Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
127
RESUMO
Este trabalho, de natureza historiográfica, pretende discutir a forma de
organização do saber médico na Bahia do século XIX em torno do
corpo feminino. Este período revela a emergência do saber médico,
fundamentado no espírito de cientificidade oitocentista, em
contraposição às práticas seculares de curas, respaldadas no saber popular.
O texto foi produzido a partir das consultas a fontes primárias, tais
como as publicações da Gazeta Médica da Bahia, jornais e periódicos de
circulação em Salvador, no período em questão; Memórias Históricas
da Faculdade de Medicina; teses de conclusão de curso; os discursos
proferidos na Câmara Municipal; relatórios médicos da Santa Casa de
Misericórdia de Salvador, dentre outros documentos reveladores da
construção do saber médico na Bahia do século XIX. A análise aqui
desenvolvida está ancorada na história social da medicina e do corpo.
Palavras-chave: história do corpo, medicina, mulher.
ABSTRACT
This historical study aims at the discussion about how medical knowledge
of the female body was organized in Bahia in the 19th century. That
period reveals the emergence of medical knowledge based on the
scientific spirit of the 1800’s as opposed to old healing practices
supported by popular perceptions. The text was produced from research
into primary sources such as issues of Gazeta Médica da Bahia (Medical
Journal of Bahia) and periodicals available in Salvador during that time;
Memórias Histórias da Faculdade de Medicina (Medical School Historical
Memories); graduation theses; speeches given to the City Counsil;
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
128 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 129
4 DEL PRIORE, M. Dossiê: a história do corpo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v.
3, p. 14 - 15, jan./dez. 1995.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
130 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
5 DEL PRIORE, M. A mulher na história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1994. p. 51.
6 Período pós-parto.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 131
7 Ver DUBY, G. Damas do século XII: a lembrança dos ancestrais. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997; MACEDO, J. R. de. A mulher na Idade Média. São Paulo: Contexto, 1997; FRANCO
JÚNIOR, H. As utopias medievais. São Paulo: Brasiliense, 1992.
8 Ver REIS, J. J. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991; SCHWARC, L. M. O espetáculo das raças: cientistas,
instituições e questão racial no Brasil − 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
9 DEL PRIORE, M. História das mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS, M. C. (Org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p. 230. Cf. DEL PRIORE, M. A
árvore e o furto: um breve ensaio histórico sobre o aborto. [S. l.: s. n.], 2000. p. 5.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
132 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 133
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
134 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 135
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
136 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 137
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
138 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
E mais:
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 139
Assumpção 2a [enfermaria]
Molestia: Cancro uterino. Falleceo aos 24 de 8bro de 1853.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
140 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
35 PATERSON, J. L. Gazeta Médica da Bahia. Salvador, ano 10, n. 5, p. 202, maio 1878.
36 SOUZA JÚNIOR, C. M. de. Histórico dos hospitais e maternidades. Bahia: Imprensa
Econômica, 1886. p. 16.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 141
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
142 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 143
50 Sobre este tratado para educação feminina temos o trabalho de CASTRO, D. D’A. B. de.
Cartas sobre a educação de Cora do Dr. José Lino Coutinho. Salvador: Coleção Cardeal da Silva, UCSal,
1977. Ver também, REIS, A. D. Cora: Lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salva-
dor: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 2000.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
144 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 145
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
146 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 147
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
148 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
lho, a pimenta deveria ser ralada com o talo; o escaldado de galinha devia
ser preparado com quiabo sem caroço. Outros cuidados a parida devia ter
durante o seu resguardo, principalmente com o sereno entre seis e oito
horas da noite; a roupa teria que ser passada a ferro na hora de usar e mulher
“de lua”64 não deveria se sentar em cama de parida.65
Ernestina não concordava com um resguardo tão rigoroso, dizia
que ter menino não era doença e os cuidados deveriam ser tomados durante
a gravidez. Todavia não dispensava alguns conselhos para a mulher parida,
como segurar o seio quando estivesse dando mama para evitar a flacidez e,
nos intervalos da amamentação, a mulher deveria passar pasta de tanino de
bananeira e talco de Veneza.66
Sofia afirmava que, “depois de cortar o umbigo da criança, fazia o
procedimento da “cura” com mertiolate, mas dizia não custar nada pegar o
pó do chinelo do pai, bem torrado e peneirado, fazer um parche que nem um
curativo e colocar no umbigo do nenê”; barro de parede torrado e peneirado
também era utilizado. A tesoura usada no corte do umbigo, depois de limpa,
deveria ficar de pernas abertas embaixo da cama nas primeiras 24 horas após
o parto.67
Diante de tantos conselhos e cuidados com a parturiente e com o
recém-nascido, é compreensível o porquê dessas mulheres serem chamadas
de comadres pela população. Durante muitos anos, ostentar este título era
uma honra e significava prestígio e reconhecimento na comunidade onde
atuavam, o que lhes permitia carregar a criança que elas trouxeram ao mun-
do, no dia do batismo, compondo o cortejo junto aos pais, padrinhos e
familiares. As parteiras “representavam”, ou melhor, apresentavam o recém-
nascido diante de um dos sacramentos da Igreja: o batismo.68 Mais uma vez,
64 Em período menstrual.
65 Maria das Dores Sacramento de Jesus, nasceu em Mata de São João e, aos 5 anos, foi levada
para Monte Gordo no intuito de ser iniciada na arte pela Velha Calú, rezadeira, parteira, bordadeira que
mantinha uma “casa de mestra”. Aos 15 anos, foi para Salvador e fixou-se no Baixão do Matatu de Brotas
onde passou a aparar meninos não só na capital como no Recôncavo. Cf. VIANNA, op. cit., p. 9- 26. Passim.
66 Ernestina da Paixão Alves era de Salvador mas vivia em Cruz das Almas, aprendeu a
partejar por acaso e fez muito doutor ficar de cara mexendo pois entendia mais do que eles. Cf. VIANNA, op.
cit., p. 11- 26.
67 Sofia Magno da Anunciação parteira que nasceu, viveu e partejou no Bairro da Liberdade
em Salvador. Cf. VIANNA, op. cit.
68 Depoimento de Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, Pároco da Comunidade de Varzedo-
BA, em junho/2000.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 149
tem-se a legitimação da ação das parteiras, pois a Igreja era uma instituição
que reconhecia o papel dessas mulheres e sua importância na sociedade,
atuando, também, no sentido de preservar o corpo feminino, afastando-o
dos olhos e mãos masculinos.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
150 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
71 Expulsão da placenta.
72 SILVA, A. A primeira médica do Brasil. Rio de Janeiro: Pongetti, 1954. p. 14.
73 EDMUNDO, L. O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis. Rio de Janeiro: Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, 1932. p. 478.
74 MICROFILMES DA FFCH-UFBA. O Athenêo: Periódico Scientífico e Literário, Bahia,
1850, p. 45.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 151
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
152 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 153
Referências
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
154 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória... 155
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR
156 BARRETO, R. Corpo de mulher: a trajetória...
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR