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CLÁUDIO ROBERTO CANO (8110742)

Especialização em Psicopedagogia

TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E


HIPERATIVIDADE (TDA-H)
Diagnóstico e Sobrediagnóstico
Tutor: Prof. Keiko Maly Garcia D’Avila Bacarji

Claretiano - Centro Universitário

São José do Rio Preto - SP


2020
TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDA-H)
Diagnóstico e Sobrediagnóstico

Resumo: O Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDA-H) é um diagnóstico que


tem aumentado nas últimas décadas, em todo o mundo, e se define como um padrão persistente de
inatenção ou hiperatividade/impulsividade, ou ambos, que interfere com o funcionamento e o
desenvolvimento de quem sofre dessa patologia. Apresenta uma alta prevalência na população
infanto juvenil, apresentando um diagnóstico controverso, que leva a pensar em um
sobrediagnóstico da doença. O presente artigo de revisão tem como objetivo levantar questões
sobre o diagnóstico do TDA-H e, dessa forma, jogar luz sobre um possível sobrediagnóstico que
possa estar havendo, em alguns casos. Se entende por sobrediagnóstico o diagnóstico de uma
doença que não causará qualquer sintoma ou dano ao longo da vida de uma pessoa, mas cujo
tratamento, entretanto, terá um impacto a nível físico, psicológico e econômico. Por meio do artigo
de revisão se entende que as altas prevalências do TDA-H que podemos encontrar nos atuais
estudos clínicos e epidemiológicos se devem principalmente a recortes metodológicos nos manuais
diagnósticos utilizados para tais estudos. Entendemos por fim que devemos estar atentos e
sensíveis à questão do sobrediagnóstico em TDA-H.
Palavras-Chave: TDAH, Diagnóstico, Sobrediagnóstico, Fatores de risco

INTRODUÇÃO
O deficit de atenção e hiperatividade (doravante TDA-H) e seus sintomas causam importante
impacto no desenvolvimento de crianças que desenvolvem seus sintomas e, da mesma forma,
interferem em seu funcionamento social, emocional e cognitivo, o que resulta em importante
morbidade e disfunção, não apenas nesse indivíduo, mas também em seus companheiros escolares
e em sua família. [1,2,3,4]
O tratamento para TDA-H vem crescendo de forma desordenada no Brasil, o que demonstra
que o número de diagnósticos da doença também vem crescendo. A venda de metilfenidato, o
medicamento mais comum utilizado no tratamento do TDA-H, aumentou 775% entre 2004 e
2014[7]. Tal fato sugere claramente, entre outras hipóteses, a de sobrediagnóstico do TDA-H.
Por outro lado, poucas patologias infantis e juvenis alcançam cifras de prevalência tão díspares
como o TDA-H. Isto pode ser explicado ora pela variação histórica dos critérios diagnósticos, ora
pela diversidade de instrumentos e pontos de corte usados em cada estudo. Da mesma forma,
interferem nos estudos o recorte populacional ou clínico de onde se extraíram as amostras, e
também as diferentes referências socioculturais de cada ambiente e, finalmente, a existência de
fatores de risco neurobiológico e psicossocial presentes nas diferentes coletividades.[5,6]

Metodologia

De acordo com Gil , pesquisas exploratórias são aquelas que têm como finalidade
[16]

“proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a
construir hipóteses” (Gil, p.41 ) As pesquisas exploratórias funcionam muito bem para o
[16]

aprimoramento de ideias ou ainda para a descoberta de intuições. De planejamento bastante


flexível, abre um leque enorme de possibilidades frente aos aspectos relativos ao objeto estudado.
A pesquisa bibliográfica é amplamente usada como técnica de investigação em pesquisas
exploratórias [15]. É desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de
livros, artigos científicos, monografias, teses e dissertações [16].
O presente artigo foi baseado em uma pesquisa realizada no google acadêmico a partir das
palavras-chave:“TDAH”, “Disgnóstico”e“Sobrediagnóstico”; e da mesma forma em inglês:
“TDAH”, “Diagnosis” e “Overdiagnosis”. Selecionou-se, dos artigos obtidos, aqueles que
interessavam a partir do resumo. Entre os artigos utilizados, quando era do interesse, buscou-se
também na bibliografia dos mesmos outros artigos de interesse.

DESENVOLVIMENTO

Evolução diagnóstica

Para defender a validez diagnóstica do TDA-H a literatura especializada emprega geralmente


um argumento histórico, segundo o qual essa validez seria indiscutível, devido ao fato de que
diversas fontes médicas já falavam do TDA-H há diversos séculos: este argumento demonstraria
que o TDA-H não é uma criação de nosso tempo. (García de Vinuesa Fernández, 2017 apud Ñañez
González; Duque Fonseca; Yelitza Betancur [9])
Ainda no século XVIII o escocês Alexander Crichton já descreve os sintomas do que hoje
conhecemos como TDA-H do tipo desatento, ao qual nomeou de “inquietude mental” e referia-se
principalmente à dificuldade que certas crianças tinham de prestar atenção de maneira correta. [9].
Barceló [10] explica que no início do século XX, George Still, pediatra britânico, descreveu a
hiperatividade infantil com a denominação de “síndrome de lesão cerebral”. Esta síndrome estaria
presente em crianças com lesões cerebrais da mesma forma que naquelas com lesões cerebrais não
detectáveis clinicamente, incluindo aquelas sem etiologia precisa. Para Tubert (2010 p.2 apud
Barceló [10]) “(...) desde o início foi-lhe atribuído um fundamento neurológico sem prova científica
alguma e com absoluta desconsideração pela clínica” Nesta mesma época Still desenvolveu uma
ideia de hipercinesia associada a falhas do controle moral, deu-se conta que as crianças
apresentavam hiperatividade, dificuldade para sustentar a atenção, reações violentas,
agressividade e pouca resposta ao castigo [11].
Em 1917, Lafora mencionou a existência de crianças que demonstravam uma atividade
constante e um alto nível de desatenção sem, entretanto, apresentar déficit cognitivo. Em 1931,
Shilder descobriu a hipercinesia em pacientes com com antecedentes de hipóxia neonatal. O uso
de tratamentos psicoestimulantes iniciou-se apenas em 1937 naqueles que apresentavam
hipercinesia, cujo diagnóstico implicava a presença de disfunção cerebral leve. Mais tarde, em
1962, Clemets e Petersen criaram o termo “disfunção cerebral mínima” e assinalaram a
necessidade de avaliar amplamente o espectro etiológico, o que, por sua vez, implicava em revisar
fatores genéticos, gestacionais, perinatais e traumas emocionais.[3]
No ano de 1968 foi publicado a segunda versão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais (DSM II) da Associação Psiquiátrica Americana (APA). Essa edição foi a
primeira a abordar a hiperatividade e impulsividade de crianças denominando-a “reação
hipercinética infantil”, definida pelo manual como a presença de atividade excessiva, agitação
distratibilidade e uma limitada capacidade de atenção. Localizou a aparição dos sintomas na
primeira infância, assinalando o desaparecimento dos sintomas até a adolescência. As críticas
realizadas a esta edição do DSM se basearam no fato de que a validez do diagnóstico se centrou
primordialmente em uma valoração clínica intuitiva e puramente descritiva, com a qual não se
estabeleciam critérios uniformes para sua definição. [4]
Em 1980, a terceira revisão do DSM (DSM III) hierarquizou o transtorno de atenção, dando
ênfase ao deficit atencional que podia ser ou não diagnosticado com hiperatividade, ou seja, a
hiperatividade, que era o quadro nosológico principal no DSM II passou a ser o secundário no
DSM III . Além dessa questão metodológica, essa versão também esclareceu confusões
[11]

diagnósticas ao estabelecer dezesseis sintomas, subdivididos em três grupos, a serem analisados


de acordo com a afetação da atenção. Consequentemente, se estabeleceu a possibilidade de
classificar o transtorno em três grupos, de acordo com a presença de sintomas de hiperatividade e
sua remissão: a) transtorno de hiperatividade/impulsividade, b) transtorno de déficit de atenção
sem hiperatividade e c) transtorno misto, para os casos que apresentavam os sintomas de ambos
os quadros [4].
Em 1987 foi publicada a revisão do DSM III conhecida por DSM IIIR, em que foram revisados,
entre outras, a organização dada aos sintomas de falta de atenção, impulsividade e hiperatividade,
gerando um modelo diferente daquele que se tinha no DSM III. Nesse modelo, sustentou-se a
existência de um único fator composto por catorze sintomas. Por sua vez, as análises estatísticas
demonstraram uma adequada especificidade e sensibilidade tomando-se como ponto de corte o
cumprimento de apenas oito sintomas desses catorze. Foi ainda adicionada um critério de
gravidade nesta edição, segundo o qual, de acordo com o número de sintomas, os pacientes
poderiam ser classificados como leve, moderado ou grave. Da mesma forma, criou-se uma
categoria de TDA-H indiferenciado, aplicável às crianças que apresentassem apenas sintomas de
inateção. As críticas a esta versão do DSM se relacionam com a exclusão do subtipo hiperativo, a
inclusão da categoria “indiferenciada”, e o pouco estudo sobre os diagnósticos diferenciais.
Acrescenta-se a essas limitações o fato de que com a publicação do DSM IIIR se iniciou os estudos
sobre os problemas associados ao TDA-H, tais como a baixa autoestima, a labilidade emocional,
a baixa tolerância à frustração e o temperamentos irascível, assim como outras comorbidades como
Os Transtornos Disruptivos (TD) compostos pelo Transtorno Opositor Desafiador (TOD) e pelo
Transtorno de Conduta (TC).[3]
O modelo unidimensional para definir o TDA-H se exemplificou claramente nas versões do
DSM II e do DSM IIIR. Entretanto, o pouco que se pode obter dessas classificações, baseadas em
uma única lista robusta de sintomas, foi uma discussão relacionada com a eficácia de modelos
unifatoriais na abordagem do transtorno, discussão essa que favoreceu o desenvolvimento de uma
conceitualização multidimensional. A partir dessas considerações, e tomando como base o
reconhecimento das limitações do construto proposto pelo DSM IIIR, a APA formou um comitê
de especialistas em Transtornos Disruptivos (TD) para realizar uma revisão exaustiva dos
elementos a incluir em futuras versões do DSM, com o objetivo de diminuir ambiguidades e
imprecisões.[3]
A partir do DSM IV iniciou-se então a aplicação de um modelo Multidimensional. A partir de
diversos estudos comparando o DSM IIIR e o DSM IV, percebeu-se que estes estudos apontavam
para o fato de que os critérios do DSM IV pareciam mais sensíveis à identificação de sintomas e
alterações associados aos Transtornos Disruptivos (TD). Consequentemente, com a publicação do
DSM IV, aumentou-se o poder discriminante dos critérios estabelecidos para os diagnósticos de
TDA-H (subtipo desatento, subtipo hiperativo/impulsivo e subtipo misto) e da mesma forma para
o Transtorno de Conduta (TC)[3].
Na sua última versão – o DSM IVTR – pode-se ressaltar a relação estabelecida entre os períodos
evolutivos da doença e a expressão dos sintomas do transtorno, porquanto a pouca flexibilidade
das versões anteriores do manual permitia supor que o TDA-H se comportava de maneira estática,
uma vez que aquelas versões não reconheciam as mudanças sofridas pelo transtorno ao longo do
tempo. Dessa forma, as versões anteriores cometiam erros diagnósticos ao desconhecer a
diminuição dos sintomas hiperativos ao longo da doença, o que por sua vez permitia diagnosticar
falsos negativos , e que não acabavam recebendo tratamentos e eram excluídos dos estudos
epidemiológicos de prevalência[3]. Tal fato, por outro lado, nos permite inferir que essa versão do
manual, por sua vez, acaba por incluir um número maior de diagnósticos positivos se comparado
com as anteriores.
A crítica que se faz ao DSM IV e ao DSM IVTR é que essas versões permitem limitações
relacionadas com a descrição das variações do transtorno, seu curso, a influência dos fatores
ambientais, o prognóstico dos sintomas e a aplicabilidade dos critérios diagnósticos em diferentes
grupos populacionais[3].
Apesar de levantar a hipótese de que os sintomas de inatenção e hiperatividade/impulsividade
não terem todos os mesmo peso com relação à capacidade preditiva para o TDA-H, já que em
função de variáveis como sexo, idade e dimensões culturais podem alterar os respectivos pesos
desses itens, no DSM IV os critérios diagnósticos concedem o mesmo peso para cada sintoma na
hora de tomar as decisões diagnósticas [2, 9].

Classificações diagnósticas

As variações nas classificações clínicas e epidemiológicas originaram uma grande variabilidade


nas taxas de prevalência quando comparados diversos países, apesar do DSM-IV estabelecer a
taxa de prevalência do TDA-H entre 3% e 5%.[8] Essas diferenças sempre geraram controvérsia.
Entretanto, essa diferença pode ser explicada quando se compreende que elas não se devem a
características geográficas, mas sim, que dependem do critério usado para o diagnóstico. Uma
abordagem comportamental, baseada em sintomas presentes em apenas um episódio pontual, que
não indicam desordem psiquiátrica, levam a uma prevalência de 11% a 24% do TDA-H em
diversos países, conforme pode ser visto na tabela 1. Já uma definição dos sintomas realizada
dentro do consultório psiquiátrico, ou seja, quando os sintomas tomam contornos de patologia,
definição essa baseada no DSM com especificação do inicio dos sintomas, de sua duração, de sua
permanência e dos danos causados, conforme pode ser verificado na tabela 1, atribuem ao TDA-
H uma prevalência de 5% a 9%. Por sua vez, disgnósticos baseados no CID, realizados na tradição
psiquiátrica, com diagnóstico restrito à presença de todos os sintomas da síndrome para ser
positivado e com restrição de comorbidades, atribui ao TDA-H uma prevalência da ordem de 1%
a 4%, como pode ser visto na tabela 1.

Autor Critério País Idade Sexo Frequência


(anos) (M/F)
Diagnósticos comportamentais (épisódio pontual, entrevistas não confirmadas e baixa nota de corte)
Satin, 1985 DSM-III US 6–9 M 24%
Shekim, 1985 DSM-III US (MO) 9 M/F 12%
Shaywitz, 1987 DSM-III US (CT) 10 M/F 23%
Velez, 1989 DSM-III-R US (NY) 9–12 M/F 17%
Bhatia, 1991 DSM-III India 3–12 M/F 11%
Taylor, 1991 DSM-III UK (London) 6–8 M 17%
Baumgardner, 1995 DSM-IV Germany 5–11 M/F 18%
Wolraich, 1996 DSM-IV US (TN) 5–11 M/F 11%
DSM - disgnóstico psiquiátrico (com critérios de subtipos e comorbidades permitidas)
Satin, 1985 DSM-III US 6–9 M 8%
Anderson, 1987 DSM-III New Zealand 11 M/F 7%
Offord, 1987 DSM-III Canada 4–16 M/F 6%
Bird, 1988 DSM-III Puerto Rico 4–16 M/F 9%
Taylor, 1991 DSM-III UK 6–8 M 5%
Leung, 1996 DSM-III R Hong Kong 7 M 9%
CID - diagnóstico psiquiátrico (com critérios estritos e exclusão de comorbidades)
Gillberg, 1983 CID-9 Sweden 5–12 M 2%
Esser, 1990 CID-9 Germany 8 M/F 4%
Esser, 1990 CID-9 Germany 13 M/F 2%
Taylor, 1991 CID-9 UK 7 M 2%
Leung, 1996 CID-9 Hong Kong 7 M 1%
Tabela 1 - Prevalência de TDA-H por país e por critério Diagnóstico. Adaptado de Swanson [5]

Pode-se acrescentar ainda que se forem tomadas as diferenças nos critérios clínicos, o TDA-H
diagnosticado segundo os critérios do DSM IV tem taxas mais altas que o diagnosticado segundo
os critérios do DSM IIIR. Entretanto, se for incluído, no diagnóstico baseado no DSM IV, os
critérios “idade de início dos sintomas” e “interferência no funcionamento adaptativo em dois ou
mais ambientes” a taxa de prevalência diminui. [8].

Sobrediagnóstico

Essa disparidade na prevalência do TDA-H permite questionar se – nos locais e situações em


que se utiliza os critérios diagnósticos do DSM, principalmente o DSM IV e o DSM IVTR –
haveria um sobrediagnóstico nos casos de TDA-H.
Sobrediagnóstico é o diagnóstico de uma doença que não ocasionará sintomas ao longo da vida
de uma pessoa, nem causará danos a essa pessoa em nenhum momento de sua vida. O tratamento,
entretanto. ocasionará sim danos e custos sem trazer nenhum benefício. Para os
sobrediagnosticados com TDA-H mais especificamente, produz três categorias de danos:
1. efeitos físicos do diagnóstico e tratamentos desnecessários, dado que todas as intervenções
farmacológicas têm efeitos secundários;
2. efeitos psicológicos com o desenvolvimento de uma carga emocional ou estigma
simplesmente pelo fato de ser marcado como doente e a isto se associa um aumento da
vulnerabilidade do indivíduo;
3. A despesa econômica, não apenas pelos custos do tratamento( do qual o paciente não pode
se beneficiar já que a doença não representa uma ameaça) mas também pelo custo que se supõe
ao sistema de saúde pela realização de exames e consultas desnecessários.[1, 9]
O sobrediagnóstico de TDA-H não apenas deixa uma marca ou estigma que propicia
provocação nas crianças como também provoca sentimentos de fracasso, incapacidade, baixa
autoestima e desmotivação para aprender assim como sintomas depressivos e ansiedade [13]
Além disso, o uso dos medicamentos para TDA-H, em sua maioria estimulantes como o
metilfenidato, pode causar apatia, afastamento social, depressão, além de efeitos colaterais, como
por exemplo, problemas cardíacos.
O TDA-H é diagnosticado em um número cada vez maior de crianças e adultos. Daí a discussão
de haver ou não um sobrediagnóstico da doença. Entretanto, claro que não se trata de questionar
se a doença existe ou não existe, uma vez que a partir dos avanços neuropsicológicos e
neurobiológicos aos quais chegamos nos dias de hoje, é impossível negar a realidade do TDA-H.
Entretanto, trata-se de uma patologia de difícil diagnóstico, já que tal diagnóstico não possui
provas específicas e emprega apenas instrumentos de validade clínica.
O problema adquiriu tal dimensão que a ONU, por meio da UNICEF e da OMS, chamou a
atenção para o detecção de um aumento, dificilmente justificado por critérios clínicos, no
diagnóstico do TDA-H e dos tratamentos farmacológicos associados. Por outro lado, a estas
organizações ainda recomendam que os profissionais da saúde mental coloquem maior interesse
em realizar um dignóstico correto e rigoroso das crianças com possível diagnóstico TDA-H, e que
indiquem o tratamento medicamentoso apenas após tentar outros tipos de tratamentos
psicopedagógicos ou comportamentais.[1]

Discussão

Podemos perceber que o recorte metodológico usado no diagnóstico é fundamental para


determinar uma maior ou menor prevalência do TDA-H. Percebe-se também que há uma diferença
entre as abordagens feitas para realizar os estudos, ou seja, estudos baseados em abordagens
comportamentais, realizados em momentos em que o transtorno ainda não tomou contornos de
atenção médica, tendem a ser mais inclusivos, ou seja, possuem prevalência mais alta que aqueles
que atingem esses contornos, em número já naturalmente menor.
Por outro lado, pudemos perceber também que a diferença entre o DSM e o CID é a mais
marcantes na hora de determinar a prevalência de casos de TDA-H. Essa diferença, a nosso ver,
se dá pelo fato do CID exigir, para o disgnóstico do TDA-H, que todos os sintomas do manual
estejam presentes para caracterizar positivamente o transtorno, enquanto que no DSM há uma
grande variação: possuir entre seis e nove sintomas de cada grupo disgnóstico (DSM III, DSM IV
e DSM IVTR) ou ter presente apenas oito dos catorze sintomas característicos de um único bloco
diagnóstico (DSM IIIR). Além dessa flexibilidade maior do DSM com relação ao número de
sintomas para caracterizar ou não o transtorno, o DSM ainda aceita a possibilidade de haver
comorbidades, ou seja, que haja outras doenças concomitantemente ao TDA-H enquanto que o
CID restringe a ocorrência de comorbidades, ou seja, em caso de comorbidade, o transtorno deve
ser caracterizado como transtorno diferente de TDA-H. Essas abordagens diferentes nos dois
manuais são responsáveis pela grande diferença na prevalência entre as abordagens que empregam
um ou outro método no diagnóstico.
A partir dos estudos sobre prevalência podemos perceber que o TDA-H é uma das patologias
infantis mais comuns da atualidade[2, 14]. Não se pode deixar de considerar as altas prevalências que
aparecem em alguns estudos. Entretanto, há que se levar em conta que ao se tratar de patologias
do desenvolvimento, as cifras de prevalência mórbida que se distanciam muito dos 5% nos
obrigam a uma interpretação cautelosa[2]. É essa interpretação cautelosa que convidamos a realizar
aqui a partir das reflexões sobre as formas particulares com que cada manual e método diagnóstico
realizam em sua práxis avaliativa. Apenas de forma crítica saberemos se há ou não um
sobrediagnóstico do TDA-H em nossa prática cotidiana.

CONCLUSÃO

É importante reconhecer que nos encontramos imersos em uma dinâmica de sobrediagnóstico


do TDA-H, e que existe uma necessidade ética e científica de evitar esse sobrediagnóstico. Para
chegarmos a essa situação, é necessário que conheçamos melhor nossos instrumentos diagnósticos,
deixando bem claro que o DSM IVTR, assim como outros instrumentos baseados nesse manual,
apenas se baseiam em categorias preestabelecidas, representando provas complementares mas não
diagnósticos fechados que permitem substituir a observação clínica.
Não podemos esquecer também que é importante saber os critérios de inclusão, mas tão
importante quanto é saber os critérios de exclusão, uma vez que o diagnóstico diferencial de um
possível TDA-H é amplo e heterogêneo, com múltiplas causas neurológicas, pediátricas e
psicossociais, devendo este diagnóstico diferencial realizar-se sempre de forma rigorosa por uma
equipe multidisciplinar.
REFERÊNCIAS
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atención e hiperactividad (TDAH)? Evidencias em pediatria, 2012; (8): 51
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