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A Fé sob escombros: esboço teológico camponês protestante pós-tragédia em Vieira View project
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O
riginada no campo das religiões mediúnico-espíritas, a apometria, que pode ser
entendida como ritual religioso e como técnica terapêutica, expandiu-se para
além do campo religioso kardecista, seu lócus de origem, adentrando ao campo
–––––––––––––––––
* Recebido em: 20.11.2013. Aprovado em: 05.12.2013.
* Doutor em Ciência da Religião pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião
(PPCIR), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Em 2008, realizou sua pesquisa
de pós-doutorado, com bolsa pelo CNPQ e projeto na área de Antropologia. Coordenador
e professor do PPCIR (UFJF). Antropólogo. E-mail: emerson.silveira@ufjf.edu.br
** Mestre em Ciência da Religião pelo PPCIR/UFJF. Graduada em Enfermagem pela UFJF.
E-mail: izabelamatos@hotmail.com.
A apometria, como tecnologia de cura, surge em meados de 1960, a partir uma técnica
psicoterapêutica criada por Luiz Rodríguez2, denominada hipnometria. Seu
idealizador estudava a comunicação dos homens encarnados com os espíritos
desencarnados, inicialmente dentro do campo kardecista, e defendia que o
homem seria um ser espiritual formado por um complexo de sensações que
atingem seu auge na condensação máxima de um corpo astral, que liga o corpo
à alma. Acreditava-se que, por meio de emissão de supostos pulsos magnéticos
concentrados e progressivos aplicados nos pacientes, seria possível separar
do corpo físico os corpos sutis, enviando-os ao mundo espiritual, onde seriam
tratados (RODRIGUEZ, 1965).
Segundo essa concepção, a hipnometria seria um avanço da medicina: uma nova tera-
pia “anímica” de diagnóstico e tratamento de enfermidades psicossomáticas
que deveria ser divulgada no meio científico (RODRIGUEZ, 1965).
Assim, acreditando que o homem seria a junção entre um corpo físico e corpos espiri-
tuais cujo desequilíbrio levaria ao adoecimento, Rodriguez (1965) afirmava
que, para se conseguirem resultados na terapêutica dos doentes com proble-
mas mentais, emocionais e psiquiátricos, o tratamento deveria incidir sobre os
corpos espirituais. Nesse sentido, entendia-se que a psiquiatria seria incapaz
de realizar completamente esse tratamento, devendo, para isso, observar e es-
tudar a “natureza do espírito” despida das superstições e dogmas religiosos
(RODRIGUEZ, 1965).
Em 1965, Luiz Rodríguez relatou ao diretor do hospital, Conrado Riegel Ferrari, a
apresentação da hipnometria, no VI Congresso Espírita Pan-Americano Es-
pírita Kardecista.3 O diretor se interessa pelo trabalho e o convida a demons-
trá-lo ao corpo clínico (MOREÍRA, 2004; TAFFARELLO, TAFFARELLO,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse contexto, a apometria flutua entre as verdades concebidas como certas e passí-
veis de verificação, e as verdades duvidosas, abertas ao anúncio do erro e a
novas possibilidades.
Reflexo da pluralidade religiosa contemporânea, a apometria possibilita, no seu ritual,
bricolagens, sem necessidade de síntese, que não impedem nem obrigam os
praticantes à adesão e/ou conversão, compartilhando sistemas simbólicos que
normalmente seriam incompatíveis no seu lócus de origem.
Quando praticada fora das instituições e desvinculada das imposições religiosas, a apo-
metria constrói “zonas francas” onde não se identificam as pertenças ou cren-
ças individuais. Faz-se com naturalidade o consumo, a troca e a comunhão
de bens simbólicos, sem se preocupar com métodos, de forma que vivenciar
constitui o encontro de vários sistemas que não se encontrariam sob outras
condições.
Com efeito, o impulsionamento de técnicas médicas (duplicação e reconstituição de
órgãos, medicamentos, curativos, etc.), de terapias alternativas (acupuntura,
reiki, cromoterapia, florais quânticos, homeopatia, massagens), de simbolo-
gias esotéricas (runas, gnomos, salamandras e outros), de trabalhos espirituais
das religiosidades afro-brasileiras (ebós, bori22, oferendas a entidades e aos
Orixás, banhos de mar, de cachoeira, de pipoca e ervas), de terapias kardecis-
tas (passes, água fluida, desobsessão) demonstra como o sujeito busca, através
Abstract: the use of religious therapies in the treatment of diseases has always been a
matter of debate and conflict within and outside the Brazilian religious field.
Extending the controversies about therapies based on Kardec Spiritism, in
1965, apometry emerges inside a spiritualistic hospital in Porto Alegre. That
is a technique of spiritual healing open to syncretism, hybridism and bricola-
ge, which is seen by traditional Kardecists as not belonging to the Kardecism.
Nevertheless, it was both added by new configurations of the spiritist field and
by several therapists who reinterpretation their religious basis and update it
on their own way, turning this technique into a spiritual therapy.
Notas
1 Foram realizadas também, com o livre consentimento, cerca de 10 entrevistas que abarcaram
dirigentes e membros desses grupos apométricos. As conclusões a respeito da apometria,
seus usos e sentidos, baseia nessas entrevistas e no estudo da literatura “nativa”.
2 Luiz Rodríguez: porto-riquenho radicado no Brasil, residente na cidade do Rio de Janeiro,
psicoterapeuta, farmacêutico e bioquímico. Apresentou, em 1963, no VI Congresso Espírita
Pan Americano, realizado em Buenos Aires, sua técnica espiritualista hipnometria. Ele não
era espírita e afirmava que sua técnica não se relacionava ao mediunismo (MOREÍRA, 2004).
3 Termo utilizado para se referir aos espíritas seguidores de Allan Kardec: Hippolyte Léon
Denizard Rivail, pedagogo e estudioso francês, elaborou, a partir de um diálogo com Es-
píritos (desencarnados) superiores, a Codificação da Doutrina Espírita, nas obras O Livro
dos Espíritos, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Livro dos Médiuns, A Gênese e Obras
Póstumas, as quais se alicerçam em estudos sobre a existência dos espíritos.
4 “Casa do Jardim” era a denominação dada ao prédio desativado que havia no terreno do
Hospital Espírita de Porto Alegre, situado no meio de uma vegetação exuberante cercada
de flores. Depois de algum tempo, o edifício foi reativado para abrigar a Divisão de Pes-
quisa Psíquica do Hospital Espírita de Porto Alegre, dirigida por José Lacerda, que tinha
por objetivo, a princípio, realizar atendimentos mediúnicos e, posteriormente, estudar a
apometria (TAFFARELLO,TAFFARELLO, 2009; MOREÍRA, 2004, p. 93).
Referências
AZEVEDO, José Lacerda. Espírito/Matéria: novos horizontes para a medicina. Porto Alegre:
Pallotti, 2002.
BARACAT, Faiçal. Apometria: Segundo Faiçal Baracat - O Renascimento do indivíduo pela sua
libertação espiritual. Apometria - Teoria e Prática. 2009. Disponível em: http://pt.scribd.com/
doc/48201045/Apometria-Novo#page=319>. Acesso em: 21 jan. 2012 [2009].
BARRADAS, Carlos I. N. Aspectos Históricos da Apometria. 4º Congresso Brasileiro de
Apometria. Trabalho apresentado no Porto Alegre, 1997. Disponível em:< http://www.
casadojardim.com.br/aspectos.htm>. Acesso em: 25 maio 2012. [Trabalho apresentado
originalmente em setembro de 1997].
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A crise das instituições tradicionais produtoras de sentido. In:
MOREÍRA, Alberto; ZICMAN, Renée (Org.). Misticismo e novas religiões. Petrópolis: Vozes,
1994.p. 23-42.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS / Ministério
da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério