos. influências da cultura africana, indígena e
As antigas civilizações têm suas próprias européia. A contribuição dos escravos
referências históricas acerca das plantas africanos com a tradição do uso de plantas
medicinais e, muito antes de aparecer medicinais, em nosso país, se deu por meio
qualquer forma de escrita, o homem já das plantas que trouxeram consigo, que eram
utilizava as plantas e, entre estas, algumas utilizadas em rituais religiosos e também por
como alimento e outras como remédio. Nas suas propriedades farmacológicas,
suas experiências com ervas, tiveram empiricamente descobertas. Os índios que
sucessos e fracassos, sendo que, muitas aqui viviam, dispostos em inúmeras tribos,
vezes, estas curavam e em outras matavam utilizavam grande quantidade de plantas
ou produziam efeitos colaterais severos medicinais e, por intermédio dos pajés, este
(Dorta, 1998). conhecimento das ervas locais e seus usos foi
A descoberta humana das transmitido e aprimorado de geração em
propriedades úteis ou nocivas dos vegetais geração. Os primeiros europeus que
tem suas raízes no conhecimento empírico. A chegaram ao Brasil depararam-se com estes
observação do comportamento dos animais e conhecimentos, que foram absorvidos por
a verificação empírica dos efeitos da ingestão aqueles que passaram a viver no país e a
deste ou daquele vegetal no organismo sentir a necessidade de viver do que a
humano teve um importante papel. Encontram- natureza lhes tinha a oferecer, e também pelo
se também descritos relatos lendários relativos contato com os índios que passaram a auxiliá-
a descobertas das propriedades das plantas los como “guias”. Tais fatos fizeram com que
medicinais, muitas vezes atribuídas a uma os europeus ampliassem seu contato com a
intervenção divina, pois seu uso fazia parte de flora medicinal brasileira e a utilizassem para
rituais religiosos, em que lhes eram atribuídos satisfazer suas necessidades alimentares e
poderes de colocar os homens em contato medicamentosas (Lorenzi e Matos citado por
Tomazzoni, Negrelle e Centa, 2006)

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
18
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

Nos países em desenvolvimento, entre ansiedade e a obesidade, algumas vezes em


eles o Brasil, assim como em países um único extrato. O conceito mais perigoso
desenvolvidos, a partir da segunda metade surgido por esta época foi o de que as plantas
dos anos 70 e década de 80, tem-se verificado medicinais não representam quaisquer riscos
o crescimento das “medicinas alternativas” e, para a saúde humana por serem naturais e
entre elas, a fitoterapia (Tomazzoni, Negrelle e terem sido testadas através de séculos de
Centa, 2006). utilização pela população de todo o mundo
Na sua maioria, os fitoterápicos são (Veiga Júnior e Colaboradores, 2005).
produtos de venda livre, estando, portanto, Para Veiga Júnior (2008), a utilização
diretamente ligados à automedicação e de plantas associada aos rituais religiosos nas
orientação farmacêutica (Heckler e crenças populares e a ausência de testes
Colaboradores, 2005). clínicos em humanos que comprovassem as
O mercado mundial de fitoterápicos atividades farmacológicas da maioria dos
movimenta cerca de US$ 22 bilhões por ano. extratos vegetais foram alguns dos principais
Em 2000 o setor faturou US$ 6,6 bilhões nos motivos que levaram ao ceticismo da
EUA e US$ 8,5 bilhões na Europa. No Brasil comunidade médica quanto à prescrição dos
estima-se que o comércio de fitoterápicos seja fitomedicamentos. Somente os medicamentos
da ordem de 5% do mercado total de alopáticos possuíam estudos de
medicamentos, avaliado em mais de US$ 400 farmacocinética, farmacodinâmica e
milhões (Pinto e Colaboradores, 2002). toxicologia e poderiam ser receitados com
No Brasil, os dados obtidos em segurança para os pacientes e médicos.
levantamento realizado pelo Departamento de Atualmente, muitas plantas medicinais
Comércio Exterior demonstraram que, em utilizadas em rituais religiosos possuem
1998, foram exportadas oficialmente 2.842 estudos científicos que comprovam suas
toneladas de plantas medicinais. De 1999 para propriedades farmacológicas e dão sentido às
2000, as vendas de fitoterápicos aumentaram utilizações ritualísticas.
15%, contra 4% dos medicamentos sintéticos É importante levar em conta que os
e já atingem US$ 260 milhões/ano. Paraná, fitoterápicos são em muitos casos misturas
São Paulo, Bahia, Maranhão, Amazonas, Pará complexas de várias plantas das quais se
e Mato Grosso são os maiores exportadores conhece pouco sobre a toxicidade e
de plantas medicinais, principalmente para particularmente sobre o perfil de reações
países como: EUA, Alemanha, Países Baixos, adversas além da dificuldade de distinguir
França, Japão, Portugal, Itália, Coréia do Sul, reações adversas de eventos relacionados à
Reino Unido, Espanha, Suíça e Austrália qualidade do produto fitoterápico, adulteração,
(Tomazzoni, Negrelle e Centa, 2006). contaminação, preparação incorreta ou
Segundo a Organização Mundial de estocagem inadequada e/ou uso inapropriado,
Saúde, 80% da humanidade não têm acesso irracional (Silveira, Bandeira e Arrais, 2008).
ao atendimento primário de saúde, por
estarem muito distantes dos centros de saúde Obesidade e o uso de fitoterápicos
ou por não possuírem recursos para adquirir As plantas medicinais representam
os medicamentos prescritos. Para essa fator de grande importância para a
população, as terapias alternativas são as manutenção das condições de saúde das
principais formas de tratamento, e as plantas pessoas. Além da comprovação da ação
medicinais, os principais medicamentos (Veiga terapêutica de várias plantas utilizadas
Junior, 2008). popularmente, a fitoterapia representa parte
Se a população dos países mais importante da cultura de um povo, sendo
pobres utiliza as plantas medicinais por também parte de um saber utilizado e
tradição e ausência de alternativas difundido pelas populações ao longo de várias
econômicas viáveis, nos países mais gerações. Um programa adequado de
desenvolvidos observa-se um maior uso de fitoterapia deve incorporar um conjunto de
fitomedicamentos influenciado pelos atitudes, valores e crenças que constituem
modismos de consumo de produtos naturais. uma filosofia de vida e não meramente uma
Este modismo favoreceu a difusão das porção de remédios (Tomazzoni, Negrelle e
promessas de cura através das plantas Centa, 2006).
medicinais para males como a impotência, a

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
19
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

A estratégia terapêutica da obesidade De acordo com Coutinho e Cabral


tem sofrido profundas modificações nos (2000), o documento do Consenso Latino-
últimos anos. O tratamento nutricional Americano cita formas de tratamento muito
atualmente recomendado baseia-se mais em utilizadas no nosso meio como não
um planejamento de reeducação alimentar do recomendadas para o tratamento da
que nas dietas tradicionais, que obesidade, pela absoluta falta de evidências
freqüentemente fracassavam em manter a científicas de eficácia. Estão citadas neste
perda de peso. Enfatiza-se cada vez mais a grupo a acupuntura, os cremes para celulite e
importância da atividade física, com uma obesidade, a fitoterapia, a mesoterapia, a
intensidade que deve variar de acordo com a yoga, a hipnoterapia, as fórmulas magistrais
aptidão física de cada indivíduo. As técnicas ditas naturais, os diuréticos e os laxativos.
de terapia cognitivo-comportamental foram
consideravelmente aperfeiçoadas, contribuin- A fitoterapia na prática do nutricionista
do hoje de forma mais efetiva para a mudança A discussão da utilização pelo
dos hábitos de vida do paciente obeso nutricionista das terapias ditas alternativas
(Coutinho e Cabral, 2000). iniciou-se em 2002 com um parecer sobre seis
Ainda de acordo com Coutinho e estratégias complementares: Acupuntura,
Cabral (2000), o uso racional dos agentes anti- Medicina Tradicional Chinesa, Fitoterapia,
obesidade é considerado atualmente um Suplementos Alimentares, Iridologia, Florais e
coadjuvante indispensável para um grande Homeopatia. Em 2005, foi elaborada uma
número de obesos, quando já existe um risco minuta de resolução pelo respectivo grupo de
importante para a saúde. A definição dos trabalho da fitoterapia, justificando a
critérios para sua utilização tem sido uma das importância da prescrição dos fitoterápicos
principais preocupações dos responsáveis pelo nutricionista, que ao final de 2006 foi
pela elaboração dos documentos de consenso liberada para consulta pública no site do CFN
que têm sido utilizados como guias de com o objetivo de agregar as colocações da
referência clínica para a abordagem do categoria. A minuta foi aprovada na 186ª
paciente obeso. Reunião Plenária Ordinária do CFN, realizada
No estudo realizado por Monego e nos dias 16 e 17 de julho de 2007, sendo
Colaboradores (1996) no qual eles avaliaram o publicada a resolução CFN nº 402 no Diário
uso de diversas terapias para o tratamento da Oficial da União em 6 de agosto deste ano,
obesidade, as substâncias fitoterápicas regulamentando, então, a prescrição pelo
utilizadas foram a spirulina, fucus e gelatina. profissional nutricionista de fitoterápicos de
Verificam que a primeira teve uma ação plantas in natura frescas, ou como droga
supressora do apetite devido à presença vegetal nas suas diferentes formas
relativamente alta da fenilalanina, que atua farmacêuticas. É importante ressaltar que essa
sobre o centro do apetite, e quando ingerida resolução permite a suplementação de fitote-
com o estômago vazio produz sensação de rápicos apenas em suas formas de uso via
plenitude gástrica e saciedade. Já o fucus têm oral, como infusão, decocção, tintura, alcoola-
a capacidade de absorver água, aumentando tura e extrato. O nutricionista deve, ainda,
o volume do bolo alimentar, o que estimula o recomendar o uso de fitoterápicos desde que
peristaltismo intestinal e diminui a quantidade conheça sua origem e sejam adequados às
de nutrientes absorvidos e a gelatina, pelo teor normas da ANVISA, quando industrializados.
de aminoácidos, age sobre a centro do apetite, Ainda, caso o produto seja adquirido in natura,
estimulando a saciedade. o consumidor deve estar atento às condições
Segundo Anderson e Colaboradores higiênico-sanitárias da espécie. Não fazem
(1992), o fucus pelo seu teor de iodo estimula parte dessa resolução os produtos fitoterápi-
a tireóide regularizando a produção do cos cuja legislação vigente (RDC nº 89/2004)
hormônio tireotrofina e acelerando o exija a prescrição médica (Kalluf, 2007).
metabolismo de glicose e ácidos graxos, Ainda segundo Kalluf (2007), a
sendo utilizado como auxiliar no tratamento da pertinência e a importância do uso da
obesidade. Estes produtos apresentam baixa fitoterapia por esse profissional se dá pela
toxicidade e boa aceitabilidade pelo grande interface com a nutrição, comprovada
organismo. pelos crescentes estudos das propriedades
funcionais tanto na área das espécies vegetais

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
20
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

como na de alimentos. O reconhecimento de espécies com registro de toxicidade e contra-


como a interação dietética com os fitoterápicos indicações de uso. Assim, como as plantas
é capaz de modificar a expressão genética de são remédios poderosos e eficazes, o risco de
um indivíduo, estimular seu desenvolvimento intoxicação causada pelo seu uso indevido
físico e mental, aumentar seu bem-estar e deve ser sempre levado em consideração. A
diminuir a susceptibilidade frente às doenças observância das dosagens prescritas e o
crônicas e outras comorbidades tem grandes cuidado na identificação precisa do material
implicações sociais, especialmente em caso utilizado podem evitar uma série de acidentes
de patologias de elevada prevalência como (Tomazzoni, Negrelle e Centa, 2006).
doença cardiovascular, obesidade, síndrome Diante da complexidade na área da
metabólica e câncer. Existem ainda alterações saúde humana e da responsabilidade da
positivas nos aspectos fisiológicos e interação da ciência da nutrição com os
bioquímicos do organismo frente aos extratos botânicos, é importante lembrar que o
princípios ativos das plantas. O sinergismo nutricionista deve sempre orientar o consumo
entre os fitoquímicos das plantas e dos de fitoterápicos de acordo com a ética,
alimentos por meio de chás, extratos, prescrevendo produtos que tenham indicações
temperos, entre outras formas de terapêuticas associadas ao seu campo de
apresentação, tem ações funcionais e conhecimento, e que, ainda, o profissional
fitoterapêuticas. A melhora da capacidade deve ser cientificamente capacitado para
funcional dos órgãos e sistemas com o uso adotar este tipo de conduta (Kalluf, 2007).
dos fitoterápicos se dá pelos efeitos que eles
apresentam sistematicamente no organismo. CONCLUSÃO
O enfoque inicial está no aumento da
digestibilidade e melhora do aproveitamento e Os hábitos alimentares constituem um
da aceitabilidade da alimentação. Outros aspecto importante do comportamento
fatores correlacionados com a nutrição seriam humano e sua mudança é um processo lento e
as ervas que ampliam a variedade e a difícil. A perda de peso e sua manutenção
adequação da alimentação, pois são fontes de alcançam melhores resultados quando, junta-
nutrientes essenciais, com importantes mente com a dieta, desenvolve-se um progra-
funções no organismo. O principal objetivo de ma de educação visando mudanças não só do
todos esses sistemas de cura que utilizam os comportamento alimentar, mas também com o
efeitos terapêuticos dos fitoterápicos é estímulo à adoção do hábito saudável da
estimular os processos metabólicos que prática de atividade física regular. Estas um-
ajudam a manter o estado de equilíbrio danças uma vez atingidas diminuem também
corporal. os fatores de risco associados à obesidade.
A utilização de plantas medicinais de A fitoterapia oferece caminhos
forma apropriada vem ao encontro das alternativos às terapias tradicionais, focando a
proposições da Organização Mundial de natureza como objeto de escolha para a
Saúde (OMS), que tem incentivado a melhoria da saúde global dos pacientes. O
valorização das terapias tradicionais, sendo medicamento fitoterápico, cuja eficácia e
estas reconhecidas como recurso terapêutico qualidade é comprovada cientificamente junto
muito útil nos programas de atenção primária à ao órgão federal competente, por ocasião do
saúde, podendo atender muitas das registro, onde há uma identificação botânica,
demandas de saúde da população. Poderá, uma caracterização química e bibliografia
ainda, contribuir para o sistema local de saúde consultada vem como mais uma ferramenta no
e desenvolver a autonomia no cuidado à tratamentos de saúde.
saúde dos usuários do sistema público de Verificou-se pelos estudos realizados
saúde (Lorenzi e Matos citado por Tomazzoni, com fitoterápicos, que os resultados obtidos
Negrelle e Centa, 2006). na redução de peso foram satisfatórios,
Entretanto uso de plantas com fins existindo poucos trabalhos contrários. Mas o
terapêuticos, sem orientação apropriada, é tema ainda é bastante controverso,
fator de preocupação que deve ser necessitando de muita pesquisa sobre forma
considerado pelos atores sociais do setor de de prescrição, de utilização, toxicidade,
saúde, bem como por aqueles envolvidos na eficácia, entre outros.
educação para a saúde, dada a incidência de

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.
21
Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento
ISSN 1981-9919 versão eletrônica
P e r i ó d i c o do I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e P e sq u i s a e E n si n o e m F i s i o l o gi a do E x e r c í c i o
w w w . i b p e f e x . c o m . b r - w w w . r b o n e . c o m . b r

Este trabalho ainda reafirma a 9- Lorenzi, H.; Matos, F.J.A. Plantas


importância do profissional nutricionista na medicinais no Brasil: nativas e exóticas.
prescrição, e a necessidade de profissionais Instituto Plantarum. 2002. In: Tomazzoni, M. I.;
de saúde que assumam o conceito de Negrelle, R. R. B.; Centa, M. L. Fitoterapia
fitoterápico como um medicamento e popular: a busca instrumental enquanto prática
compreendam o contexto da utilização das terapêutica. Texto Contexto Enferm. Vol. 15.
plantas medicinais em seu meio, para uma Num. 1. p. 115-121.
melhor eficácia no tratamento de seu paciente.
10- Monego, E.T.; Peixoto, M.R.G.; Jardim,
REFERÊNCIAS P.C.B.V.; Sousa, A.L.L.; Braga, V.L.N.; Moura,
M.F. Diferentes Terapias no Tratamento da
1- Anderson, J. W.; Brinkman, V. L.; Hamilton, Obesidade em Pacientes Hipertensos. Arq.
C. C. Weight loss and 2-y follow-up for Bras. Cardiol. Vol. 66. Num. 6. 1996. p. 343-
morbidly obese patients treated with intensive 347.
very-low-caloric diet and an education
program. Am. J. Clin. Nutr. Vol. 56. 1992. p. 11- Pinto, C.A.; Silva, D.H.S.; Bolzani, U.S.;
244S-246S. Lopes, N.P.; Epifânio, R.A. Produtos naturais:
atualidade, desafios e perspectivas. Quim.
2- Brasil, 2004. Ministério da Saúde. Agência Nova. Vol.25. 2002. p. 45-61.
Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n˚48 de
16 de marco de 2004. Dispõe sobre o registro 12- Rates, S.M.K. Promoção do uso racional
de medicamentos fitoterápicos. Diário Oficial, de fitoterápicos: uma abordagem no ensino da
Brasília, 18 de maio. Farmacognosia. Rev. Bras. Farmacog. Vol. 11.
Num. 2. 2001. p. 57-69.
3- Carvalho, A.C.B.; Balbino, E.E.; Maciel, A.;
Perfeito, J.P.S. Situação do registro de 13- Silveira, P.F.; Bandeira, M.A.M.; Arrais, P.
medicamentos fitoterápicos no Brasil. Rev. S. D. Farmacovigilância e reações adversas às
Bras. Farmacog. Vol. 18. Num. 2. 2008. p. plantas medicinais e fitoterápicos: uma
314-319. realidade. Rev. Bras. Farmacog. Vol. 18. Num.
4. 2008. p. 618-626.
4- Coutinho, W.F.; Cabral, M.D.A
Farmacoterapia da Obesidade nos 14- Tomazzoni, M.I.; Negrelle, R.R.B.; Centa,
Consensos. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. Vol. M. L. Fitoterapia popular: a busca instrumental
44. Num. 1. 2000. p. 91-94. enquanto prática terapêutica. Texto Contexto
Enferm. Vol. 15. Num. 1. 2006. p. 115-121.
5- Dorta, E.J. Introdução. In: Escala Rural:
especial de plantas medicinais. São Paulo. 15- Veiga Júnior, V. F. Estudo do consumo de
Escala Ltda. 1998. plantas medicinais na Região Centro-Norte do
Estado do Rio de Janeiro: aceitação pelos
6- Heckler, A.P.M.; Andreazza Dall’agnol, R. profissionais de saúde e modo de uso pela
S.; Heineck, I.; Rates, S.M.K. Estudo população. Rev. Bras. Farmacog. Vol. 18.
Exploratório sobre a Dispensação de Num. 2. 2008. p. 308-313.
Fitoterápicos e Plantas Medicinais em Porto
Alegre/RS. Acta Farm. Vol. 24. Num. 2. 2005. 16- Veiga Júnior, V.F.; Maciel, M.A.M.; Pinto,
p. 277-283. A. C. Plantas medicinais: cura segura? Quim.
Nova. Vol. 28. 2005. p. 519-528.
7- Kalluf, L.J.H. A realidade da fitoterapia na
prática do nutricionista. Revista CRN 3. 2007.

8- Lima Júnior, J.F.; Souza, E.C.F. Situando a


Fitoterapia frente às Racionalidades Médicas Recebido para publicação em 28/02/2010
Ocidentais Contemporâneas. Saúde Rev. Vol. Aceito em 22/05/2010
7. Num.16. 2005. p. 49-53.

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.4, n.19, p.14-21, Jan/Fev. 2010. ISSN 1981-9919.

Você também pode gostar