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A CRIAÇÃO DE ENJEITADOS EM VILA RICA:
A PERMANÊNCIA DA CARIDADE
(1775-1850)
Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br
Luciana Viana Ferreira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da UFOP, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
pessoas. Por isso, quero agradecê-las com muito respeito e carinho. Primeiramente
quero agradecer ao meu orientador Renato Pinto Venâncio pela orientação e pelo
Ronaldo Pereira de Jesus e a professora Silvia Maria jardim Brügger, que deferiram
Andrade, Júnia Ferreira Furtado e Marco Antônio Silveira, professores que no decorrer
A professora Adalgisa Arantes Campos sou grata por ter-me permitido com
professora. Sou grata também a Denise Aparecida Souza Duarte bolsista da Adalgisa
Sou grata aos meus amigos que sempre estiveram presente nessa minha
caminhada: Ao meu amigo e professor Rodrigo Vivas Andrade que muito contribuiu
para a realização deste trabalho; Adriano Toledo Paiva que com amizade e carinho
sempre que possível norteou as minhas investidas na pesquisa; A minha querida amiga
Romilda Oliveira Alves que com muita paciência analisou comigo alguns documentos
minhas amigas Elizangela de Moura, Erlaine de Moura e Jussara Paiva que muito
Andrade que com paciência e zelo sempre esteve ao meu lado. Obrigada por tudo, Fá.
Arquivos:
Instituições:
Gerais:
Cx. – Caixa
Cód - Códice
Doc. – Documento
Fl – folha
PP – Presidência da Província
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
SC – Seção Colonial
SP – Seção Provincial
Lista de Gráficos
Lista de Quadros
Lista de Figuras
Figura 1. Planta de Vila Rica da população de Nossa Senhora do Pilar de Vila Rica em
1798, elaborado pelo Vigário Vidal José de Sales_____________________________83
Figura 2. Folha documental da Lista de Matrícula dos expostos de Vila Rica______109
Lista de Tabelas
Tabela 1. Matriculantes Mulheres e Homens por décadas_____________________115
Tabela 2. Ocupação e Status dos Criadores________________________________117
Tabela 3. Números de Batismo de expostos por décadas de 1770-1849__________126
Tabela 4. Números de Lista de Matrículas de expostos por décadas de 1770-1849_127
Sumário
Resumo_____________________________________________________________ 12
Introdução___________________________________________________________13
Considerações Finais_________________________________________________168
Foi a partir de meados do século XVIII, que a Câmara de Vila Rica decidiu destinar
por imposição da coroa portuguesa, para que fosse adotada medida similar à de
XIX, houve uma necessidade de investir nos tratamentos destinados aos expostos, pois,
Europa começaram a difundir as Rodas dos Expostos no sentido mais filantrópico. Esse
Misericórdia. Essa maneira de atuar do Estado tinha como objetivo prover a assistência
à criança abandonada, para que essa não se tornasse uma pessoa vadia. Essa forma de
auxílio disseminou para algumas cidades do Brasil, porém uma das mais importantes
crianças abandonadas1 de Vila Rica,2 entre o final do século XVIII e a primeira metade
do século XIX. A assistência à criança enjeitada era feita, principalmente, por meio da
caridade. Esse tipo de auxilio foi idealizado pela sociedade e pelas autoridades
alma.
aparelhava as suas Santas Casas de Misericórdias com as Rodas dos Expostos. Onde
não houvesse esse estabelecimento era a instituição da Câmara Municipal que ficava
1
Para entendermos o que seriam essas crianças abandonadas, procuramos identificar a denominação
destas, no período por nós proposto. Notamos, por meio das documentações e dicionários da época, que a
terminologia utilizada para se referir à criança abandonada dos séculos passados era de criança enjeitada
e/ou exposta, sendo alterada essa denominação, a partir do final do século XIX, para menor infrator. Para
descrevermos o que seria uma criança exposta e/ou enjeitada no período colonial, utilizamos como
referência documental os dicionários de Raphael Bluteau de 1712 e o de Morais Silva de 1798. No
dicionário do Raphael Bluteau, a criança abandonada era descrita como enjeitada, desamparada pelos pais
e exposta na Igreja, na porta de um convento ou em uma casa particular ou mesmo em qualquer lugar da
rua. Ainda de acordo com Bluteau, o enjeitamento se dava por causa de amores ilícitos e concubinatos de
seus pais, assim como pela pobreza que obrigava os pais a enjeitarem os filhos. No dicionário de Moraes
Silva, o significado da criança enjeitada é descrito de forma breve. O autor não define, detalhadamente, o
que seria uma criança enjeitada e a causas das exposições, como fez Raphael Bluteau. Moraes esclarece
que a denominação de “criança abandonada” não fazia parte do contexto intelectual do final do século
XVIII. § Expor: V. g. engeitar a criança, o filho §. Engeitar de filho; privá-lo dos direitos de filho, não
conhecer por filho Ferr Brisso, 4 – sé. 5. eu o engeito de filho para sempre1. Como podemos perceber
nenhum desses dicionários fizeram menção à utilização da expressão “criança abandonada”, no sentido de
abandonar uma criança, mas sim de “criança enjeitada”.
2Posteriormente torna-se a capital de Minas Gerais.
13
ensinamentos da Igreja Católica, que tinha como principal preocupação a salvação das
almas das crianças. Por isso, quando uma criança era acolhida, a primeira providência
tomada pelos funcionários da instituição era o batismo, garantindo sua salvação em caso
de falecimento. Em Vila Rica, conforme demonstrado, até meados do século XIX, foi a
alcançaram a América Portuguesa o que a levou a defender a idéia de que o auxilio dado
aos expostos não deveria se restringir à salvação de sua alma; Era preciso cuidar deles
enquanto vivos e direcioná-los para uma formação laboral foi uma prática por ela usada,
estabilidade social. Nessa fase, os ideais filantrópicos iniciavam, também, uma nova
forma de assistência.
A propagação das Rodas dos Expostos fez parte das medidas filantrópicas. Após
Por esse motivo da Roda foi passou a representar um “um manancial de trabalhadores
para a agricultura e manufaturas, havendo mesmo quem especulasse se daí não sairiam
os soldados ideais, que teriam no Estado seus verdadeiros pais; noção que levou reinos
Novas instituições surgiram para abrigar, educar e ensinar algum tipo de ofício
às crianças carentes maiores de sete anos de idade. Essas instituições foram os Colégios
3
VENÂNCIO, Renato Pinto. Da Caridade à Filantropia: assistência à infância no Brasil, 1750-1850.
UFOP, 2008, p. 8
14
Todavia, em Ouro Preto, a assistência caritativa individual e camararia, herdeiras
do período colonial, foi mantida. Entretanto, acreditamos que o caso de Ouro Preto não
sujeitos históricos que, até então, eram mencionados de forma breve, como, por
A preferência do espaço geográfico se deve ao fato de ter sido Vila Rica capital
imperial do Ouro Preto, em 1823. Além disso, destaca-se sua importância não só como
centro minerador no período colonial, mas também como uma localidade que se
15
Foram escolhidos como marcos cronológicos a publicação da lei de 1775, que
entre 1775 e 1850. A escolha desse marco temporal teve por objetivo constatar, em que
Para desenvolver este estudo uma grande variedade de fontes documentais foi
Câmara Municipal de Ouro Preto (APM-CMOP). Ainda, dados provenientes das Listas
Arquivo Público Mineiro (APM) que foi disponibilizada em cd-rom pelo Centro de
Minas Gerais (UFMG). Além disso, a documentação dos Relatórios dos Presidentes da
família, política assistencial, tem como objetivo trazer de forma sucinta, informações a
16
No segundo capítulo, O Universo da exposição de crianças em Vila Rica,
a ampla mobilidade das crianças de Vila Rica, e o mistério que envolve a prática do
locais que os mesmos foram expostos. Sendo essas duas últimas análises uma forma
seriam esses criadores de expostos, quantos expostos eles aceitaram em seus lares e por
compadrio. Para tal analise utilizamos fontes como: as atas de batismo do banco de
(pouquíssimos deles), eram resgatadas pela família de origem. No entanto, muitas delas
instituições eram designadas para crianças maiores de sete anos de idade. Observamos
séculos XIX, tiveram como proposta atitude de cunho filantrópico. Para Ouro Preto,
notamos que, houve iniciativas assistenciais de cunho filantrópico, mas, parece que até
metade do século XIX, tal assistência não fincou, permanecendo o auxílio por meio da
caridade.
17
Capítulo 1 – Sociedade, família, política assistencial
algumas delas, alforriadas, tinha o seu próprio comércio e atingiam, assim, certa
ascensão social e econômica6. Outra influência era a presença de escravos por “jornal” e
“coartação” que trabalhavam para os seus senhores e em troca desse trabalho recebiam
sua alforria.
altos índices de alforrias ocorreram na década de 1750. Porém, foi à década de 1770 e a
que, em 1776, uma população de 70.769 brancos, 82.000 pardos e 167.000 pretos.
5
ANDREONI, João Antônio. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo, 1967, p. 263.
6
PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo
Horizonte, UFMG, 2006, 31-40. Do mesmo autor ver em PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos
nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo, 1995.
FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras – riqueza e estigma social. Revista Tempo. Nº 09, jul/2000. pp.
65-92
7
A Matriz da Nossa Senhora do Pilar e a Matriz da Nossa Senhora da Conceição do Antônio Dias foram
erguidas no início do século XVIII. Tais Matrizes além de terem a sua importância histórica enquanto
construção da cidade tem um grande acervo documental de batismo, matrimônios e óbito.
8
LIBBY, Douglas Cole e BOTELHO, Tarcísio. Filhos de Deus: Batismos de crianças legítimas e naturais
na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810. Revista Varia História, n 31 janeiro,
2004.
18
negros somava assustadoramente 77,9%, em oposição à dos brancos que somava os
22,09% restantes.9
fruto de uma mistura racial não bem aceita pela sociedade branca e elitista e também
por não poderem, muitas vezes, ter acesso aos padrões sociais estipulados por ela. No
século XIX, percebemos poucas modificações em relação àquelas que ocorreram no ano
negra 75,15%10.
Porém, não podemos negar que foi marcada pela pobreza. Segundo Laura de Mello e
maioria da população era escrava ou dela descendia, também havia uma parcela
perturbadores da ordem12.
9
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.203.
10
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.203-204.
11
Em Minas, Portugal impôs um controle mais rigoroso, se comparado com as outras capitanias,
sobretudo devido à presença de metais preciosos. No entanto, o interesse da população nem sempre
coincidia com o da Coroa. Com isso, a Metrópole, na busca de maior adesão às suas ações, ora agia com
cautela, ora com rigor. Ver em: SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira
no século XVIII, 4 ed. Rio de Janeiro, Graal, 2004, p. 131-202. Ver em: FRAGOSO, João ET alli (orgs).
O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, 2001
12
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.131-202.
13
O resultado foi a intervenção da Coroa com a cobrança de fisco sobre a população, para que ela
completasse as cem arrobas anuais. Com isso, a insatisfação da elite local se fez presente na Inconfidência
Mineira. Pois, esse movimento conjurado em “1789” estava imbuído da filosofia iluminista do século
XVIII, que propunha abolição dos escravos e reformas econômicas em conjunto com outras áreas, como
na Igreja, que receberia os seus próprios tributos e se comprometeria a instalar educandários e as Santas
19
Vila Rica uma emigração de pessoas para outras regiões das Minas, em busca de outras
áreas de trabalho. De acordo com Saint Hilaire, Vila Rica no século XIX “revelava-se
Há, em Vila Rica, cerca de 2000 casas. Esta cidade era próspera,
quando as terras que o rodeiam desde a abundância de ouro, mas
como este metal tornou-se mais raras ou mais difíceis de extrair, os
moradores foram gradualmente para tentar a sorte em outro lugar, e
em algumas ruas, as casas estão quase desertas. A população de Vila
Rica, que anteriormente ascendia a 20 mil almas, está agora reduzido
a cerca de 8000, e esta cidade será abandonada apesar de ter sido a
capital da província o capital administração e à casa de um
regimento15.
Embora Vila Rica apresentasse uma evasão populacional que atingiu vários
mulheres para outras regiões das Minas, ela não deixou de apresentar-se como sede
voltadas para a venda de produtos da área, fábricas de louça e pólvora. A maioria dos
Casas de Misericórdias, instituição que ficaria a cargo da instalação da Roda dos Expostos. As idéias
reformistas dos inconfidentes se assemelhavam ao ideário vivido na Europa na metade do século XVIII,
que defendia a afirmação de que a riqueza de um reino era medida por seu alto índice populacional, mas
com características ocupacionais.
14
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Minas Colonial: Economia e Sociedade. São
Paulo, FIPE-PIONEIRA, 1982, p.57-64.
15
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagens pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte. Editora Itatiaia/Edusp, 1975, p. 71-73.
20
mulheres concentravam-se nos setores de secos e/ou molhados – as famosas
“pobreza relativa” em Vila Rica. A partir do testemunho de viajantes, como John Mawe
revelava-nos que o grande número de casas “quase abandonadas” (isto é, muitas vezes
dinamismo18.
A área urbana de Vila Rica era composta por duas freguesias N. S. do Pilar e
Antônio Dias, que centralizavam 50,77% dos habitantes, sendo 48,13% dos livres e
56,56% dos cativos. Estes centros principais concentravam-se 85,52% dos indivíduos
nas profissões liberais, 80,62% no comércio e 78,98% em outros serviços. Padre Faria
16
COSTA, Iraci Del Nero. Populações Mineiras: sobre a estrutura populacional de alguns núcleos
mineiros no alvorecer do século XIX. São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas, 1981, p. 65-76
17
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Tradução de Milton da
Silva Rodrigues. Belo Horizonte/São Paulo. Editora Itatiaia/Edusp, 1975, p 149.
18
FONSECA, Cláudia Damasceno e VENÂNCIO, Renato Pinto. Vila Rica: prospérité ET déclin urbain
dans le Minas Gerais (XVIIIe-XXe siècles). Artigo publicado em: Laurent Vidal. (Org.). La ville au Brésil
(XVIIIe-XXe siècles) naissances et renaissances. Paris: Rivages des Xantons, 2008, v. p. 179-204. A
proposta dos autores é qualificar e relativizar a noção de decadência urbana – em especial para Vila Rica,
pois para ela o peso demográfico de uma cidade ou Vila, não representa tamanha importância do local.
Porquanto, é verdade que alguns funcionários e viajantes relataram que Vila Rica no início do século
XIX, apresentava esgotada de minas, casas abandonadas e mal conservadas, porém eles próprios
descreveram à existência de inúmeras lojas e um comércio de importação considerável, “o que sugere que
houve um número significativo de pessoas ricas para consumir esses produtos. Além disso, ainda de
acordo com a autora várias foram as fontes que revelam que de fato as funções administrativas, a
presença de magistrados, advogados e autoridades religiosas, a abundancia e a diversidade de produtos
vendidos, o número e o tamanho das casas, a riqueza de igrejas, polidez e a cultura dos habitantes também
foram fatores que conferem prestígio às cidade e às vezes tinha mais do que o número de habitantes. Caso
parecido com o de Vila Rica.
21
contava com 6,98% da população total, 53,85% colaboravam com as atividades de
Santa Ana do Morro, a população se compunha de 14,56%, sendo que 36,40% dos
ferreiros, latoeiros e sapateiros. Por fim, o bairro das Cabeças correspondia a 15,82%
dos habitantes totais, sendo que 70,58% trabalhavam com atividades artesanais e
Vila Rica entre 1770 até meados de 1840, ao mesmo tempo em que os problemas
Vila Rica, como outras regiões da comarca de Minas, foi inicialmente ocupada
Com esse perfil, eles acabavam não criando vínculos estáveis com a terra, acarretando a
19
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Minas Colonial..., p.64-69.
22
desordem da sociedade e a falta de controle do Estado sobre ela. No entanto, para o
laços de estabilidade determinados por meio da formação da família. Para que isso
“(...) sendo a casa a primeira comunidade, as leis mais necessárias são as do governo da
casa; e sendo, além disso, a família o fundamento da república, o regime (ou governo)
As Ordenações Filipinas (1603), que eram a legislação civil que regia o Império
Ultramarino Português no século XVIII, deixavam claro que cabia à família educar,
alimentar e vestir, fossem os filhos legítimos ou não23. Philippe Áriès descreve que na
família em relação às crianças. Elas, que antes conviviam num círculo social mais
20
FIGUEIREDO, Luciano R. Q. Barrocas Famílias. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 21.
21
Sobre casarem os homens destas minas e mestres nas vilas para ensinarem rapazes, carta do Governador
Dom Lourenço de Almeida ao rei, 28 de setembro de 1721. Revista do Arquivo Público Mineiro, v.31,
1980. p. 95.
22
Natividade, 1653, op. I, cap.1, p.2, n.10. Citado por: HESPANHA, António Manuel. História de
Portugal Moderno; político e institucional. Lisboa: Universidade Aberta, 1995. p. 114.
23
Ordenações Filipinas. Livros IV e V. Livros que regem os direitos das pessoas que compunham essa
sociedade. http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm
23
intenso, passam a ter na família um espaço social privilegiado de aprendizagens
sociais24. Assim, a segunda metade do século XVIII foi marcada pelo acirramento das
políticas do Estado para disciplinar a família, principalmente, no que diz respeito aos
para que houvesse o matrimônio, foi grande a dificuldade para a formação de famílias
século XVIII a maioria da população de minas era composta por homens livres e
escravos, com números superiores ao de mulheres. Este fato era uma das causas da
preocupavam-se com a falta de mulheres brancas para promover o casamento das elites
locais, assim, de acordo com a autora, os governantes sugeriram ao rei que proibisse às
famílias de encaminhar aquelas mulheres para a vida religiosa, pois elas eram raras
negras livres e forras; com isso o mercado matrimonial ficou restrito para a maioria
24
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Brasileira, 1978, p. 225
25
LEWKOWICZ, Ida. As mulheres mineiras e o casamento.... p. 14-15.
26
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo:
T.A.Queiroz/Edusp, 1984. p. 43.
27
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil.....p. 43.
24
apresentassem testemunhas que comprovassem o seu estado livre de solteiro e
A maioria das famílias de Vila Rica, entre meados do século XVIII e início do
XIX, era composta por um número elevado de domicílios chefiados por mulheres,
disparidade contrária ao que era visto no início da conformação de Vila Rica, em que a
maioria da população era composta por homens. Esse fato aconteceu devido à
econômica que ocorreu afetou todos os setores da sociedade, desde a (...) elite ao recém-
chegado escravo africano e essa transição representa o contexto para o exame da família
sustentada pela mulher”31. De acordo com Iraci Del Nero da Costa, Vila Rica em 1804
28
BRUGGER, Silvia M. J. Legitimidade, casamento e relações ditas ilícitas em São João Del Rei (1730-
1850). IX Seminário sobre economia mineira. Vol. 1 Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2000, p. 58.
29
RAMOS, Donald. From Minho to Minas: the Portuguese Roots of the Mineiro Family. Hispanic
American Historical Review. Copyright 1993 by Duke University Press, p 641.
30
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil.....p. 43.
31
RAMOS, Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto: 1754 – 1838. In: Congresso sobre
a História da População na América Latina, 1989, Ouro Preto. Anais... São Paulo: Fundação SEADE,
1990. p. 55.
25
primeiro dominavam os homens (57,99%); quanto aos últimos
prevaleciam as mulheres (55,31%). A razão da masculinidade relativa
aos escravos (138,07 homens para 100,00 cativas) explica-se, em
parte, pelo destino que se lhes dava – a atividade mineradora – a
exigir, preferencialmente, mão –de –obra masculina. Par os livres a
razão de masculinidade correspondeu a 80,80. Estes resultados
rompem o relativo equilíbrio existem entre os sexos ao se considerar a
população total – nela computamos 95,56 homens para 100 pessoas do
sexo oposto32.
modificação dos criadores de expostos. Como demonstrado pelo gráfico 133 antes da
decadência do ouro, a maioria dos criadores eram homens. Depois percebemos que isso
mulheres criadoras era maior que dos homens, ambos se igualaram no ano de 1810, e
Entretanto, esse assunto será analisado com mais particularidade no terceiro capítulo.
120
100
Número de criadores
80
Mulheres
60
Homens
40
20
0
1770 1780 1790 1800 1810 1820 1830 1840
Décadas
32
COSTA, Iraci Del Nero. Populações Mineiras...,p. 66
33
Fonte: APM, CMOP 3/4 Caixa 01 Doc. 27.
26
de mulheres solteiras chefes de domicílio deste período. O autor também observou a
utilizar os registros de batismo como fizera para o século XVIII, uma vez que os censos
brancas (10,5%). Já para Ouro Preto, em 1838, o autor observou 52,2% de chefes
femininas mulatas, seguidas pelas brancas 30,3% e crioulas 12,6%35. Assim, grande
parte dessas mulheres buscavam recursos econômicos para sustentar a sua família.
Como dito acima, algumas trabalhavam como quitandeiras possuindo até mesmo o seu
É muito provável que grande parte destas mulheres solteiras chefes de domicílio
estaria vivendo em uniões consensuais, uma vez que, para as mais pobres, a opção por
34
RAMOS Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto..., p.155.
35
RAMOS Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto...,p.155.
36
RAMOS, Donald. ‘Marriage and the family in colonial Vila Rica’, em Hispanic American Historical
Review, vol. 55, nº 2, 1975. Apud FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho
da mulher em Minas Gerais no Século XVIII, Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Edunb,1993,
p.84
27
uma relação consensual poderia ter significado uma forma de sobrevivência e havia uma
forte presença de crianças definidas nos registros de batismo como “naturais”. Desta
forma, é provável de que o fato de muitas mulheres serem mães de filhos naturais seja
momento do batismo. Por outro lado, algumas destas mulheres foram celibatárias e
menos propícias para conservar os filhos junto a si, tanto que muitas os abandonavam.
O autor considera, assim, que o baixo status econômico que muitas mulheres solteiras
37
RAMOS Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto...,p.159.
28
catolicismo impôs normas e regulamentos em diversas áreas, como no casamento, na
pela Igreja, que passou a conferir indulgências e a aceitar que legados pios fossem
salvação de suas almas e mantinham o seu status quo de caridoso perante Deus e a
sociedade.
Portugal, esta última instituição ficou com a responsabilidade de cuidar dos doentes, dos
38
No inicio da Idade Média a pobreza passou a ser assistida pelos monges por meio da caridade e da
benevolência. Incentivados pela Igreja Católica, os pobres visitavam as casas dos bispos ou frades para
buscar comida e vestimentas. As crianças abandonadas, pobres e até mesmo ricas que os pais viam nessa
associação um diferencial de ensino também foram assistidas por eles por meio de uma instituição que se
chamava oblação. Essa instituição funcionava em mosteiros e nelas as crianças recebiam proteção,
alimentação, vestimenta e educação. Essas ações fizeram com que os cleros e os leigos também
praticassem caridade. Nesse período, as esmolas e o auxílio individual eram satisfatórios para abrandar a
pobreza e a enfermidade e, desse modo, limitaram as possíveis formas de associação. Em meados do
século XV, com o aumento da pobreza, houvesse a necessidade de criar novas e maiores instituições para
atender os pobres. Ver em: MOLLAT, Michel. Les pauvres au Moyen Âge. Étude sociale. Paris:
Hachette, 1978.
39
MOLLAT, Michel. Les pauvres au Moyen Âge. Étude sociale. Paris: Hachette, 1978, p.12.
29
pobres e das crianças enjeitadas e, algumas delas, chegaram a ter em sua sede a Roda
dos Expostos. A Roda consistia em um tonel giratório que ligava a rua ao interior da
Santa Casa. A pessoa deixava o bebê dentro da estrutura do tonel e, ao girá-la, um sino
tocava, indicando a presença da criança. Esse sistema permitia que a mãe preservasse o
dia 15 de agosto de 1498 pelo Rei D. Manuel I. Ela tinha como alvo “proporcionar
por todo o Império Português, desde Macau até Vila Rica. Isso ocorreu por meio do
abrangia cuidados com os enjeitados, que passaram a ser recebidos por meio da Roda de
motivação para a instalação dessas Rodas teve um significado caritativo, já que tais
rodas foram estabelecidas por meio da doação de dois comerciantes abastados, que
ficaram horrorizados com a ineficiência da prestação de socorro. Isso ocorria tanto entre
particulares, quanto na Câmara, levando muitas crianças a morrerem nas ruas antes de
serem encontradas.
40
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: Universidade de Brasília, 1981, p.1.
41
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio
de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999, p.26-30.
30
1738, admitiu em seu testamento a ineficiência, tanto do socorro
particular quanta daquele promovido pela Câmara. “Tendo em vista a
lástima com que perecem algumas crianças enjeitadas nesta cidade”42.
Segundo Caio Boschi, fatos como esses ocorreram porque o Estado não via
como sua obrigação o prover das assistências sociais exigidas pela sociedade.
XVIII até início do século XIX. Nesse contexto, também houve por toda a Europa44
42
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entregues à própria sorte: Resultado da pobreza e dos preconceitos morais
da época, o abandono generalizado de bebês no Brasil colonial levou o poder público a criar instituições
para proteger a infância. artigo da revista nossa História, ano 1, nº 9: Julho de 2004, p.42-48.
43
BOSCHI, Caio. O assistencialismo na Capitania do Ouro.... op. Cit., p. 26-27.
44
O primeiro hospital da Europa Ocidental Cristã a instituir Roda dos expostos foi o hospital do Santo
Espírito in Saxia, em Roma no ano 1198, que serviu de modelo para as posteriores Rodas que começaram
a surgir nas cidades da Itália (Roma (1198), Milão (1594), Florença (1660)), Portugal (Lisboa (1498) e
Porto (1689)) e Espanha (Andújar antes de 1684). Entre os séculos XV a XVI, cidades como essas
prestaram assistência aos expostos, fossem por meio dos hospitais ou dos hospícios; já a expansão da
Roda em algumas colônias ocorreu a partir do século XVIII. Nessa mesma época, as Rodas dos expostos
européias se multiplicaram. Em Roma, o hospital do Santo Espírito recebia expostos de 26 dioceses e
mosteiros circunvizinhos. Em razão disso, foi permitido à cidade a instalação de outra Roda, na periferia
de Viterbo, no ano de 1737. No final do século XVIII, a maior parte dos hospitais italianos possuía a
Roda dos Expostos: Brescia, Paiva, Nápoles, Cosenza, Palermo, Veneza, Siena, Bolonha, Pádua, Catânia,
Udine. Segundo Léon Lallemand, a primeira Roda dos Expostos da França surgiu em 1714, mas
infelizmente o autor não menciona o nome da cidade. Outras três cidades da França a implementarem:
Ruão em 1758, Tourraine em 1750 e de Le Mans em 1766. Na época napoleônica foi decretado, no ano
de 1811, a obrigatoriedade da instalação da Roda dos Expostos em todos os hospitais do Império. Na
Espanha, temos conhecimento de uma Roda em Madrid, mas não sabemos o ano certo dessa instalação. O
que sabemos é que esse tipo de dispositivo foi transplantado para algumas de suas colônias, como
Santiago em 1758, Arequipa em 1788 e Buenos Aires em 1779. A Rússia também aderiu ao sistema da
instalação da Roda dos Expostos. Em 1715, o Czar obrigou os hospitais a receberem crianças enjeitadas,
devendo ser providos de janelas apropriadas, por onde os bebês pudessem passar, sem que quem os
depositasse pudessem ser identificados. Nos países protestantes, como Alemanha e Inglaterra, a forma de
auxilio aos enjeitados ocorreu mais tarde. De acordo com Isabel de Sá, a assistência aí desenvolvida não
coincidiu em muitos aspectos com as registradas na Europa Cristã. Em Portugal, na cidade Góis no ano
1783-84. Além de outras localidades Viana (1701), Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Valadares,
Monção, Melgaço, Ponte de Lima, Arcos, Barca e Coura. Esse sistema foi transferido para todo seu
Império. Na América Portuguesa temos Salvador 1726. Rio de Janeiro 1738, Recife 1789, Campos dos
Goitacazes 1791, São Paulo 1825, São Luís 1829, São João Del Rei 1832, Cuiabá 1833, Porto Alegre
1837, Rio Grande 1843, Pelotas 1847, Paraíba 1857. Ver em: VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias
31
uma propagação da Roda dos Expostos. Tal ocorrência não se deu somente por causa do
européias. A pobreza não era mais vista como superioridade espiritual, passou a ser
vista como um problema da ordem. O pobre começa a ser visto como “vagabundo”,
Para a autora Maria Luíza Marcílio, o objetivo do Estado era prover a assistência
à criança abandonada, para que essa não se tornasse uma pessoa ociosa. Esse caráter
Misericórdia.
32
Aos poucos, generalizou-se o entendimento de que ao Estado caberia
a administração dos negócios públicos, isto é, da economia em geral,
ao passo que, à piedade particular e às associações leigas se
confeririam a responsabilidade e o ônus da assistência pública. Em
função disso, o propósito da coesão associativa tornou-se o de servir
de defesa aos interesses e aspirações comuns, através da prática de
um assistencialismo que viesse substituir as manifestações e atos
isolados de caridade47.
uma das virtudes teologáis. Tão importante quanto a “fé”, a caridade era a base do
deveria ser feita em sigilo. Somente Deus poderia saber sobre a ação do doador.
dicionário do Raphael Bluteau, publicado em 1712. Essa obra lança luz sobre o que
seria a caridade e a pessoa caridosa naquele século. Segundo ele, a caridade é uma
virtude Teologal - é o amor que sentimos por Deus e, pelo amor dele, deveríamos sentir
47
BOSCHI, Caio. O assistencialismo na Capitania do Ouro..., p. 27.
48
“La Véritable complémentarité semble donc résider em Ceci que Le riche détient lês clés de La terre, Le
pauvre celles Du ciel”, SASSIER, Philippe. Du bom usage dês pauvres: Histoire d um thème politique,
XVIe- XXe siècle. Paris: Fayard, 1990, p. 53.
49
BOSCHI, Caio. O assistencialismo na Capitania do Ouro. Revista de História, 116: 25-41, Jan-jun;
1984, p- 27.
33
próximo. (...) Para todos tem muita caridade. (...) Ação caritativa.
(como quando se diz) Ele me fará a caridade de me avisar. (...) Fazer a
caridade a alguém, ensinando-o, ou fazendo-lhe outro benefício.
Esmola. Homem, que faz muitas caridades. Misericórdia com os
pobres50.
livro escrito em latim por Thomás de Kempis e traduzido por Fr. Antônio de Pádua e
Bellas e publicado em Lisboa no ano de 1801. No capítulo XV do livro Das obras que
procedem da Caridade, o autor nos revela com propriedade o que consistiria a caridade
para com Deus e com o próximo. Para Thomas, o perfeito caridoso não busca aparecer
para si mesmo, porém almeja que todas as coisas se façam para a glória de Deus.
Caridade, Amor; caridade para com Deus, e com o próximo52. Na terceira edição dessa
mesma obra, em 1831, a expressão “filantropia” se faz presente, significando amor dos
50
http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/1%2C2/filantropia (acesso: 16 de março de 2010).
51
http://books.google.com/books?lr=&hl=pt-
BR&as_brr=0&q=caridade&btnG=Pesquisar+livros&as_drrb_is=b&as_minm_is=0&as_miny_is=1770&
as_maxm_is=0&as_maxy_is=1830 (acesso: 16 de março de 2010).
52
http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/1%2C2/filantropia (acesso: 16 de março de 2010).
53
http://books.google.com.br/books?id=20ZDAAAAYAAJ&pg=PP9&dq=Moraes+e+silva+diccionario&
as_brr=1#v=onepage&q=Moraes%20e%20silva%20diccionario&f=false (acesso: 16 de março de 2010).
54
http://books.google.com/books?as_q=philantropia&num=10&hl=pt-
BR&btnG=Pesquisa+Google&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_brr=0&as_pt=ALLTYPES&lr=&as_vt=&a
s_auth=&as_pub=&as_drrb_is=b&as_minm_is=0&as_miny_is=1770&as_maxm_is=0&as_maxy_is=183
0&as_isbn=&as_issn (acesso: 16 de março de 2010).
34
Nesse contexto, prevalece o entendimento de que filantropia é uma laicização da
abandonada se aproxima dos ideais iluministas, que pregavam o amor dos homens pelo
amor da humanidade, e não como uma expressão do amor divino. O fazer o bem, o
socorro aos necessitados, deixa de ser uma virtude cristã para ser uma virtude social55.
de perspectiva teve efeitos profundos. A partir de uma leitura fisiocrática dos princípios
instalar Rodas dos Expostos, “para expor os meninos que se enjeitam"56. Mais ainda: a
entre os períodos de 1775 a 1850, percebe-se que houve uma substancial transformação
que recebia a Roda dos expostos. Conforme mencionamos, foi justamente no governo
do Marquês de Pombal que houve uma maior preocupação com as finanças destinadas
às instituições de auxílios aos enjeitados e também com o destino deles após os sete
55
SANGLARD, Gisele. Filantropia e assistencialismo no Brasil. História, Ciência, Saúde-Manguinhos,
vol. 10(3), 2003, p. 1095.
56
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas...., p. 33 e 34.
57
Um exemplo disso foi registrado em Campos dos Goitacazes, na Capitania do Rio de Janeiro. A
aprovação do compromisso da Santa Casa local, sancionado por D. Maria I, em 1791, foi condicionada à
instalação de uma Roda dos expostos. Isso efetivamente ocorreu em 1796, quando se batizou o primeiro
enjeitado da Misericórdia local. LAMEGO, Alberto. História da Santa Casa de Campos. Rio de Janeiro:
s/ed, 1951, 149; FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano
colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 70.
35
aos expostos. O Alvará de 1775, regulamentado por ele, definiu de forma mais precisa a
dos enjeitados. Embora as leis tenham sido formuladas visando a atender a Casa de
dentro das limitações da colônia. A Misericórdia do Rio de Janeiro, por exemplo, teve o
1889, foram promulgadas leis brasileiras relativas aos expostos, como a do ano de 1827,
que determinava que os legados pios não cumpridos fossem destinados às Casas de
Expostos. As leis dos Municípios de 1828 estipularam que, onde houvesse as Santas
não as Câmaras. A lei de 1831 reafirma o dispositivo da lei anterior a respeito dos
legados não cumpridos, o mesmo se repetiu em 184559. Assim, a Roda dos Expostos
órfãs não deveriam se tornar vagabundas ou pessoas ociosas, o que perturbaria a ordem
58
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo
Horizonte. Editora UFMG, 1999, p - 67.
59
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios: a Santa Casa da Misericórdia e as “Rodas dos
expostos” no Brasil. In: ARAÚJO, Maria Marta Lobo de (Org.). As Misericórdias das duas margens do
Atlântico: Portugal e Brasil (XV-XX). Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2009, p. 140-141.
36
pública. Eles deveriam se tornar úteis à sociedade e ao Estado, uma vez que, para
entre o período de 1765 a 1825, ano em que ocorreu a criação da Casa dos Expostos na
cidade de São Paulo, expôs a real origem da preocupação do Estado. No que diz
campos social, começou a investir em instrumentos que o levassem a tal êxito. Para
tanto, ocupou-se com a instalação das Rodas em várias áreas ao longo do Império. De
acordo com Renato Pinto Venâncio, entre 1789 e 1841, elevou-se o número de hospitais
Essa nova fase de instalação da Roda dos Expostos recebeu a atenção de uma
parcela da sociedade que até então não existia. As autoridades políticas provinciais
começaram a ter um maior cuidado com essa área filantrópica. Como mostra o quadro1,
60
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos expostos na Capitania de São Paulo. Anais do Museu
Paulista, tomo XXX, São Paulo, 1980/1981, p.148.
61
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 136.
37
regiões do Brasil - que receberam nas suas Santas Casas de Misericórdia a Roda dos
Expostos.
Quadro 1 - Instalação da Roda dos Expostos no Brasil entre os períodos de 1789 – 1849
Capitania Roda dos Expostos por
ano
Bahia (Salvador) 1726
Rio de Janeiro 1738
Pernambuco (Recife) 1789
Rio de Janeiro (Campos) 1796
São Paulo (São Paulo) 1825
Santa Catarina (Desterro) 1828
Maranhão (São Luís) 1829
Minas Gerais (São João Del Rei) 1832
Mato Grosso (Cuiabá) 1833
Rio Grande do Sul (Porto Alegre) 1837
Bahia (Cachoeira) 1840
Paraíba (João Pessoa) 1841
Rio Grande do Sul (Pelotas) 1849
Fonte: VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios: a Santa Casa da Misericórdia e as “Rodas dos
expostos” no Brasil. In: ARAÚJO, Maria Marta Lobo de (Org.). As Misericórdias das duas margens do
Atlântico: Portugal e Brasil (XV-XX). Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2009. NASCIMENTO, Alcileide Cabral
do. Frutos da castidade e da lascívia: as crianças abandonadas no Recife (1789-1832). Rev. Estud.
Fem. vol.15 no.1 Florianópolis Jan./Abr. 2007. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos expostos na
Capitania de São Paulo. Anais do Museu Paulista, tomo XXX, São Paulo, 1980/1981. NASCIMENTO, Rita de
Cássia Gomes. Pelas Crianças Desvalidas: o Instituto de Assistência à Infância do Maranhão nas primeiras
décadas do século XX. Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão.
São Luís 2007. RESENDE Diana Campos. Roda dos Expostos: Um caminho para a infância abandonada.
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade São João Del Rei, 1996. TORRES, Luiz
Henrique. A Casa da Roda dos Expostos na cidade do Rio Grande. Biblos, Rio Grande, 20: 103-116, 2006.
TOMASCHEWSKI, Cláudia. Caridade e filantropia na distribuição da assistência: a Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de Pelotas – RS (1847-1922). Dissertação apresenta para o Programa de Pós-graduação em
História das Sociedades Ibéricas e Americanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do sul, 2007.
NÓBREGA, Michael Douglas dos Santos e MARIANO, Serioja Rodrigues. Pobres Crianças Enjeitadas: O
cotidiano dos Expostos na Santa Casa da Parahyba (1857-1874). II Seminário Nacional Gênero e Práticas
Culturais. Culturas, leituras e representações. Universidade Federal da Paraíba UFPB.
da Roda. Isso ficou registrado, por exemplo, nos processos de criação da Roda dos
Expostos de São Luis, capital da província do Maranhão, instalada no ano de 1827, por
38
Salvador e no Rio de Janeiro, a instalação aconteceu no século anterior, por um
principalmente no século XIX, elas não implicaram a anulação das práticas assistenciais
nas províncias da Capitania do Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, a lei Provincial
segundo Renato Pinto Venâncio. Tal dispositivo era defendido pelos governadores, que
viam em sua instituição um papel civilizador. A Roda foi instalada em 1833, recebeu
sua primeira criança em 1844 e após quatro anos recebeu mais duas. Em 1852, foi feita
uma avaliação e foram propostas algumas reformas que não surtiram efeitos, levando ao
seu fechamento em 1863. Para o autor a Roda dos Expostos “traduzia muito mais as
de Vila Rica, que foi instituída no ano de 1738, ano em que a ocupação populacional já
62
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 141.
63
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 142.
64
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 142-143.
65
Nas localizações litorâneas da América Portuguesa como Salvador, Rio de Janeiro e Olinda, logo após
as suas populações serem estabelecidas se instituíam uma Santa Casa de Misericórdia, Hospital que
atendiam os aflitos. Ver em RUSSEL-WOOD, A.J.R. Fidalgos e filantropos..., p. 19-32.
39
se encontrava estabelecida. Entretanto, tudo indica que em 1720 Vila Rica tornou-se
habitantes da Vila uma petição ao Rei para a criação de uma irmandade da Misericórdia,
como era feito “nas demais terras principais”66. Em resposta, o vigário recebeu uma
pleiteados por ele. Em 2 de outubro de 1730, foi fundada a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Ouro Preto, tendo como Padroeira Nossa Senhora Sant’Anna. Essa
discutido no ano de 1734. Nessa época, os oficiais da Câmara de Vila Rica, juntamente
camarários enviaram uma carta ao Rei Dom João pedindo a ele que estabelecesse em
Vila Rica um Hospital da Santa Casa da Misericórdia, já que era costume em todas as
66
Arquivo Histórico Ultramarino, Minas Gerais, Caixa 09, Doc. 05.
67
Os párocos pediram que a Santa Casa de Vila Rica tivesse o mesmo privilégio que possuía a Santa Casa
da Corte e a do Rio de Janeiro.
68
MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e Irmandades de Ouro Preto: a religião, Belo Horizonte:
Publicações do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1975, pp. 84-85.
40
cidades e vilas do reino haver um Hospital para atender os aflitos. Mas para que isso
Dom João V solicitou aos oficiais uma declaração de onde viria a doação para criar e
ao Rei Gomes Freire, o legado de Henrique Lopes de Araújo, capitão-mor da Vila, que
deixou para a Câmara fazer de sua herança o “bem comum”70 “especialmente para
criação de um Hospital”. No legado deixado por Henrique Lopes constavam umas casas
Henrique Lopes, deixa bem claro para o Rei que as pessoas zelosas de Vila Rica, na
casas em sitio para logo trazerem a cura aos doentes e fazerem mais obras de caridade
69
CMOP – Caixa 07, doc. 33.
70
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica – Ouro Preto no ciclo do ouro, Belo Horizonte,
1955, p. 141.
71
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...p. 141.
41
O governador de Minas Gomes Freire após analisar o legado de
Henrique Lopes, reportar a poucos dias se unirão as pessoas zelosas
desta Vila compraram casas em sítio acomodando em que fizeram
Hospital e desde logo tratarão de fazerem curar os doentes, e mais
obras de caridade que são do instituto da Irmandade da Misericórdia.
Essa iniciativa das “pessoas zelosas” fora adotada na esperança de que
o soberano lhes fizesse a “mercê e a todas estas Minas de tomar
debaixo de sua real imediata proteção, este Hospital e Congregação
para que fosse Casa Real de Miz.a como a do Rio de Janeiro e mais q.
há No Brazil”. Sendo certo que tal “concessão tão própria da real
piedade e de Vossa Majestade e animará os devotos que hoje cuidão
na enfermaria, e sem Ella, não será possível que continue o seu
Zelo”72.
Após dois anos, em abril de 1738, depois das referidas informações de Gomes
Freire a El-Rei, ele determina, sob sua real proteção, erguer em vila Rica a Santa Casa
de Misericórdia e o Hospital para tratar dos enfermos daquela Capitania - “e que esta
no mesmo mês foi aprovado um Alvará, em 16 de abril de 1738, que concedia a licença
Porém, o que se sabe é que a Misericórdia de Vila Rica não chegou atingir os
tinham. Ao que parece, a demora do repasse da verba do legado do Capitão Mor e mais
tratava da casa de exposto e do asilo de menores desvalidos74. Isso fez com que a
Câmara ficasse com o encargo de criar os enjeitados da Vila até que eles completassem
72
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...p. 141-142.
73
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...p. 142.
74
MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e Irmandades de Ouro Preto..., p. 85.
42
de Vila Rica no século XIX, é que a Santa Casa de Misericórdia não era prioridade para
a Câmara, já que esse hospital recebia menos assistência do que as prisões, por
exemplo.
Ordenações Filipinas era obrigação da Câmara Municipal criar o enjeitado nascido sob
a sua jurisdição. Caso essa jurisdição não dispusesse de renda para tal finalidade, a
Isso era feito por meio de um pagamento mensal para famílias que se
disponibilizavam a criar um enjeitado, caso essa jurisdição não tivesse a Casa dos
Expostos e nem a Roda. Em algumas localidades onde não havia hospitais de expostos
era a Câmara que desempenhava o papel caritativo para sua criação e educação. Em
nas ruas e esses contratados os levavam para as próprias residências, passando essas a
ser um ponto de referência para as pessoas que quisessem deixar seus filhos a cargo da
caridade pública. Os responsáveis por essa função recebiam o nome de pai dos meninos
ou pai dos enjeitados ou mãe dos enjeitados. Assim, logo após serem recolhidas, essas
75
APM, CMOP 3/4 Cx. 07 Doc. 18
76
www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p206.htm (acesso 22 de março de 2010).
43
crianças tinham que ser batizadas, levadas ao Senado da Câmara para que os senadores
entregues ao Juiz dos órfãos, que indicava o tutor para criarem-nas. Os tutores recebiam
da Câmara uma quantia que variava em relação ao local e ao tempo. Nos três primeiros
anos, no período da amamentação, a quantia paga era maior do que a dos quatros
últimos anos77. Em Vila Rica, não houve esse procedimento em relação aos enjeitados,
já que não houve tutores para essa finalidade. As pessoas que encontravam as crianças
enjeitados era de 24 oitavas de ouro por ano, durante os três primeiros anos do bebê.
Esses pagamentos eram mantidos durante os quatro anos seguintes, porém com o valor
de 16 oitavas anuais78.
Pela Câmara desta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
na variação de trinta do mês de dezembro de mil e setecentos e
noventa e seis de fez [sic] da enjeitada Ignacia exposta na cadeia na
noite do dia vinte seis do corrente mês e entregue Martinho Rodrigues
Meira segundo a certidão do batismo que acompanhava digo Meira
morador no [sic] segundo a certidão do batismo que acompanhava
passada pelo Reverendo Vigoria da Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição desta Vila João Antonio Pinto Moreyra para se lhe pagar a
sua criação da dita exposta e entrega [sic] de vinte e quatro oitavas de
ouro por ano nos três primeiros anos da lactação e nos quatro diretos
para o complemento dos sete que é o prazo da lei de dezesseis oitavas
de ouro satisfeito por folha, na forma que se pratica79.
primeira metade do século XVIII, fizeram várias manobras para não ficar com o
77
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas...op. cit., p, 26.
78
APM, CMOP Códice 116, Ver também LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica – Ouro
Preto no ciclo do ouro, Belo Horizonte, 1955, pp. 187-190.
79
APM, CMOP, Rolo 46 Flash 01. Lista de matrícula dos expostos
80
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas: a exposição de crianças em Vila Rica, século XVIII.
Mestrado da UFF. Niterói, 2006. p. 76
44
as populações com criação de fintas para pagar os custos com os cuidados dos
enjeitados.
Além disso, na maioria das vezes a Câmara de Vila Rica, ficava devendo os
criadores dos expostos. Tal evento foi evidenciado por meio da documentação de
Receita e Despesa da Câmara de Ouro Preto que nos mostra, por meio da quantificação
do período de 1770 a 1829 que, nas três últimas décadas do século XVIII, a Câmara
devia a aproximadamente 88% dos criadores e, nas três primeiras décadas do século
XIX, a Câmara ficou em débito com 72% dos criadores. A documentação mostra
também que a Câmara sempre teve dívidas parciais ou totais com esses criadores.
Porém, no período final do século XVIII e início do XIX elas assumiram maior vulto,
Entre 1795 e 1838 notamos que, em Vila Rica houve uma mudança, ou pelo
menos uma tentativa de transformação da forma de auxiliar os enjeitados que era feita
pela Câmara como uma “ação de caridade”. Nesse período, há indícios de uma ação
filantrópica por parte da Monarquia, embora esse termo não se configurasse como
filantropia tal qual a conceituamos nos dias atuais. Nesse novo cenário, a Roda dos
Expostos passa a ser uma preocupação da Câmara e dos mesários da Santa Casa e mais
tarde do próprio presidente da Província, que via nesse dispositivo uma forma de
serem retiradas das ruas as crianças passavam a ter uma perspectiva maior de
81
APM, CMOP 3/4 Cx. 01 Doc. 27. Esse documento expõe a receita e a despesa da Câmara de Ouro
Preto, evidenciando os gastos com os enjeitados desde 1770 até 1829.
45
A criação de leis relacionadas aos enjeitados leva-nos a inferir que os cuidados
com os expostos passaram a ser vistos com mais rigor e prioridade em todo o Império,
inclusive em Vila Rica que, posteriormente, tornou-se Ouro Preto, capital da província
de Minas Gerais.
superando as “heranças” do passado colonial. Entre essas heranças está a grande massa
de homens livres e pobres sem ocupação que trazia inquietação às elites, característica
da população de Vila Rica, constituída em sua maior parte por mestiços e negros, os
Assim, para que tais hábitos não estendessem às crianças abandonadas ou órfãos,
Vila Rica se via engajada nas estratégias de políticas públicas, possibilitando a essas
crianças uma maior atenção por parte das autoridades que acreditavam no discurso dos
em 1795. O procurador do Senado da Câmara propôs auxílio financeiro para aquele que
82
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.162.
83
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema – A Formação do Estado Imperial Rio de Janeiro:
Access, 1994, p.114.
46
estabelecesse uma Roda com o objetivo de receber crianças expostas. A exigência era
decretou que fosse instalada a Roda dos Expostos em hospitais como a Santa Casa ou
em casas de pessoas honradas de todas as vilas e cidades do reino português. Com base
em alguns indícios, tal fato não se concretizou em Vila Rica, sendo adiado por tempo
indeterminado. Essa não instalação nos leva a indagar se o não comprimento dessa lei
situação dos expostos dessa região sob análise, perceberemos que, a partir de 1770, os
expostos só aumentavam, como mostra o Gráfico 285. Esse aumento chamava a atenção
da população que assistia ao sofrimento dos expostos, que eram abandonados nas ruas
84
APM, CMOP Códice 116.
85
Esse dado foi retirado da analise dos documentos do Banco de dados referente às atas paroquiais da
Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG), projeto coordenado pela Profa.
Dra Adalgisa Arantes Campos (UFMG).
86
LOPES, 1955, a. p. 188.
47
Gráfico 2 - Batismo de expostos por década
250
Número de expostos
200
150
100
50
0
1730 1740 1750 1760 1770 1780 1790 1800 1810 1820 1830 1840
Décadas
A lei, de 18 de outubro de 1806, foi uma reafirmação de uma lei anterior que
decretava que toda Santa Casa deveria nomear um mordomo dos expostos. Cabia a ele
fiscalizar se alguma criança estava mal nutrida ou mal tratada pela família que a criava.
Misericórdia. O cargo de mordomo dos expostos não foi prioridade para a Santa Casa
de Vila Rica, já que, desde sua criação, em 1735, nenhum mordomo foi nomeado. O
de fevereiro de 1827, com o intuito de justificar a não eleição desses mordomos. Esse
tal lei e se estabelecesse a Roda dos Expostos Regular. Além disso, a administração
dessa Roda deveria ser metódica, como se praticava na Corte do Rio de Janeiro.
48
Como porem agora é despertada a sua observância a mesa nomeou em
sessão de 7 de abril próximo passado o Reverendo José Joaquim
Viegas de Menezes, aquém passa a transmitir a copia da lei para o seu
governo parecendo que desta maneira tem a mesa desempenhado
quanto lhe cumpre a este respeito, uma vez que nos permitindo as
rendas da Santa Casa presente [sic] [sic], precárias, [sic] com a criação
e educação dos expostos, estabelecendo, como desejara, uma Roda
regular, e administração metódica, como se pratica na Corte do Rio de
Janeiro, e em quase todas as Casas de Misericórdia, estando
semelhante [sic] de administração pública a cargo da Câmara deste
termo, para o que percebe uma finta de [sic] imposto sobre todas as
[sic], que mesmo se cortas, nada mais cumpre a mesa, do que nomear
[sic] mordomo, para este executar literalmente a lei, a qual determina,
que nos lugares, onde a criação dos expostos é a cargo das Câmaras,
mordomo não terá outro cargo mais do que solicitar, zelar, e requerer
competente [sic] quando faz a bem dos mesmos.
Esse documento nos chama a atenção para o fato de que, a partir desse
Caridade, mas recairiam também sobre a Câmara e a população. A Câmara pagaria pela
criação das crianças enjeitadas, mas dependia do ato caridoso de alguém. Era necessário
que alguém encontrasse as crianças nas ruas e se dispusesse a levá-las para a própria
casa ou para a Câmara, a qual regularizaria, nesse caso, sua entrega a outra família.
era Ouro Preto, capital da província de Minas e, como tal, teria maior interesse nesses
assuntos.
87
APM, SP 38 Caixa 01 Doc08
49
Em 14 de setembro de 1824, o presidente da província de Minas Gerais pediu à
rendimentos do mês aplicados na Ordem dos Expostos, mas ainda não havia nenhum
relatório a respeito, conforme resposta obtida. Além disso, a comissão reconheceu que
entre outros socorros públicos o mais importante era o que dizia respeito à criação, e
do tratamento que teria que ser dispensado ao exposto, fez com que ela aparentemente
voltasse à atividade demandada pelo presidente da província, que também pediu que se
Querluz.
88
SP, PP1, 38 Caixa 01 Documento 02
50
Desse modo, a discussão acerca dos cuidados com os enjeitados da capital da província
de Minas Gerais, Ouro Preto, era um assunto de extrema importância. Uma extensa
matéria do dia 30 de abril de 1830 descreveu em torno de 11 artigos como deveria ser a
instalação da Roda dos Expostos na Santa Casa de Misericórdia de Vila Rica. Essa
notícia saiu logo após a “Câmara Municipal desta Imperial Cidade ter atendendo ao bem
dos expostos, e querendo dar a providente destino à sua futura sorte”89.Todos os artigos
deixavam bem claro o cuidado que os funcionários da Santa Casa teriam que ter desde a
Artigo 2º: Haverá uma Campainha, que sirva de dar sinal a pessoa
encarregada para tomar conta dos expostos, a qual estará situada
próxima a sua habitação, para a despertar, e avisar em mais perto; e
dela sairá uma corda, que corra até à parte exterior da mesma Roda, e
cuja ponta fique imediatamente, e pendente91
mulheres responsáveis pelo seu cuidado assim que ele fosse colocado na Roda.
89
O Universal. 33 abril de 1830.
90
O Universal. 33 abril de 1830.
91
O Universal. 33 abril de 1830.
92
O Universal. 33 abril de 1830.
51
Artigo 4º: Em observância ao supra citado Art. 220 da Posturas, que
manda haja uma Ama efetiva para amamentar os meninos, em quanto
não são dados a quem os cria; fica igualmente o Fiscal autorizado para
alugar a despeças da Câmara: e ela com obrigação de os tratar, até que
se lhe dê o destino designado no Art. 5º93.
Esses artigos da Santa Casa, transcritos pelo Jornal Universal, demonstram que
enjeitados, queria mudar a sorte dos expostos. Exemplo disso é o Artigo 4º, que
vilas ou nas cidades do século XIX, houve a instalação da Roda, sobretudo porque tal
Preto, declara que houve a concretização da Roda dos Expostos em Vila Rica no ano de
Câmara, por meio de uma sessão de 1830, resolveu instalar a Roda dos Expostos na
Nossa Senhora da Cidade de Ouro Preto. Sessão essa que foi relatada pelo Jornal
Universal no dia 30 de abril do mesmo ano. Em 1836, a mesa do Hospital da Santa Casa
93
O Universal. 33 abril de 1830.
94
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 142-143.
95
CABRAL, Henrique Barbosa Silva. Da obra Ouro Preto, Belo Horizonte, 1969, p. 57-77
52
recorreu à Câmara pedindo o estabelecimento da Roda, como declarava na sessão do
ano de 1830. Desse modo, o documento não deixa claro se foi estabelecida a Roda dos
Existe outro documento, datado de 1838, que nos induz a pensar que realmente
Câmara reconhecia a humanidade da Nossa Senhora, e sentiu-se por não levar o feito à
Contudo, parece que a Câmara de Ouro Preto continuava com os cuidados aos
96
CMOP 308 Rolo 65 Flas 01
97
CMOP 308 Rolo 65 Flas 01
53
os expostos até a Câmara no dia do pagamento para que fosse certificado que a criança
modo de agir das autoridades, os quais com relação aos cuidados com os enjeitados, não
uma intenção filantrópica dos presidentes das províncias de Minas, mas também não
98
CMOP 308 Rolo 65 FLAS 01
54
Capítulo 2 – O Universo da exposição de crianças em Vila Rica
segunda metade do século XIX. Várias pesquisas foram realizadas onde o abandono era
legalizado. Juristas, médicos e estudantes de medicina, por meio de suas “teses” de final
tema99.
encarregada dos cuidados dos expostos, já que este estabelecimento agregava mais um
época100.
Foi a partir de meados dos anos setenta, que a história da criança enjeitada veio
99
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul: o caso dos expostos do Porto no
século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 12-13.
100
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na...., p. 12-14
55
demonstra-nos em seu trabalho História Social da criança e da família, a trajetória da
época Moderna.
Segundo o autor, até o fim do século XIII, a arte ignorava a infância ou não
queria representá-la. As crianças que existiam nessas pinturas não eram crianças que
reduzido. Além disso, essa recusa da arte em aceitar a morfologia infantil é considerada,
por Ariès, um traço em comum das civilizações arcaicas, período da história em que a
infância também não era legitimizada. Ainda de acordo com o autor, foi por volta do
passando a ser representadas com uma face delicada, ora sorrindo, ora chorando101.
lista de prioridades sociais. No entanto, muitos dos historiadores que trabalham com as
crianças abandonadas discordam com a cronologia do autor, quando ele ressalta que foi
no período Moderno que a puerícia passou a ter uma maior atenção. Tal critica se baseia
no fato de ter sido em razão de ser justamente nesse período, principalmente entre os
nessa época que começaram a ser criados mecanismos institucionais para o cuidado com
as crianças abandonadas. Não queremos aqui dizer que foi somente nessa época que
101
ARIÈS Philippe. História Social da Criança..., p.51-52.
56
houve as primeiras instituições de assistência as crianças. John Boswell nos relata que, a
“responsável” foram assistidas por uma prática institucional criada pelos monges, que
abandono destas. Pois, no final dos anos 1980, houve, por parte dos historiadores da
infância abandonada.
uma alternativa do método contraceptivo. Para ele, tal método foi uma maneira que a
Pierre Bardet, que chamou o abandono de “a contracepção dos pobres, dos ignorantes e
dos desajeitados”104.
causa. Segundo ela, a exposição da criança de famílias desfavorecidas ocorria para que
os pais tivessem um maior controle do tamanho da prole. Assim, poderia haver uma
102
BOSWELL, John. The Kindness of Strangers. The Western Europe from Late Antiguity to the
Renaissance. Londres: Penguin Books, 1988, p.228
103
LEBRUN, F. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa: Coleção Prisma/Edições Rolim, s/ano. p. 151.
104
BARDET. La contraception des pauvres, dês ignorants et dês maladroits.
57
redistribuição de crianças entre casas, de forma mais igualitária, existindo uma
ele nos revela que havia uma sociabilidade de movimentação de crianças, que foi
Para ele, existiram dois fatores que povoaram a Roda dos Expostos dos baianos. O
precárias condições econômicas dos pais não permitiam a criação dos filhos, sendo os
adultério, por parte das mulheres brancas, que davam à luz crianças ilegítimas. Este
autor destaca que as mulheres brancas sofriam, nessa época, grande pressão social, não
(...) nem sempre era produto de pais de classe baixa, e nem a mulher
era sempre de cor. Houve escândalos entre as famílias mais nobres da
sociedade baiana. A honra das moscas brancas tinha de ser preservada
a qualquer custo. O estigma de desonra ligado à mãe solteira era
infinitamente mais forte do que o estigma de ilegitimidade que o filho
teria de suportar. Se as ameaças paternas e os “remédios” de ervas não
dessem resultados, o nascimento da criança era mantido em segredo.
Os registros de enjeitados contêm numerosos casos de crianças
brancas deixadas na roda108.
Tal esclarecimento foi aceito pela historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva. A
número de expostos era bem maior na Europa do que na América, uma vez que a
105
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na...., p.
106
ARIÈS Philippe. História Social da Criança..., p.225-231
107
RUSSELL-WOOD, A. J. R.. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755
Brasília: Universidade de Brasília, 1981, p. 234-263
108
RUSSELL-WOOD, A. J. R.. Fidalgos e filantropos...,p. 245.
58
carência da população seguramente induzia os pais a enxergarem os filhos “mais como
um beneficio do que como uma sobrecarga”. Assim, para ela, os enjeitados do Brasil
Outra historiadora, que também defende essa mesma teoria, mas com certa
relaciona o abandono com relações também ilegítimas ou adulterinas. Para ela, é pouco
autora, isso só ocorria em áreas urbanas. Além disso, Faria acredita que as famílias mais
abastadas teriam capacidades ou recursos para encobrir gestações com mais facilidade
do que os pobres, contando, até mesmo, com aceitação dos familiares, assim como de
padres e jurídicos110.
abandono e ilegitimidade são sinônimos. Maria Odila Silva Dias, em relação à sua
pesquisa em São Paulo no século XIX, sugere que o costume de abandonar ou oferecer
os filhos para serem criados por outras pessoas era um “derivativo do índice muito
109
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos expostos..., p. 148
110
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.69
111
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento..., p.76
59
elevado de filhos ilegítimos, principalmente de filhos de adolescentes entre 12 e 16
anos”112.
nos mostra que a prostituição, nas vilas mineiras, foi um oficio bastante perseguido
pelas autoridades. Havia vários motivos para isso, sendo um deles o fato de as
possuíam114.
em combater o aumento do número dos expostos, culpando as meretrizes por tal ato, e
fazendo com que a população participasse desse controle sob pena de ser multada, por
meio de fintas.
112
DIAS, Maria Odila Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense,
1984, p.142
113
MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1599?-1884). São Paulo: Conselho
Estadual de Cultura, 1976, 173
114
FIGUEREDO, Luciano Raposo. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas
Gerais no século XVIII, Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993, p. 84-85
115
APM, CMOP, Cód. 77, Edital de 10/03/1763.
116
APM, CMOP, Cód. 77, Edital de 10/03/1763.
60
Apesar dessas declarações, sabemos que várias foram as causas do abandono. O
crianças no Rio de Janeiro e em Salvador no século XVIII e XIX, observa que várias
foram as causas que levaram ao abandono de crianças, como a pobreza, a morte dos pais
famílias pobres como de famílias ricas. Como exemplo, temos um casal pertencente à
elite e que teve uma filha que se chamava Justina. Para salvaguardar a honra da família
que a fez batizar em 21/06/1798, e escolheu para padrinho o alferes José Pereira de
Almeida. Depois de alguns meses, os pais se casaram e vieram buscar sua filha de
volta, legitimando-a perante o vigário. Justina foi registrada pelo padre da Matriz do
Pilar de Ouro Preto como filha legitima do capitão João Dias Magalhães Gomes e de
sua mulher, Tomásia Francisca de Araújo, pelo matrimônio subseqüente que ocorreu no
Em 01 de agosto de 1803, Felipe foi batizado, após ter sido abandonado em casa
de Romana Teresa. Ao lado do assento do batismo está escrito que ele era filho legítimo
e o pai e a mãe pertenciam à elite. O pai era capitão e a mãe era Dona de “títulos”, que
aparecem antes dos nomes, nos demonstrando que os pais detinham alguma posse ou
status na sociedade. No referido documento lê-se: "é filho legítimo do capitão José
117
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas...
118
Arquivo da Casa dos Contos Microfilme. Rolo 6.014, v. 40.
119
Batizado em 1 de agosto de 1803, Id.8696.
61
em 27 de outubro de 1802, também foi “Legitimada pelo casamento subseqüente de
11/01/1796, era, “filho de Claudio da Silva Lima casado com Maria Margarida de Jesus,
O abandono da criança pelos pais poderia ser temporário, podendo até mesmo,
como vimos no caso da exposta Joaquina, ser estipulado o período para buscá-la.
"Joaquina exposta à porta de Inácia Maria, mulher solteira na noite do dia vinte e seis do
escrito que dizia a criasse por tempo de um mês, que depois a virão buscar"122.
Por outro lado, havia alguns casos em que o pai ficava com a responsabilidade
de criar o filho sozinho. Um dos motivos decorria do falecimento da mãe, levando o pai
filho. Este parece ter sido o caso de Joaquim, exposto "em casa de João Fernandes de
Oliveira". "(...) que declarou Alexandre Luis de Souza Pinto ser pai da criança
acima”123.
forma poderiam salvaguardar a vida da criança. Eis alguns exemplos Thereza "exposta
em Thereza Maria dos Anjos, a qual tinha sido batizada em casa em perigo de vida pelo
120
Banco de dados..., Batizado em 27 de outubro de 1802, Id. 8518
121
Banco de dados..., Batizado em 11 de janeiro de 1796, Id. 458
122
Banco de dados..., Batizado em 04 de setembro de 1785, Id. 455
123
Banco de dados..., Batizado em 19 de janeiro de 1742, Id. 7
124
Banco de dados..., Batizado em 22 de agosto de 1784, Id. 259
62
reverendo Nicolau Pimenta da Costa”125; Plácido "exposto em casa de Violeta Maria de
Santa Rosa, o qual tinha sido batizado em casa em perigo de vida pelo infante"126.
situação do abandono piorou no período de 1770 a1800. O pesquisador Iraci Del Nero
da Costa, em seu trabalho Vila Rica: População (1719-1826), percebeu, por meio da
1724-1733 para 167, na década 1799-1808127. Esse cenário surgiu quando os pais ou as
populacional da cidade de Vila Rica. Essa situação fez com que o batismo de exposto
alcançasse 191 batismos. No ano de 1804, observamos que a população de Vila Rica
125
Banco de dados..., Batizado em 2 de dezembro de 1803, Id. 626
126
Banco de dados..., Batizado em 22 de dezembro de 1783, Id. 244
127
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Minas Colonial..., p. 27-28
63
Quadro 2 – População de Vila Rica 1760-1820
Cidade 1760 1779 1789 1796 1799 1804 1806 1808 1817 -
1822
Vila 11 000*
Rica - - - ou
c. 20 000** 8 867*
c.20 000* 12 000* 22 222** c. 8000*
Fonte: FONSECA, Cláudia Damasceno e VENÂNCIO, Renato Pinto. Vila Rica: Prospérité et déclin urbain
dans le Minas Gerais (XVIIIe-XXe siècles). Artigo publicado em: Laurent Vidal. (Org.). La ville au Brésil
(XVIIIe-XXe siècles) naissances et renaissances. Paris: Rivages des Xantons, 2008, v. p. 179-204.
• Dados sobre a população da cidade aglomerada (paróquias de Pilar e AntonioDias)
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG), coordenado pela Profa. Dra Adalgisa Arantes Campos (UFMG).
de Vila Rica com o momento de maior número de crianças abandonadas. Segundo ele,
devido à emigração dos homens daquela cidade para região das Minas, principalmente
para Vila Rica. No início do século XVIII, sucedeu que naquela região houve uma
64
predominância de mulheres sobre os homens, que chefiavam a família e tiveram uma
crianças ilegítimas e expostas, principalmente nas décadas de 1790 e 1800, período esse
número de expostos também era elevado. Esse evento leva-nos a pensar que Vila Rica
500
Número de crianças
400
Legitimos -
300 Ilegitimos -
Expostos -
200
100
0
1750 1760 1770 1780 1790 1800 1810 1820
Décadas
Contudo, notamos que não uma, mais várias foram as causas do abandono de
crianças em Vila Rica. Com certeza cada evento apresentava suas particularidades, que
128
RAMOS, Donald. Do Minho a Minas:a emigração para Minas Gerais, iniciada no período colonial
especialmente oriunda da região norte de Portugal, reproduziu na América portuguesa padrões familiares
semelhantes aos da origem. Revista do Arquivo Público Mineiro 133.
129
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro
Preto. LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas Gerais, Vila Rica – 1804 – 1839. Mestrado
de História/UFMG, 2004, p. 36
65
2-2 Antropologia e a Circulação de Criança
passada, pois o próprio autor, mesmo que de forma breve, faz uma alusão a alta taxa de
que a adoption envolve; a criação da criança por meio do “fostering” pode ser
definitiva e legal da criança para outra família. Nessa perspectiva, Goody afirma que
outras famílias, mesmo que fosse na forma de adoção legal, pois as famílias criadoras e
amas de leite eram vistas como uma família “fostering”, além disso, talvez mais tarde a
Quando a estadia era provisória, as crianças não voltavam para família de origem, eram
130
GOODY, Jack. Adoption in cross-cultural perspective. Comparative Studies in Society and History,
vol. 11, 1969, p. 55-78. Apud SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul: o
caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 11.
66
enviadas para outras famílias ou para instituições assistenciais, contribuindo deste modo
moderna, revela-nos que havia uma elevada mobilidade das crianças maiores de sete
anos de idade. Elas eram colocadas nas casas de outras pessoas, permanecendo nessas
condições, “as crianças desde muito cedo deixavam sua própria família, mesmo que
voltasse a ela mais tarde, depois de adulta, o que nem sempre acontecia”. Essas crianças
respectivos filhos também recebiam em suas casas outras crianças para eles ensinarem.
Embora Ariès não se referisse exclusivamente à criança abandonada, ele nos revelou a
relacionamento da família com os filhos, que para o autor era uma realidade moral e
pelas próprias mães, mas por amas de leite, sendo que a maioria delas foram criadas
fora da casa dos pais e confiadas a outros agregados familiares para serem educadas e
encargo levava os pais a permanecerem pouco tempo com seus filhos. Nessa
integrado marcadas pela mobilidade interfamiliar. Para ela, a circulação de crianças seja
expostas ou não ocorria tanto entre famílias dispostas a criá-las, quanto em instituição
131
ARIÈS Philippe. História Social da Criança..., p.225-231
132
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 10-22
67
identificamos na antropologia o conceito de circulação de crianças, para descrever a
Acreditamos que o abandono de crianças era por natureza secreto, portanto, o indivíduo
que se expunha tinha como objetivo preservar a sua identidade e encontrar um lugar e
um horário seguro para abandonar o infante. Nas áreas urbanas das vilas coloniais, onde
conciliar tanto preservação da identidade como o lugar e o horário seguro para expor o
filho. Porém, como vimos, Vila Rica não possuía tal dispositivo, fazendo com que o
abandono de crianças fosse vivenciado em locais públicos, como nas portas das casas,
nas ruas, igrejas e hospitais. Deste modo, apresentaremos, por meio do quadro 4, a
documentação analisada.
68
da Costa
Maria da Silva Feliciana Maria
José Aguiar 13 dias parda forra Rua do Rosário
Rosa Maria mulher
de Gonçalo de Freguesia de
Maria João da Costa 13 dias Souza Rabelo Antônio Dias
Capitão Thomás
Joaquim de Thomé Joaquim
Cândida Almeida (Frant) 13 dias Alves Rua Direita
Ana Francisca de
Dona Francisca do Andrade crioula Freguesia Da Nossa
Claudina Pillar Eliana 15 dias forra Sra. Pilar
Manoel da Silveira
Antônia Gato 15 dias Ana Maria de Faria rua das cabeças
Doutor
Desembargador
Intendente Antônio João Nunes
Antônio de Brito Amorim 17 dias Maurício
Dona Ignácia Maria Freguesia Ouro
Joaquina Manoel dos Reis 20 dias dos Reis Branco
Jerônimo de Antônio de Souza
José Lemos 20 dias Coelho Padre Faria
Rita Maria da Freguesia Itabira do
Joaquim Thomas de Aquino 21 dias Conceição Campo
Antônio Lucas de Souza 25 dias rua das cabeças
Vitoriana Teixeira
da Graça crioula Freguesia de
Francisco forra 26 dias Ângela Gomes Antônio Dias
Margarida de Matos
Francisco Domingos Pinto 30 dias crioula forra R de trás dita Matriz
João Coelho da
Claudina João Nunes 1 mês câmara
João Rodrigues de Dona Rosa Maria
José Macedo 1 mês de Jesus
Josefa Correia da Mariana Correia da Freguesia de Ouro
Francisco Silva 1 mês Silva Preto
Dona Ana Joaquina Freguesia Da Nossa
Manoel 1 mês de Souza Ozório Sra. Conceição
João Machado
crioulo forro Antônio Marinho Padre Faria de
Francisco casado 1 mês casado Antônio Dias
Capitão Manoel
Francisco de Francisca Ângela de rua nova do
Venância Andrade 1 mês Souza parda forra Sacramento
Francisca Ângela de
Souza parda forra, e
Capitão Francisco desta Para Ignes
Filipe de Freitas Braga 1 mês Sebastiana
Marques Baltazar Gomes de Freguesia Da Nossa
Cândido Guimarães 1 mês Azevedo Sra. Pilar
Coronel Cortes Ajudante Manoel
Ignácio José da Silva 1 mês Álvares de Meireles
Atual procurador
da mesma câmara
Capitão Francisco Capitão Manoel
Luiza de Freitas Braga 1 mês Antônio Morais
Reverendo
Francisco Ferreira Capitão Antônio
Adão da Cunha 1 mês Leite da Silva Ponte do Caquende
69
João Pereira Maria Dias Maciel
Rosa Zacarias 1 mês crioula forra
João Pereira Cipriana de Jesus
Bárbara Zacarias 1 mês Batista viúva
Joana Lopes Ana Marcelina
Francisca crioula forra 1 mês crioula forra R. Vigário da Pilar
Capitão Thomás
Joaquim de Antônia Gomes de
Vitoriano Almeida 1 mês Barros R. Santa Guitéria
Alferes Luiz Ana Francisca parda R. direita da casa da
Ignácio Gomes da Fonseca 1 mês forra câmara
Francisco Xavier
de Andrade Maria Pereira da Freguesia Da Nossa
Joana Ferreira 1 mês Gama Sra. Conceição
Alferes Domingos Maria Cristina de
Guintiliana Gonçalves 1 mês Jesus Morro da Piedade
Freguesia Santo
Alferes José de Antônio da Casa
Antônia Matos 1 mês Josefa da câmara Branca
Gerente Coronel
José Duarte Joana Maria preta Cadeia de Ouro
Felicidade Pacheco 1 mês forra Preto
Joaquina Francisco José 1 mês Maria da Cruz Ponte do Caquende
Reverendo
Joaquim Roberto
Maria Silva 1 mês Caetana Maria r. dos Paulistas
Ana (exposta
de Ana de
Almeida) Ana de Almeida 1 mês Joaquim da Cunha r. do Rosário
Procurador do
(Sena) do Capitão Catarina da Guarda,
Antônio Dias moradora da rua dos
Ignacia Botelho 1 mês paulistas
Francisca Dionisia Marcelina Batista
Rita (parda forra) 1 mês crioula forra rua do ouro preto
Jerônimo de Souza Edevirgem
Antônia Lobo Libra 2 meses Rodrigues de Souza
Manoel de Araújo Nazaré Ferreira de
Graciana Pereira 2 meses São Lucas
Coronel [Ventano]
Fernandes de Alferes Antônio
Antônio Oliveira 2 meses Martins
Sargento mor
João Gomes Gonçalo da Silva Freguesia Da Nossa
Fantina Batista 2 meses Morais Sra. Pilar
Manoel Luiz Eliana Fernandes Padre Faria de
Francisco Soares 2 meses crioula forra Antônio Dias
Capitão Francisco Antônio Moreira
Luiz de Freitas Braga 2 meses Duarte
Alferes Pedro Manoel José da Praça do Antônio
Maria Oliveira Jaques 2 meses Purificação Dias
Sargento mor
Teotônio Maurício Capitão Luiz Alves R. direita da casa da
Joaquim de Miranda Ribeiro 2 meses Esteves câmara
Procurador da
mesma câmara
Capitão Antônio Francisca Arcangela
Sabino Rodrigues Braga 2 meses de Souza
José Alferes João de 2 meses João da Silva de Arraial dos Paulistas
70
Oliveira Oliveira
Dona Francisca
Xavier de Felicia Matildes de
Maria Vasconcelos 2 meses Vasconcelos
João Batista Manoel Pereira da R. direita da casa da
Francisca Jacobina 3 meses Cunha câmara
Maria Roseira Antônia Soares de
José crioula forra 3 meses Oliveira rua nova
Doutor Paulo José
de Lana Costa
Luiza Dantas 3 meses Antônia de Oliveira
Padre (...) Dias de Antônia Gomes de Freguesia de Ouro
Manoel Almeida 4 mês Barros Preto
Doutor José Dias Dona Ana Guiteria
Ana Benedita Rosa Maciel 4 meses da Luz Alto da Praça
Capitão Domingos Freguesia de
Maria da Rocha Pereira 4 meses Mexias dos Santos Antônio Dias
Domingos Pinto Francisca Rodrigues
Feleciana Correia 4 meses Chaves
Reverendo Freguesia Santo
Antônio da Silva Ana Maria Antônio da Casa
Antônia Pereira 4 meses Fernandes Branca
Sargento Mor
Manoel Pinto Catarina Dias
Catarina Lopes 5 meses Ramos Ponte do Rosário
Alferes Pedro de Manoel José da Freguesia Da Nossa
Maria Oliveira Jaques 6 meses Purificação Sra. Pilar
Freguesia Do
Antônio Mendes Congonhas do
José da Cunha Jardim 7 meses Josefa da câmara Campo
Antônio José dos Maria Rosa dos
Manoel Santos 9 meses Anjos
João Gomes de Ignácia da Silva de
Cândida Batista 10 meses São
João Moreira Jacinto Alves de
José Ribeiro 11 meses Meireles Morro de Santa Ana
Capitão Francisco Manoel José à porta do
Manoel Caetano Ribeiro 11 meses Valasco procurador da vila
Ana Luiza crioula
Emerenciana Mariana Correia 1 ano forra Praça dessa vila
Freguesia Santo
Maria Pereira Manoel Alves da Antônio da Casa
Joaquim parda forra 1 ano Cruz Branca
Alferes Francisco Dona Angélica dos
Cândida Xavier Luis 1 ano Anjos
Freguesia Do
Dona Valencia (...) Congonhas do
Maria Clara de Jesus 2 anos Benedito Alves Campo
Francisco Xavier
de Andrade Maria Pereira da Freguesia Da Nossa
Joana Ferreira 3 anos Gama Sra. Conceição
Jerônimo Pimenta da
Guiteria Antônio de Moura 3 anos Costa Matriz da cachoeira
Fonte: Lista de Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88
(1751-1784); Cód. 111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804).
71
Antes de analisar o quadro 4 são necessários alguns esclarecimentos. O número
total de crianças escritas, na Lista de Matrícula dos Expostos da Câmara de Vila Rica
registrar 80 casos de crianças que permaneceram por alguns dias, meses e anos nas
casas das pessoas que as encontraram, sem que o sujeito ou família tenha recebido
algum pecúlio, até serem enviados para os criadores permanentes, por intermédio do
auxílio da Câmara.
detalhada na Planta133 de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar, no capítulo seguinte, que
algumas das crianças foram abandonadas nas ruas, igrejas, praças e nas portas de
pessoas que parecia ser selecionadas pelos pais para encontrá-las. De modo geral,
podemos colher algumas evidências desse quadro. Calculamos que dos 80 indivíduos
que acharam os expostos, 40 deles não possuíam nenhum título e 40 deles possuíam
algum título como patente militar (coronel, tenente, alferes), oficiais do senado
que os pais selecionavam algumas pessoas para acolherem os seus filhos, sendo que a
maioria dos acolhedores possuía algum título. Notamos que, das 80 pessoas que se
tornaram criadores permanentes, 26 delas tinha algum título e as outras 55 não detinha
nenhum status.
no mesmo dia que as encontravam, como foi o caso do Procurador Atual da mesma
Câmara com a exposta Ana, que foi encontrada por ele e foi entregue no mesmo dia a
133
Mapa de Vila Rica de 1798
72
Rita Gonçalves de Carvalho134. Eis outras ocorrências semelhantes: Capitão José Alves
Maciel entregou a exposta Rita no mesmo dia, que a recebeu a Francisca Vaz crioula
entregues à Câmara depois de um mês. Este foi o caso da exposta Inácia, entregue ao
Silva fez o mesmo com a exposta Maria. Depois de um mês, a entregou à Caetana
Maria138. Há casos de expostos que permaneceram um ano ou mais com a pessoa que o
encontrou. Maria Pereira, parda forra, permaneceu por um ano com o exposto Joaquim
até ele ser entregue a Manoel Alves da Cruz139; Dona Valencia (...) Clara de Jesus ficou
com Maria por dois anos, com uma criança que depois foi conferida a Benedito
Alves140; Antônio de Moura permaneceu por 3 anos com a exposta Guitéria, até ela ser
Tentamos mostrar que a mobilidade da criança em Vila Rica era alta. O exposto
era antes encontrado por uma pessoa selecionada pelos pais ou não, a qual decidiria se
ficaria com ela. Esse tempo de decisão, como vimos, podia variar e se por acaso as
pessoas que as achassem não quisessem ficar com a criança, a enviava para a Câmara,
para ser criada por outro criador. Essa circulação poderia ocorrer por diversos motivos.
Havia pessoas que não estavam aptas para criarem uma criança, outras que apenas não
social da época em questão. Isabel, por exemplo, foi deixada na casa de Manoel Martins
134
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111(1781-1790) Matriculado 14/01/1786 – Folha, 30
135
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 116 (1790-1796) Matriculado 10/04/1793 – Folha, 50
136
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 30/08/1800 – Folha, 70
137
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 09/05/1801 – Folha, 80
138
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 21/02/1801 – Folha, 78
139
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 116 (1790-1796) Matriculado 12/03/1796 – Folha, 63
140
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 08/02/1804 – Folha, 85
141
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 07/04/1804 – Folha, 86
73
dos Anjos, por esse último ser solteiro, ele a enviou para uma casa de família mais
capaz de lhe dar uma boa educação142. Também poderíamos pensar que o período em
devido à necessidade da Câmara de encontrar outro criador. Além disso, se o sujeito não
quisesse criar uma criança, a Câmara logo a enviava para outro criador. Este foi o caso
da enjeitada Maria, encontrada por Ana de Almeida que a entregou à Câmara, e esta
Filipe, exposto a Capitão Francisco de Freitas Braga, entregue pela Câmara a Ângela de
Souza, parda forra; essa última não quis ficar com o enjeitado e o enviou, com
A casa da ama-de-leite foi outro lar em que algumas crianças ficaram por algum
contratavam ou transferiam os bebês para essas a casas. Renato Venâncio afirma que as
camponesas. Em São Paulo, a maioria das amas-de-leite da Roda da Santa Casa residia
sugestões de que algumas crianças foram enviadas para a residência da ama e outras
crianças tiveram privilégios de receber a ama na casa de seu respectivo criador. Este foi
o caso do alferes Manoel Francisco Carneiro, que pagou a ama-de-leite quatro oitavas
por mês para alimentar o enjeitado de nome José145. Não se tratava de uma ocorrência
142
APM, CMOP, Cx. 71, Doc. 07
143
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado11/04/1801 – Folha, 564
144
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111(1781-1790) Matriculado 13/08/1785 – Folha, 83
145
APM, CMOP, Cx. 40, Doc. 16
74
isolada Manoel Carvalho recebeu uma enjeitada branca e “como é homem já de idade e
não tem negra de leite que a crie (...) foi preciso alugá-la146. Muitos desses criadores
pediram para Câmara repor o dinheiro que eles gastaram com o pagamento da ama, pois
a alimentação e vestimenta do exposto. Infelizmente para Vila Rica não temos nenhuma
estimativa de quanto se pagava uma ama e, além disso, temos pouca informação sobre
quem seriam elas e se havia uma classe de mulheres privilegiada para tal função. O que
observamos são casos, como o do criador Vicente Ferreira Fonseca, que pediu para a
Câmara a matrícula do exposto, para poder alugar uma negra147. Outra situação
semelhante foi o caso do Coronel citado acima, que precisou de uma negra de leite para
o enjeitado que havia acolhido. Muitos historiadores, que estudam sobre amas, relatam
que a maioria delas eram escravas, seguidas das pardas e brancas. As escravas, por
amamentação dos infantes, o que se tornou mais uma atividade lucrativa para os
O abandono de crianças era visto pelos letrados e autoridades como uma atitude
de irresponsabilidade e de desamor dos pais com relação à prole. Muitos textos oficiais
demonstravam que o gesto dos pais em expor um filho era assimilado ao descaso e a
falta de moral. Renato Venâncio, em seu trabalho Famílias Abandonadas, observa que
146
APM, CMOP, Cx. 28, Doc. 24
147
APM, CMOP, Cx. 36, Doc. 56
148
LIMA, Lana Lage da Gama e VENÂNCIO, Renato Pinto. O Abandono de Crianças Negras no Rio de
Janeiro. Apud PRIORE Mary Del (org). história da criança no Brasil. Editora: Contexto, 1996, p. 60-75.
75
que retratam o abandono de crianças como decorrência da falta de amor dos pais149. Na
própria documentação das leis das Ordenações150 lusitanas, notamos que há indícios
consideráveis de que o abandono era visto pelas autoridades como falta da moral e de
amor dos pais – os enjeitados eram “filhos de alguns homens casados, ou de solteiros ou
deveria ser exercida aos enjeitados, mas deixavam claro que as mães eram as principais
afirmou que “as mulheres da natureza humana se são ricas, se enfastiam de criar os
filhos a seus peitos, e os dão a outras mulheres para os criar; e se são pobres os
infanticídio, por ser este mais cruel do que o abandono. Quase sempre se apoiava “uma
atitude compreensiva diante do último gesto, principalmente quando esse gesto não
comportavam diante do abandono podia ser notada por meio dos elogios que a Igreja
149
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 17-23
150
Ordenações Manuelinas (1521), Livro I, título 67 e Ordenações Filipinas (1603), Livro I, titulo 88
151
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 20
152
VENÂNCIO, R. P., RAMOS, J. M. (org.). GUSMÃO, Alexandre de . Arte de criar bem os filhos na
idade da puerícia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
153
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 19
76
fazia as almas caridosas que recebiam os sem família. “Em certo sentido, o
fé”154.
fontes que mais contradiz os letrados são as mensagens que acompanhavam algumas
Anna foi batizada "sub Thereza "exposta aos vinte e Antônio "exposto em casa do
conditione". "Consta que seis dias deste dito mês em Reverendo vigário o Doutor
Anna "aos dez ou onze dias casa de João Gonçalves Antonio Correa Mayrinck, e
deste presente mês se achou Bragança desta dita freguesia trazia um escrito que dizia
exposta no corredor das casas o qual disse que a dita ser filho de mulher branca e
de José Alves Maciel e trazia exposta trazia uma carta que se havia de chamar
hum escrito de letra que dizia que a dita exposta Antonio (...)".
154
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 19
155
BLUTEAU Raphael. Vocabulário Português e Latino. Tomo I. Coimbra: s.n; 1712, p. 577.
77
incógnita que dizia ter sido nascera aos quinze deste
batizada.(...)". mês vinha sem batizar, se
chamasse Thereza".
Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de
Ouro Preto Ouro Preto Ouro Preto
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG), projeto coordenado pela Profa. Dra Adalgisa Arantes Campos (UFMG). Lista de
Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-1784); Cód.
111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804). VENÂNCIO, Renato Pinto. Entregues
à própria sorte. Nossa História, ano 1, nº 9. Julho 2004, p.42-48.
para criar esta criança, pelo amor de Deus que lhe pagará algum dia”156. Em outros
casos, as mães escolhiam quem iria cuidar de seu filho abandonado, às vezes era dado a
um amigo ou parente para criar. Este foi o caso, por exemplo, de “Ana Maria quando
156
Banco de dados..., Batizado em 29 de novembro de 1785
78
pediu permissão à Câmara da cidade para criar Antônia, que tinha sido secretamente
confiada a ela pela mãe da criança, sua amiga e madrinha”157. Há ocorrência de pais
escolherem padrinhos para seus filhos, como o caso de Manoel "Exposto no Corredor
da Casa do Capitão Antônio Leite da Silva acompanhado de um escrito que dizia que
"com uma cédula em que não havia outro esclarecimento, salvo o de pedir que ele e sua
irmã fossem padrinhos”159. Algumas mães estipulavam o tempo em que voltariam para
buscar o filho, Joaquina "exposto à porta de Inácia Maria mulher solteira com um
escrito que dizia que a criasse por um período de um mês, que depois a virão buscar"160.
Havia expostos cujas mães escolhiam o nome deles. Joaquim "exposto à porta de Anna
Maria de Faria parda forra e trazia um escrito no qual dizia que se chamava Joaquim
"exposta à porta de João de Souza Benevides (...) com um bilhete que dizia lhe
pudessem o nome de Francisca"162. Outros expostos vinham com o nome completo para
que, mais tarde, fossem identificados pelos pais. Como, por exemplo, a “Exposta Anna
Benedita nas casas do Doutor José Dias Rosa onde Mora Dona Anna Quitéria da Luz
Teodora do Pilar”164. Algumas mães especificavam no bilhete que a criança era branca,
para garantir que ela receberia o auxílio da Câmara. Este foi o caso da exposta Cândida,
que trazia um escrito que dizia ser “filho de mulher branca e que se havia de chamar
157
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111(1781-1790) Matriculado 01/07/1780 – Folha, 125
158
Banco de dados..., Batizado em 15 de janeiro de 1781, Id. 10029.
159
Banco de dados..., Batizado em 19 de fevereiro de 1846, Id. 7080.
160
Banco de dados..., Batizado em 04 de setembro de 1785, Id. 6455.
161
Banco de dados..., Batizado em 11 de março de 1781, Id.10035.
162
Banco de dados..., Batizado em 21 de outubro de 1780, Id. 10010.
163
Banco de dados..., Batizado em 27 de junho de 1786, Id. 6504.
164
Banco de dados..., Batizado em 28 de maio de 1838, Id. 6368.
79
Antônio (...)"165. Era também comum a solicitação do Batismo. Os pais se preocupavam
e muito com a salvação espiritual da criança. Christina exposta, aos nove dias do dito
mês, na porta de Miguel Borges e de sua mulher Suzana Borges, o qual exposto trazia
um escrito de que não estava batizada (...)"166; Anna "foi exposta em casa de Manoel
Por outro lado, alguns escritos diziam que a criança já tinha sido batizada.
Manoel "exposto à porta do Reverendo Vigário, na noite do dia dez do corrente ano,
com um escrito que dizia ter sido batizado em casa”168; Anna foi batizada "sub
conditione". Consta que Anna, "aos dez ou onze dias deste presente mês, se achou
exposta no corredor das casas de José Alves Maciel e trazia um escrito de letra
incógnita que dizia ter sido batizada(...)"169. Outra surpresa é a preocupação da mãe em
especificar os meses ou dias de vida da criança. Caso de Thereza "exposta, aos vinte e
seis dias deste dito mês, em casa de João Gonçalves Bragança desta dita freguesia o
qual disse que a dita exposta trazia uma carta que dizia que a dita exposta nascera aos
filhos, inclusive o que fora exposto. A testadora Maria Joaquina Rosa de Lima, natural
de Vila Rica, moradora do Arraial de São Miguel, Comarca do Rio das Velhas, morava
em Vila Rica e migrou para São João Del Rei, onde teve três filhos e, por encontrar-se
em estado de solteira e de miséria, expôs o Joaquim e outras duas filhas. Ao que tudo
indica, Maria Joaquina era uma mulher pobre, solteira, imigrante e que não tinha como
165
Banco de dados..., Batizado em 11 de março de 1777, Id. 5354.
166
Banco de dados..., Batizado em 16 de setembro de 1760, Id. 4244.
167
Banco de dados..., Batizado em 05 de agosto de 1770, Id. 4828.
168
Banco de dados..., Batizado em 11 de abril de 1787, Id. 6662.
169
Banco de dados..., Batizado em 18 de setembro de 1752, Id. 3802.
170
Banco de dados..., Batizado em 28 de outubro de 1752, Id. 3838.
80
(...) que sendo no ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de
mil oitocentos e dezoito ao dezoito dias do mês de outubro do dito
anno, nesse Arraial de São Miguel, Comarca do Rio das Velhas,
Bispado de Mariana em casa de minha morada estando em meu
perfeito juízo pela mercê de Deus e temedora da morte determino o
meu testamento na forma seguinte: sou católica romano e nesta santa
fé protesto viver e morrer e por isso rogo a Trindade Santíssima que
pelos infinitos merecimentos da Paixão e Morte de meu Senhor Jesus
Cristo que queiram valer a minha alma = Sou natural de Vila Rica,
batizada na freguesia de Ouro Preto, filha legitima Antônio José de
Lima Costa e Benta Nunes do Rosário já falecidos e sempre vivi em
estado de solteira e por miséria tive três filhos, um por nome Joaquim
que foi exposto em São João Del Rei, outra por nome de Anna Rosa e
outra por nome Francisca de Paula que me dizem em boas estão
casadas e como não sei com quem meu testamenteiro terá cuidado em
indagar a saber onde moram três meus filhos porque a lei instituiu-os
meus herdeiros das duas partes de meus bens que se acharem por meu
falecimento. (...)171.
expostas das assistidas. Sendo que para os letrados as primeiras eram aquelas
abandonadas pelas mães "em um terreno baldio" e deixadas para morrerem. Ao passo
esse último conceito pode parecer um pouco desapropriado para Vila Rica, se levarmos
em consideração que nela não havia um Convento ou uma Santa Casa de Misericórdia
aparelhada com a Roda dos Expostos, dispositivo apropriado para que o pai expusesse o
filho com segurança. Além disso, também não havia, pessoas preparadas para recolher
as crianças achadas nas ruas. Numa ata da Câmara de Ouro Preto de 1741, observamos
enxurradas, que desciam com força redobrada das ladeiras mais íngremes, causassem
danos aos passantes e aos edifícios173. Contudo, apesar desses obstáculos, notamos que
171
Testadora: Maria Joaquina Rosa Lima, moradora do Arraial de São Miguel. 1834 Fl. 5. Agradeço com
muito carinha a minha amiga Maura Brito, por me fornecer esse testamento.
172
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 23
173
VASCONCELOS, Sylvio. Vila Rica, Ed. Perspectiva, 1977.
81
muitos foram os casos de pais que escolhiam a porta ou a rua que melhor fosse para
enjeitar o pequerrucho.
praticarem tal ação. Eles, ao escolherem algumas ruas para enjeitarem o filho, nos
Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar174 apenas esses registros são retratados.
174
APM Notação CC- Cx. 94 – 20364. Planta da população da freguesia de Nossa Senhora do Pilar de
Vila Rica do Ouro Preto em 1798, elaborado pelo Vidal José de Sales.
82
83
Legenda da Planta de Vilar Rica de 1798
contabilizamos 96 registros que identificam os nomes das ruas que as crianças foram
Elas eram as mais populosas do que os freguesias rurais, além disso, centralizavam a
84
(82,50%) e 76,31% dos profissionais liberais, quatro quintos dos (80,62%) e 78,98%
das pessoas relacionadas em outros serviços”175. Isso nos mostra que, na Freguesia do
Pilar, a rua mais procurada pelos pais foi a “Rua Direita”, com 8 expostos. A Rua
Direita era próxima do centro administrativo onde as famílias dos potentados da Vila
habitavam, por isso, era umas das mais procuradas. Na rua do Sacramento foram
deixados 7 expostos; essa rua tem uma grande importância pois nela foi realizada a
grande festa do Triunfo Eucarístico. Nessa festa religiosa foi retirado o Santíssimo
representando toda a opulência do ouro de Vila Rica. Por isso, mesmo acreditamos que
tal rua continuou a elite local. Temos, ainda, a rua do Vigário, com 1 exposto, a rua
Nova, com 9 expostos e a rua da Santa Quitéria, com 2. Na praça principal da Vila há 5
casos de expostos. Provavelmente esse lugar era bastante perigoso para quem estava
abandonando, por ser bastante visível, Ao mesmo tempo, a praça poderia ser um lugar
mais vistoso para a crianças serem encontradas de forma mais rápida e, também, tal
ocorrências de expostos. Essa rua, ao que parece, teve uma maior ocorrência, por ter
nela, a instituição responsável pelo auxílio, já que era a Câmara que pagava pela criação
perder oportunidade de abandonar os seus filhos nas portas dessas Confrarias ou nas
ruas próximas a elas. As mais procuradas pelos pais foram a Matriz da Nossa Senhora
175
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. 3º capítulo Profissões atividades produtivas e
posse de escravos em Vila Rica ao alvorecer do século XIX., p. 64-69.
85
Matriz e outros colocados atrás da Igreja. Na capela da Nossa Senhora do Rosário dos
Rosário 1, e na rua do Rosário mais 5. Na capela do São José dos Pardos encontramos 3
registros de expostos; no morro São José 1, e na rua São José, 4. Na Capela da Nossa
Senhora do Carmo Ordem Terceira identificamos 2 casos e no beco, atrás dela, 1. Essas
infelizmente não encontramos nenhum relato que diz que elas teriam prestado algum
O bairro das Cabeças, que também fazia parte da freguesia do Pilar, teve 12
abandono; nessa rua também habitavam pessoas de posses e, além disso, foi o local do
primeiro arraial da freguesia a ser povoado. No caminho novo deparamos com 1 caso;
lateral dela deparamos com mais 1; Na ponte do Antônio Dias foram registrados 3
casos.
localização que seguia para o Caminho para Mariana. No Alto da Cruz, Padre Faria e
176
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. 3º capítulo Profissões..., p. 65.
86
Sabemos que essas localidades concentravam sujeitos sociais relativos às ocupações
enjeitar uma criança, era nelas que a maioria das mães os expunha. Entretanto, aqui
cabe fazer algumas indagações. Em Vila Rica, como vimos, na década 1799, começava
habitantes178. Contudo, foi justamente nesse período, que houve um maior número de
padres, que tinha muito contato com a população, omitiam na hora de identifica a
essas últimas mais aptas para auxiliar no ocultamento da gravidez da mãe. No trabalho
que iam para os Conventos para esconderem a “barriga”. Os padres também faziam
parte dessa teia. Alguns pais pediam os padres para escreverem bilhetinhos que eram
famílias das crianças expostas. Os textos dos bilhetes podiam como, observou Renato
forra". Por vezes, porém, havia informações detalhadas, mas apresentadas somente
177
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. 3º capítulo Profissões..., p. 65.
178
FONSECA, Cláudia Damasceno e VENÂNCIO, Renato Pinto. Vila Rica: Prospérité ET déclin urbain
dans le Minas Gerais..., p. 190.
179
Banco de dados..., Batizado em 12 de outubro de 1796, Id. 7777.
87
quando da recuperação da criança: "He filho do Coronel Nicolau Soares do Couto e de
contou com o apoio do Estado. O alvará de 24 de maio de 1783, aprovado pela rainha
Reino Português onde existissem expostos ali deverá haver uma Roda dos Expostos,
Enjeitados é uma obra de tanta caridade e Misericórdia que por si está recomendada a
todos os Fiéis, e ainda aos que o não forem, pois por ela se acode a umas Criaturas, aos
a Câmara de Vila Rica ameaçava a população com a criação de “fintas”, se ela não
180
Banco de dados..., Batizado em 28 de fevereiro de 1802, Id. 8453.
181
Ordem Circular da Intendência Geral de Polícia de 24 de maio de 1783. In: A.J.G. Pinto. Compilação
das providências que a bem da criação e educação dos Expostos ou Enjeitados se tem publicado e acham
espalhadas em diferentes artigos da legislação pátria. Lisboa: Impressão Régia, 1820, p. 7.
182
Compromisso da Mesa dos Enjeitados no Hospital Real de Todos os Santos Lisboa: s. n; 1716, s.p. Até
a independência, as Casa dos Expostos brasileira seguiram esse regulamento. Apud. VENÂNCIO, Renato
Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 19
88
(...) a todas as pessoas de nossa jurisdição que caso saibam no seu
distrito ou vizinhanças acham algumas referidas mulheres meretrizes
publicas que tenham exposto ou enjeitado algumas crianças e estas
estejam fazendo despesa a este senado o façam a saber tal Câmara ou
a seu procurador, e esta notícia se ordena não só para os que já estão
expostos, na forma referida senão também para as que expuserem para
o futuro, haja denúncia será tomada na dita Câmara com todo o
segredo e se evitará com esta diligencia dos denunciantes a conta que
está próxima a lançar-se por todas as pessoas desta Vila e sua
Comarca183.
Acreditamos que devem ter ocorrido várias denúncias, pois, segundo Laura de
Mello Souza, Minas Gerais foi marcada por uma sociedade de denúncias e “vigias”185.
Um dos casos que nos chamou a atenção foi o do exposto Jacinto que foi devolvida a
respectiva mãe. Consta na ata batismal que Jacinto, exposto em casa de Antônio Pereira
de Oliveira, "é filho natural de Maria Antônia de Mello que assim o confessou e desde a
Ao que parece a exposição do infante era defendida por lei e podia ser feita sem
específicos.
183
APM, CMOP, Cód 77, Edital de 10/03/1763.
184
VENÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara. In: Termo de Mariana: História e
documentação. Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998, p. 139-141.
185
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 68-69.
186
Banco de dados..., Batizado em 05 de junho de 1803, Id. 8673.
89
2-4 Assistência Camarária
Como vimos anteriormente, algumas Vilas de Minas não tinham uma Santa Casa
transferido para a Câmara. A legislação que tratava da criação dos expostos originava-se
havendo nenhuma possibilidade dos familiares e nem dos hospitais criarem o enjeitado,
as crianças deveriam ser criadas pelo fundo do Concelho”. Se esta instituição não
tivesse o pecúlio necessário, deveria cobrar “finta” à população para a criação dos
instâncias superiores.
A Câmara de Vila Rica, dessa forma, deveria auxiliar os expostos, pois, embora
fosse uma das vilas mais importantes de Minas, não possuía uma Santa Casa apropriada
para receber os enjeitados, como dito anteriormente. De acordo com Charles Boxer, a
Câmara e a Santa Casa de Misericórdia foram os dois pilares mais importantes para a
187
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 89
90
sustentação de todo o Império português188, mas, ao que parece, em Vila Rica, o
homens bons, ou seja, entre os chefes de família potentados. Além dos vereadores, havia
Fora, que era indicado pelo rei, o Juiz Ordinário e o Juiz de Órfãos. O corpo
estrutura tornou-se ainda mais complexa pela incorporação de novos funcionários, como
91
partido, responsável pelo controle da propagação de doenças e pela expedição de cartas
de ofício de parteiras191.
No entanto, não era com bons olhos que os homens do Senado encaravam o
auxílio aos expostos e, por isso, houve muitas tentativas do Concelho de não pagar pela
criação dos expostos. Segundo ele, na primeira metade dos oitocentos, houve algumas
ocorrências de resistência dos vereadores em custear a criação dos enjeitados. Esse fato
pode ser ilustrado pelo caso do Capitão Antônio Lopes Leão que, no ano de 1745, antes
de falecer, alforriou a escrava Narcisa Lopes e a pediu que criasse o exposto Mateus.
Narcisa, sem condição de criar o bebê que tinha apenas oito meses de idade, enviou uma
petição ao Senado alegando que precisava trabalhar e que o dito exposto precisava de
por um criador a quem por menos fizesse ou cobrasse pela criação, por não ser costume
Outro acontecimento que nos chamou a atenção, descrito pelo mesmo autor, foi
o de José Antônio Martins. Ele, ao recorrer a uma instância maior para receber pela
criação de uma enjeitada, mostrou-se conhecedor de todas as leis que faziam referência
aos direitos dos expostos. José Antônio, casado, mandou, no ano de 1750, uma petição
para o Concelho dizendo ter uma enjeitada de nome Francisca e, alegando não ter renda
suficiente para pagar a quem lhe desse leite: “Peticionou então, indagando à Câmara
sobre ajuda de custo, oferecida pelo Senado, como ocorria na cidade de Mariana, a qual
assegurava, após apresentação da certidão de batismo, três oitavas por mês para o
191
APM CMOP 1711-1889 (apresentação da Câmara de Vila Rica)
192
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 94.
92
alimento de enjeitados”. A Câmara de Vila Rica logo indeferiu o pedido, o que fez José
ajuda para a criação de Francisca193. O fato de José Martins recorrer ao ouvidor indica
que ele era uma pessoa que conhecia os direitos dos enjeitados; dessa forma, ele
imediatamente foi mostrando para o Caetano da Costa que conhecia o costume que
havia na cidade de Mariana, ou seja, o pagamento que a Câmara daquela cidade fazia ao
Ordenações, principalmente o livro primeiro, título 88, parágrafo 11, que dizia que toda
municipalidade que não tivesse uma Santa Casa apropriada para os expostos caberia a
Câmara daquela jurisdição custear a criação da criança enjeitada. Tudo indica que o
ouvidor Costa Matoso interveio a favor de José Martins, pois o procurador da Câmara,
exposta Francisca, disse que não era costume de Vila Rica admitir despesas para
mulatos enjeitados, nem para criadores que não fossem pobres e, que, o auxílio de
expostos deveria ser feito pelo Hospital. Costa Matoso, apesar do argumento do
procurador, persistiu com o este sobre o pagamento dos criadores de enjeitados e José
Martins conseguiu o deferimento de seu pedido; porém isso só ocorreu no ano de 1751,
ano em que a exposta Francisca veio a falecer. José Antônio, então, recebeu por seis
pedido igual ou semelhante como feito por José Antônio. Então, após 1751, a Câmara,
levada pela inflação de tais pedidos, não teve alternativa senão começar a custear a
criação dos expostos. Desta maneira, os oficiais camarários começaram uma nova
tarefa, que seria a de uniformizar os pagamentos aos enjeitados, antes feitos de forma
193
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 95-97.
194
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 97.
93
desorganizada, em função da falta de interesse da Câmara em arcar com essa
assistência.
94
estipulou que nos dois anos, de leite, se pagasse às ditas amas três oitavas por mês e daí
por diante “se lhes pagasse para baixo”195. No mesmo ano, como demonstrado no
pagar três oitavas por mês, durante os dois primeiro anos, assim como duas oitavas nos
contra a Câmara e ganhou a sentença de lei dada pela Relação do Rio de Janeiro, que
ordenava o pagamento de “três oitavas mensais durante os sete anos da criação, não
havendo razão para que depois do dito leite fossem menores as despesas do que antes,
a correição dos pagamentos, pois havia pessoas que criavam expostos a duas oitava e
outros a três oitavas. “Deu por bem uniformizar todos os contratos, desde primeiro de
janeiro de 1763, em três oitavas nos três primeiros anos e duas oitavas nos anos
que exigiam as três oitavas e aqueles que embolsavam oitava e meia nos últimos quatro
anos.
oitavas de ouro por mês durante os três primeiros anos, completando 24 oitavas por ano,
Portanto, ficou estipulado que o pagamento realizado pela Câmara aos criadores
de enjeitados, era de 24 oitavas de ouro por ano, durante os três primeiros anos do bebê
195
APM, CMOP, Cx.25, Doc. 23. Caetano de Costa Matoso foi o primeiro corregedor de Vila Rica
organizar o pagamento dos expostos, e toda estrutura de como seria feito esse pagamento para que o
criador pudesse receber. Foi ele também, que institui o Livro da Lista de Matrícula.
196
APM, CMOP, Cx. 36, Doc. 35.
197
APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 12/12/1768
198
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 126.
199
APM, CMOP, Cód. 88, Flash. 29-31.
95
(período de amamentação) e, durante os quatro anos seguintes, o valor diminuía para 16
oitavas anuais. Deste modo, temos que 1/8 valem 1$200 reis, ou seja, nos três primeiros
anos a media do pagamento foi de 2$400 reis por mês, sendo o calculo final desse
período de 86$400 reis, e nos quatros últimos anos de criação, de 1$600 reis por mês,
resultando em 76$800 reis. Assim, o fruto final da criação de um exposto até sete anos
Para termos uma noção de quanto a Câmara gastava com a criação dos expostos,
decidimos comparar tal gasto com o valor de compra de 1 escravo. No ano de 1763, um
escravo custava em média 120$000 reis e, no ano de 1789, valia 125$000. Ora
163$200 reis; esse fato nos mostra que a despesa com o auxílio envolvia recursos que
dariam para o Concelho formar, anualmente, uma fazenda escravista para Vila200.
décadas de 1770 a 1850. Nesse livro, a receita descrevia todo o rendimento que a
Câmara recebia por meio de impostos e toda a despesa que a mesma tinha com Vila
200
Os expostos de Catas Altas-Minas Gerais (1775-1875). In: RIZZINI, I. (org.). Olhares sobre a criança
no Brasil: século XIX e XX. Rio de Janeiro: Petrobrás - Ministério da Cultura - USU Ed. Universitária -
Amais, 1997.
96
Gráfico 4 - Gastos com Enjeitados x Despesa x Receita - Câmara Municipal de Vila Rica
200000,00
180000,00
160000,00
140000,00
Valores em Réis
120000,00
Gastos com Enjeitados
100000,00 Despesa
Receita
80000,00
60000,00
40000,00
20000,00
0,00
1770-1779 1780-1789 1790-1799 1800-1809 1810-1819 1820-1829 1830-1839 1840-1849
Anos
representado esse valor cerca de 18% do gasto total da Câmara. Na década de 1790, a
mostrando-se outra vez um gasto de 21% com os enjeitados. No entanto, nas décadas de
201
Fonte: APM, CMOP, Receita e Despesa da Câmara - Cód. 102, rolo 40, flash. 01; Cód. 106, rolo 41,
flash 01; Cód. 110, rolo 42, flash 01; Cód 132, rolo 49, flash 01; Cód 154, rolo 51, flash 01; Cód 219, rolo
54-55, flash 01; Cód 228, rolo 55, flash 01; Cód 259, rolo 60-61, flash 01; Cód 324, rolo 66, flash 01e
Cód 438, rolo 70, flash 01.
97
1810 e 1820, a despesa com os enjeitados ficou em torno de 15% a 4% respectivamente.
Nesse momento, parece que a receita foi se recuperando aos poucos, porque,
investir em outras atividades. Além disso, temos que, em 1823, Vila Rica torna-se a
capital de Minas Gerais, passando a ser chamada de Ouro Preto, o que fez dela um dos
expostos foi mais baixo: 1:983,448, um percentual de 2%, da recita total. Nesse
acreditamos que o cofre público da Câmara de Ouro Preto voltou aos poucos a se
enjeitados, houve um momento em que tais gastos tornaram-se exorbitantes. Isso levou
passassem por várias investigações. Uma das medidas consistia em um juramento sob
os Santos Evangelhos. Os criadores deviam jurar que eles não conheciam os pais ou
familiares das crianças. Isso aconteceu com o bacharel Luís Henrique de Freitas; o
procurador pediu que ele, sob o Evangelho, jurasse que não tinha notícias dos pais da
criança enjeitada. O bacharel negou em jurar e declarou não saber sobre os pais da
A maioria das pessoas contratadas pela Câmara para serem criadores de expostos
202
APM, CMOP, Cx. 25, Doc. 23.
98
crianças. Em Vila Rica, quaisquer pessoas que as encontrassem, poderiam, após batizá-
las, dar entrada na Câmara para receber a quantia paga pelo Senado, para ajudar na
criação. Esse fato foi um dos fatores que fez com que muitos dos oficiais desconfiassem
dos criadores, dizendo que alguns deles eram os pais legítimos dos enjeitados, que
auxílio camarario.
(...) despesa que faz este concelho com a criação dos enjeitados, que
até nesta ação há gente de tão grande consciência, que procuram
utilizarem por este meio, fiados na aceitação, que a câmara faz dos tais
inocentes, quando é de presumir não concorrer a qualidade de
verdadeiro enjeite, mas sim um concluio entre os pais, ou mães com as
pessoas que os enjeitam ou apresentam fingindo serem expostos só
para perceberem o lucro que esperam (...)203.
Esse registro nos trás riquíssimas informações: 1º indica-nos que a tão falada
finta foi cobrada à população, porém nada adiantou para melhorar o financiamento da
grávidas pelo enjeitamento dos filhos, pois esse documento é de 1772, e, como vimos,
203
APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 14/12/1753.
204
Arquivo Histórico Ultramarino. Representação dos oficiais da Câmara Municipal de Vila Rica sobre as
despesas com a criação dos enjeitados. Cx.103, Doc.47, 1772.
99
desde 1763 a Câmara publicava edital pedindo que as pessoas denunciassem mulheres
Deste modo, os dois últimos tópicos foram os que mais nos chamaram atenção.
apontou para essa última, especificamente em Vila Rica, a exigência, além da cópia do
batismo, de uma certidão de brancura na hora dos acolhedores irem à Câmara darem
entrada no auxílio205.
Tudo indica que essa certidão de brancura, exigida pelo Concelho, era uma
forma de os vereadores controlarem a entrada dos expostos no auxílio. Parece que eles
pela autora Laura de Mello e Souza, como uma forma de preconceito. Ao trabalhar com
autora chamou atenção para quatro delas, que se diferenciavam completamente das
suspeitava serem mulatos, e um, da década 1760, que era um menino escravo, devolvido
ao seu senhor. Para ela, todos esses processos singulares eram, possivelmente, ilegais206.
Vila Rica teve alguns editais e cartas endereçadas à Coroa, culpando as mulheres
205
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manuel Francisco Lisboa - Juiz de Ofício e Filantropo. Belo Horizonte,
Escola de Arquitetura da UFMG, p. 31-32.
206
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 63.
100
registro que descreve a cor da criança enjeitada. Isso deve ter ocorrido, porque o
1768, sendo que somente nos anos de 1757, 1758 e 1759 foi exigido a certidão de
“bem” acolher a criação do “enjeitado Domingos, crioulo ou cabra”. Esse fato ocorreu,
porque por mais que o Concelho não aceitasse custear os expostos mulatos, crioulos ou
cabras, era dado por lei a eles o direito do financiamento da criação. Acreditamos que a
partir da década 1760, o que nos permitiu observar que quase todos os expostos
207
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manuel Francisco Lisboa... 31
208
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 61 (1751-1768) Matriculado 19/02/1757.
101
Certamente, algo começava a mudar para os expostos, pois agora a Câmara via-
a Câmara de Vila Rica continuava procurando alguma maneira para diminuir os custos
com a criação dos enjeitados. A solução encontrada por ela foi que todo criador que
recebesse uma criança mestiça ou negra tivesse de assumir seus gastos e, em troca,
(...) que por esse respeito se vê gravada com empenhos e sem as forças
necessárias para as mais despesas públicas aqui é obrigada. E parece
justo que Vossa Majestade adiante a dita providencia mandando que
os enjeitados mulatos e crioulos que se criarem por conta da mesma
Câmara lhe fiquem sujeitos até a idade de vinte e cinco anos para por
ela se darem a quem os criar de graça pela grande utilidade de se
servirem dele até a dita idade, pois só assim se poderá coibir a lassidão
com que as mães enjeitam se diminuirá a grande despesa que com eles
faz mesma Câmara209.
Esse documento pedia ao rei que aprovasse tal regulamento. No entanto, o rei
não só desaprovou o pedido, como repetiu o gesto com outro semelhante, feito pelo
O pedido de Vila Rica ocorreu no ano de 1772, três anos antes do Alvará
pombalino de 1775. Isso indica que a resolução pombalina veio para reforçar a questão
209
AHU/MG-C.x:81, doc.:20
210
AHU/MG-Cx.:103, doc.:47
102
dos cuidados com os enjeitados - que era obrigação da Santa Casa ou do Concelho em
custear os cuidados dos pequenos -; e, ainda, nesse mesmo Alvará, acrescentou-se que
sua liberdade. Cremos que tal resolução se fez para impedir que os camaristas
final dos anos setecentos e no início dos oitocentos, em função do desinteresse dos
documentos de registro paroquiais de batismo de São João Del Rei, relata-nos um caso
que implicava uma escrava que abandonou o filho para garantir a liberdade dele, já
menino de volta, o que “impediu o sucesso do projeto que a escrava Josefa traçara para
garantir a liberdade de seu filho”. No entanto, para a autora, casos como esses não
seriam corriqueiros numa sociedade colonial, e não deveria ser muito simples ocultar a
gravidez de uma cativa perante o seu senhor. Mas a autora não descarta a possibilidade
de ter havido casos semelhantes, como o de Josefa, que foram bem sucedidos e “estarão
irremediavelmente encobertos”211.
escravas em outros pontos da Colônia podem ser exemplificados com os fatos que
ocorreram na cidade do Rio de Janeiro, na década 1870. Lá, sim, houve um elevado
Lana da Gama e Renato Venâncio, a Lei do Ventre Livre de 1871, levou os senhores de
que viam nessa ação um grande benefício financeiro. Ao enviarem a criança à Roda dos
211
BRUGGER, Silvia M. J. Minas Patriarcal: Família e Sociedade (São João del Rei – Séculos XVIII e
XIX). São Paulo: Annablume, 2007, p.198-199.
103
Expostos, os senhores ficavam isentos dos gastos com sua criação e, além disso, as
sistematizado igual ao que foi encontrado em Mariana e em São João Del Rei, que
negras.
Numa capitania onde a mestiçagem fazia parte do corpo da sociedade, negar essa
miscigenação seria insustentável por muito tempo. Mesmo que, a princípio, discursos
que dizia que era “impossível sujeitar e acalmar os negros, mulatos, cabras, mestiços e
outras gentes semelhantes” de “tão más gentes”214, e de outros que perpassavam pelos
direcionada ao Rei, não surtiam nenhum efeito, pois o próprio Rei reforçava que,
independente da origem do exposto, ele tinha que ser cuidado pelas autoridades
212
LIMA, Lana Lage da Gama e VENÂNCIO, Renato Pinto. O Abandono de Crianças Negras..., p. 65-73
213
LIMA, Lana Lage da Gama e VENÂNCIO, Renato Pinto. O Abandono de Crianças Negras..., p. 69-70
214
Relatório do Marques do Lavradio – 1779, in Revista do Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro,
vol. IV, p. 424 Apud. SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 71.
104
responsáveis, conforme escrito nas Ordenações. A Câmara de Vila Rica, mesmo a
dívidas com os criadores pela criação, sempre se fez presente, sendo elas parciais ou
Gráfico 5 -Montante Não Pago aos Criadores dos Enjeitados por Década
12000
10000
8000
Montante em Réis
6000
4000
2000
0
1770-1779 1780-1789 1790-1799 1800-1809 1810-1819 1820-1829
Anos
subir e nas décadas de 1780, 1790 e 1800, o montante não pago aos criadores foi maior.
Isso pode ter ocorrido por dois motivos: o primeiro é que na década de noventa, e no
receita por dois anos. O segundo item a ser lembrado é que essa dívida com os criadores
ocorreu devido a Câmara não querer pagar os atrasados, para tentar diminuir a
exposição de crianças.
O déficit da Câmara com os criadores fez com que muitos deles recorressem à
justiça para que o Concelho restituísse a eles o restante que faltava. Esse acontecimento
105
ocorreu com a D. Candida Fernandes Neves, que pediu ao procurador José Reis Pombo
que cobrasse a Câmara a quantia que lhe deviam. O procurador da Câmara Francisco
José Ferreira pagou a José Reis a quantia de quarenta e dois mil, novecentos e setenta e
nove reis, que devia em razão dos custos da criação da enjeitada Libania215. Aconteceu,
também, com a criadora Maria Úrsula, que entrou na justiça por meio do seu procurador
José Dias Monteiro que recebeu os atrasados para ela na forma da Lei a quantia de cento
e trinta e quatro mil e quatrocentos reis216. Caso parecido ocorreu com a mulher do
enjeitada Maria, num encontro de foros recebeu, por meio do seu marido, que foi o seu
O Concelho, mesmo não querendo ficar com encargo da criação dos enjeitados,
não tinha como fugir dessa função, pois mesmo havendo pessoas que os criassem sem
pecúlio algum, não era o suficiente para diminuir a sua obrigação de “tutor”. A Santa
Casa de Misericórdia, por sua vez, que seria a instituição mais apropriada para receber
infância desvalida.
215
APM, CMOP, Cód 259, rolo 60-61, flash, 01.
216
APM, CMOP, Cód 324, rolo 66, flash, 01.
217
APM, CMOP, Cód 324, rolo 66, flash, 01.
106
Capítulo 3 – A criança e a família criadeira
Como vimos anteriormente, coube à Câmara de Vila Rica dar assistência aos
destes.
Em Vila Rica, como não havia uma instituição especifica (Roda dos Expostos)
ou uma pessoa responsável para o recolhimento dos pequenos, estes últimos foram
lugares. Assim, até o momento em que essas crianças fossem encontradas, muitas delas
ruas urbanas e dos perambular dos animais. De acordo com Francisco Antônio Lopes,
esses animais seriam em sua maioria os porcos que, freqüentemente, peregrinavam por
Vila Rica e, desde a década anterior, tinham se tornado objeto de seguidas críticas por
A carta de fevereiro de 1795 ratifica o vagar dos animais nas ruas de Vila Rica e
dos Expostos, “logo que as mães envergonhadas davam a luz, abandonavam as crianças
Deste modo, quando alguém encontrava um exposto que tinha suportado todos
aqueles desafios e permanecia com vida, cabia a ele a decisão de ficar com a criança ou
218
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica..., p. 187-190.
219
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...,, p. 188
107
não. Em caso afirmativo, poderia optar por receber pela criação, sendo necessário dar
entrada na Câmara; se por acaso esse não quisesse criá-la, ele dava a criança para a
seguia algumas etapas. No princípio, na década de 1750, para o enjeitado ser aceito teria
que ser batizado. O criador, sobre os Evangelhos, teria que jurar que não conhecia os
pais do enjeitado e às vezes era pedido para que o criador o atestasse a brancura da
criança. Nas décadas posteriores, a partir de 1760, depois que alguns criadores
vereadores, as quais não condiziam com as Leis das Ordenações, a Câmara passou
cópia da ata batismal, caso quisessem, podiam solicitar à Câmara o pagamento para a
era escrita no Livro de Matrícula dos Expostos, que especificava, em cada folha, o dia,
mês e ano em que o criador deu entrada no auxilio camarario, além do nome dessa
criança e do local que ela foi encontrada. Algumas vezes, este livro registrava o nome
da pessoa que a encontrou, e o dia que a encontrou, o nome do reverendo que a batizou,
108
Fonte: Arquivo Público Mineiro. Câmara Municipal de Ouro Preto. Cód.88 (1751-1784)
109
As exigências da Câmara não se resumiam apenas à matricula do enjeitado.
Após o registro inicial, como foi descrito acima, os criadores passavam a receber, em
troca da criação, o pagamento anual de 24 oitavas de ouro por ano durante os três anos e
16 oitavas anuais nos últimos quatro anos. No entanto, para que esse pagamento fosse
feito, era preciso que o criador provasse que a criança estava viva e bem de saúde. Ele
era obrigado a apresentar a criança a cada três meses para receber o pecúlio. Caso
estivesse incapacitado de levá-la, podia enviar o atestado de vida do exposto emitido por
algum pároco ou por pessoas com bons cargos e, se assim o fizesse, o Senado aprovaria
o pagamento.
a criança esteve viva. Este fato aconteceu com a criadora “Maria Nobre dos Santos.
Com o falecimento da sua enjeitada Antônia, ela recebeu o retroativo pela criação, que
ficou em 38,400 reis”221. Caso parecido ocorreu também com o “Sargento Florêncio
Pereira Campos, criador do enjeitado Sebastião, falecido, que recebeu pela sua criação
Silva,dos enjeitados Manoel e Manoel, ambos falecidos, que vencerão num valor da
criação 12,000 reis”; a Câmara, porém, só pagou 1,170 reis, e ficou devendo ao criador
10,830 reis223.
220
Descrito nos documentos da Lista de Matrícula.
221
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
222
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
223
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
110
Não obstante, já sabemos que o Concelho remunerava precariamente a criação
dos expostos. Assim sendo, como explicar quais foram os motivos verdadeiros que
levaram o criador a recolher o enjeitado? As indagações que permeiam este assunto são
muitas. O fato de ter havido uma variedade de criadores, como negras forras, indivíduos
de altas patentes, oficiais do senado, membros da Igreja e Donas, intui-se que haviam
Com certeza, o motivo religioso fez com que muitos criadores acolhessem os
infantes por meio da caridade, dando a eles comida, vestimenta e moradia, e alguns
deles não aceitaram receber nenhum pecúlio para criá-los. A generosidade da caridade
cristã de algumas famílias se demonstrava pela fé, pois muitas delas acreditavam que tal
ação salvaria as almas de seus familiares. A Igreja estimulou os fiéis a exercitarem essa
proteção da alma. A criadora Ana Maria solicitou à Câmara para criar, sem nenhum
pecúlio, a enjeitada Antônia, branca, “pelo muito amor que lhe tem, pois a mãe da
referida menina é amiga da mesma, só pede a quem a tem confiado este segredo e o não
224
APM, CMOP, Cx. 56, Doc. 57
111
algumas pessoas, residentes em Salvador, quererem exteriorizar a fé criando um
enjeitado pelo amor de Deus, sem estipêndio algum”225. “Que pediu para criar
fez”227.
ficavam isentas dos impostos que a Câmara aprovasse ou dos tributos requeridos para
documento que comprove se algum criador de Vila Rica utilizou alguma dessas
Além disso, o criador teria uma mão-de-obra adicional e gratuita, pois se o acolhedor
quisesse ficar com a criança depois da criação de sete anos, ele poderia, sendo o exposto
obrigado a trabalhar para ele. Parece que essa agregação era mais importante do que a
ligação que se tinha com um escravo, porque “o exposto era livre e ligado a laços de
225
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 63
226
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 63
227
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 63
228
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 93- 94
229
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p.137
112
fidelidade, de afeição e de reconhecimento com o seu criador”230. Segundo Maria
Marcílio, isso foi bem visível quando ela analisou Rol dos Confessados de Mariana de
1802,
parda forra Floriana Maria, filha de pais incógnitos, fora exposta na casa do primeiro
marido da mulher de José Luís Reis, morador na Guarapiranga, onde trabalhou desde a
sua meninice no ofício doméstico e na roça, “com foice e enxada na mão como se fosse
escrava, sendo de seu nascimento livre e liberta”. Os falsos senhores, “por ingratos, ou
pouco temente a Deus, sem agradecimento ao atual benefício que estão recebendo da
suplicante, a castigam, maltratam, e metem em ferros com público escândalo”. Isso vez
com que Floriana Maria pedisse requerimento junto ao governador que “a deposite em
casa honrada onde se conserve a suplicante em honesta fama até conseguir estado de
casada”232. Suas súplicas foram ouvidas, e provavelmente ela deve ter ido morar como
Sorocaba, descobriu que, nos 251 domicílios da vila paulista, que viviam 222 expostos
88,4%, deles não havia escravos, somente dezessete, ou seja, 6,8% dos domicílios
230
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p. 137
231
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ...,p. 137
232
Requerimento que a S. Exa. Fez Floriana Maria, parda forra assistente em casa de José Luís dos Reis
sobre ser liberta como dele consta, in: APM, SC, cód. 186, fls. 40V.
113
possuíam um único escravo233. Isso nos induz a pensar que esses criadores eram pobres,
seus lares, para se beneficiarem de um trabalho gratuito, que poderia ser feito tanto nos
Outra razão dos criadores para criar um enjeitado, ainda relacionada com a
Câmara fizeram ao rei. Esse documento pedia ao rei a regulamentação para que todo
criador que recebesse uma criança mulata ou crioula e tivesse de assumir seus gastos,
poderia utilizar-se do serviço dela gratuitamente até completarem vinte e cinco anos.
abandono. Caso tivesse sido aprovada, seria mais um dos motivos que atrairia as
criadora, mas também para toda sua família. Os atrativos incluíam privilégios variados,
estratégias familiares.
233
BACELLAR, Carlos. Famílias e Sociedade em uma Economia de Abastecimento Interno. (Sorocaba
nos séculos XVIII e XIX). Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-graduação em História,
Universidade de São Paulo, 1995, p. 320.
234
AHU Cx. 103, Doc. 47
114
No que diz respeito ao sexo dos criadores que deram entrada na Lista de
superior as das mulheres, atingindo cerca de 60,8% da entrada. Esse fator dos homens
Souza, no estudo que ela fez dos enjeitados da cidade de Mariana. A autora constatou
em relação às décadas 1750 até 1790, que homens deram mais entrada na lista de
matrícula. Para a autora, isso poderia ter ocorrido devido ao elevado número de homens
como “cabeças dos fogos”. Além disso, ainda de acordo com Souza, nos finais das
décadas dos setecentos e no decorrer da década de noventa notamos que alguns assentos
maioria das matriculantes em relação aos homens, elas chegaram atingir 53,1% das
41,2%. Desse modo, consideramos como hipótese que esse evento de Vila Rica deve ter
uma analogia com a evasão de homens para outras localidades de Minas, devido à crise
115
1810-1819 8 4 4 50,0%
1820-1829 4 1 3 75,0%
1830-1839 8 2 6 75,0%
1840-1849 10 3 7 70,0%
Total 580 278 302 47,9%
Fonte: Lista de Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-
1784); Cód. 111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804).
criador. Alguns deles, como mostra a tabela 2, não tinham sua designação informada,
chegando atingir 37%. Porém, cerca de 58,6% das mulheres e 65,2% dos homens não
forras e Donas nos leva a refletir sobre um ponto interessante: a historiografia brasileira
trabalho somente com a possibilidade de que muitas das negras, forras ou mestiças,
eram pobres e para completarem suas rendas trabalhavam como prostitutas e criadoras
equilibradas na tabela.
Ainda em relação às criadoras, um caso que nos chamou atenção foi da Lucia,
escrava do capitão Francisco Caetano Ribeiro, que criava uma exposta de nome
235
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 30/01/1799 – Folha, 507.
116
Notamos, na coluna dos criadores homens, que a maioria da ocupação ou status
deles estava assim distribuída: os capitães atingiam 8,5%, os Alferes atingiam 7,0%,
observamos que poucos foram os pardos e forros que deram entrada na Câmara,
alcançando estes 1,0%. Os militares, por outro lado, foram os que mais criaram
enjeitados. Entretanto, como demonstra a tabela, vários foram os criadores que não
colocaram a “titulação” antes do nome. Além disso, alguns desses homens com status
poderiam ser procuradores de algumas pessoas que necessitavam deles para matricular o
enjeitado. Evento como esse ocorreu com a criadora Maria Batista de Oliveira Viana,
viúva de Duarte Jesus da Cunha, que pediu ao seu procurador Modesto Ribeiro de Jesus
criação da enjeitada Francisca. A criadeira também declarou que não sabia ler. O
número de criadores não letrados era grande na sociedade colonial, pois até mesmo
Criadoras Nº % Criadores Nº %
Crioula Forra Viúva 1 0,3% Ajudante 1 0,4%
Crioula Solteira 1 0,3% Carcereiro 1 0,4%
236
APM, CMOP, Cx. 4 Folha 28
117
Escrava 1 0,3% Casado 1 0,4%
Parda viúva 1 0,3% Padre 1 0,4%
Mulher Casada 2 0,7% Pardo Forro 1 0,4%
Solteira 2 0,7% Pardo Forro Casado 1 0,4%
Preta Forra 10 3,6% Pardo Viúvo 1 0,4%
Viúva 12 4,3% Sargente 1 0,4%
Parda Forra 14 5,1% Soldado 1 0,4%
Dona 33 12,0% Crioulo Forro 2 0,7%
Crioula Forra 36 13,1% Reverendo Vigário 2 0,7%
N/C 160 58,6% Tenente Coronel 2 0,7%
Total 273 100% Reverendo Doutor 3 1,1%
Preto Forro 4 1,5%
Sargento-mor 4 1,5%
Coronel 5 1,9%
Doutor 6 2,2%
Tenente 6 2,2%
Reverendo 9 3,3%
Alferes 19 7,0%
Capitão 23 8,5%
N/C 176 65,2%
Total 270 100%
Fonte: APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27 Pagamentos aos criadores de Enjeitados
quadro 7, Dona Ana Teixeira da Souza Menezes criou 13 expostos, entre os anos de
1790 e 1811. Ela foi a criadora que mais procurou a Câmara para receber benefícios. Os
nomes dos expostos, provavelmente escolhidos por ela, eram bíblicos ou de origem
Abrão, Isaac, Pedro, Antônio e Francisco. Alguns nomes femininos também seguiram
essa tradição, como Maria e Isabel. Houve variação em relação aos anos em que Ana
enjeitada Rosa; na metade da mesma década ela registrou José (28/05/1796) e no ano de
118
informações sobre esta criadora, sabemos que ela recebia pela criação de todos os
Destes, seis eram homens e três mulheres. Deste total de enjeitados, nove crianças
foram abandonadas à sua porta, sendo duas delas entregues pela própria Câmara;
“Silvana infanta filha de pais incógnitos que aos cinco dias do Corrente foi dada pela
Câmara desta Vila a criar Sebastiana Luiza do Sacramento parda forra moradora
Sacramento parda forra"239. O fato de estes dois expostos terem sido entregues a
Sebastiana pela própria Câmara nos leva a pensar que esta criadora assumiu a função
criava; o exposto José, que a teve como madrinha juntamente com Manoel Mendes
Barreto, como padrinho240. A exposta Fabiana também a teve como madrinha, ao lado
do Antônio Alves Carneiro, padrinho241. Contudo, a parda forra era solteira e não há
registros que informem sobre o fato de ela ter tido filhos legítimos, motivo talvez, que a
Catarina Dias Ramos, 53 anos de idade, parda forra e criadora de seis expostos.
Domiciliava-se no Rosário, era padeira e possuía uma casa de molhados do reino. Tinha
seis escravos, nenhum filho e duas agregadas que se encontravam sob sua custódia, as
quais eram Maria, parda de doze anos, e dona Maria, exposta de oito anos. Todos os
237
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
238
Banco de dados..., Batizada em 13 de agosto de 1772, Id. 5020
239
Banco de dados..., Batizada em 10 de janeiro de 1779, Id 5540
240
Banco de dados..., Batizada em 10 de agosto de 1773, Id 5116
241
Banco de dados..., Batizada em 07 de outubro de 1777,Id 5399
119
seis expostos foram abandonados à porta de sua casa. Como aconteceu no caso descrito
Dona Maria Izabel Coutinho era casada com o português Antônio Afonso
Pereira e possuía vários imóveis, podendo ser considerada como uma mulher abastada.
Era moradora do morro de Ramos e teve, com seu marido, quatro filhos legítimos. Já
viúva, após a morte de seu marido, passou a criar quatro expostos, sendo que todos eles
foram abandonados em sua casa: “Cândida exposta na madrugada no pátio das casas de
Dona Maria Izabel Coutinho viúva que ficou do falecido Antônio Afonso Pereira com
um escrito que dizia a crie pelo amor de Deus”243; “Domingos exposto em casa de Dona
em casa de Donna Maria Izabel Coitinha"245 e “Anna exposta à casa de Maria Izabel
Coitinha”246. O fato de quatro expostos terem sido abandonados à porta desta mulher
pode estar ligado à boa condição financeira que possuía, levando muitas mães a
Coronel Sebastião Francisco Bandeira era casado com Maria Angélica de Jesus,
sendo ela madrinha de cinco crianças enjeitadas, que não estavam sob seus cuidados,
tendo uma delas recebido seu próprio nome. O Coronel era morador da rua da Câmara e
cuidou de oito expostos, sendo seis mulheres e dois homens. Ele acolheu, por exemplo,
uma criança que foi batizada "sub condicione (...) que aos vinte e oito do mês de Janeiro
pelas nove horas da noite se achou exposta Maria em casa de Sebastião Francisco
Bandeira (...)”247. Ao que tudo demonstra, o Coronel não tinha uma predileção em
relação ao sexo da criança, embora tenha criado mais mulheres do que homens. E a sua
242
Banco de dados..., Batizada em 01 de dezembro de 1800 Id. 12160
243
Banco de dados..., Batizada em 11 de fevereiro de 1782, Id. 5732
244
Banco de dados..., Batizada em 14 de setembro de 1789, Id. 7131
245
Banco de dados..., Batizada em 01 de janeiro de 1791, Id. 7398
246
Banco de dados..., Batizada em 19 de março de 1791, Id. 7197
247
Banco de dados..., Batizada em 01 de fevereiro de 1755, Id. 3983
120
esposa parecia colaborar com outros enjeitados que não os “pertenciam”, sendo
madrinha deles.
Manoel Vieira da Cunha, casado, foi criador de sete expostos. Seis deles foram
deixados à porta de sua casa e um deles, ele mesmo pegou para criar "o exposto Antônio
deixado na porta de Manoel Ferreira da Costa (...) o qual foi achado por Manoel Vieira
da Cunha que o levou para sua casa onde se acha criando”248. Manoel Vieira era mais
um dos homens casados que, além de chefiar sua casa, agregava crianças enjeitadas no
248
Banco de dados..., Batizada em 1 de agosto de 1779, Id. 5627
121
Feliciana e 24/09/1791
Joaquim 24/09/1791
Antônia, 04/11/1807
Enjeitada, 27/12/1810
Francelina, 12/01/1812
Francisco e 13/09/1817
Maria Nobre dos Santos Francisca 10/11/1827 5
Serafim, 00/00/1765
Venâncio, 00/00/1779
Raimundo, 25/09/1780
Maria, 00/00/1783
Francisco e 00/00/1783
Maria da Silva Aguiar Parda Forra Maria 00/00/1791 6
Anna, 00/00/1775
Maria, 00/00/1778
Francisca, 00/00/1781
Antônia, 00/00/1781
João e 00/00/1786
Jerônimo de Souza Lobo Lisboa Francisco 00/00/1800 6
Antônio, 00/00/1793
Manoel, 00/00/1794
Joaquina, 00/00/1795
Maria, 00/00/1796
Parda Forra - Maria e 00/00/1801
Catharina Dias Ramos Padeira Maria 18/12/1803 6
15/08/1792
Manoel, 15/08/1792
Ezequiel, 15/08/1792
Antônia, 15/08/1792
José, 15/08/1792
Micaela Arcângela Soares Maria e Elisa 15/08/1792 6
Antônio 00/00/1779
Francisco, 00/00/1781
Joaquim, 00/00/1784
Anna, 05/04/1784
Luis, 00/00/1786
Camilo e 00/00/1790
Manoel Vieira Cunha Beatriz 00/00/1802 7
Francisca, 00/00/1784
Joanna, 24/06/1792
Anna, 17/03/1794
Maria, 00/00/1798
Henriqueta, 00/00/1798
Parda Forra Francisco e 00/00/1801
Romana Thereza viúva - parteira Emerenciana 15/07/1803 7
Isabel, 00/00/1746
Maria, 28/01/1755
Luzia 00/00/1757
Angelo, 00/00/1760
Umbelina, 00/00/1763
Roque, 00/00/1780
Maria e 00/00/1781
Sebastião Francisco Bandeira Capitão Jozefa 00/00/1782 8
Prudente, 06/06/1766
Vicente, 00/00/1771
Sylvanna, 05/08/1772
José, 00/00/1773
Anna, 00/00/1775
Parda Forra Fabianna, 00/00/1777
Sebastiana Luíza do Sacramento Solteira João, 00/00/1779 9
122
Manoel e 00/00/1780
Fernando 00/00/1782
Anna, 00/00/0000
José, 28/05/1796
Isaac, 21/08/1799
Francisco, 01/08/1801
Abrão, 12/12/1801
Antônio, 07/06/1798
Pedro, 00/00/?
Outro Pedro, 00/00/?
João, 00/00/?
Isabel, 00/00/?
Maria, 00/00/?
Anna e 00/00/?
Ana Teixeira da Souza Menezes Dona Maria 00/00/? 13
Fonte: APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27 Pagamentos aos criadores de Enjeitados; Lista de Matrícula dos
Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-1784); Cód. 111 (1781-1790);
Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804); Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de
Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG), coordenado pela Profa. Dra Adalgisa Arantes
Campos.
revelam que, nesse período, foram batizados 566 crianças. Deste total, um elevado
alcançou o auge de 191 batismos. Nos anos de 1800, notamos que o batismo dos
nas décadas posteriores a 1810, o número de batismo dos expostos foi diminuindo
123
também, relacionada a diferentes fatores. Um deles poderia ser o elevado número de
casamentos que ocorreu a partir de 1815. Segundo a historiadora Mirian Lott, por volta
desta data, a população se estabilizou e voltou a crescer. Nesse período houve uma
Outro fator pode estar relacionado com a economia de Minas Gerais. Para o
provincial do século XIX, não procede. Segundo ele, a economia mineira oitocentistas
momentos, alguns homens de Vila Rica, tenha emigrado para outras regiões em busca
de trabalho, é possível que tenha ocorrido o retorno destes para suas famílias ou, até
mesmo, que o restante de sua parentela tenha ido com eles morar, reduzindo o número
observamos no gráfico 2251, com a alta ilegitimidade das crianças que se apresentaram
nas décadas de 1800 a 1820. Nesse período, conforme analisamos, o batismo dos
Esse fenômeno, de acordo com Mirian Lott, ocorreu por três motivos: 1º no início do
249
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas Gerais, Vila Rica – 1804-1839. Mestrado de
História/UFMG, 2004, p.36
250
LIBBY, Douglas as Cole. Transformção e trabalho: em uma economia escravista Minas Gerais no
século XIX, São Paulo p. 48-49.
251
Gráfico do capítulo 2-1 O abandono: Reflexão Historiográfica
252
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas..., p. 40. Fonte da autora foi retirada do Banco
de dados da Matriz de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto.
253
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas..., p. 40
124
século XIX a miscigenação se fazia presente tanto na população livre quanto na
alforrias, que “serviu como uma válvula de escape essencial para a reprodução do
endividamento da Câmara com os criadores. Como vimos, nas três últimas décadas do
século XVIII, a Câmara devia aproximadamente 88% dos criadores e, nas três primeiras
décadas do século XIX, a Câmara ficou em débito com 72% dos criadores. Esse fato,
deve ter desestimulado muitos criadores a adotarem crianças para criarem à custa do
Concelho ou de mães que abandonavam seus filhos para receberem algum pecúlio da
Borge, por conta da criação do exposto Candido, que encontra com o mesmo e, que o
Concelho se acha a dever uma multa imposta no ano de 1832 a quantia de dezoito mil
Diante dessa situação, pode nos parecer provável, também, que muitas famílias
diferenciavam tanto, quanto ao sexo. Entretanto, nas décadas 1790 e 1800, as meninas
254
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas..., p. 40.
255
APM, CMOP, Cód 259, rolo 60-61, flash, 01
256
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro
Preto (CNPq, FAPEMIG)
125
representavam 56,5% e 60,1% respectivamente. Dessa forma, poderíamos pensar que,
tendência não demonstraria uma intenção a preferir criar meninas a meninos. “Essa
dos expostos matriculados nos períodos de 1770-1849, como aconteceu com as crianças
batizadas no mesmo período. Contudo, notamos que o número de entrada das crianças
nas matrículas foi um pouco maior do que o número de crianças batizadas pela Matriz
matrícula por décadas não correspondiam aos números de batismo por décadas
semelhantes. Esse fato ocorria porque, inúmeras vezes, a criança era batizada em outra
freguesia e entregue à Câmara de Vila Rica para custear a criação. Caso, por exemplo,
Reverendo, da dita freguesia, e dada a Gabriel da Silva que deu entrada na Câmara
257
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 55
126
10/05/1775”258; “Vicente, exposto em Congonhas do Campo, foi batizado pelo
Reverendo, na mesma freguesia, e dado a Catarina Nunes de Almeida que deu entrada
pelo dito Reverendo da freguesia, e dada a Francisca Maria (...) Maria de Moura, em
26/08/1790”262.
amamentação dos enjeitados, suspeita-se que a maioria dos abandonados era tomado
ainda recém-nascido. Entretanto, embora nos falte ainda informações precisas sobre
258
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 88 (1751-1784) Matriculado 10/05/1775.
259
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 88 (1751-1784) Matriculado 09/09/1775.
260
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 88 (1751-1784) Matriculado 17/05/1775.
261
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111 (1781-1790 ) Matriculado 04/06/1785.
262
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111 (1781-1790 ) Matriculado 26/08/1790.
127
essa questão, sabemos que alguns criadores pediram ao Concelho que pagasse pela ama-
enjeitada Maria Madalena (...)”263. Assim, tivemos conhecimento que, por meio das leis
do Reino e pelo dogmas da Igreja Católica, os indivíduos de zero a sete anos de idade
criador que o adotasse até que completasse 20 anos de idade, diferentemente das
crianças livres que recebiam a sua independência familiar com 25 anos de idade.
Vale ressaltar que, a cor dos expostos raramente era descrita na lista de matrícula
ou na ata do batismo. Esse fato ocorreu, eventualmente, depois do Alvará de 1775, que
são as referências encontradas sobre a cor dos enjeitados entre 1775 a 1849. “Josefa,
de Barros. Padrinhos – casados, mas não entre si. Batizado no domingo, 24 de maio de
1795”267; “Maria, branca, exposta em casa de Rita Barreta moradora do Morro de São
Faria Moço. Padrinho casado com madrinha, ambos pardos. Batizado na segunda-feira,
263
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27 Pagamentos aos criadores de Enjeitados
264
Banco de dados..., Batizada em 03 de março de 1770, Id. 4788
265
Banco de dados..., Batizada em 22 de setembro de 1779, Id. 5641
266
Banco de dados..., Batizada em 29 de setembro de 1784, Id. 6161
267
Banco de dados..., Batizada em 24 de maio de 1795, Id. 10864
268
Banco de dados..., Batizada em 21 de junho de 1799, Id. 8124
128
1 de dezembro de 1800”269; Emilia, branca, exposta a Valentim Garcia Monteiro, "dia
nascido era comum em todo Reino Católico. Desde que São Tomás de Aquino
estabeleceu que a criança morta sem batismo iria para um lugar chamado limbo e que
um lugar entre o céu e o inferno; era um lugar intermediário para aquelas pessoas que
morriam e que haviam cometido pecados que não fossem tão graves. Passariam nesse
lugar um tempo até alcançarem a purificação da alma e, após alcançarem-na, iriam para
o céu. Já o limbo era um lugar nebuloso, ocupado por pagãos e inocentes que não
fossem batizados. Mesmo não tendo cometido nenhum pecado, esses últimos não
O batismo servia, então, na visão cristã da época, para garantir que as crianças,
caso viessem a falecer, fossem direto para o céu, na forma de anjinhos. Nisso se resumia
a grande preocupação das entidades cristãs: a vida espiritual da criança; uma vez
269
Banco de dados..., Batizada em 01 de dezembro de 1800, Id. 12160
270
Banco de dados..., Batizada em 19 de maio de 1822, Id. 1630
271
Banco de dados..., Batizada em 28 de maio de 1838, Id. 6368
272
Banco de dados..., Batizada em 20 de julho de 1844, Id. 2351
273
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 46
129
batizada, o que ocorreria depois não importava. Por isso, desde o final do século XV até
XIX, o funeral de uma criança morta era celebrado com festa, pois havia mais um
anjinho no céu.
Os pais, que amam os filhos com amor bem ordenado, mais razão têm
de se lembrar da vida eterna dos filhos, que de se entristecerem pela
morte temporal [...] E na verdade razão tem de se alegrar o pai na
morte do inocente, por ter no Céu mais uma estrela, no jardim da
Glória mais uma flor; entre os Espíritos Celestiais um Anjinho, e entre
.
os Santos da Glória um filho274
A mentalidade da época também colaborou para que o batismo fosse feito com
intuito de proteger os bebês das bruxas, que se encontravam na busca de crianças para
Deste modo, assim que a criança era colocada na Roda dos hospitais, ela era
batizada, sendo este um dos desígnios primordiais da Igreja Católica – não deixar os
expostos. Em uma visão global, podemos dizer que o dispositivo da Roda dos Expostos
Embora Vila Rica tenha ficado desprovida do mecanismo da Roda dos Expostos,
assistenciais. Assim, para que eles pudessem matricular a criança no auxílio camarário
274
GUSMÃO, Alexandre de. Arte de criar bem os filhos na idade da puerícia. Lisboa: Typ. do Colégio,
1685. Ver também LE GOFF, Jacques. "Os limbos". Signum, Revista da ABREM, São Paulo, 2003 n. 5,
p. 253-289, 2003.
275
GUSMÃO, Alexandre de . Arte de criar bem os filhos na idade da puerícia. Lisboa: s.n., 1685, p.170.
130
teriam que trazer a cópia da certidão e, de posse desse documento, teriam a garantia da
pequerruchos.
Nota-se que, diferentemente dos expostos das cidades que tinham a Roda de
Expostos (uma instituição formal que estava prontamente preparada para recebê-los e
suas casas sem compromisso de criá-los, fazendo-o apenas para que as criançinhas não
perecessem nas ruas. Em alguns casos, os abandonados permaneciam nesses lares por
somente uma noite, sendo entregues à Câmara no dia seguinte, já que a maioria dos
encontrada sem batismo e em risco de vida, sem tempo para receber solenemente o
batismo na Igreja, foi instituído pela mesma, o batismo in-extremis, que poderia ser
exercido por qualquer pessoa, desde que se utilizasse adequadamente a matéria (a água
“Francisca exposta inocente que, aos dez dias deste presente mês, pelas oito horas da
noite, foi exposta em casa de Maria Rangel. No dia quinze, do corrente, foi batizada em
Santa Rosa, o qual tinha sido batizado em casa in periculo vitae pelo padre José
Fagundes Serafim"278. “Francisca foi batizada in periculo vitae pelo alferes João Pinto
276
Banco de dados..., Batizada em 15 de maio de 1777, Id. 12160
277
Banco de dados..., Batizada em 5 de janeiro de 1779, Id. 5702
278
Banco de dados..., Batizada em 22 de novembro de 1783, Id. 6086
131
Ribeiro. Celebrante pôs os Santos Óleos. Assistiram ao ato João Pinto Ribeiro e
Para as crianças que chegavam com uma certidão oficial de batismo à Câmara,
não era necessário serem novamente batizadas; porém se houvesse dúvida quanto a este
nos assentos de batismo que, em alguns escritos em que não havia sinal de que a criança
tivesse sido batizada, isso gerava dúvida no Reverendo, que as mandava ser batizadas
novamente: “Pedro inocente exposto na noite do primeiro dia do corrente mês à Porta de
Paulo Martins, pardo, forro, morador no Morro do Ouro Podre, e não trazia sinal algum
por onde constasse tivesse sido batizado"280; “Exposto Vicente, padrinho morador na
Vicente batizado "sub conditione”281; “Infante Joaquim, exposto aos nove dias do
Corrente à porta de Joanna Francisca, parda, forra, moradora nesta Vila, e não trazia
Mariana. Batizei sub conditione por duvidar do primeiro batismo em casa, que me
disseram que tinham feito no exposto João, e lhe pus os Santos óleos”283.
pessoas dos Santos Evangélicos ou dos Santos da Igreja Católica: João, José, Isaac,
Moisés, Pedro, Samuel, Maria, Francisco, Thomé. O batismo poderia ser realizado em
Esse sacramento era condição essencial para que as crianças adquirissem almas
279
Banco de dados..., Batizada em 29 de setembro de 1841, Id. 6704
280
Banco de dados..., Batizada em 19 de setembro de 1770, Id. 4839
281
Banco de dados..., Batizada em 24 de abril de 1771, Id. 4887
282
Banco de dados..., Batizada em 16 de março de 1772, Id. 4991
283
Banco de dados..., Batizada em 10 de janeiro de 1784, Id. 6102
132
3.3 Estratégias de apadrinhamento
criança no mundo cristão. Além disso, foi responsável pela criação de um importante
Cabia aos padrinhos, que eram escolhidos pelos pais, a função de guiarem as crianças
Entretanto, o compromisso assumido pelos padrinhos para com seu afilhado não
padrinho bem escolhido pelos pais, situado socialmente num patamar elevado e que
raros foram os donos de cativos que os apadrinhavam. Esse fato ocorria porque os frutos
livres em São João Del Rei, nos séculos XVIII e XIX, percebeu que os padrinhos
133
superior a de suas mães, sendo raros os filhos de mães livres que tiveram padrinhos
compadrios; mães escravas tiveram menos filhos apadrinhados por pessoas livres,
Concílio Tridentino, a Igreja, os pais ou a pessoa responsável pela criança nas escolhas
A análise feita sobre as atas dos batismos dos expostos, de Vila Rica da Matriz
do Pilar, totalizou 566 batismos. Desse total, 67% dos expostos tiveram padrinho e
madrinha, 30% tiveram somente padrinho, 0,7% tiveram apenas madrinha e 3% não
Algumas crianças receberam os nomes dos padrinhos. Dessas, 14,8%, por serem
madrinhas. Padrinho Francisco que, junto com a madrinha Anna Izabel Cândida de
284
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Livro Primeiro, titulo X.
134
Freitas, batizaram a exposta Francisca285. Padrinho Alberto Vieira Rijo que, juntamente
batizaram a exposta Jacinta287. Madrinha Mariana Aires da Crus que, junto com o
Marianno288.
Uns dos expostos tiveram como madrinha algumas Santas da Igreja Católica. A
mãe ou a pessoa responsável que abandonou a exposta Francisca pediu, por meio de um
bilhetinho, que os padrinhos fossem o Reverendo Doutor José Alves de Souza e a Nossa
Senhora da Piedade. Francisca "Exposta à porta de Jerônimo de Souza Lobo Lisboa (...)
com uma cédula, que dizia fossem padrinhos o Reverendo Doutor José Alves de Souza,
e Nossa Senhora da Piedade"289. A exposta Quitéria teve como madrinha Santa Quitéria
e padrinho Domingos José Ferreira290. Esses fatos nos levam a pensar que era a mãe
quem pedia para que a Santa fosse madrinha de seu filho para garantir-lhe um destino
mais zeloso.
uma cédula em que não havia outro esclarecimento, salvo o de pedir que ele, Antônio
não trazia nenhuma denominação antes do nome. Mas há alguns casos em que os
padrinhos indicavam, por meio do próprio nome, seu status socioeconômico. Maria,
285
Banco de dados..., Batizada em 24 de novembro de 1788, Id. 6880
286
Banco de dados..., Batizada em 02 de maio de 1794, Id. 7828
287
Banco de dados..., Batizada em 18 de agosto de 1776, Id. 5296
288
Banco de dados..., Batizada em 15 de novembro de 1801, Id. 8339
289
Banco de dados..., Batizada em 03 de abril de 1773, Id. 5098
290
Banco de dados..., Batizada em 05 de abril de 1802, Id. 12110
291
Banco de dados..., Batizada em 19 de fevereiro de 1846, Id. 7080
135
exposta, batizada na Matriz do Pilar, teve como padrinho o Capitão Domingos
Pilar, teve como padrinho o Capitão José Veloso do Carmo293. Felipe, exposto, batizado
Freitas Braga294.
em seu lugar um segundo padrinho; Esse fato representou 0,7% das ocorrências. Nesse
caso, o segundo padrinho não se retratava como procurador de nenhuma criadora, como
era mais usual. Aconteceu com a madrinha da exposta Mariana, quando pediu ao seu
Antônio Ramos dos Reis, batizada sub conditione. Nesse caso, a madrinha era mulher
do padrinho e nomeou como seu procurador Luis Antônio de Távora, por não poder
deixa bem claro que não admitia juntamente dois padrinhos. O exposto Cipriano,
padrinhos foram batizados em perigo de vida. Esse fato deve ter ocorrido porque muitos
Cecília, exposta em casa de Anna Pereira Pinta, batizada em casa, em perigo de vida,
292
Banco de dados..., Batizada em 16 de julho de 1778, Id. 5474
293
Banco de dados..., Batizada em 29 de novembro de 1779, Id. 5694
294
Banco de dados..., Batizada em 03 de agosto de 1785, Id. 6354
295
Banco de dados..., Batizada em 26 de setembro de 1774, Id. 5220
296
Banco de dados..., Batizada em 18 de janeiro de 1786, Id. 6492
136
pelo Reverendo Nicolau Pimenta da Costa, não constando nenhum padrinho e nem
madrinha.
padrinhos livres e 64,1% de madrinhas livres. Alguns deles, como vimos acima,
batizavam as crianças sem acompanhantes; 5,1% dos padrinhos e 33,7% das madrinhas.
de madrinha escrava.
Espírito Santo, "parda", batizaram a exposta Maria297. Padrinho, forro, João Barbosa,
Padrinho livre, Bernardino José de Sina, e madrinha escrava, Anna, batizaram o exposto
estar associado a vários fatores como, por exemplo, a caridade ou porque as crianças
foram abandonadas na casa desses padrinhos e alguns deles, não podendo criá-las,
tornaram-se seus padrinhos. Poderiam também ser seus próprios filhos, filhos de
Arcebispado da Bahia que proibia cônegos, frades, freiras ou qualquer outro religioso
professo de religião aprovada de serem padrinhos. O padre Manoel Moreira Duarte foi
padrinho de 15 expostos, sendo que desse total, seis ele apadrinhou sozinho, sem
297
Banco de dados..., Batizada em 24 de maio de 1785, Id. 6250
298
Banco de dados..., Batizada em 19 de maio de 1804, Id. 1472
299
Banco de dados..., Batizada em 22 de setembro de 1779, Id. 5641
300
Banco de dados..., Batizada em 25 de março de 1789, Id. 6919
137
madrinha. O padre Joaquim Roberto da Silva apadrinhou oito crianças; dessas, três ele
apadrinhou sozinho, sem madrinha, e uma delas era criada pelo procurador da Câmara.
O Sargento-mor foi padrinho de cinco expostos, sendo que dois deles foram
abandonados em sua casa. Um desses dois ele apadrinhou sozinho, sem madrinha, e o
outro ele apadrinhou juntamente com Catarina Dias Ramos. Os outros quatros foram
abandonados na casa de Catarina Dias Ramos, sendo que três deles, ele apadrinhou
juntamente com Catarina Dias Ramos e somente um ele apadrinhou juntamente com
Ramos trocavam de função um com o outro. Ora ele recebia o exposto e o batizava
juntamente com ela, ora ela recebia o exposto e o batizava juntamente com ele.
Ana Maria de Queiros Coimbra, casada, foi madrinha de sete crianças, sendo
que duas delas foram enjeitadas à porta de sua casa. Ela nomeou seu marido como seu
procurador para que pudesse batizar uma dessas crianças. “Anna, exposta em casa de
Ana Maria de Faria, solteira, parda, forra, foi madrinha de seis crianças, sendo que três
301
138
Narciso Livre 4 Anna Casada Livre 7
Antônio Maria de
Queiros
Coimbra
Domingos Livre 4
de
Amorim
Lima
Manoel Livre 4
Antônio
de
Carvalho
Manoel Sargento- Livre 5
Pinto mor
Lopes
Luis Reverendo Livre 6
Caetano
de
Oliveira
Lobo
Antônio Doutor Livre 6
Correa Reverendo
Mayrinck
José de Padre Livre 6
Freitas
Souza
Joaquim Padre Livre 8
Roberto
da Silva
José Padre Livre 12
Carneiro
de Moraes
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG).
139
Capítulo - 4 Destinos prováveis
recebiam grande atenção destas congregações. Muita energia era empregada com o
intuito de oferecer a eles enterros vistosos e bem planejados, além de missas e orações.
seus testamentos, a exigência de serem realizadas missas por suas almas, além de
vezes esses valores eram superiores aos valores destinados aos cuidados para com os
pobres e doentes.
muita sofisticação. Esse fato estava diretamente ligado à mentalidade daquele período,
baseada nos sermões dos pregadores. Estes proferiam que, vindo a criança a falecer
após o batismo, sua alma estaria livre do período que teriam de passar no Limbo, indo
diretamente para o céu. Essa situação era vista com conformismo pelos familiares e se
tornava um motivo de alegria e orgulho, explicitando-o por meio dos bonitos enterros
adjetivo “anjinho”. De acordo com Renato Venâncio, a própria palavra anjinho tornou-
óbitos.
Aos oito dias do mês de julho de mil setecentos e setenta e oito anos,
faleceu um anjinho filho de José Machado de idade de nove meses.
140
Foi seu corpo amortalhado em pano branco, recomendado com
assistência da Cruz da Fábrica e sepultado nessa Igreja Matriz302.
dores familiares pelas perdas, conforme dito anteriormente. As famílias que não
encarassem esse fato de forma amenizada, estariam demonstrando sua falta de fé,
peças de alegria e ofereciam comida e bebida. O cortejo fúnebre era acompanhado por
espantavam com as atitudes dos pais diante da morte do filho, como observado por John
Luccok:
Em uma dessas ocasiões foi ouvida uma mãe que assim se exprimia:
“ó como estou feliz! Ó como estou feliz, pois que morreu o último dos
meus filhos! Que feliz que estou! Quando eu morrer e chegar diante
dos portões do céu, nada me impedirá de entrar, pois que ali estarão 5
criancinhas a me rodear e a puxar-me pela saia e exclamando: Entra
mamãe, entra! Ó que feliz que sou!” Repetiu ainda, rindo a grande304.
302
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 102
303
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 123.
304
LUCCOK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1975. Citado por COSTA, J. F. Ordem Médica e norma familiar. Rio de Janeiro:Graal,
1989.
141
garantir a salvação das almas dos pequenos também não fazia distinção às condições
econômicas de seus pais ou criadores, fato evidenciado pela urgência em batizar todos
aqueles que eram abandonados para que, caso falecessem, fossem direto para o céu.
social mais suscetível a morte precoce”. Maria Luíza Marcílio percebeu, por meio dos
registros de óbitos das Casas das Rodas, que nem mesmo os filhos de escravos
confirma essa informação, embora o pesquisador observe que em Vila Rica revelou o
dos filhos de escravos. Ainda, de acordo com o autor, esse fato pode ter ocorrido
porque, nem sempre havia a possibilidade das criadeiras, ou até mesmo dos párocos, de
de Vila Rica. Poucos foram os documentos que notificaram os óbitos dos inocentes,
sendo que havia anos seguidos de outros anos em que nenhum registro de óbitos de
Renato Franco, no período de 1760 a 1800, foram notificado somente 11,9 % (59 óbitos
qualidade dos registros no recorte de 1763-1769, havia pelo menos uma morte de
enjeitado em cada ano, elevando a taxa de mortalidade para 62,9 % (22 óbitos e 35
nascimentos). Para ele, é possível que, entre os anos de 1760 e 1800, as notificações de
305
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p. 198-201
306
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 112
142
óbitos sofreram algum sub-registro, até então desconhecido, “pois há anos em que
documentos relativos ao período do nosso estudo, que se situa entre 1770 e 1850.
registros com os 566 batismos de expostos da mesma Igreja, percebemos que o índice
acreditar que muitos óbitos não foram registrados. Não sabemos exatamente quais
motivos levaram a esse anonimato, podendo ser: párocos e criadores que deixavam de
fazer o registro de óbitos, assim como crianças que foram enterradas em quintais das
casas dos criadores ou em terreno baldio, também havia a possibilidade dos criadores
gestacional. Algumas mães podem ter feito tentativas mal sucedidas de aborto, podem
ter utilizado roupas apertadas que comprimiam ou escondiam a barriga e, o parto, pode
a criança teria que resistir às intimidações do tempo, como chuva, frio e calor, e às
ameaças de animais famintos. Caso a criança fosse encontrada com vida, passaria por
307
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 166
308
Banco de dados de batismo e óbitos de expostos, referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa
Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG)
309
COSTA, Iraci Del Nero. Vila Rica: população (1719-1826)...p. 86.
143
mais testes de resistência: a aceitação, por parte do acolhedor, para recebê-la por pelo
menos uma noite aos seus cuidados, até ser transferida para outro domicílio.
Por exemplo, na Roda dos Expostos da Santa Casa de Salvador, desde meados do
século XVIII até final do XIX, a mortalidade infantil sempre foi elevada. Essa situação
exposto; caso não fosse possível a elas sustentarem todos os expostos, utilizavam-se do
não havia controle sobre esse aspecto. 3) Algumas crianças eram colocadas em
Em Vila Rica, de acordo com Iraci Del Nero da Costa, as causas da morte das
levaram à morte dessas crianças: febre maligna, ataque do peito, moléstia interna, fluxo
repente311.
310
COSTA, Iraci Del Nero. Vila Rica: população (1719-1826)...p. 92.
311
ARAÚJO, Cíntia Ferreira. A Caminho do Céu: a infância desvalida em Mariana (1800-1850). Mestrado
da UEP, campos Franca, 2005, p. 113-118.
144
Dos documentos de óbitos de expostos da Nossa Senhora do Pilar, somente
crianças chegaram a falecer. De acordo com o quadro 9, percebemos que a maioria das
crianças morreu antes mesmo de completarem alguns meses de vida. Outras, ao que
tudo indica, morreram entre um e dois anos de idade. Como também demonstra o
mesmo quadro, ocorreram 38 óbitos de expostos adultos, porém em somente nove deles
Fonte: : Banco de dados referente os óbitos da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq,
FAPEMIG)
mortalidade dos expostos e as causas que os levaram a falecer, notamos que estas
índice de mortalidade dos primeiros anos de vida e cujos pais nunca mais cuidaram de
sua existência ou que nem sequer puderam permanecer com suas respectivas amas-de-
leite – poucas foram as saídas que se apresentaram em suas vidas, além da morte e da
rua.
145
Para essas crianças as Ordenações do Reino sancionaram uma lei que, assim que
um exposto completasse sete anos de idade e esse não tivesse criado laços de
estabilidade com a família que o criou, era dever dos Juízes de Órfãos se responsabilizar
pelo destino da criança. O Alvará Pombalino, de 1775, confirmou tal decreto das
Ordenações e acrescentou mais deveres aos Juízes de Órfãos. De acordo com o Alvará,
no artigo 8º, Pombal ordenou aos Juízes de Órfãos que, além deles encontrarem uma
família para as crianças órfãs, expostas e desamparadas312, eles deveriam também torná-
las pessoas ocupadas e não ociosas. Em outras palavras, ingressá-las em algum ofício.
Venâncio, a falta de estudos das associações filantrópicas privadas frente aos expostos,
312
PINTO, Antonio J.G. Compilação das providências qua a bem da criação e educação dos Expostos ou
Enjeitados se tem publicado e acham espalhados em diferentes artigos da legislação pátria, e que
acrescem outras. Lisboa: Imprensa Régia, 1820. p.46.
146
Para o historiador Ronaldo Pereira de Jesus, que trabalhou com algumas das
associações mutualistas brasileiras, percebeu que elas eram bem diferenciadas - em sua
longo das décadas de 1930 e 1940. Muitas delas tinham como objetivo a dedicação para
das luzes que se redesenhava uma nova concepção nas relações entre as elites e os
mentalidade assistencial. As autoridades as viam como seres úteis ao Reino. Por isso,
313
JESUS, Ronaldo Pereira de. Mutualismo e Desenvolvimento econômico no Brasil do século XIX.
Revista OIDLES – Vol 1 Nº 1 (septiembre 2007).
314
Com a participação da filantropia privada. Pessoas que estavam dispostas auxiliar essa nova assistência
filantrópica.
315
Nesse período final de do XVIII e no decorrer do XIX as crianças expostas como as órfãs pobres eram
misturadas a outras categorias de crianças desvalida ou desamparada.
147
neste momento, em que notamos que houve uma proliferação das Rodas dos Expostos,
Portugal, a proliferação da Roda também foi registrada, tendo apoio de D. Maria I, que
Expostos.
que vagavam pelas ruas. Uma das soluções para esse problema foi a criação de
das crianças órfãs, exposta e desamparada em algum ofício. Nesse contexto, não
podemos esquecer que esse mesmo Alvará deixava bem claro que todas as crianças
deveriam ser educados com intuito de torná-los “membros úteis da sociedade”, uma vez
meninas expostas, que, após completarem sete anos, não fossem acolhidas pela família
que as criaram, eram enviadas aos Recolhimentos. Tal estabelecimento já tinha a função
316
PINTO, Antônio Joaquim de Gouveia. Compilação das providencias que a bem da criação e educação
dos expostos..., p. 03-04.
148
de recolher moças órfãs, expostas e mulheres pobres, para educá-las e prepará-las para
estivesse ameaçada pela perda do pai, da mãe ou de ambos. Eram aceitas como
final do século XVIII. As autoridades viram nessa instituição uma forma de preparar
essas meninas para vida familiar ou para o trabalho doméstico. Assim, em vez delas
vagarem pelas ruas das cidades, elas passaram a morar no Recolhimento e a receberem
costuras. Em outras palavras, aprendiam a ser uma boa esposa, algumas recebiam da
melhorando as antigas. Surgiram, desse modo, no século XIX, os Asilos de Órfãs, como
317
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p. 164
318
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos..., p. 263
319
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos..., p. 263.
149
dona de casa, além de acompanharem aula de música e de doutrinas cristãs. Tudo isso
perspectiva.
Lisboa, criada em 1780, pelo Intendente Geral de Polícia Diogo Ignácio de Pina
Manique, que esteve presente na administração dessa instituição até momentos do seu
falecimento, em 1805. Os Colégios Pios eram guiados pelos princípios dos ideais
iluministas, que tinham como objetivo a recuperação das pessoas ociosas, marginais,
150
engrandecimento de Portugal. Para tanto, foram criadas oficinas de tecelagem de
lonas, brins, cabos de laborar, tecidos de algodão e seda, meias, panos de linho e
Brasil, foi à Casa Pia e Seminário de São Joaquim da cidade de Salvador. Ele foi
proposto em fins do século XVIII, como instituição criada para “cuidar da sustentação e
com profissões honestas venham depois a ser úteis a si e à nação, que muito lucra com
situação dos meninos que viviam soltos pelas ruas. Deste modo, obteve da Rainha D.
Maria I, no ano de 1799, autorização para reunir recursos e construir a Casa Pia de
passou-se a administração da Casa Pia para o governo da província, que viu nessa
o orfanato recebeu o nome definitivo: Casa Pia e o Colégio de Órfãos de São Joaquim.
instituição.
320
RODRIGUES, Neuma Brilhante. Para a utilidade do Estado e “Glória à Nação”: A Real Casa Pia de
Lisboa nos Tempos de Pina Manique (1780-1805). Ver. Territórios e Fronteiras V. 1 N. 2 – Jul/Dez 2008,
27-28.
321
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831. P, 61
http://www2.camara.gov.br/legislacao/index.html (acesso: 25 de junho de 2011). Ver também em:
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada...
322
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 180-181
151
Art. 1º O Seminário de s. Joaquim é um estabelecimento de caridade
pública, destinado a recolher os meninos orphãos pobres e desvalidos,
a fim de serem nelle educados convenientemente, e habilitados ao
exercício de misteres honestos e proveitos. Art. 2º este
estabelecimento fica debaixo da immediata protecção do Governo,
que solicito promoverá sempre seu melhoramento grandeza.323
Esse último regimento seguia a mesma perspectiva das Casas Pias de Portugal,
serem aceitos na instituição, deveriam ter entre sete anos e nove anos, e só poderiam
ficar no seminário por um período de seis anos. Eles deveriam deixar o estabelecimento
primeiras letras, depois seriam orientados para o ensino de ofícios mecânicos em casa
de mestres artesãos324.
Seminário de Santo Antônio que, entre 1751 e 1850, acolheu 117 educandos, sendo
No entanto, na mesma cidade, também teve a Casa Pia de São Joaquim, ao que
tudo indica, também foi criada em 1818, e teve o regimento alterado no ano de 1831. As
verbas conseguidas para manter esse estabelecimento decorriam dos bons desejos dos
será aumentado o dito número na proporção acima estabelecida, e então por editais se
onze anos; antes ou depois destes limites lhe será vedado o recebimento: outrossim
323
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831, p. 62
324
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831, p. 62
152
nenhum nele se demorará por mais de seis anos. As aulas ministradas eram de:
manejo das Guardas Nacionais e nas oficinas de artigos aprenderão a ser torneiro,
precisões, e estão de civilização do país; que ali se possa estabelecer por ajuste da
Em São Paulo, devido a Roda dos Expostos ter sido criada no século XIX, fez
com que as autoridades se preocupassem com o destino dos meninos após término da
criação, nos domicílios. Nesse intuito, em 1824, foram criados o seminário da Glória,
Nesse mesmo período de assistência filantrópica, além das Casas Pias e Colégios
I notificou ser oportuno oferecer aos meninos órfãos e expostos aprendizagem nas
desgraçado em que se acham em geral órfãos pobres e miseráveis maiores de sete anos,
que, pelo abandono em que vive nas ruas, nenhum bem podem oferecer à sociedade”.
325
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831..., p. 62- 64.
326
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 183.
153
Assim, ordenou-se aos Juízes de Órfãos que encaminhassem os meninos desocupados
de pais pobres. A idade mínima estabelecida para admissão da primeira Companhia era
de oito a doze anos, sendo que até os catorze anos nada receberiam por seu trabalho,
eram considerados aprendizes. E a idade mínima permitida pela segunda Companhia era
disciplina e pedagogia militares. Com horários para estudos de letras, aulas de músicas,
cristãs. Eram a eles aplicados castigos correcionais caso não praticassem tais funções328.
Goiana) Ladário, (Rio de Janeiro) Rio de Janeiro, (Rio Grande do Sul) Porto Alegre,
327
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 184-190
328
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os aprendizes da guerra. In: PRIORE, Mary (org.). Historia das crianças
no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
154
Quadro – 11 Estabelecimentos de Companhia de Aprendizes de Marinheiros
Cidade Ano de Fundação
Rio de Janeiro 1833
Bahia 1840/1855
Belém do Pará 1855
Maranhão 1855/1859
Santa Catarina 1862
Recife 1886
São Luis ?
Pará ?
Teresina ?
Fortaleza ?
Paraíba ?
Salvador ?
Paranaguá ?
Desterro ?
Porto Alegre ?
Rio Grande do Sul ?
Ladário (Goias) ?
Fonte: VENÂNCIO, Renato Pinto. Os aprendizes da guerra. In: PRIORE, Mary (org.). Historia das
crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança
Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.
órfão e carente como menor delinqüente e infrator. De acordo com Fernando Londonõ,
vadiagem era caso de polícia para os juristas329. Nessa fase, a medicina, os juristas e o
caritativos, com uso de técnicas cientificas. Assim, a caridade passava a ser vista como
329
LONDONÕ, Fernando Torres. Origem do Conceito Menor. In: PRIORE, Mary (org.). Historia das
crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
330
Juristas e médicos criaram um projeto de prisão modelo para os menores carentes ou infratores. Esse
projeto baseava-se nos valores e as normas cientificas proposta pela assistência filantrópica, que segundo
essa assistência os meios fundamentais de recuperação dos menores eram a educação, o trabalho e a
disciplina.
155
entendimento de assistência. Não mais a esmola que humilha, mas a reintegração social,
recurso racional e técnico para atender à questão social do menor desamparado. Tendo
como objetivos educar, formar, proteger e corrigir menores abandonados. Assim, novos
de tais instituições visava a preparação dos meninos para o mundo do trabalho agrícola,
Fortaleza, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. No entanto, a maioria delas, tiveram os
331
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 214.
156
Fazenda de Santa Mônica
São Paulo 1902 Instituto Modelo ou Instituto
Disciplinar – Industrial e
Agrícola
Belo Horizonte 1909 Instituto João Pinheiro –
Colônia Agrícola
Fonte: MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.
presidente da província Antônio da Costa Pinto ordenou que, nas cidades do Estado,
onde não houvesse a Roda dos Expostos, era obrigação das Câmaras Municipais
custearem e cuidarem da criação dos Expostos. Deste modo, várias Câmaras de Minas
Preto, Mariana, São José Del Rei, Barbacena, Lavras, Pouso Alegre, Itabira, Rio Pardo,
Alguns relatórios dos presidentes das províncias nos demonstra que algumas
crianças maiores de sete anos de idade. São João del Rei, além de ser a primeira cidade
de Minas que aparelhou a Santa Casa de Misericórdia com a Roda dos Expostos, foi
também uma das primeiras cidades a criar um Recolhimento para moças. O intuito desse
estabelecimento era educar e ensinar as moças alguns ofícios e oferecer a elas dotes para
se casarem. A Santa Casa de Misericórdia de São João del Rei aparece descrita no
157
do dito mês de 1858 na quantia de 10:976$186, e a despesa em 9:419$216. Houve um
saldo de 1:556$970”332.
No entanto, a instituição não contou com administradores para dirigi-la e nem recursos
Conseqüentemente, não encontramos nenhum relato documental que comprove que nela
que teriam como função proporcionar a educação para meninos e meninas - expostos,
Mariana, que incentivou a vinda de Paris de doze filhas da caridade para instruir as
332
Relatório de Presidente de Província de Minas Gerais, (ano de 1859) apresentado pelo presidente
Joaquim Delfino Ribeiro da Luz. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u257/000053.html (acesso: 01 de julho de
2011).
333
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1854) apresentado pelo presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/458/000009.html (acesso: 01 de
julho de 2011).
158
para d’ali se disseminarem oportunamente pela província e sendo
acima de toda a expressão os benefícios que estes veneráveis anjos da
terra prestam à humanidade enferma, à moral pública e a religião,
julgo do meu imperioso dever mui particularmente recomendá-las334.
dos expostos desde bebês336. Portanto, o que sabemos dessas instituições é que o
334
Relatório de Presidente de Província de Minas Gerais, (ano de 1850) apresentado pelo presidente
Alexandre Joaquim de Siqueira. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000018.html (acesso: 01 de julho de
2011).
335
Relatório de Presidente de Província de Minas Gerais, (ano de 1850) apresentado pelo presidente
Alexandre Joaquim de Siqueira. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000018.html (acesso: 01 de julho de
2011).
336
ARAÚJO, Cíntia Ferreira. A Caminho do Céu..., p. 84.
159
tem faltado a estes infelizes para se restabelecerem dos incômodos
corporais e espirituais. A par da saúde do corpo não se esquecem as
irmãs da caridade da saúde do espírito dos que estão confiados aos
seus cuidados. Convém que tão interessante asilo seja auxiliado a fim
de que não definhe por falta de recursos337.
Misericórdia, em 1738, essa instituição sempre esteve prejudicada, pois, além de poucos
recursos financeiros destinada a ela, pouca também era a atenção desempenhada pelos
que ainda apresentava muitas dificuldades. “(...) constantemente luta a Santa Casa de
Misericórdia desta Capital. Seus fundos, uns por sua fraqueza, outro por improdutivos,
não dão suficiente renda para fazer face as variadas incumbências do compromisso,
Deste modo, em Ouro Preto, os cuidados com os expostos, até os sete anos de
337
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1854) apresentado pelo presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/458/000009.html (acesso: 01 de
julho de 2011).
338
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1854) apresentado pelo presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. . http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/458/000009.html (acesso: 01 de
julho de 2011).
160
dezembro
de 1832
10,200
Maria Joana Em 21 de Em 30 de A 21 do EM 1833 Apresentada Com pouca
Maria e Julho de Julho na mês janeiro em 21 de nutrição e
moradora 1832 Matriz de vencido diário nº dezembro doente. O
do Sal Sal de fim de 10 a de 1832 médico
dezembro quantia de prescreveu a
de 1832 5,300 Anna dieta
6,300
Fonte: APM, CMOP 3/4 caixa 08 folha 17
339
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1837) apresentado pelo presidente
Antônio da Costa Pinto. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/440/000027.html (acesso: 01 de julho de 2011).
161
Assim, para solucionar o problema da qualidade dos trabalhadores da
que seria muito útil estabelecer uma “Fazenda Normal”, em Ouro Preto, que ensinasse
os meninos órfãos pobres teorias e lições de práticas sobre a indústria agrícola. Tal
infelizmente, pouco sabemos a respeito desse projeto filantrópico. Acreditamos que tal
iniciativa filantrópica, em Ouro Preto, não prosperou como aconteceu nas cidades
oficio.
340
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1837) apresentado pelo presidente
Antônio da Costa Pinto. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/440/000027.html (acesso: 01 de julho de 2011).
341
SIA-APM, Coleção de Leis Mineiras (1835-1889) Assembléia Legislativa Provincial t. 6, part. 1 p. 42-
44.
162
1831342, disponíveis e organizadas pelo CEDEPLAR, sob orientação de Clotilde
Andrade Paiva.
pensar em três hipóteses: 1º hipótese, poderia estar relacionada com a diminuição dos
expostos, que começou na década de 1810. Tendo que o abandono de crianças, a partir
com o falecimento precoce das crianças; 3º hipótese, seria inclusão desses expostos no
seio familiar; se tornando filhos dos seus criadores, e por isso, não foram descritas na
aumentar nos domicílios, o que coincidiu com a diminuição dos expostos nos auxílios
342
As listas nominativas são documentos manuscritos, elaborados por distritos pelos Juízes de paz, que
contêm a relação nominal dos habitantes com algumas características pessoais e domiciliares. A maioria
delas privilegia informações sobre dados do chefe de domicílio e sua família (nome, sexo, idade, estado
conjugal, profissão e número de filhos presença/ausência de escravos e agregados), seus agregados e os
escravos possuídos. A análise destas fontes nos possibilita identificar a população, suas características,
sexo, condição étnico-social e atividades econômicas.
163
camarario. Eni de Mesquita argumenta que, os agregados constituem uma categoria
idade de sete anos, e nem a ultrapassava. Quatro deles, como demonstra o quadro14,
tinham a mesma ocupação - o de estudante. O interessante desse caso é que três desses
em que eles se integravam, observamos que a chefe desse domicílio era D. Thereza Iria
Fideles, que tinha 45 anos e a sua ocupação era de costureira. Ela, além de ter em sua
moradia os três expostos, também registrou seis agregados e 31 escravos. Dos seis
agregados quatro terminavam com o sobrenome Figueiredo Murta (Alferes Lúcio José
Thereza Iria de Figueiredo Murta), o que nos leva a supor que D. Thereza Iria Fideles
informalmente quem sabe, como membros de sua família. Já o restante dos “agregados”
– um tinha três anos, e esse foi descrito no rol de habitante como agregado, talvez
poderia ter sido “exposto”, que foi assentado na lista como agregado e a última
agregada mais idosa era Maria de Gonçalves de Jesus, uma fiandeira de 66 anos344.
As funções das escravas foram descrita dessa forma: três costureiras, duas fiandeiras,
343
SAMARA, Eni de Mesquita. A Família e domicílio em sociedades escravistas (São Paulo no século
XIX). In: Congresso sobre a História da População na América Latina, 1989, Ouro Preto. Anais... São
Paulo: Fundação SEADE, 1990, p. 81
344
Arquivo Público Mineiro (APM). Listas nominativas, Ouro Preto – 1831. Organizadas em Banco de
Dados pelo CEDEPLAR/UFMG
164
três fiandeiras aprendiz, duas cozinheiras e duas lavadeiras. E as funções dos escravos
ainda, quatro escravos: Veríssimo, Elizeu, José e Evaristo, com as respectivas idades 6,
Iria, os outros foram descritos com a ocupação semelhante as dos escravos e semelhante
família. As suas ocupações foram descritas como de estudantes, sendo eles maiores de
sete anos de idade. Esse fato é interessante, se sugerindo que a presença de expostos em
aprenderiam algum oficio do domicílio, porém elas continuariam tendo uma posição
José Luis foi outro exposto, identificado no quadro 14, com a ocupação de
“estudante”. Ele era de uma família modesta, constituída de três membros; sendo o
Nesse caso, o que nos chamou atenção foi que a família do exposto José, mesmo
estudante, claro que tal ocupação poderia mudar com o passar dos anos, mas o menino
345
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165
principalmente aquelas que não possuíam escravos apropriavam-se dos expostos para
O exposto Manoel, lavrador, morava numa residência que era composta: pelo
chefe de domicílio, Manoel da Silva, lavrador agrícola, de 69 anos, por quatro escravos
sem ocupações declaradas, sendo as suas idades de 24, 48, 55 e 55, idade ainda em
produtividade; e ainda por 10 agregados com as idades de 2, 3, 5, 8, 14, 17, 21, 29, 29 e
35, sendo que desses, seis ocupavam a função de lavradores e os outros quatro não
tinham ocupação declarada. O caso do exposto Manoel era uma ocorrência bem típica
do que acontecia com os outros expostos maiores de sete anos de idade. Primeiro:
provavelmente esse exposto não era estudante, porque, dos quatro agregados com
era estudante. Além disso, provavelmente esses mesmos meninos foram crianças
exerceu a mesma profissão do seu criador, que era de lavrador, terceiro, sabemos que o
emprego do trabalho infantil era intenso, como esse domicílio possuía poucos escravos
representou para o chefe desse fogo uma forma de aumentar a produção, sem a
relacionamento com o seu criador era de “filho”. O criador de José Joaquim tinha dado
a ele e, ao seu único agregado, o seu mesmo nome e sobrenome – Capitão José Joaquim
Pereira. Ambos também ocupavam a mesma profissão, de feitor. Assim, além de seu
criador ser capitão, ele tinha 60 anos de idade, era casado com D. Ana Rosa, que tinha
346
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166
58 anos de idade, possuía 32 escravos e era proprietário de fazenda, estabelecimento
próspero de agropecuária. Por isso, acreditamos que o capitão, por não ter tido filhos e
e 51% de escravos. Sua criadora foi D. Maria Úrsula da Silva, que tinha 81 anos de
profissão que ela aprendeu com a D. Maria349. Como observamos, muitos dos expostos
acompanhavam a profissão dos seus criadores. Desse modo, o futuro reservado para
alguns deles foi a admissão no mundo do trabalho, primeiro como aprendizes, e, mais
348
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349
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167
Considerações Finais
infante desvalido. Entretanto, tais medidas nem sempre foram adotadas de forma
em prol da proteção da criança como intenções políticas para resolver graves problemas
sociais e econômicos como o desconforto causado pelos expostos nas ruas e pela falta
A sociedade de Vila Rica, como as demais sociedades das vilas mineiras, fez
demonstrou cada vez mais preparada para enfrentar as transformações que essa
sociedade lhe impunha. De acordo com Donald Ramos, nas últimas décadas do século
XVIII e inicio do século XIX, o perfil das famílias de Vila Rica muito se assemelhava
predominava nessas sociedades era formado por famílias chefiadas por mulheres, baixas
taxas de casamento, idade ao se casar mais tardia que o esperado, baixas proporções de
168
expostos.
XVIII fez com que legislação portuguesa tivesse impacto na sociedade ouropretana.
350
RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, nº 1, vol.
44, nº1, p. 132-153, jan./jun. 2008, p. 148.
169
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Caixa 159, Rolo 548; Caixa 159, Rolo 548; Caixa 159, Rolo 548os; Caixa 60, Rolo 519;
Caixa 60, Rolo 519; Caixa 82, Rolo 525; Caixa 82, Rolo 525; Caixa 32, Rolo 510;
Caixa 60, Rolo 519; Caixa 139, Rolo 542; Caixa 59, Rolo 519; Caixa 71, Rolo 522;
Caixa 130, Rolo 539; Caixa 64, Rolo 520; Caixa 27, Rolo 509; Caixa 148, Rolo 545;
Caixa 60, Rolo 519; Caixa 56, Rolo 518; Caixa 30, Rolo 510; Caixa 132, Rolo 540;
Caixa 140, Rolo 542; Caixa 140, Rolo 542; Caixa 141, Rolo 542; Caixa 57, Rolo 518;
Caixa 72, Rolo 522; Caixa 36, Rolo 511; Caixa 36, Rolo 511; Caixa 140, Rolo 542;
Caixa 130, Rolo 539; Caixa 129, Rolo 539; Caixa129, Rolo 539; Caixa 136, Rolo 541;
Caixa 149, Rolo 545; Caixa 159, Rolo 548; Caixa 27, Rolo 509; Caixa 60, Rolo 519;
Caixa 32 Rolo 510; Caixa 57, Rolo 518; Caixa 141, Rolo 542; Caixa 129, Rolo 539;
Caixa 130, Rolo 539.
01 (02), 01(11), 01(27), 02(10), 02(21), 02(25), 03(03), 03(40), 03(42), 03(43), 03(44),
03(51), 03(52), 04(04), 04(07), 04(12), 04(15), 04(27), 04 (28), 05(06), 05(14), 05(15),
05(34), 05(35), 06(02), 06(08), 06(09), 06(14), 06(15), 07(01), 07(05), 07(06), 07 (18),
07(23), 07(24), 07(27), 07(28), 07(29), 07(30), 07 (33), 8(10), 08 (01), 08(15), 08(19).
Cód. 102, rolo 40, flash 01; Cód. 106, rolo 41, flash 01; Cód. 110, rolo 42,
flash 01; Cód 132, rolo 49, flash 01; Cód 154, rolo 51, flash 01; Cód 219,
rolo 54-55, flash 01; Cód 228, rolo 55, flash 01; Cód 259, rolo 60-61, flash
01; Cód 324, rolo 66, flash 01e Cód 438, rolo 70, flash 01.
170
APM, Cód 77 edital de 10/03/1763; APM, Cód 22, correição 14/12/1756.
Banco de dados:
Referente às atas batismais e óbitos da Igreja de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto,
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AHU – Cx.: 81, Doc.: 20; AHU – Cx.: 88, Doc.: 47; AHU – Cx.: 103, Doc.: 47;
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171
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