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EDITORA HUMANITAS
Presidente
Francis Henrik Aubert
Vice-Presidente
Mario Miguel González
PALAVRAS-CHAVE: ???
Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840
Projeto de Capa
Daniel Targownik e Paula Zimerman Targownik
Revisão
Camila Amaral Souza
Prólogo ................................................................................................. 11
Prefácio ................................................................................................. 15
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Prólogo
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O termo “camponês”, neste livro, se refere ao agricultor familiar, em geral com
pouca ou nenhuma terra, mas que trabalha no campo, em atividades agropecuárias
distintas. O camponês pode ser o trabalhador rural, o trabalhador sem terra e o
pequeno proprietário, que se sustenta (quando consegue) do produto de seu traba-
lho na terra. A literatura atual indica que o camponês se tornou um agricultor, não
mais em relação a seu modo de vida, mas à sua profissão específica (WANDERLEI
2000). No entanto, apesar dessa mudança, o livro caracteriza o camponês sobre
seu modo de vida e relação com a terra, e não profissão apenas.
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Arilson Favareto
Sociólogo, Professor de Análise Econômica da
Universidade Federal do ABC (UFABC) e
Pesquisador-Colaborador do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (CEBRAP)
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Apresentado no 49º Encontro da International Studies Association (ISA), março de
2008, em San Francisco, CA (EUA).
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Inclui, também, aqueles com menos de 50 mil, mas com densidade superior a 80
habitantes por km².
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Estes passam, muitas vezes, despercebidos, pois não têm a mídia a seu dispor
(GRAZIANO, 1999).
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Baseado no cálculo de órgãos oficiais de governo no período da redemocratização
do país.
5
Uma possibilidade seria a migração às cidades, geralmente localizadas em regiões
mais prósperas do país, como sudeste e sul, porém, isso os tiraria de suas funções.
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O Estatuto da Terra foi criado pela lei 4.504, de 30/11/1964, pelo regime militar
que acabava de ser instalado no país. Sua criação era a estratégia utilizada pelos
governantes para apaziguar os camponeses e tranquilizar os grandes proprietários
de terra. Suas metas eram basicamente duas: (1) a execução de uma reforma agrária
e (2) o desenvolvimento da agricultura. Após mais de 4 décadas de sua criação, o
Estatuto da Terra conseguiu executar apenas a segunda meta, não levando a cabo
uma reforma agrária séria, que redistribuísse terra aos que mais necessitavam.
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O contexto específico seria o de insurgência escravagista ou quilombola.
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O período do regime militar é baseado em dados do MST (1986) e os dados do
período de redemocratização baseiam-se na CPT (1985-2005).
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Há exceções quando policiais recusam cumprir suas funções e acabam sendo víti-
mas fatais.
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A classificação completa de cada categoria consta no anexo I.
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A Comissão Pastoral da Terra apenas considera as mortes que fazem parte do gru-
po camponês ou seus defensores.
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Não nos referimos ao Distrito Federal. Para efeito dessa pesquisa, incluímos o DF
como parte do estado de Goiás, somente por propósitos de análise.
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Dados estimados do IBGE para a população rural – ano 2000.
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1 Xinguara PA 59 0,66
2 Marabá PA 42 0,12
3 Eldorado dos Carajás PA 28 0,18
4 São Félix do Xingu PA 26 0,12
5 Parauapebas PA 22 0,18
São João do Araguaia PA 22 0,22
7 Rio Maria PA 20 0,43
Mucajaí RR 20 0,47
9 Santa Luzia MA 18 0,04
Novo Repartimento PA 18 0,07
11 Benjamin Constant AM 17 0,18
12 Alta Floresta MT 15 0,15
13 Tailândia PA 13 0,13
14 Aripuanã MT 12 0,09
15 Curionópolis PA 11 0,18
Paragominas PA 11 0,06
17 Jauru MT 10 0,15
Conceição do Araguaia PA 10 0,07
Corumbiara RO 10 0,12
20 São Gabriel da Cachoeira AM 9 0,05
Juína MT 9 0,12
Redenção PA 9 0,25
Santana do Araguaia PA 9 0,06
24 Imperatriz MA 8 0,07
Pau Brasil BA 7 0,16
Coroatá MA 7 0,03
Grajaú MA 7 0,03
Terra Nova do Norte MT 7 0,09
Porto Murtinho MS 7 0,14
Ariquemes RO 7 0,04
Araguatins TO 7 0,07
32 Santa Leopoldina ES 6 0,06
Bacabal MA 6 0,03
Bom Jardim MA 6 0,03
Tucumã PA 6 0,07
Rio Bonito do Iguaçu PR 6 0,05
Salto do Jacuí RS 6 0,20
Nova Mamoré RO 6 0,08
Pimenta Bueno RO 6 0,11
Vilhena RO 6 0,20
Fonte: Baseado em dados da Comissão Pastoral da Terra (1985 – 2005).
16
Esse número representa 531 mortes agrárias, e 41% de todas as mortes desse gêne-
ro no Brasil.
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Segundo o censo do ano de 2000 (IBGE).
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Se bem que, certas mortes agrárias ocorreram em regiões urbanas, esse não era o
comum para crimes de origem agrária.
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Haverá casos nos quais a unidade de agricultura familiar é suficientemente grande
e a unidade da agricultura patronal é muito pequena. Porém, essa não é a regra. De
qualquer maneira, na análise estatística (não na parte descritiva), consideramos as
unidades de agricultura familiar e patronal de renda baixa, para ajustar e compen-
sar pelas exceções nas respectivas categorias.
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Essas descobertas referem-se a algumas regiões dos Estados Unidos. Mesmo assim,
acreditamos que resultados semelhantes possam ser generalizados (inclusive ao Brasil).
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É compreensível, já que há uma grande disparidade entre o número de estabeleci-
mentos de agricultura familiar e patronal. A questão é saber se as famílias podem
subsistir em tão ínfimo espaço de plantação.
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Figuras 10 e 11: Mortes agrárias, por estado; por região, 1985 – 2005
Fonte: Autoria própria (baseado em dados da Comissão Pastoral da Terra, 1985 – 2005
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Análise de dados
Nessa seção apresentaremos a evidência empírica com o tes-
te da hipótese sugerida no início da seção anterior. A literatura
aponta para maior violência quando há uma alta concentração,
porém, não demonstra isso. Com mais unidades de agricultura fa-
miliar, o nível de morte causado por conflitos agrários se reduziria,
enquanto que maior número de propriedades da agricultura pa-
tronal elevaria o nível de morte agrária22.
Os governos brasileiros (desde a redemocratização) têm tra-
balhado para a reforma agrária e sua intenção é redistribuir terra à
população rural mais carente, mesmo que a quantidade de assenta-
mentos efetivamente implantados por alguns governos seja irrisó-
ria. As políticas públicas mostram esse rumo. Agora testaremos se
há uma associação entre o nível de violência agrária e a quantidade
de agricultura familiar ou patronal, de acordo com cada município
brasileiro, além de outras variáveis.
Após a exibição da tabela das variáveis independentes, mos-
traremos uma tabela de regressão logística, com análise multivariada
de efeito aleatório. Ela foi realizada por meio do programa SPSS
versão 15.0, com as diferentes categorias mostradas na tabela des-
critiva número 3 como variáveis dependentes, as quais tentaremos
explicar em modelos diversos.
22
No entanto, devemos frisar que a preocupação deste capítulo centra-se na violên-
cia agrária e não na desigualdade, mesmo que essa última afete nosso principal
objeto de estudo (o que será objeto de análise no próximo capítulo).
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Variáveis Mortes Advogado,fu Assen- Garim- Índio Liderança Outro Pequeno Pequeno Político Posseiro Religi-oso Sindi- Traba- Sem-terra
agrárias ncional. tado peiro arrenda- proprie- calista lhador
Independentes geral público tário tário rural (14)
(1) (2) (8) (9) (12) (15)
(3) (4) (13)
(5) (6) (7) (10) (11)
População rural 2,314*** 2,065** 3,051*** 1,786 2,119*** 3,752*** 2,426*** 3,302*** 1,824*** 0,612 2,115*** 4,350** 2,992*** 2,791*** 2,030***
Nº de estabelecs. da 0,932 0,777 0,745 0,681 0,974 0,559*** 0,683* 0,531 1,183 3,751 0,891 0,840 0,926 0,792* 1,211
agricultura familiar
(0,072) (0,368) (0,232) (0,431) (0,297) (0,207) (0,226) (0,403) (0,160) (0,916) (0,134) (0,494) (0,186) (0,137) (0,150)
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[NUESTFF]
Área total da 0,949 0,949 1,437 1,362 0,756 0,916 1,309 1,580 1,173 0,790 1,399** 3,059 0,947 0,958 0,789*
agricultura familiar
(0,069) (0,373) (0,233) (0,434) (0,279) (0,210) (0,230) (0,450) (0,148) (0,777) (0,132) (0,695) (0,185) (0,137) (0,143)
[TOAREAFF]
Crédito total da 1,017 0,885 1,061 1,196 0,677 1,946*** 1,130 1,845 0,928 0,988 0,976 0,767 0,987 1,092 1,024
agricultura familiar
(0,059) (0,317) (0,184) (0,346) (0,240) (0,187) (0,188) (0,379) (0,118) (0,531) (0,102) (0,343) (0,151) (0,116) (0,120)
Examinando a violência agrária no Brasil
[TOCREFF]
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ções (ou municípios) para o ano de 2000.
Nº de estabelecs. da 0,902* 1,491 0,607*** 0,965 1,015 1,181 1,023 1,286 0,843 0,957 0,852* 0,490** 1,057 0,888 0,887
agricultura familiar de
baixa renda (0,055) (0,316) (0,175) (0,323) (0,229) (0,168) (0,180) (0,350) (0,112) (0,530) (0,097) (0,348) (0,147) (0,108) (0,114)
[NUESTFF27500]
Nº de estabelecs. da 0,770*** 1,673 0,503*** 1,033 0,833 0,692 0,551** 0,280*** 1,179 0,831 1,096 0,492 0,657** 0,937 0,521***
agricultura patronal
(0,078) (0,421) (0,249) (0,482) (0,313) (0,231) (0,255) (0,447) (0,163) (0,782) (0,142) (0,528) (0,206) (0,158) (0,160)
[NUESTPA]
Área total da 2,000*** 0,754 2,361*** 2,596* 3,420*** 2,844*** 2,596*** 5,445*** 1,352** 779930,4 1,928*** 7,356** 2,193*** 1,849*** 2,399***
agricultura patronal
(0,075) (0,387) (0,256) (0,530) (0,333) (0,241) (0,276) (0,611) (0,153) (346,657) (0,140) (1,012) (0,206) (0,155) (0,161)
[TOAREAPA]
Crédito total da 0,790*** 0,793 0,863 0,535* 1,122 0,532*** 0,759 1,041 0,831 0,661 0,669*** 1,203 0,860 0,711*** 0,852
agricultura patronal
(0,064) (0,344) (0,195) 0,358 (0,247) (0,182) (0,200) (0,375) (0,131) (0,571) (0,110) (0,382) (0,163) (0,122) (0,128)
[TOCREPA]
18/3/2011, 15:16
Nº estabelecs. da 1,434*** 0,983 1,947** 1,444 0,801 1,379 2,047** 1,539 1,153 1,422 1,206 1,856 1,626** 1,757*** 2,403***
agricultura patronal de
baixa renda (0,085) (0,446) (0,275) (0,519) (0,329) (0,259) (0,295) (0,535) (0,170) (0,823) (0,149) (0,538) (0,230) (0,173) (0,187)
[NUESTPA27500]
Hosmer & Lemeshow 0,181 0,414 0,061 0,832 0,135 0,058 0,896 0,999 0,012 0,996 0,736 0,948 0,000 0,459 0,026
Modelo 1 – geral
Podemos observar que, no modelo geral, o qual inclui todas
as mortes agrárias entre 1985 – 2005 na mesma equação, quanto
maior a população rural, o risco de morte agrária cresce 2,3 vezes.
Cada estabelecimento adicional de agricultura familiar de
baixa renda reduz um pouco o risco de morte agrária (0,9 vezes),
enquanto que um estabelecimento adicional de agricultura patro-
nal aumenta o risco de morte agrária em 1,4 vezes. A explicação
para esses dados seria a ínfima capacidade que uma unidade de
baixa renda da agricultura patronal tem para investir na produção
e, ao invés disso, o investimento seria empregado no cercamento
da propriedade improdutiva, a qual emprega poucos trabalhado-
res (principalmente vigias para a proteção contra a invasão das ter-
ras por posseiros e outros grupos).
A mesma linha de pensamento pode ser seguida por quanto
maior crédito um agricultor patronal recebe, menor os riscos de
morte agrária (0,8 vezes), pois o dinheiro será utilizado na produti-
vidade da terra, empregará trabalhadores que terão condições dig-
nas de sustento e, portanto, não haverá razões aparentes para o uso
de violência ou luta por disputa de terra.
Maior número de estabelecimentos da agricultura patronal
reduz o risco de mortes agrárias (em 0,8 vezes). Porém, o contrário
ocorre para a área total do mesmo tipo de estabelecimento agríco-
la: maior área total da agricultura patronal aumenta em duas vezes
o risco de morte agrária. Podemos notar que o número de estabele-
cimentos da agricultura patronal não é relevante como a área total
do mesmo tipo de agricultura. No Brasil, poucas unidades patro-
nais ocupam milhões de hectares em algumas regiões.
Modelo 11 – posseiros
Esse modelo inclui mais que um quarto das mortes agrárias
totais. Presumidamente, os que invadem uma propriedade priva-
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Modelo 15 – Sem-terra
Camponeses que não são proprietários de terra e que não
estão empregados de maneira permanente como trabalhadores ru-
rais (mesmo que façam bicos esporádicos) pertencem à categoria
dos sem-terra. Há vários grupos muito bem organizados que per-
tencem a essa categoria, os quais representam mais que 13% das
mortes em conflitos agrários.
As variáveis semelhantes às do modelo geral são: população
rural (mais que o dobro do risco de morte para os sem-terra), nú-
mero de estabelecimentos da agricultura patronal (reduz o risco de
morte de sem-terra em conflito agrário pela metade), área total da
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A tabela apresenta a regressão binária logística de efeito-aleatório realizada no
SPSS 15.0. Significância: * p ≤ 0,1; ** p ≤ 0,05; e *** p ≤ 0,01. OR (odds ratio) na
primeira linha de cada variável, seguida pelo erro-padrão entre parênteses. O nú-
mero de observações (ou municípios) e o ajuste do modelo do teste de Hosmer e
Lemeshow (HL) são mostrados para cada variável independente, para o ano 2000.
Dessa vez, os modelos estão na posição horizontal.
25
Teste de ajuste do modelo de Hosmer e Lemeshow (HL).
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Conclusão da parte I
Conseguimos comprovar a hipótese sugerida, mesmo que
com algumas ressalvas. Em geral, o risco de mortes agrárias é maior
em localidades onde a terra é distribuída mais desigualmente.
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Parte II
Introdução
Na maioria dos países latino americanos a pobreza é mais rural do que
urbana,[...] entretanto, os estudos mais influentes sobre a pobreza têm
um viés urbano muito forte – criando um grande vácuo para a com-
preensão da natureza e da magnitude da pobreza rural (LÓPEZ e
VALDÉS, 2001, p.1).
1
Apresentado no 50º Encontro da International Studies Association (ISA), fevereiro de
2009, em New York, NY (EUA).
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2
Baseado em entrevista com James C. Scott, em 14/09/2004.
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Não nos referimos à possibilidade de migração às cidades, em busca de melhores
condições de vida.
75
p.16), talvez pelo baixo retorno que isso acarretaria na esfera eleito-
ral. Portanto, os pobres do campo dependem da retirada direta de
produtos essenciais à sua subsistência do meio ambiente e, mais
especificamente, da agricultura (DASGUPTA, 1998, p. 43)4, ain-
da que passa a ser cada vez mais comum ocorrer uma diversificação
de rendas nos domicílios agrícolas do Brasil (KAGEYAMA, 2003),
possibilitando renda oriunda de atividade não agrícola ou mesmo
de não-trabalho (como aposentadorias ou pensões) (KAGEYAMA,
2001)5.
4
Mesmo que em seu texto o autor tenha se referido às regiões da África subsaariana
e do subcontinente Indiano especificamente, essa ‘regra’ serve também aos campo-
neses do Brasil.
5
“Um domicílio agrícola que possua rendas não-agrícolas tem, em média, renda per
capita 69% maior que um domicílio em que a agricultura é a única fonte de renda”
(KAGEYAMA 2001, p.68).
6
Meio rural no norte não investigado pela PNAD, e estado do Tocantins incluído
em Goiás.
76
7
Ver economia moral (SCOTT, 1976).
77
camponeses não têm de onde extrair mais seu sustento, que sem-
pre foi baseado no trabalho com a terra. O que as forças do Estado
brasileiro combatiam era, na verdade, a insurreição e a subversão
dos pobres do campo (MARTINS, 1981) e o autor se referia ao
longo da história brasileira, tanto em relação aos cangaceiros que
nada mais eram do que camponeses expropriados, como aos mili-
tares que queriam impor a ordem, e até aos pequenos produtores
rurais que passaram por um processo de empobrecimento gradativo
e as condições sociais de vida no campo se agravaram (POLI, 2008,
p.53). Para muitos, a pobreza rural levava à insurreição, acarretan-
do a repressão tanto do Estado como de seus aliados.
No entanto, alguns autores afirmam que, independente da
situação de sobrevivência do camponês, há sempre o ímpeto de
melhorar de vida e, se veem chance de sucesso na luta contra donos
de terra para dividir entre si sua propriedade, não hesitarão em
lutar contra eles8 (POPKIN, 1979). Enquanto na economia moral
a pobreza tem uma parte na eclosão da violência, na economia po-
lítica, ela não é necessária.
Definição de pobreza
Mas, afinal, como podemos definir a pobreza rural, para que
possamos posteriormente associá-la (ou não) à ocorrência de vio-
lência agrária no Brasil? Determinar o que é pobreza e traduzir
essa definição em um critério para tantas variedades dos progra-
mas de combate à pobreza é uma função difícil, tanto no nível
conceitual como de mensuração (BONNEN, 1966, p.462).
A pobreza é a exclusão da participação social, de posses, e de
uma qualidade de vida decente (HESSELBERG, 1997, p.239). Ela
8
Ver economia política (POPKIN, 1979).
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79
Mensuração de pobreza/indigência
Além da grande diversidade na definição de pobreza, exis-
tem muitos métodos para medir esse fenômeno. A discussão de
pobreza é, em geral, colocada em termos de escalas de renda, já
que, para satisfazer as necessidades básicas, os recursos monetá-
rios devem ser levados em consideração. Porém, há estudiosos
que mensuram a pobreza pelo consumo necessário e não pela ren-
da. Esse índice poderia incluir pessoas na economia informal e os
autônomos, o que a renda muitas vezes não abarca. No Brasil,
vários autores, como Pastore, Zylberstajn, Pagoto 1983; Hoffmann,
2000; Rocha 2000, utilizam a renda para o tema da pobreza, ou
seja, pessoas que apresentam renda inferior a um mínimo estipu-
9
Só para se ter uma ideia, em 1998, no Brasil, 1% dos mais ricos da população,
somava uma renda quase igual aos 50% dos mais pobres (SCHNEIDER e FIALHO,
2000, p.119).
80
10
Apesar do Banco Mundial incluir em seu texto o termo proteção da violência, ela
poderia surgir com a própria violência.
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11
Além disso, essa medida não retrata as condições de vida, já que, por exemplo,
uma família com doentes necessitará de maior renda do que uma família sã. Po-
rém, numa população inteira, os números tendem a se normalizar. Há também
uma ausência de critério para estabelecer essas linhas (de pobreza e indigência) e a
escolha do valor tem muito de arbitrário, mesmo que isso não venha a afetar a
validade desde que os critérios para a construção dessas linhas sejam consistentes.
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12
Pobres são pessoas com renda domiciliar per capita inferior a ½ salário mínimo na
ocasião da medida (abaixo da linha da pobreza) e indigentes são pessoas com renda
domiciliar per capita inferior a ¼ salário mínimo na ocasião da medida (abaixo da
linha da indigência).
13
Os dados são calculados para 5505 municípios brasileiros em 1991 e em 2000.
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Desigualdade
Enquanto que em países pobres a sobrevivência física é fre-
quentemente ameaçada, nos países desenvolvidos o pesquisado além
da pobreza é a desigualdade, pois o tipo de pobreza é diferente,
com escassez relativa ao invés de absoluta (MILLER et alli, 1967,
p.17). A pobreza é insuficiência de renda e a desigualdade relacio-
na-se à má distribuição, tanto da renda como de outras variáveis
relevantes à qualidade de vida. O Brasil é um país em desenvolvi-
mento, com bons índices macroeconômicos, no entanto, ele “con-
tinua ocupando posição de destaque internacional como uma das
sociedades mais desiguais do planeta” (FERREIRA, 1999, p.3).
Estudos apontam que entre 1/3 e ½ da população brasileira (depen-
dendo do método de mensuração) viveria dentro da linha de po-
breza. Essa proporção é altíssima, pois na média a renda da
população brasileira é superior à recebida por quase ¾ da popula-
ção mundial e, na maioria dos países com renda per capita parecidos
com a brasileira, os níveis de pobreza são muito inferiores (BAR-
ROS, HENRIQUES e MENDONÇA, 2000, p.28). “Cerca de ¼
da desigualdade brasileira total é determinado pelos 3% mais ri-
cos da população” (MEDEIROS, 2005, p.53).
Enquanto que nos anos 80 e 90 a média brasileira do índice
15
GINI de desigualdade de renda per capita ficou em 0,59, a média
15
Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos. Geralmente
mensura-se como referência a renda domiciliar per capita. Porém, pode-se também
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ter outras referências, como desigualdade de terra, por exemplo. Seu valor varia de
0, quando não há desigualdade (e no caso da renda, todos os indivíduos tem a
mesma renda), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém
toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).
90
Mensuração de desigualdade
Uma das formas de mensurar a desigualdade na distribuição
de renda no país seria representá-la por intermédio da Curva de
Lorenz, a qual utiliza informações sobre a renda de diversos seg-
mentos da população. Sua construção se dá por meio da relação
entre frações acumuladas de renda e da população. Na Figura 2
podemos observar o percentual da renda total recebida por cada
fração equivalente a 10% da população, para os anos 1997-9.
91
16
O IDH é uma medida comparativa e padronizada de avaliação do bem-estar de
uma população, incluindo riqueza, alfabetização, educação, esperança média de
vida, natalidade, além de outros fatores. O índice foi desenvolvido em 1990 e vem
sendo usado anualmente desde 1993 pelo PNUD (Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento).
92
17
Neste caso, a renda diferencia-se da medida de pobreza do item anterior, já que
agora esse índice origina-se do GINI, considerando a desigualdade de renda e não
apenas a diferença.
93
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18
Tanto é que a educação é incluída em políticas públicas de elevado custo a nível
nacional (ex.: Bolsa-Escola), estadual (ex.: Programa Ler e Escrever, em São Paulo)
e municipal.
95
19
Excetua-se, nesse caso, os repetentes.
20
Excetuam-se pessoas que iniciaram sua alfabetização após os 15 anos de idade.
96
21
A densidade dos domicílios é dada pela razão do total de moradores do domicílio
e o número total de cômodos do mesmo, excetuando-se o banheiro e mais 1 cômo-
do destinado à cozinha.
22
Percentual de pessoas que vivem em domicílios que, juntamente com os terrenos
onde se localizam, são de propriedade, total ou parcial, de um dos moradores e já
estão integralmente pagos. No caso de apartamentos, considera-se a fração do ter-
reno.
97
98
99
Probabilidade de sobrevivência 4 5 2 1 3
até 40 anos (%)
Índice de Desenvolvimento 5 3 4 1 2
Humano - renda
Colocação das regiões (quanto maior o índice, pior a 4.4 3.8 3.4 1.8 2.6
classificação)
100
101
102
103
4 1343 33 1376
4 1338 35 1373
104
105
4 1279 81 1360
4 1262 98 1360
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Casas construídas de pau a pique para os moradores da ocupação, até sua trans-
formação em assentamento, após alguns anos, quando isso ocorre.
109
4 1247 92 1339
4 1258 94 1352
110
2 1268 92 1360
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Com exceção da revolução iraniana, que tinha origem urbana.
113
Análise de dados
Na análise econométrica das variáveis agrárias, a maneira
como muitos fatores estão inter-relacionados cria problemas de
endogeneidade, o que exigiria bancos de dados maiores para sair
desse entrave (ADATO et alli, 2007, p.41). Portanto, para o caso
que estamos trabalhando, resolvemos analisar por municípios bra-
sileiros, já que sua quantidade é suficiente para realizar análise
quantitativa dessa proporção (N=5505 municípios). Mesmo para
os dados de interesse de presença de evento, ou seja, municípios
com ao menos 1 morte agrária, temos 508 casos. Assim, esses 9,2%
de casos de municípios com morte agrária não podem ser conside-
rados raros.
A análise estatística utilizada nesta pesquisa é a regressão
logística binária, para análise cross-sectional (1 observação por
município). A variável dependente é MUNICÍPIO COM MOR-
TE AGRÁRIA, que foi coletado pela Comissão Pastoral da Terra,
para os anos 1985-2005 (CPT 1985-2005) e organizado pelo autor,
e não dá ideia da intensidade da violência agrária mensurada pelo
número de mortes, mas apenas pela presença de ao menos 1 morte
por município no período mencionado. Os dados da variável de-
114
24
A variável população rural demonstrou ser relevante à análise quando trabalhada
com outros indicadores agrários, permanecendo robusta e significativa em todos
os modelos analisados (ZIMERMAN, 2008b), portanto decidimos incluí-la, mesmo
não tendo mencionado essa variável no decorrer do capítulo.
25
Como nos referimos na nota da tabela 3, pobres são pessoas que estão abaixo da
linha da pobreza, definida por renda per capita inferior a ½ salário mínimo, en-
quanto indigentes tem renda inferior a ¼ salário mínimo per capita.
115
Indicador agrário:
a) número de estabelecimentos da agricultura familiar – Repre-
senta o número de todos os estabelecimentos aonde é
exercida a agricultura familiar no Brasil, por municípios.
Essa variável tentou demonstrar que quanto maior o nú-
mero de estabelecimentos da agricultura familiar, menor
o risco de violência agrária, já que os camponeses, em sua
maioria, poderão sobreviver do que plantam ou criam.
b) área da agricultura patronal – Representa a área total/hec-
tare aonde é exercido o tipo de agricultura patronal, ge-
ralmente em vastos territórios e com quantidade grande
de terra improdutiva26. Foi demonstrado que quanto
maior a área que esse tipo de estabelecimento agrícola
ocupa, maior o risco de a violência agrária ocorrer.
c) número de estabelecimentos da agricultura patronal de baixa
renda – Representa unidades da agricultura patronal que
não possui recursos para investir em seu grande pedaço
de terra e, portanto, ao invés de contratar lavradores e
investir na produção, o investimento possível, em geral,
é na contratação de vigias e seguranças, além de cerca,
para evitar ocupação dessas terras. Essa forma de agricul-
tura tem tendências de elevar o risco da violência agrária.
d) crédito da agricultura patronal – Foi demonstrado no outro
trabalho mencionado que a agricultura patronal recebe
¾ de todo o crédito rural absoluto no Brasil, mesmo re-
presentando apenas 12% dos estabelecimentos agrícolas
(ZIMERMAN, 2008a, p.13). Esse crédito, dado a quem
já possui poder e terras, aumenta a desigualdade e tende
a gerar maior risco de violência agrária.
As variáveis do indicador agrário servem como variáveis de
controle.
26
Excetua-se nessa categoria o agronegócio.
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(quartis)
‘Pobres’ camponeses mortos
117
- de 4 anos de Coef.C. .067** .049** -.208** .260** -.229** -.861** -.679** 1 Densid.
estudo maiores Signif. .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 . maior 2
25 anos N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 pessoas
(quartis)
Domicílios com Coef.C. .017 -.064** .005 .014 .002 -.320** -.258** .320** 1 Domic.
densidade Signif. .178 .000 .683 .204 .888 .000 .000 .000 . energia
acima 2 N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 elétrica
pdorm.quartis)
Domicílios com Coef.C. -.072** -.056** .189** -.222** .197** .603** .648** -.650** -.351** 1 Domic.
energia elétrica Signif. .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 . Terreno
(quartis) N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 próprio
Domicílios com Coef.C. .040** .000 .012 -.018 .017 -.045** -.248** .072** .017 -.186** 1 IDH
terreno próprio Signif. .001 .970 .306 .113 .124 .000 .000 .000 .123 .000 . total
e quitado N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441
(quartis)
IDH total Coef.C. -.058** -.051** .194** -.242** .214** .839** .688** -.837** -.368** .652** -.117** 1 IDH
(quartis) Signif. .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 . renda
N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441
18/3/2011, 16:01
IDH renda Coef.C. -.055** -.055** .192** -.238** .208** .783** .704** -.787** -.346** .660** -.163** .856** 1 Pobre
(quartis) Signif. .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .
N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441
Pobres Coef.C. .050** .052** -.198** .242** -.213** -.778** -.678** .780** .401** -.709** .159** -.843** - 1 Indi-
(quartis) Signif. .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .877** . gent
N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 .000 5441 e
5441
Indigentes Coef.C. .047** .042** -.181** .221** -.193** -.747** -.664** .749** .414** -.722** .185** -.813** - .920** 1
(quartis) Signif. .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .000 .846** .000 .
N 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 5441 .000 5441 5441
5441
Artur Zimerman, Terra Manchada de Sangue
27
A análise não-paramétrica de correlação Kendall é utilizada quando as variáveis
são transformadas de contínuas para ordinais/categóricas, como foi o caso nesse
capítulo.
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28
A tabela apresenta análise de regressão logística. Foi utilizado o programa STATA.
Significância: ** p ≤ 0,05; e *** p ≤ 0,01. São apresentados o OR (odds ratio) na
primeira linha de cada variável e o erro-padrão do coeficiente consta entre parên-
teses na segunda linha de cada variável. N=5505 observações (municípios), ano
2000.
120
Conclusão da parte II
Propomos, nessa investigação, que a pobreza e a desigualda-
de fazem parte dos determinantes de violência agrária no país, em
conjunto das variáveis agrárias. Não confirmamos apenas as hipó-
teses de variáveis que, por motivo de colinearidade, não puderam
ser colocadas lado a lado. No entanto, podemos afirmar que uma
maior quantidade de pessoas com baixa renda per capita elevaria o
número de municípios com morte agrária. De maneira semelhan-
te, a desigualdade também se incumbiria de elevar o risco de mor-
te agrária nos municípios.
A desigualdade e a pobreza no Brasil é tema muito comen-
tado e estudado por vários institutos e academias no país e no exte-
rior (SOARES, SOARES, MEDEIROS, OSÓRIO, 2006;
SALARDI, 2008). A carga de estar entre os países mais desiguais
do mundo, e que possuem muitos pobres e miseráveis como seus
cidadãos não faz jus à riqueza do Brasil, pois muitos outros países
com menor renda média per capita estão em posição bem superior
em relação à nossa desigualdade e pobreza.
Programas de redução de pobreza a curto e largo prazo po-
dem ajudar a tirar muitas famílias que estão abaixo da linha de
pobreza e, com isso, reduzir a própria desigualdade e violência agrá-
29
O odds ratio mede a direção e a força de cada variável (e não somente a direção,
como o coeficiente o faz). Ele indica o risco de haver municípios com ao menos uma
morte agrária (variável dependente) relativo ao risco de referência 1. Portanto, se
OR = 1, ele não tem efeito no risco de referência (baseline); se OR = 3, o risco de
início de guerra civil é triplicado; e se OR = 0,5, ele é reduzido pela metade.
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Parte III
1
Entrevistas realizadas entre 7-22/11/2007, nas regiões sudeste e sul do Pará, por
Artur Zimerman. As fotos exibidas no decorrer do livro foram tiradas pelo autor
nessa mesma viagem de campo.
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recebeu 159 mil hectares de terra no sul do Pará para criar boi. O
Banco Bradesco que só mexe com dinheiro recebeu 85 mil hecta-
res. O governo dava terras, incentivos fiscais, financiamento da
SUDAM, rodovias de acesso para chegar até as fazendas, obras de
infraestrutura etc. Além disso, recebia todo o produto que estava
na terra, como a madeira. Podia explorar a madeira sem ao menos
pagar o ICMS. Quase a totalidade da madeira tirada das fazendas
era exportada de forma ilegal, e nem ICMS se pagava. Era uma das
maiores reservas de mogno do planeta que acabou. A região era
cheia de minérios. Tinha bastante ouro e muitas fazendas se trans-
formaram em garimpo.
Bamerindus, Supergasbras, Grupo Pão de açucar, e várias
outras empresas que não tinham ideia de como mexer com terras e
criação de gado se tornaram grandes proprietárias de terra no sul
do Pará.
128
ras para grandes grupos. Um belo dia estava lá o posseiro, após 10,
20, 30, 50, 100 anos de ocupação da região, chegava um oficial de
justiça com um bando de pistoleiros e dizia pro pessoal deixar as
terras que são de propriedade de um grupo de São Paulo, Rio de
Janeiro, Goiás. Ou sai na lei ou na marra. Aí que começa o embate,
primeiro entre posseiros contra grileiros. Esse tipo de enfrentamento
causou as primeiras mortes na região.
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terra e principalmente da reserva de terra que ele tem. Esse ano vai
pegar esse pedaço, esse outro e esse outro. Se ele tem uma reserva
grande aí pode se reproduzir em sua vida. A partir do momento
que o posseiro entra nessa reserva, ele reduz a vida dele. Por que a
violência? A vida de um depende da morte do outro. Já o
agronegócio é diferente, mais moderno. O circuito é mais social.
Ele vai precisar de empregados.
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preso por 13 dias e aí foi liberado. Entraram com habeas corpus e foi
liberado. Não conseguimos que voltasse à prisão. Um pistoleiro
está preso e foi condenado a 29 anos. Ele só entregou 2 primos, que
foram os intermediários. É crime de encomenda. Mesmo estando
preso, não entregou o mandante, pois tem medo. Ele não tem re-
cursos, mas tem grandes advogados. Quem paga? O mandante.
Ele é intocável, um dos donos de maiores terras, dono de serraria,
tem trabalho escravo já tendo sido autuado. Tem mais de 500 de-
núncias do ministério do trabalho.
É notória a quantidade de terras griladas no município. O
ITERPA e o INCRA estão mais que cientes desse problema aqui.
Quando o INCRA quis fazer esse levantamento, foi preciso vir
uma tropa do exército para acompanhar os funcionários, pois o
poder dos fazendeiros é muito grande. Eles não chegaram a con-
cluir o trabalho por causa das ameaças. Tem muitos pistoleiros
armados andando por aí. Chegamos a fazer um seminário em rela-
ção aos direitos humanos, onde os fazendeiros ficaram numa parte
e os trabalhadores ficaram na outra.
Teve um momento que o sindicato dos madeireiros e dos
fazendeiros teve a ousadia de vir aqui me buscar e coagiram o pre-
feito para que eu afirmasse que no município não haveria mais
ocupação dos trabalhadores.
Aqui empresário, fazendeiro, madeireiro se confunde, pois
praticam várias funções ao mesmo tempo. O agronegócio também
está chegando na região, com a soja etc. Como hoje já acabaram
quase totalmente com a madeira aqui, estão abrindo a produção de
carvão, eucalipto e com certeza a soja. Eles não reflorestam o que é
tirado e as riquezas naturais estão se acabando, já que não há inves-
timento em outras coisas. A Vale está com projeto e fez várias visi-
tas ao município, para procurar terras para arrendar ou comprar e
fazer o trabalho que está interessada.
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“Dezinho”, José Décio Barroso Nunes. Mas, ele disse também que
conhecia minha história e que eu não merecia morrer. Mas ele exi-
giu uma quantia para ir embora e não me matar. Eu disse que não
tinha o dinheiro na hora e que levantaria o dinheiro exigido e aci-
onei a polícia, que o prendeu. Então são muitas coisas, mas já teve
muitas mudanças para melhor.
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levá-los para lá. Eles estão como famílias assentadas e não como
indígenas. São vistos pelos outros como iguais aos olhos dos ou-
tros, e não como indígenas, possuindo suas próprias necessidades.
O Estado faz essas trapalhadas e acaba comprometendo e prejudi-
cando muito a comunidade.
Os Suruí, por exemplo, estão em um pedaço de terra minús-
culo e são muitos. Todos praticam agricultura de subsistência, fora
os Gavião, que possuem lavouras mecanizadas e grandes galpões.
Outro problema que prejudica intensamente os Suruí são as quei-
madas realizadas pelos fazendeiros da região, pois o fogo acaba en-
trando nas suas terras e tem um efeito devastador ali dentro,
queimando os castanhais, e todo o resto.
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50 anos atrás e investiu uma vida aqui. Isso não vale nada? Sim-
plesmente você pega, joga esse cara pra fora e assenta um monte de
gente aqui?
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Eles falam, né? Então você vai aqui na DECA, que é a Delega-
cia de Conflitos Agrários e vê o que tem de arma apreendida dentro
dos acampamentos e dentro das invasões deles. [o entrevistador foi
na DECA, porém não conseguiu verificar essa informação, já que o
delegado estava viajando e o substituto não tinha autorização de
abrir o cofre para mostrar os objetos e armas apreendidos].
Isso aí nós não precisamos mais provar. A mídia hoje está
virando. A sociedade está provando que esses movimentos sociais
são extremamente criminosos. São bandidos o que tem lá dentro,
tráfico de drogas, assaltantes, as FARC, tudo infiltradas lá dentro.
Eles mesmos estão se mostrando. Aquilo de Redenção está pra quem
quiser ver. O governo do Estado sabe.
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Mas nenhum ser humano quer isso pra outro. Só que o cara
que está acampado em um barraco de lona no acampamento, não é
trabalho escravo do MST? Isso é cultura. Eu comprei beliche com
colchão nos alojamentos, mas ninguém nunca dormiu neles, pre-
feriam redes. O cara nascido em Marabá dormiu 50 anos numa
rede, ele não sabe dormir numa cama.
Isso é a cultura da região. Foram chegando aos montes, geran-
do desemprego. Alguém que quer trabalhar precisa se sujeitar a con-
dições que os empregadores oferecem, pois não tem mais emprego.
Não estou culpando eles, mas tô falando do ministério do trabalho.
Os fazendeiros têm medo de contratar funcionários. Sabe
quem está ganhando com isso? As empresas de trator. Todo mun-
do está mecanizando tudo. Uma fazenda que tinha 500, 1.000
homens cortando pasto, hoje um avião passa jogando herbicida e
já está feito. Olha o meio ambiente como fica.
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rachado com o PT. Ele não apoia a governadora. O MST está aliado
com o PSTU. Essas milícias de Redenção está tudo com o PSTU,
que está coordenando aquilo lá. Isso não tem nada a ver com o
MST, nada a ver com Fetagri, nada a ver com Contag, com sem-
terra, nada. Aquilo não é movimento social, aquilo é bandido. Nós
somos muito claros não por a culpa neles daqueles ali de Reden-
ção. Aquilo é caso de polícia. Não tem nada a ver que a governado-
ra diz sobre eles. Eles são bandidos, são quadrilhas. Da matéria da
Veja. Aquela Liga dos Camponeses Pobres não tem nada de cam-
ponês pobre. Tão usando aquele nome pra assalto e roubo. Não dá
pra culpar o MST, a Fetagri por isso.
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P – É particular do Lula?
Fazem pacto com o [Paulo Vanucchi], o Daniel Dantas. Todo
mundo sabe que o Lulinha vem aqui de jatinho toda semana.
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ção de não fazer um espaço único, mas de que cada família ficava
no seu lote defendendo-o.
Primeiro, então, estabeleceram o conflito e, em muitas áreas
expulsaram os fazendeiros e acabaram tomando o território. Essa
forma de luta, então, foi alcançada pela tática de eliminação das
lideranças, como eu disse. Ela foi alcançada pela repressão organi-
zada pelo estado, e também pelos próprios órgãos da região, como
o GETAT e o INCRA que eram organizados por militares, que
viam no camponês (organizado ou não) o inimigo.
Depois de alcançar essa luta, o crédito que os assentados re-
ceberam foi para plantar, desmatar e criar gado. Mais um golpe no
projeto político dessa turma. Surge o MST nessa região em 1990.
Mas, desde 1985 os membros do sindicato que combatiam lá em
Conceição do Araguaia começaram a ir para os encontros nacionais
do MST. Só em 1990 que o MST conquista território. Agora tem
base social, famílias, e tem seus primeiros militantes.
O MST se diferencia por vários motivos. O MST, primeira-
mente, estabelece 2 níveis ao conflito: primeiro conflito de classes,
que é com o latifúndio. O segundo conflito é a nível institucional.
O MST não quer ser posseiro. Nós queremos que o estado faça a
reforma agrária e desaproprie a terra, regularize as pessoas, e que-
remos investimento em saúde, em educação, em moradia, em es-
trada. Nós não queremos ficar à margem da lei.
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Brasil está claro que a reforma agrária não vai ser obra da burgue-
sia. Ela abdicou dessa tarefa histórica com a premissa dela mesma
(como etapa civilizatória que o próprio capitalismo ensejou sobre a
burguesia agrária). O Estado não assumindo, a burguesia não assu-
mindo, de quem é a tarefa histórica da realização da reforma agrá-
ria? Os camponeses compram essa disputa, o conflito e o impasse.
Que é isso que nós fazemos. Quando ocupamos uma fazenda, o que
queremos dizer? Que aqui existe latifúndio e que não foi feito re-
forma agrária. E nós queremos reforma agrária que consta nas leis
do Estado.
Claro que o interesse de uma família que vai para o acampa-
mento é resumir seu problema econômico imediato. Esse interesse
é movido por ter o lote e organizar sua vida de camponês no lote.
A questão central é que exigimos do Estado o mecanismo
que ele criou para realizar a vontade de quem está mobilizado,
para realizar a vontade da sociedade.
197
eleições de 2010 quem quiser ganhar a eleição deve dizer que vai
aumentar o bolsa-família.
Pra nós isso é um problema por quê? Vou dar outra visão da
nossa análise. A palavra de ordem do segundo mandato do Lula é
fantasiosa. Por exemplo “Deixa o homem trabalhar” – eu que es-
tou ganhando R$70 vou tirar um cara que está trabalhando. Isso
incentiva o não-trabalho. Por que eu vou votar em alguém que
está trabalhando (que significa receber vale-gás, bolsa-família etc.)
e você cria uma passividade no indivíduo muito grande. Em outra
perspectiva: a massa ficou sem tarefa concreta importante na socie-
dade, nem o da reforma agrária. Imagina se a palavra de ordem do
Lula fosse diferente: terra, educação, saúde, aí você dá uma tarefa
concreta pra massa.
Estamos numa crise de sentido e não sabemos o que vai acon-
tecer. Estamos vendo um período de deseducação social muito pro-
fundo. Aí entra o tema da cesta básica dizendo que não cabe temas
como reforma agrária e nem movimentos tipo MST que querem a
reforma agrária.
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P – Essa família sabe que nada acontece com eles por causa
da impunidade.
Justamente. É a impunidade que os faz sentir seguros de
seus atos.
Essa terra que estamos passando agora tem plantação de teca
e pertence ao deputado federal Geovani Queiroz, inclusive finan-
ciado com dinheiro público. E os pequenos têm tanta dificuldade
de ter acesso aos créditos. São árvores retas, de um valor comercial
muito grande. Leva 20 anos para poder explorar comercialmente
essa madeira. Agora tem uma empresa de capital holandês e inglês
que comprou em Santa Maria das Barreiras 27 mil hectares de
terra para plantar essa árvore. Inclusive o nome da empresa é
Floresteca, de plantio racional da teca.
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P – E a Fetagri?
A Fetagri tem atuado mais na questão previdenciária. Na
questão da terra tem tido uma atuação, mas limitada, algo mais
localizada em alguns municípios da região.
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Fechamento
A desigualdade, tanto de terra, como de renda, podem fazer
a diferença quando nos referimos à violência ocasionada por meio
de disputas de terra que resulta em morte. Ela aumentaria o risco
de morte agrária. A pobreza também vai na mesma direção.
Argumentava-se a respeito da ligação entre as variáveis, mas
não se testou empiricamente a associação delas com dados para
todo o país, e levando em consideração as variáveis agrárias, como
dever-se-ia fazer, já que os elementos a serem observados e analisa-
dos residem no campo.
As descobertas empíricas são relevantes para que políticas
públicas adequadas, diferentes das que haviam sendo tomadas até
o momento, sejam levadas a cabo e consigam produzir resultados
positivos de redução do risco de morte agrária.
As ‘versões pessoais’ e relatos das entrevistas que foram rea-
lizadas dão uma melhor compreensão à nossa variável a ser explicada,
ou seja, a violência agrária, fazendo-nos considerar as posições de
vários lados involucrados nesse conflito que causa morte.
Esperamos que, tanto por meio dessa investigação como das
entrevistas apresentadas, o leitor possa tirar sua própria conclusão
a respeito de possíveis soluções a serem tomadas por intermédio de
políticas públicas do Estado brasileiro em suas diferentes esferas,
seja federal, estadual ou municipal, para que o risco de mortes
resultantes de conflitos de terra no país seja reduzido ao máximo.
De qualquer maneira, entender os números e as categorias
diversas de camponeses que sofrem e morrem em conflitos agrári-
os e suas possíveis razões, auxilia na resolução do problema. Sem as
dimensões desse problema e os especificamente afetados por con-
flitos agrários, seria difícil criar políticas que pudessem reduzir
esse tipo de violência. O intuito desse livro, além de fazer o leitor
214
215
DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999.
218
FERREIRA, F. H. G.; Lanjouw, P.; Neri, M. “A new poverty profile for Brazil
using PPV, PNAD and census data”. Textos para discussão 418, Departmento
de economia PUC-RIO, março de 2000. Disponível em: http://ideas.repec.org/
p/rio/texdis/418.html;
IBGE. <http://www.ibge.com.br>.
219
220
221
222
223
ANEXO II - Parte I
1
Municípios que tiveram entre 1 – 5 mortes agrárias entre 1985 – 2005 não estão
incluídas nesse mapa.
226
Ficha técnica
227