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A CRIAÇÃO DE ENJEITADOS EM VILA RICA:
A PERMANÊNCIA DA CARIDADE
(1775-1850)

Belo Horizonte, Setembro de 2011


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A CRIAÇÃO DE ENJEITADOS EM VILA RICA:


A PERMANÊNCIA DA CARIDADE
(1775-1850)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Faculdade do Instituto de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal de Ouro Preto, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em História.

Linha de pesquisa: História da Sociedade, poder e


região

Orientador: Prof. Dr. Renato Pinto Venâncio

Belo Horizonte, Setembro de 2011


F383c Ferreira, Luciana Viana.
A criação de enjeitados em Vila Rica [manuscrito] : a permanência da
caridade (1775-1850) / Luciana Viana Ferreira. - 2011.
179f.: il.; grafs.; tabs.; mapas.

Orientador: Prof. Dr. Renato Pinto Venâncio.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto


de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de
Pós-Graduação em História.

Área de concentração: Poder e Linguagens.

1. Crianças - Teses. 2. Política social - Teses. 3. Caridade - Teses.


4. Filantropia - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título.

Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br



Luciana Viana Ferreira

A Criação de Enjeitados em Vila Rica:


A Permanência da Caridade (1175-1850)


Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da UFOP, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.

Prof. Dr. Renato Pinto Venâncio (Orientador)


Departamento de História, UFOP / Departamento de Ciências da Informação UFMG

Prof. Dr. Ronaldo Pereira de Jesus


Departamento de História, UFOP

Prof. Dr. Silvia Maria Jardim Brügger


Departamento de História, UFSJ




















Dedico este trabalho aos


meus pais,
José Antônio e Elizabeth
Agradecimentos

A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração de muitas

pessoas. Por isso, quero agradecê-las com muito respeito e carinho. Primeiramente

quero agradecer ao meu orientador Renato Pinto Venâncio pela orientação e pelo

respeito com as minhas inseguranças e demoras de analises. Ainda o agradeço pelas

leituras minuciosas, o que possibilitou ajustes no escopo textual. Agradeço ao professor

Ronaldo Pereira de Jesus e a professora Silvia Maria jardim Brügger, que deferiram

comentários muito pertinentes sobre o meu trabalho, contribuindo sobremaneira para

repensar meus objetivos. Agradeço também os professores Francisco Eduardo de

Andrade, Júnia Ferreira Furtado e Marco Antônio Silveira, professores que no decorrer

das suas disciplinas contribuíram para o enriquecimento da minha pesquisa.

A professora Adalgisa Arantes Campos sou grata por ter-me permitido com

“liberdade” pesquisar no banco de dados das atas paroquiais da Freguesia de Nossa

Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG), projeto coordenado pela

professora. Sou grata também a Denise Aparecida Souza Duarte bolsista da Adalgisa

que me ensinou a manusear as fontes com mais agilidade.

Agradeço aos funcionários do Arquivo Público Mineiro, Denis e Elma, por

tornaram as minhas tardes de pesquisas muito prazerosas.

Sou grata aos meus amigos que sempre estiveram presente nessa minha

caminhada: Ao meu amigo e professor Rodrigo Vivas Andrade que muito contribuiu

para a realização deste trabalho; Adriano Toledo Paiva que com amizade e carinho

sempre que possível norteou as minhas investidas na pesquisa; A minha querida amiga

Romilda Oliveira Alves que com muita paciência analisou comigo alguns documentos

ilegíveis. A Nicole de Oliveira Alves Damasceno com quem dividi momentos


enriquecedores sobre o tema da pesquisa e a paixão com as crianças abandonadas; As

minhas amigas Elizangela de Moura, Erlaine de Moura e Jussara Paiva que muito

colaboram para que este trabalho concretiza-se.

Agradeço a Manoela Areias Costa por ter me apresentado os encantos da cidade

de Mariana, devo a ela muitos momentos agradáveis. .

Agradeço com muito respeito e carinho ao meu companheiro Fabrício Vivas

Andrade que com paciência e zelo sempre esteve ao meu lado. Obrigada por tudo, Fá.

Sou grata ao ICAM (Instituto Cultural Amílcar Martins) pela concessão de

bolsa que muito me ajudou para realização deste trabalho.


Para estudar o passado de um povo, de uma instituição,
de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo
quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso
fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que
enchem o panorama da história e são muitas vezes mais
interessantes e mais importantes do que os outros, os
que apenas escrevem a história.

Sérgio Buarque de Holanda


Lista de Abreviatura

Arquivos:

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

APM – Arquivo Público Mineiro

CC – Casa dos Contos

CMOP – Câmara Municipal de Ouro Preto

Instituições:

CEDEPLAR/UFMG – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da


Universidade Federal de Minas Gerais

IHG- MG – Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

Gerais:

Cx. – Caixa
Cód - Códice
Doc. – Documento
Fl – folha
PP – Presidência da Província
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
SC – Seção Colonial
SP – Seção Provincial
Lista de Gráficos

Gráfico 1. Número de criadores ao longo das décadas 1770 a 1840______________26


Gráfico 2. Batismo de Expostos por décadas 1770 a 1840______________________48
Gráfico 3. Comparativo entre criança legítima, ilegítima e expostas por década 1770 a
1820________________________________________________________________ 65
Gráfico 4. Gastos com Enjeitados x Despesa x Receita – Câmara Municipal de Vila
Rica_________________________________________________________________97
Gráfico 5. Montante não pago aos criadores dos enjeitados por décadas__________105

Lista de Quadros

Quadro 1. Instalação da Roda dos Expostos no Brasil entre os períodos de 1789 –


1849________________________________________________________________ 38
Quadro 2. População de Vila Rica 1760-1820_______________________________ 64
Quadro 3. Expostos por década 1760-1830_________________________________ 64
Quadro 4. Mobilidade das crianças_______________________________________ 68
Quadro 5. Bilhetes anexados aos bebês pelos pais____________________________77
Quadro 6. Custeio da criação dos Expostos_________________________________ 94
Quadro 7. Criadores com mais de três expostos_____________________________121
Quadro 8. Padrinhos e madrinhas de mais de um exposto_____________________138
Quadro 9. Idade do falecimento das crianças expostas________________________145
Quadro 10. Instituições de Acolhimento de Meninas_________________________150
Quadro 11. Estabelecimentos de Companhia de Aprendizes de Marinheiros______ 155
Quadro 12. Instituições de Colônia Agrícola e/ou Industrial___________________156
Quadro 13. Livro de Matrícula dos Expostos da Câmara Municipal de Ouro Preto_160
Quadro 14. Condição dos Expostos maiores de 7 anos_______________________ 163

Lista de Figuras
Figura 1. Planta de Vila Rica da população de Nossa Senhora do Pilar de Vila Rica em
1798, elaborado pelo Vigário Vidal José de Sales_____________________________83
Figura 2. Folha documental da Lista de Matrícula dos expostos de Vila Rica______109

Lista de Tabelas
Tabela 1. Matriculantes Mulheres e Homens por décadas_____________________115
Tabela 2. Ocupação e Status dos Criadores________________________________117
Tabela 3. Números de Batismo de expostos por décadas de 1770-1849__________126
Tabela 4. Números de Lista de Matrículas de expostos por décadas de 1770-1849_127
Sumário
Resumo_____________________________________________________________ 12
Introdução___________________________________________________________13

Capítulo 1 Sociedade, família e política assistencial

1.1 Minas: Sociedade de Vila Rica_________________________________________18


1.2 A estrutura familiar em Vila Rica_______________________________________22
1.3 Assistências aos enjeitados - caridade e filantropia_________________________28
1.4 A assistência aos enjeitados de Vila Rica_________________________________39
1.5 Tentativas de instalação da Roda dos Expostos em Vila Rica_________________45

Capítulo 2 O Universo da Exposição de Crianças em Vila Rica

2.1 O abandono: Reflexão Historiográfica__________________________________55


2.2 Antropologia e a Circulação de Criança_________________________________66
2.3 A exposição: amor ou desamor _______________________________________75
2.4 Assistência Camarária ______________________________________________90

Capítulo 3 A criança e a família criadeira

3.1 Recebendo os Expostos ____________________________________________ 107


3.2 A relevância do Batismo ____________________________________________ 129
3.3 Estratégias de apadrinhamento________________________________________133

Capítulo 4 Destinos prováveis

4.1 A morte na puerícia ________________________________________________140


4.2 Assistência ao exposto após os sete anos de idade ________________________145

Considerações Finais_________________________________________________168

Fontes e Referências Bibliográficas_____________________________________170


RESUMO: Esta dissertação busca entender as medidas assistenciais da Caridade e da

Filantropia destinadas às crianças enjeitadas de Vila Rica, no período de 1775 a 1850.

Foi a partir de meados do século XVIII, que a Câmara de Vila Rica decidiu destinar

recursos para os cuidados dos enjeitados, devido o crescimento de casos de abandono e

por imposição da coroa portuguesa, para que fosse adotada medida similar à de

Portugal. No final do século XVIII com o Alvará Pombalino de 1775 e no decorrer do

XIX, houve uma necessidade de investir nos tratamentos destinados aos expostos, pois,

nesse momento, houve uma substancial transformação na atuação do Estado

Monárquico em relação ao cuidado com os enjeitados e os órfãos desvalidos. Durante

esse período o Estado assumiu um papel assistencial, buscando regularizar e fiscalizar

os recursos destinados às Santas Casas de Misericórdia, principal instituição que recebia

a Roda dos expostos. Nessa ocasião principalmente em Portugal e em outros países da

Europa começaram a difundir as Rodas dos Expostos no sentido mais filantrópico. Esse

caráter público organizacional surgiu com a integração da atuação da Filantropia, que

criava novas instituições e controlava as que já existiam, como as Santas Casas da

Misericórdia. Essa maneira de atuar do Estado tinha como objetivo prover a assistência

à criança abandonada, para que essa não se tornasse uma pessoa vadia. Essa forma de

auxílio disseminou para algumas cidades do Brasil, porém uma das mais importantes

Ouro Preto não possuiu o auxilio da Roda dos Expostos.

Palavras-chaves: políticas assistenciais; Caridade e Filantropia; crianças enjeitadas.


Introdução

A proposta desta dissertação é analisar as formas assistenciais oferecidas às

crianças abandonadas1 de Vila Rica,2 entre o final do século XVIII e a primeira metade

do século XIX. A assistência à criança enjeitada era feita, principalmente, por meio da

caridade. Esse tipo de auxilio foi idealizado pela sociedade e pelas autoridades

ouropretanas como sendo a maneira eficaz de auxílio; entretanto, não contemplou a

preocupação de modificar a ordem vigente ou a cultura do abandono, visto que tal

prática não era condenada socialmente. A existência de crianças expostas permitia a

prática da piedade, da misericórdia e da caridade, para com o próximo, simbolizando

ações virtuosas de um cristão que receberia beneficências e a promessa de salvação da

alma.

As instituições da América Portuguesa ofereciam abrigo e proteção às crianças

abandonadas. Essas instituições se baseavam no modelo da Coroa portuguesa, que

aparelhava as suas Santas Casas de Misericórdias com as Rodas dos Expostos. Onde

não houvesse esse estabelecimento era a instituição da Câmara Municipal que ficava

com o encargo de acolher essas crianças. Ambas as instituições, a princípio, seguiam os

1
Para entendermos o que seriam essas crianças abandonadas, procuramos identificar a denominação
destas, no período por nós proposto. Notamos, por meio das documentações e dicionários da época, que a
terminologia utilizada para se referir à criança abandonada dos séculos passados era de criança enjeitada
e/ou exposta, sendo alterada essa denominação, a partir do final do século XIX, para menor infrator. Para
descrevermos o que seria uma criança exposta e/ou enjeitada no período colonial, utilizamos como
referência documental os dicionários de Raphael Bluteau de 1712 e o de Morais Silva de 1798. No
dicionário do Raphael Bluteau, a criança abandonada era descrita como enjeitada, desamparada pelos pais
e exposta na Igreja, na porta de um convento ou em uma casa particular ou mesmo em qualquer lugar da
rua. Ainda de acordo com Bluteau, o enjeitamento se dava por causa de amores ilícitos e concubinatos de
seus pais, assim como pela pobreza que obrigava os pais a enjeitarem os filhos. No dicionário de Moraes
Silva, o significado da criança enjeitada é descrito de forma breve. O autor não define, detalhadamente, o
que seria uma criança enjeitada e a causas das exposições, como fez Raphael Bluteau. Moraes esclarece
que a denominação de “criança abandonada” não fazia parte do contexto intelectual do final do século
XVIII. § Expor: V. g. engeitar a criança, o filho §. Engeitar de filho; privá-lo dos direitos de filho, não
conhecer por filho Ferr Brisso, 4 – sé. 5. eu o engeito de filho para sempre1. Como podemos perceber
nenhum desses dicionários fizeram menção à utilização da expressão “criança abandonada”, no sentido de
abandonar uma criança, mas sim de “criança enjeitada”.
2Posteriormente torna-se a capital de Minas Gerais.

13
ensinamentos da Igreja Católica, que tinha como principal preocupação a salvação das

almas das crianças. Por isso, quando uma criança era acolhida, a primeira providência

tomada pelos funcionários da instituição era o batismo, garantindo sua salvação em caso

de falecimento. Em Vila Rica, conforme demonstrado, até meados do século XIX, foi a

instituição da Câmara a responsável pelos enjeitados.

A assistência caritativa passou por algumas modificações no final do século

XVIII e no decorrer do século XIX. Nesse período, pensamentos de cunho iluminista

alcançaram a América Portuguesa o que a levou a defender a idéia de que o auxilio dado

aos expostos não deveria se restringir à salvação de sua alma; Era preciso cuidar deles

enquanto vivos e direcioná-los para uma formação laboral foi uma prática por ela usada,

já que o grande número de expostos e de pessoas sem ocupação constituía um risco à

estabilidade social. Nessa fase, os ideais filantrópicos iniciavam, também, uma nova

forma de assistência.

A propagação das Rodas dos Expostos fez parte das medidas filantrópicas. Após

a independência do Brasil, notamos que a tentativa de implantação de mais Rodas

ressaltava o ideal de que o crescimento da população representava a riqueza da “pátria”.

Por esse motivo da Roda foi passou a representar um “um manancial de trabalhadores

para a agricultura e manufaturas, havendo mesmo quem especulasse se daí não sairiam

os soldados ideais, que teriam no Estado seus verdadeiros pais; noção que levou reinos

muito distintos, como França e Russia a defenderem a generalização da instituição”.3

Novas instituições surgiram para abrigar, educar e ensinar algum tipo de ofício

às crianças carentes maiores de sete anos de idade. Essas instituições foram os Colégios

Pios, Escolas de Aprendiz de Arsenal de Guerra e de Marinheiros, Recolhimento e

Asilos para órfãs e Colônias Agrícolas e Industriais.

3
VENÂNCIO, Renato Pinto. Da Caridade à Filantropia: assistência à infância no Brasil, 1750-1850.
UFOP, 2008, p. 8

14
Todavia, em Ouro Preto, a assistência caritativa individual e camararia, herdeiras

do período colonial, foi mantida. Entretanto, acreditamos que o caso de Ouro Preto não

se constituía uma exceção. Aliás, documentos evidenciam o oposto. Apesar das

preocupações filantrópicas das autoridades do Império e dos exemplos de algumas

cidades, principalmente a da Bahia e a do Rio de Janeiro, a maioria das urbes brasileira

do século XIX manteve os padrões assistências da época colonial.

No final do século XIX, iniciou-se o fechamento das Rodas dos Expostos,

procedimento que ocorreu muito lentamente, adentrando no período republicano.

Contrariamente ao que ocorreu em Portugal e em as outras nações européias, o

fechamento das Rodas não foi acompanhado por implementação de políticas

assistenciais, como auxílio às famílias pobres e instalação de creches.

Diferentemente de Portugal ou de outros reinos europeus, o


fechamento da Roda não foi acompanhado por políticas assistenciais
de socorro as lactantes, auxílio a famílias pobres ou instalação de
creches populares. Tal evolução, na primeira república brasileira,
abriu caminho para a progressiva dependência da assistência à
infância em relação à filantropia privada.4

Neste contexto, esse estudo se insere no campo da História Social e

Demográfica. Nessa perspectiva historiográfica buscamos ampliar os estudos acerca de

sujeitos históricos que, até então, eram mencionados de forma breve, como, por

exemplo, as mulheres, as crianças, os pobres, os vadios; enfocando suas vivências

culturais, sociabilidades e experiências.

A preferência do espaço geográfico se deve ao fato de ter sido Vila Rica capital

da capitania e, posteriormente, a Capital da província, elevada à condição de cidade

imperial do Ouro Preto, em 1823. Além disso, destaca-se sua importância não só como

centro minerador no período colonial, mas também como uma localidade que se

manteve em destaque na vida política e social.


4
VENÂNCIO, Renato Pinto. Da Caridade à Filantropia...p, 15

15
Foram escolhidos como marcos cronológicos a publicação da lei de 1775, que

representou uma grande mudança na organização e na forma de estruturar a prestação

assistencial aos necessitados, o que gerou perceptíveis transformações sociais e políticas

no ambiente colonial da época. Com o objetivo de acompanhar e analisar

profundamente essas transformações, o estudo foi delimitado ao período compreendido

entre 1775 e 1850. A escolha desse marco temporal teve por objetivo constatar, em que

medida, o período pós-independência manteve ou não, as formas de auxilio colonial.

Para desenvolver este estudo uma grande variedade de fontes documentais foi

utilizada: os assentos paroquiais da Matriz da Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto,

como batismo e óbitos; a documentação camarária (Matrícula de Expostos, Receita e

Despesas da Câmara e Listas Nominativas) disponível no Arquivo Público Mineiro da

Câmara Municipal de Ouro Preto (APM-CMOP). Ainda, dados provenientes das Listas

Nominativas da Província de Minas Gerais do ano 1831, documentação sob custódia do

Arquivo Público Mineiro (APM) que foi disponibilizada em cd-rom pelo Centro de

Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG). Além disso, a documentação dos Relatórios dos Presidentes da

Província de Minas Gerais.

A referida dissertação foi dividida em quatro capítulos. O primeiro, Sociedade,

família, política assistencial, tem como objetivo trazer de forma sucinta, informações a

respeito da cidade de Vila Rica, sua localização, formação e principais características.

Abordará, também, de forma resumida o universo da família mineira colonial.

Discutimos, ainda, a construção de conceitos assistências (caridade e filantropia), as

formas de auxílios em relação às crianças de Vila Rica e as tentativas de instalação da

Roda dos Expostos em Vila Rica.

16
No segundo capítulo, O Universo da exposição de crianças em Vila Rica,

procurou-se analisar as propostas historiográficas brasileiras, portuguesas e de outros

países, que pesquisaram sobre a história da criança abandonada. Investigamos, também,

a ampla mobilidade das crianças de Vila Rica, e o mistério que envolve a prática do

abandono. Analisamos, ainda, os escritos deixados com os bebês abandonados, e os

locais que os mesmos foram expostos. Sendo essas duas últimas análises uma forma

“paradoxal” de avaliarmos o abandono. Será que era um gesto de amor ou desamor da

pessoa que o abandonou? Abordamos, também, a trajetória da assistência camarária de

Vila Rica para com os expostos.

No terceiro capítulo, A criança e a família criadeira, investigamos quem

seriam esses criadores de expostos, quantos expostos eles aceitaram em seus lares e por

qual motivo os acolheram. Analisamos a ocorrência do abandono e as estratégias de

compadrio. Para tal analise utilizamos fontes como: as atas de batismo do banco de

dados da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, e a Lista de Matrícula da Câmara de Ouro

Preto do Arquivo Público Mineiro.

No quarto capítulo, 4 Destinos prováveis, em alguns casos a criança

abandonada se deparava com a morte precoce. As que sobreviviam, às vezes

(pouquíssimos deles), eram resgatadas pela família de origem. No entanto, muitas delas

foram destinadas a trabalho forçado ou enviadas para instituições de auxílio. Essas

instituições eram designadas para crianças maiores de sete anos de idade. Observamos

que muitas delas, principalmente, as do final do século XVIII e as do decorrer dos

séculos XIX, tiveram como proposta atitude de cunho filantrópico. Para Ouro Preto,

notamos que, houve iniciativas assistenciais de cunho filantrópico, mas, parece que até

metade do século XIX, tal assistência não fincou, permanecendo o auxílio por meio da

caridade.

17
Capítulo 1 – Sociedade, família, política assistencial

1-1 Minas: sociedade de Vila Rica

Na capitania havia, na expressão já tão conhecida de Antonil, “a mistura de toda

condição de pessoas”5 e de toda etnia - africanos, indígenas, mestiços, portugueses e

outros. Nela, os habitantes ocuparam-se de atividades muito diversificadas: mineração,

negociação, comercialização, artesanato de variados ofícios e agricultura.

A relação senhor-escravo era mais flexível nessa sociedade, marcada pela

pluralidade e mobilidade social e econômica. A presença das negras de tabuleiros,

algumas delas, alforriadas, tinha o seu próprio comércio e atingiam, assim, certa

ascensão social e econômica6. Outra influência era a presença de escravos por “jornal” e

“coartação” que trabalhavam para os seus senhores e em troca desse trabalho recebiam

sua alforria.

Os registros de batismos de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto7 indicam que

altos índices de alforrias ocorreram na década de 1750. Porém, foi à década de 1770 e a

primeira metade da década de 1780 o período de maiores concessões de alforrias na pia

batismal, coincidindo com a crise da mineração8. Vale ressaltar, a título de informação,

que, em 1776, uma população de 70.769 brancos, 82.000 pardos e 167.000 pretos.

Convertendo estes números em porcentagens, temos que a população de mestiços e

5
ANDREONI, João Antônio. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo, 1967, p. 263.
6
PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo
Horizonte, UFMG, 2006, 31-40. Do mesmo autor ver em PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos
nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo, 1995.
FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras – riqueza e estigma social. Revista Tempo. Nº 09, jul/2000. pp.
65-92
7
A Matriz da Nossa Senhora do Pilar e a Matriz da Nossa Senhora da Conceição do Antônio Dias foram
erguidas no início do século XVIII. Tais Matrizes além de terem a sua importância histórica enquanto
construção da cidade tem um grande acervo documental de batismo, matrimônios e óbito.
8
LIBBY, Douglas Cole e BOTELHO, Tarcísio. Filhos de Deus: Batismos de crianças legítimas e naturais
na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810. Revista Varia História, n 31 janeiro,
2004.

18
negros somava assustadoramente 77,9%, em oposição à dos brancos que somava os

22,09% restantes.9

Nessa sociedade, os mestiços sofriam muitas formas de preconceito. Eram vistos

pelas autoridades como perturbadores da ordem, talvez pelo fato de representarem o

fruto de uma mistura racial não bem aceita pela sociedade branca e elitista e também

por não poderem, muitas vezes, ter acesso aos padrões sociais estipulados por ela. No

século XIX, percebemos poucas modificações em relação àquelas que ocorreram no ano

de 1776, sendo que em 1808 a população branca representava 24,63%, e a mestiça e a

negra 75,15%10.

Vila Rica mostrou-se como uma sociedade dinâmica de traços singulares.11

Porém, não podemos negar que foi marcada pela pobreza. Segundo Laura de Mello e

Souza, o “falso fausto” do barroco mineiro fez-se presente na capitania do ouro. A

maioria da população era escrava ou dela descendia, também havia uma parcela

representada de livres e libertos pobres, que viviam de trabalhos “esporádicos, incertos e

aleatórios”. As autoridades consideravam esses homens e mulheres como vadios e

perturbadores da ordem12.

Após três décadas de franca produção aurífera, em meados do século XVIII, o

ouro de aluvião começava a se tornar escasso e a crise econômica foi se agravando. A

crise aprofunda-se por volta da década de 1780.13 A decadência do ouro provocou em

9
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.203.
10
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.203-204.
11
Em Minas, Portugal impôs um controle mais rigoroso, se comparado com as outras capitanias,
sobretudo devido à presença de metais preciosos. No entanto, o interesse da população nem sempre
coincidia com o da Coroa. Com isso, a Metrópole, na busca de maior adesão às suas ações, ora agia com
cautela, ora com rigor. Ver em: SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira
no século XVIII, 4 ed. Rio de Janeiro, Graal, 2004, p. 131-202. Ver em: FRAGOSO, João ET alli (orgs).
O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, 2001
12
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.131-202.
13
O resultado foi a intervenção da Coroa com a cobrança de fisco sobre a população, para que ela
completasse as cem arrobas anuais. Com isso, a insatisfação da elite local se fez presente na Inconfidência
Mineira. Pois, esse movimento conjurado em “1789” estava imbuído da filosofia iluminista do século
XVIII, que propunha abolição dos escravos e reformas econômicas em conjunto com outras áreas, como
na Igreja, que receberia os seus próprios tributos e se comprometeria a instalar educandários e as Santas

19
Vila Rica uma emigração de pessoas para outras regiões das Minas, em busca de outras

áreas de trabalho. De acordo com Saint Hilaire, Vila Rica no século XIX “revelava-se

desoladora”, pois passada a “febre do ouro”, a economia estagnou-se e apresentava

franca recessão populacional14 nos núcleos urbanos,

Há, em Vila Rica, cerca de 2000 casas. Esta cidade era próspera,
quando as terras que o rodeiam desde a abundância de ouro, mas
como este metal tornou-se mais raras ou mais difíceis de extrair, os
moradores foram gradualmente para tentar a sorte em outro lugar, e
em algumas ruas, as casas estão quase desertas. A população de Vila
Rica, que anteriormente ascendia a 20 mil almas, está agora reduzido
a cerca de 8000, e esta cidade será abandonada apesar de ter sido a
capital da província o capital administração e à casa de um
regimento15.

Embora Vila Rica apresentasse uma evasão populacional que atingiu vários

setores da sociedade, como a emigração de homens em proporção maior que as

mulheres para outras regiões das Minas, ela não deixou de apresentar-se como sede

administrativa da capital da capitania, sendo elevada à categoria de cidade, com o nome

de Ouro Preto, em 20 de março de 1823.

Havia em Vila Rica e em suas proximidades agricultura, pecuária, mineração,

comércio e atividades artesanais que empregavam alfaiates, costureiras, fiandeiras,

sapateiros, latoeiros, seleiros, tintureiros, mineiros e faiscadores. Havia casas comerciais

voltadas para a venda de produtos da área, fábricas de louça e pólvora. A maioria dos

homens livres ocupava as atividades administrativa, eclesiásticas e militares. As

Casas de Misericórdias, instituição que ficaria a cargo da instalação da Roda dos Expostos. As idéias
reformistas dos inconfidentes se assemelhavam ao ideário vivido na Europa na metade do século XVIII,
que defendia a afirmação de que a riqueza de um reino era medida por seu alto índice populacional, mas
com características ocupacionais.
14
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Minas Colonial: Economia e Sociedade. São
Paulo, FIPE-PIONEIRA, 1982, p.57-64.
15
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagens pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte. Editora Itatiaia/Edusp, 1975, p. 71-73.

20
mulheres concentravam-se nos setores de secos e/ou molhados – as famosas

quitandeiras, além de outras que eram lavadeiras, criadas e parteiras16.

A presença do governador, dos agentes principais do regimento, dos


tribunais e da administração inicial da província de Vila Rica mantém
um comércio de importação considerável, e vemos um monte de lojas
muito bem abastecido17.

Claudia Damasceno e Venâncio mencionam que no século XIX, houve uma

“pobreza relativa” em Vila Rica. A partir do testemunho de viajantes, como John Mawe

e Saint-Hilaire, os autores sublinham o grande número de casas “abandonadas” e

revelava-nos que o grande número de casas “quase abandonadas” (isto é, muitas vezes

desocupadas). Tratava-se de um sinal de decadência, embora em outros aspectos, como

na administração e no comércio, Vila Rica ainda mantivesse algum sinal de

dinamismo18.

A área urbana de Vila Rica era composta por duas freguesias N. S. do Pilar e

Antônio Dias, que centralizavam 50,77% dos habitantes, sendo 48,13% dos livres e

56,56% dos cativos. Estes centros principais concentravam-se 85,52% dos indivíduos

nas atividades administrativas, 79,20% no setor militar, 82,50% no religioso, 76,31%

nas profissões liberais, 80,62% no comércio e 78,98% em outros serviços. Padre Faria

16
COSTA, Iraci Del Nero. Populações Mineiras: sobre a estrutura populacional de alguns núcleos
mineiros no alvorecer do século XIX. São Paulo, Instituto de Pesquisas Econômicas, 1981, p. 65-76
17
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Tradução de Milton da
Silva Rodrigues. Belo Horizonte/São Paulo. Editora Itatiaia/Edusp, 1975, p 149.
18
FONSECA, Cláudia Damasceno e VENÂNCIO, Renato Pinto. Vila Rica: prospérité ET déclin urbain
dans le Minas Gerais (XVIIIe-XXe siècles). Artigo publicado em: Laurent Vidal. (Org.). La ville au Brésil
(XVIIIe-XXe siècles) naissances et renaissances. Paris: Rivages des Xantons, 2008, v. p. 179-204. A
proposta dos autores é qualificar e relativizar a noção de decadência urbana – em especial para Vila Rica,
pois para ela o peso demográfico de uma cidade ou Vila, não representa tamanha importância do local.
Porquanto, é verdade que alguns funcionários e viajantes relataram que Vila Rica no início do século
XIX, apresentava esgotada de minas, casas abandonadas e mal conservadas, porém eles próprios
descreveram à existência de inúmeras lojas e um comércio de importação considerável, “o que sugere que
houve um número significativo de pessoas ricas para consumir esses produtos. Além disso, ainda de
acordo com a autora várias foram as fontes que revelam que de fato as funções administrativas, a
presença de magistrados, advogados e autoridades religiosas, a abundancia e a diversidade de produtos
vendidos, o número e o tamanho das casas, a riqueza de igrejas, polidez e a cultura dos habitantes também
foram fatores que conferem prestígio às cidade e às vezes tinha mais do que o número de habitantes. Caso
parecido com o de Vila Rica.

21
contava com 6,98% da população total, 53,85% colaboravam com as atividades de

roceiros e lavradores e 53,77% se enquadravam nas funções de faiscadores e mineiros.

Santa Ana do Morro, a população se compunha de 14,56%, sendo que 36,40% dos

habitantes pertenciam às atividades de mineiros e faiscadores e 79,80% desses

indivíduos atuavam no setor secundário. No Alto da Cruz a população total compunha-

se de 11,87%, 29,35% representavam os faiscadores e mineradores, pessoas essas

acopladas ao setor secundário; 55,96% pertenciam os ofícios de alfaiates, carpinteiros,

ferreiros, latoeiros e sapateiros. Por fim, o bairro das Cabeças correspondia a 15,82%

dos habitantes totais, sendo que 70,58% trabalhavam com atividades artesanais e

11,76% localizavam-se em funções secundárias19.

Localidades de Vila Rica no século XIX, juntamente com outras províncias de

mineiras também se mostraram adequadas à nova realidade de tal maneira que

encontraram nas atividades manufatureiras - dentre outras – uma alternativa para o

dinamismo econômico. Nesta perspectiva, sempre existiu uma “acomodação evolutiva

da economia”, cujas atividades comerciais e agrícolas desenvolviam em consonância

com a mineração. Contudo, houve um aumento do número de expostos encontrados em

Vila Rica entre 1770 até meados de 1840, ao mesmo tempo em que os problemas

econômicos aumentavam devido à escassez do ouro.

1-2 A estrutura familiar em Vila Rica

Vila Rica, como outras regiões da comarca de Minas, foi inicialmente ocupada

por homens itinerantes, aventureiros e forasteiros ávidos de enriquecimento rápido.

Com esse perfil, eles acabavam não criando vínculos estáveis com a terra, acarretando a

19
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Minas Colonial..., p.64-69.

22
desordem da sociedade e a falta de controle do Estado sobre ela. No entanto, para o

Estado o casamento era uma forma de normatizar e disciplinar a população, garantindo

laços de estabilidade determinados por meio da formação da família. Para que isso

ocorresse a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica apresentaram-se “como parceiras em

uma batalha essencial na guerra pela disseminação e preservação da família legítima”20.

Que os povos das Minas por não estarem suficientemente civilizados


e estabelecidos em forma de repúblicas regulares, facilmente rompem
em alterações e desobediências e se lhe devem aplicar todos os meios
que os possa reduzir a melhor forma: me parecem encarregar-vos
como por esta o faço procureis com toda diligência possível para que
as pessoas principais e ainda quaisquer outras tomem o estado de
casados e se estabeleçam com suas famílias reguladas na parte que
elegeram para a sua povoação, porque por este modo ficarão tendo
mais amor à terra e maior conveniência do sossego dela e
conseqüentemente ficarão mais obedientes às minhas reais ordens e
os filhos que tiverem do matrimônio o façam ainda mais obedientes e
vos ordeno me informeis se será conveniente mandar eu que só os
casados possam entrar na Governança das Câmaras das vilas e se
haverá suficiente número de casados para se poder praticar esta
ordem (...)21.

Antônio Manuel Hespanha chama essa política do Estado de "coisas públicas",

“(...) sendo a casa a primeira comunidade, as leis mais necessárias são as do governo da

casa; e sendo, além disso, a família o fundamento da república, o regime (ou governo)

da casa é também o fundamento do regime da cidade"22.

As Ordenações Filipinas (1603), que eram a legislação civil que regia o Império

Ultramarino Português no século XVIII, deixavam claro que cabia à família educar,

alimentar e vestir, fossem os filhos legítimos ou não23. Philippe Áriès descreve que na

Europa nos séculos XVII e XVIII ocorreriam mudanças significativas na atitude da

família em relação às crianças. Elas, que antes conviviam num círculo social mais

20
FIGUEIREDO, Luciano R. Q. Barrocas Famílias. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 21.
21
Sobre casarem os homens destas minas e mestres nas vilas para ensinarem rapazes, carta do Governador
Dom Lourenço de Almeida ao rei, 28 de setembro de 1721. Revista do Arquivo Público Mineiro, v.31,
1980. p. 95.
22
Natividade, 1653, op. I, cap.1, p.2, n.10. Citado por: HESPANHA, António Manuel. História de
Portugal Moderno; político e institucional. Lisboa: Universidade Aberta, 1995. p. 114.
23
Ordenações Filipinas. Livros IV e V. Livros que regem os direitos das pessoas que compunham essa
sociedade. http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm

23
intenso, passam a ter na família um espaço social privilegiado de aprendizagens

sociais24. Assim, a segunda metade do século XVIII foi marcada pelo acirramento das

políticas do Estado para disciplinar a família, principalmente, no que diz respeito aos

direitos e deveres de pais e filhos.

Apesar do grande interesse das autoridades seculares e eclesiásticas de Minas

para que houvesse o matrimônio, foi grande a dificuldade para a formação de famílias

religiosamente constituídas no período inicial da exploração do ouro. No princípio do

século XVIII a maioria da população de minas era composta por homens livres e

escravos, com números superiores ao de mulheres. Este fato era uma das causas da

diminuição do sacramento do matrimônio25.

O casamento, no período colonial, nos indica a importância da igualdade social

e econômica na formação dos enlaces matrimoniais. Maria Beatriz Nizza da Silva

argumenta que, durante todo o século XVIII os governantes da região de Minas

preocupavam-se com a falta de mulheres brancas para promover o casamento das elites

locais, assim, de acordo com a autora, os governantes sugeriram ao rei que proibisse às

famílias de encaminhar aquelas mulheres para a vida religiosa, pois elas eram raras

naquele território. Em contra partida havia um grande número de mulheres pardas

negras livres e forras; com isso o mercado matrimonial ficou restrito para a maioria

dessas mulheres26. Porém, a valorização social do casamento e as exigências

burocráticas e financeiras impostas pela Igreja colaboraram para o afastamento da maior

parte daquelas mulheres do sacramento do matrimônio27. Entretanto, é preciso

considerar que a Igreja procurava facilitar o acesso ao casamento, principalmente, dos

mais pobres “dispensando-os dos empecilhos burocráticos e financeiros, desde que

24
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Brasileira, 1978, p. 225
25
LEWKOWICZ, Ida. As mulheres mineiras e o casamento.... p. 14-15.
26
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo:
T.A.Queiroz/Edusp, 1984. p. 43.
27
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil.....p. 43.

24
apresentassem testemunhas que comprovassem o seu estado livre de solteiro e

documentos atestando seu estado de pobreza”28. Contudo, mesmo com as facilidades

disponibilizadas pela Igreja em relação à documentação para o matrimônio, temos que,

muitas famílias mineiras viviam em concubinato e uniões consensuais, comportamento

conjugal também vivenciado em Portugal pelos imigrantes portugueses que vieram do

norte de Portugal para Minas29.

Esses fatores, ao que tudo indica, teriam dificultado a generalização de

casamentos, criando condições para a predominância de fogos chefiados por mulheres

solteiras, o alto índice de filhos ilegítimos e o grande número de crianças

abandonadas30, perfil em que estava inserido em Vila Rica.

A maioria das famílias de Vila Rica, entre meados do século XVIII e início do

XIX, era composta por um número elevado de domicílios chefiados por mulheres,

disparidade contrária ao que era visto no início da conformação de Vila Rica, em que a

maioria da população era composta por homens. Esse fato aconteceu devido à

progressiva decadência do ouro e à emigração da população masculina em busca de

melhores oportunidades de trabalho nas zonas de fronteira agrícola - “a transição

econômica que ocorreu afetou todos os setores da sociedade, desde a (...) elite ao recém-

chegado escravo africano e essa transição representa o contexto para o exame da família

sustentada pela mulher”31. De acordo com Iraci Del Nero da Costa, Vila Rica em 1804

preponderava o sexo feminino 51,13%:

Fato significativo refere à discrepância do peso relativo dos sexos


quando considerados, isoladamente, escravos e livres: para os

28
BRUGGER, Silvia M. J. Legitimidade, casamento e relações ditas ilícitas em São João Del Rei (1730-
1850). IX Seminário sobre economia mineira. Vol. 1 Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2000, p. 58.
29
RAMOS, Donald. From Minho to Minas: the Portuguese Roots of the Mineiro Family. Hispanic
American Historical Review. Copyright 1993 by Duke University Press, p 641.
30
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil.....p. 43.
31
RAMOS, Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto: 1754 – 1838. In: Congresso sobre
a História da População na América Latina, 1989, Ouro Preto. Anais... São Paulo: Fundação SEADE,
1990. p. 55.

25
primeiro dominavam os homens (57,99%); quanto aos últimos
prevaleciam as mulheres (55,31%). A razão da masculinidade relativa
aos escravos (138,07 homens para 100,00 cativas) explica-se, em
parte, pelo destino que se lhes dava – a atividade mineradora – a
exigir, preferencialmente, mão –de –obra masculina. Par os livres a
razão de masculinidade correspondeu a 80,80. Estes resultados
rompem o relativo equilíbrio existem entre os sexos ao se considerar a
população total – nela computamos 95,56 homens para 100 pessoas do
sexo oposto32.

Tal predominância feminina, em Vila Rica, nos levou a perceber uma

modificação dos criadores de expostos. Como demonstrado pelo gráfico 133 antes da

decadência do ouro, a maioria dos criadores eram homens. Depois percebemos que isso

começou a se modificar a partir das décadas de 1790 e 1800, pois a proporção de

mulheres criadoras era maior que dos homens, ambos se igualaram no ano de 1810, e

nas décadas seguintes os homens começavam atingir a sobressair novamente.

Entretanto, esse assunto será analisado com mais particularidade no terceiro capítulo.

Gráfico 1 - Número de criadores ao longo das décadas de 1770 a 1840

120

100
Número de criadores

80

Mulheres
60
Homens

40

20

0
1770 1780 1790 1800 1810 1820 1830 1840
Décadas

Donald Ramos, ao analisar os registros paroquiais de batismo do século XVIII,

encontrou alto número de crianças ilegítimas, o que evidenciou o significativo número

32
COSTA, Iraci Del Nero. Populações Mineiras...,p. 66
33
Fonte: APM, CMOP 3/4 Caixa 01 Doc. 27.

26
de mulheres solteiras chefes de domicílio deste período. O autor também observou a

representatividade de chefias femininas no século XIX. No entanto, não foi necessário

utilizar os registros de batismo como fizera para o século XVIII, uma vez que os censos

populacionais de 1804 e 1838 já arrolavam tais chefias.

(...) em 1804, três quartos completos da população adulta livre era


solteira. Destas mulheres adultas, 764 sustentavam sua própria família
– número este que representa 45% de todas as famílias. Em 1838,(...)
as mulheres abrangiam 57,1% da população livre. Destas mulheres,
apenas 26,8% tinham sido casadas; o número cresce para 35,4% para
as mulheres adultas acima da idade legal de casamento, doze anos.
Assim, em 1838 dois terços das mulheres não eram casadas. Destas
mulheres, 293 sustentavam sua própria família – 40,3% de todas as
famílias34.

As mulatas representavam a maior parte de chefes de domicílio. No ano de 1804,

cerca de 38,2% de mulatas chefiavam domicílios, seguidas pelas crioulas (38,1%) e

brancas (10,5%). Já para Ouro Preto, em 1838, o autor observou 52,2% de chefes

femininas mulatas, seguidas pelas brancas 30,3% e crioulas 12,6%35. Assim, grande

parte dessas mulheres buscavam recursos econômicos para sustentar a sua família.

Como dito acima, algumas trabalhavam como quitandeiras possuindo até mesmo o seu

próprio negócio, outras, como parteiras, lavadeiras, fiandeiras, costureiras e

prostituição, sendo essa última “profissão” bastante perseguida pelas autoridades.

Todavia, a administração local também ocupou-se, se não direta, ao


menos indiretamente, da prostituição nas vilas mineiras. Sem
condições materiais de sustentar a prole, fruto de relacionamentos
ilícitos, sobre tais mulheres recairia, segundo Donald Ramos,a
responsabilidade pela expansão dos enjeitados36.

É muito provável que grande parte destas mulheres solteiras chefes de domicílio

estaria vivendo em uniões consensuais, uma vez que, para as mais pobres, a opção por

34
RAMOS Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto..., p.155.
35
RAMOS Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto...,p.155.
36
RAMOS, Donald. ‘Marriage and the family in colonial Vila Rica’, em Hispanic American Historical
Review, vol. 55, nº 2, 1975. Apud FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho
da mulher em Minas Gerais no Século XVIII, Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Edunb,1993,
p.84

27
uma relação consensual poderia ter significado uma forma de sobrevivência e havia uma

forte presença de crianças definidas nos registros de batismo como “naturais”. Desta

forma, é provável de que o fato de muitas mulheres serem mães de filhos naturais seja

um indício de que muitas delas estariam vivendo em uniões consensuais ou fortuitas no

momento do batismo. Por outro lado, algumas destas mulheres foram celibatárias e

outras nunca constituíram famílias ilegítimas.

As mulheres mais pobres, de acordo com Donald Ramos, teriam condições

menos propícias para conservar os filhos junto a si, tanto que muitas os abandonavam.

O autor considera, assim, que o baixo status econômico que muitas mulheres solteiras

possuíam, incapacitava-as para sustentar famílias grandes, principalmente nas áreas

urbanas, que é o caso de Vila Rica.

Os censos de Vila Rica, do ano de 1804, observou uma média geral


de 2,2 filhos por fogos sob a chefia de mulheres solteiras contra 3,2
das mães casadas. Já para Ouro Preto em 1838, constatou a média
geral de 0,9 filhos por fogos sob o comando das mulheres solteiras
contra 3,0 das casadas37.

Nesse contexto, de sociedade em fase de mudanças, inseriam-se os enjeitados

em estudo. A economia e as famílias estavam se re-estruturando em moldes diferentes

do convencional vividos até aquele momento. A decadência do ouro e a substituição da

principal atividade econômica da época remodelaram as relações familiares e as

atividades dos trabalhadores de Vila Rica.

1-3 Assistências aos enjeitados - caridade e filantropia:

Em meados do século XIII - período tardio medieval -, a Igreja Católica se

estruturou na Europa e assumiu uma forma de governo monárquico dos cristãos. O

37
RAMOS Donald. A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto...,p.159.

28
catolicismo impôs normas e regulamentos em diversas áreas, como no casamento, na

moralidade familiar, na sexualidade, no batismo e nas formas de caridade. Essa última

multiplicou-se e tornou-se organizada. A caridade nesse momento deixa de ser um

monopólio dos monges38 e passa a ser um dever de todos os cristãos. As confrarias e os

pequenos hospitais começaram a surgir. Essas fundações eram constituídas por

comunidades leigas urbanas e pelos príncipes. Tais estabelecimentos foram incentivados

pela Igreja, que passou a conferir indulgências e a aceitar que legados pios fossem

destinados a instituições que se dedicavam aos pobres, doentes, desvalidos, peregrinos,

velhos, crianças abandonadas, órfãos, viúvas e mulheres. Os leigos assumiram, assim, o

compromisso da manutenção dessas instituições, os quais viam a importância da função

da caridade cristã, principalmente os abastados que utilizavam esmolas para diminuir o

sofrimento dos desamparados. Em compensação, esses homens ricos almejavam a

salvação de suas almas e mantinham o seu status quo de caridoso perante Deus e a

sociedade.

O pauper era o intercessor privilegiado em favor do pecador. Na


mentalidade comum, ele era um assessor do Soberano Juiz. “O
interesse do Cristão preocupado com sua salvação aproximava-o,
assim, do dever de assistência imposta pela justiça”39.

Dessa forma, o gesto caritativo era exercido por meio de hospitais, de

albergarias, de conventos, de irmandades e de Santas Casas de Misericórdia. Em

Portugal, esta última instituição ficou com a responsabilidade de cuidar dos doentes, dos

38
No inicio da Idade Média a pobreza passou a ser assistida pelos monges por meio da caridade e da
benevolência. Incentivados pela Igreja Católica, os pobres visitavam as casas dos bispos ou frades para
buscar comida e vestimentas. As crianças abandonadas, pobres e até mesmo ricas que os pais viam nessa
associação um diferencial de ensino também foram assistidas por eles por meio de uma instituição que se
chamava oblação. Essa instituição funcionava em mosteiros e nelas as crianças recebiam proteção,
alimentação, vestimenta e educação. Essas ações fizeram com que os cleros e os leigos também
praticassem caridade. Nesse período, as esmolas e o auxílio individual eram satisfatórios para abrandar a
pobreza e a enfermidade e, desse modo, limitaram as possíveis formas de associação. Em meados do
século XV, com o aumento da pobreza, houvesse a necessidade de criar novas e maiores instituições para
atender os pobres. Ver em: MOLLAT, Michel. Les pauvres au Moyen Âge. Étude sociale. Paris:
Hachette, 1978.
39
MOLLAT, Michel. Les pauvres au Moyen Âge. Étude sociale. Paris: Hachette, 1978, p.12.

29
pobres e das crianças enjeitadas e, algumas delas, chegaram a ter em sua sede a Roda

dos Expostos. A Roda consistia em um tonel giratório que ligava a rua ao interior da

Santa Casa. A pessoa deixava o bebê dentro da estrutura do tonel e, ao girá-la, um sino

tocava, indicando a presença da criança. Esse sistema permitia que a mãe preservasse o

anonimato de sua identidade.

A primeira Santa Casa de Misericórdia de Portugal foi a de Lisboa, fundada no

dia 15 de agosto de 1498 pelo Rei D. Manuel I. Ela tinha como alvo “proporcionar

auxílio espiritual e material aos necessitados”. Desse modo, a Misericórdia proliferou

por todo o Império Português, desde Macau até Vila Rica. Isso ocorreu por meio do

incentivo da Coroa Portuguesa que recomendava que todas as Santas Casas de

Misericórdias deveriam seguir a legislação da Misericórdia de Lisboa. Tal legislação

abrangia cuidados com os enjeitados, que passaram a ser recebidos por meio da Roda de

Expostos, que muitas vezes eram instaladas nas Misericórdias40.

As primeiras Rodas dos expostos das Santas Casas de Misericórdias da América

Portuguesa foram criadas em 1726, em Salvador e em 1738 no Rio de Janeiro41. A

motivação para a instalação dessas Rodas teve um significado caritativo, já que tais

rodas foram estabelecidas por meio da doação de dois comerciantes abastados, que

ficaram horrorizados com a ineficiência da prestação de socorro. Isso ocorria tanto entre

particulares, quanto na Câmara, levando muitas crianças a morrerem nas ruas antes de

serem encontradas.

Para combater esse problema, foi criado em 1726, a Roda dos


Expostos de Salvador, graças aos recursos doados por um rico
comerciante baiano, João de Mattos de Aguiar. (...) Doze anos mais
tarde era a vez do Rio de Janeiro conhecer o mesmo tipo de
instituição. Seu fundador, Romão de Mattos Duarte, ao criá-la em

40
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: Universidade de Brasília, 1981, p.1.
41
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio
de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999, p.26-30.

30
1738, admitiu em seu testamento a ineficiência, tanto do socorro
particular quanta daquele promovido pela Câmara. “Tendo em vista a
lástima com que perecem algumas crianças enjeitadas nesta cidade”42.

Segundo Caio Boschi, fatos como esses ocorreram porque o Estado não via

como sua obrigação o prover das assistências sociais exigidas pela sociedade.

Vale dizer que a assistência social perante o poder em Portugal estava


então relegada a segundo plano. O Estado português nascera e se
organizara preocupado fundamentalmente com a preservação dos
interesses das classes privilegiadas, não entendendo como seu dever o
provimento de serviços demandados pela sociedade. Assim,
desassistidos e desamparados, os segmentos inferiores agruparam-se e
desenvolveram formas de auto-preservação43.

No entanto, algumas mudanças nas motivações da prática de instalação da Roda

dos Expostos, em Portugal, atingiram a América Portuguesa, entre o final do século

XVIII até início do século XIX. Nesse contexto, também houve por toda a Europa44

42
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entregues à própria sorte: Resultado da pobreza e dos preconceitos morais
da época, o abandono generalizado de bebês no Brasil colonial levou o poder público a criar instituições
para proteger a infância. artigo da revista nossa História, ano 1, nº 9: Julho de 2004, p.42-48.
43
BOSCHI, Caio. O assistencialismo na Capitania do Ouro.... op. Cit., p. 26-27.
44
O primeiro hospital da Europa Ocidental Cristã a instituir Roda dos expostos foi o hospital do Santo
Espírito in Saxia, em Roma no ano 1198, que serviu de modelo para as posteriores Rodas que começaram
a surgir nas cidades da Itália (Roma (1198), Milão (1594), Florença (1660)), Portugal (Lisboa (1498) e
Porto (1689)) e Espanha (Andújar antes de 1684). Entre os séculos XV a XVI, cidades como essas
prestaram assistência aos expostos, fossem por meio dos hospitais ou dos hospícios; já a expansão da
Roda em algumas colônias ocorreu a partir do século XVIII. Nessa mesma época, as Rodas dos expostos
européias se multiplicaram. Em Roma, o hospital do Santo Espírito recebia expostos de 26 dioceses e
mosteiros circunvizinhos. Em razão disso, foi permitido à cidade a instalação de outra Roda, na periferia
de Viterbo, no ano de 1737. No final do século XVIII, a maior parte dos hospitais italianos possuía a
Roda dos Expostos: Brescia, Paiva, Nápoles, Cosenza, Palermo, Veneza, Siena, Bolonha, Pádua, Catânia,
Udine. Segundo Léon Lallemand, a primeira Roda dos Expostos da França surgiu em 1714, mas
infelizmente o autor não menciona o nome da cidade. Outras três cidades da França a implementarem:
Ruão em 1758, Tourraine em 1750 e de Le Mans em 1766. Na época napoleônica foi decretado, no ano
de 1811, a obrigatoriedade da instalação da Roda dos Expostos em todos os hospitais do Império. Na
Espanha, temos conhecimento de uma Roda em Madrid, mas não sabemos o ano certo dessa instalação. O
que sabemos é que esse tipo de dispositivo foi transplantado para algumas de suas colônias, como
Santiago em 1758, Arequipa em 1788 e Buenos Aires em 1779. A Rússia também aderiu ao sistema da
instalação da Roda dos Expostos. Em 1715, o Czar obrigou os hospitais a receberem crianças enjeitadas,
devendo ser providos de janelas apropriadas, por onde os bebês pudessem passar, sem que quem os
depositasse pudessem ser identificados. Nos países protestantes, como Alemanha e Inglaterra, a forma de
auxilio aos enjeitados ocorreu mais tarde. De acordo com Isabel de Sá, a assistência aí desenvolvida não
coincidiu em muitos aspectos com as registradas na Europa Cristã. Em Portugal, na cidade Góis no ano
1783-84. Além de outras localidades Viana (1701), Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Valadares,
Monção, Melgaço, Ponte de Lima, Arcos, Barca e Coura. Esse sistema foi transferido para todo seu
Império. Na América Portuguesa temos Salvador 1726. Rio de Janeiro 1738, Recife 1789, Campos dos
Goitacazes 1791, São Paulo 1825, São Luís 1829, São João Del Rei 1832, Cuiabá 1833, Porto Alegre
1837, Rio Grande 1843, Pelotas 1847, Paraíba 1857. Ver em: VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias

31
uma propagação da Roda dos Expostos. Tal ocorrência não se deu somente por causa do

aumento da exposição de crianças. Segundo Mollat, nessa época, houve uma

racionalização da sociedade, um desejo de ordem que recaía sobre as autoridades

européias. A pobreza não era mais vista como superioridade espiritual, passou a ser

vista como um problema da ordem. O pobre começa a ser visto como “vagabundo”,

“ocioso”, “criminoso” e “perturbador da ordem”.

Em todas as línguas da Europa surgiu um vocabulário truculento


designando e qualificando pejorativamente os pobres. A palavra
mendicante carrega-se de nuanças maldosas, inquietantes,
reprovadoras. O verdadeiro pobre passou a estar comprometido com a
turba de vagabundos, preguiçosos, portador de epidemias, criminosos
em potencial (...). A política municipal, bem como a do Estado, em
relação ao pobre tornou-se repressiva (vigilância rigorosa, envio a
galeras, prisão, constrangimento a trabalhos forçados). A tendência
foi transformar o hospital em uma instituição de defesa social, tanto
quanto de beneficência. Surgia, assim, a “polícia dos pobres” dos
tempos modernos45.

Para a autora Maria Luíza Marcílio, o objetivo do Estado era prover a assistência

à criança abandonada, para que essa não se tornasse uma pessoa ociosa. Esse caráter

público organizacional surgiu com a integração da atuação da Filantropia, que criava

novas instituições e controlava as que já existiam, como as Santas Casas da

Misericórdia.

Esse sistema de filantropia pública, associada à privada, mudou o


papel caritativo da assistência das Misericórdias ao menor desvalido.
No Império, as Misericórdias passaram a estar a serviço e sob o
controle do Estado, por imposição de decretos provinciais, perdendo,
assim, sua autonomia e parte de seu Carter caritativo.46

Caio Boschi em seu trabalho O Assistencialismo na Capitania do Ouro também

ressalta a entrada da participação do Estado na administração pública:

Abandonadas...,p.160-161, e em: SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul:


o caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 67-73.
45
MOLLAT, Michel. Les pauvres au Moyen Âge. Étude sociale..., p. 26
46
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998, p. 135.

32
Aos poucos, generalizou-se o entendimento de que ao Estado caberia
a administração dos negócios públicos, isto é, da economia em geral,
ao passo que, à piedade particular e às associações leigas se
confeririam a responsabilidade e o ônus da assistência pública. Em
função disso, o propósito da coesão associativa tornou-se o de servir
de defesa aos interesses e aspirações comuns, através da prática de
um assistencialismo que viesse substituir as manifestações e atos
isolados de caridade47.

No período medieval prevaleceu o entendimento do conceito de caridade como

uma das virtudes teologáis. Tão importante quanto a “fé”, a caridade era a base do

exercício da misericórdia que permitia a salvação da alma. Entre os ricos e os pobres

havia uma complementaridade: os primeiros possuíam as chaves da terra, ao passo que

os últimos detinham as dos céus48. Os abastados utilizavam-se de doações e esmolas

para diminuir o sofrimento dos desfavorecidos e, em compensação, eles salvariam suas

almas e manteriam o próprio status quo de caridoso perante a sociedade. A doação

deveria ser feita em sigilo. Somente Deus poderia saber sobre a ação do doador.

Acreditava-se que o conformismo de ambas as funções, do doador e do receptor, não

buscava mudanças dessa ordem na sociedade49.

Para descrevermos ainda melhor o termo “caridade” nesse período, utilizamos o

dicionário do Raphael Bluteau, publicado em 1712. Essa obra lança luz sobre o que

seria a caridade e a pessoa caridosa naquele século. Segundo ele, a caridade é uma

virtude Teologal - é o amor que sentimos por Deus e, pelo amor dele, deveríamos sentir

o mesmo em relação ao próximo. Amar ao próximo com benevolência, compaixão e

misericórdia é dar esmola ao homem necessitado:

Caridade virtude Theologal, com a qual amamos a Deus por amor


dele, e ao próximo por amor de Deus. (...) Ter muita caridade para o

47
BOSCHI, Caio. O assistencialismo na Capitania do Ouro..., p. 27.
48
“La Véritable complémentarité semble donc résider em Ceci que Le riche détient lês clés de La terre, Le
pauvre celles Du ciel”, SASSIER, Philippe. Du bom usage dês pauvres: Histoire d um thème politique,
XVIe- XXe siècle. Paris: Fayard, 1990, p. 53.
49
BOSCHI, Caio. O assistencialismo na Capitania do Ouro. Revista de História, 116: 25-41, Jan-jun;
1984, p- 27.

33
próximo. (...) Para todos tem muita caridade. (...) Ação caritativa.
(como quando se diz) Ele me fará a caridade de me avisar. (...) Fazer a
caridade a alguém, ensinando-o, ou fazendo-lhe outro benefício.
Esmola. Homem, que faz muitas caridades. Misericórdia com os
pobres50.

O mesmo se observa em A Sabedoria Descendo do Céu: Imitação de Cristo,

livro escrito em latim por Thomás de Kempis e traduzido por Fr. Antônio de Pádua e

Bellas e publicado em Lisboa no ano de 1801. No capítulo XV do livro Das obras que

procedem da Caridade, o autor nos revela com propriedade o que consistiria a caridade

para com Deus e com o próximo. Para Thomas, o perfeito caridoso não busca aparecer

para si mesmo, porém almeja que todas as coisas se façam para a glória de Deus.

A ninguém têm inveja, porque não ama particularmente algum gosto;


mas deseja sobre todas as coisas gozar de Deus há Bem aventurança.
A ninguém atribui algum bem, mas refere-o todo a Deus, do qual
como de fonte procedem todas as coisas, no qual como em fim último
descansam com sumo gozo todos os santos. O quem tivera uma faísca
da verdadeira caridade! Certo que avaliaria por vaidade todas as coisas
da terra51.

O dicionário da língua portuguesa de Moraes Silva, publicado em 1789, nos

apresenta o termo caridade como uma forma de “amor” em relação ao próximo.

Caridade, Amor; caridade para com Deus, e com o próximo52. Na terceira edição dessa

mesma obra, em 1831, a expressão “filantropia” se faz presente, significando amor dos

homens, da humanidade53. O dicionário Portuguese and English languages de 1813

também se refere a Philantropy como o amor aos homens ou do gênero humano54.

50
http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/1%2C2/filantropia (acesso: 16 de março de 2010).
51
http://books.google.com/books?lr=&hl=pt-
BR&as_brr=0&q=caridade&btnG=Pesquisar+livros&as_drrb_is=b&as_minm_is=0&as_miny_is=1770&
as_maxm_is=0&as_maxy_is=1830 (acesso: 16 de março de 2010).
52
http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/1%2C2/filantropia (acesso: 16 de março de 2010).
53
http://books.google.com.br/books?id=20ZDAAAAYAAJ&pg=PP9&dq=Moraes+e+silva+diccionario&
as_brr=1#v=onepage&q=Moraes%20e%20silva%20diccionario&f=false (acesso: 16 de março de 2010).
54
http://books.google.com/books?as_q=philantropia&num=10&hl=pt-
BR&btnG=Pesquisa+Google&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_brr=0&as_pt=ALLTYPES&lr=&as_vt=&a
s_auth=&as_pub=&as_drrb_is=b&as_minm_is=0&as_miny_is=1770&as_maxm_is=0&as_maxy_is=183
0&as_isbn=&as_issn (acesso: 16 de março de 2010).

34
Nesse contexto, prevalece o entendimento de que filantropia é uma laicização da

caridade cristã. Dessa forma, a partir do século XVIII, a assistência à criança

abandonada se aproxima dos ideais iluministas, que pregavam o amor dos homens pelo

amor da humanidade, e não como uma expressão do amor divino. O fazer o bem, o

socorro aos necessitados, deixa de ser uma virtude cristã para ser uma virtude social55.

Entre as monarquias em processo de formação de governos absolutistas, essa mudança

de perspectiva teve efeitos profundos. A partir de uma leitura fisiocrática dos princípios

da filantropia, o reinado de D. Maria I aprofunda as reformas iniciadas por Pombal. Em

24 de maio de 1783, um alvará determina que todas as câmaras do império deveriam

instalar Rodas dos Expostos, “para expor os meninos que se enjeitam"56. Mais ainda: a

aprovação da criação de Santas Casas da Misericórdia fica sujeita ao estabelecimento de

Roda dos Expostos57.

Acompanhando as mudanças políticas referentes à atuação do Estado Português,

entre os períodos de 1775 a 1850, percebe-se que houve uma substancial transformação

na atuação do Estado em relação ao cuidado com os enjeitados e os órfãos. Durante

aquele período, o Estado assumiu um papel assistencial, buscando regularizar e

fiscalizar os recursos destinados às Santas Casas de Misericórdia, principal instituição

que recebia a Roda dos expostos. Conforme mencionamos, foi justamente no governo

do Marquês de Pombal que houve uma maior preocupação com as finanças destinadas

às instituições de auxílios aos enjeitados e também com o destino deles após os sete

anos de idade. As medidas governamentais de Pombal foram importantes em relação

55
SANGLARD, Gisele. Filantropia e assistencialismo no Brasil. História, Ciência, Saúde-Manguinhos,
vol. 10(3), 2003, p. 1095.
56
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas...., p. 33 e 34.
57
Um exemplo disso foi registrado em Campos dos Goitacazes, na Capitania do Rio de Janeiro. A
aprovação do compromisso da Santa Casa local, sancionado por D. Maria I, em 1791, foi condicionada à
instalação de uma Roda dos expostos. Isso efetivamente ocorreu em 1796, quando se batizou o primeiro
enjeitado da Misericórdia local. LAMEGO, Alberto. História da Santa Casa de Campos. Rio de Janeiro:
s/ed, 1951, 149; FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano
colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 70.

35
aos expostos. O Alvará de 1775, regulamentado por ele, definiu de forma mais precisa a

questão dos expostos.

Foi em 1775, com um famoso Alvará, que o ministro Sebastião José


de Carvalho e Mello regulamentou de forma mais estrita e definitiva a
questão das crianças expostas: é, sem dúvida, a mais importante lei
existente no século XVIII sobre o assunto, mas se volta sobretudo para
a relação entre enjeitados, Santa Casa de Misericórdia e Juiz de
Órfãos, deixando de lado a questão das Câmaras. Até então, haviam
sido elas as principais responsáveis pela criação dos enjeitados. A
partir dessa data-marco, intensificou-se a luta pela criação das rodas
de expostos nas Misericórdias ou mesmo em casa de particulares,
desde que seus habitantes fossem casais honrados e de bons
costumes58.

Essa nova forma de atuar do Estado proporcionou a criação de um grande

número de leis, que regulamentou a atuação da Santa Casa de Misericórdia no cuidado

dos enjeitados. Embora as leis tenham sido formuladas visando a atender a Casa de

Misericórdia de Lisboa, houve nas possessões colônias uma tentativa de segui-las,

dentro das limitações da colônia. A Misericórdia do Rio de Janeiro, por exemplo, teve o

seu próprio regulamento somente na década de 1840.

É importante salientar também que, após a Independência, no período de 1815 a

1889, foram promulgadas leis brasileiras relativas aos expostos, como a do ano de 1827,

que determinava que os legados pios não cumpridos fossem destinados às Casas de

Expostos. As leis dos Municípios de 1828 estipularam que, onde houvesse as Santas

Casas de Misericórdias, elas seriam as responsáveis pelos cuidados com os expostos e

não as Câmaras. A lei de 1831 reafirma o dispositivo da lei anterior a respeito dos

legados não cumpridos, o mesmo se repetiu em 184559. Assim, a Roda dos Expostos

manteria a função de formar pessoas úteis para o Estado. Os enjeitados e as crianças

órfãs não deveriam se tornar vagabundas ou pessoas ociosas, o que perturbaria a ordem

58
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo
Horizonte. Editora UFMG, 1999, p - 67.
59
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios: a Santa Casa da Misericórdia e as “Rodas dos
expostos” no Brasil. In: ARAÚJO, Maria Marta Lobo de (Org.). As Misericórdias das duas margens do
Atlântico: Portugal e Brasil (XV-XX). Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2009, p. 140-141.

36
pública. Eles deveriam se tornar úteis à sociedade e ao Estado, uma vez que, para

constituir uma sociedade rica, era necessário o crescimento populacional.

Maria Beatriz Nizza da Silva, ao estudar os expostos da Capitania de São Paulo,

entre o período de 1765 a 1825, ano em que ocorreu a criação da Casa dos Expostos na

cidade de São Paulo, expôs a real origem da preocupação do Estado. No que diz

respeito às crianças expostas, a autora afirma:

A preocupação do Estado com os expostos é contemporâneo da teoria


que via no aumento da população a base da riqueza das nações, pois
foi a partir do momento em que os governantes quiseram atalhar os
altos índices de mortalidade observados entre as crianças enjeitados
que se tomaram às providencias mais importantes a esse respeito60.

Nessa época o Estado monárquico, preocupado em alcançar progresso nos

campos social, começou a investir em instrumentos que o levassem a tal êxito. Para

tanto, ocupou-se com a instalação das Rodas em várias áreas ao longo do Império. De

acordo com Renato Pinto Venâncio, entre 1789 e 1841, elevou-se o número de hospitais

brasileiros, aparelhados para acolher enjeitados e o número de Rodas dos Expostos

passou de duas para onze. Ainda de acordo com o autor:

Não por acaso, a Rodas dos expostos se multiplicaram paralelamente


às Academias de Ciência, pois elas também eram vistas como um
sinal de progresso. Em fins do século 18, elas passaram a traduzir
expectativas que iam muito além das obras de caridade, sendo
assumidas como uma tarefa do Estado monárquico, responsável por
aumentar a riqueza social e por proporcionar novas forças militares61.

Essa nova fase de instalação da Roda dos Expostos recebeu a atenção de uma

parcela da sociedade que até então não existia. As autoridades políticas provinciais

começaram a ter um maior cuidado com essa área filantrópica. Como mostra o quadro1,

várias foram as regiões da América Portuguesa – que se tornam após a independência

60
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos expostos na Capitania de São Paulo. Anais do Museu
Paulista, tomo XXX, São Paulo, 1980/1981, p.148.
61
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 136.

37
regiões do Brasil - que receberam nas suas Santas Casas de Misericórdia a Roda dos

Expostos.

Quadro 1 - Instalação da Roda dos Expostos no Brasil entre os períodos de 1789 – 1849
Capitania Roda dos Expostos por
ano
Bahia (Salvador) 1726
Rio de Janeiro 1738
Pernambuco (Recife) 1789
Rio de Janeiro (Campos) 1796
São Paulo (São Paulo) 1825
Santa Catarina (Desterro) 1828
Maranhão (São Luís) 1829
Minas Gerais (São João Del Rei) 1832
Mato Grosso (Cuiabá) 1833
Rio Grande do Sul (Porto Alegre) 1837
Bahia (Cachoeira) 1840
Paraíba (João Pessoa) 1841
Rio Grande do Sul (Pelotas) 1849
Fonte: VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios: a Santa Casa da Misericórdia e as “Rodas dos
expostos” no Brasil. In: ARAÚJO, Maria Marta Lobo de (Org.). As Misericórdias das duas margens do
Atlântico: Portugal e Brasil (XV-XX). Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2009. NASCIMENTO, Alcileide Cabral
do. Frutos da castidade e da lascívia: as crianças abandonadas no Recife (1789-1832). Rev. Estud.
Fem. vol.15 no.1 Florianópolis Jan./Abr. 2007. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos expostos na
Capitania de São Paulo. Anais do Museu Paulista, tomo XXX, São Paulo, 1980/1981. NASCIMENTO, Rita de
Cássia Gomes. Pelas Crianças Desvalidas: o Instituto de Assistência à Infância do Maranhão nas primeiras
décadas do século XX. Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão.
São Luís 2007. RESENDE Diana Campos. Roda dos Expostos: Um caminho para a infância abandonada.
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade São João Del Rei, 1996. TORRES, Luiz
Henrique. A Casa da Roda dos Expostos na cidade do Rio Grande. Biblos, Rio Grande, 20: 103-116, 2006.
TOMASCHEWSKI, Cláudia. Caridade e filantropia na distribuição da assistência: a Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de Pelotas – RS (1847-1922). Dissertação apresenta para o Programa de Pós-graduação em
História das Sociedades Ibéricas e Americanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do sul, 2007.
NÓBREGA, Michael Douglas dos Santos e MARIANO, Serioja Rodrigues. Pobres Crianças Enjeitadas: O
cotidiano dos Expostos na Santa Casa da Parahyba (1857-1874). II Seminário Nacional Gênero e Práticas
Culturais. Culturas, leituras e representações. Universidade Federal da Paraíba UFPB.

Ressalte-se, porém, que cada uma dessas instituições em suas determinadas

localidades apresentava suas particularidades no processo da instalação do dispositivo

da Roda. Isso ficou registrado, por exemplo, nos processos de criação da Roda dos

Expostos de São Luis, capital da província do Maranhão, instalada no ano de 1827, por

um rico comerciante português, Isidoro Rodrigues Pereira, natural de Alcobaça. Em

38
Salvador e no Rio de Janeiro, a instalação aconteceu no século anterior, por um

potentado62. Isso significa que mesmo havendo novas formas institucionais,

principalmente no século XIX, elas não implicaram a anulação das práticas assistenciais

anteriores de caridade individual. O mesmo não se pode dizer em relação ao ocorrido

nas províncias da Capitania do Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, a lei Provincial

número 9, de 22 de novembro de 1837 determinou que a Santa Casa de Misericórdia

daquela localidade estabelecesse a Roda dos expostos. “Tratava-se, portanto, de uma

imposição do poder central provincial”63.

Já em Cuiabá, houve uma particularidade na instalação da Roda dos Expostos,

segundo Renato Pinto Venâncio. Tal dispositivo era defendido pelos governadores, que

viam em sua instituição um papel civilizador. A Roda foi instalada em 1833, recebeu

sua primeira criança em 1844 e após quatro anos recebeu mais duas. Em 1852, foi feita

uma avaliação e foram propostas algumas reformas que não surtiram efeitos, levando ao

seu fechamento em 1863. Para o autor a Roda dos Expostos “traduzia muito mais as

expectativas das autoridades, imbuída de modelos e esperanças ante os enjeitados, do

que de pressões sociais decorrentes do abandono”64.

1- 4 A assistência aos enjeitados de Vila Rica

Na América Portuguesa as Santas Casas de Misericórdias surgiram praticamente

concomitantemente ao estabelecimento das principais povoações65, diferentemente da

de Vila Rica, que foi instituída no ano de 1738, ano em que a ocupação populacional já

62
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 141.
63
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 142.
64
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 142-143.
65
Nas localizações litorâneas da América Portuguesa como Salvador, Rio de Janeiro e Olinda, logo após
as suas populações serem estabelecidas se instituíam uma Santa Casa de Misericórdia, Hospital que
atendiam os aflitos. Ver em RUSSEL-WOOD, A.J.R. Fidalgos e filantropos..., p. 19-32.

39
se encontrava estabelecida. Entretanto, tudo indica que em 1720 Vila Rica tornou-se

sede da Capitania de Minas na mesma década em que o vigário Francisco da Silva e

Almeida, da Paróquia da Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto iniciou com os

habitantes da Vila uma petição ao Rei para a criação de uma irmandade da Misericórdia,

como era feito “nas demais terras principais”66. Em resposta, o vigário recebeu uma

carta do Conselho Ultramarinho, concedendo-lhe a permissão para construir a Santa

Casa de Misericórdia. Mas, o Conselho o advertiu da desconsideração dos privilégios67

pleiteados por ele. Em 2 de outubro de 1730, foi fundada a Irmandade da Santa Casa de

Misericórdia de Ouro Preto, tendo como Padroeira Nossa Senhora Sant’Anna. Essa

associação estabeleceu no seu Art. 1 que a função da Misericórdia “é a caridade que

tem por fim admitir e tratar em seu hospital”:

§ 1.º – Os Irmãos da Irmandade; § 2.º – Os enfermos não indigentes,


mediante o pagamento de diária estabelecida pela mesa
administrativa, sujeitando-se ao regimento interno; § 3.º – Os
enfermos indigentes, sem distinção de nação ou de religião. Art. 2 –
Logo que seus recursos financeiros permitirem, a Irmandade da Santa
Casa fundará, como filiais do hospital: §1.º – Um hospício de
alienados; § 2.º – Uma casa de expostos e asilo de menores
desvalidos; § 3.º – Uma maternidade; § 4.° – Um asilo de inválidos. 68

Todavia, mesmo com a criação da Irmandade da Misericórdia e com os seus

artigos pré-estabelecidos, o assunto do privilégio da proteção d´El Rei só voltou a ser

discutido no ano de 1734. Nessa época, os oficiais da Câmara de Vila Rica, juntamente

com o vigário e a população, estavam compromissados em estabelecer na região um

Hospital da Misericórdia que fosse reconhecido pelo Rei. Em 26 de Abril de 1734, os

camarários enviaram uma carta ao Rei Dom João pedindo a ele que estabelecesse em

Vila Rica um Hospital da Santa Casa da Misericórdia, já que era costume em todas as

66
Arquivo Histórico Ultramarino, Minas Gerais, Caixa 09, Doc. 05.
67
Os párocos pediram que a Santa Casa de Vila Rica tivesse o mesmo privilégio que possuía a Santa Casa
da Corte e a do Rio de Janeiro.
68
MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e Irmandades de Ouro Preto: a religião, Belo Horizonte:
Publicações do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1975, pp. 84-85.

40
cidades e vilas do reino haver um Hospital para atender os aflitos. Mas para que isso

ocorresse seria preciso a confirmação da aprovação e proteção do Rei.

Dom João por graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve da quem e


da lem mar em África de Guiné. Faço saber a vós oficiais da Câmara
de Vila Rica, que se viu a vossas carta de vinte, e seis de Abril de
setecentos ano, em que me representáveis, que sendo costume em
todas as cidades, vilas havia Hospital e Misericórdias para que o
provedor, Irmãos dela peçam para os prezos, e favoreçam vos os
aflitos nessa Vila sertava essas circunstancias, por cujo motivo me
pedíeis fosse servido mandar estabelecer nessa Casa de Misericórdia
reparação de novos declareis adaptação para que quereis fazer para
vosso estabelecimento da dita Casa de Misericórdia, e Hospital, e o
compromisso com que pretendeis estabelecê-la para a vista de tudo,
ver se o Rey de mandar confirmar, e tomar debaixo da minha proteção
estas casas, como sendo feito a outras. [grifo meu] vinte e três de
outubro de mil setecentos e trinta e quatro69.

Em 23 de outubro de 1734, o Rei responde a carta dos oficiais da Câmara,

declarando sua proteção para a instalação da Misericórdia. Porém, na mesma carta,

Dom João V solicitou aos oficiais uma declaração de onde viria a doação para criar e

manter a instituição. No mês de maio do ano de 1735 o governador de Minas apresentou

ao Rei Gomes Freire, o legado de Henrique Lopes de Araújo, capitão-mor da Vila, que

deixou para a Câmara fazer de sua herança o “bem comum”70 “especialmente para

criação de um Hospital”. No legado deixado por Henrique Lopes constavam umas casas

novas, outras inferiores e uma lavra contígua de faisqueira71.

O governador Gomes Freire, ao reportar a Dom João V sobre a herança de

Henrique Lopes, deixa bem claro para o Rei que as pessoas zelosas de Vila Rica, na

esperança de que o soberano lhes fizesse mercê na proteção do Hospital, compraram

casas em sitio para logo trazerem a cura aos doentes e fazerem mais obras de caridade

que estavam nos artigos da Irmandade da Misericórdia.

69
CMOP – Caixa 07, doc. 33.
70
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica – Ouro Preto no ciclo do ouro, Belo Horizonte,
1955, p. 141.
71
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...p. 141.

41
O governador de Minas Gomes Freire após analisar o legado de
Henrique Lopes, reportar a poucos dias se unirão as pessoas zelosas
desta Vila compraram casas em sítio acomodando em que fizeram
Hospital e desde logo tratarão de fazerem curar os doentes, e mais
obras de caridade que são do instituto da Irmandade da Misericórdia.
Essa iniciativa das “pessoas zelosas” fora adotada na esperança de que
o soberano lhes fizesse a “mercê e a todas estas Minas de tomar
debaixo de sua real imediata proteção, este Hospital e Congregação
para que fosse Casa Real de Miz.a como a do Rio de Janeiro e mais q.
há No Brazil”. Sendo certo que tal “concessão tão própria da real
piedade e de Vossa Majestade e animará os devotos que hoje cuidão
na enfermaria, e sem Ella, não será possível que continue o seu
Zelo”72.

Após dois anos, em abril de 1738, depois das referidas informações de Gomes

Freire a El-Rei, ele determina, sob sua real proteção, erguer em vila Rica a Santa Casa

de Misericórdia e o Hospital para tratar dos enfermos daquela Capitania - “e que esta

Misericórdia se governe pelo compromisso da Corte e do Rio de Janeiro”. Além disso,

no mesmo mês foi aprovado um Alvará, em 16 de abril de 1738, que concedia a licença

para criação da capela de Nossa Senhora Sant’Anna, padroeira da Irmandade73.

Porém, o que se sabe é que a Misericórdia de Vila Rica não chegou atingir os

privilégios que outras Misericórdias do litoral como a de Salvador e a do Rio de Janeiro

tinham. Ao que parece, a demora do repasse da verba do legado do Capitão Mor e mais

tarde o desinteresse da própria Câmara em auxiliar o Hospital, colaborou para que a

Misericórdia não alcançasse sequer a execução do § 2º do seu segundo artigo, que

tratava da casa de exposto e do asilo de menores desvalidos74. Isso fez com que a

Câmara ficasse com o encargo de criar os enjeitados da Vila até que eles completassem

sete anos de idade.

A Câmara de Vila Rica, desde a criação da Santa Casa em 1735, apresentava

desinteresse no repasse de verbas para a Santa Casa de Misericórdia, pois, o que

aparenta, de acordo com o documento elaborado pela Comissão Permanente da Câmara

72
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...p. 141-142.
73
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...p. 142.
74
MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e Irmandades de Ouro Preto..., p. 85.

42
de Vila Rica no século XIX, é que a Santa Casa de Misericórdia não era prioridade para

a Câmara, já que esse hospital recebia menos assistência do que as prisões, por

exemplo.

A comissão permanente, em vista do que expôs a visita do hospital e


prisões, reconhecendo que a deficiência de meios a disposição da
Santa Casa, inabilitada a mesa para fazer os melhoramentos
necessários e, as indicados em outras comissões, entende que nesta
presente nem uma providencia resta a dar-se. Quanto ao
melhoramento das prisões parece à comissão que deve segui-se a
prática adaptada, enviando-se por cópia para relativa providencia
tomada em consideração pela secretaria previdência75.

Logo, tal assistência ficou sob a responsabilidade da Câmara. Segundo as

Ordenações Filipinas era obrigação da Câmara Municipal criar o enjeitado nascido sob

a sua jurisdição. Caso essa jurisdição não dispusesse de renda para tal finalidade, a

legislação Filipina daria à municipalidade a autonomia de lançar fintas.

E não havendo hi tais Hospitaes e Albergarias se criarão a custa das


rendas do Conselho. E não tendo o conselho rendas, per que se passam
criar, os Officiaes da Câmera lançarão finta pelas pessoas, que nas
fintas e encarregos do Conselho hão de pagar76.

Isso era feito por meio de um pagamento mensal para famílias que se

disponibilizavam a criar um enjeitado, caso essa jurisdição não tivesse a Casa dos

Expostos e nem a Roda. Em algumas localidades onde não havia hospitais de expostos

era a Câmara que desempenhava o papel caritativo para sua criação e educação. Em

Portugal, os camaristas contratavam funcionários para recolher criancinhas abandonadas

nas ruas e esses contratados os levavam para as próprias residências, passando essas a

ser um ponto de referência para as pessoas que quisessem deixar seus filhos a cargo da

caridade pública. Os responsáveis por essa função recebiam o nome de pai dos meninos

ou pai dos enjeitados ou mãe dos enjeitados. Assim, logo após serem recolhidas, essas

75
APM, CMOP 3/4 Cx. 07 Doc. 18
76
www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p206.htm (acesso 22 de março de 2010).

43
crianças tinham que ser batizadas, levadas ao Senado da Câmara para que os senadores

as escrevessem no Livro de Matrícula dos Expostos para, posteriormente, serem

entregues ao Juiz dos órfãos, que indicava o tutor para criarem-nas. Os tutores recebiam

da Câmara uma quantia que variava em relação ao local e ao tempo. Nos três primeiros

anos, no período da amamentação, a quantia paga era maior do que a dos quatros

últimos anos77. Em Vila Rica, não houve esse procedimento em relação aos enjeitados,

já que não houve tutores para essa finalidade. As pessoas que encontravam as crianças

às vezes se tornavam seus criadores, mas em outras situações, quem as encontrava

apenas as encaminhava à Câmara.

Em relação ao pagamento realizado pela Câmara de Vila Rica aos criadores de

enjeitados era de 24 oitavas de ouro por ano, durante os três primeiros anos do bebê.

Esses pagamentos eram mantidos durante os quatro anos seguintes, porém com o valor

de 16 oitavas anuais78.

Pela Câmara desta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
na variação de trinta do mês de dezembro de mil e setecentos e
noventa e seis de fez [sic] da enjeitada Ignacia exposta na cadeia na
noite do dia vinte seis do corrente mês e entregue Martinho Rodrigues
Meira segundo a certidão do batismo que acompanhava digo Meira
morador no [sic] segundo a certidão do batismo que acompanhava
passada pelo Reverendo Vigoria da Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição desta Vila João Antonio Pinto Moreyra para se lhe pagar a
sua criação da dita exposta e entrega [sic] de vinte e quatro oitavas de
ouro por ano nos três primeiros anos da lactação e nos quatro diretos
para o complemento dos sete que é o prazo da lei de dezesseis oitavas
de ouro satisfeito por folha, na forma que se pratica79.

Segundo Renato Júnio Franco, os vereadores da Câmara de Vila Rica, na

primeira metade do século XVIII, fizeram várias manobras para não ficar com o

encargo de custear a criação dos enjeitados80. Como veremos, os vereadores ameaçavam

77
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas...op. cit., p, 26.
78
APM, CMOP Códice 116, Ver também LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica – Ouro
Preto no ciclo do ouro, Belo Horizonte, 1955, pp. 187-190.
79
APM, CMOP, Rolo 46 Flash 01. Lista de matrícula dos expostos
80
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas: a exposição de crianças em Vila Rica, século XVIII.
Mestrado da UFF. Niterói, 2006. p. 76

44
as populações com criação de fintas para pagar os custos com os cuidados dos

enjeitados.

Além disso, na maioria das vezes a Câmara de Vila Rica, ficava devendo os

criadores dos expostos. Tal evento foi evidenciado por meio da documentação de

Receita e Despesa da Câmara de Ouro Preto que nos mostra, por meio da quantificação

do período de 1770 a 1829 que, nas três últimas décadas do século XVIII, a Câmara

devia a aproximadamente 88% dos criadores e, nas três primeiras décadas do século

XIX, a Câmara ficou em débito com 72% dos criadores. A documentação mostra

também que a Câmara sempre teve dívidas parciais ou totais com esses criadores.

Porém, no período final do século XVIII e início do XIX elas assumiram maior vulto,

diminuindo as dívidas por volta de 181581.

1-5 Tentativas de instalação da Roda dos Expostos em Vila Rica

Entre 1795 e 1838 notamos que, em Vila Rica houve uma mudança, ou pelo

menos uma tentativa de transformação da forma de auxiliar os enjeitados que era feita

pela Câmara como uma “ação de caridade”. Nesse período, há indícios de uma ação

filantrópica por parte da Monarquia, embora esse termo não se configurasse como

filantropia tal qual a conceituamos nos dias atuais. Nesse novo cenário, a Roda dos

Expostos passa a ser uma preocupação da Câmara e dos mesários da Santa Casa e mais

tarde do próprio presidente da Província, que via nesse dispositivo uma forma de

salvaguardar os enjeitados. De acordo com a crença que também vigorava na Europa, ao

serem retiradas das ruas as crianças passavam a ter uma perspectiva maior de

sobrevivência e, mais tarde, se tornariam pessoas úteis aos interesses do Estado.

81
APM, CMOP 3/4 Cx. 01 Doc. 27. Esse documento expõe a receita e a despesa da Câmara de Ouro
Preto, evidenciando os gastos com os enjeitados desde 1770 até 1829.

45
A criação de leis relacionadas aos enjeitados leva-nos a inferir que os cuidados

com os expostos passaram a ser vistos com mais rigor e prioridade em todo o Império,

inclusive em Vila Rica que, posteriormente, tornou-se Ouro Preto, capital da província

de Minas Gerais.

A maioria da legislação referente aos expostos foi feita, principalmente, a partir

das primeiras décadas do período Imperial. Momento em que se acreditava que a

“instrução” da população pobre elevaria o Império ao nível das “nações civilizadas”,

superando as “heranças” do passado colonial. Entre essas heranças está a grande massa

de homens livres e pobres sem ocupação que trazia inquietação às elites, característica

da população de Vila Rica, constituída em sua maior parte por mestiços e negros, os

quais eram muitas vezes considerados a causa da dificuldade no exercício do governo82.

Não tinham lugar, nem ocupação, não pertenciam ao mundo do


trabalho, e muito menos deveriam caber no mundo do governo.
Predominantemente mestiços e negros estes quase sempre escravos
que haviam obtido alforria. Vagavam desordenadamente, ampliando a
sensação de intranqüilidade que distinguia a crise do sistema colonial,
estendendo-se pela menoridade83.

Assim, para que tais hábitos não estendessem às crianças abandonadas ou órfãos,

Vila Rica se via engajada nas estratégias de políticas públicas, possibilitando a essas

crianças uma maior atenção por parte das autoridades que acreditavam no discurso dos

iluministas, “que a instrução de todas as classes levaria superação da barbárie e da

desordem”. Nesse contexto, as discussões acerca da necessidade da instalação da Roda

dos Expostos tomam conta de Vila Rica no final do século XVIII.

Em Vila Rica, a primeira tentativa da instalação da Roda dos Expostos ocorreu

em 1795. O procurador do Senado da Câmara propôs auxílio financeiro para aquele que

82
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro...., p.162.
83
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema – A Formação do Estado Imperial Rio de Janeiro:
Access, 1994, p.114.

46
estabelecesse uma Roda com o objetivo de receber crianças expostas. A exigência era

que a instalação dessa Roda se desse na casa de uma pessoa honrada.

Em fevereiro de 1795, em conseqüência da justa representação, feita


pelo procurador atual desta Câmara, e da resposta, dada pelo Doutor
Ouvidor Geral, resolve o Senado estabelecer uma Roda, em que se
receberão os meninos expostos, Roda essa que se situará na morada de
um casal honrado, e de bons costumes, no qual se reconheçam as
qualidades necessárias, para com o devido desvelo de cuidar em
satisfazer as condições seguintes: Será estabelecida a dita Roda no
meio desta Vila, mas em rua pouco freqüentada, de sorte, que a
qualquer hora da noite e dia se possam expor os meninos na dita Roda,
sem que sejam vistos da publicidade, e por esta razão impedidos de o
poderem fazer84.

Essa tentativa ocorreu após 20 anos em que o alvará pombalino de 1775

decretou que fosse instalada a Roda dos Expostos em hospitais como a Santa Casa ou

em casas de pessoas honradas de todas as vilas e cidades do reino português. Com base

em alguns indícios, tal fato não se concretizou em Vila Rica, sendo adiado por tempo

indeterminado. Essa não instalação nos leva a indagar se o não comprimento dessa lei

em Vila Rica está relacionado com a diferenciação de localidade. Mas, se colocarmos a

situação dos expostos dessa região sob análise, perceberemos que, a partir de 1770, os

expostos só aumentavam, como mostra o Gráfico 285. Esse aumento chamava a atenção

da população que assistia ao sofrimento dos expostos, que eram abandonados nas ruas

na calada da noite e morriam antes mesmo de receberem alguma assistência86.

84
APM, CMOP Códice 116.
85
Esse dado foi retirado da analise dos documentos do Banco de dados referente às atas paroquiais da
Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG), projeto coordenado pela Profa.
Dra Adalgisa Arantes Campos (UFMG).
86
LOPES, 1955, a. p. 188.

47
Gráfico 2 - Batismo de expostos por década

250

Número de expostos
200

150

100

50

0
1730 1740 1750 1760 1770 1780 1790 1800 1810 1820 1830 1840
Décadas

A lei, de 18 de outubro de 1806, foi uma reafirmação de uma lei anterior que

decretava que toda Santa Casa deveria nomear um mordomo dos expostos. Cabia a ele

fiscalizar se alguma criança estava mal nutrida ou mal tratada pela família que a criava.

Em caso afirmativo, devia recolhê-la e levá-la de volta para a Santa Casa de

Misericórdia. O cargo de mordomo dos expostos não foi prioridade para a Santa Casa

de Vila Rica, já que, desde sua criação, em 1735, nenhum mordomo foi nomeado. O

presidente da mesa da Santa Casa escreveu um ofício ao excelentíssimo Provedor, em 5

de fevereiro de 1827, com o intuito de justificar a não eleição desses mordomos. Esse

documento evidencia a pretensão do presidente de tomar medidas para que se cumprisse

tal lei e se estabelecesse a Roda dos Expostos Regular. Além disso, a administração

dessa Roda deveria ser metódica, como se praticava na Corte do Rio de Janeiro.

Sendo presidente da mesa da Santa Casa da Misericórdia o oficio


dirigido ao seu excelentíssimo Provedor em data de 5 de fevereiro
deste ano, exigindo informação, se nas eleições das mesários se tem
nomeado o mordomo dos expostos de que trata o 7º da lei de 18 de
outubro de 1806, tem a honra de participar a Vossa Excelência que
desde o estabelecimento desta casa em 1735 nunca se nomearam os
referidos mordomos dos expostos por que nunca esteve a cargo desta
Casa de Misericórdia a criação , e educação dos mesmos, e nem
consta que a dita lei, depois de promulgada, fosse remetida
oficialmente a alguma das mesas para executa-la; razão por que tem
continuado a mesma omissão de presente.

48
Como porem agora é despertada a sua observância a mesa nomeou em
sessão de 7 de abril próximo passado o Reverendo José Joaquim
Viegas de Menezes, aquém passa a transmitir a copia da lei para o seu
governo parecendo que desta maneira tem a mesa desempenhado
quanto lhe cumpre a este respeito, uma vez que nos permitindo as
rendas da Santa Casa presente [sic] [sic], precárias, [sic] com a criação
e educação dos expostos, estabelecendo, como desejara, uma Roda
regular, e administração metódica, como se pratica na Corte do Rio de
Janeiro, e em quase todas as Casas de Misericórdia, estando
semelhante [sic] de administração pública a cargo da Câmara deste
termo, para o que percebe uma finta de [sic] imposto sobre todas as
[sic], que mesmo se cortas, nada mais cumpre a mesa, do que nomear
[sic] mordomo, para este executar literalmente a lei, a qual determina,
que nos lugares, onde a criação dos expostos é a cargo das Câmaras,
mordomo não terá outro cargo mais do que solicitar, zelar, e requerer
competente [sic] quando faz a bem dos mesmos.

Deus guarde a Vossa Excelência Imperial Cidade de Ouro Preto em


sessão 20 de maio de 1827.
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Francisco Pereira de Santos [sic]
Vice Presidente desta Província Gomes Freire de Andrade
Francisco de Assis de Azevedo Couto Manoel [sic] da [sic]
José Joaquim Viegas de Menezes
Joaquim José de Vieira
Lourenço Antonio Monteiro
Manoel José Monteiro de Barras
Antônio José Peixoto
Antônio José Ferreira Bretãs
Manoel Soares do Coutos87

Esse documento nos chama a atenção para o fato de que, a partir desse

momento, os cuidados com os enjeitados não deveriam ficar somente ao encargo da

Caridade, mas recairiam também sobre a Câmara e a população. A Câmara pagaria pela

criação das crianças enjeitadas, mas dependia do ato caridoso de alguém. Era necessário

que alguém encontrasse as crianças nas ruas e se dispusesse a levá-las para a própria

casa ou para a Câmara, a qual regularizaria, nesse caso, sua entrega a outra família.

O cuidado com os expostos se revelou mais presente nas discussões do

presidente da Mesa da Misericórdia de Ouro Preto, do procurador, do reverendo e até do

governador. Estava ocorrendo uma maior participação do Estado nessas questões de

ordem pública, especialmente de crescimento populacional e, nessa época, Vila Rica já

era Ouro Preto, capital da província de Minas e, como tal, teria maior interesse nesses

assuntos.

87
APM, SP 38 Caixa 01 Doc08

49
Em 14 de setembro de 1824, o presidente da província de Minas Gerais pediu à

Comissão encarregada do exame atual do estado e melhoramento da Santa Casa de

Misericórdia de Vila Rica, que enviasse um relatório contendo informações dos

rendimentos do mês aplicados na Ordem dos Expostos, mas ainda não havia nenhum

relatório a respeito, conforme resposta obtida. Além disso, a comissão reconheceu que

entre outros socorros públicos o mais importante era o que dizia respeito à criação, e

educação dos expostos e órfãos desamparados. A comissão, reconhecendo a importância

do tratamento que teria que ser dispensado ao exposto, fez com que ela aparentemente

voltasse à atividade demandada pelo presidente da província, que também pediu que se

acrescentasse ao relatório a quantia gasta com a Ordem dos Expostos de Mariana e a de

Querluz.

Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor = A comissão encarregada do


exame do atual estado, e melhoramento da Santa Casa da Misericórdia
desta cidade participa a Vossa Excelência, que tendo em ofício de 14
de setembro do corrente ano exigido entre outras a Ordem dos
Expostos, e informação do rendimentos a mês aplicados, não tem até
agora recebido nem a Ordem, nem informação alguma a este respeito,
e como lhe seja muito necessária uma, outra, roga a Vossa Excelência,
haja de dar as providências afim de que se vão paralisem os trabalhos
da comissão, como tem estado até presente. Conhecendo a comissão,
que entre os socorros públicos tem e um dos primeiros
estabelecimentos para a criação, e educação dos expostos, órfãos
desamparados, e vencida de que [sic] para reunião de muitas [conde?]
vencida poderá a efetuar o plano, que a este respeito medita, roga
também Vossa Excelência que me transmita a Ordem dos Expostos de
Mariana com informação dos rendimentos, que [sic] aplicados, se
informado, se a Câmara de Querluz também cuidara de Expostos, e se
os vereadoras dela tem propinas [sic] as desta cidade, e Mariana..
Vde a Vossa Excelência, por muitos anos Imperial Cidade a 1 de [ ]
de 1824
Senhor presidente da província de Minas Gerais
Castro José Cardoso
Marçal José
Bernardo Antônio Monteiro
Bernardo Pereira de Vasconcellos
Manoel Bernardo Varella88

O Jornal Universal era um periódico do século XIX que transmitia as notícias de

todos os acontecimentos importantes das províncias, além de temas internacionais.

88
SP, PP1, 38 Caixa 01 Documento 02

50
Desse modo, a discussão acerca dos cuidados com os enjeitados da capital da província

de Minas Gerais, Ouro Preto, era um assunto de extrema importância. Uma extensa

matéria do dia 30 de abril de 1830 descreveu em torno de 11 artigos como deveria ser a

instalação da Roda dos Expostos na Santa Casa de Misericórdia de Vila Rica. Essa

notícia saiu logo após a “Câmara Municipal desta Imperial Cidade ter atendendo ao bem

dos expostos, e querendo dar a providente destino à sua futura sorte”89.Todos os artigos

deixavam bem claro o cuidado que os funcionários da Santa Casa teriam que ter desde a

construção da Roda até oo recebimento do enjeitado. O 1º e o 2º artigo deixavam bem

claro como seria a instalação do dispositivo.

Artigo 1º: Será construída uma Roda na Santa Casa da Misericórdia,


para receber expostos, em conformidade ao Art. 220 das suas
posturas; e esta deverá ter o seu assento no lugar em que possa haver
mais fácil comunicação para fora; a fim de que a toda a hora do dia e
da noite, possa qualquer um pôr nela o exposto, sem receio de ser
espreitado, descoberto, ou conhecido90.

Artigo 2º: Haverá uma Campainha, que sirva de dar sinal a pessoa
encarregada para tomar conta dos expostos, a qual estará situada
próxima a sua habitação, para a despertar, e avisar em mais perto; e
dela sairá uma corda, que corra até à parte exterior da mesma Roda, e
cuja ponta fique imediatamente, e pendente91

Os artigos 3º e 4º mostravam como deveria ser o tratamento dado ao enjeitado pelas

mulheres responsáveis pelo seu cuidado assim que ele fosse colocado na Roda.

Artigo 3º: A enfermeira do hospital da Santa Casa deverá pertencer o


encargo de receber os expostos, quando aos mesários da mesma Santa
Casa lhes parecer que é aplicável o poder impor-se-lhe mais este
ônus; para o que o fiscal fica autorizado a se inteligenciar com eles:
bem como para lhe arbitrar a custa da Câmara, algum quantitativo,
quando seja necessário, e não possa conciliar-se de outro modo: ou
também na falta dela, para poder assalariar a outra qualquer pessoa,
que acuda com vigilância ao sinal da campainha, e faça a recepção do
exposto92.

89
O Universal. 33 abril de 1830.
90
O Universal. 33 abril de 1830.
91
O Universal. 33 abril de 1830.
92
O Universal. 33 abril de 1830.

51
Artigo 4º: Em observância ao supra citado Art. 220 da Posturas, que
manda haja uma Ama efetiva para amamentar os meninos, em quanto
não são dados a quem os cria; fica igualmente o Fiscal autorizado para
alugar a despeças da Câmara: e ela com obrigação de os tratar, até que
se lhe dê o destino designado no Art. 5º93.

Esses artigos da Santa Casa, transcritos pelo Jornal Universal, demonstram que

a Câmara, depois de quase um século de relutância em auxiliar financeiramente os

enjeitados, queria mudar a sorte dos expostos. Exemplo disso é o Artigo 4º, que

autoriza o Fiscal da Misericórdia a alugar, a encargo da Câmara, uma Ama de Leite

“para amamentar os meninos em quanto não são dados a quem os crie”.

De acordo com Venâncio, mesmo com a diminuição dos enjeitados em algumas

vilas ou nas cidades do século XIX, houve a instalação da Roda, sobretudo porque tal

dispositivo era defendido pelos governadores, que viam na instituição um papel

civilizador de crianças expostas, conforme exemplo verificado em Cuiabá:

Os índices de expostos, nas atas batismais, eram freqüentemente


inferiores a 1,0% ou mesmo inexistentes. No entanto, isso não
impediu a criação de uma Roda, em 1833. O resultado desse
experimento foi bastante curioso: a instituição não era procurada.
Somente em 1844 é deixada uma criança na Roda dos expostos. (...)
Até 1848, apenas duas crianças a mais foram deixadas na Roda. Em
1852, é feita uma nova avaliação e reformas (...) não surtiu efeito,
levando ao fechamento da Roda na década seguinte94.

O autor Henrique Barbosa da Silva Cabral, em seu trabalho Da obra Ouro

Preto, declara que houve a concretização da Roda dos Expostos em Vila Rica no ano de

183695. Entretanto, ao analisarmos o documento citado pelo autor, entendemos que a

Câmara, por meio de uma sessão de 1830, resolveu instalar a Roda dos Expostos na

Nossa Senhora da Cidade de Ouro Preto. Sessão essa que foi relatada pelo Jornal

Universal no dia 30 de abril do mesmo ano. Em 1836, a mesa do Hospital da Santa Casa

93
O Universal. 33 abril de 1830.
94
VENÂNCIO, Renato Pinto. Entre dois Impérios...., p. 142-143.
95
CABRAL, Henrique Barbosa Silva. Da obra Ouro Preto, Belo Horizonte, 1969, p. 57-77

52
recorreu à Câmara pedindo o estabelecimento da Roda, como declarava na sessão do

ano de 1830. Desse modo, o documento não deixa claro se foi estabelecida a Roda dos

Expostos em Ouro Preto em 1836:

Ilustríssimo Senhor = A Câmara Municipal desta cidade resolveu na


sessão de 18 de maio próximo passado que a resolução de 23 de abril
de 1830, se pusesse em prática quis por [sic] se remete a Vossa
Senhoria afim de que sobre ela haja de declara a esta Câmara se será
possível que nesse hospital se estabeleça a Roda de Expostos como
declara a referida. Resolução afim de que a Câmara passa então dar as
providências = Deus Guarda nossa Senhora Imperial Cidade de Ouro
Preto de junho de 1836. Ilustríssimos Senhores Provedor e mais
oficiais mesários da Santa Casa o presidente Antonio Ribeiro
Fernandes [sic] – O Secretário Candido Oliveira Jacques96.

Existe outro documento, datado de 1838, que nos induz a pensar que realmente

não houve a concretização da instalação da Roda dos Expostos em Ouro Preto: “A

Câmara reconhecia a humanidade da Nossa Senhora, e sentiu-se por não levar o feito à

obra da instalação da Roda dos Expostos”:

Senhor Monarca = A Câmara Municipal desta cidade resolveram na


sessão ordinária de 2 do corrente que declarasse a Nossa Senhora que
não tendo-se podido levar afeito a Roda de Expostos para qual Nossa
Senhora filantropicamente oferecera [sic] que venceu no ano de 1832
como coselheiro do conselho geral desta província, haja de tomar
conta da dita quantia uma vez que a Câmara sede de direito que nela
tinha = A Câmara reconhecido aos bons desejos que Nossa Senhora
prestou a bem da humanidade tem agradecerem-lhe a sua oferta,
sentindo não poder levar afeito a obra para que ela se destinara = Deus
Guarde de a nossa leal cidade de Ouro Preto 3 de abril de 1838.
Ilustríssimo Senhor Tenente Manoel Soares do Couto = O presidente
José Batista de Figueiredo – O Secretário Candido de Minas Jacques97.

Contudo, parece que a Câmara de Ouro Preto continuava com os cuidados aos

expostos, utilizando o mesmo procedimento de auxílio – pagando os criadores de

expostos para que esses ficassem encarregados de pega-los na rua, de educá-los e

alimentá-los. Conforme o documento datado de 1850, os criadores continuavam a levar

96
CMOP 308 Rolo 65 Flas 01
97
CMOP 308 Rolo 65 Flas 01

53
os expostos até a Câmara no dia do pagamento para que fosse certificado que a criança

estava bem e assim oficializar o pagamento ao criador.

Ilustríssimo Senhor tendo A câmara municipal dessa cidade de fazer


dividir pelos criadores de Expostos alguma quantia é chamando estes
por meio das folhas públicas para comparecerem com os enjeitados a
seu cargo, em dia 27 do corrente ás 10 horas da manhã e, faz ir o
responsável assistência de Vossa Senhoria a fim de examinar as
mesmas [sic] assiná-los se necessário por tanto assim [sic] para sua
inteligência = Deus o guarde a Nossa Senhora de Ouro Preto 29 de
maio de 1850 Ilustríssimo Senhor Doutor Bernardo Antônio Monteiro
médico do partido = igual o presidente José Batista de Figueiredo = o
Antônio Candido de Oliveira Jaques98.

Esses documentos, embora tragam informações precisas das modificações no

modo de agir das autoridades, os quais com relação aos cuidados com os enjeitados, não

há confirmação se houve a instalação da Roda dos Expostos. Além disso, percebe-se

uma intenção filantrópica dos presidentes das províncias de Minas, mas também não

encontramos indícios de sua concretização.

98
CMOP 308 Rolo 65 FLAS 01

54
Capítulo 2 – O Universo da exposição de crianças em Vila Rica

2-1 O abandono: Reflexão Historiográfica

O interesse dos pesquisadores pelo tema do abandono de crianças surgiu na

segunda metade do século XIX. Várias pesquisas foram realizadas onde o abandono era

legalizado. Juristas, médicos e estudantes de medicina, por meio de suas “teses” de final

de curso, avaliaram os trabalhos das instituições de caridade e filantropia. Contudo,

raros foram os historiadores “profissionais” daquele período que se dedicaram ao

tema99.

Até os anos setenta do século XX, havia um vazio de publicações sobre o

assunto. A historiadora Isabel de Sá explica que o vácuo de pesquisas nesse período

ocorreu porque a Escola dos Annales - considerada o passo fundamental da

historiografia do período pós-guerra - empenhava-se, em suas primeiras inquietações,

com a história econômica e a interdisciplinaridade nas diferentes ciências sociais.

Também se verifica, nesse período, um descaso por pesquisas relacionadas à

história institucional da Santa Casa de Misericórdia, uma das principais instituições

encarregada dos cuidados dos expostos, já que este estabelecimento agregava mais um

caráter político do que econômico, tornando-se menos importante para as pesquisas da

época100.

Foi a partir de meados dos anos setenta, que a história da criança enjeitada veio

fazer parte do universo de pesquisa dos historiadores. O historiador Philippe Ariès,

embora não tenha se dedicado diretamente a história do abandonado de criança,

99
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul: o caso dos expostos do Porto no
século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 12-13.
100
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na...., p. 12-14

55
demonstra-nos em seu trabalho História Social da criança e da família, a trajetória da

“descoberta da infância”, por meio de fontes iconográficas de períodos antigos e da

época Moderna.

Segundo o autor, até o fim do século XIII, a arte ignorava a infância ou não

queria representá-la. As crianças que existiam nessas pinturas não eram crianças que

possuíam caracterização ou expressão particular, mas sim “homens” em tamanho

reduzido. Além disso, essa recusa da arte em aceitar a morfologia infantil é considerada,

por Ariès, um traço em comum das civilizações arcaicas, período da história em que a

infância também não era legitimizada. Ainda de acordo com o autor, foi por volta do

século XV e XVI, no início da Idade Moderna, que a preocupação com a puerícia

começou a se refletir na sociedade e na iconografia religiosa da criança. As crianças não

eram mais pintadas como um homenzinho em miniatura e com o mesmo semblante,

passando a ser representadas com uma face delicada, ora sorrindo, ora chorando101.

Então, de acordo com Ariès foi no período convencionalmente chamado de

“Idade Moderna” que a preocupação ou atenção com a infância se tornou mais

acentuada, passando a criança de um estado de invisibilidade total para o de destaque na

lista de prioridades sociais. No entanto, muitos dos historiadores que trabalham com as

crianças abandonadas discordam com a cronologia do autor, quando ele ressalta que foi

no período Moderno que a puerícia passou a ter uma maior atenção. Tal critica se baseia

no fato de ter sido em razão de ser justamente nesse período, principalmente entre os

séculos XVIII e XIX, que houve um maior número de crianças enjeitados.

Porém, os fundamentos da análise do autor podem ser justificados exatamente

nessa época que começaram a ser criados mecanismos institucionais para o cuidado com

as crianças abandonadas. Não queremos aqui dizer que foi somente nessa época que

101
ARIÈS Philippe. História Social da Criança..., p.51-52.

56
houve as primeiras instituições de assistência as crianças. John Boswell nos relata que, a

partir do século V, as crianças desassistidas ou crianças entregues pelos próprios pais ou

“responsável” foram assistidas por uma prática institucional criada pelos monges, que

se chamava oblação102. Entretanto, os mosteiros não contavam com a participação da

sociedade ou do Estado e nem representavam, de forma sistemática, a importância dada

à infância nos períodos modernos.

Dessa forma, ao tentarmos caracterizar o momento de redescoberta da infância,

somos remetidos diretamente ao momento histórico em que ocorreu grande prática do

abandono destas. Pois, no final dos anos 1980, houve, por parte dos historiadores da

“Nova História”, uma expansão de pesquisas relacionadas à história social acoplada

com a demografia histórica, a história da família, da pobreza, da assistência e da

infância abandonada.

Os pesquisadores, ao abordarem o tema crianças abandonadas em suas teses,

dividiram-se ao atribuir a causa que levavam os pais a abandonarem a criança. Os

historiadores franceses, como François Lebrun, associavam o abandono de crianças a

uma alternativa do método contraceptivo. Para ele, tal método foi uma maneira que a

família encontrou para planejar a estrutura doméstica – em vez do infanticídio

abandonava se a criança indesejada103. Esta hipótese também é defendida por Jean-

Pierre Bardet, que chamou o abandono de “a contracepção dos pobres, dos ignorantes e

dos desajeitados”104.

A historiadora Isabel de Sá associou o abandono de criança a uma importante

causa. Segundo ela, a exposição da criança de famílias desfavorecidas ocorria para que

os pais tivessem um maior controle do tamanho da prole. Assim, poderia haver uma

102
BOSWELL, John. The Kindness of Strangers. The Western Europe from Late Antiguity to the
Renaissance. Londres: Penguin Books, 1988, p.228
103
LEBRUN, F. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa: Coleção Prisma/Edições Rolim, s/ano. p. 151.
104
BARDET. La contraception des pauvres, dês ignorants et dês maladroits.

57
redistribuição de crianças entre casas, de forma mais igualitária, existindo uma

circulação de crianças105. Ariès também trabalha com essa perspectiva de circulação;

ele nos revela que havia uma sociabilidade de movimentação de crianças, que foi

diminuindo à medida em que a “família nuclear” foi se estruturando106.

Nessa mesma temática, na década seguinte, o historiador Russell-Wood, ao

trabalhar com vários aspectos da história da Santa Casa de Misericórdia de Salvador,

buscou também compreender as causas do abandono de crianças daquela instituição.

Para ele, existiram dois fatores que povoaram a Roda dos Expostos dos baianos. O

primeiro, está associado à necessidade econômica dos pais. Segundo Russell-Wood, as

precárias condições econômicas dos pais não permitiam a criação dos filhos, sendo os

mesmos confiadas à Misericórdia durante o tempo necessário à reestruturação financeira

dessas famílias. O segundo fator de enjeitamento é atribuído pelo autor à prática do

adultério, por parte das mulheres brancas, que davam à luz crianças ilegítimas. Este

autor destaca que as mulheres brancas sofriam, nessa época, grande pressão social, não

ocorrendo o mesmo com as mulheres negras e mestiças107. Em sua opinião,

(...) nem sempre era produto de pais de classe baixa, e nem a mulher
era sempre de cor. Houve escândalos entre as famílias mais nobres da
sociedade baiana. A honra das moscas brancas tinha de ser preservada
a qualquer custo. O estigma de desonra ligado à mãe solteira era
infinitamente mais forte do que o estigma de ilegitimidade que o filho
teria de suportar. Se as ameaças paternas e os “remédios” de ervas não
dessem resultados, o nascimento da criança era mantido em segredo.
Os registros de enjeitados contêm numerosos casos de crianças
brancas deixadas na roda108.

Tal esclarecimento foi aceito pela historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva. A

autora - ao pesquisar sobre os expostos da capitania de São Paulo - declara que o

número de expostos era bem maior na Europa do que na América, uma vez que a

105
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na...., p.
106
ARIÈS Philippe. História Social da Criança..., p.225-231
107
RUSSELL-WOOD, A. J. R.. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755
Brasília: Universidade de Brasília, 1981, p. 234-263
108
RUSSELL-WOOD, A. J. R.. Fidalgos e filantropos...,p. 245.

58
carência da população seguramente induzia os pais a enxergarem os filhos “mais como

um beneficio do que como uma sobrecarga”. Assim, para ela, os enjeitados do Brasil

colônia eram a comprovação de relações ilícitas de mulheres de classe social elevada,

“para as quais se colocava a questão de salvaguarda da honra”109.

Outra historiadora, que também defende essa mesma teoria, mas com certa

ressalva, é Sheila de Castro Faria. Em seu trabalho, a Colônia em Movimento, a autora

relaciona o abandono com relações também ilegítimas ou adulterinas. Para ela, é pouco

aceitável supor que filhos legítimos ou de casais coabitantes, mesmo pobres,

expusessem seus filhos, “mão-de-obra básica das unidades domésticas”. Segundo a

autora, isso só ocorria em áreas urbanas. Além disso, Faria acredita que as famílias mais

abastadas teriam capacidades ou recursos para encobrir gestações com mais facilidade

do que os pobres, contando, até mesmo, com aceitação dos familiares, assim como de

padres e jurídicos110.

Roupas especiais, viagens em companhia de parentes para lugares


distantes (interioranos ou grandes cidades) e, principalmente, o fato de
filhas de pais ricos não precisarem necessariamente aparecer em
público (por não exercerem, no mais das vezes, atividade produtiva),
tornava-as particularmente privilegiadas para esconder a gravidez, em
relação às mais pobres, impossibilitadas de acesso a estes recursos.
Para estas, registrar o filho natural tornava-se uma das únicas soluções
possíveis e muitas vezes, posteriormente, colocar a criança em casa de
padrinhos ou parentes mais abonados para que fosse criada111.

A maioria dos pesquisadores, que retrataram a infância abandonada, acredita que

abandono e ilegitimidade são sinônimos. Maria Odila Silva Dias, em relação à sua

pesquisa em São Paulo no século XIX, sugere que o costume de abandonar ou oferecer

os filhos para serem criados por outras pessoas era um “derivativo do índice muito

109
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos expostos..., p. 148
110
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.69
111
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento..., p.76

59
elevado de filhos ilegítimos, principalmente de filhos de adolescentes entre 12 e 16

anos”112.

Laima Mesgravis, ao estudar os expostos da Santa Casa de Misericórdia de São

Paulo (1599?–1884), relaciona o abandono de crianças ao fenômeno da ilegitimidade e

da prostituição113. Luciano Figueiredo em, seu trabalho O Avesso da Memória, também

nos mostra que a prostituição, nas vilas mineiras, foi um oficio bastante perseguido

pelas autoridades. Havia vários motivos para isso, sendo um deles o fato de as

meretrizes enjeitarem as crianças, devido aos poucos recursos materiais que

possuíam114.

Em Vila Rica, encontramos dois documentos que relatam o esforço da Câmara

em combater o aumento do número dos expostos, culpando as meretrizes por tal ato, e

fazendo com que a população participasse desse controle sob pena de ser multada, por

meio de fintas.

(...) nesta Vila e sua Comarca várias mulheres com o ofício de


meretrizes públicas as quais não se contentando com as referidas
maldades vão à abominável ação de mandarem expor os filhos a que
vulgarmente chamam enjeitados sendo dignas de castigo pelo prejuízo
que dão às pessoas que costumam criar115.

a todas as pessoas de nossa jurisdição que caso saibam no seu distrito


ou vizinhanças acham algumas referidas mulheres meretrizes públicas
que tenham exposto ou enjeitado algumas crianças e estas estejam
fazendo despesa a este senado o façam a saber a tal câmara ou a seu
procurador; e esta notícia não só para os que já estão expostos na
forma referida senão também para as que expuserem para o futuro,
haja denúncia será tomada na dita câmara com todo o segredo e se
evitará com esta diligência dos denunciantes a conta que está próxima
a lançar-se por todas as pessoas desta Vila e sua Comarca116.

112
DIAS, Maria Odila Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense,
1984, p.142
113
MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1599?-1884). São Paulo: Conselho
Estadual de Cultura, 1976, 173
114
FIGUEREDO, Luciano Raposo. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas
Gerais no século XVIII, Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993, p. 84-85
115
APM, CMOP, Cód. 77, Edital de 10/03/1763.
116
APM, CMOP, Cód. 77, Edital de 10/03/1763.

60
Apesar dessas declarações, sabemos que várias foram as causas do abandono. O

historiador Renato Pinto Venâncio, ao avaliar os motivos que levaram ao abandono de

crianças no Rio de Janeiro e em Salvador no século XVIII e XIX, observa que várias

foram as causas que levaram ao abandono de crianças, como a pobreza, a morte dos pais

ou só da mãe, assim como os amores ilícitos117.

Em Vila Rica, por diferentes motivos, abandonavam-se tanto crianças de

famílias pobres como de famílias ricas. Como exemplo, temos um casal pertencente à

elite e que teve uma filha que se chamava Justina. Para salvaguardar a honra da família

e da mãe da criança, abandonaram provisoriamente a infante em casa de Ana Patrícia,

que a fez batizar em 21/06/1798, e escolheu para padrinho o alferes José Pereira de

Almeida. Depois de alguns meses, os pais se casaram e vieram buscar sua filha de

volta, legitimando-a perante o vigário. Justina foi registrada pelo padre da Matriz do

Pilar de Ouro Preto como filha legitima do capitão João Dias Magalhães Gomes e de

sua mulher, Tomásia Francisca de Araújo, pelo matrimônio subseqüente que ocorreu no

15/12/1798.118 A reputação da família ficou preservada após o casamento da filha. Fatos

como estes não foram raros.

Em 01 de agosto de 1803, Felipe foi batizado, após ter sido abandonado em casa

de Romana Teresa. Ao lado do assento do batismo está escrito que ele era filho legítimo

e o pai e a mãe pertenciam à elite. O pai era capitão e a mãe era Dona de “títulos”, que

aparecem antes dos nomes, nos demonstrando que os pais detinham alguma posse ou

status na sociedade. No referido documento lê-se: "é filho legítimo do capitão José

Fernandes de Lana e de D. Joaquina de Oliveira Jaques ao qual foi legitimado pelo

matrimônio subseqüente"119. Carolina, exposta em casa de Francisca Angélica, batizada

117
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas...
118
Arquivo da Casa dos Contos Microfilme. Rolo 6.014, v. 40.
119
Batizado em 1 de agosto de 1803, Id.8696.

61
em 27 de outubro de 1802, também foi “Legitimada pelo casamento subseqüente de

seus pais: sargento-mor Joaquim José de Souza e Josefa Camilla de Lelis”120.

No caso do exposto Delfino, os pais não apresentaram dados que pudessem

identificá-los como pessoas pertencentes à elite. Ao lado do assento, elaborado em

11/01/1796, era, “filho de Claudio da Silva Lima casado com Maria Margarida de Jesus,

cujo filho teve antes do matrimônio” (grifo meu)121.

O abandono da criança pelos pais poderia ser temporário, podendo até mesmo,

como vimos no caso da exposta Joaquina, ser estipulado o período para buscá-la.

"Joaquina exposta à porta de Inácia Maria, mulher solteira na noite do dia vinte e seis do

mês de Agosto do ano próximo passado. Batizada em 04 de setembro de 1785, com um

escrito que dizia a criasse por tempo de um mês, que depois a virão buscar"122.

Por outro lado, havia alguns casos em que o pai ficava com a responsabilidade

de criar o filho sozinho. Um dos motivos decorria do falecimento da mãe, levando o pai

– que muitas vezes se encontrava sem recurso financeiro ou psicológico – a abandonar o

filho. Este parece ter sido o caso de Joaquim, exposto "em casa de João Fernandes de

Oliveira". "(...) que declarou Alexandre Luis de Souza Pinto ser pai da criança

acima”123.

Há eventos de enjeitamento de crianças com enfermidade. Alguns pais sem

condições de cuidar da moléstia da criança a abandonavam, talvez pensado que dessa

forma poderiam salvaguardar a vida da criança. Eis alguns exemplos Thereza "exposta

em Thereza Maria dos Anjos, a qual tinha sido batizada em casa em perigo de vida pelo

Reverendo Luis Caetano de Oliveira Lobo"124; “Cecília exposta em casa de Anna

Pereira Pinta, em 22 de novembro de 1803, batizada em casa em perigo de vida pelo

120
Banco de dados..., Batizado em 27 de outubro de 1802, Id. 8518
121
Banco de dados..., Batizado em 11 de janeiro de 1796, Id. 458
122
Banco de dados..., Batizado em 04 de setembro de 1785, Id. 455
123
Banco de dados..., Batizado em 19 de janeiro de 1742, Id. 7
124
Banco de dados..., Batizado em 22 de agosto de 1784, Id. 259

62
reverendo Nicolau Pimenta da Costa”125; Plácido "exposto em casa de Violeta Maria de

Santa Rosa, o qual tinha sido batizado em casa em perigo de vida pelo infante"126.

Outro motivo de enjeitamento em Vila Rica se relaciona ao declino da

economia, crescimento da pobreza e a imigração dos habitantes da área urbana. A

situação do abandono piorou no período de 1770 a1800. O pesquisador Iraci Del Nero

da Costa, em seu trabalho Vila Rica: População (1719-1826), percebeu, por meio da

análise de documentos batismais dos expostos da Igreja Nossa Senhora da Conceição do

Antônio Dias, que nos períodos da decadência do ouro e o empobrecimento resultaram

em um aumento significativo no número de abandonos. De acordo com os dados

levantados por este pesquisador, passou-se de 4 enjeitados batizados no decênio de

1724-1733 para 167, na década 1799-1808127. Esse cenário surgiu quando os pais ou as

mães solteiras, na impossibilidade de sustentarem os filhos, os abandonaram.

Desse modo, se compararmos o quadro 2 com o quadro 3, notamos que, na

década de 1760, a população de Vila Rica se encontrava em torno de 20.000 habitantes

e o número de expostos batizados na Matriz do Pilar atingia 49 batismos. Embora, o

dado populacional da década de 1796 faça referência a população do termo de Vila

Rica, percebemos que nesse período ocorria uma modificação na demografia

populacional da cidade de Vila Rica. Essa situação fez com que o batismo de exposto

alcançasse 191 batismos. No ano de 1804, observamos que a população de Vila Rica

atingiu 8.867 habitantes e o batismo de exposto, do final da década de 1799 juntamente

com a década de 1800, se somados os da Pilar e os da Conceição do Antonio Dias,

alcançaram cerca de 280 batismos.

125
Banco de dados..., Batizado em 2 de dezembro de 1803, Id. 626
126
Banco de dados..., Batizado em 22 de dezembro de 1783, Id. 244
127
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Minas Colonial..., p. 27-28

63
Quadro 2 – População de Vila Rica 1760-1820

Cidade 1760 1779 1789 1796 1799 1804 1806 1808 1817 -
1822
Vila 11 000*
Rica - - - ou
c. 20 000** 8 867*
c.20 000* 12 000* 22 222** c. 8000*

Fonte: FONSECA, Cláudia Damasceno e VENÂNCIO, Renato Pinto. Vila Rica: Prospérité et déclin urbain
dans le Minas Gerais (XVIIIe-XXe siècles). Artigo publicado em: Laurent Vidal. (Org.). La ville au Brésil
(XVIIIe-XXe siècles) naissances et renaissances. Paris: Rivages des Xantons, 2008, v. p. 179-204.
• Dados sobre a população da cidade aglomerada (paróquias de Pilar e AntonioDias)

• ** Os dados sobre a população da cidade e do município (termo)

Quadro 3 - Expostos por Década


Batismo 1760-69 1770-79 1780-89 1790-99 1800-09 1810-19 1820-29
Expostos 49 91 141 191 113 8 4

Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG), coordenado pela Profa. Dra Adalgisa Arantes Campos (UFMG).

O historiador Donald Ramos também associa o período de decadência do ouro

de Vila Rica com o momento de maior número de crianças abandonadas. Segundo ele,

foi nessa época que a população de Vila Rica se encontrava em dificuldades

econômicas, “obrigando” os habitantes a imigrar para outras regiões das Minas em

busca de trabalho. Em razão disso, as mulheres passaram a predominar em relação aos

homens, as quais chefiavam e sustentavam os seus domicílios. Acontecimento

semelhante também ocorreu no norte de Portugal, particularmente na cidade do Minho,

devido à emigração dos homens daquela cidade para região das Minas, principalmente

para Vila Rica. No início do século XVIII, sucedeu que naquela região houve uma

64
predominância de mulheres sobre os homens, que chefiavam a família e tiveram uma

grande taxa de crianças ilegítimas e abandonadas128.

O gráfico 2129 mostra-nos que houve em Vila Rica aumento no número de

crianças ilegítimas e expostas, principalmente nas décadas de 1790 e 1800, período esse

de crise da mineração. No ano de 1800, os ilegítimos ultrapassavam os legítimos. O

número de expostos também era elevado. Esse evento leva-nos a pensar que Vila Rica

poderia estar vivenciando um momento semelhante ao que ocorreu na cidade do Minho.

Gráfico 3 - Comparativo entre crianças legítimas, ilegítimas


e expostas
600

500
Número de crianças

400
Legitimos -
300 Ilegitimos -
Expostos -
200

100

0
1750 1760 1770 1780 1790 1800 1810 1820
Décadas

Contudo, notamos que não uma, mais várias foram as causas do abandono de

crianças em Vila Rica. Com certeza cada evento apresentava suas particularidades, que

os assentos oficiais não puderam registrar com mais especificidades.

128
RAMOS, Donald. Do Minho a Minas:a emigração para Minas Gerais, iniciada no período colonial
especialmente oriunda da região norte de Portugal, reproduziu na América portuguesa padrões familiares
semelhantes aos da origem. Revista do Arquivo Público Mineiro 133.
129
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro
Preto. LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas Gerais, Vila Rica – 1804 – 1839. Mestrado
de História/UFMG, 2004, p. 36

65
2-2 Antropologia e a Circulação de Criança

Os antropólogos estudam, desde há muito tempo, a circulação de crianças em

sociedades contemporâneas. Foram eles que desenvolveram o conceito de “circulação

de crianças”. Para alguns deles a expressão designa crianças temporária ou

permanentemente confiadas a pessoas distintas dos respectivos pais biológicos.

Sobre essa temática, citaremos o antropólogo Jack Goody para melhor

esclarecermos a importância de percebermos a circulação de criança na sociedade

passada, pois o próprio autor, mesmo que de forma breve, faz uma alusão a alta taxa de

mobilidade das crianças abandonadas. Em seu trabalho Adoption in cross-cultural

perspective, Jack Goody aproxima a teoria da circulação de crianças a distinção entre

“fostering” (criação) e “adoption” (adoção). Fostering diz respeito ao procedimento de

criação da criança e não do sentido jurídico de estatuto ou de arrolamentos familiares

que a adoption envolve; a criação da criança por meio do “fostering” pode ser

temporário ou provisório, ao contrário da adoption que implica uma transferência

definitiva e legal da criança para outra família. Nessa perspectiva, Goody afirma que

havia possibilidade de crianças sem família – órfão e exposto – serem integradas em

outras famílias, mesmo que fosse na forma de adoção legal, pois as famílias criadoras e

amas de leite eram vistas como uma família “fostering”, além disso, talvez mais tarde a

criança poderia se tornar uma integrante da família acolhedora130.

Assim sendo, as crianças expostas eram entregues para famílias criadeiras ou

amas-de-leite, as quais se comprometiam a criá-las por tempo limitado ou ilimitado.

Quando a estadia era provisória, as crianças não voltavam para família de origem, eram

130
GOODY, Jack. Adoption in cross-cultural perspective. Comparative Studies in Society and History,
vol. 11, 1969, p. 55-78. Apud SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul: o
caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 11.

66
enviadas para outras famílias ou para instituições assistenciais, contribuindo deste modo

para uma alta circulação dos mesmos.

Phillipe Áries, ao retratar a passagem da família medieval para a família

moderna, revela-nos que havia uma elevada mobilidade das crianças maiores de sete

anos de idade. Elas eram colocadas nas casas de outras pessoas, permanecendo nessas

casas até completarem 14 ou 18 anos. Durante esse tempo, a criança se tornava um

aprendiz, aprendendo serviços domésticos, artesanato e como se comportarem. Nessas

condições, “as crianças desde muito cedo deixavam sua própria família, mesmo que

voltasse a ela mais tarde, depois de adulta, o que nem sempre acontecia”. Essas crianças

de alta mobilidade não necessariamente eram pobres e os pais que enviavam os

respectivos filhos também recebiam em suas casas outras crianças para eles ensinarem.

Embora Ariès não se referisse exclusivamente à criança abandonada, ele nos revelou a

movimentação das crianças na Época Moderna, mostrando de forma cultural o

relacionamento da família com os filhos, que para o autor era uma realidade moral e

social, mais do que sentimental131.

A historiadora Isabel de Sá observa que muitas crianças não foram amamentadas

pelas próprias mães, mas por amas de leite, sendo que a maioria delas foram criadas

fora da casa dos pais e confiadas a outros agregados familiares para serem educadas e

outras eram simplesmente confiadas a terceiros como aprendizes. Tais transferências de

encargo levava os pais a permanecerem pouco tempo com seus filhos. Nessa

perspectiva, a autora associa o abandono de crianças a um ambiente de sistema

integrado marcadas pela mobilidade interfamiliar. Para ela, a circulação de crianças seja

expostas ou não ocorria tanto entre famílias dispostas a criá-las, quanto em instituição

de auxílio, o que mostra a movimentação das crianças enjeitadas.132 Dessa forma,

131
ARIÈS Philippe. História Social da Criança..., p.225-231
132
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 10-22

67
identificamos na antropologia o conceito de circulação de crianças, para descrever a

alta mobilidade de crianças abandonadas de Vila Rica.

Acreditamos que o abandono de crianças era por natureza secreto, portanto, o indivíduo

que se expunha tinha como objetivo preservar a sua identidade e encontrar um lugar e

um horário seguro para abandonar o infante. Nas áreas urbanas das vilas coloniais, onde

as Rodas dos Expostos se faziam presentes, essas instituições ajudavam os pais a

conciliar tanto preservação da identidade como o lugar e o horário seguro para expor o

filho. Porém, como vimos, Vila Rica não possuía tal dispositivo, fazendo com que o

abandono de crianças fosse vivenciado em locais públicos, como nas portas das casas,

nas ruas, igrejas e hospitais. Deste modo, apresentaremos, por meio do quadro 4, a

mobilidade de um grupo de crianças enjeitadas, cuja trajetória foi identificada na

documentação analisada.

Quadro 4 - Mobilidade das Crianças

Nome da pessoa Dias que a criança


Nome do que encontrou o permaneceu com o Nome do criador
Exposto enjeitado primeiro criador permanente Local da exposição
Procurador Atual Rita Gonçalves de
Ana da mesma câmara No mesmo dia Carvalho
Capitão José Alves Francisca Vaz Fazenda dos
Rita Maciel No mesmo dia crioula forra Calheirões
Bernardo José da Venância Josefa da Freguesia Da Nossa
Anselmo Encarnação No mesmo dia Câmara Sra. Conceição
Lucia escrava do
Hipolita Romana Teresa No mesmo dia capitão Francisco
Reverendo Vigário
da Freguesia de
Congonhas do Dona Ressurreição
Domingos Campo No mesmo dia viúva Ouro Preto
Manoel Antônio da Freguesia Ouro
Tereza Ana Machado 4 dias Silva pardo forro Preto
Maria Álvares Alto da Cruz da
Custódio crioula forra 7 dias Antônio Marinho freguesia
Ana Mendes de Felícia Teixeira Bairro de Padre
Jacinto Vasconcelos 8 dias Assunção forra Faria
Antônio Manoel Caetano 9 dias Paulo Dias
Capitão Domingos Freguesia Da Nossa
Luiz da Cruz 10 dias Antônio Marinho Sra. Conceição
Reverendo Antônio de Paula
Mariano “Neucau” Pereira 11 dias Coimbra

68
da Costa
Maria da Silva Feliciana Maria
José Aguiar 13 dias parda forra Rua do Rosário
Rosa Maria mulher
de Gonçalo de Freguesia de
Maria João da Costa 13 dias Souza Rabelo Antônio Dias
Capitão Thomás
Joaquim de Thomé Joaquim
Cândida Almeida (Frant) 13 dias Alves Rua Direita
Ana Francisca de
Dona Francisca do Andrade crioula Freguesia Da Nossa
Claudina Pillar Eliana 15 dias forra Sra. Pilar
Manoel da Silveira
Antônia Gato 15 dias Ana Maria de Faria rua das cabeças
Doutor
Desembargador
Intendente Antônio João Nunes
Antônio de Brito Amorim 17 dias Maurício
Dona Ignácia Maria Freguesia Ouro
Joaquina Manoel dos Reis 20 dias dos Reis Branco
Jerônimo de Antônio de Souza
José Lemos 20 dias Coelho Padre Faria
Rita Maria da Freguesia Itabira do
Joaquim Thomas de Aquino 21 dias Conceição Campo
Antônio Lucas de Souza 25 dias rua das cabeças
Vitoriana Teixeira
da Graça crioula Freguesia de
Francisco forra 26 dias Ângela Gomes Antônio Dias
Margarida de Matos
Francisco Domingos Pinto 30 dias crioula forra R de trás dita Matriz
João Coelho da
Claudina João Nunes 1 mês câmara
João Rodrigues de Dona Rosa Maria
José Macedo 1 mês de Jesus
Josefa Correia da Mariana Correia da Freguesia de Ouro
Francisco Silva 1 mês Silva Preto
Dona Ana Joaquina Freguesia Da Nossa
Manoel 1 mês de Souza Ozório Sra. Conceição
João Machado
crioulo forro Antônio Marinho Padre Faria de
Francisco casado 1 mês casado Antônio Dias
Capitão Manoel
Francisco de Francisca Ângela de rua nova do
Venância Andrade 1 mês Souza parda forra Sacramento
Francisca Ângela de
Souza parda forra, e
Capitão Francisco desta Para Ignes
Filipe de Freitas Braga 1 mês Sebastiana
Marques Baltazar Gomes de Freguesia Da Nossa
Cândido Guimarães 1 mês Azevedo Sra. Pilar
Coronel Cortes Ajudante Manoel
Ignácio José da Silva 1 mês Álvares de Meireles
Atual procurador
da mesma câmara
Capitão Francisco Capitão Manoel
Luiza de Freitas Braga 1 mês Antônio Morais
Reverendo
Francisco Ferreira Capitão Antônio
Adão da Cunha 1 mês Leite da Silva Ponte do Caquende

69
João Pereira Maria Dias Maciel
Rosa Zacarias 1 mês crioula forra
João Pereira Cipriana de Jesus
Bárbara Zacarias 1 mês Batista viúva
Joana Lopes Ana Marcelina
Francisca crioula forra 1 mês crioula forra R. Vigário da Pilar
Capitão Thomás
Joaquim de Antônia Gomes de
Vitoriano Almeida 1 mês Barros R. Santa Guitéria
Alferes Luiz Ana Francisca parda R. direita da casa da
Ignácio Gomes da Fonseca 1 mês forra câmara
Francisco Xavier
de Andrade Maria Pereira da Freguesia Da Nossa
Joana Ferreira 1 mês Gama Sra. Conceição
Alferes Domingos Maria Cristina de
Guintiliana Gonçalves 1 mês Jesus Morro da Piedade
Freguesia Santo
Alferes José de Antônio da Casa
Antônia Matos 1 mês Josefa da câmara Branca
Gerente Coronel
José Duarte Joana Maria preta Cadeia de Ouro
Felicidade Pacheco 1 mês forra Preto
Joaquina Francisco José 1 mês Maria da Cruz Ponte do Caquende
Reverendo
Joaquim Roberto
Maria Silva 1 mês Caetana Maria r. dos Paulistas
Ana (exposta
de Ana de
Almeida) Ana de Almeida 1 mês Joaquim da Cunha r. do Rosário
Procurador do
(Sena) do Capitão Catarina da Guarda,
Antônio Dias moradora da rua dos
Ignacia Botelho 1 mês paulistas
Francisca Dionisia Marcelina Batista
Rita (parda forra) 1 mês crioula forra rua do ouro preto
Jerônimo de Souza Edevirgem
Antônia Lobo Libra 2 meses Rodrigues de Souza
Manoel de Araújo Nazaré Ferreira de
Graciana Pereira 2 meses São Lucas
Coronel [Ventano]
Fernandes de Alferes Antônio
Antônio Oliveira 2 meses Martins
Sargento mor
João Gomes Gonçalo da Silva Freguesia Da Nossa
Fantina Batista 2 meses Morais Sra. Pilar
Manoel Luiz Eliana Fernandes Padre Faria de
Francisco Soares 2 meses crioula forra Antônio Dias
Capitão Francisco Antônio Moreira
Luiz de Freitas Braga 2 meses Duarte
Alferes Pedro Manoel José da Praça do Antônio
Maria Oliveira Jaques 2 meses Purificação Dias
Sargento mor
Teotônio Maurício Capitão Luiz Alves R. direita da casa da
Joaquim de Miranda Ribeiro 2 meses Esteves câmara
Procurador da
mesma câmara
Capitão Antônio Francisca Arcangela
Sabino Rodrigues Braga 2 meses de Souza
José Alferes João de 2 meses João da Silva de Arraial dos Paulistas

70
Oliveira Oliveira
Dona Francisca
Xavier de Felicia Matildes de
Maria Vasconcelos 2 meses Vasconcelos
João Batista Manoel Pereira da R. direita da casa da
Francisca Jacobina 3 meses Cunha câmara
Maria Roseira Antônia Soares de
José crioula forra 3 meses Oliveira rua nova
Doutor Paulo José
de Lana Costa
Luiza Dantas 3 meses Antônia de Oliveira
Padre (...) Dias de Antônia Gomes de Freguesia de Ouro
Manoel Almeida 4 mês Barros Preto
Doutor José Dias Dona Ana Guiteria
Ana Benedita Rosa Maciel 4 meses da Luz Alto da Praça
Capitão Domingos Freguesia de
Maria da Rocha Pereira 4 meses Mexias dos Santos Antônio Dias
Domingos Pinto Francisca Rodrigues
Feleciana Correia 4 meses Chaves
Reverendo Freguesia Santo
Antônio da Silva Ana Maria Antônio da Casa
Antônia Pereira 4 meses Fernandes Branca
Sargento Mor
Manoel Pinto Catarina Dias
Catarina Lopes 5 meses Ramos Ponte do Rosário
Alferes Pedro de Manoel José da Freguesia Da Nossa
Maria Oliveira Jaques 6 meses Purificação Sra. Pilar
Freguesia Do
Antônio Mendes Congonhas do
José da Cunha Jardim 7 meses Josefa da câmara Campo
Antônio José dos Maria Rosa dos
Manoel Santos 9 meses Anjos
João Gomes de Ignácia da Silva de
Cândida Batista 10 meses São
João Moreira Jacinto Alves de
José Ribeiro 11 meses Meireles Morro de Santa Ana
Capitão Francisco Manoel José à porta do
Manoel Caetano Ribeiro 11 meses Valasco procurador da vila
Ana Luiza crioula
Emerenciana Mariana Correia 1 ano forra Praça dessa vila
Freguesia Santo
Maria Pereira Manoel Alves da Antônio da Casa
Joaquim parda forra 1 ano Cruz Branca
Alferes Francisco Dona Angélica dos
Cândida Xavier Luis 1 ano Anjos
Freguesia Do
Dona Valencia (...) Congonhas do
Maria Clara de Jesus 2 anos Benedito Alves Campo
Francisco Xavier
de Andrade Maria Pereira da Freguesia Da Nossa
Joana Ferreira 3 anos Gama Sra. Conceição
Jerônimo Pimenta da
Guiteria Antônio de Moura 3 anos Costa Matriz da cachoeira
Fonte: Lista de Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88
(1751-1784); Cód. 111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804).

71
Antes de analisar o quadro 4 são necessários alguns esclarecimentos. O número

total de crianças escritas, na Lista de Matrícula dos Expostos da Câmara de Vila Rica

(1770-1804), chegou a 603 registros, porém alguns documentos, embora padronizados,

diferenciam-se no conteúdo das informações que traziam. No quadro 4, conseguimos

registrar 80 casos de crianças que permaneceram por alguns dias, meses e anos nas

casas das pessoas que as encontraram, sem que o sujeito ou família tenha recebido

algum pecúlio, até serem enviados para os criadores permanentes, por intermédio do

auxílio da Câmara.

Embora esteja claramente identificado no quadro 4, veremos de maneira mais

detalhada na Planta133 de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar, no capítulo seguinte, que

algumas das crianças foram abandonadas nas ruas, igrejas, praças e nas portas de

pessoas que parecia ser selecionadas pelos pais para encontrá-las. De modo geral,

podemos colher algumas evidências desse quadro. Calculamos que dos 80 indivíduos

que acharam os expostos, 40 deles não possuíam nenhum título e 40 deles possuíam

algum título como patente militar (coronel, tenente, alferes), oficiais do senado

(procurador), membros da igreja (reverendo, padre), donas e negras forras, sugerindo

que os pais selecionavam algumas pessoas para acolherem os seus filhos, sendo que a

maioria dos acolhedores possuía algum título. Notamos que, das 80 pessoas que se

tornaram criadores permanentes, 26 delas tinha algum título e as outras 55 não detinha

nenhum status.

Também constatamos que o tempo de transferência do exposto para a família

permanente podia variar. Alguns criadores temporários entregavam a criança à Câmara

no mesmo dia que as encontravam, como foi o caso do Procurador Atual da mesma

Câmara com a exposta Ana, que foi encontrada por ele e foi entregue no mesmo dia a

133
Mapa de Vila Rica de 1798

72
Rita Gonçalves de Carvalho134. Eis outras ocorrências semelhantes: Capitão José Alves

Maciel entregou a exposta Rita no mesmo dia, que a recebeu a Francisca Vaz crioula

forra135; Reverendo Vigário da Freguesia de Congonhas do Campo deu o exposto

Domingos a Dona Ressurreição mulher viúva136. Há casos de crianças que foram

entregues à Câmara depois de um mês. Este foi o caso da exposta Inácia, entregue ao

Procurador da Câmara, o Capitão Antônio Dias Botelho um mês após se abandonada à

Catarina da Guarda, moradora da rua dos paulistas137. O Reverendo Joaquim Roberto

Silva fez o mesmo com a exposta Maria. Depois de um mês, a entregou à Caetana

Maria138. Há casos de expostos que permaneceram um ano ou mais com a pessoa que o

encontrou. Maria Pereira, parda forra, permaneceu por um ano com o exposto Joaquim

até ele ser entregue a Manoel Alves da Cruz139; Dona Valencia (...) Clara de Jesus ficou

com Maria por dois anos, com uma criança que depois foi conferida a Benedito

Alves140; Antônio de Moura permaneceu por 3 anos com a exposta Guitéria, até ela ser

confiada a Jerônimo Pimenta da Costa141.

Tentamos mostrar que a mobilidade da criança em Vila Rica era alta. O exposto

era antes encontrado por uma pessoa selecionada pelos pais ou não, a qual decidiria se

ficaria com ela. Esse tempo de decisão, como vimos, podia variar e se por acaso as

pessoas que as achassem não quisessem ficar com a criança, a enviava para a Câmara,

para ser criada por outro criador. Essa circulação poderia ocorrer por diversos motivos.

Havia pessoas que não estavam aptas para criarem uma criança, outras que apenas não

queriam esse encargo, além de questões relacionadas com os conceitos de moralidade

social da época em questão. Isabel, por exemplo, foi deixada na casa de Manoel Martins
134
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111(1781-1790) Matriculado 14/01/1786 – Folha, 30
135
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 116 (1790-1796) Matriculado 10/04/1793 – Folha, 50
136
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 30/08/1800 – Folha, 70
137
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 09/05/1801 – Folha, 80
138
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 21/02/1801 – Folha, 78
139
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 116 (1790-1796) Matriculado 12/03/1796 – Folha, 63
140
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 08/02/1804 – Folha, 85
141
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 07/04/1804 – Folha, 86

73
dos Anjos, por esse último ser solteiro, ele a enviou para uma casa de família mais

capaz de lhe dar uma boa educação142. Também poderíamos pensar que o período em

que a criança abandonada permaneceu na casa da família que a encontrou ocorresse

devido à necessidade da Câmara de encontrar outro criador. Além disso, se o sujeito não

quisesse criar uma criança, a Câmara logo a enviava para outro criador. Este foi o caso

da enjeitada Maria, encontrada por Ana de Almeida que a entregou à Câmara, e esta

última a encaminhou a Joaquim da Cunha143. Situação semelhante foi vivenciada por

Filipe, exposto a Capitão Francisco de Freitas Braga, entregue pela Câmara a Ângela de

Souza, parda forra; essa última não quis ficar com o enjeitado e o enviou, com

aprovação da Câmara, a Inês Sebastiana144.

A casa da ama-de-leite foi outro lar em que algumas crianças ficaram por algum

tempo, sugerindo uma movimentação de crianças. Por causa da necessidade especial de

se alimentar um bebê, muitos criadores que não possuíam ama-de-leite em casa as

contratavam ou transferiam os bebês para essas a casas. Renato Venâncio afirma que as

amas-de-leite do Rio de Janeiro e de Salvador eram recrutadas principalmente na Zona

urbana, ao contrário do que ocorria na Europa, onde se buscavam de preferência amas

camponesas. Em São Paulo, a maioria das amas-de-leite da Roda da Santa Casa residia

em distantes bairros rurais.

Embora tenhamos poucos documentos que relatam o assunto em Vila Rica, há

sugestões de que algumas crianças foram enviadas para a residência da ama e outras

crianças tiveram privilégios de receber a ama na casa de seu respectivo criador. Este foi

o caso do alferes Manoel Francisco Carneiro, que pagou a ama-de-leite quatro oitavas

por mês para alimentar o enjeitado de nome José145. Não se tratava de uma ocorrência

142
APM, CMOP, Cx. 71, Doc. 07
143
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado11/04/1801 – Folha, 564
144
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111(1781-1790) Matriculado 13/08/1785 – Folha, 83
145
APM, CMOP, Cx. 40, Doc. 16

74
isolada Manoel Carvalho recebeu uma enjeitada branca e “como é homem já de idade e

não tem negra de leite que a crie (...) foi preciso alugá-la146. Muitos desses criadores

pediram para Câmara repor o dinheiro que eles gastaram com o pagamento da ama, pois

segundo Ordenação Filipina, era de responsabilidade do Conselho camarario arcar com

a alimentação e vestimenta do exposto. Infelizmente para Vila Rica não temos nenhuma

estimativa de quanto se pagava uma ama e, além disso, temos pouca informação sobre

quem seriam elas e se havia uma classe de mulheres privilegiada para tal função. O que

observamos são casos, como o do criador Vicente Ferreira Fonseca, que pediu para a

Câmara a matrícula do exposto, para poder alugar uma negra147. Outra situação

semelhante foi o caso do Coronel citado acima, que precisou de uma negra de leite para

o enjeitado que havia acolhido. Muitos historiadores, que estudam sobre amas, relatam

que a maioria delas eram escravas, seguidas das pardas e brancas. As escravas, por

apresentarem em elevadas porcentagens de natalidade, eram as mais adaptadas para

amamentação dos infantes, o que se tornou mais uma atividade lucrativa para os

senhores que as enviavam para a Misericórdia para trabalharem como amas-de-leite148.

2-3 A exposição: amor ou desamor?

O abandono de crianças era visto pelos letrados e autoridades como uma atitude

de irresponsabilidade e de desamor dos pais com relação à prole. Muitos textos oficiais

demonstravam que o gesto dos pais em expor um filho era assimilado ao descaso e a

falta de moral. Renato Venâncio, em seu trabalho Famílias Abandonadas, observa que

são abundantes os relatos oficiais produzidos por instituições assistenciais e jurídicas

146
APM, CMOP, Cx. 28, Doc. 24
147
APM, CMOP, Cx. 36, Doc. 56
148
LIMA, Lana Lage da Gama e VENÂNCIO, Renato Pinto. O Abandono de Crianças Negras no Rio de
Janeiro. Apud PRIORE Mary Del (org). história da criança no Brasil. Editora: Contexto, 1996, p. 60-75.

75
que retratam o abandono de crianças como decorrência da falta de amor dos pais149. Na

própria documentação das leis das Ordenações150 lusitanas, notamos que há indícios

consideráveis de que o abandono era visto pelas autoridades como falta da moral e de

amor dos pais – os enjeitados eram “filhos de alguns homens casados, ou de solteiros ou

filhos de religiosas, ou mulheres casadas”151.

Segundo Venâncio, no século XVI, as leis passaram a cobrar a “criação dos

enjeitados de modo que as crianças não morressem por falta de criação”. Em

decorrência disso, os vereadores de Lisboa ficaram mais conscientes da atenção que

deveria ser exercida aos enjeitados, mas deixavam claro que as mães eram as principais

responsáveis pela ação do abandono.

A Igreja também apoiava tal discurso oficial. O jesuíta, Alexandre de Gusmão,

afirmou que “as mulheres da natureza humana se são ricas, se enfastiam de criar os

filhos a seus peitos, e os dão a outras mulheres para os criar; e se são pobres os

enjeitam, e talvez os desconhecem por filhos”152.

No discurso teológico, expor a prole era sinal da crueldade humana, em

desobediência aos ensinamentos católicos. Entretanto, de acordo com Venâncio,

algumas autoridades e letrados demonstraram ambigüidades ao estabelecerem distinções

entre as diferentes atitudes que consideravam negativas. Alguns preferiam combater o

infanticídio, por ser este mais cruel do que o abandono. Quase sempre se apoiava “uma

atitude compreensiva diante do último gesto, principalmente quando esse gesto não

punha em risco a vida da criança”153. A maneira ambígua com que os cristãos se

comportavam diante do abandono podia ser notada por meio dos elogios que a Igreja

149
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 17-23
150
Ordenações Manuelinas (1521), Livro I, título 67 e Ordenações Filipinas (1603), Livro I, titulo 88
151
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 20
152
VENÂNCIO, R. P., RAMOS, J. M. (org.). GUSMÃO, Alexandre de . Arte de criar bem os filhos na
idade da puerícia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
153
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 19

76
fazia as almas caridosas que recebiam os sem família. “Em certo sentido, o

enjeitamento, ao estimular a caridade alheia contribuía até mesmo para a difusão da

fé”154.

Na prática, essa atitude ambígua dos letrados – que se compadecia com o

enjeitamento – era um importante meio de salvaguardar a vida dessas crianças. No

vocabulário de Raphael Bluteau, há uma citação minuciosa a esse respeito:

Menino enjeitado (...) desamparado de seus pais (...) exposto no adro


de uma Igreja, ou debaixo no limiar da porta de um convento, ou de
pessoa particular, ou depositado no campo a Deus, e a ventura,
cruelmente padece o castigo dos ilícitos concubinatos de seus pais.
Para obviar a crueldade deste infanticídio, e a inumana desconfiança
de alguns, cuja pobreza os obriga a este desatino, por não ter com que
alimentar família mais números, em muitas partes da cristandade há
hospitais com Rodas, onde se põem as tristes criaturas, e se dão a criar
mulheres escolhidas, e aceiradas para este efeito155.

No entanto, ao contrário do que os letrados afirmavam, alguns pais

preocupavam-se com a exposição dos filhos e resistiam em abandoná-los. Uma das

fontes que mais contradiz os letrados são as mensagens que acompanhavam algumas

crianças. No quadro 5, selecionamos alguns exemplos de mensagens deixadas pelos

pais, será utilizado formato de tabela para melhor visualização.

Quadro 5 – Bilhetes anexados aos bebês pelos pais


Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de
Ouro Preto Ouro Preto Ouro Preto

segunda-feira, 18 de setembro sábado, 28 de outubro de terça-feira, 11 de março de


de 1752 1752 1777

Anna foi batizada "sub Thereza "exposta aos vinte e Antônio "exposto em casa do
conditione". "Consta que seis dias deste dito mês em Reverendo vigário o Doutor
Anna "aos dez ou onze dias casa de João Gonçalves Antonio Correa Mayrinck, e
deste presente mês se achou Bragança desta dita freguesia trazia um escrito que dizia
exposta no corredor das casas o qual disse que a dita ser filho de mulher branca e
de José Alves Maciel e trazia exposta trazia uma carta que se havia de chamar
hum escrito de letra que dizia que a dita exposta Antonio (...)".

154
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 19
155
BLUTEAU Raphael. Vocabulário Português e Latino. Tomo I. Coimbra: s.n; 1712, p. 577.

77
incógnita que dizia ter sido nascera aos quinze deste
batizada.(...)". mês vinha sem batizar, se
chamasse Thereza".
Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de
Ouro Preto Ouro Preto Ouro Preto

segunda-feira, 15 de janeiro segunda-feira, 11 de fevereiro domingo, 4 de setembro de


de 1781 de 1782 1785

Manoel "Exposto no Corredor Cândida "exposta na Joaquina "exposto a porta de


das Casas do Capitão Antonio madrugada do dia trinta, e Inacia Maria mulher solteira
Leite da Silva(...) com um hum do mês de Janeiro na noite do dia vinte e seis do
escrito que dizia se havia de próximo passado no pátio das mês de Agosto do ano
chamar Manoel, e que cazas de Dona Maria Izabel próximo passado, com um
fossem Padrinhos o Coutinha viúva que ficou do escrito que dizia a criasse
sobredito Capitão, sua falecido Antonio Affonso por tempo de hum mês, que
mulher Maria Fernandes". Pereira moradora no morro depois a virão buscar".
dos Ramos com um escrito
que dizia que criasse pelo
amor de Deus".

Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de Freguesia de N. Sª Pilar de


Ouro Preto Ouro Preto Ouro Preto

quarta-feira, 11 de abril de 29 de junho de 1781 segunda-feira, 11 de janeiro


1787 de 1796
"Antonia... exposta a porta de "Exposto em casa de Manoel
Manoel "exposto a porta do Jerônimo de Souza Lobo Antônio da Costa morador
Reverendo Vigário na noite Lisboa, a doze do corrente nesta freguesia". Padrinho
do dia dez do corrente com mês, pelas dez horas da noite, marido da madrinha. Ao lado
um escrito que dizia se e sendo por este entregue aos do assento consta que Delfino
tinha batizado em casa e oficiais da Câmara, com um "mencionado neste assento e
que se chamava Manoel". escrito o mandaram estes filho de Cláudio da Silva
criar por Edvirges Lima casado com Maria
Rodrigues de Souza. Margarida de Jesus cujo
filho teve antes do
casamento"

Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG), projeto coordenado pela Profa. Dra Adalgisa Arantes Campos (UFMG). Lista de
Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-1784); Cód.
111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804). VENÂNCIO, Renato Pinto. Entregues
à própria sorte. Nossa História, ano 1, nº 9. Julho 2004, p.42-48.

As mensagens das mães traduziam a emoção ao exporem seus filhos: “peço-lhe

para criar esta criança, pelo amor de Deus que lhe pagará algum dia”156. Em outros

casos, as mães escolhiam quem iria cuidar de seu filho abandonado, às vezes era dado a

um amigo ou parente para criar. Este foi o caso, por exemplo, de “Ana Maria quando

156
Banco de dados..., Batizado em 29 de novembro de 1785

78
pediu permissão à Câmara da cidade para criar Antônia, que tinha sido secretamente

confiada a ela pela mãe da criança, sua amiga e madrinha”157. Há ocorrência de pais

escolherem padrinhos para seus filhos, como o caso de Manoel "Exposto no Corredor

da Casa do Capitão Antônio Leite da Silva acompanhado de um escrito que dizia que

fossem Padrinhos, o sobredito Capitão e sua mulher Maria Fernandes"158; e também o

de “Antônio exposto à casa de Antônio Ribeiro de Andrade, em 05 de Janeiro de 1846,

"com uma cédula em que não havia outro esclarecimento, salvo o de pedir que ele e sua

irmã fossem padrinhos”159. Algumas mães estipulavam o tempo em que voltariam para

buscar o filho, Joaquina "exposto à porta de Inácia Maria mulher solteira com um

escrito que dizia que a criasse por um período de um mês, que depois a virão buscar"160.

Havia expostos cujas mães escolhiam o nome deles. Joaquim "exposto à porta de Anna

Maria de Faria parda forra e trazia um escrito no qual dizia que se chamava Joaquim

José (...)"161; Madrinha – solteira e padrinho João de Souza Benevides. Francisca

"exposta à porta de João de Souza Benevides (...) com um bilhete que dizia lhe

pudessem o nome de Francisca"162. Outros expostos vinham com o nome completo para

que, mais tarde, fossem identificados pelos pais. Como, por exemplo, a “Exposta Anna

Benedita nas casas do Doutor José Dias Rosa onde Mora Dona Anna Quitéria da Luz

Escoria Dormanda casada”163; o “Exposto Francisco de Assis na casa da Srta Francisca

Teodora do Pilar”164. Algumas mães especificavam no bilhete que a criança era branca,

para garantir que ela receberia o auxílio da Câmara. Este foi o caso da exposta Cândida,

que trazia um escrito que dizia ser “filho de mulher branca e que se havia de chamar

157
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111(1781-1790) Matriculado 01/07/1780 – Folha, 125
158
Banco de dados..., Batizado em 15 de janeiro de 1781, Id. 10029.
159
Banco de dados..., Batizado em 19 de fevereiro de 1846, Id. 7080.
160
Banco de dados..., Batizado em 04 de setembro de 1785, Id. 6455.
161
Banco de dados..., Batizado em 11 de março de 1781, Id.10035.
162
Banco de dados..., Batizado em 21 de outubro de 1780, Id. 10010.
163
Banco de dados..., Batizado em 27 de junho de 1786, Id. 6504.
164
Banco de dados..., Batizado em 28 de maio de 1838, Id. 6368.

79
Antônio (...)"165. Era também comum a solicitação do Batismo. Os pais se preocupavam

e muito com a salvação espiritual da criança. Christina exposta, aos nove dias do dito

mês, na porta de Miguel Borges e de sua mulher Suzana Borges, o qual exposto trazia

um escrito de que não estava batizada (...)"166; Anna "foi exposta em casa de Manoel

Gomes Pinheiro, a qual trouxe cédula de que não estava batizada(...)"167.

Por outro lado, alguns escritos diziam que a criança já tinha sido batizada.

Manoel "exposto à porta do Reverendo Vigário, na noite do dia dez do corrente ano,

com um escrito que dizia ter sido batizado em casa”168; Anna foi batizada "sub

conditione". Consta que Anna, "aos dez ou onze dias deste presente mês, se achou

exposta no corredor das casas de José Alves Maciel e trazia um escrito de letra

incógnita que dizia ter sido batizada(...)"169. Outra surpresa é a preocupação da mãe em

especificar os meses ou dias de vida da criança. Caso de Thereza "exposta, aos vinte e

seis dias deste dito mês, em casa de João Gonçalves Bragança desta dita freguesia o

qual disse que a dita exposta trazia uma carta que dizia que a dita exposta nascera aos

quinze deste mês vinha sem batizar, se chamasse Thereza”170.

Há alguns casos em que há testamentos de mães que deixava herança para os

filhos, inclusive o que fora exposto. A testadora Maria Joaquina Rosa de Lima, natural

de Vila Rica, moradora do Arraial de São Miguel, Comarca do Rio das Velhas, morava

em Vila Rica e migrou para São João Del Rei, onde teve três filhos e, por encontrar-se

em estado de solteira e de miséria, expôs o Joaquim e outras duas filhas. Ao que tudo

indica, Maria Joaquina era uma mulher pobre, solteira, imigrante e que não tinha como

sustentar a família dela.

165
Banco de dados..., Batizado em 11 de março de 1777, Id. 5354.
166
Banco de dados..., Batizado em 16 de setembro de 1760, Id. 4244.
167
Banco de dados..., Batizado em 05 de agosto de 1770, Id. 4828.
168
Banco de dados..., Batizado em 11 de abril de 1787, Id. 6662.
169
Banco de dados..., Batizado em 18 de setembro de 1752, Id. 3802.
170
Banco de dados..., Batizado em 28 de outubro de 1752, Id. 3838.

80
(...) que sendo no ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de
mil oitocentos e dezoito ao dezoito dias do mês de outubro do dito
anno, nesse Arraial de São Miguel, Comarca do Rio das Velhas,
Bispado de Mariana em casa de minha morada estando em meu
perfeito juízo pela mercê de Deus e temedora da morte determino o
meu testamento na forma seguinte: sou católica romano e nesta santa
fé protesto viver e morrer e por isso rogo a Trindade Santíssima que
pelos infinitos merecimentos da Paixão e Morte de meu Senhor Jesus
Cristo que queiram valer a minha alma = Sou natural de Vila Rica,
batizada na freguesia de Ouro Preto, filha legitima Antônio José de
Lima Costa e Benta Nunes do Rosário já falecidos e sempre vivi em
estado de solteira e por miséria tive três filhos, um por nome Joaquim
que foi exposto em São João Del Rei, outra por nome de Anna Rosa e
outra por nome Francisca de Paula que me dizem em boas estão
casadas e como não sei com quem meu testamenteiro terá cuidado em
indagar a saber onde moram três meus filhos porque a lei instituiu-os
meus herdeiros das duas partes de meus bens que se acharem por meu
falecimento. (...)171.

Venâncio, nos chama a atenção para a necessidade de diferenciar as crianças

expostas das assistidas. Sendo que para os letrados as primeiras eram aquelas

abandonadas pelas mães "em um terreno baldio" e deixadas para morrerem. Ao passo

que as assistidas eram abandonadas em hospitais, conventos e casas de família, numa

demonstração de preocupação e proteção daqueles que as enjeitavam172. No entanto,

esse último conceito pode parecer um pouco desapropriado para Vila Rica, se levarmos

em consideração que nela não havia um Convento ou uma Santa Casa de Misericórdia

aparelhada com a Roda dos Expostos, dispositivo apropriado para que o pai expusesse o

filho com segurança. Além disso, também não havia, pessoas preparadas para recolher

as crianças achadas nas ruas. Numa ata da Câmara de Ouro Preto de 1741, observamos

a preocupação da instituição em pavimentar as vias públicas para evitar que as

enxurradas, que desciam com força redobrada das ladeiras mais íngremes, causassem

danos aos passantes e aos edifícios173. Contudo, apesar desses obstáculos, notamos que

171
Testadora: Maria Joaquina Rosa Lima, moradora do Arraial de São Miguel. 1834 Fl. 5. Agradeço com
muito carinha a minha amiga Maura Brito, por me fornecer esse testamento.
172
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 23
173
VASCONCELOS, Sylvio. Vila Rica, Ed. Perspectiva, 1977.

81
muitos foram os casos de pais que escolhiam a porta ou a rua que melhor fosse para

enjeitar o pequerrucho.

Nessa perspectiva, conhecer mais sobre os lugares que as crianças eram

abandonadas nos permitiu analisar as estratégias utilizadas pelos pais ouropretanos ao

praticarem tal ação. Eles, ao escolherem algumas ruas para enjeitarem o filho, nos

possibilitaram notar a preocupação que os mesmos tiveram em selecionar o lugar

apropriado para que a criança fosse melhor recepcionada. Em 275 registros,

infelizmente, somente 168 nos permitiram identificar as ruas do abandono. Na planta de

Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar174 apenas esses registros são retratados.

174
APM Notação CC- Cx. 94 – 20364. Planta da população da freguesia de Nossa Senhora do Pilar de
Vila Rica do Ouro Preto em 1798, elaborado pelo Vidal José de Sales.

82
83
Legenda da Planta de Vilar Rica de 1798

Registro das Nome das Ruas Números de crianças


Ruas enjeitados nas ruas
I Bairro das Cabeças 12
II Rua do Rosário 5
III Ponte do Caquende 5
IV Rua por cima da Capela do Rosário 1
V Capela do Rosário 3
VI Ponte Seca 1
VII Rua do Vigário 1
VIII Matriz do Pilar 10
IX Ponte São José 2
X Rua São José 5
XI Morro São José 1
XII Capela São José 3
XIII Rua do Sacramento 7
XIV Rua Nova 9
XV Rua Direita 8
XVI Rua da Santa Quitéria 2
XVII Capela da Nossa Senhora do Carmo 2
XVIII Beco do Carmo 2
XIX Rua Direita da Cadeia Nova 2
XX Rua Direita da Casa da Câmara 18
XXI Praça 5
XXII Rua dos Paulistas 6
XXIII Rua atrás da Matriz da Conceição do Antônio Dias 2
XXIV Praça da Matriz do Antônio Dias 1
XXV Rua que Segue a Barra 5
XXVI Rua Lateral da Matriz do Antônio Dias 1
XXVII Na Ponte do Antônio Dias 3
XXVIII Caminho Novo 1
XXIX Alto da Cruz 14
XXX Santa Efigênia (rua vira-saia) 2
XXXI Padre Faria 15
XXXII Santa Ana do Morro 6
XXXIII Taquaral 8

Ao analisarmos a Planta da cidade, percebemos que, a Freguesia do Pilar teve

mais expostos do que a Freguesia do Antônio Dias. Na primeira freguesia,

contabilizamos 96 registros que identificam os nomes das ruas que as crianças foram

abandonadas. A Freguesia de Antônio Dias totalizou 72 registros que identificam os

nomes das ruas.

Essas duas freguesias representavam o núcleo urbano da Vila Rica

Elas eram as mais populosas do que os freguesias rurais, além disso, centralizavam a

vida administrativa, militar e religiosa. Nelas residiam “33 dos 40 eclesiásticos

84
(82,50%) e 76,31% dos profissionais liberais, quatro quintos dos (80,62%) e 78,98%

das pessoas relacionadas em outros serviços”175. Isso nos mostra que, na Freguesia do

Pilar, a rua mais procurada pelos pais foi a “Rua Direita”, com 8 expostos. A Rua

Direita era próxima do centro administrativo onde as famílias dos potentados da Vila

habitavam, por isso, era umas das mais procuradas. Na rua do Sacramento foram

deixados 7 expostos; essa rua tem uma grande importância pois nela foi realizada a

grande festa do Triunfo Eucarístico. Nessa festa religiosa foi retirado o Santíssimo

Sacramento da Igreja do Rosário e o conduziu triunfalmente à Matriz do Pilar,

representando toda a opulência do ouro de Vila Rica. Por isso, mesmo acreditamos que

tal rua continuou a elite local. Temos, ainda, a rua do Vigário, com 1 exposto, a rua

Nova, com 9 expostos e a rua da Santa Quitéria, com 2. Na praça principal da Vila há 5

casos de expostos. Provavelmente esse lugar era bastante perigoso para quem estava

abandonando, por ser bastante visível, Ao mesmo tempo, a praça poderia ser um lugar

mais vistoso para a crianças serem encontradas de forma mais rápida e, também, tal

localização era perto do palácio dos governadores e da Casa da Câmara. Na rua da

Cadeia Nova houve 2 casos de expostos e na rua da Casa da Câmara encontramos 16

ocorrências de expostos. Essa rua, ao que parece, teve uma maior ocorrência, por ter

nela, a instituição responsável pelo auxílio, já que era a Câmara que pagava pela criação

do exposto. Nas pontes das freguesias deparamos com 8 expostos; na ponte do

Caquende, 5; na ponte Seca, 1 e 2 na ponte de São José.

Numa sociedade abundante de Irmandades religiosas, os pais não deixariam de

perder oportunidade de abandonar os seus filhos nas portas dessas Confrarias ou nas

ruas próximas a elas. As mais procuradas pelos pais foram a Matriz da Nossa Senhora

do Pilar; nela encontramos 10 casos de abandonos, sendo uns deixados na porta da

175
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. 3º capítulo Profissões atividades produtivas e
posse de escravos em Vila Rica ao alvorecer do século XIX., p. 64-69.

85
Matriz e outros colocados atrás da Igreja. Na capela da Nossa Senhora do Rosário dos

Pretos da Freguesia do Pilar encontramos 3 expostos; na rua por cima da capela do

Rosário 1, e na rua do Rosário mais 5. Na capela do São José dos Pardos encontramos 3

registros de expostos; no morro São José 1, e na rua São José, 4. Na Capela da Nossa

Senhora do Carmo Ordem Terceira identificamos 2 casos e no beco, atrás dela, 1. Essas

Irmandades representavam toda uma pomba de Ordem religiosa da Vila, porém

infelizmente não encontramos nenhum relato que diz que elas teriam prestado algum

auxílio aos expostos.

O bairro das Cabeças, que também fazia parte da freguesia do Pilar, teve 12

expostos; seu condicionante econômico era a dominância das atividades artesanais,

principalmente depois da febre do ouro176.

Na Freguesia do Antônio Dias, tão importante quanto a do Pilar, temos na Rua

Direita da freguesia 8 casos de expostos, sendo este o logradouro em que residia os

potentados administradores da freguesia. Na rua dos Paulistas, encontramos 6 casos de

abandono; nessa rua também habitavam pessoas de posses e, além disso, foi o local do

primeiro arraial da freguesia a ser povoado. No caminho novo deparamos com 1 caso;

na rua que segue a Barra encontramos 5; no morro da Santa Efigênia, na Vira-Saia,

encontramos mais 2 casos. Atrás da Matriz da Conceição do Antônio Dias,

identificamos 2 casos de expostos; em frente a ela, na praça, encontramos 1 e na rua

lateral dela deparamos com mais 1; Na ponte do Antônio Dias foram registrados 3

casos.

No Taquaral, Freguesia de Antônio Dias, achamos 8 ocorrência de expostos,

localização que seguia para o Caminho para Mariana. No Alto da Cruz, Padre Faria e

Santa Anna do Morro, foram abandonados respectivamente 14, 15 e 6 expostos.

176
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. 3º capítulo Profissões..., p. 65.

86
Sabemos que essas localidades concentravam sujeitos sociais relativos às ocupações

tradicionais ou em decadência – faiscadores, mineradores e roceiros. Há indícios de que

no Morro havia predominância de elevada concentração população escrava, que se

voltava para a atividade de mineração e faiscamento177.

Embora as ruas de Vila Rica não representassem um lugar apropriado para

enjeitar uma criança, era nelas que a maioria das mães os expunha. Entretanto, aqui

cabe fazer algumas indagações. Em Vila Rica, como vimos, na década 1799, começava

a registrar a distribuição da população chegando à década de 1806 com 8.867

habitantes178. Contudo, foi justamente nesse período, que houve um maior número de

expostos. Portanto, cabe perguntar como os pais abandonavam os filhos ocultamente?

Como as mães escondiam a gravidez? A sociedade participava dessa omissão? Os

padres, que tinha muito contato com a população, omitiam na hora de identifica a

origem das crianças?

O abandono nessa sociedade sugere uma teia de cumplicidades. A família para

salvaguardar a honra da filha utilizava os serviços secretos das parteiras e serviçais,

essas últimas mais aptas para auxiliar no ocultamento da gravidez da mãe. No trabalho

da Leila Mesgravis, são identificadas algumas mulheres grávidas de famílias potentadas

que iam para os Conventos para esconderem a “barriga”. Os padres também faziam

parte dessa teia. Alguns pais pediam os padres para escreverem bilhetinhos que eram

deixados junto às crianças, o que sugere que os padres provavelmente conheciam as

famílias das crianças expostas. Os textos dos bilhetes podiam como, observou Renato

Venâncio, trazer um escrito formal179͗ΗExposto em casa de Izabel Pinheira Crioula

forra". Por vezes, porém, havia informações detalhadas, mas apresentadas somente

177
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. 3º capítulo Profissões..., p. 65.
178
FONSECA, Cláudia Damasceno e VENÂNCIO, Renato Pinto. Vila Rica: Prospérité ET déclin urbain
dans le Minas Gerais..., p. 190.
179
Banco de dados..., Batizado em 12 de outubro de 1796, Id. 7777.

87
quando da recuperação da criança: "He filho do Coronel Nicolau Soares do Couto e de

Angélica Alves de Miranda em conseqüência de uma Provisão do Desembargo do Paço

que foi apresentada”180.

A omissão da exposição da identificação dos pais na exposição da criança

contou com o apoio do Estado. O alvará de 24 de maio de 1783, aprovado pela rainha

D. Maria I, é um exemplo desse tipo de aceitação. A resolução dizia que em todo o

Reino Português onde existissem expostos ali deverá haver uma Roda dos Expostos,

acomodada em um lugar restrito para assegurar a segurança e o anonimato das mães.

Acontecendo haver alguma mulher, que para evitar a sua desonra


queira ir ter o seu parto à Casa da Roda, (que para este fim podendo
ser, deverá ter um quarto separado com cama decente). A Ama
Rodeira a receberá debaixo de todo segredo, e lhe procurará uma
mulher bem morigerada ou parteira, que assista ao parto (...) sem que
contudo se indague a qualidade da pessoa, nem faça algum ato judicial
donde se possa seguir a difamação181.

A Igreja também se omitia e aceitava o abandono e, além disso, ainda estimulava

os cristãos a colherem o enjeitado como uma forma de caridade. “A criação dos

Enjeitados é uma obra de tanta caridade e Misericórdia que por si está recomendada a

todos os Fiéis, e ainda aos que o não forem, pois por ela se acode a umas Criaturas, aos

mais necessitados e desamparados, e se exercita o amor do Próximo”182.

Mas, nem todos da sociedade concordavam com o enjeitamento de crianças, pois

a Câmara de Vila Rica ameaçava a população com a criação de “fintas”, se ela não

denunciasse as mulheres que tinham enjeitado uma criança.

180
Banco de dados..., Batizado em 28 de fevereiro de 1802, Id. 8453.
181
Ordem Circular da Intendência Geral de Polícia de 24 de maio de 1783. In: A.J.G. Pinto. Compilação
das providências que a bem da criação e educação dos Expostos ou Enjeitados se tem publicado e acham
espalhadas em diferentes artigos da legislação pátria. Lisboa: Impressão Régia, 1820, p. 7.
182
Compromisso da Mesa dos Enjeitados no Hospital Real de Todos os Santos Lisboa: s. n; 1716, s.p. Até
a independência, as Casa dos Expostos brasileira seguiram esse regulamento. Apud. VENÂNCIO, Renato
Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 19

88
(...) a todas as pessoas de nossa jurisdição que caso saibam no seu
distrito ou vizinhanças acham algumas referidas mulheres meretrizes
publicas que tenham exposto ou enjeitado algumas crianças e estas
estejam fazendo despesa a este senado o façam a saber tal Câmara ou
a seu procurador, e esta notícia se ordena não só para os que já estão
expostos, na forma referida senão também para as que expuserem para
o futuro, haja denúncia será tomada na dita Câmara com todo o
segredo e se evitará com esta diligencia dos denunciantes a conta que
está próxima a lançar-se por todas as pessoas desta Vila e sua
Comarca183.

Segundo Venâncio essa situação também foi vivenciada em Mariana. Os oficiais

da Câmara de Mariana instituíram um Alcaide para as “Mulheres Grávidas” da cidade:

Em 25 de setembro de 1748, os oficiais do Senado da Câmara de


Mariana aprovaram um mandado no qual determinavam que o alcaide
local deveria notificar “a toda mulher desta Cidade que não for casada
em face de Igreja que se achar pejada para que depois de seu parto a
vinte dias venha dar parte a este Senado do feto que teve. [grifo meu]
O mandado de 1748 tinha por finalidade facilitar a identificação da
mães que tentavam ludibriar a assistência. De certa forma, a
deliberação lembra as déclarations de grossesse (declaração de
gravidez) francesas, cujo objetivo também era o de combater
infanticídios e identificar os pais das crianças abandonadas184.

Acreditamos que devem ter ocorrido várias denúncias, pois, segundo Laura de

Mello Souza, Minas Gerais foi marcada por uma sociedade de denúncias e “vigias”185.

Um dos casos que nos chamou a atenção foi o do exposto Jacinto que foi devolvida a

respectiva mãe. Consta na ata batismal que Jacinto, exposto em casa de Antônio Pereira

de Oliveira, "é filho natural de Maria Antônia de Mello que assim o confessou e desde a

infância o tornou ao seu regaço"186.

Ao que parece a exposição do infante era defendida por lei e podia ser feita sem

muitos problemas, salvo o caso de denúncia anônima, que exigia procedimentos

específicos.

183
APM, CMOP, Cód 77, Edital de 10/03/1763.
184
VENÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara. In: Termo de Mariana: História e
documentação. Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998, p. 139-141.
185
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 68-69.
186
Banco de dados..., Batizado em 05 de junho de 1803, Id. 8673.

89
2-4 Assistência Camarária

Como vimos anteriormente, algumas Vilas de Minas não tinham uma Santa Casa

de Misericórdia e, se as tinham, muitas não eram apropriadas para receberem a

responsabilidade pela criação dos expostos, sendo o encargo dessa responsabilidade

transferido para a Câmara. A legislação que tratava da criação dos expostos originava-se

de Portugal, mas estendia-se ao Império português, contemplando, assim, Vila Rica.

Conforme as Ordenações Manuelinas e posteriormente Ordenações Filipinas, “não

havendo nenhuma possibilidade dos familiares e nem dos hospitais criarem o enjeitado,

as crianças deveriam ser criadas pelo fundo do Concelho”. Se esta instituição não

tivesse o pecúlio necessário, deveria cobrar “finta” à população para a criação dos

expostos, não necessitando de autorização prévia do corregedor da comarca ou de outras

instâncias superiores.

(...) pai, casado ou solteiro, devia custear a criação do filho,


estabelecia-se uma hierarquia de responsabilidade o pai não podia
pagar, pagava a mãe; no caso de nenhum deles o poder sustentar, os
parentes da criança deveriam fazê-lo. No caso de não ser possível
qualquer uma destas três hipóteses, a comunidade mandava a criança
para os hospitais ou albergarias que se encarregavam da assistência
aos pobres, que pagariam o sustento das crianças através dos seus
fundos. Finalmente, na inexistência desses hospitais, as crianças
deveriam ser criadas através de fundos dos concelhos; se estes os não
tivessem, um imposto especial – a finta dos expostos – podia ser
cobrado aos habitantes187.

A Câmara de Vila Rica, dessa forma, deveria auxiliar os expostos, pois, embora

fosse uma das vilas mais importantes de Minas, não possuía uma Santa Casa apropriada

para receber os enjeitados, como dito anteriormente. De acordo com Charles Boxer, a

Câmara e a Santa Casa de Misericórdia foram os dois pilares mais importantes para a

187
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 89

90
sustentação de todo o Império português188, mas, ao que parece, em Vila Rica, o

segundo pilar não estava bem estruturado.

A Câmara era constituída por um número variável de vereadores, eleitos entre os

homens bons, ou seja, entre os chefes de família potentados. Além dos vereadores, havia

o presidente da Câmara, um ou dois Juízes Ordinários, escolhidos localmente, o Juiz de

Fora, que era indicado pelo rei, o Juiz Ordinário e o Juiz de Órfãos. O corpo

administrativo era formado por procuradores, tesoureiros e escrivãos. Posteriormente, a

estrutura tornou-se ainda mais complexa pela incorporação de novos funcionários, como

os criadores de expostos, que tinham a função de criar o enjeitado189.

O Senado da Câmara tinha a prerrogativa de se corresponder diretamente com o

monarca reinante e, durante o momento em que estivessem em serviço, os vereadores

gozavam de várias imunidades judiciais190. Os oficiais eram responsáveis pela

manutenção da ordem, a divulgação das deliberações da Coroa, o serviço de mediação

entre a população local e o poder metropolitano, assim como pela resolução de

processos familiares, pela arrematação dos contratos, fiscalização da transmissão de

herança (repasse de testamentos), pela abertura de inquéritos, crimes, prisões e

devassas, cobrança de impostos, pelo controle de foros e cadeias, demarcação de terras,

aferição de pesos e medidas e pela fiscalização de vendas em açougues e matadouros.

Incumbia a ela também a função de construir e manter a infra-estrutura de Vila Rica,

como no caso da construção de pontes, ruas, prédios públicos, chafarizes, fornecimento

de água e ajuda financeiras às festas religiosas. Além disso, competiam à mesma as

funções assistenciais, como a criação de enjeitados e a contratação do cirurgião do


188
BOXER, Charles Ralph. O Império Colonial Português. Lisboa, Edições 70, 1977, cap.12,
“Conselheiros Municipais e Irmãos de Caridade”. Embora, sabemos que mesmo o segundo pilar não
aparentasse estrutura, a vida religiosa da Vila continuava bem planejada com as Irmandades.
189
VENÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara..., p. 138-141
190
BOXER, Charles Ralph. O Império Colonial Português...p,266. Os vereadores lucravam com os
privilégios do cargo, pois eles não podiam ser presos arbitrariamente, recebiam propinas quando assistiam
às procissões religiosas e estavam isento de terem oficiais e soldados da Coroa alojados em suas casas,
além disso, podiam ter cavalos e carroças a disposição deles.

91
partido, responsável pelo controle da propagação de doenças e pela expedição de cartas

de ofício de parteiras191.

No entanto, não era com bons olhos que os homens do Senado encaravam o

auxílio aos expostos e, por isso, houve muitas tentativas do Concelho de não pagar pela

criação de enjeitados. O historiador, Renato Júnio Franco, foi um dos primeiros

pesquisadores a trabalhar sistematicamente com os enjeitados de Vila Rica e nos

revelou que, desde a década 1740, a Câmara se mostrava desinteressada em auxiliar a

criação dos expostos. Segundo ele, na primeira metade dos oitocentos, houve algumas

ocorrências de resistência dos vereadores em custear a criação dos enjeitados. Esse fato

pode ser ilustrado pelo caso do Capitão Antônio Lopes Leão que, no ano de 1745, antes

de falecer, alforriou a escrava Narcisa Lopes e a pediu que criasse o exposto Mateus.

Narcisa, sem condição de criar o bebê que tinha apenas oito meses de idade, enviou uma

petição ao Senado alegando que precisava trabalhar e que o dito exposto precisava de

cuidados maiores. Os oficiais da Câmara receberam a criança e a mandaram ser criada

por um criador a quem por menos fizesse ou cobrasse pela criação, por não ser costume

de Vila Rica custear a criação de expostos192.

Outro acontecimento que nos chamou a atenção, descrito pelo mesmo autor, foi

o de José Antônio Martins. Ele, ao recorrer a uma instância maior para receber pela

criação de uma enjeitada, mostrou-se conhecedor de todas as leis que faziam referência

aos direitos dos expostos. José Antônio, casado, mandou, no ano de 1750, uma petição

para o Concelho dizendo ter uma enjeitada de nome Francisca e, alegando não ter renda

suficiente para pagar a quem lhe desse leite: “Peticionou então, indagando à Câmara

sobre ajuda de custo, oferecida pelo Senado, como ocorria na cidade de Mariana, a qual

assegurava, após apresentação da certidão de batismo, três oitavas por mês para o

191
APM CMOP 1711-1889 (apresentação da Câmara de Vila Rica)
192
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 94.

92
alimento de enjeitados”. A Câmara de Vila Rica logo indeferiu o pedido, o que fez José

Martins recorrer ao ouvidor da Comarca, Caetano da Costa Matoso, pedindo alguma

ajuda para a criação de Francisca193. O fato de José Martins recorrer ao ouvidor indica

que ele era uma pessoa que conhecia os direitos dos enjeitados; dessa forma, ele

imediatamente foi mostrando para o Caetano da Costa que conhecia o costume que

havia na cidade de Mariana, ou seja, o pagamento que a Câmara daquela cidade fazia ao

criadores de expostos. Além disso, José Martins demonstrou que conhecia as

Ordenações, principalmente o livro primeiro, título 88, parágrafo 11, que dizia que toda

municipalidade que não tivesse uma Santa Casa apropriada para os expostos caberia a

Câmara daquela jurisdição custear a criação da criança enjeitada. Tudo indica que o

ouvidor Costa Matoso interveio a favor de José Martins, pois o procurador da Câmara,

ao argumentar com o ouvidor, sobre o não pagamento a Martins pela a criação da

exposta Francisca, disse que não era costume de Vila Rica admitir despesas para

mulatos enjeitados, nem para criadores que não fossem pobres e, que, o auxílio de

expostos deveria ser feito pelo Hospital. Costa Matoso, apesar do argumento do

procurador, persistiu com o este sobre o pagamento dos criadores de enjeitados e José

Martins conseguiu o deferimento de seu pedido; porém isso só ocorreu no ano de 1751,

ano em que a exposta Francisca veio a falecer. José Antônio, então, recebeu por seis

meses e onze dias de criação194.

Encontramos, dessa forma, evidência de que havia muita petição contendo

pedido igual ou semelhante como feito por José Antônio. Então, após 1751, a Câmara,

levada pela inflação de tais pedidos, não teve alternativa senão começar a custear a

criação dos expostos. Desta maneira, os oficiais camarários começaram uma nova

tarefa, que seria a de uniformizar os pagamentos aos enjeitados, antes feitos de forma

193
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 95-97.
194
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 97.

93
desorganizada, em função da falta de interesse da Câmara em arcar com essa

assistência.

O Quadro 6, nos ajudará a visualizar as oscilações nos pagamentos realizados

pela Câmara, até chegar ao valor final na década de 1770.

Quadro 6 – Custeio da Criação dos Expostos


Ano Valor a ser pago por Valor transformado em
criador reis
1751 3 oitavas por mês durante 86$400
os dois anos e os restantes
cinco anos diminuísse o ______
valor.
1751 3 oitavas por mês durante 86$400
os dois primeiros anos e
duas oitavas nos cinco 144$000
anos subseqüentes.
1759 3 oitavas por mês durante 302$400
os sete anos da criação.
1763 Ano em que se decidiram 129$600
pagar 3 oitavas nos três 115$200
primeiros anos e duas
oitavas nos 4 quatros anos
subseqüentes.
1768 Ano em que alguns __________
criadores recebiam 3
oitavas nos dois primeiros __________
anos e 2 oitavas nos
últimos cinco anos e
outros recebiam 3 oitavas
por mês por toda criação.
1772 Ano em que os vereadores 86$400
decidiram por meio da
resolução que seria de 24 76$800
oitavas nos três primeiros
anos e 16 oitavas nos
últimos quatro anos.
Fonte: Arquivo Público Mineiro na seção dos documentos da Câmara Municipal de Ouro Preto: CMOP,
Cx.25, Doc. 23;CMOP, Cx. 36, Doc. 35; CMOP, Cód. 22; CMOP, Cód. 88, fls 29-31.

No ano de 1751, o Ouvidor era Caetano da Costa Matoso, o primeiro a tentar

organizar o pagamento dos expostos em conformidade com a Lei do Reino – o qual

94
estipulou que nos dois anos, de leite, se pagasse às ditas amas três oitavas por mês e daí

por diante “se lhes pagasse para baixo”195. No mesmo ano, como demonstrado no

quadro, foram os camaristas que, de acordo com a correção do Ouvidor, decidiram

pagar três oitavas por mês, durante os dois primeiro anos, assim como duas oitavas nos

anos subseqüentes. No entanto, em 1759 o criador Manoel de Carvalho entrou na justiça

contra a Câmara e ganhou a sentença de lei dada pela Relação do Rio de Janeiro, que

ordenava o pagamento de “três oitavas mensais durante os sete anos da criação, não

havendo razão para que depois do dito leite fossem menores as despesas do que antes,

devendo nestes termos ser igual para todos os anos de criação”196.

Em 1768197, como mostra o quadro, os oficiais da Câmara novamente discutiram

a correição dos pagamentos, pois havia pessoas que criavam expostos a duas oitava e

outros a três oitavas. “Deu por bem uniformizar todos os contratos, desde primeiro de

janeiro de 1763, em três oitavas nos três primeiros anos e duas oitavas nos anos

subseqüentes”198. Esse cálculo, possibilitou a Câmara encontrar um meio de agradar os

que exigiam as três oitavas e aqueles que embolsavam oitava e meia nos últimos quatro

anos.

Entretanto, foi em 26 de fevereiro de 1772 que os vereadores reuniram todos os

matriculantes e acordaram, na presença do Juiz e de outros oficiais, em conceder duas

oitavas de ouro por mês durante os três primeiros anos, completando 24 oitavas por ano,

e durante os quatro restantes o pagamento seria de 16 oitavas por ano199.

Portanto, ficou estipulado que o pagamento realizado pela Câmara aos criadores

de enjeitados, era de 24 oitavas de ouro por ano, durante os três primeiros anos do bebê

195
APM, CMOP, Cx.25, Doc. 23. Caetano de Costa Matoso foi o primeiro corregedor de Vila Rica
organizar o pagamento dos expostos, e toda estrutura de como seria feito esse pagamento para que o
criador pudesse receber. Foi ele também, que institui o Livro da Lista de Matrícula.
196
APM, CMOP, Cx. 36, Doc. 35.
197
APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 12/12/1768
198
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 126.
199
APM, CMOP, Cód. 88, Flash. 29-31.

95
(período de amamentação) e, durante os quatro anos seguintes, o valor diminuía para 16

oitavas anuais. Deste modo, temos que 1/8 valem 1$200 reis, ou seja, nos três primeiros

anos a media do pagamento foi de 2$400 reis por mês, sendo o calculo final desse

período de 86$400 reis, e nos quatros últimos anos de criação, de 1$600 reis por mês,

resultando em 76$800 reis. Assim, o fruto final da criação de um exposto até sete anos

de idade seria de aproximadamente 163$200 reis.

Para termos uma noção de quanto a Câmara gastava com a criação dos expostos,

decidimos comparar tal gasto com o valor de compra de 1 escravo. No ano de 1763, um

escravo custava em média 120$000 reis e, no ano de 1789, valia 125$000. Ora

conforme vimos a criação de um enjeitado, nesse período, gerava o pagamento de

163$200 reis; esse fato nos mostra que a despesa com o auxílio envolvia recursos que

dariam para o Concelho formar, anualmente, uma fazenda escravista para Vila200.

Os livros de receitas e despesas da Câmara também nos possibilitam analisar, de

forma detalhada, o quanto o Concelho gastou com a criação de enjeitados, entre as

décadas de 1770 a 1850. Nesse livro, a receita descrevia todo o rendimento que a

Câmara recebia por meio de impostos e toda a despesa que a mesma tinha com Vila

Rica. As demais despesas camarária, geralmente, eram com pagamentos de empregados,

consertos na casa, iluminações e lanternas de vidros, consertos de chafariz, impressões

de periódicos, conserto com ruas e pontes, festas religiosas e outros gastos.

200
Os expostos de Catas Altas-Minas Gerais (1775-1875). In: RIZZINI, I. (org.). Olhares sobre a criança
no Brasil: século XIX e XX. Rio de Janeiro: Petrobrás - Ministério da Cultura - USU Ed. Universitária -
Amais, 1997.

96
Gráfico 4 - Gastos com Enjeitados x Despesa x Receita - Câmara Municipal de Vila Rica

200000,00

180000,00

160000,00

140000,00
Valores em Réis

120000,00
Gastos com Enjeitados
100000,00 Despesa
Receita
80000,00

60000,00

40000,00

20000,00

0,00
1770-1779 1780-1789 1790-1799 1800-1809 1810-1819 1820-1829 1830-1839 1840-1849
Anos

Conforme o gráfico 4201, percebemos que, na década de 1780, a receita

camarária encontrava-se no valor de 46:224$208 e a despesa achava-se no valor de

45:924$208. Nessa década, os gastos com os expostos foram de 8:104$585,

representado esse valor cerca de 18% do gasto total da Câmara. Na década de 1790, a

receita foi de 50:550$460 e, a despesa, 51:166$548; nesta década, notamos que a

despesa sobressaiu a receita e os gastos com os enjeitados foram de 10:691$967,

representando um dispêndio de 21% da despesa total camarária. Esse fato é

surpreendente, porque, nesse período a Câmara encontrava-se em déficit, em função de

a principal atividade econômica , a mineração, encontrar-se em processo de decadência.

Em 1800, a receita foi de 51:190$846 e a despesa foi de 51:275$336. Novamente vimos

que a despesa sobressaiu a receita e o gasto com os expostos foram de 10:757$341,

mostrando-se outra vez um gasto de 21% com os enjeitados. No entanto, nas décadas de
201
Fonte: APM, CMOP, Receita e Despesa da Câmara - Cód. 102, rolo 40, flash. 01; Cód. 106, rolo 41,
flash 01; Cód. 110, rolo 42, flash 01; Cód 132, rolo 49, flash 01; Cód 154, rolo 51, flash 01; Cód 219, rolo
54-55, flash 01; Cód 228, rolo 55, flash 01; Cód 259, rolo 60-61, flash 01; Cód 324, rolo 66, flash 01e
Cód 438, rolo 70, flash 01.

97
1810 e 1820, a despesa com os enjeitados ficou em torno de 15% a 4% respectivamente.

Nesse momento, parece que a receita foi se recuperando aos poucos, porque,

aparentemente nesses períodos Vila Rica voltou a se recuperar economicamente e a

investir em outras atividades. Além disso, temos que, em 1823, Vila Rica torna-se a

capital de Minas Gerais, passando a ser chamada de Ouro Preto, o que fez dela um dos

centros administrativos mais importante do Estado. Portanto, na década de 1830, a

receita foi exorbitante: 18:5770$312 e a despesa de 10:2143$982, e os gastos com os

expostos foi mais baixo: 1:983,448, um percentual de 2%, da recita total. Nesse

momento, cabe sublinhar, que a exposição da criança diminuiu. Deste modo,

acreditamos que o cofre público da Câmara de Ouro Preto voltou aos poucos a se

recuperar e os custos com as crianças abandonadas começou a suavizar.

No século XVIII, após a aceitação da Câmara em arcar com as despesas dos

enjeitados, houve um momento em que tais gastos tornaram-se exorbitantes. Isso levou

o Concelho a procurar alternativas para diminuí-los. A principal saída encontrada para

alcançar este objetivo foi a repressão ao abandono.

Em vários momentos, os vereadores fizeram com que os criadores de expostos

passassem por várias investigações. Uma das medidas consistia em um juramento sob

os Santos Evangelhos. Os criadores deviam jurar que eles não conheciam os pais ou

familiares das crianças. Isso aconteceu com o bacharel Luís Henrique de Freitas; o

procurador pediu que ele, sob o Evangelho, jurasse que não tinha notícias dos pais da

criança enjeitada. O bacharel negou em jurar e declarou não saber sobre os pais da

criança “e se soubesse não seria obrigado a dizer”202.

A maioria das pessoas contratadas pela Câmara para serem criadores de expostos

não eram, procurados como em Portugal, por funcionários encarregados em recolher as

202
APM, CMOP, Cx. 25, Doc. 23.

98
crianças. Em Vila Rica, quaisquer pessoas que as encontrassem, poderiam, após batizá-

las, dar entrada na Câmara para receber a quantia paga pelo Senado, para ajudar na

criação. Esse fato foi um dos fatores que fez com que muitos dos oficiais desconfiassem

dos criadores, dizendo que alguns deles eram os pais legítimos dos enjeitados, que

expunham os filhos e os colhiam na forma de criadores, para que aproveitassem do

auxílio camarario.

(...) despesa que faz este concelho com a criação dos enjeitados, que
até nesta ação há gente de tão grande consciência, que procuram
utilizarem por este meio, fiados na aceitação, que a câmara faz dos tais
inocentes, quando é de presumir não concorrer a qualidade de
verdadeiro enjeite, mas sim um concluio entre os pais, ou mães com as
pessoas que os enjeitam ou apresentam fingindo serem expostos só
para perceberem o lucro que esperam (...)203.

Por meio do documento, que se encontra entre os avulsos do Arquivo Histórico

Ultramarino, podemos constatar outras reclamações dos camaristas, em relação ao

aumento de enjeitados que ficavam ao encargo da Câmara:

A providência que dá a Ordenação Livro primeiro, título oitenta e


oito, parágrafo onze a criação dos enjeitados, não é bastante para a
multiplicidade que deles ocorre ao encargo desta Câmara, assim
brancos, como mulatos e crioulos, chegando a tanto o seu excesso e a
liberdade de muitas mulheres, ainda sem serem recolhidas, que
chegam a enjeitar seus filhos, só pelos não criarem, e o mais é que
acontece haverem enjeitados de escravas, resultando daí uma
gravíssima despesa a esta Câmara204.

Esse registro nos trás riquíssimas informações: 1º indica-nos que a tão falada

finta foi cobrada à população, porém nada adiantou para melhorar o financiamento da

criação dos expostos; 2º mostra-nos a insistência da Câmara em acusar as mulheres

grávidas pelo enjeitamento dos filhos, pois esse documento é de 1772, e, como vimos,

203
APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 14/12/1753.
204
Arquivo Histórico Ultramarino. Representação dos oficiais da Câmara Municipal de Vila Rica sobre as
despesas com a criação dos enjeitados. Cx.103, Doc.47, 1772.

99
desde 1763 a Câmara publicava edital pedindo que as pessoas denunciassem mulheres

meretrizes que tinham exposto ou enjeitado alguma criança; 3º adverte-nos que os

vereadores reclamavam que, do mesmo modo que os brancos, os bebês mulatos e

crioulos também chegavam em grande quantidade à Câmara; e o 4º é a acusação de que

as mulheres negras enjeitavam os seus filhos.

Deste modo, os dois últimos tópicos foram os que mais nos chamaram atenção.

Russel-Wood, ao pesquisar a diferença entre o auxílio de expostos na Bahia, onde

ficavam a cargo da Misericórdia, e, em Minas Gerais, onde recaíam sobre as Câmaras,

apontou para essa última, especificamente em Vila Rica, a exigência, além da cópia do

batismo, de uma certidão de brancura na hora dos acolhedores irem à Câmara darem

entrada no auxílio205.

Tudo indica que essa certidão de brancura, exigida pelo Concelho, era uma

forma de os vereadores controlarem a entrada dos expostos no auxílio. Parece que eles

não queriam custear a criação de mulatos e de crioulos porque estes estavam se

multiplicando demasiadamente. Tal fato também foi percebido na cidade de Mariana,

pela autora Laura de Mello e Souza, como uma forma de preconceito. Ao trabalhar com

o Livro de Matrículas de Expostos nº 558, num conjunto de 226 crianças inscritas, a

autora chamou atenção para quatro delas, que se diferenciavam completamente das

restantes. A Câmara recusava a criar três enjeitados da década de 1750, que se

suspeitava serem mulatos, e um, da década 1760, que era um menino escravo, devolvido

ao seu senhor. Para ela, todos esses processos singulares eram, possivelmente, ilegais206.

Vila Rica teve alguns editais e cartas endereçadas à Coroa, culpando as mulheres

pelo aumento da exposição de crianças crioulas e mulatas. Todavia, quando analisamos

os documentos do batismo da Freguesia do Pilar e a Lista de Matrícula, é raríssimo o

205
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manuel Francisco Lisboa - Juiz de Ofício e Filantropo. Belo Horizonte,
Escola de Arquitetura da UFMG, p. 31-32.
206
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 63.

100
registro que descreve a cor da criança enjeitada. Isso deve ter ocorrido, porque o

primeiro Livro de Enjeitados, criado pelo Senado, correspondia ao período de 1751-

1768, sendo que somente nos anos de 1757, 1758 e 1759 foi exigido a certidão de

brancura, momento esse em que a Comarca, ou especificamente em Vila Rica, se

revelava temerosa ante a sociedade mestiça “que se ia inevitavelmente formando na

região”207. O livro de Matrícula do ano de 1757 foi escrito, dessa forma:

Silvério exposto em casa de Miguel Borges, morador de fronte do


chafariz do Senhor do Bonfim e admitido neste Senado por despacho
do mesmo, aos dezenove dias do mês de fevereiro de 1757, assim
como consta do despacho posto no requerimento que fez ao mesmo
Senado, e mostra por certidão de médico e cirurgião ser o dito
enjeitado branco, o qual ele tinha estado as sua porta, primeiro de
janeiro do presente ano, e como era justo dito requerimento mandará
por este Senado se fizesse assento do dito enjeitado e que recebera por
mês três oitavas de ouro e mostrou por certidão de batismo ser
batizado aos 12 dias do mês de janeiro do presente ano, passando a
dita certidão pelo coadjutor da Matriz de Ouro Preto, Manuel da Silva,
e de tudo para constar fiz este termo por mandato do dito Senado e
despacho dele em o dito dia 14 do mês de fevereiro do dito ano. José
Antonio Ribeiro Guimarães, escrivão da Câmara, que o escrevi e
assinei208.

Porém, contraditoriamente a esse assento, em 1763, a Câmara resolveu por

“bem” acolher a criação do “enjeitado Domingos, crioulo ou cabra”. Esse fato ocorreu,

porque por mais que o Concelho não aceitasse custear os expostos mulatos, crioulos ou

cabras, era dado por lei a eles o direito do financiamento da criação. Acreditamos que a

partir dessa década, os oficiais camararios pararam de pedir a certidão de brancura ao

criador, pois a Lista de Matrícula de Enjeitados só se organizou de forma sistemática a

partir da década 1760, o que nos permitiu observar que quase todos os expostos

inscritos na lista não faziam referência à cor.

207
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manuel Francisco Lisboa... 31
208
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 61 (1751-1768) Matriculado 19/02/1757.

101
Certamente, algo começava a mudar para os expostos, pois agora a Câmara via-

se custeando a criação de qualquer exposto independentemente da sua origem. Contudo,

a Câmara de Vila Rica continuava procurando alguma maneira para diminuir os custos

com a criação dos enjeitados. A solução encontrada por ela foi que todo criador que

recebesse uma criança mestiça ou negra tivesse de assumir seus gastos e, em troca,

poderia utilizar-se do serviço dela gratuitamente por vinte e cinco anos.

(...) que por esse respeito se vê gravada com empenhos e sem as forças
necessárias para as mais despesas públicas aqui é obrigada. E parece
justo que Vossa Majestade adiante a dita providencia mandando que
os enjeitados mulatos e crioulos que se criarem por conta da mesma
Câmara lhe fiquem sujeitos até a idade de vinte e cinco anos para por
ela se darem a quem os criar de graça pela grande utilidade de se
servirem dele até a dita idade, pois só assim se poderá coibir a lassidão
com que as mães enjeitam se diminuirá a grande despesa que com eles
faz mesma Câmara209.

Esse documento pedia ao rei que aprovasse tal regulamento. No entanto, o rei

não só desaprovou o pedido, como repetiu o gesto com outro semelhante, feito pelo

Senado de Mariana, uma década antes, em 1763.

(...) o Conselho danificados com esta grande despesa. Se não efetua


fazer se a cadeia desta cidade de que tanto se necessita sem que toda a
vigilância que se tem posto nas freguesias por pessoas para isso
destinadas seja bastante para se evitarem tais exposições que só
poderão ter algum [ilegível] se VMagde for servido mandar que os
expostos que legitimamente não forem brancos fiquem sujeitos pela
criação a mesma Câmera para depois deles criados se disporem na
forma a que for justo atenta a despesa do Conselho evitando-se por
este meio que os forros o não enjeitem na sua posição da Sujeição em
que ficam e da mesma forma os cativos por que suposta aquela pelas
mães ou pais antes a quiseram atentas a seus próprios senhores do que
a Câmara evitando se assim tanta despesa ao Conselho com se
costuma fazer ao Conselho. Em Câmara da cidade Mariana de 16 de
Março de 1763210.

O pedido de Vila Rica ocorreu no ano de 1772, três anos antes do Alvará

pombalino de 1775. Isso indica que a resolução pombalina veio para reforçar a questão

209
AHU/MG-C.x:81, doc.:20
210
AHU/MG-Cx.:103, doc.:47

102
dos cuidados com os enjeitados - que era obrigação da Santa Casa ou do Concelho em

custear os cuidados dos pequenos -; e, ainda, nesse mesmo Alvará, acrescentou-se que

independentemente da cor – negra ou mulata – o exposto gozaria automaticamente de

sua liberdade. Cremos que tal resolução se fez para impedir que os camaristas

insistissem na diferenciação de assistência entre os enjeitados.

Acreditamos que o abandono de crianças escravas, em Vila Rica, fosse raro no

final dos anos setecentos e no início dos oitocentos, em função do desinteresse dos

senhores de escravos em perdê-los. A historiadora Silvia Brugger, ao analisar os

documentos de registro paroquiais de batismo de São João Del Rei, relata-nos um caso

que implicava uma escrava que abandonou o filho para garantir a liberdade dele, já

tinha até conseguido a aprovação do padre; entretanto, o senhor descobriu e pediu o

menino de volta, o que “impediu o sucesso do projeto que a escrava Josefa traçara para

garantir a liberdade de seu filho”. No entanto, para a autora, casos como esses não

seriam corriqueiros numa sociedade colonial, e não deveria ser muito simples ocultar a

gravidez de uma cativa perante o seu senhor. Mas a autora não descarta a possibilidade

de ter havido casos semelhantes, como o de Josefa, que foram bem sucedidos e “estarão

irremediavelmente encobertos”211.

Dados complementares sobre o grande número de exposição de crianças

escravas em outros pontos da Colônia podem ser exemplificados com os fatos que

ocorreram na cidade do Rio de Janeiro, na década 1870. Lá, sim, houve um elevado

número de abandono de enjeitados mulatos e crioulos. De acordo com os historiadores

Lana da Gama e Renato Venâncio, a Lei do Ventre Livre de 1871, levou os senhores de

escravos daquela região a abandonarem os filhos de escravas, ao invés de os criarem, já

que viam nessa ação um grande benefício financeiro. Ao enviarem a criança à Roda dos

211
BRUGGER, Silvia M. J. Minas Patriarcal: Família e Sociedade (São João del Rei – Séculos XVIII e
XIX). São Paulo: Annablume, 2007, p.198-199.

103
Expostos, os senhores ficavam isentos dos gastos com sua criação e, além disso, as

escravas tornavam-se amas-de-leite de aluguel, trazendo lucro rentável212.

(...) a prática dos senhores abandonarem os filhos de suas escravas na


Casa dos Expostos, com o intuito de alugá-las como amas-de-leite.
Isso lhes permitir auferir uma renda de 500$000 a 600$000 por ano,
muito mais atraente do que a oferecida pelo governo em troca da
cessão dos ingênuos. Com efeito, cada criança libertada aos oito anos
facultava ao senhor o recebimento de títulos de renda com juros
anuais de 6% sobre a indenização de 600$000, correspondendo a uns
míseros 36$000 por ano. Não era, portanto, de estranhar, que os
senhores preferissem auferir os lucros imediatos proporcionados pelo
aluguel das amas-de-leite do que arcar com o ônus da criação de seus
filhos, correndo o risco de só poderem aproveitar-se mais tarde do
trabalho de metade das crianças que haviam sustentado, devido às
altas taxas de mortalidade da época213.

Vários foram os editais espalhados, em Vila Rica, acusando as mães e as

escravas pelos abandonos, mas infelizmente não encontramos nenhum documento

sistematizado igual ao que foi encontrado em Mariana e em São João Del Rei, que

demonstrasse a diferença de tratamento dado entre as crianças brancas, mulatas e

negras.

Numa capitania onde a mestiçagem fazia parte do corpo da sociedade, negar essa

miscigenação seria insustentável por muito tempo. Mesmo que, a princípio, discursos

oficiais, como o do vice-rei marques do Lavradio, em seu famoso Relatório, de 1779,

que dizia que era “impossível sujeitar e acalmar os negros, mulatos, cabras, mestiços e

outras gentes semelhantes” de “tão más gentes”214, e de outros que perpassavam pelos

camaristas, levado-os a agir de ilegal no que se diz a respeito à criação de infantes

mestiços e negros, o tempo levaria a sociedade a assumir outras posturas. Ao que

parece, discursos com essas conotaçõs, quando relacionados às crianças enjeitadas e

direcionada ao Rei, não surtiam nenhum efeito, pois o próprio Rei reforçava que,

independente da origem do exposto, ele tinha que ser cuidado pelas autoridades
212
LIMA, Lana Lage da Gama e VENÂNCIO, Renato Pinto. O Abandono de Crianças Negras..., p. 65-73
213
LIMA, Lana Lage da Gama e VENÂNCIO, Renato Pinto. O Abandono de Crianças Negras..., p. 69-70
214
Relatório do Marques do Lavradio – 1779, in Revista do Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro,
vol. IV, p. 424 Apud. SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 71.

104
responsáveis, conforme escrito nas Ordenações. A Câmara de Vila Rica, mesmo a

contra gosto, financiava a criação de todos os pequerruchos abandonados; entretanto, as

dívidas com os criadores pela criação, sempre se fez presente, sendo elas parciais ou

não, como nos mostra o gráfico a seguir.

Gráfico 5 -Montante Não Pago aos Criadores dos Enjeitados por Década

12000

10000

8000
Montante em Réis

6000

4000

2000

0
1770-1779 1780-1789 1790-1799 1800-1809 1810-1819 1820-1829
Anos

No gráfico 5 notamos que, a partir da década 1770, as dívidas começaram a

subir e nas décadas de 1780, 1790 e 1800, o montante não pago aos criadores foi maior.

Isso pode ter ocorrido por dois motivos: o primeiro é que na década de noventa, e no

ano de 1800, o cofre da Câmara encontrava-se em déficit e a despesa ultrapassou a

receita por dois anos. O segundo item a ser lembrado é que essa dívida com os criadores

ocorreu devido a Câmara não querer pagar os atrasados, para tentar diminuir a

exposição de crianças.

O déficit da Câmara com os criadores fez com que muitos deles recorressem à

justiça para que o Concelho restituísse a eles o restante que faltava. Esse acontecimento

105
ocorreu com a D. Candida Fernandes Neves, que pediu ao procurador José Reis Pombo

que cobrasse a Câmara a quantia que lhe deviam. O procurador da Câmara Francisco

José Ferreira pagou a José Reis a quantia de quarenta e dois mil, novecentos e setenta e

nove reis, que devia em razão dos custos da criação da enjeitada Libania215. Aconteceu,

também, com a criadora Maria Úrsula, que entrou na justiça por meio do seu procurador

José Dias Monteiro que recebeu os atrasados para ela na forma da Lei a quantia de cento

e trinta e quatro mil e quatrocentos reis216. Caso parecido ocorreu com a mulher do

Tenente Coronel Joaquim Manoel da Silva. Dona Barbara da Rosa, criadora da

enjeitada Maria, num encontro de foros recebeu, por meio do seu marido, que foi o seu

procurador, a quantia atrasada de quarenta e sete mil e trezentos e oitenta reis217.

O Concelho, mesmo não querendo ficar com encargo da criação dos enjeitados,

não tinha como fugir dessa função, pois mesmo havendo pessoas que os criassem sem

pecúlio algum, não era o suficiente para diminuir a sua obrigação de “tutor”. A Santa

Casa de Misericórdia, por sua vez, que seria a instituição mais apropriada para receber

os bebês abandonados, praticamente inexistia, no que dizia respeito ao socorro à

infância desvalida.

215
APM, CMOP, Cód 259, rolo 60-61, flash, 01.
216
APM, CMOP, Cód 324, rolo 66, flash, 01.
217
APM, CMOP, Cód 324, rolo 66, flash, 01.

106
Capítulo 3 – A criança e a família criadeira

3-1 Recebendo os Expostos

Como vimos anteriormente, coube à Câmara de Vila Rica dar assistência aos

pequerruchos abandonados, sendo seu dever custear a alimentação e a vestimenta

destes.

Em Vila Rica, como não havia uma instituição especifica (Roda dos Expostos)

ou uma pessoa responsável para o recolhimento dos pequenos, estes últimos foram

abandonadas às portas de casas particulares, de Irmandades, pontes, praças e outros

lugares. Assim, até o momento em que essas crianças fossem encontradas, muitas delas

já haviam passado pelas imperícias do tempo, enfrentando as condições precárias das

ruas urbanas e dos perambular dos animais. De acordo com Francisco Antônio Lopes,

esses animais seriam em sua maioria os porcos que, freqüentemente, peregrinavam por

Vila Rica e, desde a década anterior, tinham se tornado objeto de seguidas críticas por

parte das disposições oficiais218.

A carta de fevereiro de 1795 ratifica o vagar dos animais nas ruas de Vila Rica e

expõe, em relação a esse assunto, a preocupação dos camaristas com os enjeitados

abandonados nas ruas. O Concelho explicava ao Ouvidor Geral a necessidade da Roda

dos Expostos, “logo que as mães envergonhadas davam a luz, abandonavam as crianças

às portas de casa particulares, momento em que alguns já as encontravam em situação

de quase a expirar, tendo até sucedido serem devorados por animais”219.

Deste modo, quando alguém encontrava um exposto que tinha suportado todos

aqueles desafios e permanecia com vida, cabia a ele a decisão de ficar com a criança ou

218
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica..., p. 187-190.
219
LOPES, Francisco Antonio. Os Palácios de Vila Rica...,, p. 188

107
não. Em caso afirmativo, poderia optar por receber pela criação, sendo necessário dar

entrada na Câmara; se por acaso esse não quisesse criá-la, ele dava a criança para a

Câmara, que prontamente procurava outro criador para educá-la.

A aceitação da criança na Lista de Matrícula passava por todo um processo e

seguia algumas etapas. No princípio, na década de 1750, para o enjeitado ser aceito teria

que ser batizado. O criador, sobre os Evangelhos, teria que jurar que não conhecia os

pais do enjeitado e às vezes era pedido para que o criador o atestasse a brancura da

criança. Nas décadas posteriores, a partir de 1760, depois que alguns criadores

peticionaram às instâncias superiores para a não aceitação das exigências dos

vereadores, as quais não condiziam com as Leis das Ordenações, a Câmara passou

somente a exigir deles o certificado do batismo. Os criadores, estando em posse da

cópia da ata batismal, caso quisessem, podiam solicitar à Câmara o pagamento para a

criação dos expostos.

Após a concordância do concelho em custear a criação da criança enjeitada, ela

era escrita no Livro de Matrícula dos Expostos, que especificava, em cada folha, o dia,

mês e ano em que o criador deu entrada no auxilio camarario, além do nome dessa

criança e do local que ela foi encontrada. Algumas vezes, este livro registrava o nome

da pessoa que a encontrou, e o dia que a encontrou, o nome do reverendo que a batizou,

a igreja da freguesia desse reverendo, a apresentação da certidão do batismo, o nome do

criador, e o local onde ele morava e a especificação do valor a ser pago.

108
Fonte: Arquivo Público Mineiro. Câmara Municipal de Ouro Preto. Cód.88 (1751-1784)

109
As exigências da Câmara não se resumiam apenas à matricula do enjeitado.

Após o registro inicial, como foi descrito acima, os criadores passavam a receber, em

troca da criação, o pagamento anual de 24 oitavas de ouro por ano durante os três anos e

16 oitavas anuais nos últimos quatro anos. No entanto, para que esse pagamento fosse

feito, era preciso que o criador provasse que a criança estava viva e bem de saúde. Ele

era obrigado a apresentar a criança a cada três meses para receber o pecúlio. Caso

estivesse incapacitado de levá-la, podia enviar o atestado de vida do exposto emitido por

algum pároco ou por pessoas com bons cargos e, se assim o fizesse, o Senado aprovaria

o pagamento.

(...) Câmara de trez em trez mezes debaixo da pena de perdimento do


Direito de cobrar o vencido em cada quartel que deixar de fazer a
mencionada apresentação sem justa causa, ou mostrando por
attestação do seu Reverendo pároco, ou do Commandante do Destricto
a existência da dita Enjeitada, e com bom tratamento220.

Quando o pequeno morria, a câmara pagava os dias relativos ao período em que

a criança esteve viva. Este fato aconteceu com a criadora “Maria Nobre dos Santos.

Com o falecimento da sua enjeitada Antônia, ela recebeu o retroativo pela criação, que

ficou em 38,400 reis”221. Caso parecido ocorreu também com o “Sargento Florêncio

Pereira Campos, criador do enjeitado Sebastião, falecido, que recebeu pela sua criação

13,950 reis”222. Outro acontecimento semelhante ocorreu com “Floriano Antônio da

Silva,dos enjeitados Manoel e Manoel, ambos falecidos, que vencerão num valor da

criação 12,000 reis”; a Câmara, porém, só pagou 1,170 reis, e ficou devendo ao criador

10,830 reis223.

220
Descrito nos documentos da Lista de Matrícula.
221
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
222
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
223
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27

110
Não obstante, já sabemos que o Concelho remunerava precariamente a criação

dos expostos. Assim sendo, como explicar quais foram os motivos verdadeiros que

levaram o criador a recolher o enjeitado? As indagações que permeiam este assunto são

muitas. O fato de ter havido uma variedade de criadores, como negras forras, indivíduos

de altas patentes, oficiais do senado, membros da Igreja e Donas, intui-se que haviam

diferentes motivações para se criar um enjeitado.

Diferentemente do que ocorreu na Europa, onde as instituições, como asilos ou

hospícios de expostos, eram responsáveis pela criação dos infantes, “desde o

nascimento até o casamento, a emancipação ou a morte”, salvo alguns casos de

raríssimas exceções, na América Portuguesa, o sistema de criação era informal ou

privado. Assim sendo, descartamos a idéia de imposição ou obrigatoriedade de criação

dos expostos, levando-nos a acreditar que foram particulares, além de variados, os

motivos que levaram tantas famílias a terem um exposto em sua casa.

Com certeza, o motivo religioso fez com que muitos criadores acolhessem os

infantes por meio da caridade, dando a eles comida, vestimenta e moradia, e alguns

deles não aceitaram receber nenhum pecúlio para criá-los. A generosidade da caridade

cristã de algumas famílias se demonstrava pela fé, pois muitas delas acreditavam que tal

ação salvaria as almas de seus familiares. A Igreja estimulou os fiéis a exercitarem essa

prática caritativa com os pobres, doentes e crianças abandonadas, prometendo a eles a

proteção da alma. A criadora Ana Maria solicitou à Câmara para criar, sem nenhum

pecúlio, a enjeitada Antônia, branca, “pelo muito amor que lhe tem, pois a mãe da

referida menina é amiga da mesma, só pede a quem a tem confiado este segredo e o não

quer revelar a qualquer outra pessoa”. O Concelho aceitou a petição em dezembro de

1782224. Nesse sentido, Renato Venâncio também nos demonstra a necessidade de

224
APM, CMOP, Cx. 56, Doc. 57

111
algumas pessoas, residentes em Salvador, quererem exteriorizar a fé criando um

enjeitado sem nenhuma remuneração. “Em 28 de setembro de 1759, Theodozia dos

Santos compareceu à Santa Casa de Salvador afirmando que desejava acolher um

enjeitado pelo amor de Deus, sem estipêndio algum”225. “Que pediu para criar

gratuitamente por esmola e caridade”226. “Maria Rodrigues de Almeida pede a

concessão de um exposto para criar gratuitamente em satisfação de uma promessa que

fez”227.

A legislação oferecida às famílias criadoras poderia ser mais um dos motivos

que os induziram a criar uma criança abandonada. As compensações que as leis

portuguesas ofereciam a essas famílias eram muitas. As famílias que os criassem

ficavam isentas dos impostos que a Câmara aprovasse ou dos tributos requeridos para

construção e reforma de ruas, praças, pontes, iluminação, chafariz e casas de instituições

(cadeia, câmara). Além desses benefícios, os filhos e o marido da criadeira podiam

requerer dispensa dos serviços militares. Entretanto, não encontramos nenhum

documento que comprove se algum criador de Vila Rica utilizou alguma dessas

promulgações do Reino, que foram sendo criadas desde o século XVI228.

Outro motivo econômico também esteve presente na criação dos expostos.

Numa sociedade escravista “não assalariada”229, os enjeitados poderiam trazer

benefícios financeiros, já que o pagamento da criação rendia algumas oitavas de ouro.

Além disso, o criador teria uma mão-de-obra adicional e gratuita, pois se o acolhedor

quisesse ficar com a criança depois da criação de sete anos, ele poderia, sendo o exposto

obrigado a trabalhar para ele. Parece que essa agregação era mais importante do que a

ligação que se tinha com um escravo, porque “o exposto era livre e ligado a laços de

225
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 63
226
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 63
227
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 63
228
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 93- 94
229
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p.137

112
fidelidade, de afeição e de reconhecimento com o seu criador”230. Segundo Maria

Marcílio, isso foi bem visível quando ela analisou Rol dos Confessados de Mariana de

1802,

uma mulher sozinha, chefe de fogo, tinha apenas um escravo.


Certamente, sem recursos para comprar mais escravos, acolheu em
sua casa, em épocas distintas, três crianças expostas, que naquele ano
eram: Manoel José Cosme, de 22 anos; Maria, de quinze anos; e
Francisca Chagas, de nove anos. Um outro casal, dessa mesma cidade
e no ano de 1802, reunia em casa dois filhos, três escravos e três
agregados expostos: um já provecto, de 61 anos; outro de 27 anos; e o
último, de catorze anos231.

Contudo, não faltaram criadores que tratavam com maus-tratos os expostos. A

parda forra Floriana Maria, filha de pais incógnitos, fora exposta na casa do primeiro

marido da mulher de José Luís Reis, morador na Guarapiranga, onde trabalhou desde a

sua meninice no ofício doméstico e na roça, “com foice e enxada na mão como se fosse

escrava, sendo de seu nascimento livre e liberta”. Os falsos senhores, “por ingratos, ou

pouco temente a Deus, sem agradecimento ao atual benefício que estão recebendo da

suplicante, a castigam, maltratam, e metem em ferros com público escândalo”. Isso vez

com que Floriana Maria pedisse requerimento junto ao governador que “a deposite em

casa honrada onde se conserve a suplicante em honesta fama até conseguir estado de

casada”232. Suas súplicas foram ouvidas, e provavelmente ela deve ter ido morar como

uma agregada em outra família.

Carlos Bacellar, pesquisando uma série de listas nominativas da Vila de

Sorocaba, descobriu que, nos 251 domicílios da vila paulista, que viviam 222 expostos

88,4%, deles não havia escravos, somente dezessete, ou seja, 6,8% dos domicílios

230
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p. 137
231
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ...,p. 137
232
Requerimento que a S. Exa. Fez Floriana Maria, parda forra assistente em casa de José Luís dos Reis
sobre ser liberta como dele consta, in: APM, SC, cód. 186, fls. 40V.

113
possuíam um único escravo233. Isso nos induz a pensar que esses criadores eram pobres,

e não tinham condições de comprar escravos, dessa forma, agregavam os expostos em

seus lares, para se beneficiarem de um trabalho gratuito, que poderia ser feito tanto nos

serviços domésticos quanto nas roças.

Outra razão dos criadores para criar um enjeitado, ainda relacionada com a

disponibilidade de mão-de-obra, estava explicitada em uma petição que os oficiais da

Câmara fizeram ao rei. Esse documento pedia ao rei a regulamentação para que todo

criador que recebesse uma criança mulata ou crioula e tivesse de assumir seus gastos,

poderia utilizar-se do serviço dela gratuitamente até completarem vinte e cinco anos.

(...) parece justo que Vossa Majestade adiante a dita providencia


mandando que os enjeitados mulatos e crioulos que se criarem por
conta da mesma Câmara lhe fiquem sujeitos até a idade de vinte e
cinco anos para por ela se darem quem os criar de graça pela grande
utilidade de se servirem deles até a dita idade, pois assim se poderá
coibir a lassidão com que as mês enjeitam (...)234.

Essa medida, na verdade, objetivava reduzir os gasto da Câmara e coibir o

abandono. Caso tivesse sido aprovada, seria mais um dos motivos que atrairia as

famílias criadeiras a criar mais expostos, tratando-os como escravos fossem.

Portanto, a criação de um exposto era atraente não só para a pessoa intitulada

criadora, mas também para toda sua família. Os atrativos incluíam privilégios variados,

como a suposta salvação da alma, o ganho econômico (recebimento pela criação,

isenção de impostos, mão-de-obra “gratuita”) e a dispensa de serviços militares. Dessa

forma, a criação de expostos era uma oportunidade para o desenvolvimento de

estratégias familiares.

233
BACELLAR, Carlos. Famílias e Sociedade em uma Economia de Abastecimento Interno. (Sorocaba
nos séculos XVIII e XIX). Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-graduação em História,
Universidade de São Paulo, 1995, p. 320.
234
AHU Cx. 103, Doc. 47

114
No que diz respeito ao sexo dos criadores que deram entrada na Lista de

Matrícula, a tabela 1 indica-nos que na década de 70 o perfil dos matriculantes

manteve-se equilibrado, mas os homens tenderam a ultrapassar as mulheres alcançando

51,5%. Na década de 1780, os matriculantes homens continuaram com a porcentagem

superior as das mulheres, atingindo cerca de 60,8% da entrada. Esse fator dos homens

matriculantes se manterem à frente das mulheres, é percebido pela Laura de Mello e

Souza, no estudo que ela fez dos enjeitados da cidade de Mariana. A autora constatou

em relação às décadas 1750 até 1790, que homens deram mais entrada na lista de

matrícula. Para a autora, isso poderia ter ocorrido devido ao elevado número de homens

como “cabeças dos fogos”. Além disso, ainda de acordo com Souza, nos finais das

décadas dos setecentos e no decorrer da década de noventa notamos que alguns assentos

de matriculantes se fez por intermédio de procuradores homens.

No entanto, a partir da década de 1790, as mulheres de Vila Rica se tornaram a

maioria das matriculantes em relação aos homens, elas chegaram atingir 53,1% das

matrículas. Diferentemente da cidade de Mariana analisada pela Souza, onde os homens

alcançaram 58,8% de matriculas em contrapartida com as mulheres que atingiram

41,2%. Desse modo, consideramos como hipótese que esse evento de Vila Rica deve ter

uma analogia com a evasão de homens para outras localidades de Minas, devido à crise

da atividade da mineração. Entretanto, no ano de 1820 os homens voltaram a superam

as mulheres no registro de matrícula.

Tabela 1 – Matriculantes Mulheres e Homens por décadas


Total de
Períodos Criadores Mulheres Homens % de Homens
1770-1779 95 46 49 51,5%
1780-1789 161 63 98 60,8%
1790-1799 188 100 88 46,8%
1800-1809 106 55 51 48,1%

115
1810-1819 8 4 4 50,0%
1820-1829 4 1 3 75,0%
1830-1839 8 2 6 75,0%
1840-1849 10 3 7 70,0%
Total 580 278 302 47,9%
Fonte: Lista de Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-
1784); Cód. 111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804).

Na da Lista de Matrícula, é possível identificar algumas ocupações ou status do

criador. Alguns deles, como mostra a tabela 2, não tinham sua designação informada,

chegando atingir 37%. Porém, cerca de 58,6% das mulheres e 65,2% dos homens não

tinham nenhuma qualificação ou título, ou simplesmente os oficiais da Câmara não

acharam necessário descrever informações dessa natureza. Das mulheres criadoras, as

que se destacaram em maior quantidade foram às “crioulas forras” e as “Donas”,

atingindo um percentual de 13,1% e 12,0%, respectivamente. Essa concentração de

forras e Donas nos leva a refletir sobre um ponto interessante: a historiografia brasileira

trabalho somente com a possibilidade de que muitas das negras, forras ou mestiças,

eram pobres e para completarem suas rendas trabalhavam como prostitutas e criadoras

de enjeitados. Porém, a historiografia mais recente vem desconstruindo um pouco essa

imagem das alforriadas “miseráveis”, mostrando-nas agora como agentes participantes

da sociedade colonial - nas áreas econômicas, políticas e judiciárias. E, como

percebemos por meio da tabela, as porcentagens de “forras” e “donas” estão

equilibradas na tabela.

Ainda em relação às criadoras, um caso que nos chamou atenção foi da Lucia,

escrava do capitão Francisco Caetano Ribeiro, que criava uma exposta de nome

Hipolita, abandonada no ano de 30 de Janeiro de 1799, e no mesmo dia, mês e ano

Lucia deu entrada na Câmara para criá-la235.

235
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 123 (1796-1804) Matriculado 30/01/1799 – Folha, 507.

116
Notamos, na coluna dos criadores homens, que a maioria da ocupação ou status

deles estava assim distribuída: os capitães atingiam 8,5%, os Alferes atingiam 7,0%,

seguidos pelos Reverendos com 3,3%, Coronel, Doutor, Sargento-mor e Tenente

alcançando aproximadamente 2,0% cada um. Na análise dos criadores homens,

observamos que poucos foram os pardos e forros que deram entrada na Câmara,

alcançando estes 1,0%. Os militares, por outro lado, foram os que mais criaram

enjeitados. Entretanto, como demonstra a tabela, vários foram os criadores que não

colocaram a “titulação” antes do nome. Além disso, alguns desses homens com status

poderiam ser procuradores de algumas pessoas que necessitavam deles para matricular o

enjeitado. Evento como esse ocorreu com a criadora Maria Batista de Oliveira Viana,

viúva de Duarte Jesus da Cunha, que pediu ao seu procurador Modesto Ribeiro de Jesus

que assinasse por ela, em presença do fiscal e secretário da Câmara, a quitação da

criação da enjeitada Francisca. A criadeira também declarou que não sabia ler. O

número de criadores não letrados era grande na sociedade colonial, pois até mesmo

pessoas que possuíam grande status social não sabiam ler.

No mesmo dia mês e ano e lugar assim se achava presente Maria


Batista de Oliveira Viana viúva de Duarte Jesus da cunha e por ela foi
dito que por ter recebido do procurador da Câmara Antônio José Dias
da Costa Coelho a quantia de oito mil por conta do que lhe devia da
criação da enjeitada Francisca lhe dava quitação por mesma mais lhe
fez repetido ano Câmara de como assim disse por não saberem ler
pediu o Modesto Ribeiro de Jesus que por ela se assinasse em
presença dado ao fiscal e em Candido de Oliveira Jaques Secretario
que a escreveu e o rogo mediante o recibo de José Pedro de
Carvalho236.

Tabela 2 - Ocupação e Status dos Criadores

Criadoras Nº % Criadores Nº %
Crioula Forra Viúva 1 0,3% Ajudante 1 0,4%
Crioula Solteira 1 0,3% Carcereiro 1 0,4%

236
APM, CMOP, Cx. 4 Folha 28

117
Escrava 1 0,3% Casado 1 0,4%
Parda viúva 1 0,3% Padre 1 0,4%
Mulher Casada 2 0,7% Pardo Forro 1 0,4%
Solteira 2 0,7% Pardo Forro Casado 1 0,4%
Preta Forra 10 3,6% Pardo Viúvo 1 0,4%
Viúva 12 4,3% Sargente 1 0,4%
Parda Forra 14 5,1% Soldado 1 0,4%
Dona 33 12,0% Crioulo Forro 2 0,7%
Crioula Forra 36 13,1% Reverendo Vigário 2 0,7%
N/C 160 58,6% Tenente Coronel 2 0,7%
Total 273 100% Reverendo Doutor 3 1,1%
Preto Forro 4 1,5%
Sargento-mor 4 1,5%
Coronel 5 1,9%
Doutor 6 2,2%
Tenente 6 2,2%
Reverendo 9 3,3%
Alferes 19 7,0%
Capitão 23 8,5%
N/C 176 65,2%
Total 270 100%
Fonte: APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27 Pagamentos aos criadores de Enjeitados

Conforme os documentos da Lista de Matrícula, observamos que alguns dos

criadores recolheram mais de três expostos. Em nossa análise, como demonstrado no

quadro 7, Dona Ana Teixeira da Souza Menezes criou 13 expostos, entre os anos de

1790 e 1811. Ela foi a criadora que mais procurou a Câmara para receber benefícios. Os

nomes dos expostos, provavelmente escolhidos por ela, eram bíblicos ou de origem

santa. Esse fato é evidenciado, principalmente, em relação aos nomes masculinos:

Abrão, Isaac, Pedro, Antônio e Francisco. Alguns nomes femininos também seguiram

essa tradição, como Maria e Isabel. Houve variação em relação aos anos em que Ana

Teixeira os inscreveu na lista de Matrícula. Em 1790 (10/11/1790), ela matriculou a

enjeitada Rosa; na metade da mesma década ela registrou José (28/05/1796) e no ano de

1801 (01/08/1801) matriculou o enjeitado Francisco. Embora não tenhamos minuciosas

118
informações sobre esta criadora, sabemos que ela recebia pela criação de todos os

expostos, excluindo, nesse caso, a hipótese de criação caridosa237.

Sebastiana Luíza do Sacramento, parda, forra e solteira, criou nove enjeitados.

Destes, seis eram homens e três mulheres. Deste total de enjeitados, nove crianças

foram abandonadas à sua porta, sendo duas delas entregues pela própria Câmara;

“Silvana infanta filha de pais incógnitos que aos cinco dias do Corrente foi dada pela

Câmara desta Vila a criar Sebastiana Luiza do Sacramento parda forra moradora

(...)”238. “João, exposto pelo Senado da Câmera, em casa de Sebastiana Luiza do

Sacramento parda forra"239. O fato de estes dois expostos terem sido entregues a

Sebastiana pela própria Câmara nos leva a pensar que esta criadora assumiu a função

social de receptora de enjeitados, fato comprovado em razão do número e freqüência

com que ela matriculava seus pequenos.

Sebastiana também desempenhou o papel de madrinha de dois expostos que ela

criava; o exposto José, que a teve como madrinha juntamente com Manoel Mendes

Barreto, como padrinho240. A exposta Fabiana também a teve como madrinha, ao lado

do Antônio Alves Carneiro, padrinho241. Contudo, a parda forra era solteira e não há

registros que informem sobre o fato de ela ter tido filhos legítimos, motivo talvez, que a

tenha levado a criar tantos expostos.

Catarina Dias Ramos, 53 anos de idade, parda forra e criadora de seis expostos.

Domiciliava-se no Rosário, era padeira e possuía uma casa de molhados do reino. Tinha

seis escravos, nenhum filho e duas agregadas que se encontravam sob sua custódia, as

quais eram Maria, parda de doze anos, e dona Maria, exposta de oito anos. Todos os

237
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27
238
Banco de dados..., Batizada em 13 de agosto de 1772, Id. 5020
239
Banco de dados..., Batizada em 10 de janeiro de 1779, Id 5540
240
Banco de dados..., Batizada em 10 de agosto de 1773, Id 5116
241
Banco de dados..., Batizada em 07 de outubro de 1777,Id 5399

119
seis expostos foram abandonados à porta de sua casa. Como aconteceu no caso descrito

anteriormente, ela também foi madrinha de dois deles, Manoel e Maria242.

Dona Maria Izabel Coutinho era casada com o português Antônio Afonso

Pereira e possuía vários imóveis, podendo ser considerada como uma mulher abastada.

Era moradora do morro de Ramos e teve, com seu marido, quatro filhos legítimos. Já

viúva, após a morte de seu marido, passou a criar quatro expostos, sendo que todos eles

foram abandonados em sua casa: “Cândida exposta na madrugada no pátio das casas de

Dona Maria Izabel Coutinho viúva que ficou do falecido Antônio Afonso Pereira com

um escrito que dizia a crie pelo amor de Deus”243; “Domingos exposto em casa de Dona

Maria Izabel Coitinha moradora no Morro de Antonio Afonso"244; “Francisco exposto

em casa de Donna Maria Izabel Coitinha"245 e “Anna exposta à casa de Maria Izabel

Coitinha”246. O fato de quatro expostos terem sido abandonados à porta desta mulher

pode estar ligado à boa condição financeira que possuía, levando muitas mães a

acreditarem que seus filhos seriam bem tratados por ela.

Coronel Sebastião Francisco Bandeira era casado com Maria Angélica de Jesus,

sendo ela madrinha de cinco crianças enjeitadas, que não estavam sob seus cuidados,

tendo uma delas recebido seu próprio nome. O Coronel era morador da rua da Câmara e

cuidou de oito expostos, sendo seis mulheres e dois homens. Ele acolheu, por exemplo,

uma criança que foi batizada "sub condicione (...) que aos vinte e oito do mês de Janeiro

pelas nove horas da noite se achou exposta Maria em casa de Sebastião Francisco

Bandeira (...)”247. Ao que tudo demonstra, o Coronel não tinha uma predileção em

relação ao sexo da criança, embora tenha criado mais mulheres do que homens. E a sua

242
Banco de dados..., Batizada em 01 de dezembro de 1800 Id. 12160
243
Banco de dados..., Batizada em 11 de fevereiro de 1782, Id. 5732
244
Banco de dados..., Batizada em 14 de setembro de 1789, Id. 7131
245
Banco de dados..., Batizada em 01 de janeiro de 1791, Id. 7398
246
Banco de dados..., Batizada em 19 de março de 1791, Id. 7197
247
Banco de dados..., Batizada em 01 de fevereiro de 1755, Id. 3983

120
esposa parecia colaborar com outros enjeitados que não os “pertenciam”, sendo

madrinha deles.

Manoel Vieira da Cunha, casado, foi criador de sete expostos. Seis deles foram

deixados à porta de sua casa e um deles, ele mesmo pegou para criar "o exposto Antônio

deixado na porta de Manoel Ferreira da Costa (...) o qual foi achado por Manoel Vieira

da Cunha que o levou para sua casa onde se acha criando”248. Manoel Vieira era mais

um dos homens casados que, além de chefiar sua casa, agregava crianças enjeitadas no

seio da sua família.

Quadro – 7 Criadores com mais de três expostos


Ocupação/ N de
Criadores Status Expostos Data expostos
Manoel, 12/07/1779
João, 11/02/1782
Francisca e 20/01/1783
João Pereira Zacarias Reverendo Graça 29/11/1806 4
Candida, 31/01/1782
Domingos, 00/00/1789
Francisco e 00/00/1791
Maria Isabel Coutinho Dona viúva Anna 00/001791 4
04/07/1782
Maria, Simão, 04/11/1793
Inácio e 27/01/1797
Hipólito Dias Cordeiro Joaquim 13/10/1801 4
Custódio, 04/12/1784
Anna, 29/10/1785
Joaquina e 07/08/1797
Diogo Jesus da Silva Senhor militar Rosa 09/03/1798 4
Maria, 19/01/1814
Jesus, 22/07/1822
Serafim e 08/10/1823
Rufina Maria de Faria Luis 08/12/1827 4
José, 00/00/1779
Luis, 00/00/1784
Francisca, 00/00/1803
Manoel e 00/00/1800
José Veloso do Carmo Coronel Enjeitado 00/00/0000 5
João, 28/10/1766
Leonor, 29/10/1783
Silvério, 08/10/1794
Thomas e 00/00/1798
Thomas Aquino Bello Doutor Maria 27/11/1802 5
Fantina 03/04/1984
Maria, 16/03/1799
Jacinto Coelho da Silva Sargento-mor Albina, 27/06/1802 5

248
Banco de dados..., Batizada em 1 de agosto de 1779, Id. 5627

121
Feliciana e 24/09/1791
Joaquim 24/09/1791
Antônia, 04/11/1807
Enjeitada, 27/12/1810
Francelina, 12/01/1812
Francisco e 13/09/1817
Maria Nobre dos Santos Francisca 10/11/1827 5
Serafim, 00/00/1765
Venâncio, 00/00/1779
Raimundo, 25/09/1780
Maria, 00/00/1783
Francisco e 00/00/1783
Maria da Silva Aguiar Parda Forra Maria 00/00/1791 6
Anna, 00/00/1775
Maria, 00/00/1778
Francisca, 00/00/1781
Antônia, 00/00/1781
João e 00/00/1786
Jerônimo de Souza Lobo Lisboa Francisco 00/00/1800 6
Antônio, 00/00/1793
Manoel, 00/00/1794
Joaquina, 00/00/1795
Maria, 00/00/1796
Parda Forra - Maria e 00/00/1801
Catharina Dias Ramos Padeira Maria 18/12/1803 6
15/08/1792
Manoel, 15/08/1792
Ezequiel, 15/08/1792
Antônia, 15/08/1792
José, 15/08/1792
Micaela Arcângela Soares Maria e Elisa 15/08/1792 6
Antônio 00/00/1779
Francisco, 00/00/1781
Joaquim, 00/00/1784
Anna, 05/04/1784
Luis, 00/00/1786
Camilo e 00/00/1790
Manoel Vieira Cunha Beatriz 00/00/1802 7
Francisca, 00/00/1784
Joanna, 24/06/1792
Anna, 17/03/1794
Maria, 00/00/1798
Henriqueta, 00/00/1798
Parda Forra Francisco e 00/00/1801
Romana Thereza viúva - parteira Emerenciana 15/07/1803 7
Isabel, 00/00/1746
Maria, 28/01/1755
Luzia 00/00/1757
Angelo, 00/00/1760
Umbelina, 00/00/1763
Roque, 00/00/1780
Maria e 00/00/1781
Sebastião Francisco Bandeira Capitão Jozefa 00/00/1782 8
Prudente, 06/06/1766
Vicente, 00/00/1771
Sylvanna, 05/08/1772
José, 00/00/1773
Anna, 00/00/1775
Parda Forra Fabianna, 00/00/1777
Sebastiana Luíza do Sacramento Solteira João, 00/00/1779 9

122
Manoel e 00/00/1780
Fernando 00/00/1782
Anna, 00/00/0000
José, 28/05/1796
Isaac, 21/08/1799
Francisco, 01/08/1801
Abrão, 12/12/1801
Antônio, 07/06/1798
Pedro, 00/00/?
Outro Pedro, 00/00/?
João, 00/00/?
Isabel, 00/00/?
Maria, 00/00/?
Anna e 00/00/?
Ana Teixeira da Souza Menezes Dona Maria 00/00/? 13
Fonte: APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27 Pagamentos aos criadores de Enjeitados; Lista de Matrícula dos
Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-1784); Cód. 111 (1781-1790);
Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804); Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de
Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG), coordenado pela Profa. Dra Adalgisa Arantes
Campos.

Para compreendermos o perfil da exposição no período 1770-1849, analisamos

os Batismos dos Expostos ocorridos na Matriz do Pilar e os Livros de Matrículas de

Expostos, da Câmara de Vila Rica. Os dados do Batismo, apresentados na tabela 3,

revelam que, nesse período, foram batizados 566 crianças. Deste total, um elevado

número aconteceu no começo da década 1770, totalizando 91 batismos. Esse número é

alto, se comparado com a década anterior, quando houve 48 batismos de expostos. Na

década de 1780, o número de batismos de exposto chegou a 141 e, na década seguinte,

alcançou o auge de 191 batismos. Nos anos de 1800, notamos que o batismo dos

abandonados continuou elevado, atingindo a marca de 113 consagrações. No entanto,

nas décadas posteriores a 1810, o número de batismo dos expostos foi diminuindo

consideravelmente, totalizando o número de 48 batismos até a década de 1850.

Sabemos que já é consenso, entre os estudiosos do assunto, que o aumento do

abandono ocorreu em função de diferentes motivos, como a ilegitimidade, a crise

mineratória, a pobreza, os impasses ante a reorganização das atividades econômicas, as

doenças, o falecimento dos pais e a possibilidade de receberem, da Câmara, um valor

pela criação. Há a possibilidade de que a diminuição dos expostos poderia estar,

123
também, relacionada a diferentes fatores. Um deles poderia ser o elevado número de

casamentos que ocorreu a partir de 1815. Segundo a historiadora Mirian Lott, por volta

desta data, a população se estabilizou e voltou a crescer. Nesse período houve uma

maior ocorrência de casamento entre a população livre249 e consequentemente uma

redução de crianças abandonadas.

Outro fator pode estar relacionado com a economia de Minas Gerais. Para o

historiador Douglas Libby, a idéia de decadência econômica generalizada de Minas -

provincial do século XIX, não procede. Segundo ele, a economia mineira oitocentistas

caracterizava-se por uma acomodação evolutiva: “O colapso da mineração nunca

chegou a ser absoluto e as atividades alternativas ligadas à agricultura mercantil de

subsistência sempre estiveram presentes na história da região”250. Embora, em certos

momentos, alguns homens de Vila Rica, tenha emigrado para outras regiões em busca

de trabalho, é possível que tenha ocorrido o retorno destes para suas famílias ou, até

mesmo, que o restante de sua parentela tenha ido com eles morar, reduzindo o número

de crianças que teriam que ser abandonadas.

Podemos também relacionar o decréscimo das crianças abandonadas, como

observamos no gráfico 2251, com a alta ilegitimidade das crianças que se apresentaram

nas décadas de 1800 a 1820. Nesse período, conforme analisamos, o batismo dos

legítimos e dos expostos era menor do que os ilegítimos. Os legítimos252 atingiram

cerca de 628 batismos, os expostos 143 e os ilegítimos 1.132253. Esse aumento

considerável do número de ilegítimos supõe uma diminuição do número de expostos.

Esse fenômeno, de acordo com Mirian Lott, ocorreu por três motivos: 1º no início do
249
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas Gerais, Vila Rica – 1804-1839. Mestrado de
História/UFMG, 2004, p.36
250
LIBBY, Douglas as Cole. Transformção e trabalho: em uma economia escravista Minas Gerais no
século XIX, São Paulo p. 48-49.
251
Gráfico do capítulo 2-1 O abandono: Reflexão Historiográfica
252
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas..., p. 40. Fonte da autora foi retirada do Banco
de dados da Matriz de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto.
253
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas..., p. 40

124
século XIX a miscigenação se fazia presente tanto na população livre quanto na

população escrava; 2º períodos de maior estagnação econômica possibilitaram à

manutenção dos escravos por meio da reprodução vegetativa, deixando os proprietários

empobrecidos mais independentes do tráfico internacional; e 3º a elevada freqüência das

alforrias, que “serviu como uma válvula de escape essencial para a reprodução do

sistema (escravista) como um todo”254. Esse evento levou ao reconhecimento de muitas

crianças ilegítimas, mas nem por isso, abandonadas.

A diminuição dos expostos poderia estar relacionada, também, com o

endividamento da Câmara com os criadores. Como vimos, nas três últimas décadas do

século XVIII, a Câmara devia aproximadamente 88% dos criadores e, nas três primeiras

décadas do século XIX, a Câmara ficou em débito com 72% dos criadores. Esse fato,

deve ter desestimulado muitos criadores a adotarem crianças para criarem à custa do

Concelho ou de mães que abandonavam seus filhos para receberem algum pecúlio da

Câmara: “Pagou o procurador da Câmara Francisco José Ferreira a Francisco Gales

Borge, por conta da criação do exposto Candido, que encontra com o mesmo e, que o

Concelho se acha a dever uma multa imposta no ano de 1832 a quantia de dezoito mil

seiscentos reis 18,600 Reis”255.

Diante dessa situação, pode nos parecer provável, também, que muitas famílias

tenham achado mais interessante a utilização dos expostos como mão-de-obra em

lavouras ou no trabalho doméstico, em vez de receber o pagamento da Câmara e muitas

vezes, com atraso, como descrito acima.

Ainda na tabela 3256, observamos que o número de expostos não se

diferenciavam tanto, quanto ao sexo. Entretanto, nas décadas 1790 e 1800, as meninas

254
LOTT, Mirian Moura. Casamento e famílias na Minas..., p. 40.
255
APM, CMOP, Cód 259, rolo 60-61, flash, 01
256
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro
Preto (CNPq, FAPEMIG)

125
representavam 56,5% e 60,1% respectivamente. Dessa forma, poderíamos pensar que,

no período coincidente com a crise mineratória, o abandono de homens representaria

um déficit de mão-de-obra familiar. No entanto, segundo Laura de Mello e Souza, essa

tendência não demonstraria uma intenção a preferir criar meninas a meninos. “Essa

diferença seria reflexo da flutuação natural”257.

Tabela – 3 Números de Batismo de expostos por décadas de 1770-1849


Total de % de
Décadas expostos Meninos Meninas Meninos
1770-1779 91 42 49 46,1%
1780-1789 141 72 69 51,0%
1790-1799 191 83 108 43,4%
1800-1809 113 45 68 39,8%
1810-1819 8 4 4 50,0%
1820-1829 4 3 1 75,0%
1830-1839 8 6 2 75,0%
1840-1849 10 5 5 50,0%
Total 566 260 306 45,9%
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG).

A tabela 4 mostra-nos que não houve variação considerável em relação ao sexo

dos expostos matriculados nos períodos de 1770-1849, como aconteceu com as crianças

batizadas no mesmo período. Contudo, notamos que o número de entrada das crianças

nas matrículas foi um pouco maior do que o número de crianças batizadas pela Matriz

do Pilar, representando 50,6% e 49,3% concomitantemente. Além disso, os números de

matrícula por décadas não correspondiam aos números de batismo por décadas

semelhantes. Esse fato ocorria porque, inúmeras vezes, a criança era batizada em outra

freguesia e entregue à Câmara de Vila Rica para custear a criação. Caso, por exemplo,

de “Antônia, exposta na freguesia de Cachoeira do Campo, à noite, foi batizada pelo

Reverendo, da dita freguesia, e dada a Gabriel da Silva que deu entrada na Câmara

257
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito..., p. 55

126
10/05/1775”258; “Vicente, exposto em Congonhas do Campo, foi batizado pelo

Reverendo, na mesma freguesia, e dado a Catarina Nunes de Almeida que deu entrada

na Câmara 09/09/1775”259; “Antônia, exposta na freguesia de São Bartolomeu, à noite,

foi batizada na dita freguesia e dada a Custódio de Oliveira em 17/05/1780”260; “José,

exposto na freguesia do Itatiaia, batizado pelo Reverendo, da mesma freguesia, e dado

ao Reverendo José Ribeiro Novais, que deu entrada na Câmara em 04/06/1785”261;

Francisca, exposta na freguesia da Conceição de Antônio Dias, de madrugada, batizada

pelo dito Reverendo da freguesia, e dada a Francisca Maria (...) Maria de Moura, em

26/08/1790”262.

Tabela – 4 Números de Lista de Matrículas de expostos por décadas de 1770-1849


Total de % de
Décadas expostos Meninos Meninas Meninos
1770-1779 95 48 47 50,5%
1780-1789 161 82 79 50,9%
1790-1799 188 82 106 43,6%
1800-1809 106 43 63 40,5%
1810-1819 8 3 5 37,5%
1820-1829 4 2 2 50,0%
1830-1839 8 6 2 75,0%
1840-1849 10 5 5 50,0%
Total 580 271 309 46,7%
Fonte: Lista de Matrícula dos Expostos. No Arquivo Público Mineiro. CMOP, Enjeitados – Cód. 88 (1751-
1784); Cód. 111 (1781-1790); Cód. 116 (1790-1796) e Cód. 123 (1796-1804)

Pouco sabemos sobre a idade que as crianças possuíam quando eram

abandonadas ou quando o criador dava entrada delas na Câmara. Baseando-nos na

historiografia brasileira, onde encontramos vários relatos sobre a necessidade de

amamentação dos enjeitados, suspeita-se que a maioria dos abandonados era tomado

ainda recém-nascido. Entretanto, embora nos falte ainda informações precisas sobre

258
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 88 (1751-1784) Matriculado 10/05/1775.
259
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 88 (1751-1784) Matriculado 09/09/1775.
260
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 88 (1751-1784) Matriculado 17/05/1775.
261
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111 (1781-1790 ) Matriculado 04/06/1785.
262
APM, CMOP – Enjeitado Cód. 111 (1781-1790 ) Matriculado 26/08/1790.

127
essa questão, sabemos que alguns criadores pediram ao Concelho que pagasse pela ama-

de-leite. “A dita Câmara pagou a Camilla Francisca pela criação e amamentação da

enjeitada Maria Madalena (...)”263. Assim, tivemos conhecimento que, por meio das leis

do Reino e pelo dogmas da Igreja Católica, os indivíduos de zero a sete anos de idade

eram denominados de inocente e os maiores de sete eram designados de adultos. O

enjeitado, a partir dessa idade, ficava sob a responsabilidade do Juiz de Órfãos ou do

criador que o adotasse até que completasse 20 anos de idade, diferentemente das

crianças livres que recebiam a sua independência familiar com 25 anos de idade.

Vale ressaltar que, a cor dos expostos raramente era descrita na lista de matrícula

ou na ata do batismo. Esse fato ocorreu, eventualmente, depois do Alvará de 1775, que

concedia liberdade a todos os expostos, independentemente de sua cor. Logo, poucos

são as referências encontradas sobre a cor dos enjeitados entre 1775 a 1849. “Josefa,

preta, exposta à casa de Manoel de Faria Salgado, batizada, sábado 3 de março de

1770”264; “Bernardino, branco, exposto à porta do reverendo Dom José Joaquim da

Conceição Moins. Madrinha parda. Batizado em 22 de setembro de 1779”265; “Maria,

branca, exposta no corredor das casas do Capitão Veríssimo da Costa Pereira(...).

Batizada 29 de setembro de 1784”266; “Francisco, branco, exposto em casa de Dionísio

de Barros. Padrinhos – casados, mas não entre si. Batizado no domingo, 24 de maio de

1795”267; “Maria, branca, exposta em casa de Rita Barreta moradora do Morro de São

Sebastião. Batizada 21 de junho de 1799”268; “Domiciano, preto, exposto a José de

Faria Moço. Padrinho casado com madrinha, ambos pardos. Batizado na segunda-feira,

263
APM, CMOP, Cx. 01 Doc. 27 Pagamentos aos criadores de Enjeitados
264
Banco de dados..., Batizada em 03 de março de 1770, Id. 4788
265
Banco de dados..., Batizada em 22 de setembro de 1779, Id. 5641
266
Banco de dados..., Batizada em 29 de setembro de 1784, Id. 6161
267
Banco de dados..., Batizada em 24 de maio de 1795, Id. 10864
268
Banco de dados..., Batizada em 21 de junho de 1799, Id. 8124

128
1 de dezembro de 1800”269; Emilia, branca, exposta a Valentim Garcia Monteiro, "dia

dezesseis de Março. Batizada 19 de maio de 1822”270; “Francisco, pardo, de Assis

exposto na casa da Srta Francisca Teodora do Pilar, moradora na freguesia de Antônio

Dias. Batizado segunda-feira, 28 de maio de 1838”271; “Thereza, parda, exposta à casa

de Claudina Maria. Batizada 20 de julho de 1844”272.

3-2 A relevância do Batismo

O batismo se fez muito presente na sociedade cristã de Vila Rica. A cerimônia

batismal representava um ritual formal para a entrada da criancinha ao mundo dos

cristãos, o que as livrava do pecado do mundo. A preocupação com o batismo do recém-

nascido era comum em todo Reino Católico. Desde que São Tomás de Aquino

estabeleceu que a criança morta sem batismo iria para um lugar chamado limbo e que

ficava acima do purgatório. O purgatório, segundo os preceitos da Igreja Católica, era

um lugar entre o céu e o inferno; era um lugar intermediário para aquelas pessoas que

morriam e que haviam cometido pecados que não fossem tão graves. Passariam nesse

lugar um tempo até alcançarem a purificação da alma e, após alcançarem-na, iriam para

o céu. Já o limbo era um lugar nebuloso, ocupado por pagãos e inocentes que não

fossem batizados. Mesmo não tendo cometido nenhum pecado, esses últimos não

alçariam o céu e permaneceriam no nevoeiro273.

O batismo servia, então, na visão cristã da época, para garantir que as crianças,

caso viessem a falecer, fossem direto para o céu, na forma de anjinhos. Nisso se resumia

a grande preocupação das entidades cristãs: a vida espiritual da criança; uma vez

269
Banco de dados..., Batizada em 01 de dezembro de 1800, Id. 12160
270
Banco de dados..., Batizada em 19 de maio de 1822, Id. 1630
271
Banco de dados..., Batizada em 28 de maio de 1838, Id. 6368
272
Banco de dados..., Batizada em 20 de julho de 1844, Id. 2351
273
SÁ, Isabel do Guimarães. A circulação de crianças..., p. 46

129
batizada, o que ocorreria depois não importava. Por isso, desde o final do século XV até

XIX, o funeral de uma criança morta era celebrado com festa, pois havia mais um

anjinho no céu.

Os pais, que amam os filhos com amor bem ordenado, mais razão têm
de se lembrar da vida eterna dos filhos, que de se entristecerem pela
morte temporal [...] E na verdade razão tem de se alegrar o pai na
morte do inocente, por ter no Céu mais uma estrela, no jardim da
Glória mais uma flor; entre os Espíritos Celestiais um Anjinho, e entre
.
os Santos da Glória um filho274

A mentalidade da época também colaborou para que o batismo fosse feito com

intuito de proteger os bebês das bruxas, que se encontravam na busca de crianças para

praticarem seus encantamentos. Segundo o padre Alexandre de Gusmão:

A primeira cousa pois a que devem atender os pais na criação dos


filhos, enquanto são infantes, é aos perigos a que está exposta aquela
tenra idade, enquanto não recebem a água do Batismo, pelo grande
perigo de perderem a felicidade eterna morrendo sem ele275.

Deste modo, assim que a criança era colocada na Roda dos hospitais, ela era

batizada, sendo este um dos desígnios primordiais da Igreja Católica – não deixar os

bebês sem o sacramento do batismo, o que impossibilitaria a salvação de suas almas.

Essa imposição evidencia a influência dos preceitos da Igreja na assistência aos

expostos. Em uma visão global, podemos dizer que o dispositivo da Roda dos Expostos

traria a salvação completa à criança, livrando-as dos problemas terrestres, como o

infanticídio e o aborto, e celestiais, garantindo-as a salvação espiritual.

Embora Vila Rica tenha ficado desprovida do mecanismo da Roda dos Expostos,

a certidão de batismo seria o único meio de os criadores alcançarem os benefícios

assistenciais. Assim, para que eles pudessem matricular a criança no auxílio camarário

274
GUSMÃO, Alexandre de. Arte de criar bem os filhos na idade da puerícia. Lisboa: Typ. do Colégio,
1685. Ver também LE GOFF, Jacques. "Os limbos". Signum, Revista da ABREM, São Paulo, 2003 n. 5,
p. 253-289, 2003.
275
GUSMÃO, Alexandre de . Arte de criar bem os filhos na idade da puerícia. Lisboa: s.n., 1685, p.170.

130
teriam que trazer a cópia da certidão e, de posse desse documento, teriam a garantia da

matrícula no livro e os oficiais do Concelho garantiriam a salvação das almas dos

pequerruchos.

Nota-se que, diferentemente dos expostos das cidades que tinham a Roda de

Expostos (uma instituição formal que estava prontamente preparada para recebê-los e

imediatamente já os consagrarem a Deus), os de Vila Rica dependiam, muitas vezes, da

informalidade e da caridade das pessoas. Muitos moradores os acolhiam nas portas de

suas casas sem compromisso de criá-los, fazendo-o apenas para que as criançinhas não

perecessem nas ruas. Em alguns casos, os abandonados permaneciam nesses lares por

somente uma noite, sendo entregues à Câmara no dia seguinte, já que a maioria dos

abandonos aconteciam à noite.

Essas crianças poderiam ser encontradas em perigo de vida. Para a criança

encontrada sem batismo e em risco de vida, sem tempo para receber solenemente o

batismo na Igreja, foi instituído pela mesma, o batismo in-extremis, que poderia ser

exercido por qualquer pessoa, desde que se utilizasse adequadamente a matéria (a água

e o sal) e a forma: “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”:

“Francisca exposta inocente que, aos dez dias deste presente mês, pelas oito horas da

noite, foi exposta em casa de Maria Rangel. No dia quinze, do corrente, foi batizada em

casa em perigo de morte. E no dia 15 de maio, de 1777, foi feito o assento e o

coadjunto”276; “Thomé exposto à porta de Maria Joaquina de Castro. Havia sido

batizado em casa in periculo vitae”277. “Plácido exposto em casa de Violante Maria de

Santa Rosa, o qual tinha sido batizado em casa in periculo vitae pelo padre José

Fagundes Serafim"278. “Francisca foi batizada in periculo vitae pelo alferes João Pinto

276
Banco de dados..., Batizada em 15 de maio de 1777, Id. 12160
277
Banco de dados..., Batizada em 5 de janeiro de 1779, Id. 5702
278
Banco de dados..., Batizada em 22 de novembro de 1783, Id. 6086

131
Ribeiro. Celebrante pôs os Santos Óleos. Assistiram ao ato João Pinto Ribeiro e

Leocádia Maria de Jesus”279.

Para as crianças que chegavam com uma certidão oficial de batismo à Câmara,

não era necessário serem novamente batizadas; porém se houvesse dúvida quanto a este

fato, o batismo era ministrado sub-conditione, isto é, condicionalmente. Observamos

nos assentos de batismo que, em alguns escritos em que não havia sinal de que a criança

tivesse sido batizada, isso gerava dúvida no Reverendo, que as mandava ser batizadas

novamente: “Pedro inocente exposto na noite do primeiro dia do corrente mês à Porta de

Paulo Martins, pardo, forro, morador no Morro do Ouro Podre, e não trazia sinal algum

por onde constasse tivesse sido batizado"280; “Exposto Vicente, padrinho morador na

Paraopeba freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Congonhas do Campo".

Vicente batizado "sub conditione”281; “Infante Joaquim, exposto aos nove dias do

Corrente à porta de Joanna Francisca, parda, forra, moradora nesta Vila, e não trazia

cédula alguma, nem de batismo”282; “Madrinha moradora na Passagem da Cidade de

Mariana. Batizei sub conditione por duvidar do primeiro batismo em casa, que me

disseram que tinham feito no exposto João, e lhe pus os Santos óleos”283.

A maioria dos nomes dados às crianças, após o batismo, eram referentes às

pessoas dos Santos Evangélicos ou dos Santos da Igreja Católica: João, José, Isaac,

Moisés, Pedro, Samuel, Maria, Francisco, Thomé. O batismo poderia ser realizado em

qualquer dia da semana.

Esse sacramento era condição essencial para que as crianças adquirissem almas

purificadas do pecado e também recebessem a sua identidade.

279
Banco de dados..., Batizada em 29 de setembro de 1841, Id. 6704
280
Banco de dados..., Batizada em 19 de setembro de 1770, Id. 4839
281
Banco de dados..., Batizada em 24 de abril de 1771, Id. 4887
282
Banco de dados..., Batizada em 16 de março de 1772, Id. 4991
283
Banco de dados..., Batizada em 10 de janeiro de 1784, Id. 6102

132
3.3 Estratégias de apadrinhamento

Como demonstrado anteriormente, o batismo marcava o reconhecimento da

criança no mundo cristão. Além disso, foi responsável pela criação de um importante

laço afetivo na sociedade, envolvendo os pais e os padrinhos das crianças batizadas.

Cabia aos padrinhos, que eram escolhidos pelos pais, a função de guiarem as crianças

nos caminhos cristãos e viverem segundo a doutrina da Igreja Católica, assumindo a

função de verdadeiros “pais cristãos”.

Entretanto, o compromisso assumido pelos padrinhos para com seu afilhado não

se resumia somente às questões espirituais, abrangia aspectos econômicos também. Um

padrinho bem escolhido pelos pais, situado socialmente num patamar elevado e que

dispusesse de bons recursos econômicos e políticos, representaria, para o afilhado,

acesso a uma ampla rede de sociabilidade, principalmente, no universo colonial em que

as redes clientelares se faziam presentes.

Há vários pesquisadores que analisam as relações sociais entre diferentes grupos,

resultantes do apadrinhamento. Para esses estudiosos, o compadrio poderia criar ou

reforçar relações sociais, resultando em importantes alianças e elevando os laços

familiares para além da consangüinidade.

Os estudos referentes ao compadrio que abrangem os escravos mostram-nos que

raros foram os donos de cativos que os apadrinhavam. Esse fato ocorria porque os frutos

provenientes da relação de apadrinhamento se estendiam para muito além dos interesses

escravocratas, indo contra a mentalidade senhoril da época.

A pesquisadora Silvia Brugger, ao analisar o compadrio de pessoas cativas e

livres em São João Del Rei, nos séculos XVIII e XIX, percebeu que os padrinhos

nomeados para as crianças possuíam, em sua maioria, condições semelhantes ou

133
superior a de suas mães, sendo raros os filhos de mães livres que tiveram padrinhos

forros ou escravos. Mães forras tiveram majoritariamente homens livres como

compadrios; mães escravas tiveram menos filhos apadrinhados por pessoas livres,

embora a maioria delas preferissem essa opção.

Desse modo, notamos que a relação do apadrinhamento acontecia além da

cristandade. Nesse contexto, onde se encontrava as crianças enjeitadas nas redes de

apadrinhamento, quem eram esses padrinhos e quem os indicavam?

As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia orienta, conforme o Santo

Concílio Tridentino, a Igreja, os pais ou a pessoa responsável pela criança nas escolhas

dos padrinhos para o ato batismal:

Conformando-nos com a disposição do Santo Concilio Tridentino,


mandamos que no Batismo não haja mais que um só padrinho, e uma
só madrinha, e que se não admitam juntamente dois padrinhos e duas
madrinhas; os quais padrinhos serão nomeados pelo pai ou mãe, ou
pessoa a cujo cargo estiver a criança; e sendo adulto, o que ele
escolher. E mandamos aos Párocos não tome outros escolherem,
sendo pessoa já batizadas, e o padrinho não será menor de quatorze
anos, e a madrinha de doze, salvo de especial licença nossa. E não
poderão ser padrinhos o pai ou mãe dos excomungados, os interditos,
os surdos, ou mudos, e os que ignoram os princípios de nossa Santa
Fé; nem Frade, Freira, Cônego Regrante, ou outro qualquer Religioso
professo de Religião aprovada, (exceto o das Ordens Militares) per si,
nem por procurador284.

A análise feita sobre as atas dos batismos dos expostos, de Vila Rica da Matriz

do Pilar, totalizou 566 batismos. Desse total, 67% dos expostos tiveram padrinho e

madrinha, 30% tiveram somente padrinho, 0,7% tiveram apenas madrinha e 3% não

tiveram nenhum dos dois.

Algumas crianças receberam os nomes dos padrinhos. Dessas, 14,8%, por serem

meninos, receberam os nomes dos padrinhos e 6,7% receberam os nomes das

madrinhas. Padrinho Francisco que, junto com a madrinha Anna Izabel Cândida de

284
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Livro Primeiro, titulo X.

134
Freitas, batizaram a exposta Francisca285. Padrinho Alberto Vieira Rijo que, juntamente

com a madrinha Josefa Teodora de Freitas, batizaram o exposto Alberto286. Madrinha

Jacinta Peregrina que, ao lado do padrinho José de Vasconcelos Perada e Sousa,

batizaram a exposta Jacinta287. Madrinha Mariana Aires da Crus que, junto com o

padrinho Emerencianno Maximino de Azevedo Coitinho, batizaram o exposto

Marianno288.

Uns dos expostos tiveram como madrinha algumas Santas da Igreja Católica. A

mãe ou a pessoa responsável que abandonou a exposta Francisca pediu, por meio de um

bilhetinho, que os padrinhos fossem o Reverendo Doutor José Alves de Souza e a Nossa

Senhora da Piedade. Francisca "Exposta à porta de Jerônimo de Souza Lobo Lisboa (...)

com uma cédula, que dizia fossem padrinhos o Reverendo Doutor José Alves de Souza,

e Nossa Senhora da Piedade"289. A exposta Quitéria teve como madrinha Santa Quitéria

e padrinho Domingos José Ferreira290. Esses fatos nos levam a pensar que era a mãe

quem pedia para que a Santa fosse madrinha de seu filho para garantir-lhe um destino

mais zeloso.

Às vezes, os bilhetes também indicavam os padrinhos. Antônio, exposto à casa

de Antônio Ribeiro de Andrade, em 05 de janeiro de 1846, veio acompanhado "com

uma cédula em que não havia outro esclarecimento, salvo o de pedir que ele, Antônio

Ribeiro de Andrade e sua irmã Rita Maria de Andrade, fossem padrinhos"291.

A maioria dos padrinhos que se apresentavam desacompanhado das madrinhas

não trazia nenhuma denominação antes do nome. Mas há alguns casos em que os

padrinhos indicavam, por meio do próprio nome, seu status socioeconômico. Maria,

285
Banco de dados..., Batizada em 24 de novembro de 1788, Id. 6880
286
Banco de dados..., Batizada em 02 de maio de 1794, Id. 7828
287
Banco de dados..., Batizada em 18 de agosto de 1776, Id. 5296
288
Banco de dados..., Batizada em 15 de novembro de 1801, Id. 8339
289
Banco de dados..., Batizada em 03 de abril de 1773, Id. 5098
290
Banco de dados..., Batizada em 05 de abril de 1802, Id. 12110
291
Banco de dados..., Batizada em 19 de fevereiro de 1846, Id. 7080

135
exposta, batizada na Matriz do Pilar, teve como padrinho o Capitão Domingos

Gonçalves da Cruz em seu batizado292. Luis, exposto, também batizado na Matriz do

Pilar, teve como padrinho o Capitão José Veloso do Carmo293. Felipe, exposto, batizado

na mesma matriz, teve como padrinho o Procurador da Comarca e Capitão Francisco de

Freitas Braga294.

Alguns assentos de batismo nos mostraram que, na ausência da madrinha, havia

em seu lugar um segundo padrinho; Esse fato representou 0,7% das ocorrências. Nesse

caso, o segundo padrinho não se retratava como procurador de nenhuma criadora, como

era mais usual. Aconteceu com a madrinha da exposta Mariana, quando pediu ao seu

procurador, Luis Antônio, que a representasse no batismo. “Mariana, exposta à porta de

Antônio Ramos dos Reis, batizada sub conditione. Nesse caso, a madrinha era mulher

do padrinho e nomeou como seu procurador Luis Antônio de Távora, por não poder

comparecer à cerimônia do batismo”. Assim, ao que tudo indica, a escolha de um

segundo padrinho descumpria as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia que

deixa bem claro que não admitia juntamente dois padrinhos. O exposto Cipriano,

batizado em 26 de setembro de 1774, na Igreja da Matriz do Pilar, teve como padrinhos

José Fagundes Serafim e Antônio Soares de Oliveira295. O exposto Joaquim, batizado

em 18 de janeiro de 1786, na Igreja da Matriz do Pilar, teve como padrinhos Antônio

José da Costa e Antônio da Rocha296.

A maioria dos expostos batizados que se apresentavam sem madrinha e

padrinhos foram batizados em perigo de vida. Esse fato deve ter ocorrido porque muitos

deles foram encontrados em situação de penúria, precisando ser batizados às pressas.

Cecília, exposta em casa de Anna Pereira Pinta, batizada em casa, em perigo de vida,

292
Banco de dados..., Batizada em 16 de julho de 1778, Id. 5474
293
Banco de dados..., Batizada em 29 de novembro de 1779, Id. 5694
294
Banco de dados..., Batizada em 03 de agosto de 1785, Id. 6354
295
Banco de dados..., Batizada em 26 de setembro de 1774, Id. 5220
296
Banco de dados..., Batizada em 18 de janeiro de 1786, Id. 6492

136
pelo Reverendo Nicolau Pimenta da Costa, não constando nenhum padrinho e nem

madrinha.

A maior parte dos padrinhos era livre, atingindo um percentual de 93,9% de

padrinhos livres e 64,1% de madrinhas livres. Alguns deles, como vimos acima,

batizavam as crianças sem acompanhantes; 5,1% dos padrinhos e 33,7% das madrinhas.

Padrinhos forros somavam 2%, sendo 0,3% de padrinhos e 1,7% de madrinhas.

Encontramos 0,1% de um padrinho escravo coartado; 0,3% de padrinho escravo e 0,3%

de madrinha escrava.

Padrinho livre, Miguel de Araujo Silva e madrinha forra, Teodora Maria do

Espírito Santo, "parda", batizaram a exposta Maria297. Padrinho, forro, João Barbosa,

"pardo", e madrinha livre, Maria do Nascimento, batizaram o exposto Manoel298.

Padrinho livre, Bernardino José de Sina, e madrinha escrava, Anna, batizaram o exposto

Bernardino299. Padrinho, Antônio da Costa Coartado, e madrinha, Eugênia Maria de

Jesus livre, batizaram a exposta Gertrudes300.

Alguns padrinhos e madrinhas batizaram mais de um exposto. Esse fato pode

estar associado a vários fatores como, por exemplo, a caridade ou porque as crianças

foram abandonadas na casa desses padrinhos e alguns deles, não podendo criá-las,

tornaram-se seus padrinhos. Poderiam também ser seus próprios filhos, filhos de

parentes ou de amigos próximos. Os padres e os reverendos foram os que mais

apadrinharam. Tal fato era regulamentado pelas Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia que proibia cônegos, frades, freiras ou qualquer outro religioso

professo de religião aprovada de serem padrinhos. O padre Manoel Moreira Duarte foi

padrinho de 15 expostos, sendo que desse total, seis ele apadrinhou sozinho, sem

297
Banco de dados..., Batizada em 24 de maio de 1785, Id. 6250
298
Banco de dados..., Batizada em 19 de maio de 1804, Id. 1472
299
Banco de dados..., Batizada em 22 de setembro de 1779, Id. 5641
300
Banco de dados..., Batizada em 25 de março de 1789, Id. 6919

137
madrinha. O padre Joaquim Roberto da Silva apadrinhou oito crianças; dessas, três ele

apadrinhou sozinho, sem madrinha, e uma delas era criada pelo procurador da Câmara.

O Sargento-mor foi padrinho de cinco expostos, sendo que dois deles foram

abandonados em sua casa. Um desses dois ele apadrinhou sozinho, sem madrinha, e o

outro ele apadrinhou juntamente com Catarina Dias Ramos. Os outros quatros foram

abandonados na casa de Catarina Dias Ramos, sendo que três deles, ele apadrinhou

juntamente com Catarina Dias Ramos e somente um ele apadrinhou juntamente com

Maria Pereira de Vilas Novas. Há indícios de que o Sargento-mor e Catarina Dias

Ramos trocavam de função um com o outro. Ora ele recebia o exposto e o batizava

juntamente com ela, ora ela recebia o exposto e o batizava juntamente com ele.

Ana Maria de Queiros Coimbra, casada, foi madrinha de sete crianças, sendo

que duas delas foram enjeitadas à porta de sua casa. Ela nomeou seu marido como seu

procurador para que pudesse batizar uma dessas crianças. “Anna, exposta em casa de

Jerônimo de Souza Lobo Lisboa, procurador da madrinha e, também, seu marido”301.

Ana Maria de Faria, solteira, parda, forra, foi madrinha de seis crianças, sendo que três

foram abandonadas em sua casa.

Quadro – 8 padrinhos e madrinhas de mais de um exposto


Padrinho Ocupação Condição Nº de Madrinha Ocupação Condição Nº de
Social crianças Social crianças
apadrinhada apadrinhada
João Dias Livre 4 Ana Ajudante Livre 4
Rosa Maria
Caetana
Pereira

Domingos Livre 4 Anna Livre 4


Francisco Maria da
de Silva
Carvalho
Paulo Livre 4 Maria Casada Livre 5
Pereira de Angélica
Magalhães

301

138
Narciso Livre 4 Anna Casada Livre 7
Antônio Maria de
Queiros
Coimbra
Domingos Livre 4
de
Amorim
Lima
Manoel Livre 4
Antônio
de
Carvalho
Manoel Sargento- Livre 5
Pinto mor
Lopes
Luis Reverendo Livre 6
Caetano
de
Oliveira
Lobo
Antônio Doutor Livre 6
Correa Reverendo
Mayrinck
José de Padre Livre 6
Freitas
Souza
Joaquim Padre Livre 8
Roberto
da Silva
José Padre Livre 12
Carneiro
de Moraes
Fonte: Banco de dados referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
(CNPq, FAPEMIG).

139
Capítulo - 4 Destinos prováveis

4.1 A morte na puerícia

Na sociedade colonial, havia muitas irmandades compostas por pessoas que

professavam a fé Católica. Quando os membros dessas irmandades faleciam, eles

recebiam grande atenção destas congregações. Muita energia era empregada com o

intuito de oferecer a eles enterros vistosos e bem planejados, além de missas e orações.

Como era costume nessa sociedade, muitas pessoas deixavam destacadas em

seus testamentos, a exigência de serem realizadas missas por suas almas, além de

expressarem o valor do recurso financeiro destinados para a realização destas. Muitas

vezes esses valores eram superiores aos valores destinados aos cuidados para com os

pobres e doentes.

A cerimônia fúnebre dos adultos e, em especial, a das crianças revestia-se de

muita sofisticação. Esse fato estava diretamente ligado à mentalidade daquele período,

baseada nos sermões dos pregadores. Estes proferiam que, vindo a criança a falecer

após o batismo, sua alma estaria livre do período que teriam de passar no Limbo, indo

diretamente para o céu. Essa situação era vista com conformismo pelos familiares e se

tornava um motivo de alegria e orgulho, explicitando-o por meio dos bonitos enterros

que se realizavam. Nesse contexto, de morte prematura, foi amplamente utilizado o

adjetivo “anjinho”. De acordo com Renato Venâncio, a própria palavra anjinho tornou-

se sinônimo de recém-nascido falecido, sendo utilizado freqüentemente nas atas de

óbitos.

Aos oito dias do mês de julho de mil setecentos e setenta e oito anos,
faleceu um anjinho filho de José Machado de idade de nove meses.

140
Foi seu corpo amortalhado em pano branco, recomendado com
assistência da Cruz da Fábrica e sepultado nessa Igreja Matriz302.

A morte de bebês era comum na sociedade colonial, tendo em vista as precárias

condições sanitárias e higiênicas características da época. Desse modo, a crença de que

os recém-nascidos falecidos se transformavam em anjos colaborava para amenizar as

dores familiares pelas perdas, conforme dito anteriormente. As famílias que não

encarassem esse fato de forma amenizada, estariam demonstrando sua falta de fé,

atributo de muita importância para a sociedade da época.

Segundo João José Reis, no contexto “angelical”, os pais não organizavam

lamuriosos cortejos fúnebres para os filhos. Em vez disso, anunciavam-no com

verdadeiras festas, onde se dançavam para os anjinhos, tocavam músicas, organizavam

peças de alegria e ofereciam comida e bebida. O cortejo fúnebre era acompanhado por

uma procissão festiva303.

Esses acontecimentos escandalizavam os viajantes estrangeiros, que se

espantavam com as atitudes dos pais diante da morte do filho, como observado por John

Luccok:

Em uma dessas ocasiões foi ouvida uma mãe que assim se exprimia:
“ó como estou feliz! Ó como estou feliz, pois que morreu o último dos
meus filhos! Que feliz que estou! Quando eu morrer e chegar diante
dos portões do céu, nada me impedirá de entrar, pois que ali estarão 5
criancinhas a me rodear e a puxar-me pela saia e exclamando: Entra
mamãe, entra! Ó que feliz que sou!” Repetiu ainda, rindo a grande304.

O que percebemos é que a morte de crianças era um fenômeno corriqueiro nessa

sociedade e atingia todas as classes sociais. Embora o número de mortos entre as

crianças enjeitadas fosse maior do que entre as crianças não-enjeitadas, o desejo de

302
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 102
303
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 123.
304
LUCCOK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1975. Citado por COSTA, J. F. Ordem Médica e norma familiar. Rio de Janeiro:Graal,
1989.

141
garantir a salvação das almas dos pequenos também não fazia distinção às condições

econômicas de seus pais ou criadores, fato evidenciado pela urgência em batizar todos

aqueles que eram abandonados para que, caso falecessem, fossem direto para o céu.

Os historiadores brasileiros que, pesquisaram sobre a morte dos enjeitados,

notaram que, “independentemente da cor ou do sexo”, eles “constituíram o segmento

social mais suscetível a morte precoce”. Maria Luíza Marcílio percebeu, por meio dos

registros de óbitos das Casas das Rodas, que nem mesmo os filhos de escravos

registraram índices de mortalidade tão altos quanto os enjeitados305. Renato Venâncio,

confirma essa informação, embora o pesquisador observe que em Vila Rica revelou o

contrário, ou seja, os índices de mortalidade infantil de enjeitados eram inferiores aos

dos filhos de escravos. Ainda, de acordo com o autor, esse fato pode ter ocorrido

porque, nem sempre havia a possibilidade das criadeiras, ou até mesmo dos párocos, de

se preocuparem em registrar óbitos de anjinhos que faleciam após o batismo. “Quantos

deles foram enterrados em fundos de quintal (...) ou beira de estradas?”306.

A observação de Venâncio, ratifica os documentos de óbitos da Matriz do Pilar

de Vila Rica. Poucos foram os documentos que notificaram os óbitos dos inocentes,

sendo que havia anos seguidos de outros anos em que nenhum registro de óbitos de

inocentes ou de inocentes abandonados fosse registrado. De acordo com análise de

Renato Franco, no período de 1760 a 1800, foram notificado somente 11,9 % (59 óbitos

para um universo de 495 nascimentos). No entanto, há períodos de melhora da

qualidade dos registros no recorte de 1763-1769, havia pelo menos uma morte de

enjeitado em cada ano, elevando a taxa de mortalidade para 62,9 % (22 óbitos e 35

nascimentos). Para ele, é possível que, entre os anos de 1760 e 1800, as notificações de

305
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p. 198-201
306
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas..., p. 112

142
óbitos sofreram algum sub-registro, até então desconhecido, “pois há anos em que

nenhum óbito de enjeitado foi anotado”307.

Na análise dos óbitos da Paróquia da Nossa Senhora do Pilar, priorizamos os

documentos relativos ao período do nosso estudo, que se situa entre 1770 e 1850.

Assim, contabilizamos 204 registros de óbitos de expostos. Se compararmos esses

registros com os 566 batismos de expostos da mesma Igreja, percebemos que o índice

de mortalidade é de 36,0%. Em outras palavras, o índice que é inferior ao das crianças

Escravas308. Na paróquia da Conceição do Antônio Dias, entre 1800-1809, a taxa de

mortalidade dos enjeitados foi de 19,13 %309, reforçando a suspeita de sub-registros.

As variações observadas, por meio da análise dos documentos, nos leva a

acreditar que muitos óbitos não foram registrados. Não sabemos exatamente quais

motivos levaram a esse anonimato, podendo ser: párocos e criadores que deixavam de

fazer o registro de óbitos, assim como crianças que foram enterradas em quintais das

casas dos criadores ou em terreno baldio, também havia a possibilidade dos criadores

não comunicarem, a Câmara e a Igreja, a ocorrência da morte.

As prováveis causas da mortalidade dos expostos começavam desde a idade

gestacional. Algumas mães podem ter feito tentativas mal sucedidas de aborto, podem

ter utilizado roupas apertadas que comprimiam ou escondiam a barriga e, o parto, pode

ter sido realizado em condições precárias, sem higiene ou assistência adequada.

Em um segundo momento, após o nascimento e conforme o lugar do abandono,

a criança teria que resistir às intimidações do tempo, como chuva, frio e calor, e às

ameaças de animais famintos. Caso a criança fosse encontrada com vida, passaria por

307
FRANCO, Renato Júnio. Desassistidas Minas..., p. 166
308
Banco de dados de batismo e óbitos de expostos, referente às atas paroquiais da Freguesia de Nossa
Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, FAPEMIG)
309
COSTA, Iraci Del Nero. Vila Rica: população (1719-1826)...p. 86.

143
mais testes de resistência: a aceitação, por parte do acolhedor, para recebê-la por pelo

menos uma noite aos seus cuidados, até ser transferida para outro domicílio.

Nas instituições de auxílio, os expostos também passavam por mais provações.

Por exemplo, na Roda dos Expostos da Santa Casa de Salvador, desde meados do

século XVIII até final do XIX, a mortalidade infantil sempre foi elevada. Essa situação

ocorria por várias situações: 1) Amas-de-leite mercenárias, que sustentavam mais de um

exposto; caso não fosse possível a elas sustentarem todos os expostos, utilizavam-se do

aleitamento artificial, às vezes pobres em nutrientes ou utilizavam alimentos sólidos

para crianças de idades prematuras. 2) A falta de condições mínimas de higiene, já que

não havia controle sobre esse aspecto. 3) Algumas crianças eram colocadas em

ambiente onde se encontravam pessoas doentes, expondo-as ao risco permanente de

contagio de doenças, como tuberculose.

Em Vila Rica, de acordo com Iraci Del Nero da Costa, as causas da morte das

crianças, descrita nos documentos de óbitos da Paróquia de Antônio Dias, estavam

relacionados juntamente com às dos adultos. As causas de óbito seriam: doenças

infecciosas e parasitárias; doenças do aparelho respiratório e doenças do aparelho

digestivo310. Cintia Ferreira Araújo, ao analisar os documentos de óbito dos enjeitados,

da Paróquia de Sá de Mariana, também nos mostrou algumas causas de doenças que

levaram à morte dessas crianças: febre maligna, ataque do peito, moléstia interna, fluxo

amalinado, inflamação no peito, problemas na bexiga; tosse, hidropesia do peito;

malina, sarnas recolhidas, apoplexia, ataque convulsivo/convulsões, constipação e de

repente311.

310
COSTA, Iraci Del Nero. Vila Rica: população (1719-1826)...p. 92.
311
ARAÚJO, Cíntia Ferreira. A Caminho do Céu: a infância desvalida em Mariana (1800-1850). Mestrado
da UEP, campos Franca, 2005, p. 113-118.

144
Dos documentos de óbitos de expostos da Nossa Senhora do Pilar, somente

quatro registram as causas das mortes: três crianças morreram repentinamente e um

adulto morreu de acidente no trabalho.

Outras informações extraídas dos documentos dizem respeito à idade em que as

crianças chegaram a falecer. De acordo com o quadro 9, percebemos que a maioria das

crianças morreu antes mesmo de completarem alguns meses de vida. Outras, ao que

tudo indica, morreram entre um e dois anos de idade. Como também demonstra o

mesmo quadro, ocorreram 38 óbitos de expostos adultos, porém em somente nove deles

foi explicitada a idade.

Quadro –9 Idade do falecimento das crianças expostas


Idade 0 3 9 1 1,8 1,9 2 2,6 6 28 33 40 42 50 58 78
meses meses ano
Quantidade 21 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1

Fonte: : Banco de dados referente os óbitos da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq,
FAPEMIG)

Embora, tenhamos poucos documentos que demonstrem as altas taxas de

mortalidade dos expostos e as causas que os levaram a falecer, notamos que estas

crianças passaram por várias provações para se manterem vivas.

4-2 Assistência ao exposto após os sete anos de idade

Para a maioria das meninas e meninos expostos – que sobreviveram ao alto

índice de mortalidade dos primeiros anos de vida e cujos pais nunca mais cuidaram de

sua existência ou que nem sequer puderam permanecer com suas respectivas amas-de-

leite – poucas foram as saídas que se apresentaram em suas vidas, além da morte e da

rua.

145
Para essas crianças as Ordenações do Reino sancionaram uma lei que, assim que

um exposto completasse sete anos de idade e esse não tivesse criado laços de

estabilidade com a família que o criou, era dever dos Juízes de Órfãos se responsabilizar

pelo destino da criança. O Alvará Pombalino, de 1775, confirmou tal decreto das

Ordenações e acrescentou mais deveres aos Juízes de Órfãos. De acordo com o Alvará,

no artigo 8º, Pombal ordenou aos Juízes de Órfãos que, além deles encontrarem uma

família para as crianças órfãs, expostas e desamparadas312, eles deveriam também torná-

las pessoas ocupadas e não ociosas. Em outras palavras, ingressá-las em algum ofício.

Para que, mais tarde, essas se tornassem pessoas úteis a si e a monarquia.

Foi justamente a partir de fins do século XVIII, conforme vimos no tópico

Assistências aos enjeitados - caridade e filantropia, que surgiu na América Portuguesa

propostas e iniciativas de caráter filantrópico. O historiador Renato Pinto Venâncio

argumenta que, os estudos a respeito da filantropia no Brasil ainda são raros. As

pesquisas até agora realizadas, a respeito dos expostos, concentraram se no período da

“caridade”, ou seja, no período colonial. Poucos são os trabalhos que sublinham as

formas de auxílios filantrópicos antes da implementação da República, em 1889. Para

Venâncio, a falta de estudos das associações filantrópicas privadas frente aos expostos,

juntamente com ações mutualistas, deixam de preencher uma importante lacuna da

historiografia dos modos assistenciais até a década de 1930.

Os estudos a respeito da filantropia no Brasil ainda são raros. Mais


raras ainda são as pesquisas que exploram o tema para períodos
anteriores ao período republicano. Uma postura comum a esses
estudos é a de sublinhar que, na república liberal, implantada em
1889, se constata a ausência de um Estado promotor de bem-estar
social e de políticas de previdência.

312
PINTO, Antonio J.G. Compilação das providências qua a bem da criação e educação dos Expostos ou
Enjeitados se tem publicado e acham espalhados em diferentes artigos da legislação pátria, e que
acrescem outras. Lisboa: Imprensa Régia, 1820. p.46.

146
Para o historiador Ronaldo Pereira de Jesus, que trabalhou com algumas das

associações mutualistas brasileiras, percebeu que elas eram bem diferenciadas - em sua

composição, motivação, temporalidade, clientela e objetivos. Segundo ele, as primeiras

mutuais do Brasil datam da primeira metade do século XIX e, embora algumas

permaneceram funcionando até os dias atuais, foram gradativamente esvaziando ao

longo das décadas de 1930 e 1940. Muitas delas tinham como objetivo a dedicação para

associações de proteção na ausência dos mecanismos formais de previdência pública.

Elas ofereciam pensões, indenizações, financiavam enterros, forneciam remédios,

atendimento hospitalar, entre outros cuidados313.

Na Europa do século XVIII, as propostas filantrópicas já existiam. Foi no século

das luzes que se redesenhava uma nova concepção nas relações entre as elites e os

desvalidos. As elites, nessa época, deixaram de enxergar os desvalidos como indivíduos

incapacitados e errantes, e passavam a encará-los como seres participantes do

movimento do progresso, dentro de um princípio de utilidade social. Essas

preocupações humanitárias das autoridades tiveram conotações mais filantrópicas do

que simplesmente caridosas.

Neste contexto que surgiu uma assistência mais organizada, freqüentemente

coletiva314, em que o Estado detinha um papel essencial. Nessa perspectiva, surgiram,

em diversos estados europeus, medidas legislativas que conduziram indivíduos

“improdutivos” para instituições que os tornavam produtivos.

Portanto, as crianças expostas ou desamparadas315 se integravam a essa nova

mentalidade assistencial. As autoridades as viam como seres úteis ao Reino. Por isso,

313
JESUS, Ronaldo Pereira de. Mutualismo e Desenvolvimento econômico no Brasil do século XIX.
Revista OIDLES – Vol 1 Nº 1 (septiembre 2007).
314
Com a participação da filantropia privada. Pessoas que estavam dispostas auxiliar essa nova assistência
filantrópica.
315
Nesse período final de do XVIII e no decorrer do XIX as crianças expostas como as órfãs pobres eram
misturadas a outras categorias de crianças desvalida ou desamparada.

147
neste momento, em que notamos que houve uma proliferação das Rodas dos Expostos,

em algumas sociedades européias, até mesmo no leste europeu, como na Rússia. Em

Portugal, a proliferação da Roda também foi registrada, tendo apoio de D. Maria I, que

expediu Alvará determinando que as Câmaras financiassem a criação dos expostos e as

Santas Casas de Misericórdias aparelhassem as suas instituições com a Roda dos

Expostos.

Deste modo, também na América Portuguesa, em fins do século XVIII, as

autoridades começaram a se preocupar com o crescente número de crianças desvalidas

que vagavam pelas ruas. Uma das soluções para esse problema foi a criação de

estabelecimentos que preparavam esses meninos para se tornarem indivíduos úteis.

Apropriavam-se, assim, da legislação portuguesa de 1775, que valorizava a utilização

das crianças órfãs, exposta e desamparada em algum ofício. Nesse contexto, não

podemos esquecer que esse mesmo Alvará deixava bem claro que todas as crianças

enjeitadas eram livres perante a lei, independentemente da sua cor.

Tal perspectiva continuou a ser observada no século XIX. Nessa temática o

aumento da povoação seria de relevância para a riqueza da nação. Assim, os expostos

deveriam ser educados com intuito de torná-los “membros úteis da sociedade”, uma vez

que os enjeitados eram “filhos do Estado”316.

Nesse momento, no Brasil, teve início a intensificação da criação de instituições

destinadas ao amparo de crianças maiores de sete anos de idade. Muitas dessas

instituições copiaram normas, leis, decretos e alvarás das instituições de Portugal. As

meninas expostas, que, após completarem sete anos, não fossem acolhidas pela família

que as criaram, eram enviadas aos Recolhimentos. Tal estabelecimento já tinha a função

316
PINTO, Antônio Joaquim de Gouveia. Compilação das providencias que a bem da criação e educação
dos expostos..., p. 03-04.

148
de recolher moças órfãs, expostas e mulheres pobres, para educá-las e prepará-las para

uma vida mais útil a sociedade317.

O termo Recolhimento se difere do termo convento por não haver nesse

estabelecimento a formação religiosa e vocacional de freiras318. Na América Portuguesa,

o Recolhimento de Salvador, no princípio do século XVIII, “se destinava

primordialmente as jovens de famílias de classe média, de idade casadoura, e cuja honra

estivesse ameaçada pela perda do pai, da mãe ou de ambos. Eram aceitas como

recolhidas ou reclusas, e ao casar-se recebiam um dote”319. Além dessas moças, esse

estabelecimento também recebia mulheres viúvas, solteiras ou mulheres cujos maridos

estivessem afastados da cidade.

Portanto, o Recolhimento dessa cidade acolheu somente meninas expostas no

final do século XVIII. As autoridades viram nessa instituição uma forma de preparar

essas meninas para vida familiar ou para o trabalho doméstico. Assim, em vez delas

vagarem pelas ruas das cidades, elas passaram a morar no Recolhimento e a receberem

educação no mesmo. As moças aprendiam as primeiras letras, assim como bordados,

costuras. Em outras palavras, aprendiam a ser uma boa esposa, algumas recebiam da

instituição dotes para o casamento.

Essas instituições se propagaram por várias cidades do Império, criando outras e

melhorando as antigas. Surgiram, desse modo, no século XIX, os Asilos de Órfãs, como

o de São Vicente de Paula, o de Santa Tereza, o de Santa Leopoldina, o de Nossa

Senhora da Conceição e o de Coração de Jesus. A educação das moças que

freqüentavam essas instituições era responsabilidade de irmãs de caridade. Algumas

vinham da França e se habilitavam para serem professoras de magistério, costureiras,

317
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança ..., p. 164
318
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos..., p. 263
319
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos..., p. 263.

149
dona de casa, além de acompanharem aula de música e de doutrinas cristãs. Tudo isso

dentro de uma perspectiva filantrópica.

Quadro – 10 Instituições de Acolhimento de Meninas


Cidade Ano de Fundação Instituição
Bahia 1801 Recolhimento de Nossa
Senhora da Misericórdia
Mariana 1850 São Vicente de Paula
Rio de Janeiro 1854 Recolhimento de Santa
Teresa / Asilo Santa
Leopoldina
Desterro de Santa Catarina 1855 São Vicente de Paula
Pelotas 1855 Asilo de Nossa Senhora da
Conceição
Rio Grande 1855 Asilo de Coração de Maria
Maranhão 1855 Asilo de Santa Teresa
Recife 1855 Colégio das Órfãs
Ceará 1856 Colégio dos Educandos
Menores
Fortaleza 1856 São Vicente de Paula
Porto Alegre 1857 Colégio de Santa Teresa /
Asilo Santa Leopoldina
São João Del Rei 1866 Recolhimento de Nossa
Senhora
Fonte: MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio
de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999.

Os meninos expostos, órfãos e desvalidos também foram enquadrados nesta

perspectiva.

O primeiro movimento desse processo ocorreu com a fundação da Casa Pia de

Lisboa, criada em 1780, pelo Intendente Geral de Polícia Diogo Ignácio de Pina

Manique, que esteve presente na administração dessa instituição até momentos do seu

falecimento, em 1805. Os Colégios Pios eram guiados pelos princípios dos ideais

iluministas, que tinham como objetivo a recuperação das pessoas ociosas, marginais,

expostos e órfãos desvalidos. Essa transformação de elementos nocivos em súditos úteis

exigia a disciplina dos corpos e a educação para o trabalho, tornando-os pessoas

capazes para o desempenho de atividades consideradas importantes para o

150
engrandecimento de Portugal. Para tanto, foram criadas oficinas de tecelagem de

lonas, brins, cabos de laborar, tecidos de algodão e seda, meias, panos de linho e

fiações para todas estas manufaturas320.

O primeiro estabelecimento deste gênero de que temos conhecimento, aqui no

Brasil, foi à Casa Pia e Seminário de São Joaquim da cidade de Salvador. Ele foi

proposto em fins do século XVIII, como instituição criada para “cuidar da sustentação e

do ensino dos meninos órfãos e desvalidos, a fim de que, convenientemente educados e

com profissões honestas venham depois a ser úteis a si e à nação, que muito lucra com

bons costumes e trabalho”321.

Joaquim Francisco do Livramento, participante da Ordem Terceira de São

Francisco, membro de uma família distinta de Santa Catarina, foi o precursor da

administração desse estabelecimento. De passagem por Salvador, comoveu-se com a

situação dos meninos que viviam soltos pelas ruas. Deste modo, obteve da Rainha D.

Maria I, no ano de 1799, autorização para reunir recursos e construir a Casa Pia de

Órfãos, que foi estabelecida em 1808. Os menores recolhidos recebiam a instrução de

um sacerdote, que os instruía na doutrina cristã, fazendo-os aprender as primeiras letras,

e depois os encaminhando para as casas dos mestres de ofício. No entanto, em 1818,

passou-se a administração da Casa Pia para o governo da província, que viu nessa

instituição, uma contribuição para o crescimento da província322. Deste modo, em 1825,

o orfanato recebeu o nome definitivo: Casa Pia e o Colégio de Órfãos de São Joaquim.

O regimento, de 1831, sugere que a perspectiva filantrópica guiou a formação da

instituição.

320
RODRIGUES, Neuma Brilhante. Para a utilidade do Estado e “Glória à Nação”: A Real Casa Pia de
Lisboa nos Tempos de Pina Manique (1780-1805). Ver. Territórios e Fronteiras V. 1 N. 2 – Jul/Dez 2008,
27-28.
321
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831. P, 61
http://www2.camara.gov.br/legislacao/index.html (acesso: 25 de junho de 2011). Ver também em:
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada...
322
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 180-181

151
Art. 1º O Seminário de s. Joaquim é um estabelecimento de caridade
pública, destinado a recolher os meninos orphãos pobres e desvalidos,
a fim de serem nelle educados convenientemente, e habilitados ao
exercício de misteres honestos e proveitos. Art. 2º este
estabelecimento fica debaixo da immediata protecção do Governo,
que solicito promoverá sempre seu melhoramento grandeza.323

Esse último regimento seguia a mesma perspectiva das Casas Pias de Portugal,

que era de tornar as pessoas desocupadas em pessoas produtivas. Os meninos para

serem aceitos na instituição, deveriam ter entre sete anos e nove anos, e só poderiam

ficar no seminário por um período de seis anos. Eles deveriam deixar o estabelecimento

ao completarem dezoito anos, em seguida aprenderiam aulas de jogo de armas e

manejo, habilidade necessária nas Guardas Nacionais. Finalizariam o ensino de

primeiras letras, depois seriam orientados para o ensino de ofícios mecânicos em casa

de mestres artesãos324.

No Rio de Janeiro, o primeiro estabelecimento para meninos carentes foi o

Seminário de Santo Antônio que, entre 1751 e 1850, acolheu 117 educandos, sendo

dezoito expostos. Entretanto, esse estabelecimento não preparava os meninos para as

funções de ofícios, efetivamente os preparavam para a carreira sacerdotal.

No entanto, na mesma cidade, também teve a Casa Pia de São Joaquim, ao que

tudo indica, também foi criada em 1818, e teve o regimento alterado no ano de 1831. As

verbas conseguidas para manter esse estabelecimento decorriam dos bons desejos dos

governos, da filantropia e da caridade, que tanto caracterizam os cidadãos brasileiros,

será aumentado o dito número na proporção acima estabelecida, e então por editais se

fará constar os lugares, que se houverem de preencher.

Para os meninos, a idade de ingresso na instituição compreendia entre sete e

onze anos; antes ou depois destes limites lhe será vedado o recebimento: outrossim

323
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831, p. 62
324
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831, p. 62

152
nenhum nele se demorará por mais de seis anos. As aulas ministradas eram de:

matemática, primeiras letras e desenhos, os mais avançados aprendiam aritmética e

álgebra até equações do 2º grau: no 2º geometria e trigonometria plana: no 3º

mecânica aplicada às artes. Nas oficinas aprendiam o jogo de armas, o exercício, e o

manejo das Guardas Nacionais e nas oficinas de artigos aprenderão a ser torneiro,

entalhador, litógrafo, abridor, ou qualquer outra de misteres adequados às nossas

precisões, e estão de civilização do país; que ali se possa estabelecer por ajuste da

Câmara Municipal, e aprovação do Governo325.

Em São Paulo, devido a Roda dos Expostos ter sido criada no século XIX, fez

com que as autoridades se preocupassem com o destino dos meninos após término da

criação, nos domicílios. Nesse intuito, em 1824, foram criados o seminário da Glória,

internato para meninas, e o Seminário de Santana, internato para meninos. Essas

instituições os ensinavam as primeiras letras e algum tipo de ofício326.

Nesse mesmo período de assistência filantrópica, além das Casas Pias e Colégios

de Órfãos, houve em Portugal instituições criadas pelo Alvará Régio, de 24 de março de

1764, que determinava o ensino de meninos desamparados à Colégios de Arsenal de

Guerra e da Marinha. Esses estabelecimentos, em Portugal, eram denominados

“Colégios da Intendência”. Na América Portuguesa, em fins do século XVIII, D. Maria

I notificou ser oportuno oferecer aos meninos órfãos e expostos aprendizagem nas

instituições de Guerra. Um Alvará Régio, de 1779, regulamentava a admissão desses

educandos desamparados. No entanto, essa admissão aconteceu de forma regular

somente a partir da década 1830. Um decreto reconheceu essa situação: “o estado

desgraçado em que se acham em geral órfãos pobres e miseráveis maiores de sete anos,

que, pelo abandono em que vive nas ruas, nenhum bem podem oferecer à sociedade”.

325
Estatuto do Seminário S. Joaquim. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1831..., p. 62- 64.
326
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 183.

153
Assim, ordenou-se aos Juízes de Órfãos que encaminhassem os meninos desocupados

para as Companhias de Guerras. Os meninos enviados para esses estabelecimentos

poderiam permanecer neles por sete anos327.

Os estatutos das Companhias de Aprendizes do Arsenal da Guerra e das

Companhias de Aprendizes Marinheiros admitiam expostos, órfãos, indigentes e filhos

de pais pobres. A idade mínima estabelecida para admissão da primeira Companhia era

de oito a doze anos, sendo que até os catorze anos nada receberiam por seu trabalho,

eram considerados aprendizes. E a idade mínima permitida pela segunda Companhia era

entre quatorze e dezessete anos. As Companhias cuidariam de prover-lhes alimentação,

abrigo, vestuário, disciplina e ofícios. O cotidiano da Companhia era marcado pela

disciplina e pedagogia militares. Com horários para estudos de letras, aulas de músicas,

de ofícios (marceneiro, ferreiro, tanoeiro, pedreiro, tecelão e outras atividades) e rezas

cristãs. Eram a eles aplicados castigos correcionais caso não praticassem tais funções328.

Essas duas Companhias de Aprendizes concentravam-se em quase todas as

cidades litorâneas. As Companhias de Aprendizes de Marinheiros, segundo Renato

Venâncio, foram estabelecidas em dezessete cidades, sendo que a maioria se

concentrava no litoral nordestino. Eis as províncias que contaram com este

estabelecimento: (Pará) Belém, (Maranhão) São Luís, (Piauí) Teresina, (Ceará)

Fortaleza, (Paraíba) João Pessoa, (Pernambuco) Recife, (Bahia) Salvador, (Goiás-

Goiana) Ladário, (Rio de Janeiro) Rio de Janeiro, (Rio Grande do Sul) Porto Alegre,

(Paraná-Curitiba) Paranaguá e (Santa Catariana – Florianópolis) Desterro.

327
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 184-190
328
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os aprendizes da guerra. In: PRIORE, Mary (org.). Historia das crianças
no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.

154
Quadro – 11 Estabelecimentos de Companhia de Aprendizes de Marinheiros
Cidade Ano de Fundação
Rio de Janeiro 1833
Bahia 1840/1855
Belém do Pará 1855
Maranhão 1855/1859
Santa Catarina 1862
Recife 1886
São Luis ?
Pará ?
Teresina ?
Fortaleza ?
Paraíba ?
Salvador ?
Paranaguá ?
Desterro ?
Porto Alegre ?
Rio Grande do Sul ?
Ladário (Goias) ?
Fonte: VENÂNCIO, Renato Pinto. Os aprendizes da guerra. In: PRIORE, Mary (org.). Historia das
crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança
Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.

A maioria dessas Companhias começou a funcionar em meados do século XIX,

período esse em que os juristas começaram a categorizar a criança exposta, desvalida,

órfão e carente como menor delinqüente e infrator. De acordo com Fernando Londonõ,

a terminologia menor mudou a imagem da criança, de anjinho desprotegido para a de

criança perturbadora da ordem e de vadia. A criança abandonada que se entregasse a

vadiagem era caso de polícia para os juristas329. Nessa fase, a medicina, os juristas e o

Estado, enfatizavam a necessidade de mudança do procedimento de auxílio oferecido à

criança330. Era necessário para eles a reformulação de comportamento assistenciais

caritativos, com uso de técnicas cientificas. Assim, a caridade passava a ser vista como

falta de organização, de método de trabalho e de ordem. A filantropia incorpora essa

perspectiva e visa dar prosseguimento à obra de caridade, mas sob um novo

329
LONDONÕ, Fernando Torres. Origem do Conceito Menor. In: PRIORE, Mary (org.). Historia das
crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
330
Juristas e médicos criaram um projeto de prisão modelo para os menores carentes ou infratores. Esse
projeto baseava-se nos valores e as normas cientificas proposta pela assistência filantrópica, que segundo
essa assistência os meios fundamentais de recuperação dos menores eram a educação, o trabalho e a
disciplina.

155
entendimento de assistência. Não mais a esmola que humilha, mas a reintegração social,

das crianças desvalidas.

As ações filantrópicas, dessa forma, foram pensadas na sociedade como um

recurso racional e técnico para atender à questão social do menor desamparado. Tendo

como objetivos educar, formar, proteger e corrigir menores abandonados. Assim, novos

experimentos pedagógicos surgiram, como no caso das colônias agrícolas. Esses

estabelecimentos começaram a ser criados na segunda metade do século XIX. A função

de tais instituições visava a preparação dos meninos para o mundo do trabalho agrícola,

em substituição do trabalho escravo. Conforme observa Maria Luiza Marcílio:

O ensino agrícola e a vida segregada em fazendas eram vistos como


fórmula ideal para retirar o jovem abandonado ou infrator das ruas,
com o fim de instruí-lo e capacita-lo para o mundo do trabalho., e
também como forma de prevenção ou, então, de regeneração da
delinquência juvenil. Tal modelo era considerado o meio ideal para
desenvolvimento do hábito e do amor ao trabalho e como uma forma
de preparar meninos e meninas, para serem úteis a sociedade331.

Essas colônias se desenvolveram nas seguintes regiões: Pará, Belém, Recife,

Fortaleza, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. No entanto, a maioria delas, tiveram os

seus estabelecimentos em pleno funcionamento a partir da década 1870.

Quadro – 12 Instituições de Colônia Agrícola e/ou Industrial


Cidade Ano de Fundação Instituição
Recife 1873 Colônia Agrícola
Orfanológica e Industrial
Fortaldeza 1877/79 Colônia Agrícola
Orfanológica e Cristina
Bahia 1886 Colônia Orfanológica Isabel
de Salvador – Industrial e
Agrícola
Pará 1899 Instituto Lauro Sodré
tornando mais tarde Colônia
Orfanológica Artística,
Industrial
Belém 1899 Agrícola Providência
Rio de Janeiro 1901 Colônia Penal Agrícola, na

331
MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada..., p. 214.

156
Fazenda de Santa Mônica
São Paulo 1902 Instituto Modelo ou Instituto
Disciplinar – Industrial e
Agrícola
Belo Horizonte 1909 Instituto João Pinheiro –
Colônia Agrícola
Fonte: MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.

Em Minas Gerais, também foi notório o desempenho dos presidentes da

província nos cuidados com os meninos expostos, órfãos e desvalidos. Em 1835, o

presidente da província Antônio da Costa Pinto ordenou que, nas cidades do Estado,

onde não houvesse a Roda dos Expostos, era obrigação das Câmaras Municipais

custearem e cuidarem da criação dos Expostos. Deste modo, várias Câmaras de Minas

continuaram e intensificaram suas responsabilidades com criação dos meninos: Ouro

Preto, Mariana, São José Del Rei, Barbacena, Lavras, Pouso Alegre, Itabira, Rio Pardo,

Campanha, Queluz, Sabará, Pitangui, Diamantina, Vila do Príncipe, Paracatu, Curvelo,

Minas Novas, Poruba e Auiruoca.

Alguns relatórios dos presidentes das províncias nos demonstra que algumas

instituições de Minas Gerais atuaram em prol do desenvolvimento da aprendizagem das

crianças maiores de sete anos de idade. São João del Rei, além de ser a primeira cidade

de Minas que aparelhou a Santa Casa de Misericórdia com a Roda dos Expostos, foi

também uma das primeiras cidades a criar um Recolhimento para moças. O intuito desse

estabelecimento era educar e ensinar as moças alguns ofícios e oferecer a elas dotes para

se casarem. A Santa Casa de Misericórdia de São João del Rei aparece descrita no

relatório do presidente da província como um estabelecimento bem sucedido. “O fundo

deste Hospital é de 69:910$224. Importou sua receita desde 20 de junho de 1857 a 20

157
do dito mês de 1858 na quantia de 10:976$186, e a despesa em 9:419$216. Houve um

saldo de 1:556$970”332.

Na cidade de Mariana, o Hospital da Santa Casa de Misericórdia foi edificado no

ano de 1833, com excelentes cômodos, apropriados para atender de 30 a 40 enfermos.

No entanto, a instituição não contou com administradores para dirigi-la e nem recursos

suficientes para ajudá-la a cuidar dos necessitados. Em 1854, a Santa Casa de

Misericórdia teve dificuldades para manter a assistência em atividade.

Conseqüentemente, não encontramos nenhum relato documental que comprove que nela

houve a instalação da Roda dos Expostos.

Ao hospital de caridade da leal cidade de Mariana faltam todos os


recursos indispensáveis para preencher os filantrópicos fins de sua
instituição, e por isso não tem podido prestar regularmente a
humanidade enferma e desvalida os ofícios de caridade na
conformidade de seus estatutos. O edifício com que está situado, além
de carecer de muitos cômodos para os diferentes misteres a que é
destinado, necessita de prontos reparos, principalmente na sua capela
consagrada ao culto da Senhora Santa Ana333.

Todavia, em Mariana, existiram duas instituições com iniciativas filantrópicas,

que teriam como função proporcionar a educação para meninos e meninas - expostos,

órfãos e desvalidos. A instituição destinada às meninas recebeu o apoio do Bispo de

Mariana, que incentivou a vinda de Paris de doze filhas da caridade para instruir as

meninas carentes no ensino de gramática e em ofícios de costura e outros.

Devendo a província ao zelo verdadeiramente apostólico do virtuoso


Prelado desta diocese o possuir hoje em seu seio a mais bela
instituição de São Vicente de Paula nas filhas da caridade – que se
estão estabelecendo na cidade de Mariana, quase que a providencia

332
Relatório de Presidente de Província de Minas Gerais, (ano de 1859) apresentado pelo presidente
Joaquim Delfino Ribeiro da Luz. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u257/000053.html (acesso: 01 de julho de
2011).
333
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1854) apresentado pelo presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/458/000009.html (acesso: 01 de
julho de 2011).

158
para d’ali se disseminarem oportunamente pela província e sendo
acima de toda a expressão os benefícios que estes veneráveis anjos da
terra prestam à humanidade enferma, à moral pública e a religião,
julgo do meu imperioso dever mui particularmente recomendá-las334.

Para os meninos, o estabelecimento designado a eles foi o Colégio de Órfãos,

que também contou com o apoio do Bispo da cidade.

Deve também a província o zelo do Exm. bispo diocesano a


inauguração de um colégio de meninos órfãos na cidade de Mariana,
sem outros fundos além dos que lhe sugerira sua engenhosa caridade.
Dirigiu-se aos párocos da província, como sabereis, enviando lhes
pequenos folhetos pios e estampas de santos para a estação da missa
conventual os distribuírem pelos fieis mediante uma esmola não
menor de 40 rs, e é com esse tão precário subsidio que abriu o colégio,
onde já tem bom número de meninos. Não posso deixar de
recomendar a vossa esclarecida proteção tão pio estabelecimento335.

Esses dois estabelecimentos foram citados no relatório do presidente da

província, induzido por Alexandre Joaquim de Siqueira, no ano de 1850. A historiadora

Cínthia Araújo, levanta a hipótese de que o desaparecimento dos expostos na lista de

matrícula da Câmara de Mariana, a partir de 1833, estaria associado com a criação

dessas duas instituições. As quais passariam a ficar com a responsabilidade da criação

dos expostos desde bebês336. Portanto, o que sabemos dessas instituições é que o

Colégio de Órfãos também abrigou enfermos no seu estabelecimento, já que a Santa

Casa se encontrava inoperante.

Os enfermos desvalidos que necessitam da Santa Casa, são


provisoriamente tratados na Casa dos Órfãos sob as vistas e desvelos
das irmãs de caridade que espontaneamente se ofereceram a prestar-
lhes seus serviços. O número de enfermos sobe a 16 e consta que nada

334
Relatório de Presidente de Província de Minas Gerais, (ano de 1850) apresentado pelo presidente
Alexandre Joaquim de Siqueira. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000018.html (acesso: 01 de julho de
2011).
335
Relatório de Presidente de Província de Minas Gerais, (ano de 1850) apresentado pelo presidente
Alexandre Joaquim de Siqueira. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000018.html (acesso: 01 de julho de
2011).
336
ARAÚJO, Cíntia Ferreira. A Caminho do Céu..., p. 84.

159
tem faltado a estes infelizes para se restabelecerem dos incômodos
corporais e espirituais. A par da saúde do corpo não se esquecem as
irmãs da caridade da saúde do espírito dos que estão confiados aos
seus cuidados. Convém que tão interessante asilo seja auxiliado a fim
de que não definhe por falta de recursos337.

Em Vila Rica, conforme já vimos, desde a edificação da Santa Casa de

Misericórdia, em 1738, essa instituição sempre esteve prejudicada, pois, além de poucos

recursos financeiros destinada a ela, pouca também era a atenção desempenhada pelos

governadores para ajudá-la a exercer a função assistencial aos necessitados. Mesmo

depois da independência do Brasil, a Casa de Misericórdia da capital mineira, Ouro

Preto, apareceu descrita no relatório do presidente da província como uma instituição

que ainda apresentava muitas dificuldades. “(...) constantemente luta a Santa Casa de

Misericórdia desta Capital. Seus fundos, uns por sua fraqueza, outro por improdutivos,

não dão suficiente renda para fazer face as variadas incumbências do compromisso,

por que atualmente se rege”338.

Deste modo, em Ouro Preto, os cuidados com os expostos, até os sete anos de

idade, continuaram a cargo da Câmara, e o procedimento de escrevê-los na lista de

matrícula também continuou sendo o mesmo.

Quadro – 13 Livro de Matrícula dos Expostos da Câmara Municipal de Ouro Preto


Nome Nomes Data da Batismo Preço Pagamento Revista Observações
dos dos Matrícula Mensal da
Expostos Criadores Criação
e suas
moradas
João Josefa Em 30 de Em 2 de A 3 ano Em 1833 Apresentada Com boa
Maria e agosto de setembro para o de janeiro em 20 de nutrição
moradora 1832 de 1833 mês, de 28 dezembro
na rua de na Matriz vencidos diário nº 9 de 1832
Sal do Sal até o fim a quantia
de de 10,200

337
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1854) apresentado pelo presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/458/000009.html (acesso: 01 de
julho de 2011).
338
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1854) apresentado pelo presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. . http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/458/000009.html (acesso: 01 de
julho de 2011).

160
dezembro
de 1832
10,200
Maria Joana Em 21 de Em 30 de A 21 do EM 1833 Apresentada Com pouca
Maria e Julho de Julho na mês janeiro em 21 de nutrição e
moradora 1832 Matriz de vencido diário nº dezembro doente. O
do Sal Sal de fim de 10 a de 1832 médico
dezembro quantia de prescreveu a
de 1832 5,300 Anna dieta
6,300
Fonte: APM, CMOP 3/4 caixa 08 folha 17

Entretanto, a cidade de Ouro Preto, também presenciou projetos filantrópicos.

No ano de 1837, o presidente da província Antônio da Costa Pinto, em seu relatório

presidencial, declarava que os lavradores da província de Minas não possuíam

conhecimento de como utilizar a terra para o plantio. Segundo as autoridades, eles

queimavam uma grande porção de terras sem necessidade:

Muito se tem clamado, posto que em vão, contra a destruidora rotina


de nossos lavradores; elles entendem que não podem colher com
vantagem os productos da Agricultura, sem que se tenha derrubado, e
queimada uma grande porção de madeiras; em sua opinião as
melhores terras dentro de pouco tempo se tornão irremediavelmente
cançadas, abusando assim de um principio, alias verdadeiro, mas
tomado em uma generalidade sem limites. O lavrador intelligente, e
abastado costuma ter em reserva uma parte de suas terras; mas sabe
prepara-la d’ antemão para ser vantajosamente cultivada em occasião
opportuna; o nosso lavrador porem tudo espera só do tempo. Dest’arte
tem-se visto desapparecer pouco a pouco maguifieas florestas, e o solo
cobrindo-se de arbusto inúteis, e damnosos, vai perdendo sua
primitiva fertilidade. Um dia virá talvez ainda, em que se há de
experimentar a falta de madeiras para a contrucção dos Edificios, de
maquinas, das estradas, e pontes, e das embarcações para a navegação
de inumeráveis rios, que retalhão esta tão vasta, como importante
Provincia. E certo que, entre muitos outros deveres, com que forão
sobrecarregadas as Camaras Municipaes, incumbe-lhes também o de
promover a Agricultura; mas ou seja pela deficiência de meios, ou
pela morosidade, e carência de systema em seus trabalhos, ou seja
finalmente pela amiudadas renovações dos Membros, que as compõe,
não é menos certo que ellas pouco tem feito para corresponder á
publica espectação. Accresce, que os Vereadores, ou são esses
mesmos lavradores emperrados na rotina, que acharão em uso, em
negociantes, que desconhecendo os verdadeiros interesse do Paiz, e
conseguintemente os próprios, cuidosos exclusivamente do seu
comercio não tomão á peito os melhoramentos da Agricultura339.

339
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1837) apresentado pelo presidente
Antônio da Costa Pinto. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/440/000027.html (acesso: 01 de julho de 2011).

161
Assim, para solucionar o problema da qualidade dos trabalhadores da

agricultura, o presidente da província Antônio da Costa Pinto, propôs para Câmara

Municipal fiscalizar esses trabalhadores. Além disso, o presidente presumiu também

que seria muito útil estabelecer uma “Fazenda Normal”, em Ouro Preto, que ensinasse

os meninos órfãos pobres teorias e lições de práticas sobre a indústria agrícola. Tal

projeto se inspirou em uma experiência paulista.

Presumido por tanto, que muito útil seria á Provincia o


estabelecimento de uma Fazenda normal, onde á par do ensino da
theoria, se dessem lições pratica da industria agrícola, e se
empregassem todos os meios conducentes a faze-la prosperar em seus
diversos ramos. Sobre este assunto, bastante fora, se me não engano, a
adoção da Lei nº 14 de 25 de fevereiro do anno próximo passado,
promulgada pela Assembleia Provincial de São Paulo. Os Orfãos
pobres, e quaesquer outras pessoas, que por certo espaço de tempo se
dessem aos trabalhos da Agricultura na Fazenda normal, sahirião
optimos Feitores, que para dirigerem proveitosamente a cultura da
Fazendas da Provincia serião por toda a parte procurados340.

Portanto, em 31 de março de 1840, o governo ouropretano autorizou que se

instituísse na cidade um Jardim Botânico, uma escola que ensinasse o trabalho da

agricultura para órfãos pobres (grupo ao qual os expostos pertenciam)341. Entretanto,

infelizmente, pouco sabemos a respeito desse projeto filantrópico. Acreditamos que tal

iniciativa filantrópica, em Ouro Preto, não prosperou como aconteceu nas cidades

litorâneas, principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro, onde existiram vários tipos de

instituições com intuito de incentivarem os meninos e as meninas a aprenderem algum

oficio.

Portanto, para tentarmos responder sobre o destino dos expostos ouropretanos,

maiores de sete anos de idade, utilizamos os registros das Listas Nominativas de

340
Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, (ano de 1837) apresentado pelo presidente
Antônio da Costa Pinto. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/440/000027.html (acesso: 01 de julho de 2011).
341
SIA-APM, Coleção de Leis Mineiras (1835-1889) Assembléia Legislativa Provincial t. 6, part. 1 p. 42-
44.

162
1831342, disponíveis e organizadas pelo CEDEPLAR, sob orientação de Clotilde

Andrade Paiva.

Por meio dessa documentação, encontramos 12 expostos para o ano de 1831,

representados no quadro 14.

Quadro – 14 Condição dos Expostos maiores de 7 anos


Nome do exposto Ocupação Idade
João Carlos de Figueiredo Estudante 07
Murta
Candido José de Figueiredo Estudante 08
Murta
Rodrigo José de Figueiredo Estudante 10
Murta
José Luis Estudante 11
Manoel Lavrador 17
José Joaquim Pereira Feitor 20
Genoveva Costureira 55
Fonte: Arquivo Público Mineiro (APM). Listas nominativas, Ouro Preto – 1831. Organizadas em Banco
de Dados pelo CEDEPLAR/UFMG

Esse pequeno número de expostos, descrito nesse arrolamento, nos levou a

pensar em três hipóteses: 1º hipótese, poderia estar relacionada com a diminuição dos

expostos, que começou na década de 1810. Tendo que o abandono de crianças, a partir

da década de 1770, ficava em torno de 90 a 100, na década de 1820, esse registrado

ficava em torno de quatro a oito enjeitamentos; 2º hipótese, talvez estaria relacionado

com o falecimento precoce das crianças; 3º hipótese, seria inclusão desses expostos no

seio familiar; se tornando filhos dos seus criadores, e por isso, não foram descritas na

lista populacional como expostos; 3º hipótese é a incorporação desses expostos em

domicílios como agregados. Pois, a partir da década de 1830, os agregados começaram

aumentar nos domicílios, o que coincidiu com a diminuição dos expostos nos auxílios

342
As listas nominativas são documentos manuscritos, elaborados por distritos pelos Juízes de paz, que
contêm a relação nominal dos habitantes com algumas características pessoais e domiciliares. A maioria
delas privilegia informações sobre dados do chefe de domicílio e sua família (nome, sexo, idade, estado
conjugal, profissão e número de filhos presença/ausência de escravos e agregados), seus agregados e os
escravos possuídos. A análise destas fontes nos possibilita identificar a população, suas características,
sexo, condição étnico-social e atividades econômicas.

163
camarario. Eni de Mesquita argumenta que, os agregados constituem uma categoria

bastante heterogênea e sem posição definida no quadro econômico-social. São adultos

ou crianças sem propriedade que apareciam em muitos domicílios como formas de

alternativas de mão-de-obra, principalmente, quando se tratava de famílias não

escravistas343. Constatamos, dessa forma, que de 12 expostos, cinco não possuíam a

idade de sete anos, e nem a ultrapassava. Quatro deles, como demonstra o quadro14,

tinham a mesma ocupação - o de estudante. O interessante desse caso é que três desses

expostos apresentavam sobrenomes iguais, João Carlos de Figueiredo Murta, Candido

José de Figueiredo Murta e Rodrigo José de Figueiredo Murta. Ao analisarmos o fogo

em que eles se integravam, observamos que a chefe desse domicílio era D. Thereza Iria

Fideles, que tinha 45 anos e a sua ocupação era de costureira. Ela, além de ter em sua

moradia os três expostos, também registrou seis agregados e 31 escravos. Dos seis

agregados quatro terminavam com o sobrenome Figueiredo Murta (Alferes Lúcio José

de Figueiredo Murta, Manoel Avelino Neves Murta, Lucinda de Figueiredo Murta,

Thereza Iria de Figueiredo Murta), o que nos leva a supor que D. Thereza Iria Fideles

poderia ter alguma relação familiar com os agregados e os expostos; os adotando,

informalmente quem sabe, como membros de sua família. Já o restante dos “agregados”

– um tinha três anos, e esse foi descrito no rol de habitante como agregado, talvez

poderia ter sido “exposto”, que foi assentado na lista como agregado e a última

agregada mais idosa era Maria de Gonçalves de Jesus, uma fiandeira de 66 anos344.

D. Thereza era costureira e próspera. A maioria de suas escravas ocupava a

função de produção de tecidos (costureiras), ocupação também desempenhada por ela.

As funções das escravas foram descrita dessa forma: três costureiras, duas fiandeiras,

343
SAMARA, Eni de Mesquita. A Família e domicílio em sociedades escravistas (São Paulo no século
XIX). In: Congresso sobre a História da População na América Latina, 1989, Ouro Preto. Anais... São
Paulo: Fundação SEADE, 1990, p. 81
344
Arquivo Público Mineiro (APM). Listas nominativas, Ouro Preto – 1831. Organizadas em Banco de
Dados pelo CEDEPLAR/UFMG

164
três fiandeiras aprendiz, duas cozinheiras e duas lavadeiras. E as funções dos escravos

foram: um pedreiro, um carvoeiro, um tropeiro, dois capineiros e dez lavradores. Existia

ainda, quatro escravos: Veríssimo, Elizeu, José e Evaristo, com as respectivas idades 6,

6, 4 e 1, os quais foram descritos na lista sem ocupação. Alguns agregados, exceto

Alferes Lucio que ocupava a função de negociante da fazenda e a estudante Thereza

Iria, os outros foram descritos com a ocupação semelhante as dos escravos e semelhante

também com a de D. Thereza: tropeiro, fiandeira e costureira345.

A importância de demonstrarmos essas ocupações é para notar que os expostos

estavam inseridos em um domicílio próspero; assim como receberam o sobrenome da

família. As suas ocupações foram descritas como de estudantes, sendo eles maiores de

sete anos de idade. Esse fato é interessante, se sugerindo que a presença de expostos em

domicílios prósperos não significava mão de obra complementar para residência.

Entretanto, acreditamos também que, findando o período estudantil, essas crianças

aprenderiam algum oficio do domicílio, porém elas continuariam tendo uma posição

privilegiada na residência, como aconteceu com alguns agregados.

José Luis foi outro exposto, identificado no quadro 14, com a ocupação de

“estudante”. Ele era de uma família modesta, constituída de três membros; sendo o

chefe do domicílio Antônio da Silva Diniz, professor de 40 anos, D. Maria Silveira,

esposa de Antônio, costureira de 33 anos e Juana, agregada cozinheira, de 60 anos.

Nesse caso, o que nos chamou atenção foi que a família do exposto José, mesmo

composta de poucos membros, permitiu ao pequeno de 11 anos uma ocupação de

estudante, claro que tal ocupação poderia mudar com o passar dos anos, mas o menino

poderia ser considerado um privilegiado, porque algumas famílias geralmente pequenas,

345
Arquivo Público Mineiro (APM). Listas nominativas, Ouro Preto – 1831...

165
principalmente aquelas que não possuíam escravos apropriavam-se dos expostos para

torná-los mão-de-obra barata346.

O exposto Manoel, lavrador, morava numa residência que era composta: pelo

chefe de domicílio, Manoel da Silva, lavrador agrícola, de 69 anos, por quatro escravos

sem ocupações declaradas, sendo as suas idades de 24, 48, 55 e 55, idade ainda em

produtividade; e ainda por 10 agregados com as idades de 2, 3, 5, 8, 14, 17, 21, 29, 29 e

35, sendo que desses, seis ocupavam a função de lavradores e os outros quatro não

tinham ocupação declarada. O caso do exposto Manoel era uma ocorrência bem típica

do que acontecia com os outros expostos maiores de sete anos de idade. Primeiro:

provavelmente esse exposto não era estudante, porque, dos quatro agregados com

idades mínimas 2, 3, 5 e 8 anos (Francisca, Humbelina, Querina e Anna) nenhum deles

era estudante. Além disso, provavelmente esses mesmos meninos foram crianças

enjeitadas que foram descrita na lista de habitantes como “agregadas”; segundo:

geralmente o exposto exercia a mesma profissão de seu criador, o exposto Manoel

exerceu a mesma profissão do seu criador, que era de lavrador, terceiro, sabemos que o

emprego do trabalho infantil era intenso, como esse domicílio possuía poucos escravos

e muitos agregados, a presença dos agregados juntamente com a do exposto Manoel,

representou para o chefe desse fogo uma forma de aumentar a produção, sem a

necessidade da incorporação de mão-de-obra escrava, que custava caro347.

Observamos, no caso do exposto José Joaquim Pereira, que o seu

relacionamento com o seu criador era de “filho”. O criador de José Joaquim tinha dado

a ele e, ao seu único agregado, o seu mesmo nome e sobrenome – Capitão José Joaquim

Pereira. Ambos também ocupavam a mesma profissão, de feitor. Assim, além de seu

criador ser capitão, ele tinha 60 anos de idade, era casado com D. Ana Rosa, que tinha

346
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347
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166
58 anos de idade, possuía 32 escravos e era proprietário de fazenda, estabelecimento

próspero de agropecuária. Por isso, acreditamos que o capitão, por não ter tido filhos e

por ser dono de escravos e de uma propriedade próspera, considerava o exposto e o

agregado como futuro herdeiros de seu grande negócio348.

O domicílio que a exposta Genoveva morava era composto de 42% de agregados

e 51% de escravos. Sua criadora foi D. Maria Úrsula da Silva, que tinha 81 anos de

idade e se encontrava enferma. A ocupação que Genoveva exerceria era de costureira,

profissão que ela aprendeu com a D. Maria349. Como observamos, muitos dos expostos

acompanhavam a profissão dos seus criadores. Desse modo, o futuro reservado para

alguns deles foi a admissão no mundo do trabalho, primeiro como aprendizes, e, mais

tarde, como agregados das famílias que os acolheram.

348
Arquivo Público Mineiro (APM). Listas nominativas, Ouro Preto – 1831...
349
Arquivo Público Mineiro (APM). Listas nominativas, Ouro Preto – 1831...

167
Considerações Finais

O abandono de crianças é um problema secular no Brasil e muitos são os estudos

que buscam explicar suas origens, causas e conseqüências. No decorrer do tempo, a

sociedade e as autoridades tomaram algumas medidas que objetivavam amparar o

infante desvalido. Entretanto, tais medidas nem sempre foram adotadas de forma

competente e eficaz. Criticamente podemos conceituar alguns dos mecanismos criados

em prol da proteção da criança como intenções políticas para resolver graves problemas

sociais e econômicos como o desconforto causado pelos expostos nas ruas e pela falta

de ocupação dessa população.

A sociedade de Vila Rica, como as demais sociedades das vilas mineiras, fez

dessa região (em relação às outras regiões da Colônia), um mundo diversificado de

experiências. Esse evento ocorreu devido alguns fatores: a descoberta do ouro -

momento tão esperado pela Coroa; o povoamento desenfreado da comarca; a

propagação de irmandades; as tentativas de normalização impostas pela Coroa e pela

Igreja; o aumento de alforriados, mestiços e desocupados; a decadência da atividade

mineradora; a imigração da população em sua maioria homens e a transformação de

Vila Rica, após a independência, na cidade da capital mineira Ouro Preto.

A família mineira, que também fazia parte dessa sociedade peculiar, se

demonstrou cada vez mais preparada para enfrentar as transformações que essa

sociedade lhe impunha. De acordo com Donald Ramos, nas últimas décadas do século

XVIII e inicio do século XIX, o perfil das famílias de Vila Rica muito se assemelhava

com a estrutura familiar do norte de Portugal (Minho e no Douro). O universo que

predominava nessas sociedades era formado por famílias chefiadas por mulheres, baixas

taxas de casamento, idade ao se casar mais tardia que o esperado, baixas proporções de

famílias nucleares sacramentadas pelo matrimônio e altas taxas de ilegitimidade e de

168
expostos.

(...) os emigrantes portugueses que vieram para Minas Gerais eram,


em sua maioria, originários do norte de Portugal, onde a estrutura
familiar e domiciliar diferia das outras partes do reino. Esses
emigrantes trouxeram para Minas Gerais um conjunto particular de
valores sociais e culturais que, no ambiente social e cultural mineiro,
apesar das diferenças superficiais, era muito semelhante ao que
haviam deixado para trás.350

Nesse contexto, de altas taxas de expostos, principalmente no final do século

XVIII fez com que legislação portuguesa tivesse impacto na sociedade ouropretana.

Portanto, neste trabalho procuramos compreender as formas assistenciais por meio da

caridade e da filantropia que viveu as crianças abandonadas de Vila Rica.

350
RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, nº 1, vol.
44, nº1, p. 132-153, jan./jun. 2008, p. 148.

169
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Caixa 159, Rolo 548; Caixa 159, Rolo 548; Caixa 159, Rolo 548os; Caixa 60, Rolo 519;
Caixa 60, Rolo 519; Caixa 82, Rolo 525; Caixa 82, Rolo 525; Caixa 32, Rolo 510;
Caixa 60, Rolo 519; Caixa 139, Rolo 542; Caixa 59, Rolo 519; Caixa 71, Rolo 522;
Caixa 130, Rolo 539; Caixa 64, Rolo 520; Caixa 27, Rolo 509; Caixa 148, Rolo 545;
Caixa 60, Rolo 519; Caixa 56, Rolo 518; Caixa 30, Rolo 510; Caixa 132, Rolo 540;
Caixa 140, Rolo 542; Caixa 140, Rolo 542; Caixa 141, Rolo 542; Caixa 57, Rolo 518;
Caixa 72, Rolo 522; Caixa 36, Rolo 511; Caixa 36, Rolo 511; Caixa 140, Rolo 542;
Caixa 130, Rolo 539; Caixa 129, Rolo 539; Caixa129, Rolo 539; Caixa 136, Rolo 541;
Caixa 149, Rolo 545; Caixa 159, Rolo 548; Caixa 27, Rolo 509; Caixa 60, Rolo 519;
Caixa 32 Rolo 510; Caixa 57, Rolo 518; Caixa 141, Rolo 542; Caixa 129, Rolo 539;
Caixa 130, Rolo 539.

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documentação não encadernada. Caixa – Documento: Inventário do Fundo da
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03(51), 03(52), 04(04), 04(07), 04(12), 04(15), 04(27), 04 (28), 05(06), 05(14), 05(15),
05(34), 05(35), 06(02), 06(08), 06(09), 06(14), 06(15), 07(01), 07(05), 07(06), 07 (18),
07(23), 07(24), 07(27), 07(28), 07(29), 07(30), 07 (33), 8(10), 08 (01), 08(15), 08(19).

Arquivo Público Mineiro (APM) - Câmara Municipal de Ouro Preto (CMOP),


documentação migro-filmados Receita e Despesa da Câmara:

Cód. 102, rolo 40, flash 01; Cód. 106, rolo 41, flash 01; Cód. 110, rolo 42,
flash 01; Cód 132, rolo 49, flash 01; Cód 154, rolo 51, flash 01; Cód 219,
rolo 54-55, flash 01; Cód 228, rolo 55, flash 01; Cód 259, rolo 60-61, flash
01; Cód 324, rolo 66, flash 01e Cód 438, rolo 70, flash 01.

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(CMOP), documentação migro-filmados.

170
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