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PABLO LÓPEZ GUELLI

LUZES, CÂMERAS, GESTÃO: O GERENCIAMENTO DE PROJETOS


CINEMATOGRÁFICOS E O PAPEL DO GERENTE DE PROJETOS
DURANTE O PROCESSO DE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO
BRASIL, SOB A ÓTICA DO PMBOK

Trabalho apresentado ao curso MBA em


Gerenciamento de Projetos, Pós-Graduação lato
sensu, Nível de Especialização, do Programa
FGV Management da Fundação Getúlio
Vargas, como pré-requisito para a obtenção do
Titulo de Especialista.

Edmarson Bacelar Mota

Coordenador Acadêmico Executivo

Ana Paula Ribeiro Bastos Arbache

Orientadora

São Paulo

Fevereiro/2016
CONVENIADA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - SÃO PAULO

PROGRAMA FGV MANAGEMENT

MBA EM GERENCIAMENTO DE PROJETO

O Trabalho de Conclusão de Curso

Luzes, câmeras, gestão: o gerenciamento de projetos cinematográficos e o papel do


gerente de projeto durante o processo de produção audiovisual no Brasil, sob a ótica do
PMBOK

elaborado por Pablo López Guelli e aprovado pela Coordenação Acadêmica, foi aceito como
pré-requisito para a obtenção do certificado do Curso de Pós-Graduação lato sensu MBA em
Gerenciamento de Projetos, Nível de Especialização, do Programa FGV Management.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2016

Edmarson Bacelar Mota

Coordenador Acadêmico Executivo

Nome do Prof. Orientador

Orientador

2
TERMO DE COMPROMISSO

O aluno Pablo López Guelli, abaixo assinado, do curso de MBA em Gerenciamento de


Projetos, Turma GEEP32 do Programa FGV Management, realizado nas dependências da
instituição conveniada Fundação Getúlio Vargas, no período de 18/8/2012 a 27/06/2014,
declara que o conteúdo do Trabalho de Conclusão de Curso "Luzes, câmeras, gestão: o
gerenciamento de projetos cinematográficos e o papel do gerente de projeto durante o
processo de produção audiovisual no Brasil, sob a ótica do PMBOK" é autêntico e original.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2016

_____________________________________

Pablo López Guelli

3
Dedicatória

Aos meus pais,

com amor.

4
RESUMO

O mercado audiovisual é hoje um dos melhores exemplos de uma indústria baseada em


projetos. No entanto, essa mesma indústria não costuma ser citada como referência no
tradicional discurso do gerenciamento. As apostilas e livros usados durante dois anos no
MBA de gestão da FGV abordam casos das mais diferentes áreas, que vão de TI à indústria
naval, mas a gestão cinematográfica não é mencionada pelos professores nem aparece na
literatura sugerida pela Fundação. Este estudo se propõe a fazer uma revisão da literatura
existente sobre o tema; depois apresentará um breve histórico sobre a configuração do
mercado brasileiro, seguido de uma descrição dos processos de produção audiovisual e das
funções do "gerente de projeto do filme", sob a ótica do PMBOK. O objetivo é criar uma
literatura inédita sobre o gerenciamento na área cinematográfica no Brasil e contribuir com os
novos produtores independentes no aperfeiçoamento da gestão de seus projetos.

Palavras-chave: audiovisual, cinema, cinematográfico, produtor executivo, vídeo

5
ABSTRACT

Audiovisual market is one of the best examples of an industry-based projects. However, this
same industry is not often quoted as a reference in the traditional management discourse. The
handouts and books used for two years in FGV management MBA addressing cases from
different areas, ranging from IT to the shipping industry, but the film management is not
mentioned by teachers or appears in the literature suggested by the Foundation. This study
aims to make a review of existing literature on the subject; then present a brief history of the
Brazilian film market setting, followed by a description of audiovisual production processes
and functions of the "project manager of the film", from the perspective of PMBOK. The goal
is to create an unprecedented literature on managing in the film area in Brazil and contribute
to independent producers in better managing their projects.

Keywords: audiovisual, cinema, film production, executive producer, video

6
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos profissionais que se dispuseram a conversar comigo sobre as particularidades


da indústria cinematográfica brasileira e também aos docentes norte-americanos que sempre
responderam às minhas perguntas e solicitações por email, mesmo sem me conhecer
pessoalmente. Agradeço especialmente a Ary Pini, Mauro Garcia, Fernando Meirelles, Carole
Moser, Jatir Eiró, Andrezza de Faria, Mariana Youssef, Érika Hoffgen, Diane Cheklich,
Angus Finney e a todos os professores do curso de gerenciamento da FGV.

7
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10  
2.DESENVOLVIMENTO ........................................................................................................ 13  
3. CONCLUSÕES .................................................................................................................... 53  
4. POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS.................................................................................... 55  
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 56
6. ENTREVISTAS E BIOGRAFIA ......................................................................................... 59

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1. INTRODUÇÃO

[Para fazer cinema basta] uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
GLAUBER ROCHA, cineasta brasileiro e figura-chave do Cinema Novo1, 1965

Mais do que uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, as produtoras precisam de bons CEOs.
MAURO GARCIA, presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes, 20152

1.1 Etapas de pesquisa

O objetivo deste estudo é apresentar o universo de uma produção audiovisual do ponto de


vista do gerente de projetos de um filme e mostrar se é possível aplicar as melhores práticas
de gestão sugeridas pelo PMI no gerenciamento de uma produção fílmica.

1.2 Metodologia do trabalho

• Paradigma qualitativo

A metodologia teve enfoque qualitativo, com interpretação dos dados coletados


empiricamente.

• Tipo de pesquisa

Fins: Explicativa/Exploratória

Meios: Pesquisa bibliográfica, entrevistas (de campo) e consultas documentais

• Universo e amostra da pesquisa

O universo do estudo está baseado em pesquisas bibliográficas, monografias e dissertações,


entrevistas com profissionais de área do cinema e minha experiência pessoal na área
audiovisual. Neste sentido foram realizadas entrevistas presenciais com os sujeitos da

1
Movimento cinematográfico dos anos 50 que reivindicava um cinema realizado com mais realismo, mais conteúdo e mais barato. Foi
inspirado pelo Neorealismo dos cineastas italianos e pela ‘Nouvelle Vague’ francesa. Em contraponto aos filmes suntuosos produzidos pelos
estúdios Vera Cruz, o movimento pregava um cinema feito com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” (nota do autor).
2
Entrevista com Mauro Garcia, presidente da ABPITV, a Associação Brasileira das Produtoras Independentes em 25/09/2015.

10
pesquisa e os mesmos autorizaram a divulgação de seus nomes nesse trabalho.

1.3 Cotextualização

O mercado audiovisual é hoje um dos melhores exemplos de uma indústria baseada em


projetos. Cada trabalho - seja um longa-metragem, uma série de TV, telefilme ou filme
publicitário - equivale a um projeto. Um filme é um único e complexo projeto per se.

No entanto, essa mesma indústria de natureza projetizada não costuma ser citada como
referência no tradicional discurso do gerenciamento. As apostilas e livros usados durante dois
anos no MBA de gestão da FGV abordam casos das mais diferentes áreas, que vão de TI à
indústria naval, mas o gerenciamento cinematográfico não é mencionado pelos professores
nem aparece na literatura sugerida pela Fundação Getúlio Vargas.

Tampouco há estudos no Brasil voltados especificamente para a gestão audiovisual. A única


literatura encontrada foi produzida nos Estados Unidos, onde encontra-se a indústria fílmica
mais desenvolvida do mundo. Diversos trabalhos acadêmicos abordaram a questão do
gerenciamento a partir do sucesso ou fracasso econômico dos filmes. Alguns criaram até
fórmulas para calcular, por exemplo, a "real influência de uma estrela na rentabilidade de um
filme".

A ausência de estudos sobre as práticas de gerenciamento na área vai na contramão do


momento pelo qual passa o setor no Brasil: o país vive a época de maior produção de sua
história, com um aumento importante na demanda por conteúdo graças às Leis do
Audiovisual e da TV Paga3. O impacto dessa última, de obrigatoriedade de programas
brasileiros na TV por assinatura, está provocando uma verdadeira revolução no mercado e
impulsionando a indústria ainda mais do que a Lei Audiovisual impactou o cinema. A partir
de 2001, quando a Lei do Audiovisual entrou em vigor, o Brasil passou da produção de 6
filmes nacionais por ano para 124 em 2014. Profissionais da área afirmam que o boom na TV
será muito maior. Se até há pouco tempo eram produzidos 400 programas independentes por
ano, o país passará a produzir entre 7 e 8 mil programas anuais (LORENTE, 2014).

Em 2013 o segmento foi responsável pela criação de mais de 200 mil empregos, com
faturamento de R$ 22,2 bilhões, contribuindo com 0,54% do PIB - números que colocam o

3  Em  2001  o  Brasil  sancionou  uma  lei  de  investimento  na  produção  e  co-­‐produção  de  obras  cinematográficas;  e  em  2011  sancionou  

outra  lei  que  impõe  aos  canais  de  televisão  por  assinatura  cotas  de  transmissão  de  produções  nacionais,  incluindo  uma  porcentagem  
de  produtores  independentes,  o  que  tem  dado  grande  impulso  à  indústria  (nota  do  autor).    
11
audiovisual em uma posição comparável à de outros setores, como Turismo e Esportes
(TELAVIVA, 2015).

Por todos esses motivos me pareceu oportuno abordar a questão do gerenciamento na


indústria cinematográfica neste trabalho de conclusão de curso.

1.4 Questão de estudo

É possível usar as melhores práticas de gestão do PMI no gerenciamento de uma produção


cinematográfica?

1.5 Fundamentação teórica

O estudo fará primeiro uma revisão da literatura existente sobre o tema; depois apresentará
um breve histórico sobre a configuração do mercado cinematográfico brasileiro, seguido de
uma descrição dos processos de produção audiovisual e das funções do "gerente de projeto do
filme".

1.6 Objetivos deste estudo

O objetivo é criar uma literatura inédita sobre o gerenciamento na área cinematográfica no


Brasil e contribuir com os produtores e produtoras independentes no aperfeiçoamento da
gestão de seus projetos.

12
2. DESENVOLVIMENTO

O cinema é uma invenção que não tem futuro.


- LOUIS LUMIÈRE

2.1 Referencial teórico


A área audiovisual possui uma série de características idênticas às demais indústrias onde a
gestão de projetos é uma realidade consolidada:

• Ela é baseada em projetos


• Trabalha com deadlines bem definidos
• O escopo sempre muda
• Demanda enormes investimentos
• Depende de tecnologias especializadas
• Depende da integração e colaboração entre equipes especializadas
• Requer cuidadosas análises, execução e processos de integração
• O produto (o filme) deve ser entregue para um público-alvo bem definido

Diante desse quadro seria razoável supor que a indústria cinematográfica tivesse desenvolvido
ao longo dos anos uma forma de gerenciamento robusta e bem definida que, quando aplicada
de maneira correta, garantiria automaticamente o sucesso do projeto, leia-se, do filme4. Mas
na prática não é isso que ocorre. Essa indústria possui características muito específicas e
difíceis de entender. E há muitas razões para isso: os filmes são produtos complexos; ninguém
sabe se gostou de um filme até assisti-lo; filmes entram e saem continuamente do mercado;
filmes competem entre si por mais espaço nos cinemas; um filme tem um final de semana
para conquistar o público; de cada 10 filmes produzidos, 7 perdem dinheiro (VELIKOVSKY,
2013).

Para o PMBOK, o sucesso de um projeto deve ser medido em termos da sua conclusão dentro
das restrições de qualidade, escopo, tempo e custo. Segundo essa definição, poderíamos dizer
que um longa-metragem foi um projeto de sucesso na medida em que o produto foi entregue

4   Por   produção   audiovisual   entenda-­‐se   a   criação   de   filmes   longa   e   curta-­‐metragem,   séries   e   programas   de   TV,   telefilmes,   filmes  
publicitários,   documentários,   webséries   e   vlogs.   No   entanto,   este   trabalho   vai   focar   na   produção   de   longas-­‐metragem   (nota   do  
autor).  

13
dentro do custo, escopo e prazo previstos. Mas como definiríamos a qualidade do produto?
Em projetos de engenharia ou farmacêutica, a qualidade pode ser planejada, construída,
testada e entregue para o cliente. No caso de um filme, como é definida essa qualidade? Quem
determina se aquele produto atendeu às expectativas? O diretor? A produtora responsável pelo
projeto? O público? A rentabilidade do filme? Uma película pode cumprir todos os quesitos
de qualidade que se esperava dela no começo do projeto, mas ser um retumbante fracasso de
renda e público.

Esse último ponto chama especialmente a atenção quando nos referimos ao gerenciamento na
indústria. Viabilidade econômico-financeira, payback, VPL e TIR são termos inerentes à
gestão de qualquer projeto. Segundo o PMBOK, os "ciclos de vida previstos" são aqueles em
que o escopo do projeto, bem como o tempo e custos exigidos para entregar o escopo são
determinados o mais cedo possível, sendo que o estudo de viabilidade encontra-se no estágio
inicial de todo processo. Conforme a figura abaixo, os projetos progridem por meio de uma
série de fases, em que cada uma foca um subconjunto de atividades de projeto e processos do
gerenciamento. Mas, de acordo com a maioria dos estudos consultados para este trabalho e as
entrevistas realizadas com profissionais da área sobre a rentabilidade na indústria, não é
possível prever o retorno financeiro de uma película - o que poderia inviabilizar o projeto,
segundo a ótica do PMI.

Figura 1 - Exemplo de ciclo de vida previsível

Fonte: PMBOK, 2015 (pag. 44)

14
Essas são algumas das questões que mostram o nível de complexidade do gerenciamento de
projetos na indústria audiovisual. Se a qualidade de um filme é subjetiva, e é impossível
prever seu retorno financeiro, o que o "gerente do filme" pode fazer para que um projeto tenha
sucesso? Como e por quem é medido esse sucesso? Mais ainda: quem é o gerente de projeto
em uma produção fílmica?

2.1.2 Literatura revisada

É um erro capital teorizar sem ter dados.

- SHERLOCK HOLMES FALANDO COM O DR. WATSON

Em busca de respostas para lidar com as incertezas da indústria do show business, acadêmicos
norte-americanos tentaram entender os motivos que levam ao sucesso ou fracasso dos filmes.
O objetivo era descobrir se havia uma "fórmula de sucesso" que garantisse o êxito das
produções.

Um desses estudos, realizado pelos professores de economia da Universidade da Califórnia


Arthur De Vany e W. Walls, analisou a rentabilidade de mais de 2 mil filmes. Os autores
partiram da premissa de que para entender o mercado cinematográfico era necessário tratar os
filmes como “distribuições de probabilidade”. Eles verificaram a adequação da aplicação da
distribuição de probabilidade de Lévy5 aos retornos financeiros das produções analisadas com
o objetivo de entender o que aconteceria quando certas “potenciais variáveis de mudanças”
fossem alteradas. Eles definiram essas variáveis como sendo os gêneros dos filmes (terror,
drama, comédia, ação, etc); a presença de estrelas; se os filmes eram sequências (Ex: Se eu
fosse você 1 e 2); o tamanho dos orçamentos das produções; avaliações da imprensa e os
dados sobre a semana de estreia da películanos cinemas.

O estudo descobriu, por exemplo, que a presença de uma estrela aumenta em 20% o número
de salas de exibição de um filme quando comparado com outro sem uma estrela no elenco. Os
autores encontraram essas e outras relações de fatores que têm o poder de influenciar o ROI.
Mas ressaltaram que "em nenhum caso há certeza do retorno financeiro porque todos os

5   As   distribuições   de   Lévy   são   uma   família   de   distribuições   que   permitem   diversas   possibilidades   de   simetrias,   além   de   terem  
importantes  propriedades  matemáticas.  Essa  família  foi  caracterizada  por  Paul  Lévy  nos  anos  de  1920  e  1930  (nota    do  autor).  

15
pontos analisados enfrentam a variância infinita da distribuição de Lévy”. (DE VANY;
WALLS, 2001). Após a análise, eles chegaram às seguintes conclusões:

1) É impossível prever o retorno financeiro de um longa-metragem.

2) Um filme envolve tantas variáveis que é impossível atribuir seu sucesso a fatores
individuais.

3) Quem determina o sucesso de um filme é o público.

Outros estudos também se propuseram a decifrar as incertezas dessa indústria e chegaram a


conclusões parecidas: não há "fórmulas de sucesso" quando o assunto é cinema. Ou, como
resumiram os responsáveis pela análise do retorno financeiro de 2.015 filmes:

“Ninguém sabe nada.”

Alguns anos depois, outro estudo nessa mesma linha também apontou que a rentabilidade de
um projeto fílmico é absolutamente imprevisível (ELIASHBERG; ELBERSE; LEENDERS,
2005).

A ideia de que "ninguém sabe nada" foi de certa forma questionada por Thorsten Henning,
Mark Houston e Gianfranco Walsh. Eles fizeram uma análise de 300 filmes e afirmaram que a
“percepção de qualidade” pode, sim, ser um fator determinante para o sucesso financeiro da
película (HENNING; HOUSTON; WALSH, 2007). Diferentemente de De Vany e Walls, os
autores estudaram tanto fatores diretos quanto os indiretos e chegaram à conclusão de que a
"percepção de qualidade" (por parte do público e da crítica) é o principal determinante para o
sucesso econômico de um filme. Os autores mostraram empiricamente como prêmios em
festivais de cinema têm uma relação direta com essa percepção de qualidade e, portanto, com
a rentabilidade – o que justificaria os enormes investimentos em marketing e participação em
festivais em todo o mundo para apresentar o “produto” ao mercado.

Corroborando a importância da “percepção de qualidade”, Young Liu comprovou que existe


uma relação direta entre o volume dos comentários “boca-a-boca” na internet (Word of Mouth
em inglês, ou seja, a informação que é passada de pessoa para pessoa por meio da
comunicação oral - e virtual neste caso) e sua rentabilidade final. Segundo demonstrou o

16
autor, incluir o boca-a-boca na análise de receita de um filme "pode reduzir
consideravelmente a margem de erro das previsões de rentabilidade" (LIU, 2006).

Ainda que em menor número, outros estudos optaram por analisar a questão do
gerenciamento nas produções fílmicas. Tracy Worley (WORLEY, 2005) mostrou como a
Teoria das Restrições6 (TOC) pode ser usada de maneira eficaz ao reconhecer todos os fatores
que podem causar o sucesso ou fracasso de um filme. O autor mostrou como o gerenciamento
por meio da TOC antecipa, reconhece e controla todos os fatores determinantes para o projeto
e ajuda a resolver de maneira positiva a maioria das incertezas do processo. A mais óbvia das
restrições em um projeto fílmico é o seu financiamento. O autor mostra como, por meio da
TOC, o gerenciamento dessa restrição pode otimizar a produção e reduzir seus riscos.

Outros estudos mostraram que o processo de produção de um filme é um ótimo exemplo de


equilíbrio entre flexibilidade e hierarquia, uma combinação muito importante em projetos de
curta duração realizados com equipes independentes. Os autores demonstraram que ambientes
com hierarquia bem definida, normas claras, confiança mútua e excelente comunicação - os
pilares de uma produção cinematográfica - são um ótimo exemplo de gestão de projetos para
empresas com estruturas pequenas e temporárias (INTRONA; MOORE; CUSHMAN, 1999).

Além de estudos acadêmicos há diversos livros (nos Estados Unidos) que falam sobre a
produção cinematográfica. A maioria funciona como um guia, um passo-a-passo com o
objetivo de orientar os produtores a transitar pelos complexos caminhos da produção:
orçamentos, cronogramas, locações, elenco, equipamentos, festivais de cinema, marketing,
sindicatos, autorizações de uso de imagem, etc.

Os livros de Maureen A. Ryan, Eve Light Honthaner e Jane Barnwell são bons exemplos de
como é o processo de produção de um filme, mas pouco falam sobre o trabalho do gestor
responsável. Já os livros de Deborah Patz e Bastian Clevè apresentam pontos mais específicos
em relação ao gerenciamento. Apesar de também serem "livros-guia", os autores
eventualmente abordam o papel do gerente de projeto discorrendo sobre as características
desse profissional em um longa-metragem.

6  Paradigma  de  gestão  que  considera  qualquer  sistema  gerenciável  como  sendo  limitado  em  alcançar  a  maioria  de  seus  objetivos  por  
um  número  muito  pequeno  de  restrições.  A  TOC  oferece  ferramentas  para  ajudar  na  melhoria  de  processos,  respondendo  a  quatro  
perguntas:  O  que  mudar?  Para  que  mudar?  Como  mudar?  O  que  trará  a  melhoria  contínua  do  processo?  (nota  do  autor)  

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No Brasil, um dos raros livros é o do produtor Chris Rodrigues. Ele explica de forma didática
as funções básicas de cada profissional que compõe a equipe de produção de um filme e
apresenta uma série de documentos que são usados durante o processo (RODRIGUES, 2005).

O livro mais completo encontrado sobre a produção cinematográfica brasileira é na verdade


uma coletânea de textos que foi editada em forma de livro - "Film Busine$$ - O Negócio do
Cinema", de Adriana Dias e Letícia de Souza. Trata-se de uma compilação de artigos escritos
para um curso que até recentemente era realizado pela Fundação Getúlio Vargas e contava em
seu corpo docente com os produtores Iafa Britz, Rodrigo Saturnino Braga e Luiz Gonzaga,
todos profissionais com vasta experiência na área. O livro explica detalhadamente os
processos de cada fase da produção até a chegada do "produto" nos cinemas. Apesar de ser
bastante completo em relação às etapas da produção cinematográfica, os autores praticamente
não falam sobre o papel do gerente.

A maioria dos estudos e livros aqui citados foi produzido nos Estados Unidos e, naturalmente,
fazem referência à realidade do mercado local. No Brasil, como veremos a seguir, ainda não
existe uma indústria do cinema no real significado da palavra "indústria". Só recentemente ela
começou a se profissionalizar. Provavelmente por isso há pouca literatura disponível.

2.1.2 Configuração do mercado audiovisual brasileiro

É muito importante que meus filmes façam dinheiro


porque eu quero que as pessoas que confiaram em mim
recebam seu dinheiro de volta.

- QUENTIN TARANTINO

Com o objetivo contextualizar o ambiente macro em que o "gerente do filme" atua, este
tópico vai traçar um breve histórico da configuração da indústria cinematográfica nacional
utilizando como base o livro "Cinema Brasileiro", de Sidney Ferreira Leite, e a tese de
doutorado de Arthur Autran, “O Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro”,
posteriormente convertida em livro com o mesmo nome.

Apesar de existir no Brasil desde 1896, o cinema nunca conseguiu se consolidar plenamente
como indústria. Nesses 120 anos, o cinema brasileiro experimentou um período de relativo
18
êxito no exterior com o Cinema Novo e, recentemente, com alguns filmes da chamada
"Retomada" - que na prática significa a "reconquista" do mercado interno e do
reconhecimento internacional a partir de 1995 (FERREIRA, 2005). Durante esse período
houve inúmeras tentativas de construção de uma indústria independente e autosuficiente:
desde a criação de grandes estúdios para a produção de filmes (Cinédia, Atlântida, Vera Cruz,
Maristela), passando pela contratação de profissionais do exterior e a criação de órgãos
governamentais (INC, Embrafilme, Concine, Ancine) até a elaboração de diversas leis de
incentivo e fomento à atividade cinematográfica. Cada uma dessas iniciativas contribuiu de
alguma forma para a construção do mercado, mas este capítulo vai focar apenas nas atividades
das duas últimas instituições federais: a Embrafilme (1969-1990) e a Ancine (2003). Ambas
são as principais responsáveis pela atual configuração da indústria (FERREIRA, 2005).

Embrafilme

Ao notar o completo domínio dos estúdios norte-americanos nas atividades de produção,


distribuição e exibição da sétima arte no Brasil, o governo Getúlio Vargas criou uma medida
de proteção e implementou por meio de decreto uma lei de obrigatoriedade de exibição de
filmes nacionais. Era a primeira vez que um governo criava uma cota de tela a ser cumprida
pelos cinemas. Em 1939 regulamentou-se o decreto, que estabeleceu a exibição de um filme
brasileiro por ano. Em 1946 essa obrigatoriedade foi triplicada, estimulando as produções
locais e criando uma cultura de melhor aceitação do "produto brasileiro". Ainda assim, eram
medidas tímidas e isoladas para uma indústria inexistente e dominada por empresas
estrangeiras. Prova disso é que em 1953 entraram no Brasil 544 películas, das quais mais de
80% eram produções norte-americanas, enquanto no Brasil foram produzidos apenas 34
filmes (FERREIRA, 2005).

Buscando espaço no mercado, algumas empresas locais passaram a competir com os grandes
estúdios, as chamadas majors companies (o termo major está ligado à capacidade dessas
empresas de distribuir seus filmes mundialmente e em todas as mídias, além de produzir ou
financiar as produções. Esse modelo de atuação funciona até hoje em todo o mundo. Os
estúdios contratam projetos de uma produtora, financiam todas as fases de produção e
colocam a serviço do filme suas estruturas de produção, desde galpões de filmagem até
serviços de finalização).

Uma das mais emblemáticas tentativas de criação de uma indústria nacional autossuficiente

19
foi a inauguração da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernardo do Campo,
em 1949 (AUTRAN, 2014). O italiano Franco Zampari e um grupo de empresários paulistas
decidiram copiar o modelo norte-americano de produção e construíram enormes estúdios com
o objetivo de produzir em terras brasileiras filmes com o mesmo padrão de qualidade da
indústria americana. O começo da empreitada foi promissor, com os estúdios produzindo mais
de 20 longas-metragens e documentários, entre eles “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, e
“Caiçara”, de Adolfo Celi. Mas o mercado brasileiro tinha graves problemas estruturais,
especialmente em relação à distribuição e exibição dos filmes, que continuava nas mãos das
majors. Sem um sistema próprio de distribuição, a Vera Cruz começou a perder dinheiro
rapidamente, já que os distribuidores e exibidores ficavam com mais de 60% da arrecadação
dos filmes que ela produzia. Havia ainda uma grande dificuldade de inserção dos filmes
brasileiros no mercado internacional, já que eles falavam (e falam ainda hoje) quase
exclusivamente sobre questões locais, difíceis de serem compreendidas (e, portanto,
compradas) fora do Brasil. Ambos fatores retiravam da Vera Cruz a fonte de renda necessária
para a diluição dos enormes custos de suas produções, impedindo um ciclo sustentável de
investimentos em novos projetos (AUTRAN, 2014).

Como se isso não fosse suficiente, o "produto hollywoodiano" era praticamente imbatível. A
indústria americana investia pesadamente na construção de ídolos e mitos como estratégia de
sucesso para seus filmes e consolidação de sua hegemonia em nível mundial. Como resultado,
suas estrelas levavam milhões ao cinema. Por isso os filmes estrelados por atores como Gary
Cooper, Cary Grant, Jack Kerrigan e outros eram sucesso garantido de bilheteria. Nesse
contexto, a Companhia Vera Cruz, conhecida então como a “fábrica dos sonhos brasileira”,
rapidamente se transformou num pesadelo para seus acionistas e decretou falência, em 1954,
atolada em dívidas com os bancos (AUTRAN, 2014).

Nesse momento fica claro que, além de muito dinheiro, estúdios enormes, equipamentos de
ponta, técnicos de primeira linha e artistas talentosos, fazia-se necessário articular melhor a
produção com a distribuição, posto que este último setor se encontrava dominado pelo capital
estrangeiro e constitui-se no elo central que permite o acesso do filme ao mercado.

A rápida e estrondosa falência da Vera Cruz acabou servindo para uma ampla reflexão na
sociedade brasileira sobre a importância de uma indústria cinematográfica. Intelectuais,
cineastas e estudantes colocaram o debate sobre os destinos do cinema nacional na ordem do

20
dia. E tal reflexão foi decisiva para a ruptura com os velhos paradigmas sobre a indústria
cinematográfica e o significado dos filmes. (FERREIRA, 2005).

As experiências deixaram claro que era necessária uma intervenção do governo para
regulamentar o mercado, o que só se concretizou nos anos 60. A criação do Instituto Nacional
do Cinema (INC), durante o regime militar, em 1966, permitiu pela primeira vez o
desenvolvimento de uma ampla legislação sobre diversos aspectos da indústria, como os
critérios de permanência de filmes brasileiros em cartaz; fortalecimento da regulamentação
sobre os cinemas; estabelecimento de cotas de tela entre outras medidas positivas para a
incipiente indústria. Em 1969, o governo decidiu romper de vez o anacronismo em que se
encontrava a indústria em relação aos outros países e criou um programa de desenvolvimento
de uma “política cultural brasileira”. Nascia assim a Empresa Brasileira de Filmes S/A, a
Embrafilme, que embutia a idéia de desenvolvimentismo para a produção cinematográfica
nacional a partir da distribuição e promoção de filmes brasileiros no exterior. A empresa tinha
também como missão realizar mostras de cinema e apresentações em festivais, tendo sempre
como foco a difusão do filme nacional (CHALUPE, 2004).

A trajetória da Embrafilme é narrada por fases, que ficam bem caracterizadas pela sucessão
dos diretores gerais que estavam à frente das decisões da empresa (CHALUPE, 2004). A
primeira fase (1969 a 1974) foi um momento de reconhecimento do ambiente cinematográfico
nacional, cujo intuito era definir quais seriam os rumos da empresa. Entre 1974 e 1978 deu-se
a mais profícua das fases do mercado de filmes no país, quando a classe cinematográfica
assumiu a direção das atividades da estatal, com o cineasta Roberto Farias, nomeado diretor
da empresa. A Embrafilme começou então a participar também do financiamento dos filmes,
inclusive assumindo os riscos de produção. Nesse período criaram-se ainda as primeiras
medidas de regulamentação e fiscalização do mercado (CHALUPE, 2004).

No início da década de 80, a estatal começou a enfrentar dificuldades administrativas e


orçamentárias, momento em que inicia-se um completo esvaziamento político e econômico da
atividade cinematográfica. Em 1990 o presidente Fernando Collor de Mello extinguiu a
empresa e provocou um retrocesso no cinema brasileiro cuja dimensão ainda está sendo
avaliada pelos profissionais da área. No final das contas, a Embrafilme foi a responsável pela
construção das primeiras estruturas do mercado cinematográfico local. O melhor exemplo
disso ocorreu entre 1981 e 1986, quando os cinemas tiveram 75 estréias nacionais por ano
(BORGES, 2007), a melhor média da história da indústria até então.
21
Ancine

Com a volta da democracia, a política administrativa do Brasil passa por profundas


transformações, principalmente nos dois primeiros, e únicos, anos do governo Collor (1990-
1992) e no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1997).

Collor deu início à abertura comercial do país, até então uma das mais fechadas do mundo,
com a redução gradual das tarifas de importação (CURRY; GASPARIN, 2012), e abriu
caminho para as mudanças que viriam no governo FHC. Este pautou-se por um ideário que
tinha no liberalismo econômico (abertura comercial e privatizações) sua característica mais
forte, com iniciativas que mudaram a relação entre Estado e mercado (BRASIL ESCOLA,
2010). Seu alvo central foi quebrar alguns dos alicerces do Estado nacional-
desenvolvimentista, vigente desde a época de Getúlio Vargas, e reduzir a participação estatal
nas atividades econômicas.

No pacote de reformas empreendidas por este governo é central também a implementação de


um novo paradigma de administração pública, que substituiria a administração burocrática
pela chamada administração gerencial, conferindo maior eficiência, transparência e eficácia à
gestão (SERAFIM, 2007).

Em linha com esse novo cenário surgem as chamadas “agências reguladoras”, autarquias com
a missão de orgarnizar a ação de entidades públicas e privadas e criar regras para direcionar o
mercado para uma competição baseada no aperfeiçoamento da qualidade de bens e serviços.
A Ancine (Agência Nacional do Cinema) nasceu nesse contexto. Ela foi criada como uma
agência reguladora com objetivo de fomentar a produção, a distribuição e a exibição de obras
cinematográficas e videofonográficas em seus diversos segmentos de mercado, assim como
promover a auto-sustentabilidade da indústria nacional nos vários elos da cadeia produtiva
(ANCINE, 2009).

Junto com a Ancine foram criados o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema


Nacional - Prodecine, que autorizou a criação de Fundos de Financiamento da Indústria
Cinematográfica Nacional – Funcines, e alterou a legislação sobre a Contribuição para o
Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional - o Condecine (GUIA DO
PRODUTOR AUDIOVISUAL, 2010).

Nesse momento tem início uma tentativa de (re) organização a indústria audiovisual no país,

22
que ficou à deriva com a extinção da Embrafilme, por meio de uma série de mecanismos de
fomento (direto e indireto), incentivos e estímulos oferecidos para a produção, distribuição e
exibição de obras individuais (AUTRAN, 2014). Dentre tais mecanismos destacam-se os
incentivos fiscais, em que são utilizados créditos tributários para financiar produções ou
coproduções realizadas por produtores independentes (como a Lei Rouanet) e os programas
de fomento desenvolvidos diretamente pelo poder público, como o Fundo Setorial
Audiovisual (FSA), que hoje é o mais importante estímulo para o mercado. Ele é composto
pela Condecine, que é a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica
Nacional, um tributo pago em cada contrato de produção audiovisual (ANCINE, 2009).

Os valores do FSA eram tímidos no início, da ordem de R$ 30 milhões por ano. Com esse
montante, o governo conseguia abrir alguns poucos editais por ano, mas o valor era muito
baixo para estimular a indústria. Esse panorama mudou radicalmente com a chegada da Lei
12.485 (ANCINE, 2013), de contribuições tributárias do Fundo das Telecomunicações, que
entrou em vigor em setembro de 2012. A partir desse momento o FSA passa a ser o maior
financiador da indústria audiovisual do país, com um orçamento anual que passou de R$ 30
milhões em 2011 para R$ 989 milhões em 2013 (ANCINE, 2013).

"A partir de 2012 cada uso de celular passou a gerar um imposto que cai diretamente no caixa
do Fundo Setorial, o que implicou numa mudança enorme. A outra mudança é a organização
[por parte da Ancine] de um calendário bianual de editais, que começou a vigorar em outubro
deste ano [2015]. Isso dá previsibilidade e escala para a indústria. Muda completamente a
relação das empresas com o mercado, que agora ficará parecido com o de outros países".7

Isso quer dizer que a partir de 2015 os canais de TV e cinemas poderão se planejar com dois
anos de antecedência e saber o que poderão comprar para suas grades de programação, algo
que até então não acontecia. O governo abria editais em datas esporádicas e imprevisíveis, de
forma que o mercado tinha mais garantias de conseguir seus "produtos" para veiculação se os
comprasse fora do Brasil.

"A indústria nacional é totalmente subsidiada. Mas, na medida em que agora ela tem
um caixa de fomento como o FSA, e previsibilidade de entrega por meio do calendário de
editais, os canais de TV e circuito de cinema têm garantias que determinado filme vai ser

7  Entrevista  com  Mauro  Garcia,  presidente  da  ABPITV,  a  Associação  Brasileira  das  Produtoras  Independentes  em  25/09/2015  

23
produzido e chegará no mercado em uma data pré-estabelecida. Por isso a indústria na prática
ainda não existe, mas agora ela está começando a se formar".8

Os números do mercado atualmente já apresentam os resultados dessas mudanças. Segundo a


Revista de Cinema (REVISTA DE CINEMA, 2015), “hoje [2015] existem 22 canais
brasileiros que exibem mais de 21 horas de produção nacional por semana. Em 2011, eram
apenas sete canais. Mais de 3.200 filmes e outras obras audiovisuais brasileiras foram
licenciadas em 2013 para exibição na TV paga, quando em 2011 foram 761. Em 2014, foram
506 obras seriadas brasileiras inéditas que estrearam na TV paga. Em 2011, apenas 73”.

Nesse novo contexto, profissionalizar a gestão passou a ser imprescindível para a


sobrevivência das produtoras independentes9.

2.1.3 A gestão cinematográfica

Um pouco de incerteza é bom para tudo.


- HENRY KISSINGER

A grosso modo, a dinâmica do mercado cinematográfico brasileiro funciona da seguinte


maneira: uma produtora tem um projeto em desenvolvimento, por exemplo, um roteiro com
potencial para virar um filme. Para executar esse projeto, a empresa pode optar por solicitar
recursos públicos (renúncia fiscal ou fomento direto), buscar patrocinadores privados ou ela
mesmo pode bancar o filme. Como cinema é um negócio extremamente arriscado,
praticamente 100% das produções acabam sendo realizadas com dinheiro público. Uma vez
que o projeto é aprovado pela Ancine e o dinheiro liberado, o filme recebe o "sinal verde" da
produtora e começa a ser produzido.

Do ponto de vista do gerenciamento é importante ressaltar que no mercado brasileiro o


gerente do filme nunca teve a obrigação de obter retorno financeiro. Essa realidade está
começando a mudar graças a novas determinações da Ancine, mas hoje em dia o gerente de
projeto tem de "apenas" entregar os projetos dentro do custo, tempo e qualidade esperados. A

8  Entrevista  com  Mauro  Garcia,  presidente  da  ABPITV,  a  Associação  Brasileira  das  Produtoras  Independentes  em  25/09/2015  
9   Por   "produtores   independentes"   entenda-­‐se   os   profissionais   (ou   as   produtoras)   que   atuam   fora   das   grandes   empresas   de  
radiodifusão   (sistema   de   transmissão   de   voz   via   sinais   radiofônicos)   e   que   conseguem   financiamento   para   suas   obras.   Nos   EUA,   cuja  
configuração  do  mercado  é  completamente  diferente,  o  termo  "produtor  independente"  é  aquele  que  consegue  fazer  seus  filmes  fora  
dos  grandes  estúdios  -­‐  Fox,  Warner,  Disney,  Paramount,  Universal  (nota  do  autor).  

24
ideia que se tem de indústria cinematográfica no Brasil ainda está ligada diretamente às
questões de qualidade artística e técnica, de forma que o que determina o sucesso de um filme
é a opinião (subjetiva) dos responsáveis pelo mesmo, seja do diretor do filme ou a produtora
responsável. Para a imensa maioria dos estudos consultados e citados neste trabalho, no
entanto, quem determina o sucesso do "projeto filme" é única e exclusivamente o público.

Esse sentimento no Brasil ainda é tão forte que deixa em segundo plano a preocupação com a
configuração do mercado, das possibilidades de esse mercado amortizar investimentos ou de
gerar lucratividade que estimule os investidores a continuar na atividade (AUTRAN, 2014).

Com o objetivo de mudar essa cultura e estimular a competitividade da indústria, a Ancine


estabeleceu regras de "retorno do investimento" para o Fundo Setorial Audiovisual. A partir
de 2012, um filme que recebeu dinheiro público perde pontos na Ancine se não retornar nada.
Ou seja, um filme que foi subsidiado com dinheiro do contribuinte não tem obrigação de dar
retorno financeiro, mas agora a produtora de um fiasco de renda e público é "punida" com a
perda de pontos e não pode mais captar a mesma quantia que conseguiu para executar aquele
filme que não deu retorno. Nessa realidade, a empresa que não apresentar resultados concretos
vai perdendo "créditos" até que, em um determinado momento, dependendo dos resultados
dos filmes que produziu, não poderá mais captar recursos10. Por isso hoje em dia a Ancine
publica relatórios como esse abaixo, mostrando para o mercado que está cada vez mais
interessada em produções que levem público aos cinemas, gerem retorno financeiro e
fomentem toda a cadeia.

Retorno do investimento por Linha de Ação

Linha Projetos Projetos Investimento Valor Recuperação


com com nos projetos Retorno do
relatórios recuperação (R$) investimento
analisados

A 11 4 8.387.277,00 1.059.083,82 12,6%

B 5 5 3.233.594,80 350.485,54 10,8%

10  http://fsa.ancine.gov.br/resultados/desempenho/retorno-­‐do-­‐investimento  

25
C 5 5 9.300.000,00 5.782.615,05 62,2%

Total 21 14 20.920.871,80 7.192.184,41 34,4%

Figura 2 - Retorno de investimento por linha de ação


Fonte: ANCINE, 2014

A lógica adotada faz sentido quando analisamos os filmes subsidiados de forma isolada. Um
exemplo: o documentário “Segredos da Tribo”, do diretor José Padilha (Ônibus 174, Tropa de
Elite, Robocop, Narcos), captou via isenção fiscal mais de R$ 417 mil (ANCINE, 2014), por
meio da produtora Zazen, do próprio diretor. O filme fala sobre um conflito entre
antropólogos por causa dos índios Ianomâmi e foi exibido em 2013 em duas salas de cinema.
Teve um retorno financeiro de R$ 6.272,00, com público total de 775 pessoas. Em outras
palavras, o contribuinte brasileiro pagou (já que o governo deixou de arrecadar) cerca de $
400 mil por uma obra que rendeu R$ 6 mil e foi vista por menos de 800 pessoas.

Olhando do ponto de vista exclusivo do retorno financeiro, e sem levar em consideração que
essa produção criou empregos temporários e gerou renda para todos os envolvidos, o estado
brasileiro teve um prejuízo considerável. Até há pouco tempo isso não era um problema. O
gerente não se preocupava se o filme seria visto por 5 milhões ou 50 pessoas. Mas hoje a
realidade é outra. Com um fracasso dessa magnitude, a produtora Zazen terá mais dificuldade
para captar recursos por meio da Ancine. Na prática, como as mudanças são muito recentes, a
maioria das produtoras ainda opta por fazer cinema como uma forma de "apresentação de
portfólio", quase como um hobby. Ou, como disse um produtor de uma das maiores empresas
de audiovisual do Brasil, "fazer um filme é algo autoral, como um filho que a gente cria
durante 5 anos".

"Hoje ninguém entra num projeto com a expectativa de retorno financeiro. O mercado
brasileiro não tem maturidade suficiente. As produtoras não visam lucro com longas-
metragem. Elas querem mais o reconhecimento e exposição da empresa, funciona como
porftólio. Talvez a empresa acerte um 'golpe' e o filme seja um sucesso de renda e público,
mas as empresas entram no projeto sabendo que não vão ganhar dinheiro. Sucesso, no Brasil,
é conseguir fazer um filme bom com o orçamento que você tem".11

11  Entrevista  com  Jatir  Eiró,  produtor  executivo  da  Bossa  Nova  Filmes  em  12/09/2015  

26
Como resumiu o próprio José Padilha (OGLOBO, 2013), hoje uma produtora não consegue se
manter apenas fazendo filmes, até porque os projetos cinematográficos demoram anos por
conta da tempo de liberação das verbas pela Ancine e também pela própria dinâmica do
negócio. A produtora O2, do cineasta Fernando Mereilles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel)
é outro bom exemplo de como (ainda) funciona a realidade brasileira. Até 2011, a empresa
vivia quase que exclusivamente de publicidade, comerciais para a televisão, e só recentemente
passou a acrescentar o cinema em seu portfólio de maneira "mais comercial e menos autoral"
(LORENTE, 2014).

"Estamos vivendo um momento de aperfeiçoamento da indústria. Há 15 anos o cinema era


algo doméstico, mais autoral. O diretor era o cara presente e onipotente, e os projetos se
baseavam nessa premissa. Mas, com a lei de obrigatoriedade do conteúdo nacional, criou-se
uma situação diferente: as produtoras estão tendo que se adequar a um volume de conteúdo
enorme que deve ser produzido por um preço barato. Isso alterou a lógica dessa 'produção
autoral'. Os projetos agora deixaram de ser autorais para se transformar em 'projetos de
produção'. O diretor precisa trabalhar em sintonia com a produção, e o gerente do projeto
precisa coordenar de forma eficiente uma equipe enorme, orçamentos gigantes e todo tipo de
personalidade, desde atores até administradores".12

Todas essas mudanças citadas são muito recententes em termos de mercado e ainda levará
anos até que a indústria desenvolva uma mentalidade puramente comercial, como a norte-
americana, para usar um exemplo extremo. De qualquer forma, e o que interessa para este
estudo é que, com essa nova realidade, o gerente de projetos tem uma responsabilidade cada
vez maior na coordenação de um filme. Agora espera-se dele uma entrega que obtenha algum
retorno financeiro. Daí vem a observação do presidente da ABPITV que está abertura do
TCC:

"Mais do que uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, as produtoras hoje precisam de bons
CEOs, gente capaz de administrar um negócio complexo, de fazer planejamento, controle de
gastos, gerenciamento de pessoas, análise se mercado e carteira de clientes. A "produtora de
dois amigos" que se juntam para fazer filmes já não funciona mais".13

12  Entrevista  com  Ary  Piny,  produtor  executivo  da  O2,  em  10/09/2015  
13
Entrevista com Mauro Garcia em 25/09/2015

27
2.1.4 O gerente do filme

Como visto até aqui, o gerente de um filme está inserido em um ambiente incerto, em que não
é possível prever o ROI de um projeto; em uma indústria que na prática inexiste, quase 100%
subsidiada; em um mercado moldado e dominado por empresas e produtos norte-americanos;
em um setor que nos últimos anos recebeu um súbito aumento de demanda; que desde 2012
tem à sua disposição uma enorme fonte de financiamento; com novos players que precisam de
gestores eficientes para atender a essa demanda; cujo produto (o filme) é complexo, caro de se
fazer e depende de uma equipe grande de profissionais especializados trabalhando de forma
intensa e harmônica num curto espaço de tempo.

Nesse contexto, quem é a pessoa que tem o controle de todo o processo? Que comanda e
integra as equipes técnica e artística; controla o orçamento; contratos; locações; gerencia
aquisições, riscos, tempo, pessoas? Há diferentes respostas para essa pergunta entre os
profissionais da área. Mas neste trabalho vamos definir a figura do produtor executivo (PE)
como o "gerente do filme", uma vez que este foi o cargo mais citado pelos entrevistados para
este trabalho e também o mais presente na literatura revisada.

No único artigo encontrado no site do PMI sobre gerenciamento audiovisual (RHYNE, 2008),
o autor faz uma compilação de diferentes definições de quem seria o gerente. Apesar de se
mostrar frustrado pelo fato de não ter encontrado um "gerente formal" nas produções de
cinema, ele ressalta que 5 das 8 fontes consultadas afirmam que o principal responsável pelo
filme equivale a alguma das variações do cargo de produtor.

Quem é o gerente em um longa-metragem?

Motion Picture Industry Literary and Other Sources


Title
Executive Producer Marcello, 2007
Producer Marcello, 2007; Cheklich, 2002; Brook, 2005;
Hoover, 2007
Line Producer British Computer Society, 2006; Brook, 2005;
Hoover, 2007
Director Marcello, 2007; Farrell, 1995
First Assistant Director Cheklich, 2002; Hoover, 2007
Production Manager Katsiris, 2007; Clevé, 2006; Brook, 2005;
Hoover, 2007
Unit Production Manager Cheklich, 2002; Hoover, 2007
Script Supervisor Cheklich, 2002
28
Tech Scout Cheklich, 2002
Location Scout Hoover, 2007
Location Manager Hoover, 2007
Traffic Coordinator Cheklich, 2002
Production Co-coordinator Brook, 2005

Figura 3 - Who is the Film Project Manager?


Fonte: PMI, 2008

É importante destacar que apesar das semelhanças que existem nos processos de produção
cinematográfica, o mercado não funciona da mesma forma em todos os lugares. Nos Estados
Unidos, por exemplo, o produtor executivo é o "homem do dinheiro", a pessoa que vai criar o
projeto, conseguir a verba e vender a ideia para os estúdios executarem o filme. No Brasil, o
produtor executivo está mais ligado à execução do projeto, mas não existem regras fixas.
Como se trata de um mercado novo, muitas vezes as funções se misturam, se confundem ou
simplesmente ainda estão em fase de formação. No Brasil, dependendo da empresa, o PE
pode tanto participar de todas as etapas da produção - do desenvolvimento da ideia até a
comercialização do filme - como apenas da parte mais "gerencial", executando o projeto que
recebeu com um escopo, orçamento e data de entrega, sem ter contato com o financiamento e
a comercialização.

No Brasil é mais comum que o PE já receba o projeto com o "time criativo" montado (diretor,
diretor de fotografia, diretor de arte e atores principais) e a partir daí ele tem a missão de
entregar o produto com a qualidade, tempo e custo esperados. Vamos considerar neste TCC
uma situação hipotética em que o produtor executivo se envolve em todas as cinco etapas do
processo, coordenando, supervisionando, controlando e integrando as equipes artística e
técnica.

O produtor executivo

O cargo de produtor executivo é certamente um dos mais complexos quando falamos sobre o
processo de produção de um filme. Essa função exige conhecimentos técnicos, psicológicos,
legais, uma enorme capacidade organizacional e de liderança. O PE precisa estar disponível
durante as 24 horas do dia em todas as fases do processo. Seu trabalho é dar à equipe de
filmagem toda a estrutura necessária para que os artistas possam executar sua arte da melhor
forma possível, enquanto controla o dinheiro da produção com mão de ferro. Trata-se de uma
29
das poucas pessoas na equipe que participa de todo o processo de produção, do começo ao
fim. Ele é o principal responsável pelo projeto e conhece todos os detalhes do projeto.

O PE não faz parte do "time criativo". Ele não se envolve com o roteiro, não tem influência na
escolha dos atores e tampouco vai tomar decisões sobre a direção do filme (responsabilidade
do diretor). Sua função é oferecer as melhores condições de trabalho a todos e proteger os
interesses da produtora (ou seus próprios interesses, se for um produtor independente), por
isso ele tem o controle gerencial, financeiro, logístico e organizacional sobre todos os
aspectos da produção.

Durante as fases de pré e pós-produção, todas as equipes devem seguir as ordens do


departamento de produção, liderado pelo PE. Durante a gravação, no entanto, o diretor tem
mais poder e sua palavra nessa é lei, só o produtor executivo pode ir contra a vontade do
diretor se isso significa proteger a produtora de alguma excentricidade. Se, por exemplo, o
diretor quiser explodir uma BMW nova em uma cena porque lhe ocorreu um insight, algo
habitual no mundo do cinema, o PE será chamado para negociar com o diretor. Nessa
negociação ele evitará dizer diretamente "não". Mas, em último caso, se explodir a BMW for
comprometer o orçamento, o PE vai vetar a ideia (PINI, 2015).

A função do produtor executivo representa o eterno conflito entre negócio e arte, por isso
espera-se dele uma postura equilibrada, que saiba conviver com um nível bastante elevado de
estresse diário. Em hipótese alguma ele deve se envolver em problemas com os artistas, que
são extremamente sensíveis. O PE raramente precisa ir até o set de filmagem. Seu local de
trabalho é a produtora, onde ele gerencia planilhas de Excel, telefonemas furiosos, produtores
ansiosos e muitas outras questões relacionadas ao filme e todos seus aspectos
(HONTHANER, 2010).

2.1.5. A produção audiovisual sob a ótica do PMBOK

Para entender o trabalho do produtor executivo sob a ótica do PMBOK vamos comparar a
metodologia de gestão de projetos com as etapas de produção de um filme:

30
Grupos de Processos do PMBOK vs Etapas de produção de um filme

Iniciação Planejamento Desenvolvimento Pré-Produção

Execução Controle Produção Pós-Produção

Encerramento Distribuição

Figura 4 - Grupos de Processos vs etapas da produção fílmica


Fonte: Criado pelo próprio autor

DESENVOLVIMENTO E PREPARAÇÃO (INICIAÇÃO)

A etapa de desenvolvimento do filme equivale à Iniciação no grupo de processos do PMI. No


processo de Iniciação, o escopo é definido (o roteiro do filme), os recursos financeiros são
comprometidos (é definido quem financiará a obra) e também são realizados uma série de
processos para definir o projeto por meio de autorizações entre os envolvidos (contratos com
os atores principais e o diretor). As partes interessadas internas e externas que vão interagir e
influenciar no resultado do projeto são identificadas e o gerente do projeto (o produtor
executivo) será escolhido. Todas essas informações são capturadas no termo de abertura do
projeto e no registro das partes interessadas. Quando o termo de abertura é aprovado, o
projeto é oficialmente autorizado (PESSE, 2008). O objetivo principal nesta etapa é alinhar as
expectativas das partes interessadas com o objetivo do projeto, dar-lhes visibilidade sobre o
escopo e objetivos, e mostrar como a sua participação no projetos e em suas respectivas fases
pode assegurar a realização das suas expectativas. Estes processos ajudam a estabelecer a
visão do projeto, o que precisa ser alcançado (PMBOK, 2015).

O desenvolvimento é a primeira etapa de uma produção cinematográfica. Esta fase também é


chamada de "pré-pré", uma vez que se trata de uma etapa anterior à pré-produção - um
período geralmente marcado por uma série de frustrações, meses de espera e enormes dúvidas
em relação à viabilidade do projeto. Neste momento busca-se transformar algo abstrato (uma
ideia) em um produto (um filme), basicamente com o objetivo de gerar dinheiro para os todos
os envolvidos (ou fazer portfólio, etc).
31
Em primeiro lugar é necessário encontrar material com potencial de virar uma produção de
sucesso. Esse material pode vir da inspiração de algum roteirista, de um livro, de numa
história na imprensa, de uma música, de um outro filme ou documentário. Independentemente
da fonte, o produtor precisa comprar os direitos da ideia para poder transformá-la em filme.

Com um projeto com potencial nas mãos, o produtor executivo vai tentar atrair nomes de peso
(estrelas e diretores famosos) e levar para o filme o que há de melhor no mercado,
transformando assim aquele produto em algo mais atraente para as empresas que vão investir
no projeto. Geralmente, e junto com o dono da produtora, ele decidirá quem será o "time
criativo" do filme - o diretor, atores principais, diretor de fotografia e diretor de arte. Ao
mesmo tempo, ele busca financiamento para a obra, já com um plano de negócios montado
para levantar o dinheiro necessário (seja público ou privado). Em uma situação hipotética em
que o financiamento está garantido com a participação desse pequeno, mas importante grupo -
afinal é o rosto dos atores e as decisões do diretor que serão lembrados pelos consumidores - o
produtor executivo recebe o sinal verde para executar o projeto (PESSE, 2008).

A partir desse momento ele tem cerca de 3 meses para achar as locações onde serão gravadas
as cenas, contratar o resto da equipe e destrinchar o roteiro em pequenas cenas para ter uma
ideia precisa do custo e tempo da produção. A essa altura o PE já sabe o valor exato que terá
para trabalhar. Se ele tem R$ 3 milhões para fazer o filme em 6 semanas, deverá executar a
obra com mão de ferro para não estourar o orçamento e ter tudo sob controle para não perder
diárias de gravação e comprometer o cronograma. Não há margem para erros ou
improvisações em um negócio em que uma diária pode passar de R$ 200 mil.

O tempo do desenvolvimento vai variar de acordo com o tamanho da produção, mas durante
esse processo há 5 atividades que são comuns à maioria dos projetos cinematográficos e que
demandam total atenção por parte do produtor executivo (PESSE, 2008).

1. Análise de mercado

Um dos erros mais frequentes entre produtores é achar que o filme é mais importante do que a
parte comercial do projeto. O termo show business não é ao acaso: é 50% arte e 50% negócio.
Se fosse 100% arte seria show art, o que não é o caso. Um filme é sem dúvida uma forma de
arte, e muito cara de ser produzida, por isso é importante que o produtor tenha em mente
durante a fase de desenvolvimento que o aspecto comercial é tão importante quanto o próprio
filme. Um bom exemplo de relação arte-comercial é "O Projeto Bruxa de Blair". Esse filme
32
foi um projeto de baixo custo que tinha como objetivo principal gerar lucro para todos os
envolvidos e com um plano de negócios muito bem definido. Seus produtores conseguiram
investimento privado de US$ 350 mil, e o filme acabou arrecadando US$ 300 milhões em
todo o mundo (LEVISON, 2013).

As produtoras ou produtores independentes devem escolher um determinado tipo de produto


com base em análises. O que o público quer ver naquele momento? Quais as tendências da
atualidade? Qual o momento do país? Há produtos semelhantes no mercado com bons
resultados? O tipo de produção que será desenvolvida a partir dessa análise é que vai
determinar, em boa medida, a longevidade do filme e também o seu gênero: drama, comédia,
comédia-romântica, ficção, documentário, etc. Essas “fórmulas” variam de acordo com o
momento do mercado e precisam ser constantemente analisadas durante o processo de
desenvolvimento. Fazer um filme sem essas informações é como um voo cego. Ao avaliar um
projeto é preciso levar em consideração:

1) As possibilidades de rentabilidade da obra;

2) As possibilidades de financiamento da obra;

3) O perfil do mercado no qual a produtora está inserida naquele determinado momento.

As produtoras têm (ou deveriam ter) missão, visão e valores, assim como metas e objetivos a
curto e longo prazos. Isso as ajuda na escolha dos tipos de produtos que devem ser
trabalhados. Por isso a gestão de projetos está cada vez mais relacionada com a gestão do
negócio. Não se trata mais de uma atividade operacional isolada - e no setor audiovisual não é
diferente. Isso cria uma necessidade por parte das empresas de alinhar os negócios da
organização com seus objetivos estratégicos. No ambiente extremamente competitivo em que
vivemos, um produtor executivo terá mais chance de sucesso na área se conseguir atuar com
artista e gerente de projeto ao mesmo tempo (LEVISON, 2013).

Após essa auto-análise, a produtora terá de definir se o projeto que está desenvolvendo tem
como objetivo final retorno financeiro imediato; aumento do portfólio da empresa; se a ideia é
fazer carreira em festivais de cinema para exposição da marca (o nome da produtora); ou se
pretende apenas pagar as contas dos custos de produção para viabilizar o projeto por "carinho
ao filme". Essa última opção é muito comum no Brasil. Muitos filmes são pensados desde seu
início como "projetos autorais", ou seja, quando todos os envolvidos já sabem que o filme não
vai fazer dinheiro. Essas questões precisam ser definidas na etapa de desenvolvimento. A
33
missão da produtora deve ser baseada em uma cuidadosa estratégia, que leva em conta o
tamanho/custo da produção, as relações com as distribuidoras, oportunidades de negócio e
outras variáveis como:

• Projeção de venda bruta (bilheteria nacional, internacional, TV aberta, TV fechada,


DVD, VOD);

• Projeção de venda líquida (o valor arrecadado menos os gastos com marketing, taxa
dos distribuidores, taxa dos exibidores e outros);

• Lucro bruto (arrecadação menos o custo de produção);

• Lucro líquido (o que a produtora lucra no final do projeto).

Dessa análise vai surgir uma missão que deve ser alcançável e racional. E essa missão deve
ser servir de base para a criação de um bom roteiro. Essa compreensão preliminar do lado
comercial do projeto aumenta as chances de um retorno sobre o investimento positivo - ainda
que não existam modelos confiáveis sobre como fazer filmes de sucesso. Como um "gerente
tradicional" na fase de Iniciação do grupo de processos, durante o desenvolvimento o produtor
executivo terá de definir os objetivos do projeto, seu escopo final e o destino dos recursos
financeiros conseguidos.

2. Desenvolvimento do projeto

A ideia para um projeto fílmico pode chegar por vários caminhos e os produtores devem
analisar todas as possibilidades com cuidado antes de dar início ao seu desenvolvimento.
Como mencionado, em primeiro lugar eles devem fazer uma análise de mercado e decidir se
vale a pena o investimento de tempo e dinheiro. Um projeto começa com uma ideia que pode
vir de um livro antigo (A Batalha das Termópilas); de um novo sucesso de vendas (50 Tons
de Cinza); de um livro que passou desapercebido pelo grande público (Tropa de Elite); de
uma história inventada por um roteirista (Estômago); de uma notícia de jornal (o traficante
brasileiro fuzilado na Indonésia); de uma história real; de outro filme já existente; de uma
peça de teatro, etc. Uma boa maneira de verificar o potencial da história e minimizar os riscos
do projeto é buscar "fórmulas" semelhantes no mercado.

“Sempre me perguntam qual a tendência [do mercado]? Eu sempre respondo: repetir


fórmulas. Basicamente o que eu vejo hoje na TV é uma repetição. Você precisa ter certeza
que alguma coisa vai funcionar. O mercado de entretenimento é de risco, não tem fórmula,
34
não é refrigerante. É a indústria do risco. Então, você repete a fórmula do sucesso. Às vezes
alguns se arriscam a trazer alguma coisa nova, naturalmente, alguém vem atrás e copia."
(GOES, 2015)

A análise de Góes, um profissional com muitos anos de experiência em conteúdo audiovisual,


pode ser corroborada com a série "Narcos", que recentemente estreou no Netflix. Com
produção executiva e direção do brasileiro José Padilha, a série conta como foi a investigação
realizada nos anos 80 pelas polícias colombiana e norte-americana para capturar o traficante
Pablo Escobar. A série repete a mesma fórmula usada em Tropa de Elite, que foi um grande
sucesso no Brasil: é narrada a partir do ponto de vista de um policial, com voz em OFF;
mostra cenas extremas de violência e a estrela do filme é o ator Wagner Moura (o Capitão
Nascimento em Tropa de Elite). A preocupação da empresa que financiou a série (Netflix) era
fazer sucesso no Brasil e ganhar mercado no país. Do raciocínio de "repetição de fórmulas"
veio a decisão dos produtores de escolher um ator brasileiro para representar um personagem
colombiano. Por isso as críticas ao sotaque de Wagner Moura interpretando um colombiano
são irrelevantes para o projeto. A estratégia comercial foi montada com base em uma fórmula
de sucesso anterior: um carismático ator brasileiro que atua de forma violenta, mas cria
empatia com o público. Não foi à toa que Wagner Moura não aparece matando ninguém na
série. Pelo contrário, ele é apresentado como um homem de família e fiel aos amigos. A
violência é quase sempre cometida por seus capangas (GUELLI, 2015).

Em resumo, os produtores têm de saber qual é o diferencial do projeto, quais seus pontos
fortes e fracos (análise SWOT) e quem são os talentos necessários (diretores, atores,
roteirista) para que aquela produção tenha mais chance de sucesso com o público - e ao
mesmo tempo buscar parceiros (canais e distribuidores) que podem se interessar pela ideia.

3. Desenvolvimento do roteiro

Caso a história já exista, a produtora deverá negociar sua adaptação às telas. O tempo do
início dessa negociação até a finalização de um roteiro bem estruturado pode demorar vários
meses. A não ser que seja uma história "hardnews", como o caso do brasileiro Jean Carlos de
Menezes, assassinado em Londres em 2005 ao ser confundido com um terrorista. Nesses
casos há uma "competição" entre os interessados em comprar os direitos da história para
transformá-la em filme e ela vai às telas de forma relativamente rápida. É importante que
nessa etapa os advogados participem das negociações para garantir que todas as permissões

35
para exploração dos direitos de imagem estejam em ordem. É muito difícil conseguir essas
permissões depois que a fase de desenvolvimento já terminou e o roteiro está pronto para ser
filmado (CLEVÈ, 1994).

O roteiro é a pedra angular sob a qual a maioria das decisões do projeto serão tomadas ao
longo dos próximos meses. Ele apresenta o conceito e o desenvolvimento da história. É como
uma bíblia. O tempo e custo do filme dependem do roteiro; os atores participam ou não da
história a partir da leitura do roteiro; a localização das filmagens, estúdios, roupas e efeitos
especiais e muito mais dependem do que foi estabelecido pelo roteiro. Em última análise, o
que uma equipe de filmagem faz é filmar um roteiro (PESSE, 2008). Como visto até agora, há
diversos fatores que podem contribuir para o sucesso de um filme: a presença de estrelas, a
"percepção de qualidade" por parte do público, análises de mercado, etc. Mas há um ponto em
que vários produtores coincidem: ter um bom roteiro é meio caminho andado para que o
projeto funcione.

O roteiro contém os requisitos do filme, uma parte fundamental para a definição do escopo e
dos objetivos do projeto. Quando os requisitos não são claros, a chance de o projeto não ter
sucesso é grande. Coletar os requisitos é o processo de determinar, documentar e gerenciar as
necessidades e requisitos das partes interessadas a fim de atender aos objetivos do projeto. O
principal benefício deste processo é o fornecimento da base para definição e gerenciamento
do escopo do projeto como um todo, incluindo o escopo do produto final - o filme. Um
requisito é uma declaração de algo que alguém precisa. Ele deve ser claro, compreensível,
alcançável e verificável - exatamente como o roteiro. Eles serão a base para construção da
EAP, a Estrutura Analítica do Projeto, cujo objetivo é decompor o projeto em partes menores,
tornando-o assim mais fácil de ser gerenciado (PMBOK, 2015). No caso de um filme, essa
divisão recebe o nome de análise técnica: o roteiro é dividido em cenas para que o produtor
executivo possa ter uma dimensão precisa do custo, tempo e escopo daquela produção
(PESSE, 2008).

Assim como um gestor "tradicional", após a coleta dos requisitos (por meio da análise do
roteiro), o produtor executivo deverá organizar a EAP do filme. O planejamento dos custos,
tempo, aquisições, RH, comunicações, escopo, riscos, stakeholders, qualidade e integração
será construído com base no roteiro. Tanto em indústrias como tecnologia da informação,
farmacêutica e engenharia, quanto na indústria audiovisual, a inexatidão na elaboração dos
requisitos em um projeto são sinônimos de problemas à vista: a qualidade final do produto se
36
torna uma incógnita; o escopo fica indefinido; frustram-se expectativas; os relatórios se
tornam vagos; há problemas de integração e, como consequência de tudo isso, haverá muito
retrabalho ao longo do projeto.

O exercício de destrinchar o roteiro tem um duplo objetivo: ao mesmo tempo que cria uma
fundação sólida para o planejamento, ele também serve de guia para o PE controlar o projeto
desde o começo. Essa atividade gera uma série de benefícios como cronogramas realistas,
orçamentos confiáveis e logística inteligente. Nesse momento o PE começa a fazer o
planejamento do filme, a principal atividade do desenvolvimento: serão estabelecidos um
rigoroso cronograma e um orçamento minucioso que foi obtido por meio da análise técnica.
As cenas começam a ser organizadas de forma que elas serão gravadas em uma sequência
lógica e econômica.

Outra função do PE é gerenciar as locações, que são os locais onde serão gravadas as cenas do
filme, junto com os profissionais de outras áreas. O PE vai analisar o roteiro com o objetivo
de preparar a logística para eventuais viagens e mobilizações necessárias durante as
gravações. A ideia é comprimir as filmagens ao máximo durante cada mobilização da equipe
e equipamentos, já que esses deslocamentos geram custos altíssimos para a produção. A
escolha dos demais atores também começa na fase de desenvolvimento e preparação, quando
o produtor executivo levanta uma série de possibilidades de acordo com o tipo de produção
que será realizada (RYAN, 2010). As estrelas já foram contatadas, assim com o diretor e os
diretores de fotografia e arte. O PE contrata um diretor de casting, que vai receber CVs, fazer
testes e eventualmente gravar algumas cenas com os pretendentes para se certificar que está
fazendo a escolha certa. O objetivo é montar um time que funcione bem na tela do cinema.

É crucial que todas essas decisões sejam tomadas na fase de desenvolvimento e preparação,
uma vez que na pré-produção e produção a máquina já deve estar rodando a todo vapor e não
haverá muito tempo para correções. Eventuais mudanças podem comprometer o tempo e o
custo do projeto, que é o pesadelo de todo produtor executivo. No cinema, quanto maior o
tempo de produção, maior será o orçamento. Depois de algumas semanas de trabalho o roteiro
está fechado e não deverá sofrer mais alterações significativas; o plano de filmagem está
estabelecido; o orçamento está dentro do valor que a produtora tem para executar o filme e a
equipe está contratada: tudo está pronto para que o filme entre na fase de pré-produção. Em
resumo, o produtor executivo tem em mãos a "EAP do filme".

37
A etapa mais barata de todo o processo de produção de um filme é seu desenvolvimento. Mas,
tendo em vista a sua importância para um projeto, pode ser interessante para as produtoras
independentes começar a investir mais tempo e dinheiro nesse estágio. Afinal, como se diz no
meio cinematográfico: "É possível fazer um filme ruim com um bom roteiro, mas é
impossível fazer um bom filme com um roteiro ruim.” (GUELLI, 2015)

PRÉ-PRODUÇÃO (PLANEJAMENTO)

O grupo de processos de planejamento consiste dos processos realizados para estabelecer o


escopo total do projeto, definir os objetivos e desenvolver o curso de ação necessário para
alcançar esses objetivos. Os processos de planejamento desenvolvem o plano de
gerenciamento e os documentos do projeto que serão usados para executá-lo. O benefício
principal deste grupo de processos é delinear a estratégia e a tática, e também o curso de ação
ou o caminho para a conclusão do projeto ou da fase com sucesso. Quando o grupo de
processos de planejamento é bem gerenciado, fica mais fácil conquistar a adesão e a
participação das partes interessadas. Esses processos expressam como isso será feito,
estabelecendo o caminho para o alcance do objetivo desejado. O plano de gerenciamento do
projeto e os documentos do projeto desenvolvidos como saídas do grupo de processos de
planejamento explorarão todos os aspectos do escopo, tempo, qualidade, comunicações,
recursos humanos, riscos, aquisições e gerenciamento das partes interessadas (PMBOK,
2015).

A dinâmica de um projeto cinematográfico na etapa de pré-produção se assemelha ao


Planejamento dentro do grupo de processos do PMBOK, já que na pré-produção o produtor
executivo precisa estabelecer o escopo total do projeto e definir o planejamento do mesmo.
Para isso são feitas revisões no roteiro e no cronograma do projeto. Eventuais modificações
certamente vão ocorrer ao longo do processo para melhorar diálogos, cenas ou adaptações do
personagem de acordo com o perfil dos atores contratados, mas a essência do roteiro se
mantém intacta (PESSE, 2008).

Um produtor experiente só precisa ler superficialmente o roteiro para ter uma boa ideia do
tamanho da produção, ou seja, quantos dias de filmagem serão necessários, quantos atores,
figurantes, viagens, locações, tamanho da pós-produção, etc. Neste momento o PE começa a
lidar diariamente com boa parte das atribuições que terá ao longo do trabalho: análise técnica
do roteiro; cronograma de gravação; checagem de locações; controle rigoroso do orçamento;

38
elenco e sindicatos; autorizações; contratação de equipe; aluguel de equipamentos;
armazenamento de cenários/roupas; seguros para os profissionais e equipamentos; preparação
para a pós-produção (BARNWELL, 2008). O PE deve criar uma planilha para cada uma das
cenas dos roteiro, com todas as informações necessárias para a execução daquela cena, de
forma que o número final de planilhas deve ser o mesmo que o número de cenas do filme. A
análise técnica demanda uma contínua e eficiente comunicação entre a equipe. Cada chefe de
departamento (produção, arte, fotografia, figurino, áudio) deve transmitir a quantidade de
informação suficiente para que o PE obtenha uma leitura perfeita do que o diretor pretende
fazer em cada cena. Só assim é possível calcular com precisão o custo e cronograma da
produção.

Nesta etapa o PE também vai lidar com recursos humanos, negociação, gerenciamento de
custo e riscos. Toda a equipe de produção se reúne pela primeira vez; o time criativo decide o
tom e aparência do filme; as cenas começam a ser ensaiadas pelos atores e os milestones do
projeto são estabelecidos; os equipamentos são checados e testes de câmera, som, lentes e
iluminação começam a ser feitos; as locações são visitadas pela última vez junto com os
diretores de fotografia, de arte, de som, elétrica e maquinária; os demais técnicos são
contratados e começam os testes de cena com os atores (PESSE, 2008).

Nessa fase tem início também a gestão de riscos do filme, uma das etapas mais importantes do
projeto. Os produtores se reúnem e estabelecem os principais desafios que vão enfrentar ao
longo dos próximos meses. Em seguida eles apresentam soluções para cada um desses
desafios, com o objetivo de evitar atrasos e estouros de orçamento. Há produtores que
consideram a pré-produção a fase mais importante do projeto. Se há problemas nessa etapa, o
projeto começa errado e tem grandes chances de terminar da mesma forma.

Se o orçamento já está alinhado com a realidade da produção da maneira mais eficiente e com
o melhor custo-benefício possível, o PE agora precisa montar um cronograma de filmagem.
Por uma questão de eficiência e economia, os filmes nunca são filmados continuamente, ou
seja, o roteiro nunca é seguido pela sequência natural da história. O cronograma é construído
de forma que as cenas sejam agrupadas numa ordem que permita o uso mais eficaz do tempo,
das locações, do pessoal e dos recursos técnicos disponíveis. Esse mapa de produção será
discutido à exaustão com o diretor e o assistente de direção do filme (o braço direito do
diretor) até que todos estejam de acordo com o fluxo de trabalho.

39
Como cada gravação envolve um pequeno exército de profissionais (dependendo do tamanho
da produção) e pode custar milhares de reais, a indústria criou mecanismos ultra-eficientes
para não perder tempo e dinheiro. Não é viável deixar uma equipe de mais de 80 pessoas
esperando parar de chover para gravar uma cena. É imprescindível ter um plano B no
planejamento. O PE deve ter em mente todas essas precauções na hora de detalhar o mapa de
produção. Ainda assim, ele deve ter jogo de cintura para mudar rapidamente as locações e o
cronograma porque é praticamente impossível encontrar a perfeição artística, financeira e
logística ao mesmo tempo. O diretor é o autor criativo da obra e sempre pedirá tudo o que
considera necessário para executar sua visão. O trabalho do PE é ajudá-lo a conseguir o que
ele quer, sempre e quando isso seja possível. De forma que, além de uma comunicação fluída,
nesse momento o PE começa também deve saber gerenciar as expectativas das partes
interessadas.

A produção final do orçamento é a última etapa do processo de pré-produção, e é a mais


rigorosa de todas. Trata-se do trabalho mais importante do PE. Agora que o orçamento foi
aprovado e todos os contratos foram assinados, há pouca margem para alterações no custo do
projeto. Fazer o orçamento de um filme é um processo que pode demorar várias semanas e
exige uma boa dose de experiência na área. Para elaboração de um orçamento detalhado e
confiável, os produtores em geral seguem os seguintes passos:

1. Análise de roteiro
O roteiro é estudado e cuidadosamente analisado, não apenas pelos produtores, mas também
pela parte técnica da equipe. Após essa análise técnica chega-se ao stripboard14, que aponta
tudo o que é necessário para a realização de cada cena e também uma sequência prática e
econômica das filmagens. Agora o PE tem na sua frente um “mapa de produção”.

2. Definição de escopo
Os produtores começam então a levantar os custos de produção, separando cada uma das
etapas que compõem um filme. A análise técnica do roteiro é que vai definir o escopo do
projeto.

3. Lições aprendidas
Para o PE ter mais segurança na elaboração de um orçamento, ele pode rever os orçamentos
anteriores em projetos similares em que ele ou a produtora trabalharam. Os projetos têm

14
Decomposição detalhada de cada cena de um filme (nota do autor).

40
sucessos e fracassos em diferentes pontos do ciclo de vida, por isso é fundamental que as
lições sejam registradas durante todo o processo. Segundo o PMI, “as lições aprendidas
devem ser registradas, a fim de fornecer um repositório centralizado para facilitar seu uso,
além de ser comunicadas de maneira consistente”. Da mesma forma, é muito importante que a
produtora ou o PE tenham um registro de projetos anteriores.

4. Uso da experiência
Conhecimento dos valores de mercado é muito importante na hora de compor um orçamento.
O produtor precisa ter uma ideia de valores dos preços cobrados por diretores de fotografia,
atores, figurantes, etc. Ter em mente uma base de valores e uma agenda com muitos contatos
vai acelerar a velocidade em que o orçamento será feito.

5. Negociação
O produtor executivo deve partir da premissa que tudo é negociável. Desde a contratação de
estrelas, passando por alugueis de carros antigos, ele precisa usar seu poder de negociação a
todo instante para manter a produção dentro do orçamento previsto. O orçamento está entre os
trabalhos cruciais do produtor e nunca deve ser feito de forma isolada ou sem referências.

Após esse trabalho e com consenso entre as partes envolvidas, o PE tem um mapa confiável
dos custos que será usado junto com o cronograma. Isso não significa que não haverá
mudanças no projeto, mudanças acontecem sempre em filmes. No entanto, esses parâmetros
vão orientar as mudanças para que elas estejam alinhadas com o tempo e custo da obra.

PRODUÇÃO (EXECUÇÃO)

O grupo de Execução consiste dos processos executados para concluir o trabalho definido no
plano de gerenciamento do projeto (que foi feito na pré-produção) a fim de cumprir as
especificações do mesmo. Este grupo de processos envolve coordenar pessoas e recursos,
gerenciar as expectativas das partes interessadas, e também integrar e executar as atividades
do projeto em conformidade com o plano de gerenciamento do projeto (PMBOK, 2015). Uma
grande parte do orçamento do projeto será gasta na execução dos processos do grupo de
processos de execução.

Equivalente à fase de Execução no grupo de processos, a produção é o período que envolve as


gravações das cenas e começo da edição do filme. Neste etapa o produtor executivo vai focar
seu trabalho no gerenciamento da qualidade do filme, custos, stakeholders, comunicação e
mudanças. A produção montou o cronograma de filmagem e nesse momento o controle do PE
41
sobre o projeto é total. Ele sabe de tudo o que acontece durante as filmagens que poderia ter
algum impacto no tempo e custo do filme. Em caso de problemas, o que acontece com
frequência, o PE vai propor alternativas e analisar custos, cronograma e outros impactos na
produção. Ele trabalhará junto com o time criativo para que as decisões finais estejam
alinhadas tanto com o conceito artístico inicial do filme quanto com o lado financeiro do
projeto (RYAN, 2010). Por isso, quando a produção começa, o PE mantém uma constante
supervisão do projeto e verifica como estão as gravações, checa se todas as cenas planejadas
para o dia foram gravadas e revê pela enésima vez o orçamento e o cronograma. Ao mesmo
tempo em que o filme está sendo gravado, os editores já começam a receber as primeiras
cenas para editar. É uma forma de controlar a qualidade do projeto, já que durante a produção
ainda seria possível regravar uma determinada cena que não tenha ficado boa (PESSE, 2008).

Se a edição começasse apenas no final do projeto poderiam surgir problemas irremediáveis,


uma vez que a equipe já teria dispersado. Ainda que o foco do trabalho tenha passado do
escritório para o set de filmagem, o PE continua em seu "acampamento base", no caso, a
produtora, controlando rigorosamente o orçamento por meio dos relatórios diários e semanais
que chegam dos produtores subordinados a ele. Ele também recebe os relatórios diários de
produção para visualizar o progresso das gravações. Se as cenas estão sendo gravadas
conforme o planejado na pré-produção, o filme estará dentro do custo e cronograma pré-
estabelecidos. A maior satisfação do produtor executivo durante a etapa de produção é riscar
com um enorme X as diárias de gravação que já foram executadas. Ele continua orientando e
monitorando sua equipe à distância, sempre com olho de lupa no que está acontecendo.

Do ponto de vista do gerenciamento, quando um filme está em produção é necessário um


esforço diário de acompanhamento: as horas das diárias são rigorosamente cronometradas;
grava-se e registra-se em documentos todas as cenas do roteiro filmadas numa diária;
relatórios de custos são produzidos e apresentados diariamente ao PE; tudo é comparado com
o planejamento inicial, de forma que o PE tem um controle total sobre o que está
acontecendo. De todos os itens listados, o controle de custos é certamente o mais importante
durante a produção, por isso o PE segue alguns passos para ter tudo sob controle:

1. Gastos diários
Uma lista e um resumo dos gastos por diária. Esse relatório é extremamente detalhado,
descreve tudo o que foi gasto no dia, como os cachês dos atores, alimentação, transporte, etc.

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2. Relatório diário de produção
É um relatório que resume o progresso da equipe de produção. Ele lista quais cenas do roteiro
já foram gravadas, relatório da equipe de áudio e outras informações.

3. Ordem do dia
Trata-se de uma ferramenta de planejamento. A ordem do dia detalha as atividades do dia
seguinte, de forma que o produtor pode sempre calcular quanto vai custar a próxima diária,
quem são os atores que devem estar no set, onde serão gravadas as cenas, etc.

4. Relatório de gastos semanal


É um relatório resumido do acúmulo de gastos diários que faz uma comparação semanal com
o orçamento total planejado. As produtoras usam esse relatório para enxergar e controlar o
que está acontecendo na produção.

5. Projeções semanais
Trata-se de uma projeção dos gastos da semana seguinte. Como dito, o PE dá uma atenção
especial ao orçamento nesta fase. O roteiro é muito importante, o cronograma é essencial, o
time criativo é imprescindível. Mas quem manda na vida do PE agora é o orçamento. Por isso
ele fica atento a tudo que possa alterar de alguma forma os custos do projeto e trabalha
constantemente para manter o projeto dentro do budget inicial. Manter o orçamento sob
controle é possivelmente a mais admirada característica em um produtor executivo. Por outro
lado, a inabilidade em controlar os custos pode custar milhares de reais a mais numa
produção, ou mesmo inviabilizá-la, além de custar a reputação do produtor envolvido.

6. Edição do material
A edição começa enquanto o filme está sendo gravado. Isso acontece porque, em caso de
necessidade de se refazer uma cena, a qualidade do filme ficará comprometida porque a
equipe já terá debandado. Por isso a edição começa durante a produção. Os editores começam
a cortar as cenas assim que elas são gravadas, garantindo um controle de qualidade do produto
final. Os editores são contratados na fase de pré-produção porque eles precisam entender o
conceito do filme desde o início do projeto. Começar o trabalho de edição ao mesmo tempo
em que se grava as cenas do filme aumenta a eficiência da produção: o processo fica mais
rápido e barato. Com o filme todo estruturado é hora de entrar na fase de pós-produção.

PÓS-PRODUÇÃO (MONITORAMENTO E CONTROLE)

O grupo de processos de Monitoramento e Controle consiste dos processos necessários para

43
acompanhar, analisar e organizar o progresso e o desempenho do projeto (PMBOK, 2015). O
principal benefício deste grupo de processos é a medição e análise do desempenho do projeto
a intervalos regulares, em ocorrências apropriadas ou em condições excepcionais, a fim de
identificar as variações no plano de gerenciamento do projeto. O grupo de processos de
monitoramento e controle também envolve:

1. Controlar as mudanças e recomendar ações corretivas ou preventivas em antecipação a


possíveis problemas;

2. Monitorar as atividades contínuas do projeto em relação ao plano de gerenciamento do


projeto e a linha de base de desempenho do mesmo e;

3. Influenciar os fatores que poderiam impedir o controle integrado de mudanças ou de


gerenciamento de configurações para que somente as mudanças aprovadas sejam
implementadas (PMBOK, 2015).

A pós-produção é o momento em que o produtor executivo tem uma visão sobre a saúde do
projeto como um todo. Agora ele terá de identificar as mudanças que certamente acontecer
por conta das variações no plano de gerenciamento. Como nessa etapa acumulam-se as cenas
com problemas, é comum que a pós-produção consuma quase 1/3 de todo o orçamento,
dependendo do tamanho da produção (PESSE, 2008).

A pós-produção tem início depois que todas as cenas do filme foram gravadas. Trata-se do
último processo fílmico e é o momento em que o produtor executivo vai verificar o
desempenho técnico do filme. Sua presença nessa etapa depende muito da
quantidade/complexidade do trabalho que ainda precisa ser feito, mas geralmente ele tem
pouca atuação na pós-produção. O trabalho (complemento da edição, efeitos especiais, efeitos
sonoros, trilha) já havia sido organizado previamente pelo PE, que geralmente delega essa
função para outro produtor ou supervisor de pós-produção.

É necessário um entendimento desde o começo do processo (desenvolvimento) para que não


haja problemas na pós-produção e, como consequência, mais custo e tempo. A maior parte
dos processos nesta etapa são técnicos, como ajuste de cor, efeitos especiais e sonoros,
sonorização, etc. Por isso o PE continua atento ao orçamento e confere a qualidade final das
cenas para verificar se estão em conformidade com o que se esperava no começo do projeto,
mas vê com maior distância e deixa que os técnicos e o diretor se ocupem do tratamento final

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do produto.

DISTRIBUIÇÃO E EXIBIÇÃO (ENCERRAMENTO)

O grupo de processos de Encerramento consiste dos processos executados para finalizar todas
as atividades de todos os grupos de processos de gerenciamento do projeto, visando concluir
formalmente o projeto e as obrigações contratuais. Este grupo de processos verifica se os
processos definidos estão completos em todos os grupos de processos a fim de encerrar o
projeto ou uma fase do projeto, da forma apropriada, e define formalmente a finalização do
projeto ou da fase (PMBOK, 2015).

No caso de um projeto fílmico, há etapas semelhantes às descritas acima pelo PMBOK,


especialmente no que se refere à aceitação do produto (o filme) pelo patrocinador ou pela
própria produtora. Também encerram-se as as atividades de aquisição de equipamentos; é
feita a rescisão de todos os acordos relevantes com os profissionais envolvidos; registram-se
os documentos como forma de lições aprendidas (especialmente os orçamentos), entre outras
atividades de encerramento (ou desprodução).

Por outro lado, o Encerramento de um filme envolve também sua distribuição e exibição. Isso
porque não importa qual o gênero do filme, se drama ou documentário, o objetivo final de
uma produção cinematográfica é sempre o mesmo: distribuição e exibição do produto. Todo o
processo descrito anteriormente é feito com o único objetivo de fazer o filme chegar no
consumidor, tal qual um produto numa prateleira de supermercado.

Antes disso, no entanto, é feito um "teste de qualidade" com uma audiência escolhida para dar
opinião sobre o filme. É um momento crítico que vai definir o marketing do projeto e uma
garantia para todos os envolvidos que o filme está pronto para ser lançado para uma audiência
massiva. É importante “testar” a audiência para saber se o público-alvo do projeto foi
alcançado. Se foi, como ele reagiu durante a exibição? Após a sessão-teste as pessoas
recebem um cartão com um questionário cuidadosamente preparado. Algumas são escolhidas
para fazer parte de um grupo de discussão, onde as percepções e atitudes podem ser mais bem
exploradas. O resultado desse teste pode alterar completamente a cara do filme. Esse processo
é muito comum em países de mercados mais desenvolvidos como o europeu e o norte-
americano e basicamente tem como objetivo principal atender as expectativas do cliente.
Trata-se de uma velha prática em negócios, e no cinema não é diferente: um cliente feliz
sempre volta. A realização de testes no Brasil não era muito comum, mas na medida em que a
45
indústria nacional começou a se profissionalizar, essas sessões têm sido cada vez mais
frequentes. Elas ajudam as empresas a ter um termômetro do potencial da película, o que vai
minimizar os riscos da produção e aumentar as chances de sucesso do filme (PESSE, 2008).

Uma vez que todo o processo está concluído e o "produto" já está pronto, testado e com
qualidade aprovada pelas partes interessadas, é hora de colocá-lo à disposição do público nos
cinemas e outras plataformas de exibição, que são denominadas "janelas" - um período de
exclusividade de um conteúdo em determinada mídia. Por exemplo, a primeira janela dos
filmes quase sempre é a sala de cinema (CHALUPE, 2010). Eles serão exibidos apenas nessas
salas durante um tempo determinado, que vai depender da aceitação ou não por parte do
público. Cumprido esse primeiro duto de distribuição, o filme será explorado em uma segunda
janela, geralmente TV por assinatura, TV aberta, suporte físico (DVD, Blu-Ray) e internet
(online pago, streaming) e VOD - vídeo on demand ou "por encomenda" (Netflix, Hulu).

Quando o PE tem de lidar com os distribuidores, ele precisa usar suas habilidades de
negociação para garantir o melhor acordo com o distribuidor, apontando com precisão o
potencial do filme, como um vendedor oferecendo um produto para um possível cliente. Uma
vez feita a "venda", o distribuidor vai trabalhar o lançamento do produto nos cinemas para
que a película atinja todo seu potencial. O distribuidor é quem cria as campanhas de
marketing e realiza ações promocionais para vender o produto ao mercado com o objetivo de
alcançar ou superar as expectativas de receita. Para atingir o público almejado será necessário
que o filme seja lançado com o número exato de cópias, cobrindo o número apropriado de
regiões geográficas. Caso contrário haverá desperdício de cópias ou falta delas, ocasionando
prejuízo para a produção em ambos casos (CHALUPE, 2010).

Uma vez que todo o processo de negociação e análise está concluído, o filme vai finalmente
às telas. E seu desempenho nos 3 primeiros dias após o lançamento é determinante para o
tempo que aquela produção vai ficar em cartaz, assim como seu resultado nas demais janelas.
Essa avaliação, que é feita pelos três agentes (produtora, distribuidora e exibidores), é
realizada a partir do total de espectadores do primeiro final de semana de exibição (sexta,
sábado e domingo). Se o filme teve um bom desempenho nesses três dias (no Brasil é
considerado bom desempenho quando a obra ultrapassa a marca de mil espectadores por
cópia), significa que o filme ficará mais tempo em cartaz e os envolvidos ainda lucrarão com
vendas em DVD, venda para as TVs aberta e fechada e VOD.

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A distribuição é o elo central, a ponte entre o (filme) e sua disponibilização (exibição), entre o
emissor (diretor) e o receptor (público). Com o filme pronto, o distribuidor será o responsável
por sua circulação nas diferentes janelas de exibição, em diversos territórios e para públicos
variados. A exibição é a última fase da mediação entre o público e o filme. As salas de
exibição, os cinemas, são os PDVs, os pontos de venda da atividade cinematográfica. O
exibidor cinematográfico é o proprietário das salas, e o elo entre o espectador e o produtor do
filme (CHALUPE, 2010).

Em termos econômicos, podemos comparar a exploração dos filmes em salas de cinema com
a comercialização de produtos industrializados: o produtor fabrica o produto (o filme); o
distribuidor coloca e faz o marketing do produto nas salas de cinema, que por sua vez
pertencem aos exibidores.

Ferramentas e práticas da indústria audiovisual

Ao final das 5 etapas de produção fílmica fica claro que o produtor executivo é um
profissional que deve ter um excelente conhecimento de gerenciamento de projetos. Seja
numa produção independente de baixo custo ou um blockbuster de milhões de reais, o PE
sempre terá de lidar com um complexo quebra-cabeças de planilhas, pessoas, egos, técnicos,
logística, pressão e outras variáveis que demandam deste profissional uma avançada expertise
em gestão.

Devido à sua peculiar dinâmica, a indústria cinematográfica tornou-se ultra-eficiente com o


passar dos anos. Hoje as produtoras grandes conseguem executar projetos (longas, séries,
filmes para TV, publicidade) com uma margem de eficiência altíssima. O próprio Fernando
Meirelles, dono da O2, ao falar sobre a natureza deste TCC, disse que tinha muito curiosidade
de saber se havia mais espaço para gerenciamento em uma indústria conhecida por sua
precisão cirúrgica na execução de projetos. Hollywood, com todo seu glamour e ostentação, é
provavelmente a máquina de gerenciamento de projetos mais eficiente do mundo, com
produções faraônicas que raramente estouram o orçamento em mais de 2% - e quando isso
acontece muita gente precisa dar explicações para seus chefes. No mercado local é sabido que
os envolvidos em um "desastre fílmico", como no caso de "Waterworld" (1995), por exemplo,
cujo orçamento saltou de US$ 60 milhões para US$ 175 milhões, geralmente não voltam a
trabalhar nunca mais na indústria (PESSE, 2008).

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Por isso foram desenvolvidas uma grande quantidade de práticas e ferramentas de gestão que
são usadas em todas as etapas de produção de um filme. Segue aqui uma lista dessas
ferramentas (GUELLI, 2015):

1. Análise de mercado: Tentativa de prever as possibilidades de sucesso de um projeto fílmico


com base em estudos de mercado e comparações com "produtos" semelhantes
(GERENCIAMENTO DE RISCOS)
2. Contratos: Garantia para os investidores de um projeto que o filme será realizado, com o
roteiro aprovado e dentro do custo e tempo pré-definidos (RISCOS, ESCOPO).
3. Contrato de participação: Plano de contingência (para atores, diretores) que só determina o
valor dos pagamentos após as receitas com o filme serem conhecidas. (RISCOS)
4. Organização estrutural: Forma de trabalho padronizada, com hierarquias, funções e
responsabilidades bem definidas (COMUNICAÇÃO, ESCOPO, STAKEHOLDERS,
RECURSOS HUMANOS).
5. Lista de atores: Lista com todos os nomes de atores de cada cena (RECURSOS
HUMANOS).
6. Lista de locação: Lista com todas as locações do filme, indica quantas cenas devem ser
filmadas em cada local. (AQUISIÇÕES, COMUNICAÇÃO).
7. Lista de equipamentos: Lista com todos os equipamentos que serão usados durante as
gravações (AQUISIÇÕES)
8. Análise técnica: Estudo feito por cada equipe técnica das necessidades de cada departamento
com o objetivo de passar para o produtor executivo o orçamento real da produção e o
cronograma (ESCOPO, CUSTOS, TEMPO).
9. Stripboard: decomposição detalhada de cada cena de um filme. A atividade mais importante
na pré-produção (ESCOPO, RISCOS).
10. Orçamento preliminar: baseado nas estimativas iniciais do diretor e produtores de escopo e
cronograma (CUSTOS).
11. Orçamento de produção: determina o quanto de dinheiro há disponível e que vai influenciar
o escopo e qualidade do filme (ESCOPO, CUSTOS)
12. Storyboard: desenhos que traduzem no papel as descrições visuais do roteiro. Dá a primeira
visão artística do filme (CUSTOS, ESCOPO, RISCOS, QUALIDADE).
13. Storyboard técnico: diagrama que mostra a posição de câmeras, atores (QUALIDADE,
ESCOPO).
14. Tech scout: visita técnica nos locais de filmagem que antecipa eventuais problemas e onde se
colhe todas as necessidades para cada cena. Desta forma, cada área consegue visualizar bem as
ideias do diretor e entender o que deve fazer para que o objetivo final seja alcançado
(RISCOS, QUALIDADE, ESCOPO).
15. Previz: técnica de pré-visualização que usa computadores e animação 3D. Possibilita a
criação de um esboço as cenas antes da filmagem, economiza tempo e dinheiro durante as
gravações (TEMPO, CUSTO).
16. Cover set: plano interior alternativo para ser usado em caso de chuva ou outro evento no
plano exterior (RISCOS)
17. Código de conduta: ajuda a minimizar impactos das gravações nas comunidades locais e
minimiza os riscos de problemas durante as filmagens (STAKEHOLDERS, RISCOS)

48
18. Ordem do dia: É um doc. derivado do plano de filmagem que contém todas as sequências a
serem filmadas na diária, em ordem (COMUNICAÇÃO, CRONOGRAMA).
19. Plano de filmagem: listas e instruções detalhadas (atores, alimentação, transporte, roupas,
previsão do tempo, etc) necessárias para o dia de filmagem (CRONOGRAMA,
INTEGRAÇÃO, CUSTO).
20. Cross plotting: método de gerenciar recursos humanos. Permite uma exibição visual de
locações diárias e disponibilidade. (RH, CUSTOS)
21. Controle de mudança: produtores avaliam o impacto que eventuais mudanças terão no tempo
e custo do filme. (ESCOPO)
22. Dailies: checagem das cenas do filme logo após a gravação. Garante a qualidade e dá
coerência ao filme. (QUALIDADE)
23. Monitores wireless: imagens ao vivo do que está sendo gravado para os principais gerentes
do projeto, ajuda a manter a visão artística (QUALIDADE).
24. Quadro de produção: cronograma de filmagem. (ESCOPO)
25. Relatorio de produção: relatório diário do AD, horas trabalhadas, páginas do roteiro
gravadas, etc (QUALIDADE, TEMPO, CUSTOS, RISCOS).
26. Rádios e fones de ouvido: usados para manter constante comunicação no set de filmagem.
Facilita mobilidade e logística (COMUNICAÇÃO, RISCOS)
27. Vídeo-conferência: ajuda o diretor a monitorar e guiar as gravações remotamente e de várias
localidades. (CUSTOS, TEMPO)

Plano de negócios para filmes

Investment in the film industry is highly speculative and inherently


risky. There can be no assurance of the economic success of any motion
picture, since the revenues derived from the production and distribution
of a motion picture depend primarily upon its acceptance by the public,
which cannot be predicted.

- CLÁUSULA USADA EM PLANOS DE NEGÓCIOS NOS EUA

Em outubro de 1994, três estudantes entraram em uma floresta em Maryland, nos Estados
Unidos, para fazer um documentário sobre a lenda de uma bruxa local. Eles jamais foram
vistos novamente. Um ano depois, as imagens foram encontradas (LEVISON, 2010).

Essa foi a sinopse do filme "O projeto Bruxa de Blair", que mostra os últimos 5 dias dos três
jovens perdidos na floresta. Coisas estranhas e assustadoras ocorrem durante a aventura, todas
devidamente registradas e, um por um, os estudantes começam a desaparecer, até que não
sobra ninguém - apenas a câmera e as fitas.

Lançado em outubro de 1999, o filme teve a segunda maior bilheteria da história do cinema

49
independente norte-americano (US$ 300 milhões) e um ROI de 41.383% (413 vezes o valor
do custo da produção). Esses números não aconteceram por acaso. Eles vieram precedidos por
um minucioso plano de negócios, no qual os produtores apresentaram uma ideia cujo timing
era ideal para um filme daquela natureza (LEVISON, 2010):

• No mesmo ano haviam sido lançados, com grande sucesso, "O sexto
sentido", "A casa almadiçoada" e "A múmia", todos filmes de mistério/terror.

• Aproveitando o fato de que em 1999 a internet ainda estava se


desenvolvendo, e não era tão fácil como hoje encontrar e verificar informações,
os produtores criaram um website sobre "a lenda da Bruxa de Blair", com
reportagens (inventadas) e "entrevistas" com pessoas que contavam histórias
sobre a bruxa.

• Os produtores decidiram que os atores usariam seus nomes verdadeiros no filme


(Heather Donahue, Michael Williams e Joshua Leonard). Pouco antes da estreia nos
cinemas, o nome dos três aparecia no site IMDb15 como "desaparecidos,
supostamente mortos".

• Começavam a surgir na internet os primeiros vídeos de pessoas reais em


situações perigosas, e a "vida íntima transmitida ao vivo" dava seus primeiros sinais
de existência (o Big Brother havia sido lançado um ano antes na Holanda).

• O filme foi lançado (propositalmente) em apenas 27 cinemas, de forma que,


quando imensas filas se formaram para assistir à misteriosa tragédia gravada, um
boca-a-boca se espalhou pela internet de forma imediata. A frase "você não pode
deixar de ver esse filme" percorreu o mundo rápido como um rastilho de pólvora.

• Os produtores usaram a quantidade de acessos no site criado como


termômetro. O filme foi lançado quando esse número atingiu 21 milhões.

Os produtores foram inteligentes ao fazer uma leitura da sociedade e criaram uma


campanha de marketing explorando as inquietudes da época. Essa campanha foi voltada
para gerar dúvidas na cabeça das pessoas: Essa história é real? Será que aconteceu de
verdade? E com o objetivo de transmitir isso para a tela do cinema, os diretores deixaram

15
O Internet Movie Database (também conhecido pelo acrônimo IMDb; traduzindo para o português: Base de Dados de Filmes na Internet) é
uma base de dados online de informação sobre música, cinema, filmes, programas e comerciais para televisão e jogos de computador,
atualmente pertencente à Amazon.com (nota do autor).

50
os atores improvisar as falas, criaram situações assustadoras e imprevistas durante as
gravações (por exemplo acordá-los durante a madrugada com pauladas na barraca onde
dormiam), os atores não sabiam exatamente o que fazer em várias ocasiões e ficaram
extenuados, com fome, sede, sono. De forma que, ao ver o filme, as pessoas realmente
ficavam na dúvida se a história era real ou falsa (LEVISON, 2010).

Possivelmente foi a campanha de marketing mais inovadora e eficiente da história do


cinema. Os autores souberam explorar muito bem a linha fina entre a ficção e a realidade,
assim como o começo da ultra-exposição da vida íntima que teve início com a chegada da
internet. O plano de negócios continha todas essas informações mas, como era
extremamente ousado e inovador, o filme acabou sendo rejeitado pelos grandes estúdios.
No entanto, todo o planejamento estava lá desde o começo: informações sobre o filme, os
atores e diretores, o momento do mercado, o público-alvo, a distribuição, a parte
financeira (custo de US$ 350 mil, algo risível para os grandes estúdios), com projeções de
receita conservadoras, moderadas e otimistas, comparações com filmes do mesmo gênero
e muitas outras informações que tratavam daquela película como um produto pronto para
ser consumido por milhões de espectadores em todo o mundo.

Naturalmente trata-se de um caso extremo. Seja um filme ou um produto ou serviço, algo


dessa magnitude só ocorre uma vez a cada 10 anos. Mas o exemplo ilustra à perfeição a
importância de um bom planejamento para o produto fílmico, com as devidas análises e
informações financeiras para os investidores - sejam estes privados ou o erário.

Uma comparação que se pode fazer no Brasil em termos de planejamento aconteceu com o
blockbuster nacional "Dois filhos de Francisco", que estreou em agosto de 2005 para se
tornar a produção brasileira de maior público da retomada (5,3 milhões de espectadores).

O filme, que narra a infância dos cantores sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano e o
esforço de seu pai para transformá-los em uma dupla de sucesso, combinou um grande
número de ações para seu lançamento e foi pensado como um produto para fazer dinheiro
em todo o Brasil. Ajudou muito fato de ter sido uma co-produção da Globo Filmes,
distribuído pela Sony (CHALUPE, 2010).

Há nesse caso as particularidades que existem no Brasil. Quando a Globo Filmes se


associa a produções independentes nacionais em regime de coproduçao, ela não investe
recursos monetários no projeto. O investimento é feito através de um “capital virtual”, ou
51
seja, espaço na mídia para a divulgação do lançamento de um filme - com um enorme
desconto para o produtor. O desconto vai depender da porcentagem de participação da
Globo Filmes no contrato. (CHALUPE, 2010).

Para o filme "Dois filhos de Francisco" foram pagos à Globo Filmes o equivalente a 15%
do custo para veiculação na TV, pouco mais de um milhão de reais. Se o filme não tivesse
sido uma co-produção com a Globo Filmes o valor da publicidade seria de 7 milhões de
reais (BUTCHER, 2006).

Os filmes são divulgados na emissora de forma “tradicional”: anúncios nos intervalos,


spots de TV e cross-media, quando o filme é citado em programas da emissora de maneira
semelhante ao merchandising: vemos um personagem da novela dizendo que assistiu tal
filme, pautas de reportagens “jornalísticas” e menções e participações em programas como
Faustão, Mais Você, Videoshow, etc (BUTCHER, 2006).

Tudo isso estimula a curiosidade do espectador e aumenta o valor agregado do produto


(filme). No caso de Cidade de Deus, outra coprodução da Globo Filmes, duas semanas
antes do lançamento do filme o Jornal Nacional (nada menos) levou ao ar, e durante uma
semana inteira, uma série de reportagens sobre a violência nas favelas cariocas.

Outra ação produzida pela TV Globo para o mesmo filme foi uma aparição surpresa da dupla
Zezé Di Camargo e Luciano em uma sessão normal de Dois filhos de Francisco em um
cinema paulista. Uma câmera capaz de captar imagens no escuro mostrou a reação
emocionada da platéia durante a projeção e, quando as luzes se acenderam, Zezé Di Camargo
e Luciano entraram cantando na sala de cinema, para comoção dos espectadores. A
“reportagem” sobre a sessão foi ao ar no Fantástico (BUTCHER, 2006).

A divulgação de Dois filhos de Francisco teve início quase um ano antes de lançamento,
com a apresentação de trailers durante os shows da dupla pelo Brasil. Outra forma foi a
criação do site www.amordepai.com.br no qual o público que se cadastrava recebia por
email pequenos trechos do filme, informações e novidades sobre o lançamento.

Um dos grandes desafios para a Sony no planejamento da campanha de lançamento de foi


superar a barreira do preconceito que envolvia o filme, uma vez que o espectador urbano
tem pouca ou nenhuma relação com o sertanejo. Além do preconceito vinculado a um
estilo de música mais popular, o filme era dirigido por um estreante na direção (Breno

52
Silveira) e os atores não faziam parte do "star system" nacional.

Todos esses elementos que poderiam ter sido empecilhos para o filme na verdade
funcionaram como atração de um público diferenciado, e não apenas o público-alvo
primário (fãns da dupla sertaneja). Esse trabalho de formação de um público-alvo mais
amplo teve início desde o desenvolvimento do projeto, na concepção da narrativa do filme
e no plano de negócios. No final, as ações de divulgação surtiram o efeito esperado,
levando 5,3 milhões de espectadores ao cinema em 18 semanas de exibição e renda de 36
milhões de reais – a maior da história do cinema brasileiro. (CHALUPE, 2010).

3. CONCLUSÕES

Que caminho eu devo seguir para sair daqui? - perguntou Alice.


Depende de onde você quer ir - respondeu o gato.
Não me preocupa muito para onde ir - disse Alice.
Então não importa muito o caminho que você escolher - replicou o gato.
- LEWIS CARROL
Alice no País das Maravilhas

O objetivo deste trabalho foi fazer uma abordagem acadêmica em relação ao gerenciamento
de projetos dentro da indústria cinematográfica e entender se o gerente de um filme (definido
aqui como o produtor executivo) utiliza em seu trabalho, de forma consciente ou inconsciente,
as melhores práticas de gestão sugeridas pelo PMBOK.

O estudo referencial teórico e as entrevistas com profissionais da área apresentam um


panorama difícil para o gestor, no qual ele tem muito pouco controle sobre o resultado final de
um projeto - se considerarmos que o "resultado final" é o retorno financeiro do filme. Por
outro lado, fica claro que a produção de um filme com a qualidade esperada demanda um
esforço tão intenso e complexo que só vai funcionar plenamente se o gerente usar ferramentas
de gerenciamento em todas as etapas do processo.

Um filme não pode ser pensado em blocos separados que não conversam entre si, mas como
uma série de etapas em que toda a cadeia dialoga constantemente. Se uma parte falhar, todo o
projeto fracassa: se o roteiro não estiver bem estruturado, o filme não terá um enredo
envolvente; se o diretor de fotografia errar a mão, a imagem visual pode causar o fracasso do
filme; se o gerente de produção não tiver as contas sob controle, a produtora pode ficar sem

53
verba para pagar as diárias de produção; se o compositor não entregou a trilha sonora, os
produtores terão de comprar música e isso pode estourar o orçamento; se o ator principal tiver
um problema de saúde, o filme fica sem sua estrela.

Por isso, desde o desenvolvimento até a comercialização do filme, o produtor executivo


precisa fazer escolhas sobre alocação de recursos, concessões entre objetivos e alternativas
conflitantes e gerenciamento das dependências mútuas entre as áreas de conhecimento de
gerenciamento de projetos de forma muito parecida ao trabalho de gerentes de indústrias mais
"tradicionais", como TI ou engenharia.

Como a autoridade máxima no processo de elaboração do filme, esse profissional tem de


liderar as várias e diferentes equipes da produção, fazer análise SWOT, estudar o mercado,
fazer plano de negócio, negociar com fornecedores, gerenciar mudanças e stakeholders,
contratar pessoas, decidir pela compra ou aluguel de equipamentos, revisar constantemente os
requisitos do projeto, ter o controle gerencial sobre todos os departamentos, controlar os
custos com mão de ferro, gerenciar as comunicações entre as equipes, receber e produzir
relatórios de controle e garantir tanto a qualidade do processo de produção quanto a qualidade
final do produto que chegará ao consumidor (o filme).

Neste sentido pode-se concluir que as ferramentas e técnicas de gerenciamento sugeridas pelo
PMBOK são usadas constantemente em projetos audiovisuais. Elas ajudam efetivamente na
gestão dos processos cinematográficos como um todo, e em todas suas etapas. Também fica
evidente pela dinâmica desse mercado que o processo de gerenciamento de produção fílmica é
extremamente individual. Cada produtor executivo trabalha de uma forma bastante particular
para alcançar o sucesso de um projeto, não há um manual de "como se fazer um filme".
Conclui-se ainda que, para ter mais chances de êxito, esse profissional precisa ter
conhecimentos razoáveis de gestão de projetos, uma vasta experiência no cinema (e de
preferência também em outras áreas), capacidade de liderança, conhecimentos
administrativos, técnicos, artísticos e ser extremamente organizado e equilibrado.

Como apontado no tópico "ferramentas e práticas", o trabalho do produtor executivo é


bastante parecido com o de gerentes de outras indústrias. As principais diferenças
aparentemente se resumem à (im) possibilidade de se prever o retorno financeiro de um filme
e também no alto nível de intensidade com que um projeto cinematográfico se desenvolve em
um curto espaço de tempo.

54
Outra questão a ser levada em conta é que o produtor executivo tem de lidar tanto com a parte
comercial quanto com a parte criativa de um projeto. Em outras indústrias isso seria
considerado um paradoxo capaz de levar o projeto ao fracasso; mas, no mercado de filmes,
trata-se de uma condição sine qua non para que ele tenha êxito. Essas diferenças fazem com
que o uso das ferramentas e de gerenciamento sejam basicamente as mesmas adotadas por
profissionais de outras indústrias, mas a aplicação delas no mundo do show business é feita de
forma particular à dinâmica dessa indústria.

Podemos concluir ainda que o produtor executivo deve ter uma visão comercial do projeto,
não apenas artística. Ter uma mentalidade empreendedora e visão de negócios vai ajudá-lo a
tomar decisões melhores. Mesmo em um mercado praticamente 100% subsidiado com
dinheiro público, como o brasileiro, ele deve saber criar um plano de negócios para um filme,
ser capaz de organizar um projeto alinhado com as necessidades do mercado e saber vendê-lo.
Mesmo que seja muito difícil conseguir financiamento privado no Brasil, o mercado está
mudando rápida e radicalmente, por isso é importante ter essa visão empreendedora - isso se
ele quiser ter sua própria empresa e tocar seus projetos de forma independente. Encontrar uma
ideia original, organizar um plano de negócios, conseguir financiamento, executar a obra com
toda sua complexidade e transformar aquela ideia inicial em um produto que vai gerar
dinheiro não é uma tarefa fácil para a realidade brasileira. Mas está longe de ser impossível.

4. POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

Sugere-se aqui que os grupos de processos e as áreas de conhecimento do PMBOK sejam


mais bem explorados por profissionais da área do cinema, principalmente pelos produtores
independentes que estão começando a gerenciar os próprios projetos. Ainda que dentro de
uma produção cinematográfica o gerenciamento seja feito de forma bastante particular, fica
claro que ao longo de todo o processo de produção, desde a Iniciação até o Encerramento, as
ferramentas de gerenciamento sugeridas pelo PMBOK são usadas de forma consistente.
Sendo assim, a chance de sucesso no processo de produção de um filme - tanto em relação à
sua qualidade quanto às possibilidades de retorno financeiro - será maior na medida em que o
produtor estiver familiarizado com as melhores práticas de gestão.

Por último, e não menos importante, os estudos citados como referência neste trabalho
também contêm informações que podem ser úteis para os produtores brasileiros. Apesar de
terem sido realizados nos Estados Unidos, uma indústria incomparavelmente mais madura do

55
que a brasileira, podemos concluir que a "qualidade" do filme e a percepção dessa qualidade
por parte do público são fatores que aumentam consideravelmente as chances de retorno
financeiro. Por qualidade entenda-se não apenas a técnica, imagens, som, atuações excelentes
e direção incrível, mas sobretudo histórias de interesse humano, que tenham a ver com o
momento do país (ou do mundo, que é o padrão que os norte-americanos buscam para vender
seus produtos) e, portanto, mais fáceis de serem vendidas para o grande público.

Apesar de parecer algo óbvio, uma análise dos filmes do mercado brasileiro nos últimos anos
e as entrevistas com os produtores locais deixam explícito que a mentalidade do "filme
autoral" e subsidiado com dinheiro público ainda é muito forte no Brasil. Mudar essa
mentalidade, portanto, é o grande desafio dos novos produtores independentes brasileiros nos
próximos anos - e ter conhecimento das melhores práticas e ferramentas de gerenciamento de
projetos poderá ajudá-los nesse objetivo.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://livros01.livrosgratis.com.br/cp021517.pdf

ENTREVISTADOS

Ary Pini. Produtor Executivo da O2 Filmes.


Mauro Garcia. Presidente da ABPITV, a Associação Brasileira das Produtoras Independentes.
Jatir Eiró. Produtor Executivo da Bossa Nova Filmes.
Andrezza de Faria. Produtora Executiva da Paranoid Films.
Carole Moser. Responsável pela área de projetos da distribuidora Elo Company.
Diane Cheklich. Produtora Executiva na One of Us Films.

BIOGRAFIA

Pablo López Guelli trabalhou como jornalista durante 15 anos em empresas como TV Globo, G1,
jornais Folha e Estado de São Paulo, Terra Networks, Editora Abril, TV NHK (Japan Broadcasting
Corporation), MediaPro (Espanha) e foi correspondente na Europa pela rádio CBN e Globo News.
Formado em Comunicação Social (PUC/SP) e Relações Internacionais (Ortega y Gasset/Madri),
possui pós-graduação em "Roteiro de Cinema" e outra em "Documentário para TV", ambas na
Espanha, e um MBA em "Gestão Estratégica de Projetos" pela FGV/SP.

Em 2011 fundou a Arte Bruta Filmes, onde durante 5 anos foi o principal responsável pela produtora,
coordenando todos os trabalhos da empresa. Em 2012 produziu e dirigiu o documentário "Un instante
en nuestras vidas", que ganhou o Prêmio Castilla y León, na Espanha, de melhor filme sobre a
imigração espanhola na América Latina.
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