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ELIAS E A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL

Durval Paulo Gomes Júnior


Mestrando em Educação
Universidade Federal de Pernambuco
durvalpaulo@hotmail.com

Resumo

O trabalho apresenta os conceitos de Norbert Elias de configuração, estabelecido e


outsiders. Procuramos tirar elementos presentes de algumas obras do mesmo na busca
de definir estes conceitos. No segundo momento, o texto apresenta algumas
considerações sobre a percepção de Elias para as questões étnico-raciais.
Continuamos fazendo uma relação entre trabalhos brasileiros sobre a questão étnico-
racial e a semelhança com a configuração estabelecidos-outsiders. Isto tudo na busca
de contribuir para ampliar o debate da questão étnica do Brasil à luz da Teoria das
Configurações.

Palavras-chaves: Configurações, estabelecidos-outsiders, relação étnico-racial

Abstract

This work presents the Norbet Elias concepts of configurations, established and
outsiders. We examinated some of his books looking for elements that help to
understand the meaning of the concepts. In the other hand, the text presents some
considerations about ethnical-racial questions. We continued making a relation between
Brazilian works about ethnical-racial questions and the similarity with configurations
established-outsiders. It intents to contribute for the increasing of the discussion about
the Brazilian ethnical-racial question according to the Configuration Theory.

Key Words: configuration, established-outsiders, relations ethnical-racial

Este trabalho pretende tecer algumas idéias sobre Norbert Elias e sua
metodologia baseada na configuração estabelecido-outsiders. Mas não apenas isso,
gostaria de propor algumas considerações e levantar algumas questões sobre como
utilizar esta configuração às questões étnico-raciais. Não trago respostas, mas perguntas.
Assim espero aplicar da melhor forma possível à teoria de Elias. E ajudar a pensar
melhor as questões étnico-raciais no Brasil.
Para isso fiz a localização dos conceitos de configuração, estabelecidos e
outsiders em algumas obras de Elias para entender melhor quais as características de
cada um deles segundo o autor. No fim fiz algumas considerações sobre alguns autores
e trabalhos que tratam o negro no Brasil de uma forma mais e na educação relacionada a
negro.
Começo então dizendo como foi o meu primeiro contado com Elias. Este se deu
o livro “Os Estabelecidos e os Outsiders”1 . E na época estava construindo um problema
relacionado à questão étnico-racial e as produções de mestrado da Universidade Federal
de Pernambuco no departamento de Pós-graduação em Educação. Queria entender o
motivo de haver tão poucos trabalhos relacionados à educação e o negro nesta
instituição. Então já estava envolvido com a questão étnico-racial quando fui orientado
a verificar as colocações deste livro. Lendo este trabalho alertei para alguns cuidados
que deveria ter ao trabalhar com configuração estabelecidos-outsiders relacionado à
questão racial. Bem, mas isso vermos com maior cuidado adiante.
A medida que fui adentrando nas idéias elisianas, entendi que existem conceitos
que precisam ser definidos para compreender melhor como ele vê a configuração
estabelecidos-outsiders. Novos conceitos que são usados por Elias. Cada um
diretamente interligado formando uma configuração harmônica de conceitos.
Um conceito, entre outros que se repete em diversas obras, é o de configuração
que surge no intuito de superar uma dualidade indivíduo e sociedade. Ambos estão
interligados. Não existe um sem o outro. Os dois são interdependentes e promovem
interferência mútua.
Ele dá alguns exemplos do movimento da interdependência em algumas de suas
obras. Tentamos agrupá-las e retirar elementos que possam nos ajudar a entender as
características deste conceito de configuração. O primeiro exemplo usado é o de um
jogo de cartas onde “Se quatro pessoa se sentarem à volta de uma mesa e jogarem
cartas, formam uma configuração. As suas ações são interdependentes” 2 . Os quatro
jogadores não têm o resultado antecipadamente. Cada um depende, de certa forma, do
outro para que o jogo se desenvolva. Mesmo o suposto jogador mais fraco tem poder de
interferência, ainda que este seja menor que o de outro jogador mais experiente.
O segundo exemplo é o das danças de salão 3 . Deste exemplo ele salienta a
característica das configurações que podem ser dançadas por pessoas diferentes, mas
sem pessoas interdependentes não há dança. E neste caso pode haver uma aceleração ou
redução de velocidade do movimento, ou mesmo certas danças exigem um contato
maior ou menor de seus envolvidos, mas não perde a característica da configuração da
dança.
Por fim temos o exemplo de um “burburinho das ruas das grandes cidades 4 ”
cuja característica apresentada é que eles não se conhecem, cada um tem sua função e
ocupa papel na sociedade, mas eles desenvolvem uma ordem que não é claramente
perceptível pelos envolvidos. E estão ligados de alguma maneira.
Os elementos destacados do não planejamento, da interdependência, da não
neutralidade dos envolvidos, da possibilidade de mudança no andamento, da ordem não
planejada nem facilmente percebida são características apresentadas como inerentes ao
conceito de configuração. Os indivíduos não são vistos como seres auto-suficientes,
pelo contrário, são vetores abertos, formam teias de interdependência. Não dá para
perceber o indivíduo desligado dos diversos grupos sociais e papeis que desempenha
durante sua vida. Não há a liberdade nem a prisão total. Todos são interdependentes e
livres dentro de certa limitação.

1
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relações de
poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
2 ELIAS, Norbert. Introdução à Sociologia. Lisboa: Edições 70, 1980. 138-139, 141-142.
3
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 1994 B. 1V, p 249-245
4
ELIAS, Norbert, A sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor 1994 A. Op. Cit., p 21.
A velocidade da mudança também é importante ser notada. Mesmo havendo
uma relação direta entre ao envolvidos e o todo compostos por eles, as configurações
costumam mudar mais lentamente que os indivíduos isoladamente. Estes têm um ritmo
mais rápido de mudança. Como no exemplo da dança, os indivíduos podem até mudar,
mas a configuração permanece em sua essência. Os bailarinos individualmente podem
criar novos movimentos, mas até que eles cheguem a descaracterizar o estilo de dança
demora. Daí a proposta de Elias em trabalhar metodologicamente a longa duração.
Quando é possível perceber a mudança, não apenas no indivíduo, mas a mudança na
configuração. Dois trabalhos onde esta percepção é bem colocada são “A Sociedade de
Corte” 5 e “O Processo Civilizador I”6 . Nos dois percebemos um processo de mudanças
em configurações maiores.
E uma outra característica do conceito de configuração que nos será valioso
quando tratarmos a questão étnica é que “O conceito de figuração é neutro. Ele pode se
referir a relações harmoniosas, pacíficas e amigáveis entre as pessoas, assim como a
relações hostis e tensas” 7 . Logo pode se estender a uma série de possibilidades de
estudo. Na apenas se tratando da relação ser harmoniosa ou tensa, mas também em uma
comunidade, uma cidade, um estado ou um país. Realmente o leque de trabalhos
possíveis de se utilizar este conceito é vasto.
Ele dedica um livro 8 inteiro para tratar da relação estabelecidos-outsiders
analisando uma comunidade com três bairros na Inglaterra. Este trabalho, já citado
acima, foi feito em por Elias e John Scotson. Onde a cidade de Winston Parva vai ser
analisada a partir da configuração que os seus moradores formam. Toda a relação de
poder distribuída entre moradores da localidade. Novos e velhos moradores que
desenvolvem uma relação de poder entre eles que se reflete no uso dos espaços,
instituições, das conversas e forma de se perceberem entre si.
Os moradores mais antigos tinham vínculos mais fortes, ocupavam os cargos de
liderança das instituições da comunidade, estigmatizavam os novos moradores, que por
necessidade tiveram que ser transferidos para Winston Parva. Neste caso estudado,
todos tinham a mesma nacionalidade, trabalhavam nos mesmos lugares, não havia uma
discrepância nos salários, nem eram de grupos étnicos distintos. Mas nem mesmo assim
estavam livre de desenvolverem uma relação com tensões e choques entre si. Ele
apresenta esta relação como uma configuração estabelecidos-outsiders.
Não apenas neste livro são apresentados características desta configuração, mas
em outros trabalhos achamos elementos que podem nos ajudar a pensar os estabelecidos
e os outsiders. Vale a pena começar dizendo que o que ocorre é uma relação de poder
com um jogo de tensões, conflitos e pressão entre os envolvidos. E neste jogo os grupos
interdependentes usam armas para atacar ou se defender. Já que “A peça central dessa
figuração é um equilíbrio instável de poder, com as tensões que lhe são inerentes”. 9
Um grupo pretende se manter em uma posição ou ascender e por outro lado fecha as
passagens de ascensão para os considerados outsiders. Estes, por outro lado, vão
pressionar os estabelecidos na busca de uma melhor condição de sobrevivência.
No caso de Winston Parva um grupo de moradores, que se considera melhor que
outro vai montar uma barreira contra os novos moradores, que segundo os primeiros são
considerados inferiores por na terem uma história em comum, por não possuírem o
5
ELIAS, Norbert, A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 2001
6
ELIAS, Norbert. 1994, Op. Cit.
7
ELIAS, Norbert. 2001, Op. Cit., p 155.
8
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. 2000, Op. Cit.
9
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Op. cit., p 23.
autocontrole esperado. E a minoria do grupo “inferior” é julgado por uma minoria que é
violenta. E o fato de serem da mesma nação, trabalharem em cargos similares e terem
renda semelhantes, não é suficiente neste caso para manterem laços afetivos. Pelo
contrário, os novos moradores são considerados inferiores.
Enquanto armas dos estabelecidos temos a busca e preservação do carisma
grupal, a estigmatização do grupo outsider, atribuição de anomia aos que não fazem
parte seu círculo, o refinamento das atitudes e autocontrole como formas de se
diferenciar numa posição hierarquicamente superior. Além de terem, neste caso, uma
tradição e história em comum. A fofoca e o xingamento são elementos presente neste
tipo de relação. E uma característica importante é que, o valor do xingamento pode
ajudar a compreender como está o status do poder. Já que a ofensa vinda do grupo tido
por inferior não tem tanto valor quando o grupo estabelecido detém poder tal que não se
sente ameaçado. Os estabelecidos estão mais preocupados em preservar sua imagem
dentro de seu próprio grupo.
Já os outsiders podem responder a estas ações de algumas formas. Segundo
Elias, podem aceitar a condição de inferiores e a desonra grupal proposta pelo
estabelecidos como é percebido em Winston Parva. Mas por outro lado, com na vida de
Mozart 10 vemos um exemplo de alguém que era outsider mas se sentia igual ou
superior aos estabelecidos, mesmo sofrendo as humilhações. Logo, a princípio
percebemos, duas possibilidades de resposta. A aceitação da condição aplicada pelo
grupo estabelecido ou a resistência ao que é dito.
Tanto na comunidade inglesa de Winston Parva quanto na apresentação da Corte
Francesa 11 , vemos os estabelecidos ocupando as posições e procurando meios de se
manter numa posição de destaque. Seja nas organizações de bairros ou na busca de
aproximação do rei para preservar o prestígio e o poder. Mas esta não é uma condição
permanente. Pode haver uma rotatividade entre os dois grupos. No caso da corte é mais
clara esta rotatividade. Quem hoje é estabelecido pode ser amanha outsider. Já que esta
configuração era mais móvel que a primeira. Levava o cortesão a estar atento aos
movimentos ao seu lado. Qualquer aproximação ou afastamento entre as pessoas eram
possíveis contribuintes para uma mobilidade, quer para cima ou pra baixo.
Já apresentamos algumas características de configuração, de estabelecidos e de
outsiders. A partir de agora vamos verificar algumas idéias que Elias propõe para
pensarmos a questão racial à luz de sua teoria e também vamos colocar algumas
inquietações que me surgem na busca de aplicar esta configuração estabelecidos-
outsiders ao modelo étnico-racial brasileiro.
“Os Estabelecidos e os Outsiders” é considerada a obra em que Norbert trabalha
também a questão racial. Logo na introdução, onde temos um ensaio teórico sobre este
tipo de relação, é dito que:

As chamadas ‘relações raciais’, em outras palavras,


simplesmente constituem relações estabelecidos-outsiders de
um tipo particular. O fato de os membros dos dois grupos
diferirem em sua aparência física (...) torna os membros do
grupo estigmatizado mais fáceis de reconhecer em sua
condição.12

10
ELIAS, Norbert. Mozart. Sociologia de um Gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 1995, p 39.
11
ELIAS, Norbert. 2001, Op. Cit.
12
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Op. cit., pp 31-32.
Temos assim uma apresentação das questões raciais como de estabelecidos-
outsiders. A medida que os estabelecidos se consideram melhor e buscam se distinguir
dos outsiders a ponto de estigmatizarem estes, fica mais claro localizar e estigmatizar o
outro a partir de seus traços físicos. E esta diferenciação não se dá de indivíduo para
indivíduo. É necessária uma construção social de identidade-nós até que se chegue a
haver diversas incidências de estigmatização. No entanto, mesmo sendo mais fácil a
distinção entre os envolvidos, o tema central não é a cor da pele ou seus traços
biológicos. Este é secundário, em primeiro plano deve estar, por exemplo, “os
diferenciais de poder e a exclusão do grupo menos poderoso dos cargos com maior
potencial de influência” 13 . E em seguida ele propõe um retorna para entender a partir de
quando os grupos se vêem como diferentes. Numas páginas mais adiante é feita uma
apresentação da questão da Índia e as castas daquela sociedade.
Ainda tratando um pouco da questão étnica Elias comenta do uso de nomes e
palavras 14 que são bem característicos de algumas culturas e que são carregados de
sentidos depreciativos. Termos que servem para estigmatizar um grupo tido por inferior.
As palavras e modo de se tratar têm papel importante neste processo, pois denunciam
características das relações que as pessoas e os grupos têm entre si.
Antes mesmo de continuar gostaria de colocar que realmente ainda é pequeno ou
pouco divulgados os trabalhos que usaram Elias como referencial. E no caso proposto,
precisa haver uma ampliação da utilização de Elias e seus conceitos para se entender
uma pouco mais a complexidade de nossas relações étnico-raciais principalmente o caso
brasileiro.
Se pensarmos algumas passagens da nossa história brasileira veremos a presença
de elementos que caracterizam a configuração estabelecidos-outsiders. Se voltarmos um
pouco em nossa história, no final do século XIX e início de XX, teremos uma tendência
à defesa do branqueamento da nação. Os negros são tidos como inferiores. Em 1888
havia ocorrido a abolição da escravidão e a população negra tem que se introduzir num
novo momento histórico, há a necessidade de se perceber o negro de uma forma
diferente. Eles não estavam bem colocados na nova posição que ocupavam na
sociedade. Uma nova configuração se formava. Oliveira Vianna será um dos
intelectuais que irá propor o branqueamento dentro de uma configuração onde uma
parte da sociedade se percebia melhor, superior.
Pensamos então negros dentro de uma sociedade no período colonial onde já
eram diferenciados dos demais por conta de sua origem, da cor da pele e do motivo que
foram trazidos para as terras brasileiras. Com uma tradição e processo de autocontrole
bastante diferente das do europeu que aqui estavam e já pessoas nativas que buscavam
como referência o padrão europeu de comportamento. Os aqui nascidos preservam
padrão europeus, os afro-descendentes são considerados em neste momento como
inferiores.
A história brasileira se constrói dento deste processo incluindo neste bojo outros
grupos. Os índios que já estavam por aqui e outros grupos europeus e mesmo grupos
oriundo do oriente num passado mais recente. E com maior influência no Sul e Sudeste
do país.
Pela própria distinção do processo civilizador de cada grupo dentro de seu
continente e depois a identidade de grupo que eles construirão aqui. Os envolvidos nesta
configuração já se percebem como diferentes. No caso, os negros outsiders no século

13
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Op. cit., p 32.
14
Idem. p 27
XX irão criar a Frente Negra que trabalhava para minimizar a discriminação racial na
década de 1930. E no decorrer do século XX outros grupos engajados neste debate irão
se posicionar contra o preconceito e racismo que havia no Brasil em relação ao negro. B
E assim como os recém chegados em Wiston Parva procuraram melhorar sua
situação e os antigos manterem sua estabilidade. Os grupos étnicos brasileiros
preservam as mesmas características. Os grupos negros se organizando na busca de
ocupar espaços de poder que lhe garantisse uma participação maior nas decisões
relacionadas à sua vida.
E com o tempo temos uma maior participação dos grupos negros em espaços de
decisão. O que revela uma mudança na balança de poder no que concerne à questão
étnica no Brasil. Um exemplo disso, mesmo que em um intervalo de tempo longo, é que
em 1920 é divulgado um documento que consta da Introdução do I Recenseamento do
Brasil por Oliveira Vianna 15 onde ele defende abertamente o branqueamento. Um
documento oficial com uma idéia hoje não mais aceita por órgãos oficiais do governo.
Por outro lado temos no ano de 2004 o parecer da lei 10.6390 por Petronilha Silva 16
onde ela estabelece diretrizes para uma educação étnico-racial e o ensino da história e
cultura da áfrica e dos afro-brasileiros.
Dois períodos bem distintos que revelam uma mudança no tratamento de um
tema. Cada um dos dois têm sua identidade grupal, cada um vicem dentro de uma
configuração diferente. Como fazer para perceber esta mudança a ponto de um ser
claramente eugênico enquanto o outro buscar uma igualdade de direitos étnico-raciais?
O tempo de cada um possibilita este posicionamento. A partir de que momento o negro
entrou na discussão de seu espaço por parte do governo federal brasileiro.
Necessitamos de uma produção que leve em conta a longa trajetória étnica
brasileira e as mudanças e permanências que vêm ocorrendo por aqui. As configurações
já mudaram baste. Desde a Colônia aos dias atuais percebemos que os negros já
ocuparam alguns espaços de poder em detrimento do branco.
Em nota Elias diz que “Um dos fatores capazes de modificar o impacto da
situação nos membros dos grupos outsiders é sua posse de uma tradição cultural
própria”.17 Esta passagem nos remete a própria lei 10.639/2003 que tem justamente a
função de promover um reconhecimento e valorização da história e cultura negra no
Brasil. De fato, a cultura é uma arma para um grupo outsider.
Dentro da apresentação do conceito de outsider falamos que pode ocorrer a
aceitação da inferioridade declarada pelos estabelecidos. Sobre isso existe um trabalho
de Mestrado que fala sobre um projeto que pretendeu montar os resultados do
“Cantinho da Africanidade” 18 . Nas salas da escola, no modelo de Sala Ambiente, foi
destinado um espaço para expor mapas, materiais, fotos, objetos e outros relacionados a
história e cultura dos africanos e afro-descendentes. Na apresentação anterior ao

15
CUNHA, Lídia Nunes. Educação, Modernização e Afrodescendentes: 1920 – 1936 O Estado de
Pernambuco. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Pernambuco, Recife:
UFPE, 1999. Os comentários relacionados a introdução feita por Vianna foram observados a partir deste
trabalho de Lídia Cunha onde ela dedica parte do trabalho a este documento.
16
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: SEPPIR e MEC. 2004
17
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Op. cit., pp 31.
18
ALGARVE, Valéria Aparecida. A cultura negra na sala de aula: pode um cantinho de
africanidades elevar a auto-estima de crianças negras e melhorar o relacionamento entre crianças
negras e branca? Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de São Carlos. São Paulo:
São Carlos, 2004.
cantinho haviam brincadeiras e xingamentos depreciativos por conta da cor e
características físicas dos meninos no que se relaciona a cor do cabelo, tez da pele.
Como resultado temos um fortalecimento, aceitação e identificação com o grupo
que a princípio era inferior. As crianças passaram a se considerar negras e por isso
bonitas. Antes com vergonha de trazerem fotos de seus pais negros, passam a expor
estas informações.
Os xingamentos e apelidos não aconteciam como antes entre os alunos que
participaram do projeto do Cantinho da Africanidade. E também fora do espaço escolar
os garotos estavam agora dispostos reclamarem respeito. E por outro lado serem mais
respeitosos no trato com pessoas de outro grupo étnico qualquer.
Um outro elemento a ser pensado é quem compõe claramente o grupo
estabelecido no Brasil e quem é o de outsider. Ou quantos grupos estabelecidos e
quantos outsiders? (Isto relacionado à questão étnico-racial). Quais os elementos usados
pelos estabelecidos para se manterem e como tem se comportado os outsiders? Desde
Gilberto Freyre 19 que há forte no Brasil a idéia de miscigenação. Quando para entender
a formação do nosso país ele apresenta o trabalho dos portugueses que juntamente com
o negro e com índio formação nossa nação. E realmente é esta a ordem. O português é a
parte que administrou e possibilitou a miscigenação. Os demais grupos contribuíram
num processo iniciado pelo português.
Relacionado a isso temos uma passagem do livro O Processo Civilizador muito
interessante:
Isto se aplica à fala, que nada mais é que relações humanas
transformadas em som, e também à arte, ciência, economia e
política, e não menos a fenômenos que se classificam como
importantes em nossa escala de valores e a outros que nos
parcem triviais e insignificantes 20

Logo, observando a ciência como fruto das relações humanas vamos encontrar debates
acadêmicos que revelam ponto de vista diferente. É o caso da produção realizado por
Gilberto Freyre e Florestan Fernandes no que se relaciona a questão do negro no Brasil.
Fernandes 21 diz que o mito da democracia racial favorece aos interesses da “raça
dominante” e não ao negro e mulato. E no livro “A integração do negro na sociedade de
classes” ele apresenta a condição dos negros anos após a abolição da escravidão.
Interessante como localizamos estes na posição de outsiders. Suas famílias tidas como
inferiores e anômicas, sem autocontrole suficiente para condição humana superior.
Então, os trabalhos apresentados nos diversos níveis da universidade podem ser
um bom elemento para se ter uma idéia de como a configuração estabelecidos-outsiders
vem sem desenvolvendo ao longo destes anos. Os debates acadêmicos refletem, de certa
forma, filiações e defesas dos pesquisadores. E numa balança, há em determinadas
ciências um envolvimento maior em relação ao tema estudado. No caso das ciências
humanas, mais precisamente a sociologia, temos um maior envolvimento já que muitas
vezes o pesquisador estar falando de algo que está participando (ELIAS: 1998). E é
interessante pensar também que a presença ou ausência de trabalhos pode ser fruto da
configuração que existe. Quantos trabalhos sobre o negro e a educação conhecemos?
Quantas teses ou dissertações sobre o índio e a educação? E mesmo quantos sobre
19
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 42ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
20
ELIAS, Norbert. 1994 B Op. Cit., p 125.
21
FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na Sociedade de Classes. V 1. 3 ed. São Paulo: Ática,
1978.
modelos europeus de educação? Não apenas na educação, mas nos diversos ramos
pesquisa. A ausência ou presença de trabalhos pode ser uma pista que reflete o
envolvimento dos pesquisadores e também pode refletir o grupo? No caso da
Universidade Federal de Pernambuco, desde 1988 até 2003 temos apenas dois trabalhos
que tratam a questão do negro e a educação. Por que motivo isso ocorre. Ainda mais
dentro de um período em que é comemorado o centenário da abolição, o tricentenário da
morte de Zumbi, a constituição brasileira fala da lei do racismo, a LDB começa a falar
da questão étnica e a educação.
Como fica a questão do auto-conceito? A identidade-nós está ligada a quê? Que
grupo o brasileiro se sente parte, a algum específico ou a todos de alguma forma? Qual
grupo exclui e qual é excluído dos espaços de poder? A cor tem sido de fato um
elemento que separa o povo brasileiro? Ou se formou um novo grupo étnico: o
“brasileiro miscigenado” que não é nada, mas é tudo? E por outro lado, o brasileiro
busca se identificar na diversidade?
Como Elias pode nos ajudar dentro dentre estas questões? Repetindo uma
questão: dentro do debate étnico, quem é o grupo estabelecido e qual o outsider? O
Brasil é um país tão grande e diverso, realmente, mas há alguma uniformidade no que se
relaciona a questão racial? A visualização desta configuração entre brancos e negros é
mais clara. E até Hasenbalg (2005) diz algo interessante:

Após a abolição final, o racismo, a discriminação e a


segregação geográfica dos grupos raciais bloquearam os
principais canais de mobilidade social ascendente, de maneira
a perpetuar graves desigualdades raciais e a concentração de
negros e mulatos no extremo da hierarquia social. 22

Percebemos alguns elementos da relação estabelecidos-outsiders. Neste caso um


posicionamento de impedir a ascensão social dos negros dentro da nossa sociedade.
Então, como usar Elias para entender a configuração de um país tão grande e
diversificado? Quantos grupos e identidades temos em nosso país? Quais os espaços de
poder são preservados? Quem são os alvos de estigmatização? Ao longo de nossa
história já houve mudança na balança de poder entre os grupos envolvidos? Se houve,
que instrumentos tem sido usado para se conquistar espaço na sociedade de uma forma
geral? Por outro lado, se não houve, que instrumentos tem sido usado para preservação
de posição por parte de alguns grupos?
Encerro este trabalho esperando entender melhor as propostas de Elias para
pesquisa e também o Brasil e sua formação.

22
HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2ª Edição. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2005. p 233
Bibliografia

ALGARVE, Valéria Aparecida. A cultura negra na sala de aula: pode um cantinho


de africanidades elevar a auto-estima de crianças negras e melhorar o
relacionamento entre crianças negras e branca? Dissertação (Mestrado
em Educação), Universidade Federal de São Carlos. São Paulo: São Carlos,
2004.
CUNHA, Lídia Nunes. Educação, Modernização e Afrodescendentes: 1920 – 1936 O
Estado de Pernambuco. Dissertação (Mestrado em Educação),
Universidade Federal de Pernambuco, Recife: UFPE, 1999.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF:
SEPPIR e MEC. 2004.
ELIAS, Norbert. Introdução à Sociologia. Lisboa: Edições 70, 1980.
________ A sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 1994 A.
________ O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 1994 B. 1V
________ Mozart. Sociologia de um Gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 1995.
________ Envolvimento e alienação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
________ A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 2001.
________ e SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das
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Jorge Zahar Editor, 2000.
FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na Sociedade de Classes. V 1. 3 ed.
São Paulo: Ática, 1978.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 42ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
GEBARA, Admir. O mercado de trabalho livre no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
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GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo e HUNTLEY, Lynn (Orgs). Tirando a
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MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Identidade Nacional
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Pernambuco, Recife: UFPE, 2000.
SCHWRARCZ, Lilia Mortiz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e
questões raciais no Brasil 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.

Endereço do autor:
Rua dois de fevereiro, 15 – Morro da Conceição – Recife/PE. CEP: 52.280-220

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